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Reportagem Especial 2 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, SÁBADO, 12 DE SETEMBRO DE 2015 DECISÃO SOBRE DROGAS Médicos brigam para manter lei que proíbe maconha Entidades médicas encaminharam um manifesto ao STF pedindo que o porte da droga não seja descriminalizado Eliane Proscholdt Keyla Cezini M édicos entraram na briga para que a lei que consi- dera crime o porte de ma- conha, mesmo que em pequena quantidade, não seja alterada. O assunto tem sido discutido em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, antes que os ministros anunciem a decisão, a Associação Brasileira de Psiquia- tria (ABP) encaminhou à Corte um manifesto pedindo que o porte da droga não seja descriminalizado. A Federação Nacional dos Médi- cos (Fenam) é uma das institui- ções que apoia o manifesto. Para seu presidente, o ginecologista Ot- to Baptista, o País não está prepa- rado para a descriminalização da maconha. “Não temos estrutura. A libera- ção dos entorpecentes sem ter o combate ao tráfico e um suporte ao usuário não valerá de nada. Seria um atentado à dignidade humana.” O cardiologista e vice-presiden- te do Sindicato dos Médicos do Es- tado (Simes), João Vicente Roeder, também é contra. “Maconha é por- ta de entrada para o uso de outras drogas. A pessoa começa com uma pequena quantidade, depois sente necessidade de mais e de outras drogas. É um caminho perigoso.” Para o diretor do Simes e gineco- logista Moacir Lima Guimarães, esta é uma questão de saúde publi- ca muito séria. “Os estudos mos- tram que o uso de maconha leva à deterioração do cérebro. O pacien- te tem problemas sérios”, frisou. Já o psiquiatra Vicente de Paulo Ramatis Lima teme que a descrimi- nalização facilite o acesso de ado- lescentes à droga. “Quando usada na adolescência, a maconha aumenta em sete vezes as chances de a pessoa se tornar esquizofrênica. Ela também de- sencadeia depressão e está com- provado que diminui o desenvol- vimento cognitivo”, explicou. Quem também apoia o manifesto é a Associação Médica Brasileira (ABM). O vice-presidente da insti- tuição, o urologista e cirurgião on- cológico Aguinel José Bastian Jú- nior, disse que a questão deveria ser tratada de forma multidisciplinar. “Sou contra a descriminalização. Isso não deveria ser discutido ape- nas na esfera judicial. É preciso um debate com profissionais de saúde e outros que atuam no dia a dia com usuários de drogas”, ressaltou. LEONARDO DUARTE/AT A mudança na lei com certeza vai contribuir para o aumento do uso de outras drogas Moacir Lima Guimarães, ginecologista As pesquisas mostram que existe um grande índice de demência entre os usuários de maconha João Vicente Roeder, cardiologista A liberação dos entorpecentes em combate ao tráfico e suporte ao usuário não valerá de nada Otto Baptista, ginecologista ENTENDA O que é descriminalização? > É A ANULAÇÃO de leis que definem como criminoso um comportamen- to, produto ou condição. > O TERMO é usado tanto em conexão com drogas ilícitas como com delitos de embriaguez em via pública. O que é legalização? > A LEGALIDADE da maconha diz res- peito a leis que em vários países re- gulam o uso, a posse, o cultivo e o co- mércio do produto. O caso > O CASO QUE está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) po- de definir se o porte e o consumo de maconha serão descriminalizados. > O RELATOR do processo, ministro Gilmar Mendes, considera constitu- cional o artigo 28 da Lei 11.343/ 2006, que manteve a condenação do recorrente – ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) – pelo crime de porte de drogas para o consumo pessoal. > O MP-SP alega que o crime previsto em tal lei (porte de drogas para con- sumo) ofende o princípio da intimi- dade e vida privada. > O PROCESSO discute se a Constitui- ção autoriza a tipificação penal do uso de drogas para consumo pes- soal. > O PROCESSO tramita desde 2011. > A DECISÃO poderá consolidar um no- vo entendimento jurídico sobre o te- ma no Brasil. > ATUALMENTE, adquirir, guardar ou portar drogas para uso pessoal é considerado crime. O que diz a Lei 11.343/2006 > ARTIGO 28 – Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pes- soal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida edu- cativa de comparecimento a progra- ma ou curso educativo. Maconha e outras drogas > ATÉ A ÚLTIMA quinta-feira, a expec- tativa era de que o STF decidisse pe- la descriminalização ou não do porte de pequenas quantidades de qual- quer tipo de droga. > NESTE DIA do julgamento, dois mi- nistros votaram pela descriminaliza- ção do porte de pequenas quantida- des apenas de maconha. REUTERS – 04/07/2015 PÉ DE MACONHA: uso pessoal SAIBA MAIS O que diz o manifesto Violência > “O uso de drogas lícitas e ilícitas está atrás da maioria dos latrocínios, dos homicídios por causas banais, dos acidentes com veículos e dos suicí- dios. Além de ser a maior causa da violência doméstica.” Liberdade > “Não pode existir a liberdade indivi- dual de usar a droga quando ela é responsável por alterações mentais temporárias e mesmo definitivas, que levam a mudanças de comporta- mento em grande parte de seus usuários e dependentes.” Situação pior > “Não há exemplo histórico, nem evi- dência científica, que endosse a tese da descriminalização do uso como uma melhoria na qualidade de vida da população. Portanto, esperamos que o STF, após a reflexão necessá- ria, decida a favor dos nossos jovens e suas famílias, evitando que a tragé- dia das drogas no Brasil fique pior do que está.” Deputado quer proibir uso em locais públicos Certo de que os ministros do Su- premo Tribunal Federal (STF) vão aprovar a descriminalização do porte da maconha, o deputado es- tadual Gilsinho Lopes (PR) proto- colou ontem um projeto de lei que restringe o uso de maconha em lo- cais coletivos fechados ou públi- cos, bem como o porte ostensivo público. A pena para o descumprimento da lei, se aprovada, será a apreen- são da droga e uma multa no valor que varia de R$ 13.435,50 a R$ 403.065,00 para o usuário. “A defesa da saúde é atribuição concorrente do Estado. Desta for- ma, seguindo o exemplo do que já foi feito com relação ao cigarro, se- ria importante proibir também o uso de maconha em locais fecha- dos ou públicos no Estado”, disse. O parlamentar explicou ainda que o uso não poderá ser feito em locais com aglomeração, até mes- mo nos calçadões e praias muito frequentadas pelas pessoas. Diante da complexidade, Gilsi- nho vai pedir regime de urgência. Seguindo o trâmite, depois de pas- sar pelas comissões de Justiça; Ci- dadania e Direitos Humanos; Polí- tica Sobre Drogas e Finanças, e aprovado, será levado à votação. “Em se tratando de um tema que é novo e polêmico, vou pedir regi- me de urgência. A previsão é de que em 15 a 20 dias seja apreciado pela Casa”, afirmou o deputado. FERNANDO RIBEIRO – 02/11/2014 GILSINHO protocolou projeto de lei

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Reportagem Especial2 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, SÁBADO, 12 DE SETEMBRO DE 2015

DECISÃO SOBRE DROGAS

Médicos brigam para manterlei que proíbe maconhaEntidades médicasencaminharam ummanifesto ao STFpedindo que o porteda droga não sejadescriminalizado

Eliane ProscholdtKeyla Cezini

Médicos entraram na brigapara que a lei que consi-dera crime o porte de ma-

conha, mesmo que em pequenaquantidade, não seja alterada.

O assunto tem sido discutido emjulgamento no Supremo TribunalFederal (STF). Mas, antes que osministros anunciem a decisão, aAssociação Brasileira de Psiquia-tria (ABP) encaminhou à Corte ummanifesto pedindo que o porte dadroga não seja descriminalizado.

A Federação Nacional dos Médi-cos (Fenam) é uma das institui-ções que apoia o manifesto. Paraseu presidente, o ginecologista Ot-to Baptista, o País não está prepa-rado para a descriminalização damaconha.

“Não temos estrutura. A libera-ção dos entorpecentes sem ter ocombate ao tráfico e um suporte aousuário não valerá de nada. Seriaum atentado à dignidade humana.”

O cardiologista e vice-presiden-te do Sindicato dos Médicos do Es-tado (Simes), João Vicente Roeder,também é contra. “Maconha é por-ta de entrada para o uso de outrasdrogas. A pessoa começa com umapequena quantidade, depois sentenecessidade de mais e de outrasdrogas. É um caminho perigoso.”

Para o diretor do Simes e gineco-logista Moacir Lima Guimarães,esta é uma questão de saúde publi-ca muito séria. “Os estudos mos-tram que o uso de maconha leva àdeterioração do cérebro. O pacien-te tem problemas sérios”, frisou.

Já o psiquiatra Vicente de PauloRamatis Lima teme que a descrimi-nalização facilite o acesso de ado-lescentes à droga.

“Quando usada na adolescência,a maconha aumenta em sete vezesas chances de a pessoa se tornaresquizofrênica. Ela também de-sencadeia depressão e está com-provado que diminui o desenvol-vimento cognitivo”, explicou.

Quem também apoia o manifestoé a Associação Médica Brasileira(ABM). O vice-presidente da insti-tuição, o urologista e cirurgião on-cológico Aguinel José Bastian Jú-nior, disse que a questão deveria sertratada de forma multidisciplinar.

“Sou contra a descriminalização.Isso não deveria ser discutido ape-nas na esfera judicial. É preciso umdebate com profissionais de saúdee outros que atuam no dia a dia comusuários de drogas”, ressaltou.

LEONARDO DUARTE/AT

“A mudança na leicom certeza

vai contribuir parao aumento do uso deoutras drogas”Moacir Lima Guimarães, ginecologista

“As pesquisasmostram que

existe um grande índicede demência entre osusuários de maconha”João Vicente Roeder, cardiologista

“A liberação dose n to r p e ce n te s

em combate ao tráfico esuporte ao usuário nãovalerá de nada”Otto Baptista, ginecologista

E N T E N DA

O que é descriminalização?> É A ANULAÇÃO de leis que definem

como criminoso um comportamen-to, produto ou condição.

> O TERMO é usado tanto em conexãocom drogas ilícitas como com delitosde embriaguez em via pública.

O que é legalização?> A LEGALIDADE da maconha diz res-

peito a leis que em vários países re-gulam o uso, a posse, o cultivo e o co-mércio do produto.

O caso> O CASO QUE e s tá sendo julgado pelo

Supremo Tribunal Federal (STF) po-de definir se o porte e o consumo demaconha serão descriminalizados.

> O RELATOR do processo, ministroGilmar Mendes, considera constitu-cional o artigo 28 da Lei 11.343/2006, que manteve a condenaçãodo recorrente – ação movida peloMinistério Público de São Paulo(MP-SP) – pelo crime de porte dedrogas para o consumo pessoal.

> O MP-SP alega que o crime previstoem tal lei (porte de drogas para con-sumo) ofende o princípio da intimi-dade e vida privada.

> O PROCESSO discute se a Constitui-ção autoriza a tipificação penal douso de drogas para consumo pes-soal.

> O PROCESSO tramita desde 2011.> A DECISÃO poderá consolidar um no-

vo entendimento jurídico sobre o te-ma no Brasil.

> ATUALMENTE, adquirir, guardar ouportar drogas para uso pessoal éconsiderado crime.

O que diz a Lei 11.343/2006> ARTIGO 28 – Quem adquirir, guardar,

tiver em depósito, transportar outrouxer consigo, para consumo pes-soal, drogas sem autorização ou emdesacordo com determinação legalou regulamentar será submetido àsseguintes penas: advertência sobreos efeitos das drogas; prestação deserviços à comunidade; medida edu-cativa de comparecimento a progra-ma ou curso educativo.

Maconha e outras drogas> ATÉ A ÚLTIMA quinta-feira, a expec-

tativa era de que o STF decidisse pe-la descriminalização ou não do portede pequenas quantidades de qual-quer tipo de droga.

> NESTE DIA do julgamento, dois mi-nistros votaram pela descriminaliza-ção do porte de pequenas quantida-des apenas de maconha.

REUTERS – 04/07/2015

PÉ DE MACONHA: uso pessoal

SAIBA MAIS

O que diz o manifestoViolência> “O uso de drogas lícitas e ilícitas está

atrás da maioria dos latrocínios, doshomicídios por causas banais, dosacidentes com veículos e dos suicí-dios. Além de ser a maior causa daviolência doméstica.”

Liberdade> “Não pode existir a liberdade indivi-

dual de usar a droga quando ela éresponsável por alterações mentaistemporárias e mesmo definitivas,que levam a mudanças de comporta-mento em grande parte de seususuários e dependentes.”

Situação pior> “Não há exemplo histórico, nem evi-

dência científica, que endosse a teseda descriminalização do uso comouma melhoria na qualidade de vidada população. Portanto, esperamosque o STF, após a reflexão necessá-ria, decida a favor dos nossos jovense suas famílias, evitando que a tragé-dia das drogas no Brasil fique pior doque está.”

Deputado quer proibiruso em locais públicos

Certo de que os ministros do Su-premo Tribunal Federal (STF) vãoaprovar a descriminalização doporte da maconha, o deputado es-tadual Gilsinho Lopes (PR) proto-colou ontem um projeto de lei querestringe o uso de maconha em lo-cais coletivos fechados ou públi-cos, bem como o porte ostensivop ú b l i c o.

A pena para o descumprimentoda lei, se aprovada, será a apreen-

são da droga e uma multa no valorque varia de R$ 13.435,50 aR$ 403.065,00 para o usuário.

“A defesa da saúde é atribuiçãoconcorrente do Estado. Desta for-ma, seguindo o exemplo do que jáfoi feito com relação ao cigarro, se-ria importante proibir também ouso de maconha em locais fecha-dos ou públicos no Estado”, disse.

O parlamentar explicou aindaque o uso não poderá ser feito emlocais com aglomeração, até mes-mo nos calçadões e praias muitofrequentadas pelas pessoas.

Diante da complexidade, Gilsi-nho vai pedir regime de urgência.Seguindo o trâmite, depois de pas-sar pelas comissões de Justiça; Ci-dadania e Direitos Humanos; Polí-tica Sobre Drogas e Finanças, eaprovado, será levado à votação.

“Em se tratando de um tema queé novo e polêmico, vou pedir regi-me de urgência. A previsão é deque em 15 a 20 dias seja apreciadopela Casa”, afirmou o deputado.

FERNANDO RIBEIRO – 02/11/2014

GIL SINHO protocolou projeto de lei