aula 17 - formação econômica do brasil caps. 7 16 e 17 - furtado c

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  • 8/17/2019 Aula 17 - Formação Econômica Do Brasil Caps. 7 16 e 17 - Furtado C.

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    Formação Econômica do Brasil - Caps. 7, 16 e 17Bruno Gabriel Witzel de Souza 

    Celso Furtado

    Capítulo VII  – Encerramento da etapa colonial. A história lusitana que se estende de sua independência frente à União Ibérica até o processo de

    independência de sua colônia brasileira é profundamente marcada pelas relações político-econômicas queestabeleceu junto aos ingleses. 

    Tendo perdido largas extensões de seu território no Oriente para os Holandeses, em função da União Ibérica,

    enfrentando a ameaça neerlandesa no nordeste brasileiro e estando constantemente sob a ameaça efetiva de umainvasão espanhola, a situação de autonomia político-militar de Portugal em fins do século XVII era extremamenteprecária. Assim, foi necessário à Portugal aproximar-se cada vez mais estreitamente dos ingleses de modo a podermanter-se como uma nação imperial, claro que às custas de grandes perdas econômicas. “Assim como seria difícilexplicar o grande êxito da empresa açucareira sem ter em conta a cooperação comercial-financeira holandesa,também só pode explicar-se a persistência do pequeno e empobrecido reino como grande potência colonial [...] tendoem conta a situação especial de semi-dependência que aceitou como forma de soberania o governo português. Osprivilégios conseguidos pelos comerciantes ingleses em Portugal foram de tal ordem que os mesmos passaram aconstituir um poderoso e influente grupo com ascendência crescente sobre o governo português”.  

    Tal situação repetir-se-ia ao longo dos séculos XVII e XVIII. Apesar de os acordos anglo-lusitanos permitirem a continuação de Portugal como potência ultramarina, não

    resolviam os problemas econômicos por que passava o reino após o início da concorrência antilhana. A situaçãoeconômica portuguesa gradualmente mostrou-se insustentável: dados os déficits de sua balança comercial,

    decorrentes sobretudo da queda dos preços do açúcar, figurou-se como necessário à Portugal fomentar algumdesenvolvimento manufatureiro com o objetivo de realizar a substituição de importações.

    Como já visto, porém, na perspectiva furtadiana este desenvolvimento seria toldado pelo Tratado deMethuen, que pôde ser efetivado em função do afluxo do ouro brasileiro. No entanto, foi o próprio John Methuen, aquem o nome do tratado deve sua origem, que conseguiu diversos benefícios políticos à Portugal: fez com que oslusos participassem da conferência de Utrecht, na qual Portugal obteve a hegemonia sobre o Amazonas e sobre anavegação de seu rio frente aos franceses, bem como o reconhecimento espanhol quanto à hegemonia lusitana naColônia de Sacramento.

    O ouro brasileiro fluindo à Inglaterra via Portugal seria de fundamental importância no fomento dodesenvolvimento industrial inglês, primeiro por atuar como uma base de acumulação, segundo por estruturar aInglaterra como o centro financeiro europeu e terceiro por garantir àquela nação uma imensa flexibilidade em termosde importações, sobretudo de matéria-prima para a indústria nascente.

    Quando a extração aurífera brasileira começou a escassear, a Inglaterra já havia entrada em franca fase do

    desenvolvimento industrial. Com isto, uma nova percepção da economia surgia aos ingleses: o laissez-faire passavaao primeiro plano. Com efeito, sob esta nova conjuntura, o Tratado de Methuen, que potencializara todo o processoda revolução industrial por meio do ouro brasileiro (notar aqui a proximidade com o texto e conceitos de Novais),passava a ser mal-visto. Em 1786, conquanto os ingleses ainda mantivessem-no formalmente, a concorrênciafrancesa de vinhos no mercado inglês subira consideravelmente por uma maior equalização de condições.

    Em 1810, o governo português assinaria um acordo de fundamental importância para a história brasileira.Reconhecia o direito inglês de comercializar diretamente com a região colonial em que se instalara a corte e recebiapara seus produtos taxações fiscais menores que aquelas aplicadas aos próprios produtos portugueses. Ao mesmotempo, recebia a garantia de que os ingleses não reconheceriam qualquer liderança política que Napoleão viesse aestabelecer em Portugal.

    Concluído o processo de independência brasileiro, a nova nação tinha diante de si um sério problema comque lidar. Dados os acordos com Portugal, a Inglaterra deveria opor-se a todos os inimigos político-militares dos lusosque lhes tomassem as colônias; e efetivamente a independência colonial era justamente isso. Assim, em 1827,

    quando das negociações junto ao governo inglês para o reconhecimento da nova nação, o Brasil tinha esse grandeproblema a enfrentar; para contorná-lo, continuou-se a oferecer aos ingleses o reconhecimento de potênciaeconômica privilegiada e era apenas isto que lhes interessava: tendo-o garantido, os acordos com Portugal frente aoBrasil dissipavam-se.

    Explica-se, assim, a transferência de dependência econômica que se observou no primeiro quartel do Brasilindependente. Ainda que politicamente livre, a nação surgia com as mesmas rédeas econômicas que lhes haviamdiso imputadas pela antiga metrópole. Em 1842, expirando o tratado assumido pelo governo brasileiro com o inglês, etendo ocorrido um processo de pan-americanismo em função do acelerado desenvolvimento dos EUA, pôde o Brasilfinalmente resistir à pressão inglesa para que outro acordo do mesmo tipo fosse firmado.

    O país apresentaria, ainda durante toda a primeira metade do século XIX, características econômicas quemuito se aproximavam da colônia, isto porque “a estrutura econômica, baseada principalmente no trabalho escravo,se mantivera imutável nas etapas de expansão e decadência”. Apenas as decorrências posteriores da desagregaçãoda economia cafeeira é que viriam alterar este “sentido” permanente na história brasileira e propiciar as bases para o

    início da industrialização.

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    Capítulo XVI  – O Maranhão e a Falsa Euforia do Fim da Época Colonial.Em fins do século XVIII, a organização econômica colonial era formada por uma “[...] constelação de

    sistemas [...]” relativamente articulada: havia o complexo nordestino, a região economicamente involuída das minas,o complexo pecuário do centro-sul, os pecuaristas da região do Rio São Francisco (que exportavam gado ou para ocentro-sul ou para o nordeste, conforme a conjuntura se mostrasse favorável a um ou a outro) e a economia do Pará-Maranhão. Após o declínio da atividade mineira e a queda nos preços dos produtos tropicais exportador por Portugal,todas elas passavam por dificuldades econômicas de maior ou menor grau, mas o importante a ser observado é que

     já haviam estabelecido algumas relações econômicas mais intrínsecas entre si; apenas o Pará-Maranhão

    permanecia praticamente todo isolado  – mais o Pará que o Maranhão, que chegava a ter algum contato com umapecuária marginal em relação ao nordeste.O Maranhão seria a única região a experimentar um rápido, ainda que não permanente, desenvolvimento

    econômico em fins do período colonial, enquanto as demais regiões enfrentavam sérias dificuldades.Já observamos que o desenvolvimento regional deu-se a partir da exploração da mão-de-obra indígena para

    a coleta das drogas do sertão e como houve, a partir desta busca pelo indígena, um forte conflito de interesses entre jesuítas e colonos. Tendo Pombal alcançado a proeminência política em Portugal (notar que Furtado assume ocaráter de personalismo contra o qual tão veementemente opõe-se Jorge de Macedo) e iniciado a contenda contra os

     jesuítas, não é de se admirar que os colonos fossem grandemente beneficiados, não pela captura dos indígenas, quefoi proibida durante a administração pombalina, mas pela criação de uma grande companhia comercial que fomentouum forte desenvolvimento daquela região, pobre ao longo de toda sua história.

     Algumas outras características fomentariam o desenvolvimento do Maranhão em fins do período colonial. AGuerra de Independência dos EUA fez com que o suprimento de algodão para a nascente indústria inglesa fosse

    cortado, o que estimulou a oferta brasileira deste produto desenvolvido na região maranhense (para o que contribuiulargamente a companhia comercial pombalina, sobretudo pelo importante financiamento de escravos negros).Posteriormente, a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas estimulariam a exportação de outros produtostropicais brasileiros que haviam estado em baixa no último quartel do século XVIII. No entanto, esta prosperidadefundamentava-se apenas em uma conjuntura especial que não tardaria a passar; daí as sérias dificuldadeseconômicas por que passaria o país quando de sua recém independência.

    Capítulo XVII  – Passivo Colonial, Crise Financeira e Instabilidade Política.O processo de independência brasileira foi militarmente bastante passivo, o que se deu fundamentalmente

    pelo reconhecimento inglês da validade de tal processo, e isto, como visto no capítulo VII, decorreu da aceitação dogoverno brasileiro dos benefícios econômicos oferecidos pelos portugueses aos anglos. A situação interna nãocomportaria outra atitude: a conquista da independência por vias militares certamente tenderia à completadesagregação territorial, exatamente como ocorrera no processo de independência das colônias espanholas, isto

    porque as regiões não estavam ainda suficientemente interconectadas economicamente, o que permitia a cada umadelas possuir uma elite local com interesses próprios.

    Tendo reconhecido, por necessidade, os privilégios econômicos dos ingleses no mercado brasileiro, a novaclasse politicamente dominante dos grandes proprietários de terra (que consolidariam suas posições ainda maisfortemente em função da queda do poder personalista de D. Pedro I, em 1831) herdava o passivo colonial. Astensões geradas entre os interesses ingleses e os da classe agrícola brasileira tenderiam a agravar-se durante todo oprimeiro século da independência: a Inglaterra buscava um liberalismo unilateral, ou seja, visava a criar no Brasil ummercado potencial para sua indústria crescente, mas não tinha nenhum interesse em abrir mercados para osprodutos tropicais de exportação brasileira, uma vez que estes concorreriam diretamente com as possessõesantilhanas da Inglaterra; um exemplo claro deste conflito de interesses emerge da querela sobre a permissão elegalidade do tráfico negreiro ao longo de toda a primeira metade do século XIX.

     Além do passivo colonial, o Brasil enfrentava sérias dificuldades financeiras. Não havendo sido estabelecidoum sistema tributário suficientemente robusto, as atividades do governo central eram financiadas principalmente

    pelas tarifas aduaneiras cobradas. No entanto, estas haviam sido estabelecidas em níveis favoráveis aos ingleses, detal forma que a arrecadação do governo tendia estar muito aquém das despesas efetivas. O início da dívida públicadeste período teve origem justamente na cooptação de recursos para financiar o governo. Além disso, processou-sea emissão de papel-moeda, mais que duplicando o meio-circulante à época, o que teve o efeito perverso dedesvalorizar a moeda nacional, encarecendo as importações e empobrecendo a população das áreas urbanas.

    Some-se a estas dificuldades econômicas diversas a péssima conjuntura internacional nos mercados dosprodutos tropicais exportados pelo Brasil (dados que os impulsos momentâneos que tanto alentaram, por exemplo, aeconomia maranhense em fins do século XVIII haviam deixado de existir) e ter-se-á uma perspectiva capaz deexplicar a profunda instabilidade política do período, com as muitas revoltas regionais.