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102 Aulas 11 e 12 – Segunda e Terceira Lei da Termodinâmica 1 – Introdução De forma geral podemos afirmar que na natureza “algumas coisas acontecem e outras não”. Por exemplo: um gás se expande ocupando inteiramente o recipiente que o contém, mas um gás não se contrai, de repente, para um volume menor. Assim, observações cotidianas sugerem que as transformações podem ser divididas em duas classes: (i) Transformações espontâneas: aquelas que podem ocorrer sem que seja feito trabalho para provocá-la (ou seja, tem uma tendência natural a ocorrer) (ii) Transformações não-espontâneas: aquelas que só podem ser provocadas fazendo-se trabalho. Ao longo deste capítulo usaremos os termos: “espontâneo” e “não-espontâneo” no sentido termodinâmico. Ou seja, eles serão usados para indicar se uma transformação tem ou não uma tendência natural a ocorrer. É importante frisar que em termodinâmica o termo espontâneo não tem nada haver com velocidade. Algumas transformações espontâneas são muito rápidas como, por exemplo, a reação de precipitação que ocorre quando se misturam soluções de cloreto de sódio e nitrato de prata. Entretanto, algumas transformações espontâneas são tão lentas que não se observa nenhuma mudança, mesmo depois de milhões de anos. Podemos citar como exemplo a decomposição do benzeno em carbono e hidrogênio. 2 – O sentido da mudança espontânea A razão pela qual algumas transformações não são espontâneas e outras são não é a tendência do sistema a se deslocar para um estado de menor energia. A força que é responsável pela mudança espontânea é a tendência da energia e da matéria a se tornar desordenadas.

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Aulas 11 e 12 – Segunda e Terceira Lei da Termodinâmica

1 – Introdução

De forma geral podemos afirmar que na natureza “algumas coisas acontecem e

outras não”. Por exemplo: um gás se expande ocupando inteiramente o recipiente que o

contém, mas um gás não se contrai, de repente, para um volume menor. Assim,

observações cotidianas sugerem que as transformações podem ser divididas em duas

classes:

(i) Transformações espontâneas: aquelas que podem ocorrer sem que seja

feito trabalho para provocá-la (ou seja, tem uma tendência natural a

ocorrer)

(ii) Transformações não-espontâneas: aquelas que só podem ser provocadas

fazendo-se trabalho.

Ao longo deste capítulo usaremos os termos: “espontâneo” e “não-espontâneo” no

sentido termodinâmico. Ou seja, eles serão usados para indicar se uma transformação tem

ou não uma tendência natural a ocorrer.

É importante frisar que em termodinâmica o termo espontâneo não tem nada

haver com velocidade. Algumas transformações espontâneas são muito rápidas como, por

exemplo, a reação de precipitação que ocorre quando se misturam soluções de cloreto de

sódio e nitrato de prata. Entretanto, algumas transformações espontâneas são tão lentas

que não se observa nenhuma mudança, mesmo depois de milhões de anos. Podemos citar

como exemplo a decomposição do benzeno em carbono e hidrogênio.

2 – O sentido da mudança espontânea

A razão pela qual algumas transformações não são espontâneas e outras são não é

a tendência do sistema a se deslocar para um estado de menor energia. A força que é

responsável pela mudança espontânea é a tendência da energia e da matéria a se tornar

desordenadas.

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Por exemplo, inicialmente todas as moléculas de um gás podem estar numa região

de um recipiente, mas o movimento aleatório e incessante dessas moléculas assegura que

elas se espalharão rapidamente por todo o volume do recipiente (ver figura 1).

Figura 1

Como o movimento é desordenado, há uma pequeníssima probabilidade

(inteiramente desprezível) de que todas as moléculas se movimentarão simultaneamente

de volta para a região do recipiente que elas ocuparam inicialmente. Neste exemplo, o

sentido natural da mudança corresponde à dispersão mais desordenada da matéria.

Uma explicação semelhante pode ser dada para o resfriamento espontâneo, mas

agora precisamos considerar a dispersão da energia em vez da dispersão da matéria. Em

um bloco de metal quente os átomos estão oscilando intensamente e quanto mais quente o

bloco mais intenso o seu movimento. As vizinhanças mais frias também consistem em

átomos que estão oscilando, mas o seu movimento é menos intenso. Os átomos do bloco

quente, oscilando intensamente, “empurram” os átomos das vizinhanças e a energia dos

átomos do bloco quente é transferida para os átomos das vizinhanças (ver figura 2).

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Figura 2

O processo continua até que a intensidade com que os átomos do sistema estão

oscilando diminua e se torne igual à dos átomos nas vizinhanças. O fluxo oposto de

energia é muito improvável. É altamente improvável que haja um fluxo líquido de

energia para o sistema como resultado dos átomos do sistema serem “empurrados” pelos

átomos das vizinhanças, que estão oscilando menos intensamente. Neste caso, o sentido

natural da mudança corresponde à dispersão da energia.

Em resumo, identificamos dois tipos básicos de processo físico espontâneo: (i) A

matéria tende a se tornar desordenada; (ii) A energia tende a se tornar desordenada.

3 – Entropia e a Segunda lei da termodinâmica

A medida da desordem da matéria e da energia usada na termodinâmica é

chamada de entropia, S. Neste momento, tudo o que precisamos saber é que, quando a

matéria e a energia tornam-se desordenadas, a entropia aumenta. Assim podemos definir

a segunda lei da termodinâmica através da seguinte sentença: A entropia do universo

tende a aumentar. A característica notável dessa lei é que ela se aplica às mudanças em

todas as suas formas – tanto para reações químicas como para as mudanças físicas que

nós já consideramos.

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Para que possamos tornar a Segunda Lei numa sentença quantitativamente útil,

precisamos definir precisamente a entropia. Vamos usar a seguinte definição para a

variação de entropia:

�� = ����� (1)

De acordo com essa equação, a variação de entropia de uma substância é igual a

energia transferida reversivelmente como calor, dividida pela temperatura na qual a

transferência ocorre. A dedução formal dessa expressão está baseada num tipo especial

de processo, chamado de “ciclo de Carnot”, que foi proposto originalmente, para avaliar a

eficiência das máquinas a vapor.

Existem três pontos que precisamos entender sobre a definição da equação 1: (i) o

significado do termo “reversível”; (ii) porque o calor (e não o trabalho) aparece na

definição e (iii) por que a variação de entropia depende da temperatura na qual a

transferência ocorre.

Como já vimos anteriormente, o termo reversibilidade se refere a possibilidade de

que uma variação infinitesimal de uma variável possa mudar a direção de um processo. A

reversibilidade mecânica refere-se à igualdade das pressões que atuam em qualquer um

dos lados de uma parede móvel. A reversibilidade térmica, aquela envolvida na equação

1, refere-se a igualdade das temperaturas em ambos os lados de uma parede que é

condutora térmica. A transferência reversível de calor é uma transferência entre dois

corpos à mesma temperatura e que ocorre de modo uniforme, cuidadoso e controlado.

Fazendo a transferência reversível asseguramos não haver formação de áreas quentes no

objeto, que eventualmente se dispersariam espontaneamente, e conseqüentemente

aumentaria a entropia.

Consideremos agora por que o calor e não o trabalho aparece na equação 1. Como

vimos no inicio desse capítulo, para transferir energia como calor fazemos uso do

movimento desordenado das moléculas, enquanto para transferir energia como trabalho

fazemos uso do movimento ordenado. É razoável que a variação de entropia, ou seja, a

variação do grau da desordem seja proporcional à transferência de energia que ocorre

fazendo uso do movimento desordenado e não do movimento ordenado.

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Por fim, a presença da temperatura no denominador na equação 1 leva em conta a

desordem que já está presente. Se uma determinada quantidade de energia é transferida

como calor para um objeto quente (um no qual os átomos têm um grande movimento

térmico desordenado), então a desordem adicional gerada é menos significativa do que se

a mesma quantidade de energia fosse transferida como calor a um objeto frio, no qual o

movimento térmico dos átomos é menor.

Exemplo 1: A transferência de 100 kJ de calor para uma massa grande de água, a 273 K,

resulta numa variação de entalpia igual a?

�� = ����� = × �

���� = +366�. ��

enquanto a mesma transferência a 100 ͦ C (373 K) resulta em:

�� = ����� = × �

���� = +268�. ��

A variação de entropia é maior na temperatura menor. Observe que as unidades de

entropia são joules por kelvin (J.K-1). A entropia é uma propriedade extensiva. Quando

trabalhamos com a entropia molar, que é uma propriedade intensiva, as unidades são

joules por kelvin por mol (J.K-1.mol-1).

A entropia é uma função de estado, uma propriedade cujo valor só depende do

estado presente no sistema. A entropia é uma medida do estado atual da desordem do

sistema. Como essa desordem foi alcançada não é importante para o seu valor.

A conseqüência de a entropia ser uma função de estado é que uma mudança em

seu valor, quando um sistema sofre uma mudança de estado, é independente de como a

mudança de estado foi realizada.

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4 – Variação de entropia em alguns processos

Freqüentemente podemos confiar na intuição para julgar se a entropia aumenta ou

diminui quando uma substância sofre uma mudança física. Por exemplo, a entropia de

uma amostra de gás aumenta quando ele se expande porque as moléculas passam a se

deslocar num volume maior, e assim têm um grau de desordem maior. Entretanto, a

vantagem da equação 1 é que através dela podemos expressar o aumento

quantitativamente.

Podemos usá-la para calcular a variação da entropia quando um gás perfeito se

expande isotermicamente de um volume Vi até um volume Vf. Para tanto precisamos

conhecer o qrev, a energia transferida como calor no decorrer de uma transformação

reversível, na temperatura T.

Como já foi demonstrado em aulas anteriores, o calor transferido pêra um gás

perfeito quando ele sofre uma expansão isotérmica reversível de um volume Vi para um

volume Vf a uma temperatura T, é dado por:

���� = !"# $%$&

�� = ����� = '(�)'*%*&

�� = !# $%$& (2)

Analisando a equação 2, podemos observar claramente que a variação de entropia

é independente da temperatura na qual a expansão ocorre. A explicação para isso reside

no fato de que quanto maior for a temperatura mais trabalho terá que ser feito (quanto

maior a temperatura, maior a pressão do gás e, conseqüentemente, maior deve ser a

pressão externa que se iguala à pressão do gás), então mais calor deve ser fornecido para

manter a temperatura constante.

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O segundo tipo de mudança que nós consideramos é a elevação da temperatura.

Devemos esperar que a entropia de uma amostra aumente quando a temperatura cresce,

pois a desordem térmica do sistema é maior quando a temperatura é mais alta, ou seja,

quando as moléculas se movem mais intensamente.

Mais uma vez, para calcularmos o valor da variação de entropia vamos utilizar a

equação 1 que refere-se à transferência de calor para um sistema numa temperatura T.

Em geral, a temperatura muda quando aquecemos um sistema, logo não podemos utilizar

a equação 1 diretamente. Após uma dedução detalhada utilizando algumas noções de

deriva da e integral (dedução completa na ultima página) chegamos a seguinte equação:

�� = +�# �%�& (3)

Devemos observar que a equação 3 mostra algo que é pouco óbvio, mostra que

quanto maior a capacidade calorífica da substância maior a variação de entropia para uma

determinada variação de temperatura. Se refletirmos um pouco sobre isso veremos que

faz sentido. Uma capacidade calorífica alta implica que muito calor é necessário para

produzir uma determinada alteração da temperatura.

O terceiro processo comum a ser considerado é uma transição de fase, como a

fusão ou a ebulição. Podemos suspeitar que a entropia de uma substância aumenta

quando ela funde e quando ela ferve, pois as suas moléculas se tornam mais desordenadas

quando ela passa de sólido para líquido e de líquido para vapor.

Vamos supor que um sólido está na sua temperatura de fusão e que a transferência

de energia, na forma de calor, ocorre reversivelmente. Se a temperatura das vizinhanças é

infinitesimalmente menor do que a do sistema, então o fluxo de calor é para fora do

sistema e a substância congela. Se a temperatura é infinitesimalmente maior, então o

fluxo de calor é para dentro do sistema e a substância funde. Além disso, como a

transição ocorre a pressão constante, podemos identificar o calor transferido por mol de

substância como sendo a entalpia de fusão. Portanto, a entropia de fusão, ∆fusS

(variação de entropia por mol de substância, na temperatura de fusão, Tf) é:

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Δ-./S = 1234562 (4)

Todas as entalpias de fusão são positivas (a fusão é endotérmica, ou seja,

necessita de calor), assim todas as entropias de fusão também são positivas: a desordem

aumenta na fusão. Por exemplo, a entropia da água aumenta quando ela funde, pois a

estrutura ordenada do gelo é destruída quando se forma o líquido (ver figura 3).

A entropia de outros tipos de transição podem ser discutidas semelhantemente.

Assim, a entropia de vaporização, ∆vapS, na temperatura de ebulição, Teb, de um líquido

está relacionada com a sua entalpia de vaporização, nessa temperatura por:

Δ789S = 1:;<56=> (5)

Como a vaporização é endotérmica, para todas as substâncias, todas as entropias

de vaporização são positivas. O aumento na entropia de vaporização está de acordo com

o que esperamos quando um líquido compacto se transforma em um gás.

As entropias de vaporização permitem esclarecer uma relação empírica conhecida

como a regra de Trouton. Trouton observou que a ∆vapH /Teb é, aproximadamente, a

mesma (cerca de 85 J.K-1.mol-1) para todos os líquidos, exceto quando a ligação de

hidrogênio ou algum outro tipo de ligação específica está presente (ver tabela 1).

Sabemos, no entanto, que a quantidade ∆vapH /Teb é a entropia de vaporização do líquido

na sua temperatura de ebulição, assim a regra de Trouton é válida se todos os líquidos

tiverem, aproximadamente, a mesma entropia de vaporização. Essa igualdade aproximada

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é esperada porque quando um líquido vaporiza, a fase densa compacta muda para uma

fase gasosa altamente dispersa que ocupa, aproximadamente, o mesmo volume, qualquer

que seja a sua natureza. Conseqüentemente, é uma boa aproximação que o aumento da

desordem, portanto, da entropia de vaporização, seja quase que o mesmo para todos os

líquidos nas suas temperaturas de ebulição.

Tabela 1. Entropias de vaporização a 1 atm,

e na temperatura normal de ebulição

∆vapS (J.K -1.mol-1)

Bromo, Br2 88,6

Benzeno, C6H6 87,2

Tetracloreto de carbono 85,9

Cicloexano, C6H12 85,1

Sulfeto de hidrogênio 87,9

Amônia, NH3 97,4

Água, H2O 109,1

Mercúrio 94,2

As exceções para a regra de Trouton incluem os líquidos nos quais as interações

entre as moléculas fazem com que o líquido seja menos desordenado do que se existisse

uma mistura ao acaso de moléculas. Por exemplo, o valor elevado da entropia de

vaporização para a água indica que as moléculas de H2O se mantêm unidas por ligação de

hidrogênio, formando um tipo de estrutura ordenada. Dessa forma, quando esse líquido,

relativamente ordenado, forma um gás desordenado, a variação de entropia é maior do

que seria de se esperar caso a ligação de hidrogênio não estivesse presente. O alto valor

da entropia de vaporização para o mercúrio tem uma explicação semelhante, mas, nesse

caso, é a presença de ligações metálicas no líquido que organizam os átomos em

estruturas mais definidas do que quando tais ligações não existem.

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5 - Variação da entropia nas vizinhanças

Utilizando a equação 1, também é possível calcular a variação da entropia nas

vizinhanças em contato com o sistema na temperatura T:

���?@ = ��&A���� (6)

As vizinhanças são tão extensas que, até que o calor fornecido tenha se dispersado ao

longo delas, a transferência de calor é efetivamente reversível, assim podemos escrever:

���?@ = ��&A� (7)

Assim, podemos utilizar a equação 7 para calcular a variação de entropia das vizinhanças

independente se a transformação no sistema é reversível ou não.

A equação 2 é expressa em termos de calor fornecido às vizinhanças, qviz.

Normalmente, temos informação sobre o calor fornecido ou liberado pelo sistema, q. As

duas quantidades estão relacionadas por qviz = - q. Portanto, neste estágio, podemos

escrever:

���?@ = − �� (8)

Esta expressão está em função das propriedades do sistema. Além disso, ela se aplica seja

o processo, que esteja ocorrendo no sistema, reversível ou não.

Como uma ilustração, suponha que um gás perfeito se expande isotérmica e

reversivelmente de Vi até Vf. A variação de entropia do gás (o sistema) é determinada

através da equação 2. Para calcular a variação de entropia nas vizinhanças temos que:

���?@ = − �" = − . !. # CDC?

A variação da entropia nas vizinhanças é, portanto, o negativo da variação de entropia no

sistema e a variação da entropia total é zero: ∆STotal = ∆S + ∆Sviz = 0

Vamos admitir agora, que o gás se expanda isotermicamente, mas livremente

(pex = 0), entre os mesmos dois volumes que haviam anteriormente. A variação de

entropia do sistema é a mesma, pois a entropia é uma função de estado. Entretanto, como

não foi realizado nenhum trabalho e nenhum calor foi transferido das vizinhanças, como

q = 0, segue-se da equação 8 (que pode ser utilizada tanto para transferência de calor

reversível ou irreversível) que ∆Sviz = 0. A variação total de entropia é então igual a

variação de entropia do sistema, que é positiva.

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Por fim, suponha que o processo ocorrendo no sistema seja a pressão constante,

como uma reação química ou uma transição de fase. Então podemos identificar q como

sendo a variação de entalpia do sistema, e obtemos:

para um processo a pressão constante: ���?@ = − EF� (9)

Essa expressão tem uma grande importância e será o centro de nossa discussão sobre

equilíbrio químico. Vemos que ela é consistente com o senso comum: se o processo for

exotérmico, ∆H é negativa e então ∆Sviz é positiva. A entropia das vizinhanças aumenta

se o calor é transferido para elas. Se o processo é endotérmico (∆H > 0), então a entropia

das vizinhanças diminui.

6 - Entropias absolutas

A entropia da Terceira Lei, em qualquer temperatura, S(T), é igual à área sob a

curva no gráfico de Cv/T versus T, entre T = 0 e a temperatura T. (Ver figura abaixo)

Figura 4 - A entropia absoluta (ou entropia da Terceira Lei) de uma substância é

calculada estendendo-se as medidas das capacidades caloríficas até T = 0 (ou o mais

perto possível desse valor) e determinando-se a área sob o gráfico de Cv/T versus T até a

temperatura de interesse. A área é igual à entropia absoluta na temperatura T.

Seu valor, que geralmente é chamado de “entropia” de uma substância, depende da

pressão. Por exemplo, uma pressão alta limitaria um gás a um volume menor e assim

reduziria sua entropia. Selecionamos, portanto, uma pressão padrão e registramos a

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entropia molar padrão, �GH , a entropia molar de uma substância no seu estado padrão, na

temperatura de interesse.

Tabela 2. Entropias molares padrão de algumas substâncias a 25ºC.

Substância IJK (J.K -1.mol-1)

Gases:

Amônia, NH3 192,5

Dióxido de Carbono, CO2 213,7

Hélio, He 126,2

Hidrogênio, H2 130,7

Neônio, Ne 146,3

Nitrogênio, N2 191,6

Oxigênio, O2 205,1

Vapor de água, H2O 188,8

Líquidos:

Água, H2O 69,9

Benzeno, C6H6 173,3

Etanol, CH3CH2OH 160,7

Sólidos:

Carbonato de Cálcio, CaCO3 92,9

Carbonato de Magnésio, MgCO3 65,7

Chumbo, Pb 64,8

Cloreto de sódio, NaCl 72,1

Cobre, Cu 33,2

Diamante, C 2,4

Estanho, Sn (branco) 51,6

Sn (cinza) 44,1

Grafita, C 5,7

Óxido de Cálcio, CaO 39,8

Óxido de Magnésio, MgO 26,9

Sacarose, C12H22O11 360,2

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Na tabela 2 apresentamos alguns valores a 25ºC. Vale a pena nos determos um

instante nos valores apresentados na tabela 1verificando se eles são consistentes com a

nossa compreensão de entropia. Todas as entropias molares padrão são positivas, pois a

elevação da temperatura de uma amostra acima de T = 0 invariavelmente aumenta a sua

entropia do valor S(0) = 0. Outra característica é que a entropia molar padrão do

diamante (2,4 J.K-1.mol-1) é menor que a da grafita (5,70 J.K-1.mol-1). Essa diferença é

consistente com o fato de que os átomos estão unidos menos rigidamente na grafita que

no diamante e, por isso, a sua desordem térmica é maior.

Outra observação interessante diz respeito a água. As entropias molares padrão do

gelo, da água e do vapor de água, a 25ºC, são respectivamente: 45, 70 e 189 J.K-1.mol-1.

Esse aumento corresponde à desordem crescente em ir do estado sólido para o líquido e,

deste, para pó gasoso.

Entretanto, somente com muita dificuldade é que as capacidades caloríficas

podem ser medidas em temperaturas muito baixas, particularmente perto de T = 0.

Porém, sabe-se que muitas substâncias não-metálicas têm uma capacidade calorífica que

obedece a lei T3 de Debye:

Em temperaturas perto de T = 0, CV,m = aT3 (1)

onde a é uma constante empírica que depende da substância e que é determinada

ajustando-se a equação 1 a uma série de medidas perto de T = 0. Conhecendo-se o valor

de a, fica fácil calcular a entropia molar a baixas temperaturas.

(2)

7. A Entropia Padrão de Reações

Quando há a formação de um gás numa reação, como numa combustão, podemos

prever que normalmente a entropia aumenta. Quando há um consumo de gás, como na

fotossíntese, é normalmente seguro prever que a entropia diminui. Entretanto, para

estimarmos um valor quantitativo da variação de entropia e para prever o sinal da

variação quando nenhum gás estiver envolvido, precisamos realizar um cálculo explícito.

TCSTS mvmm .3

1)0()( ,=−

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A diferença da entropia molar entre os produtos e os reagentes, nos seus

respectivos estados padrões, é chamada de entropia padrão de reação, ∆��H. Ela pode

ser expressa em termos de entropias molares das substâncias do mesmo modo que

usamos para entalpia padrão de reação:

∆��H = ∑N�GH OPQRSTURVW − ∑N�GH OQXYZX UXVW (3)

onde N são os coeficientes estequiométricos na equação química.

Exemplo 2: Para a reação 2H2(g) + O2(g) → 2H2O(l) esperamos uma entropia de reação

negativa, tendo em vista que os gases são consumidos na reação. Para determinar o valor

explicitamente, usamos os valores obtidos na tabela 1:

∆��H =[N�GH OPQRSTURVW −[N�GH OQXYZX UXVW

∆��H = 2�GH O\�], #W − _2�GH O\�, ZW + �GH O]�, ZW`

∆��H = 2 × O70�. ��. cR#�W − d2 × O131�. ��. cR#�W +× O205�. ��. cR#�Wg

∆��H = −327�. ��. cR#�

8. A Espontaneidade das Reações Químicas

O resultado do cálculo mostrado no exemplo 1 é, a primeira vista, bastante

surpreendente. Sabemos que a reação entre o hidrogênio e o oxigênio é espontânea e que,

uma vez iniciada, avança explosivamente. Não obstante, a variação de entropia que a

acompanha é negativa: a reação resulta em menos desordem e ainda assim é espontânea?

A resolução desse paradoxo aparente realça uma característica da entropia e

ocorre sistematicamente ao longo da química: é essencial considerar a entropia tanto do

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sistema como das suas vizinhanças ao decidir se um processo é espontâneo ou não. A

redução da entropia de 327 J.K-1.mol-1 só está relacionada com o sistema, a mistura

reacional. Para aplicar a Segunda Lei corretamente, precisamos calcular a entropia total, a

soma das variações de entropia no sistema e nas vizinhanças. Pode ser que a entropia do

sistema diminua quando ocorrer uma transformação, mas pode haver um aumento mais

do que compensador na entropia das vizinhanças, de modo que a variação global da

entropia seja positiva. O oposto também pode ocorrer. Neste caso, portanto, estaríamos

errados em concluir que uma mudança seria espontânea somente nos baseando no

aumento da entropia do sistema. Quando consideramos as implicações da variação da

entropia, é necessário que levemos em conta, sempre, a sua variação total: no sistema e

nas vizinhanças.

Para calcular a variação de entropia nas vizinhanças, quando uma reação ocorre à

pressão constante, usamos a equação: ���?@ = − EF� interpretando o ∆H como a entalpia

da reação.

Exemplo 3: Para a reação de formação da água no exemplo 3, com:

∆�\H = - 572 kJ.mol-1

a variação de entropia das vizinhanças (que são mantidas em 25ºC, a mesma temperatura

que a mistura reacional) é:

���?@ = − EF� = − �h��i�.Gj)kl

�mn�

���?@ = +1,92 × 10� �. ��. cR#�

Podemos ver agora que a variação de entropia é positiva:

��pjpq) = O−327�. ��. cR#�W + r1,92 × 10� �. ��. cR#�s ��pjpq) = +1,59 × 10� �. ��. cR#�

Esse cálculo confirma, como sabemos da experiência, que a reação é fortemente

espontânea. Desse modo, a espontaneidade é um resultado da desordem considerável que

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a reação gera nas vizinhanças: a água existe, embora a H2O (l) tenha uma entropia menor

que os reagentes gasosos, pela tendência da energia para se dispersar nas vizinhanças.

ANEXO 1

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Exercícios – Lista 8

1º) Um peixinho de aquário nada numa tigela de água, a 20oC. Durante um certo período de tempo, o peixe transfere 120J para a água, como resultado do seu metabolismo. Qual é a variação da entropia da água?

2º) Admita que você pôs um cubo de gelo, de massa igual a 100g, em um copo com água com a temperatura pouco acima de 0oC. Após o gelo ter derretido, aproximadamente 33kJ de energia teriam sido absorvidos do ambiente como calor. Qual é a variação de entropia (a) da amostra (o gelo), (b) das vizinhanças (o copo com água)?

3º) Uma amostra de alumínio de massa igual a 1,25 kg é resfriada, a pressão constante, de 300K para 260K. Calcule a energia que deve ser removida como calor e a variação de entropia da amostra. A capacidade calorífica molar do alumínio é 24,35 J.K-1.mol-1.

4º) Calcule a variação de entropia molar quando dióxido de carbono se expande isotermicamente de 1,5L para 4,5L.

5º) Uma amostra de dióxido de carbono, inicialmente ocupando 15,0L a 250K e 1,00atm, é comprimida isotermicamente. Qual é o volume final do gás na compressão, sabendo que a sua entropia foi reduzida de 10,0 J.K-1?

6º) Sempre que um gás se expande ele sofre um aumento de entropia. Uma amostra de metano gasoso de massa igual a 25g, a 250K e 185KPa, se expande isotérmica e reversivelmente até que a sua pressão seja de 2,5 kPa. Calcule a variação de entropia do gás.

7º) Qual é a variação de entropia de 100g de água quando ela é aquecida da temperatura ambiente (20oC) até a temperatura do nosso corpo (37oC)? Use Cp,m = 75,5 J.K-1.mol-1.

8º) Calcule a variação da entropia molar quando uma amostra de argônio for comprimida de 2,0L para 500mL e , simultaneamente, aquecida de 300K para 400K. Considere CV,m=(3/2)R.

9º) Um gás perfeito monoatômico, numa temperatura Ti, se expande isotermicamente até atingir o dobro de seu volume inicial. A que temperatura ele deve ser resfriado para fazer com que a sua entropia volte ao valor inicial? Considere CV,m=(3/2)R.

10º) A entalpia da transição de fase grafita → diamante, na pressão de 100 kbar e temperatura 2000K, é +1,9 kJ.mol-1. Calcule a variação de entropia da transição.

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11º) A entalpia de vaporização do clorofórmio (triclorometano), CHCl3, é 29,4 kJ.mol-1

na sua temperatura normal de ebulição, 334,88K. (a) Calcule a entropia de vaporização do clorofórmio nesta temperatura. (b) Qual a variação de entropia nas vizinhanças?

12º) O octano é um componente típico da gasolina. Sabendo que a temperatura de ebulição do octano é 126oC, calcule: (a) a entropia de vaporização; (b) a entalpia de vaporização do octano.

13º) Calcule a entropia molar do cloreto de potássio a 5,0K dado que a sua capacidade calorífica molar nessa temperatura é 1,2 mJ.K-1.mol-1.

14º) A capacidade calorífica molar, a pressão constante, de moléculas gasosas lineares é de, aproximadamente, (7/2)R, e no caso de moléculas gasosas não lineares vale, aproximadamente, 4R. Calcule a variação da entropia padrão de reação das duas reações, que são apresentadas a seguir, quando a temperatura aumenta de 10K a partir de 273K, a pressão constante:

(a) 2H2(g) + O2(g) → 2H2O(g)

(b) CH4(g) + 2O2(g) → CO2(g) + 2 H2O(g)

Respostas: 1º) 0,41 J.K-1 12º) a) 85 J.K-1.mol-1 2º) a) 0,12 kJ.K-1 e b) - 0,12 kJ.K-1 b) 33,9 kJ.mol-1 3º) ∆S = -161,44 J.K-1; q = -45,2 kJ 13º) 4,0 x 10-4 J.K-1.mol-1 4º) ∆S = +9,1 J.K-1 14º) a) - 0,75 J.K-1 5º) 2,9 L b) + 0,15 J.K-1 6º) 55,91 J.K-1 7º) 23,6 J.K-1 8º) -7,9 J.K-1.mol-1 9º) Tf = 0,63 Ti 10º) 0,95 J.K-1.mol-1 11º) a) +87,79 J.K-1.mol-1 b) -87,79 J.K-1.mol-1