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1 ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM PACIENTE TRAQUEOSTOMIZADO EM AMBIENTE HOSPITALAR Mariá da Silva Velasco 1 Orientadora: Cristiane Rangel Meneses 2 Co-orientador: Cecílio Peixoto Gomes Neto 3 RESUMO: O presente artigo trata do papel do fonoaudiólogo em pacientes traqueostomizados nas UTIs. Pacientes traqueostomizados, dependentes de ventilação mecânica e internados em UTI, podem apresentar alterações de tonicidade e amplitude do movimento das estruturas orofaringeas e alterações da deglutição. A justificativa está na necessidade de aplicar técnicas fonoterápicas nestes pacientes , avaliando suas condições de deglutição, juntamente com a equipe multiprofissional de saúde. O objetivo deste trabalho foi aprofundar as técnicas que o fonoaudiólogo pode aplicar sobre os pacientes traqueostomizados, como o teste Bluy Dye, afim de observar a aspiração traqueal da saliva .O trabalho foi feito através de pesquisa bibliográfica, sendo realizadas consultas em bibliografias especializadas. Sendo assim, foi possível concluir a importância do fonoaudiólogo no gerenciamento do trato orofaríngeo destes pacientes e a responsabilidade deste profissional frente a orientação familiar sobre as possíveis consequências acarretadas pela traqueostomia. Palavra-chave: Traqueostomia; Deglutição; Fonoaudiologia. ABSTRACT: This paper deals with the role of speech therapists in tracheostomized patients in ICUs. Tracheostomized patients, dependent on mechanical ventilation and hospitalized in ICU, may experience alterations in tonicity and amplitude of movement of oropharyngeal structures and changes in swallowing. The justification is the need to apply phonotherapeutic techniques in these patients, evaluating their swallowing conditions, together with the multiprofessional health team. The objective of this study was to deepen the techniques that the speech therapist can apply to tracheostomized patients, such as the Bluy Dye test, in order to observe the tracheal aspiration of saliva. The work was done through bibliographical research, and specialized bibliographical consultations were carried out. it was possible to conclude the importance of the speech therapist in the management of the oropharyngeal treatment of these patients and the responsibility of this professional before the family orientation about the possible consequences of the tracheostomy. Key words: Tracheostomy; Deglutition; Speech Therapy. 1. INTRODUÇÃO Os pacientes em UTI têm suas funções do trato respiratório, sejam vias superiores ou inferiores, sujeito a algum tipo de comprometimento. Frente a fragilidade do sistema de proteção pulmonar, o comprometimento da deglutição não é raro. A traqueostomia é um procedimento cirúrgico razoavelmente comum em UTI, realizado em situações onde a vida do paciente corre riscos. MACEDO, GOMES, FRURKIM, (2000) define traqueotomia como uma abertura temporária na parte anterior do pescoço e da traqueia e introdução 1 Graduada em Fonoaudiologia pelo UNIFLU. 2 Fonoaudióloga. Especialista em Gerontologia e Geriatria Interdisciplinar pela UFF. 3 Mestre em Direito Público e Processo pelo UNIFLU. Docente do Curso de Fonoaudiologia do UNIFLU.

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ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM PACIENTE TRAQUEOSTOMIZADO

EM AMBIENTE HOSPITALAR

Mariá da Silva Velasco1

Orientadora: Cristiane Rangel Meneses2

Co-orientador: Cecílio Peixoto Gomes Neto3

RESUMO: O presente artigo trata do papel do fonoaudiólogo em pacientes traqueostomizados nas

UTIs. Pacientes traqueostomizados, dependentes de ventilação mecânica e internados em UTI,

podem apresentar alterações de tonicidade e amplitude do movimento das estruturas orofaringeas e

alterações da deglutição. A justificativa está na necessidade de aplicar técnicas fonoterápicas nestes

pacientes , avaliando suas condições de deglutição, juntamente com a equipe multiprofissional de

saúde. O objetivo deste trabalho foi aprofundar as técnicas que o fonoaudiólogo pode aplicar sobre

os pacientes traqueostomizados, como o teste Bluy Dye, afim de observar a aspiração traqueal da

saliva .O trabalho foi feito através de pesquisa bibliográfica, sendo realizadas consultas em

bibliografias especializadas. Sendo assim, foi possível concluir a importância do fonoaudiólogo no

gerenciamento do trato orofaríngeo destes pacientes e a responsabilidade deste profissional frente a

orientação familiar sobre as possíveis consequências acarretadas pela traqueostomia.

Palavra-chave: Traqueostomia; Deglutição; Fonoaudiologia.

ABSTRACT: This paper deals with the role of speech therapists in tracheostomized patients in

ICUs. Tracheostomized patients, dependent on mechanical ventilation and hospitalized in ICU, may

experience alterations in tonicity and amplitude of movement of oropharyngeal structures and

changes in swallowing. The justification is the need to apply phonotherapeutic techniques in these

patients, evaluating their swallowing conditions, together with the multiprofessional health team.

The objective of this study was to deepen the techniques that the speech therapist can apply to

tracheostomized patients, such as the Bluy Dye test, in order to observe the tracheal aspiration of

saliva. The work was done through bibliographical research, and specialized bibliographical

consultations were carried out. it was possible to conclude the importance of the speech therapist in

the management of the oropharyngeal treatment of these patients and the responsibility of this

professional before the family orientation about the possible consequences of the tracheostomy.

Key words: Tracheostomy; Deglutition; Speech Therapy.

1. INTRODUÇÃO

Os pacientes em UTI têm suas funções do trato respiratório, sejam vias superiores ou

inferiores, sujeito a algum tipo de comprometimento. Frente a fragilidade do sistema de proteção

pulmonar, o comprometimento da deglutição não é raro.

A traqueostomia é um procedimento cirúrgico razoavelmente comum em UTI, realizado

em situações onde a vida do paciente corre riscos. MACEDO, GOMES, FRURKIM, (2000) define

traqueotomia como uma abertura temporária na parte anterior do pescoço e da traqueia e introdução

1 Graduada em Fonoaudiologia pelo UNIFLU. 2 Fonoaudióloga. Especialista em Gerontologia e Geriatria Interdisciplinar pela UFF. 3Mestre em Direito Público e Processo pelo UNIFLU. Docente do Curso de Fonoaudiologia do UNIFLU.

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de uma cânula para melhorar a respiração, sua técnica operatória foi padronizada no século XIX por

Chevalier Jackson, reduzindo sua mortalidade.

Tal procedimento reduz o tempo de internação nas UTIs e mostra que as mortes

associadas à ventilação mecânica também diminuem. As indicações para colocação de

traqueostomia incluem insucesso no desmame da VM, pacientes neurológicos incapazes de proteger

vias aéreas inferiores, quantidade excessiva de secreção e obstrução de vias aéreas superiores.

(MACEDO; GOMES; FURKIM, 2000).

Há várias indicações e consequências no trato deglutição, respiração e fala. Mas o fato é

que todo paciente que passou para o processo de traqueostomia necessita de reabilitação nestas três

áreas. E quão mais precoce for o acompanhamento fonoaudiológico, maiores são as chances de

reabilitação deste paciente.

A dificuldade na deglutição está associada a uma incompetente cavidade oral, faringe

ou laringe. Esta dificuldade é agravada por várias somatórias de fatores que deformam estes órgãos.

A passagem do alimento através do espaço partilhado com o sistema respiratório até o nível da

laringe é um ato rítmico. (FERREIRA, 2010)

Este trabalho, com base em uma revisão bibliográfica, se debruça sobre a importância do

estudo do acompanhamento fonoaudiológico em paciente traqueostomizado, na busca da

reabilitação das funções da deglutinação, respiração e fala.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 OBJETIVOS

Comprovar a eficácia do desenvolvimento de técnicas fonoaudiológicas em paciente

traqueostomizado na recuperação da deglutição e fala.

Analisar a conceituação da deglutição e a complexidade sistêmica que este envolve;

Pontuar os critérios utilizados com maior frequência na avaliação clínica

fonoaudiológica dos pacientes traqueostomizados, para contribuir no processo de decanulação e

verificar a possibilidade de alimentação por via oral;

Dissertar sobre os passos fonoaudiológicos voltados à respiração e fala na recuperação

do paciente traqueostomizado.

A traqueostomia é um procedimento cirúrgico comum, realizado para facilitar o suporte

ventilatório prolongado em pacientes críticos, permitindo alta precoce da UTI e menor mortalidade

associada à ventilação mecânica (VM). Este procedimento, previamente realizado apenas em centro

cirúrgico, é cada vez mais usual nas unidades de terapia intensiva. As indicações para colocação de

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traqueostomia incluem insucesso no desmame da VM, pacientes neurológicos incapazes de proteger

vias aéreas inferiores, quantidade excessiva de secreção e obstrução de vias aéreas superiores

(LAGES, 2011).

O que se justifica pela atuação fonoaudiológica recente em hospitais, principalmente no

que diz respeito ao acompanhamento do paciente no leito, na UTI e na semi-intensiva. Com a

expansão, nas últimas décadas, o fonoaudiólogo necessitou ampliar seu subsídio científico e

assistencial na especialização para participar de maneira mais eficiente na avaliação, diagnóstico,

conduta e tratamento do paciente traqueostomizado.

2.2 CONCEITUAÇÕES

Para realizar um trabalho, na área fonoaudiológico, sobre as consequências e

possibilidade de reabilitação de pacientes traqueostomizado, faz-se necessário definir alguns temas

como traqueostomia, deglutição, respiração e fala, já que ambos estão relacionados.

Traqueostomia, segundo Ferreira (2010), sobre a ótica Fonoaudiológica consiste em um

procedimento cirúrgico, aduz ainda que:

A traqueotomia é a realização de uma abertura cirúrgica na porção cervical da traqueia para

ventilação. A comunicação da traqueia com o meio externo permite uma redução de 10 a

50% no espaço morto anatômico, o que reduz a resistência e aumenta a complacência

pulmonar, favorecendo pacientes com reserva pulmonar reduzida. É uma medida

extremamente necessária em muitos casos, além de ser uma via aérea mais segura, mais

fácil de ser retirada e recolocada do que a cânula de intubação orotraqueal e não aumenta a

incidência de pneumonias.

É um procedimento que salva vidas, mas como o ar não mais entra pela narina e sim

pela traqueia, este vem com mais impurezas e menos úmido. Havendo um comprometimento

significativo da tosse.

Para Marsico (2010):

A palavra traqueostomia tem origem grega e significa abertura da traqueia. O vocábulo

traqueostomia define uma abertura na traqueia que mantém comunicação com o exterior,

geralmente por meio de uma cânula. A traqueostomia cervical aberta é um dos

procedimentos cirúrgicos mais antigos. Ilustrações sobre o procedimento foram encontradas

em papiros egípcios que remontam a 3500 a.C. Entretanto, o pouco conhecimento de

anatomia e os maus resultados obtidos dificultaram a sua aceitação na época.

A traqueostomia é indicada em várias situações, como a desobstrução das vias aéreas

superiores, edemas, cirurgia bucofaringolaringológicas e eliminação de secreção das vias aéreas,

dentre outros. É contraindicado em pacientes com histórico de tumores na laringe. Também não é

indicada com o objetivo de tratamento de aspiração, pois há aumento na aspiração, que ocorre

devido a disfagia, por fixar anteriormente o complexo laríngeo, além de haver diminuição da

sensibilidade laríngea e diferença na mobilidade das pregas vocais pelo desvio do fluxo de ar

inspirado. (FERREIRA, 2010)

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O conhecimento da laringe é fundamental para o procedimento da traqueotomia, o que

não cabe ao fonoaudiólogo, já que este somente deve ser feito por médicos. Mas o conhecimento

desta área é fundamental para o tratamento da deglutição, fala e respiração por parte do profissional

de fonoaudiologia. A laringe é formada por três grandes cartilagens: epiglote, tireóide e cricóide,

situando-se as aritenóideo na borda póstero-superior da cartilagem cricóide. A traqueia é formada

por anéis cartilaginosos semicirculares em sua porção anterior e lateral (variando entre 18 a 22

anéis), sendo a região posterior e os espaços entre os anéis formados por tecido membranoso.

(GOFFI, 2001)

A laringe serve de válvula entre as cavidades superiores e os pulmões. Ela pode abrir

ou fechar, controlando o fluxo de ar nos pulmões. Este mecanismo é essencial para a promoção da

fala, deglutição e respiração. A tonicidade adequada das cordas vocais e o fechamento glótico são

essências para uma boa emissão vocal e proteção de via aérea inferior.

Previamente a cirurgia de traqueostomia, há a escolha de uma cânula, sendo as mais

comuns metálicas (Jackson), plásticas (Portex, Shiley), silicone e nylon. Estas também variam de

tamanho, já que pode ser feita em adultos e crianças, homens e mulheres. As cânulas variam em

relação ao seu diâmetro interno, ângulo de curvatura, mecanismos de fechamento, número de

cuffs, fenestrações, dentre outros. As cânulas contêm um guia em seu interior, um pouco mais

longo que a cânula e de ponta a ponta, que servem como um condutor no momento da introdução na

traqueia. (MACEDO; GOMES; FURKIM, 2000).

Figura 1- Abertura da Traqueostomia

Fonte www.medstudents.com.br

A traqueostomia então, é um procedimento invasivo, mas necessário para

salvaguardar a vida do paciente. Neste procedimento ocorre o rompimento dos anéis da traquéia e

consequente alteração da mobilidade laríngea e direcionamento do fluxo aéreo, que são

fundamentais para a manutenção do processo sinérgico da deglutição e das funções de fala e

respiração

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A deglutição;, definida por Furkim & Santini (1999) é uma resposta neuromuscular

iniciada pela combinação de ações voluntárias e involuntárias que envolvem uma coordenação

precisa principalmente entre as fases oral e faríngea da deglutição e da interação complexa entre os

diversos músculos e nervos, para transportar o alimento da cavidade oral para o estômago.

A fala é um processo mecânico de comunicação verbal, que compreende o emprego da

voz, da articulação, ritmo, da entonação e da intensidade. O sistema respiratório exerce a importante

função de gerar a fonte inicial de energia para a sua produção, ou seja, fornecer o suprimento de ar

necessário para desencadear os mecanismos de ação laríngea. A corrente de ar modulada, em nível

de laringe, pela vibração das pregas vocais, ressoa na laringofaringe, orofaringe, cavidade nasal,

cavidade oral, nasofaringe e cavidade labial (CAMARGO, 2000).

O aparelho fonador é formado por todos os órgãos que intervém na da fala articulada e ,

fisiologicamente pode ser dividida em três partes.

A primeira parte, LOFIEGO (1992), é a que produz o ar necessário para a emissão

vocal, formada por pulmão e traqueia. A segunda que dirige o ar sonorizado para a emissão vocal,

formada por laringe e faringe. A ultima formada por boca e fossas nasais. Se houver uma anomalia

em uma destas três partes, haverá problemas de pronuncia.

Fisiologicamente o sistema respiratório humano, compartilha uma área no trajeto das

vias aéreas, que é a mesma do sistema digestivo. É o caso do canal da faringe responsável tanto pela

passagem do alimento ingerido quanto do ar inspirado, no qual as vias seguidas pelo bolo alimentar

e pela corrente de ar se cruzam (ISOLA, 1999).

Os músculos da faringe atuam, dentre outras coisas, na fala e na deglutição, regulando

também a respiração. Sendo assim, a orofaringe está envolvida com as funções de deglutição,

respiração e fala, pois os pulmões são protegidos da aspiração quando as vias aéreas e a passagem

do bolo alimentar são reguladas durante a fase faríngea da deglutição (FURKIM; SANTINI, 1999).

Segundo Furkim(2004) a deglutição na faringe tem as seguintes fases: elevação e

retração do palato mole para prevenir entrada do alimento na cavidade oral; início das contrações

dos constritores faríngeos; transporte do bolo pela faringe, elevação e anteriorização do osso hióide

e das estruturas conectadas à laringe, retroversão da epiglote e o fechamento glótico da laringe para

prevenir entrada do material na via aérea.

Durante a deglutição a laringe e a nasofaringe se fecham, impedindo que o alimento seja

aspirado. O fechamento da rima glótica e a apnéia da deglutição são ações interligadas, entretanto,

são distintas dentro do conjunto de ações capazes de proteger as vias aéreas (FURKIM, 2004).

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2.3 DECANULAÇÃO

Há muitas vantagens na decanulação, incluindo a melhora na função da deglutição e das

pregas vocais; a alta hospitalar para casa se torna mais fácil se o paciente ou cuidador não precisar

aprender a gerenciar a cânula da traqueostomia, como também a melhora na aparência e conforto do

paciente. (O’CONNOR, 2010).

Figura 2- Decanulação.

Fonte: https://interfisio.com.br/decanulacao-em-traqueostomia-uma-abordagem-pratica/

É comum o seguimento de regras específicas de indicação de traqueostomia, mas não há

regras determinantes para o processo de retirada. Doenças crônicas e a falta de protocolos para

desmame e decanulação baseados em evidências tornam difícil prever os resultados deste processo

nas particularidades de cada paciente (O’CONNOR,2010).

A classificação dos pacientes traqueostomizados com base na indicação da

traqueostomia (ventilação mecânica com desmame prolongado ou incapacidade de manejo das

secreções respiratórias, incluindo àqueles com deterioração do nível de consciência por dano

cerebral) é um passo fundamental no desenvolvimento de protocolos para decanulação.

(Hernández,2012)

Os principais critérios usados para a classificação são: habilidade para tolerar a oclusão

do tubo de traqueostomia, secreções, a efetividade da tosse e o nível de consciência do paciente. A

diminuição do nível de consciência tem sido descrita como um fator relacionado com a disfagia

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orofaríngea, associada com aspiração e pneumonia (Zanata, 2014). Para tal faz-se necessária uma

ação conjunta entre fonoaudiologia e fisioterapeuta.

Os pacientes que permanecem por longo tempo na UTI apresentam características

específicas que podem favorecer a alteração da deglutição (Peterson, 2010). Isto dá-se por vários

fatores como o estado clínico em geral, baixo nível de consciência, efeito de medicações e tantos

outros que implicam no estado geral do paciente. Desta forma os riscos de broncoaspiração e

provável pneumonia são consideráveis.

Objetivando avaliar, junto com equipe multiprofissional de saúde, o estado do paciente,

a avaliação detalhada da função de deglutição, o fonoaudiólogo entra com testes específicos que

consideram a situação morfológica, mobilidade, coordenação, ritmo, sensibilidade tátil intra e

extraoral, assim como tônus e postura orofaríngeas (Peterson, 2010)

2.4 A AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NA UTI EM PACIENTE

TRAQUEOSTOMIZADO

A anatomia da deglutição envolve espaços que estão ligados a deglutição e a

respiração. Os espaços são o nariz, cavidade oral, faringe, laringe e esôfago. Nestes o alimento e ar

dividem espaço.

A deglutição, segundo Jacobi (2003), em pessoas saudáveis ocorre de maneira

voluntária, apesar da fase oral ser voluntária, está dividida em 4 fases, a oral preparatória, fase de

transporte, fase faríngea e a fase esofágica. A primeira envolve a mastigação do bolo misturado a

saliva. Na etapa do transporte o bolo é ejetado para a faringe, em seguida transportado para o

esôfago, sem aspirar, e na última fase o bolo é propulsionado para o estômago.

Segundo Furkim (2014) o paciente traqueostomizado em UTI apresenta estado geral

que inspira cuidados. Cabendo ao gerenciamento fonoaudiológico considerar alguns fatores de risco

para a disfagia orofaríngea como nível de alerta do paciente, estado cognitivo rebaixado, intubação

e uso de ventilação mecânica, além de doenças de risco.

Para o fonoaudiólogo é importante analisar o estado cognitivo que influenciam na

deglutição como a sedação, e efeitos residuais de interação farmacológica. Ainda segundo Furkim

(2014) a ventilação mecânica pode trazer alterações na preparação do bolo, transito oral, alterações

no reflexo da tosse trazendo consequências no fechamento da glote, deixando as vias aéreas

desprotegidas, podendo levar a pneumonia aspirativa

A incidência de aspiração traqueal em pacientes traqueostomizados é alta,

principalmente nos casos de intubação orotraqueal prolongada. Visando auxiliar a deglutição e

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comunicação, a válvula de fala é uma das opções para auxiliar na reabilitação desses pacientes.

(Furkim,2014).

Nas UTIs a traqueostomia tende a atuar como elemento potencializador da disfagia, pois

esse procedimento pode causar a aspiração do conteúdo colonizado da orofaringe, tal como alterar a

mecânica respiratória e a aerodinâmica nas vias aéreas superiores, e ainda prejudicar seus reflexos

protetores. O procedimento também pode contribuir para a formação de estenose, fístula traquel e

granulação do tecido, além de aspiração laríngea e dessensibilização dessa e das pregas vocais.

Experimentos em grupos de pacientes, realizados através do método Blue Dye, que

consiste da utilização de corante azul para identificar aspiração de saliva na cavidade oral do

paciente, mostraram que a incidência da aspiração traqueal de saliva está consideravelmente

relacionada a utilização do modo respiratório por pressão controlada. Desde essa constatação, os

pacientes nessas condições passaram a ser considerados grupo de risco de disfagia orofaríngea, e a

ocupar os protocolos de prevenção.

Tais protocolos determinam uma intervenção fonoaudiológica precoce e de foco

especificamente, por razões de segurança, contemplando os três modos de ação, principalmente na

realização de triagens para os grupos de riscos. Porém, a pesar da intervenção terapêutica imediata

não ser recomendada, é aconselhado a utilização de estímulos leves para que o paciente aprenda a

lidar melhor com sua condição. Nesse caso as abordagens cirúrgicas podem ocorrer tanto no pré

quanto no pós-operatório.

A própria literatura da área aponta que a avaliação clínica, somente, não basta para

forneceras informações necessárias sobre o manejo da disfagia. Perante essa realidade, dois

métodos de avaliação se tornaram notoriamente eficazes e utilizados, sendo o mais eficiente dentre

eles a videofluoroscopia, o qual consiste da observação dinâmica de todas as fazes da deglutição

através de séries radiográficas.

O segundo método é a avaliação nasofibroscopia da deglutição, identificado pela sigla

em inglês FEES (Fiberoptic Endoscopic Evaluation of Swallowing). Esse é amplamente utilizado

por se tratar de um exame simples, capaz de ser realizado a beira do leito da UTI

independentemente da cooperação do paciente, e por não expôs esse último aos riscos da

videofluoroscopia.

Dentre outros métodos estão o já citado Blue Dye, cujo uso é alvo de discussões e

controvérsias, e a utilização de oximetria de pulso para monitorar os níveis de oxigenação

sanguínea na hemoglobina funcional e da frequência cardíaca.

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2.5 ALTERAÇÕES OCASIONADAS PELA TRAQUEOSTOMIA

Nos pacientes com traqueostomia o ar é desviado pela cânula, o que reduz a

sensibilidade da área. Em pacientes com a cânula fechada a aspiração laringotraqueal é maior do

que nas cânulas abertas.

Estudos têm demonstrado a relação entre a sincronia do fechamento e da abertura das

pregas vocais em relação à elevação e ao abaixamento da laringe, respectivamente, durante a

deglutição em pacientes normais. Outros estudos em pacientes traqueostomizados têm demonstrado

que o tempo de fechamento das pregas vocais durante a deglutição é menor do que em pacientes

com deglutição normal e que o tempo de fechamento das pregas vocais não varia de acordo com o

aumento do bolo alimentar (FURKIM; SANTINI, 1999)

Alguns estudos apontam que o prognostico da reabilitação da deglutição pode ser já

durante o uso da cânula. A traqueotomia altera a anatomia e as funções do sistema respiratório,

implicando diretamenta na fala do paciente, reduzindo a comunicação da laringe.

A cânula de traqueostomia altera o trajeto do fluxo aéreo expiratório para o estoma no

pescoço. Essa modificação do trajeto ocasiona redução do fluxo e redução da pressão infraglótica, o

que irá acarretar em alteração da mobilidade e força da musculatura intrínseca da laringe (pregas

vocais), justificando a afonia ou disfonia, de diferentes graus de severidade e características.

(FURKIM; SANTINI, 1999)

A falha na deglutição pode trazer importantes complicações para o indivíduo como

desnutrição, broncopneumonia e a morte. Por diferentes razões, o bolo alimentar pode sair do

trajeto esperado e entrar nas vias aéreas. Penetração é o termo utilizado para descrever a entrada do

bolo dentro da laringe, mas sem ultrapassar o nível das pregas vocais e o termo aspiração é utilizado

quando o bolo ultrapassa o nível das pregas vocais (FURKIM; SANTINI, 1999). A penetração e/ou

aspiração do bolo alimentar pode acontecer devido alterações sensoriais, motoras, pressóricas e/ou

por incoordenação das estruturas e suas respectivas funções sequenciais (FURKIM; SANTINI,

1999).

Existe uma relação entre respiração e deglutição. A cânula pode desencadear

modificações na integração das funções respiratórias e de deglutição e, assim, desencadear e

justificar a disfagia. (ZANATA, 2014).

Na presença da traqueostomia e com a consecutiva redução da pressão e quantidade do

fluxo aéreo, pode ocorrer ausência de tosse protetora e o efeito de limpeza no caso de entrada de

alimento nas vias aéreas ou estase pode estar ausente, ou, presente com intensidade fraca, o que

piora o status da deglutição do indivíduo. Outro fator a ser considerado, é que com o desvio do

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fluxo para o estoma, alterações do olfato e do paladar podem acontecer, dificultando ainda a

primeira fase da deglutição (antecipatória) devido à falta de estímulo e consecutiva redução do

apetite. (FURKIM; SANTINI, 1999).

Para os autores, supracitados, faz-se necessária fazer uma avaliação da região da mucosa,

que releve os seguintes aspectos: a) função dos órgãos fonoarticulatórios; presença, quantidade e

tolerância das secreções orotraqueais; b) riscos e benefícios da avaliação da deglutição. Para a

avaliação da função que os órgãos fonoarticulatórios desempenham na deglutição, é necessário

levar em consideração: c) presença de reflexos patológicos e ausência de reflexos fisiológicos; d)

simetria, sensibilidade, mobilidade e força dos órgãos fonoarticulatórios e respectivo desempenho

na fonoarticulação; e) presença e estado geral da dentição; f) controle oral da saliva; g) higiene oral

– higiene oral precária é um dos principais fatores preditivos de infecção respiratória em pacientes

disfágicos (FURKIM; SANTINI, 1999).

O paciente ainda deve ser orientado frente a oclusão da traqueia, nas fases da respiração,

melhor consistência, quantidade, temperatura – dentro do quadro clínico de cada paciente; observar

a frequência e a efetividade das deglutições espontâneas; corar o alimento com anilina (azul ou

verde) para facilitar a identificação de pequenas quantidades de material aspirado nas vias aéreas

inferiores, embora se saiba que a presença de material corado na aspiração é sinal positivo de

aspiração do bolo oferecido, e a ausência pode ser um resultado. Dessa forma, sempre é necessário

considerar todo o quadro do paciente; ofertar pequenas quantidades e observar o padrão respiratório

e o comportamento do paciente durante e após a oferta. O fonoaudiólogo terá que observar e

considerar cada fase da deglutição separadamente e a deglutição em sua totalidade. Se for

observada alguma dificuldade é necessário que seja raciocinado o que gerou os sinais clínicos e/ou

os sintomas do paciente. Apenas localizando a alteração é que se pode pensar em estratégias

compensatórias ou reabilitadoras. (FURKIM; SANTINI, 1999).

Nos pacientes conscientes dependentes ou não de ventilação, devem ser adequados a

válvula de fala, após avaliação da equipe médica multiprofissional

2.6 REDUÇÃO DOS IMPACTOS FONOAUDIOLÓGICA NOS PACIENTES

TRAQUEOSTOMIZADOS

A analise da traqueostomia deve ser feita antes do procedimento. Existe a horizontal,

que tem maior chance de aspiração e a vertical, que é a mais indicada. Quando o paciente

apresenta boas condições respiratórias o diâmetro da cânula deve ser diminuído e a obstrução o

máximo de tempo. Com esta redução possibilita certa liberação da traquéia, o ar encontra espaço

para chagar as pregas vocais. Com a oclusão da cânula, ocorre aumento da pressão subglótica e

normalização do fluxo aéreo, pois o ar novamente volta a passar entre as pregas vocais. Com

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isso, a sensibilidade das pregas vocais, que estava reduzida, aumenta, diminuindo o potencial de

aspiração. .( FURKIM; SANTINI, 1999).

Inúmeros são os benefícios da normalização do fluxo aéreo: melhora do olfato e do

paladar, redução da secreção, melhora da proteção das vias aéreas e melhora da disfagia. Portanto,

sempre que possível, devem ser utilizados artifícios ou técnicas para tornar possível a normalização

do fluxo aéreo dos pacientes traqueostomizados. Pode-se também normalizar o fluxo aéreo em

pacientes portadores de cânulas com cuff e em uso da ventilação mecânica. Para isso, esses

pacientes devem apresentar condição pulmonar estável e suportar a desinflação do cuff. Nesses

casos, está indicada a válvula de Passy-Muir. Essa válvula é um pequeno dispositivo que é colocado

entre a cânula de traqueostomia e o ventilador mecânico, que permite a entrada de ar aos pulmões,

mas não permite a sua saída pela cânula. O ar, então, sai através da traqueia, atinge as pregas vocais

e normaliza o fluxo aéreo, propiciando ao paciente todos os benefícios já descritos anteriormente.

(FURKIM; SANTINI, 1999).

A observação deste paciente deve ser constante, observando o acumulo de secreção nas

vias respiratórias, por isso a traqueia deve ser aspirada, por meio de uma cânula.

3. CONCLUSÃO

A traqueotomia é um procedimento extremamente invasivo, mas, muitas vezes, é o

único meio de salvar a vida de um paciente. Ela passa a ser a única forma de acesso as vias

respiratórias. Neste, rompe-se estruturas da laringe, área fundamental para funções como

deglutição, fala e respiração.

A traqueotomia deve ficar no paciente de forma breve, quão menos o tempo de uso,

maiores as possibilidades de reabilitação das funções de deglutição, respiração e fonação.

Cabe ao fonoaudiólogo, assim como a equipe multiprofissional de saúde,

compreender os impactos deste procedimento no paciente. Ofertando mascaramento ou eliminando.

Cabe então o gerenciamento para uma plena recuperação deste paciente.

A traqueostomia é um fator de risco para a disfagia orofaríngea. O profissional de

fonoaudiologia deve orientar a família do paciente sobre as possíveis alterações fonoaudiológicas,

podendo este iniciar estímulos leves para que o paciente consiga lidar melhor com sua saliva e

secreção, levando a um desmame precoce da cânula e da via alternativa de alimentação. O principal

papel deste profissional nas UTIs é a avaliação e o gerenciamento fonoaudiológico.

Page 12: ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM PACIENTE … · verificar a possibilidade de alimentação por via oral; Dissertar sobre os passos fonoaudiológicos voltados à respiração e fala

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4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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