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Este trabalho se propõe refletir a respeito do meu envolvimento com o que eu chamo de arte de rua, arte urbana, ou ainda street art. Ao longo do texto usarei livremente estas três terminologias querendo indicar um movimento que se iniciou nos anos 60, com a opularização da tinta em spray aerossol. Este fato modificou de forma profunda e permanente o hábito da escrita no espaço público. Este movimento foi ricamente desenvolvido nos subúrbios de Nova Iorque ao longo dos anos 70, e chega à contemporaneidade presente em praticamente todos os países do mundo, com um acúmulo técnico e histórico que fazem dele uma significativa manifestação estética do incipiente século XXI...

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André Novais Machado

AtravésTravessias e atravessamentos na cidade

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Colegiado de Gradu-

ação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Fed-

eral de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Artes Visuais.

Habilitação: Artes GráficasOrientador: Prof. Marcelo Drumond

Belo HorizonteEscola de Belas Artes da UFMG

2014

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Agradecimentos

Antes de mais nada, salve Deus!

Agradeço aos meus pais. Eles me permitiram não só estar presente, como ainda bem amado e bem nutrido. Sou profundamente grato por saber o quanto fui chato e arrogante nas minhas convicções, e imaginar como eles devem ter se esforçado em me compreender e me educar. Agradeço pela fé que nunca deixaram de depo-sitar em mim.

Agradeço aos professores da Escola de Belas Artes, que tiveram que lidar com toda minha indisciplina e ainda assim acreditaram no meu trabalho. Sou grato pelas oportunidades que me deram e por todo o aprendizado que tive com eles.

Agradeço em especial ao Marcelo Drummond, pelo trabalho de orientação desta monografia e pelas conversas esclarecedoras; e à Elisa Campos, que me acolheu em seu projeto de pesquisa em 2012, me ajudando a ter novas perspectivas do meu trabalho.

Agradeço a todos os mestres que tive nas ruas, tantas vezes tão pouco seme-lhantes a mestres, mas digníssimos deste título, sem dúvidas. Grato aos que me ensinaram a andar pela cidade, a conhecer suas quebradas, a escrever nela, que me ensinaram dialetos, a versar sobre ela e a compreendê-la sempre um pouco mais – pois sempre haverá esquinas desconhecidas. Grato aos xamãs urbanos, aos loucos, andarilhos, mangueadores, punks, hippies, fotógrafos, bicicleteiros, pixadores, moradores de rua, MCs, poetas vira-latas, revolucionários, urbanistas carnavalescos e apaixonados pela cidade de uma forma geral.

Agradeço profundamente aos meus amigos, companheiros de todos os tempos, motivo maior e inspiração para eu fazer minha arte. Sou imensamente grato pelo amor de vocês.

Agradeço ao mestre Véio.

Grato ainda à Chico Science, mano Brown, Hakim Bey e João do Rio.

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À alma encantadora das ruas...

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO8

CIDADÃO COMUM11

PERCURSO COMUM21

DO FAZER39

TRABALHOS57

ANEXOS80

BIBLIOGRAFIA83

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Este trabalho se propõe refletir a respeito do meu envolvimento com o que eu chamo de arte de rua, arte urbana, ou ainda street art. Ao longo do texto usarei livremente estas três terminologias querendo indicar um movimento que se iniciou nos anos 60, com a popularização da tinta em spray aerossol. Este fato modificou de forma profunda e permanente o hábito da escrita no espaço público. Este movimento foi ricamente desenvolvido nos subúrbios de Nova Iorque ao longo dos anos 70, e chega à contemporaneidade presente em praticamente todos os países do mundo, com um acúmulo técnico e histórico que fazem dele uma significativa manifestação estética do incipiente século XXI.

A arte urbana, apesar de manter um vinculo histórico com a tinta spray e o grafite, já não está restrita a essas técnicas, tendo se multiplicado e subdividido em vários estilos e categorias. Permanece como substrato comum, no entanto, uma cultura diretamente ligada ao uso do espaço público como espaço de intervenção e exposição, e herdeira de uma tradição que teve nos writters (escritores) nova-iorquinos seus principais formuladores.

Estes desenvolveram procedimentos de escrita na cidade que se valia de sua arquitetura e design para divulgar seus nomes ou de suas crews (galeras) o máximo possível. Estes procedimentos serviram de base depois para toda sorte de propostas estéticas para o espaço público, vindo a denotar o que chamei de arte urbana.

Estou delimitando a compreensão do termo dentro da presente obra para evitar entendimentos equivocados.

Embora delimite a terminologia, o mesmo não pude fazer com o meu envolvimento neste universo. Escrevo sobre esta experiência de um ponto de vista subjetivo, e portanto singular, que se inicia e têm seu primeiro desenvolvimento nas ruas, de forma autodidata, mas depois passa a receber contribuições da arte acadêmica, com minha entrada na Escola de Belas Artes, em 2009. Esta mistura de influências

INTRODUÇÃO

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foi bastante enriquecedora, pois me permitiu não só olhar a arte urbana de um outro ponto de vista, mais externo, como levar e amplificar certas questões latentes da arte urbana que ampliavam as discussões acadêmicas.

Por outro lado acabei ficando numa posição intermediária entre um lugar e outro - o que não é de todo negativo. De fato, analisando minha produção agora, à luz desta monografia, percebo mais claramente que ela traz consigo algumas ambiguidades próprias desta contaminação mútua entre os dois universos, muitas vezes tidos como inconciliáveis. O próprio público a quem ela se direciona, e que dá o seu retorno depois, é tanto de pessoas ligadas à arte urbana como daquelas interessadas nas artes plásticas.

Minha entrada numa escola de artes a princípio me distanciou daquela produção que eu já tinha nas ruas, mais diretamente ligada à arte urbana, pois eu me vi repentinamente deslumbrado por várias possibilidades daquele novo ambiente. Com o tempo, no entanto, comecei a olhar pra trás com mais atenção. Estava então com mais da metade do curso completo quando me dei conta que aquela linguagem, da qual eu já era íntimo, é que traria as melhores respostas para os meus anseios artísticos. Mais amadurecido, retomei minha produção com mais afinco, e desde então caminho entre os dois mundos, a arte urbana e as artes plásticas, buscando mais suas complementaridades que suas contradições.

Se esta ambivalência determina minha linguagem visual, o mesmo vale dizer para a verbal. Por isto escolhi neste texto não abrir mão de certas gírias comumente utilizadas no meio da arte urbana, embora a linguagem seja predominantemente formal e acadêmica. Em cada caso acrescentei junto do termo uma definição aproximada, com base no meu entendimento de cada um. Acredito que o texto se enriquece com sentidos que não seriam totalmente transmitidos por termos similares. Aproximo assim também o leitor leigo de um universo novo.

Ainda em consideração às terminologias, optei pela grafia do termo pixação com “x”, embora o correto fosse grafá-lo com “ch”. Esta opção reflete as discussões recentes sobre o assunto e, com ela, assumo um lugar mais próximo de sua prática do que de sua teoria. O pixo, enquanto movimento, se autorreferencia desta forma, e acredito que assim deixo bem demarcada minha posição dentro deste quadro.

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CIDADÃO COMUM

QUEM?

Começo com o desafio de descobrir e enunciar quem é o Cidadão Comum, esta idéia que me acompanha desde que um dia, sem maiores intensões, criei uma imagem numa chapa de raio-x e estampei-a pela cidade.

De forma objetiva, Cidadão Comum é o nome que dei pra um stencil que produzi em meados de 2005: o rosto de um homem negro, que reproduzi sobre folhas de jornal e espalhei com grude no bairro onde eu morava. Era um rosto forte, expres-sivo, que tirei de uma fotografia de calendário, mais como um exercício de stencil do que qualquer coisa mais pretensiosa.

O fato é que ali ocorreu uma certa magia visual quando, ao levantar a matriz, deparei com a imagem que havia se formado atrás dela. A impressão tem esse momento fascinante de revelar a imagem, uma sensação prazerosa que conheci naquela época, quando aquele aparato de cores invertidas se traduz numa imagem final, clara e legível. Este sentimento com frequência me toma ainda hoje quan-do imprimo meus stencils, quando a imagem trabalhada finalmente se cristaliza.

Reprodução dos primeiros lambe-lambes Cidadão Comum, no chão do quarto.

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O rolé vêm de “roletar”, que guarda uma relação próxima com “dar uma volta”. Este lá-e-de-volta-outra-vez serve para nomear toda sorte de passeios, itinerários, percursos e deslocamentos urbanos. Na arte urbana o termo é apropriado de forma mais específica, nomeando os percursos feitos para fazer “tram-pos”, seja grafite, pixação, lambe-lambe, etc.

Falo mais detidamente a respeito destas modalidades da arte urbana nos capítulos seguintes.

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3

Ganhar um muro: ganhar aqui se refere mais a uma conquista que a um presente recebido. Seguindo as regras da rua, um muro ganhado, ou seja, pintado, grafitado ou pixado, é de seu “dono” até segunda ordem. Até que a pintura em questão apague e outra apareça por cima, ou o “dono” autorize a repintura. Geralmente nada disso passa pelo crivo do proprietário do muro.

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Mas aquele rosto, um mero exercício, me interessou muito mais do que esperava! Havia algo mais ali que merecia minha atenção.

Despretenciosamente eu havia criado uma bela imagem de alguma coisa e ela já pedia rua, o primeiro impulso foi levá-la pra lá. Mas devo ter ficado olhando pra ela um bom tempo antes, entendendo aquele rosto, e sem um motivo racionalmente decifrado decidi chamá-la de Cidadão Comum. Escrevi este nome com canetão nas cópias que tinha em mãos, em papel jornal, fiz um grude de maisena e sai pra pre-gar o lambe-lambe novo. Me recordo ainda desse rolé 1, por onde passei e deixei o Cidadão Comum e me lembro que, conforme as cópias iam se multiplicando pelas ruas, formando uma rede silenciosa de idéias, aquilo fazia mais sentido.

Nessa época estava começando a aventurar-me pelo universo da arte de rua, ganhando meus primeiros muros 2, pintando e experimentando modalidades livre-mente. Fazia grafites, pixos, grapixos, stencil e lambe-lambes 3. Havia uma vonta-de crescente de espalhar minhas marcas pelo máximo de lugares possível. Dessa maneira aprendia no percurso e na observação da cidade. Experienciava como podia o grande suporte-cidade, conhecendo outros artistas de rua e seus estilos, entendendo os jogos sutis que regulam as relações nas ruas, convivendo com a violência deste lugar, descobrindo novos espaços. Não sei se tinha, naquele mo-mento, consciência de que tudo isso ainda teria tanto impacto na minha vida, mas minha cabeça fervilhava de ideias e expectativas. Aquele primeiro Cidadão Comum estava prestes a se transformar numa longa série.

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Lambe-lambe da série Cidadão Comum no espaço público.

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QUEM MESMO?

Mas isto só começa a compor o que pode ser este sujeito comum. Porque além do imediatismo da intuição que tive, ao escolher este nome, as noções que ganhei de Cidadão Comum foram se multiplicando e transformando ao longo do tempo. Che-gam mesmo a se confundir, em determinado momento, com a minha própria iden-tidade. Falar do Cidadão Comum e, mais difícil ainda, dar um rosto a ele, nunca foi uma escolha fácil, no sentido de que eu mesmo não tinha uma noção claríssima do que este personagem de fato pudesse ser.

Partindo do início, o primeiro Cidadão Comum era um homem jovem e negro, do gueto, numa pose muito expressiva, calmamente provocativa e quase cínica. Era uma presença forte de um rosto desconhecido, um anônimo, e o desafio silencioso que ele parecia lançar com o olhar dava grande magnetismo para a imagem. Des-locando-o de seu contexto original, a foto de calendário, para os muros e paredes da cidade, aquele rosto passava a travar um diálogo com a própria sociedade. Sua mera presença no espaço público era questionadora, e foi isto que me pegou quando eu inseri aquele primeiro lambe-lambe na rua.

Mas aquele cidadão comum era, de certa forma, incomum. A força que eu percebia naquela imagem, eu reconhecia em alguns outros rostos que cruzavam meu olhar

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Lambe-lambe da série Cidadão Comum, produzido por volta de 2008.

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na cidade, mas não rostos quaisquer. As representações seguintes desta série são de meninos e moradores de rua, bêbados, travestis, moradores de ocupações, qui-lombolas, gente fumando maconha - pessoas que de alguma forma recebiam um não do sistema, quem estavam à margem de algum jeito. Estes cidadãos comuns talvez nem fossem cidadãos, pois era justamente aos quais a cidadania era negada de alguma forma. Eram cidadãos ao avesso, de uma cidade também ao avesso.

Estes comuns, embora estivessem presentes em abundância pelas ruas da cidade, não eram o personagem das representações hegemônicas do poder. Apesar de real, era tornado invisível pelo sistema vigente, por conveniência, descaso e negli-gência. A potência dele, a possibilidade emancipatória desse comum, era ofuscada pelo seu sistemático apagamento – tantas vezes metafórico, outras tantas literal.

À força imagética destes personagens somava-se ainda o fato deles estarem na rua enquanto lambe-lambes, uma mídia banal, não raro rasgada, suja e abando-nada – marginal -, mas ao mesmo tempo acessível e democrática. Isto reforçava aquele caráter contestador já presente desde a primeira imagem, pois surgia nas frestas, nos espaços não convencionados, impondo-se ao olhar comum no espaço público. O comum naquela imagem se torna um rosto específico - genérico que vêm à tona numa forma singular - e se dilui de novo na multidão. Era, por assim dizer, uma certa qualidade de espelho e, ao mesmo tempo, de olhar o outro que eu desejava inserir naquelas imagens, expondo a potência do cidadão ordinário. In-tencionava criar um lugar de reflexo do cidadão da rua olhando a si mesmo numa imagem. Uma imagem que se opunha, por exemplo, às imagens publicitárias.

A publicidade era um grande contraponto meu na época – e não deixou de ser -, com sua intenção dissimuladora, suas imagens irreais e distanciadas e, mais que tudo, sua onipresença e onipotência no espaço público. Para mim era a face perfeita da ilusão metropolitana, da especulação e das mentiras legitimadas pelo poder do dinheiro. Era o contrário do que entendia por arte de rua: uma comuni-cação livre e emancipatória. Na disputa imagética da cidade, de representações normáticas, o cidadão comum, indivíduo marginal, era uma microresistência em si mesmo, ao ser o que era no meio da irrealidade urbana, desafiando um ideal de sistema e, não raro, as leis que o regulam. Era este o reflexo que eu estava cada vez mais interessado em produzir com a minha prática enquanto artista urbano.

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QUEM, EU?

Um dos stencils que fiz na época revela um pouco mais do que eu entendia pelo nome de Cidadão Comum. A imagem era de dois moleques de rua que conheci durante um rolé. Dois comuns, engraxates, com suas caixinhas de graxa. Tiramos algumas fotografias deles posando pra câmera e produzi o stencil depois. Em tor-no deles eu fiz uma espécie de moldura onde escrevi: “Cidadão comum não designa um indivíduo. Cidadão comum é um signo coletivo”

Esta escrita foi a forma que encontrei de evitar tomar para mim o lugar de “o” Cidadão Comum, título que na época não me interessava. Eu ainda não tinha uma assinatura, mas achava um contrassenso tomar por nome próprio algo tão genéri-co. Eu não queria assumir este nome, a princípio só queria apresentar aquele con-ceito de cidadão comum que tinha criado. Neste universo eu era um entre muitos.

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Inspirado em iniciativas de grupos anarquistas contemporâneos, que criaram no-mes genéricos como Luther Blissett 4 para assinar seus textos e suas ações, dese-java também que o Cidadão Comum não fosse um nome meu, mas uma assinatura genérica, que poderia ser assinada por outras pessoas.

Na época isto surtiu um efeito tímido. Alguns amigos próximos, envolvidos na-quela cena da arte urbana que eu frequentava, adotaram o nome Cidadão Comum para assinar seus próprios stickers. Mas ele acabou funcionando de maneira mais eficaz como um nome próprio. Conforme eu ia espalhando os meus lambe-lambes pela cidade, cada vez mais envolvido com a rua e em me expressar nela, conhe-cendo e me fazendo conhecer nesta cena, mais as pessoas reconheciam a minha pessoa como Cidadão Comum. Paulatinamente este nome foi passando de gené-rico a específico. Apesar de dar nome à série de lambe-lambes e stencils que eu produzia, simultaneamente foi veiculando e consolidando minha identidade nas ruas.

Luther Blissett é um pseudônimo multi-usuário, uma identidade em aberto, adotada e compartilhada por centenas de hackers, activistas e operadores culturais em vários países, desde o verão (no hemisfério norte) de 1994. Na Itália, no período 1994-1999, o chamado Luther Blissett Project (mais organizado no seio da comunidade aberta que utiliza o pseudônimo), adquire notoriedade tornando-se uma lenda, uma espécie de herói popular, um Robin Hood da era da informação que organiza zombarias, passa notícias falsas à mídia, coordena heterodoxas campanhas de solidariedade a vítimas da repressão. [Retirado da Wikipédia, em 25 de maio de 2014.]

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PERCURSO COMUM

COMO UM COMUM

Quase tão sem querer quanto eu criei aquele primeiro stencil eu ganhei um nome na rua. Gostasse ou não, colar o Cidadão Comum nas paredes me identificava como tal naquela cena. No entanto me tornar “o” Cidadão Comum ainda era uma pretensão e um substantivo grande demais para mim. Nem eu tinha ganas de usar um nome de conceito tão amplo, nem tempo de escrever um tão extenso. Ter um nome ou uma assinatura para colocar na rua, uma presa1, para mim era mais do que só gostar ou estar a vontade com uma, mas também que ela fosse compacta, de escrita relativamente rápida. Assinar nos muros não é coisa muito bem vista na cidade, logo não convém gastar muito tempo nesta atividade.

Decidi abreviar o nome. Desejava uma assinatura que fosse curta e expressiva, e que comunicasse algo além de um som 2. Gostaria também que ele guardasse uma relação com o nome Cidadão Comum original. Este continuou ainda como série de lambe-lambes, mas agora quem pregava eles era o Comum. Eu assumia enfim o nome que eu havia criado uns anos antes, ou pelo menos parte dele, e isto tinha uma significação profunda para mim. Me entender como Comum era dar continui-dade a um processo de mistura e identificação com a cidade e os seus cidadãos ordinários – movimento que eu já vinha realizando há alguns anos nas minhas andanças pelas ruas e, mais recentemente, interferindo nelas.

É preciso voltar um pouco no tempo para contextualizar. Percorrer a cidade foi uma das curas que encontrei, anos antes, para uma síndrome do pânico. Por um

Presa é derivado de “presença”. A presa é a assinatura no mundo do pixo, tanto o seu modelo ideal – o nome em si e sua forma– quanto a assinatura propriamente feita, in loco. Serve também para falar, fora do pixo, de algo feito em consideração a alguém, como dar um presente (“fulano me deu uma camisa de presa”); dá nome ainda a um punhado de maconha.

1

Na tradição do pixo em Belo Horizonte a maior parte das presas são fonéticamente fortes, mas semânti-camente sem significado. São nomes como Ranex, Slipk, Lik, Lisc, Taf, Roi, Cossi, etc.

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tempo na minha pré-adolescência, em decorrência de algumas violências que eu sofri na cidade, eu sentia um medo descomunal das ruas, do outro desconhecido e da falta do amparo das paredes. Foi um tempo de trauma, em que o outro era um inimigo em potencial, uma ameaça, e a rua uma arena do medo, cheia de espaços a se evitar. Não sei por quanto tempo vivi refém desta ignorância paralisante que é o medo, mas fui descobrindo, pouco a pouco, que o melhor remédio era enfren-tá-lo. Parafraseando o amigo mestre Véio, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come – mas se enfrentar o bicho some”, e eu comecei a encarar de frente os meus medos - a rua e o outro -, me refazendo num andarilho da cidade.

Mais do que superar meu obstáculo evolutivo naquele momento, e talvez como uma recompensa por isto, andar pelas ruas me deu autoconfiança, ampliou os meus horizontes e me descortinou um mundo vibrante. Não seria a última vez que sair da minha zona de conforto traria recompensas. Quando me dispus a explodir o meu quadrado e sair por aí, ganhei um campo de exploração imenso, um espaço múltiplo e vivo, cheio de conhecimento a cada dobrar de esquinas; um lugar onde eu podia manipular os elementos e criar novos sentidos. Um lugar onde podia sentir e viver poesia. A rua que eu passei a experimentar, uma nova rua, era espa-ço do comum, terreno fértil para o encontro, confluência de tudo que surge dele. As minhas possibilidades se multiplicaram bastante a partir daí - lúdica, estética e politicamente.

O outro já não era indesejado, pois era ele que complementava a experiência do espaço, era um catalisador e uma confirmação dela. O mais incrível de se supe-rar um medo é perceber a pequenez de suas causas. As pessoas que eu conheci nas ruas me fizeram deparar com o meu próprio preconceito agindo como um véu, impedindo-me de perceber a grandeza destes personagens da vida ordinária e reforçando a ilusão da nossa separação. Estabelecer este contato me fez to-mar consciência do organismo social de forma mais ampla. Pude perceber forças opressoras e forças de resistência na sociedade, que desde minha antiga perspec-tiva eu poderia simplesmente ignorar ou simplificar em estereótipos – e isto foi uma verdadeira escola pra mim. Ser o Comum foi, portanto, não um estado natu-ral ou um ponto de partida, mas um esforço de integração e um comprometimento neste sentido.

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ESPAÇO EM BRANCO

Explorar a cidade in situ me fez perceber as realidades que se ocultavam por trás daquele véu de ilusões que é a cidade hegemônica – espaço das mentiras publici-tárias, do isolamento dos espaços privados, do mercado da segurança, das cons-truções midiáticas, da impessoalidade do dinheiro, etc. Ampliei a escala dos meus entendimentos vivendo as ruas, conhecendo suas misérias e suas resistências. Dessa maneira, eu descobri na andança e na relação direta com o espaço físico e seus habitantes, uma forma de emancipação espiritual e política.

Como quem descobre camadas para saber o que vai atrás, fui desvendando a cidade, atravessando e me aprofundado em seus múltiplos e simultâneos níveis de realidade. Entendi assim que a cidade hegemônica é uma cidade superficial, pois pretende manter todo entendimento no nível da superfície. Percebi que ela é uma grande linha de produção, espaço de consumo capitalista por excelência, e que para que esse sistema funcione, é necessário manter o controle através de falsos consensos impostos de cima para baixo. Estes se dão na superficialidade, ocultan-do as contradições mais profundas dos sistemas de produção.

A experiência e a consciência aprofundada do próprio espaço urbano em que vive-mos é embarreirada pelo estriamento dele, por múltiplas camadas de controle e inacessibilidade: o asfalto, a parede, a sala, a cela, a catraca, a polícia, o patrão, a câmera, o crédito, o prazo, a prisão, etc. Mas para além das pretensões do siste-ma, a cidade é antes um aglomerado de seres humanos - incompletos, incomoda-dos e contraditórios.

Aprofundar minha compreensão para além da superfície da cidade expôs a opres-são constante do capital sobre o orgânico – pois apesar de todas as tentativas de controle persistiam ainda, subjugados, o dissenso, o incômodo e a resistência.

Ficar à vontade na cidade passou a ser pra mim um instrumento de conhecimento e uma arma. Ficou claro que aquele era um espaço construído para a segregação, o isolamento e a ignorância, e que romper com esta lógica era resistir. O melhor jeito que encontrei de fazer isto foram as intervenções urbanas. Não lembro exata-mente quando nem como comecei a interferir na pele da cidade com minhas pro-duções, mas lembro claramente da sensação de liberdade e protagonismo que isto

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Espaço Branco é uma das primeiras propostas artísticas que realizei nas ruas. Antes mes-mo do Cidadão Comum entrar em cena eu já colava estes lambe-lambes. Eram formal-mente muito simples: uma folha A4, uma linha preta que lhe servia de moldura e os dizeres “Espaço Branco” dispostos na parte superior e “Criatividade” na parte inferior, bem dis-cretos. Colado em lugares acessíveis como postes, orelhões e paredes em geral, este trabalho era um convite à sua própria violação e apropriação, um convite feito ao transeun-te. A simplicidade de execução, aliada a um amigo que conseguia extraviar cópias de xerox no emprego, permitiram espalhar milhares destes lambe-lambes em Belo Horizonte e outras cidades que visitava ou mandava via correio para amigos que conhecia na internet. Na rede eu também divulgava, via fotolog.net/

espacobranco, os registros fotográficos que fazia depois que o lambe era ocupado por um pixo, um poema, um desenho, um rasgo ou por um punha-do de fezes espalhada.

Mais do que um fim em si mesma, esta proposta era possibilitar e ativar um meio – que era, antes mesmo do lambe-lambe, a própria rua. Este con-vite, quase um apelo feito ao outro para a tomada do espaço público pela força criativa, desejava romper com seus próprios limites e enquadra-mentos: o espaço branco era a cidade inteira! Este trabalho criava também uma interessante instância de diálogo do cidadão com a cidade, ou ainda de eu mesmo, enquanto artista, com ela. Atuava assim como mediador, a maneira de um psicopompo urbano, trazendo à tona mensagens do inconsciente da cidade.

ESPAÇO BRANCO

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traz desde essa época. Intervir nas ruas sempre foram experiências muito fortes no sentido da percepção, identidade, pertencimento, aprendizado e trocas com a cidade. As ruas sempre foram muito generosas comigo na resposta a estes estí-mulos.

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Sticker produzido em meados de 2005.

A superfície ganha uma nova importância aqui: é que ela, tão cara à cidade do capital, é um território essencialmente político. Atuar neste lugar é transformar a

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Sticker produzido em meados de 2005.

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ESPAÇO BRANCO

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metrópole na forma como ela se dá a ver, quebrar o padrão hegemônico onde ele mais convence: na aparência. A cidade passou a ser pra mim uma grande tela em branco e, como na pintura, é na lisura da superfície branca que se cria a profundi-dade. Me expressar nas ruas é como provocar fissuras nas paredes opacas e coni-ventes, uma brecha cuja a mera utilização já é transgressora e poderosa. Intervir na pele da cidade é um ato político em si mesmo.

Não por acaso, violar a superfície imaculada da cidade é um crime previsto no Có-digo Penal Brasileiro 3, e superestimado na moralidade justiceira de policiais e ci-dadãos interessados em um pouco mais de rigor na punição a pixadores e demais artistas das paredes. Não são raros os casos de humilhações (como ser pintado dos pés à cabeça), espancamento e até morte de pixadores - só para citar as mazelas extra-oficiais. Juridicamente falando as visitas aos juizados criminais e os paga-mentos de cestas básicas, multas e serviços comunitários fazem parte da história da grande maioria dos pixadores e grafiteiros.

Não foi diferente comigo. Num episódio digno de nota, por exemplo, eu fui detido por guardas municipais fazendo uma pixação numa parede não-autorizada. Enca-minhado ao CEAPA, órgão governamental que lida com transações penais e penas alternativas (que são as punições efetivas praticadas nestes casos), recebi como medida socioeducativa 10 horas de trabalho compulsório no Valores de Minas, projeto social do Governo para adolescentes da rede pública de ensino. Acontece que eu já havia atuado na mesma instituição, três anos antes, como professor de

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3A Lei nº 12.408, de 25 de Maio de 2011, que altera o artigo nº 65 da Lei 9.605, se propõe a “descriminalizar o ato de grafitar” e faz uma distinção entre este e o ato de pichar, baseando-se em dois critérios: um, de caráter subjetivo, diz respeito a intencionalidade estética de cada um, relacionando o picho à intenção de sujar e conspurcar e o grafite à de valorização de patrimônio público ou privado. O outro critério, mais objetivo, dispõe sobre a autorização do dono do imóvel: é um pichador, logo um criminoso, aquele que pinta sem autorização do proprietário, e um artista do grafite aquele que a possui. O sancionamento desta Lei pela presidente Dilma Rousseff foi comemorada como um grande avanço no entendimento da arte urbana, mas é necessário frisar que na prática ela não muda absolutamente nada no tratamento dispen-sado a essas manifestações. É importante questionar: desde quando é necessário uma Lei para dizer que é permitido pintar um imóvel com autorização do proprietário, uma vez que este já dispõe plenamente de sua propriedade? Quais os critérios para definir quando uma manifestação está conspurcando e quando ela está valorizando um imóvel? Ou ainda: uma pintura que valorize o imóvel, mas não tenha autorização do proprietário para ser feita, será um crime?

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ESPAÇO BRANCO

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grafite. Ali, trabalhei com os alunos temas como a pixação e o grafite vandal (não-autorizado), inclusive treinando alunos para simularem esse tipo de ação em cena durante um espetáculo teatral, por demanda própria do programa. A ambiguidade da minha situação ali - no mesmo espaço como representante da arte urbana, mas uma vez como assalariado, outra como contraventor -, explicitou o fosso que existe no entendimento dessa manifestação. Por outro lado, não deixa de ser positivo pensar que ela ainda escapa às tentivas de enquadramento pelas instituições.

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ESPAÇO BRANCO

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ESPAÇO PERCORRIDO

Os entraves com a lei e seus agentes, no entanto, longe de esterelizarem esta ma-nifestação orgânica e ancestral do humano, que é se expressar nas paredes, criam ao contrário um componente estético que só faz multiplicar a sua potência. Não fossem as autoridades policiais e a parcela conservadora da sociedade terem tanta aversão a qualquer tipo de rabisco nos muros, dificilmente haveria a força neces-sária para catapultar a arte de rua, ou a street art, aos patamares que ela alcançou nos nossos dias.

De fato, lidar com uma corrente estética de alcance global, que contém em sua elaboração conceitual e técnica a necessidade de burlar o pretensioso sistema de segurança das cidades contemporâneas para existir, em oposição direta à moral conservadora e à lei, talvez seja algo notável na história da arte - ou da anti-ar-te. Fetiche para o mercado, dor de cabeça para as autoridades e elemento lúdico para os seus praticantes, esta faceta da arte urbana é fundamental para sua plena compreensão: a arte de rua existe em contraposição à lei. Posições intermediá-rias, como trabalhos produzidos na rua com autorização e eventualmente contra-tados, coexistem com a arte transgressora, muitas vezes sob o mesmo rótulo. Mas somente pegam de empréstimo a força destas imagens proibidas.

Elaborada, a arte urbana é herdeira de movimentos como o hip-hop e o punk - e provavelmente de tradições ainda mais antigas da contracultura como as vanguar-das artísticas do séc. XX e até mesmo do primitivo homem que desenhava em ca-vernas - e floresce enquanto manifestação e estilo de vida contemporâneos. Mais do que uma noção de belo que se impõe na paisagem urbana, ela traz consigo toda uma concepção de vida que engloba o questionamento político dos limites e das liberdades do indivíduo na cidade, a produção contínua de subjetividades a partir da relação com o espaço social, um desenvolvimento complexo de estilos e técni-cas, rituais de iniciação e provações – tudo isto mediado por uma exploração ativa e não-normática do território.

Fazer rolés se apresenta como um novo tipo de deriva urbana. Esse termo pode dar a entender tanto um mero passeio pelas ruas, como um trajeto aleatório para pixar muros, uma experiência psicodélica, sair para uma festa ou para beber, mas

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MANEIRAS DE PERCORRER O TERRITÓRIO-CIDADE

De Magrela

Andar de bike foi a maneira mais versátil que encontrei para explorar as ruas. Leve, silenciosa e eficaz, ela virou meu principal meio de transporte há pelo menos 10 anos. Ela têm se firmado no inconsciente coletivo como símbolo de uma nova mentalidade que ocupa as ruas da cidade, contrapondo-se à lógica do progresso capitalista desenfreado, do qual os automóveis são um dos grandes representan-tes. Sua mecânica simplificada, baseada essencialmente na dinâmica do círculo, resulta numa eficiente máquina de tração humana, não-poluente, levando milha-res de pessoas a descobrirem em seus corpos suas próprias fontes de energia ecológicas nas cidades mundo afora.

A bicicleta permite cobrir grandes distâncias que antes só imaginava percorrer de ônibus ou carro, sem no entanto criar o distanciamento da paisagem que estes meios criam – e gastando muito menos. A bike possibilita, por exemplo, parar meu trajeto no meio de uma via movimentada para fazer uma fotografia ou fazer um rolé para pintar – servindo inclusive de altura para alcançar as paredes e excelente veículo de fuga ocasional. Ela me permite também percorrer trajetos inusitados e conhecer novos caminhos e lugares. Até hoje muito subestimada pela mentalidade reinante do motor, a bicicleta tem se mostrado como um dos meios de transporte mais eficientes no trânsito impraticável das grande metrópoles contemporâneas.

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“Vou de magrela no asfalto a milhão | Com a intenção de mais um rolé sem gastar o do busão | E sem a frustração de tá no trânsito

lento | No momento eu que é sentir bater o vento”[Trecho da música “De Magrela”, de Coletivo Dinamite, letra de minha autoria]

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sempre diz respeito a um deslocamento pela cidade em que a expectativa se reali-za na relação obrigatória com a aleatoriedade do contexto urbano. No rolé, percur-so e indivíduo estão em constante influência mútua. Na pixação ou no grafite, por exemplo, o rolé é às vezes qualificado. O rolé de um pixador pode ser bom ou ruim dependendo do que ele é capaz de produzir num determinado percurso no espaço da cidade. São variantes desta qualificação a distância dos percursos, a dificuldade de se atingir o pico 4, a quantidade de presas deixadas, a relação entre elas, etc. Isto demonstra que a “obra” produzida ali, vai além de uma ou outra assinatura específica, mas se desenvolve num território.

Participar deste jogo que é a arte de rua transformou a minha noção de cidade como mero espaço utilitário e espaço hostil para campo de experiências, para extensão da minha consciência, pois a cidade passou a abrigar sinais da produção contínua da minha própria identidade. Percorrer o território deixou de ser uma necessidade meramente material para, através da arte, ganhar contornos existen-ciais. Eu sou em relação à cidade, não ao seu conceito abstrato, mas à sua geogra-fia mesma.

Esta dissolução de si no território, que acontece associado à práticas de interven-ção diversas, me permitiu criar relações com espaços políticos e afetivos da cida-de. Possibilitou ainda transformar a paisagem à minha maneira e me posicionar estética e politicamente ali. A cidade respondeu dando de volta o conhecimento de uma infinidade de outros fluxos, agentes, grupos e cenas inteiras que estavam em conexão direta com as questões que eu levantava, complementando elas e atuando de formas diferentes. Corpos mais amplos se articulam a partir destes encontros, diálogos criativos se dão ali e reverberam nos espaços públicos.

O comum aqui se apresenta, portanto, numa nova perspectiva: mais positiva que a anterior, que somente carregava o fardo da negação e do antagonismo. Agora já tem força e cadência próprias para formalizar propostas positivas. A ideia agora é mais a da busca de um bem comum, que supere a experiência comum das opres-sões - embora um comum e outro permaneçam em íntima relação causal.

Pico é nome genérico dado ao lugar onde é feito um trabalho. Não necessariamente o pico é um lugar alto, mas o termo possivelmente guarda relação com a dificuldade em se atingi-lo.

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MANEIRAS DE PERCORRER O TERRITÓRIO-CIDADE

Garimpo UrbanoA cidade do consumo gera, por consequência, a cidade do desperdício, e as ruas estão abarrotadas de coisas cujos valores não deram conta de acompanhar a oferta incessante da novidade. Como bom catador que sou, sempre me interessei pelas coisas que encontrava nas ruas. Catá-las muitas vezes atendia meramente à minha curiosidade, mas as coisas que fui encontrando e o conhecimento de práti-cas como o Freeganismo - que prega a reciclagem radical como meio de vida – e a permacultura, somado a certos procedimentos próprios das artes plásticas, como a assemblage, me fizeram perceber a potência deste procedimento como recurso de ressignificação de valores simbólicos e materiais.

O garimpo urbano, além de fornecer vários objetos com pleno valor de uso (ou quase isso), serviu como fonte de pesquisa e matéria prima para minha prática artística, dando origem a uma série de trabalhos com texturas urbanas, tais como como placas, portões, madeiras e papelões. A bicicleta era uma aliada nesta prá-tica de encontrar e coletar, principalmente depois que acoplei nela uma caixa de transportes. No percurso encontrei coisas incríveis e incontáveis, como coleções de fotografias, roupas, aparelhos de mp3, documentos, cartas, móveis, etc. A cole-ção de óculos quebrados que fiz é especialmente notável.

Tirar FotografiasO hábito de fotografar sempre reforçou em mim o convite à deriva urbana. Ter em mãos uma máquina fotográfica para registrar as cenas do percurso é uma forma de olhar, estranhar, reconhecer, recolher e contrapor paisagens. A exploração e a documentação do território constroem narrativas que percorrem espaço e tempo. Os registros fotográficos também servem de base para grande parte dos traba-lhos em stencil, funcionando como um aparato de captura de matéria prima, que depois vai ser processada e trabalhada. Neste sentido é como o garimpo urbano, mas coletando imagens.

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O RapUma outra atuação minha é no rap. Sou um MC 1 e meu método preferido para compor é caminhar. O ritmo dos passos dá a batida, a paisagem a inspiração e o percurso fornece o tempo necessário para empreender mais uma saga no univer-so das rimas. Neste fluxo poético já cruzei a cidade várias vezes e terminei muitos percursos com uma nova letra composta.

Na verdade o hábito de compor andando é uma evolução da prática, ainda não abandonada, de conversar sozinho. Algumas caminhadas são verdadeiras sessões terapêuticas, conversas inteiras em que o caminho é meu grande interlocutor. Neste sentido concebo meus raps como diálogos com a cidade, que são depois devolvidos a ela.

Namorar

“De paixões tão cheias | Essas ruas | Teias de amores| Leia as entrelinhas| Como se fossem minhas | Esquinas ainda cheiram saliva nossa | Suor, cerveja, bossa que já não toca | Bosta é quando dói | E essas ruas também fedem | Circulam palavras que não se

medem | Tesões que ainda se pedem se insinuam | O Éden das minhas loucuras | As ruas | São minha doença e minha cura.”

[Letra do rap “Muita ousadia”, de minha autoria.]

O MC, ou Mestre de Cerimônias, é um dos quatro pilares da cultura hip hop. Seu instrumento é o micro-fone, e sobre uma base eletrônica (beat) ele desenvolve seus versos, improvisados ou não. Versos sobre a batida, ou ainda no original, Rhythm and Poetry (Ritmo e Poesia), são os elementos que dão origem ao Rap.

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Mas nem só de andar se faz o artista de rua. Ele trava com o espaço urbano rela-ções simbólicas, mediadas não apenas pelo seu percurso mas também pela trans-formação material dele, que marca esse espaço. As formas como estas transfor-mações podem se dar são muitas. Das primeiras escritas nos muros com tinta em spray, nos idos dos anos 60, até hoje, a arte de rua se ramificou em inúmeras modalidades, técnicas, estilos e variedades regionais, compondo um léxico consi-derável.

Esta multiplicidade de manifestações é a resultante do diálogo persistente através das gerações, dos artistas de rua com a estrutura física da cidade: suas formas, materiais, dinâmicas e proporções. Ela surge da relação simultânea entre suporte, forma e conteúdo, se adaptando ao contexto social e aos materiais disponíveis.

Nos últimos anos não apenas se notou o surgimento de toda uma indústria em torno da demanda crescente da street art - desenvolvendo linhas de produtos para artistas de rua -, como também as próprias cenas se dedicaram, desde o início, na pesquisa prática e experimental de novas tecnologias para disputarem a guerra das imagens na cidade – muito baseadas no do-it-yourself punk ou, no nosso caso, na capacidade de improviso do terceiro mundo.

Um sem-número de novas técnicas, adaptações e engenhocas foram surgindo de forma espontânea ao redor do mundo. Conforme a street art ganhava adeptos e in-teressados elas foram se difundindo e desenvolvendo através de fanzines, revistas, vídeos e mais tarde pela internet, quase sempre de forma anônima e colaborativa.

No Brasil alguns desenvolvimentos são notáveis. Por exemplo, a própria pixação. Embora a prática de assinar os muros não seja exclusividade daqui, a elaboração desta cultura ao nível que ela chegou no país, que inclui um rico desenvolvimento formal de estilos caligráficos 1, torna o pixo, enquanto uma cultura urbana, uma autêntica criação nacional. Outra característica da arte urbana brasileira é o uso

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DO FAZER

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do rolinho e da tinta látex, tanto na pixação quanto no grafite, por serem mais baratos que a tinta em spray. Isto vai influenciar diretamente no nascimento do grapixo, sobre o qual escrevo na sequência. Recentemente, a adaptação de bor-rifadores de água para jardim como sprays recarregáveis, deu aos pixadores um novo instrumento mais potente e mais barato que a lata de spray.

A seguir discorro a respeito de algumas modalidades da arte urbana, tanto levan-tando suas origens históricas e informações técnicas, quanto descrevendo meu envolvimento pessoal com algumas delas.

Pixação e grafite

Propositalmente incluo no mesmo tópico estes dois estilos ou manifestações da arte urbana, no contrafluxo das opiniões que insistem em separá-los dicotomi-camente entre vandalismo e arte, respectivamente. Insisto ainda em sua origem comum e no aspecto transgressor que lhes é inerente. Também é comum aos dois a ferramenta de trabalho, o spray aerossol, equipamento que revolucionou a pintu-ra profissional com velocidade e praticidade – e calhou de ser um instrumento de escrita perfeito para carregar nos bolsos e desenhar rapidamente nos muros.

As primeiras pixações com tinta em spray dignas de nota são atribuídas à agitação estudantil do Maio de 68 francês. As frases pixadas eram de caráter lúdico-políti-co, questionando a ordem estabelecida através de frases criativas. Por aqui, mais ou menos na mesma época, pixações semelhantes se tornaram imagens célebres no imaginário nacional da resistência contra a ditadura.

Alguns anos depois um certo TAKI 183 ganharia fama assinando seu nome com-pulsivamente pelas ruas de Nova Iorque, intrigando a população e as autoridades. Ele é apontado como o precursor do grafite contemporâneo, que viria a se desen-volver naquela mesma cidade, usando as linhas de trens urbanos como suporte – pois carregavam os desenhos e nomes cidade afora. A tinta automotiva em spray foi sendo adaptada através da improvisação para fazer pieces (peças) cada vez

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Embora muito se use o termo tipografia para se referir aos alfabetos da pixação, prefiro associa-los à idéia de caligrafia, que aproxima a forma mais do gesto que da reprodução mecânica.

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mais coloridas e chamativas. Assim como TAKI 183, o objetivo desses primeiros writters (escritores) era espalhar seu nome escrito pela cidade, mas logo dese-nhos cada vez mais elaborados passaram a acompanhar os pieces. Essa cultura, que recebe por lá o nome de Graffiti, nasce e se desenvolve nos guetos nova-ior-quinos. Associada ao Rap (MC e DJ) e ao Break Dance, forma com eles os quatro pilares da cultura Hip Hop.

Taki 183 assina muro em Nova Iorque

A atenção dúbia que a sociedade nova-iorquina deu ao grafite nos anos seguintes – as autoridades reprimindo por um lado e os galeristas e curadores de arte que-rendo vendê-los do outro -, seria sintomática do desajuste que o grafite representa

Pixação estudantil contra a dituadura militar brasileira.

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e o do impasse que vive ainda hoje. Não é totalmente aceito pela sociedade e nem pelo sistema de arte, mas encontra defensores em ambos os lados. Entre arte e vandalismo nem mesmo os próprios grafiteiros se definem. As duas modalidades coexistem, mas nota-se cada vez mais uma forte captura do discurso interessada em domesticar esta manifestação urbana. O londrino Banksy, anônimo mundial-mente conhecido, vêm a ser a imagem perfeita dessa ambiguidade, chegando ao extremo de ter seus grafites vandals (não-autorizados) resguardados como patri-mônio pelas autoridades de Londres, enquanto outros grafiteiros ainda são presos.

Pixação brasileira, no bairro Céu Azul, Belo Horizonte.

No Brasil o grafite também cresce junto com o movimento Hip Hop, produzindo adeptos de peso. Alguns ganham representatividade internacional, principalmen-te os paulistas, como Os Gêmeos, Nunca, Zezão e Onesto. Mas, por aqui, o hábito de assinar pura e simplesmente, como fazia TAKI 183, vai ser desenvolvido de tal forma que ficará lado a lado com o grafite, com uma cena e estilos próprios – o pixo. A pixação brasileira se desenvolve majoritariamente desde os anos 80 e, recentemente, têm atraído a atenção na cena da street art internacional não só por suas qualidades formais e técnicas, mas principalmente pela força de sua ousadia e transgressão, que contrasta com o atual estado do grafite, cada vez mais pacifi-cado e menos vigoroso.

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Importante ressaltar que, apesar da distinção que se faz aqui entre uma cena e outra, nas ruas o grafite e a pixação têm em geral uma convivência pacífica e se influenciam mutuamente. Exceção a isto são alguns ataques promovidos por gan-gues de pixadores a grafites comerciais e galerias de street art nos últimos anos em São Paulo. Nestes casos a intenção política é explícita, no sentido de denunciar certa glamourização e apropriação ideológica da arte urbana. É claro que enquan-to culturas de rua elas selam entre si certas normas comuns, que são implícitas, tais como não atropelar uma arte feita antes em um muro, respeitar o “dono” atual do pico, entre outras – o que nem sempre significa que são respeitadas. O grafite vandal, principalmente a cena dos bombs, ou throw-ups 2, também tem ganhado terreno com a ascenção da pixação por aqui. Muitas vezes os praticantes dele tam-bém são pixadores.

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2O throw-up é uma variedade do grafite com letras gordas e coloridas. Sua estrutura geralmente apresenta um fundo de cor chapada e uma linha de contorno, ocasionalmente é elaborado com texturas e subcontor-nos. Sua lógica formal é a de um gesto rápido, feito com latas de alta pressão e bicos de traço largo, que permitem um preenchimento muito veloz de grandes áreas. Basicamente, um grafite para se fazer antes que a polícia apareça.

“Sopa de letrinhas” reúne vários nomes da cenado bomb no Elevado Castelo Branco, em Belo Hori-zonte.

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Desde os pioneiros do uso do spray até hoje, podemos citar algumas evoluções técnicas notáveis nesta cena:

o desenvolvimento de linhas inteiras de latas de spray com todo tipo de escalas de cor e configurações de pressão;

inúmeros tipos de bicos para os sprays que criam traços muito finos, es-tilizados ou extra-grandes (como o famoso fat cap, com sua linha grossa e modulável que dá origem à vários estilos e alfabetos próprios);

mais recentemente, o uso improvisado de extintores de incêndio adaptados para fazer assinaturas em escalas gigantescas;

o uso do latéx e rolinho de tinta, mais baratos e acessíveis, e posteriormen-te associados a extensores que permitem fazer traços gigantes;

a adaptação, no Brasil, de borrifadores de água para jardim com tinta diluí-da dentro, que funcionam como grandes fat caps recarregáveis.

Grapixo

Nascido em São Paulo, o grapixo é, como o nome sugere, um híbrido entre o pixo e o grafite. No caso, letras de pixação que ganham mais destaque com cores, con-tornos, texturas e linhas de perspectiva, e traz além de uma estratégia visual mais elaborada, uma outra estratégia acoplada: um subterfúgio para escapar da polícia. Praticado essencialmente por pixadores, o grapixo se vale da legitimidade social do grafite para criar seus pieces tupiniquins, pois isto diminui a chance de serem detidos marcando a pista. Alguns policiais, por exemplo, chegam a usar como critério de análise o número de cores de tinta que o indivíduo carrega consigo para decidir se estão lidando com um vândalo ou um artista. O grapixo é feito usando rolinho, que define a modulação dos traços, e tinta látex, em geral cores produzi-das com pigmentos do tipo Xadrez. Paradoxalmente esta modalidade de pixação acontece algumas vezes com autorização prévia.

Em Belo Horizonte, o grapixo chega como prática principalmente por intermédio do pixador Goma, que talvez não seja o primeiro a fazer grapixos por aqui mas com certeza assume o papel de difusor deste estilo. Hoje em dia, sua marca Real

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Grapixo produz peças de roupa estilizadas para pixadores. Trabalhei com o grapixo principalmente em parceria com o coletivo Azucrina – que depois se desdobrou no coletivo Quatro e Vinte e Cinco – criando painéis tipográficos de grandes formatos contendo frases diversas, que dialogavam com o ambiente urbano.

Grapixo de Sadok e Goma.

Lambe-lambe e sticker

Tanto o lambe-lambe como o sticker são na verdade mais utilizados dentro do cir-cuito comercial que no artístico, mas têm reverberações importantes neste último. Na arte urbana é importante citar Shepard Fairey, artista de rua vindo da cena do skate, que espalhou por todo o Estados Unidos - e além - seus stickers gigantes com o rosto estilizado de um lutador de vale-tudo chamado André, o Gigante, nos anos 80. A série, que se desdobrava em cartazes menores e pequenos adesivos, se chamava OBEY GIANT e fez escola na street art. Paradoxalmente, Shepard viria a assinar grandes campanhas publicitárias como da Pepsi e a campanha presiden-cial de Barack Obama – depois de ter assinado inúmeros boletins de ocorrência por vandalismo.

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Stickers da série OBEY GIANT, de Shepard Fairey.

O trabalho de Shepard Fairey foi uma grande referência para o Cidadão Comum desde o início. A força da composição criada por ele com o OBEY era uma forte inspiração para criar os meus primeiros cartazes. O seu trabalho com a reprodu-ção da imagem influenciou para que eu me aproximasse do impresso e das artes gráficas.

Em terras nativas, tive influências do pioneiro Xerel, que espalhou um rostinho três quartos simplificado em linhas geométricas por toda Belo Horizonte. Seu trabalho reverberou diretamente numa leva de coladores de stickers que viria a se reunir no início dos anos 2000, conectados pela internet em ascensão e impulsio-nados por tecnologias digitais mais acessíveis de edição de imagens e impressão. Participei deste grupo, que reunia nomes como Culundria Armada, Pão com Du-rex, Popstencil, Entre Aspas, Desali, JJBZ, o próprio Xerel, Ricardo Portilho, Da Lata, Estandelau, Mosh, entre outros.

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Sticker de Xerel.48

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Uma das principais características do sticker e do lambe-lambe é a sua reprodu-tibilidade, que determina sua materialidade e sua estética – embora não seja raro encontrar exemplares únicos, feitos à mão. Na lógica do múltiplo várias técnicas podem ser usadas, como xerox, serigrafia, carimbo, impressão digital, stencil ou xilogravura - para citar as mais comuns.

O suporte comumente utilizado é o papel barato, como sulfite ou papel jornal, que custam menos e aderem mais; usa-se também vinil autocolante, geralmente refugos de gráfica reaproveitados. Nesta prática, porém, vale de tudo; os primei-ros stickers que tive contato, por exemplo, eram páginas de revistas pornográficas onde alguns grafiteiros faziam suas assinaturas com canetão e pregavam no cen-tro da cidade. Um sticker clássico, que talvez seja o precursor desta modalidade, é na verdade um tipo de adesivo de identificação para pregar na roupa, muito usado em grupos de apoio nos Estados Unidos. Nele se lê “Hello! My name is...”, e no es-paço branco reservado ao nome o writter coloca sua assinatura e cola nas ruas.

Sticker de ZaveTwo

Para aderir às paredes a cola usada costuma ser grude de farinha, goma de soda cáustica ou até mesmo a cola branca, aplicados com rolinho ou pin-cel. Esta técnica torna o lambe-lambe muito mais efêmero que outras práti-cas da arte de rua, mas isto faz parte da sua natureza mesma. Colado, o lambe-lambe acrescenta uma camada extra ao palimpsesto urbano, não raro criando diálogos com outros impres-sos e texturas vizinhas. Rasgado, ele parece aderir mais fortemente àquele tecido plurisemântico, entrando mais profundamente na pele da cidade.

O fato do lambe-lambe também ser usado comercialmente, além de ser mais facilmente removível, faz com que sua prática seja menos criminalizada que ou-tras dentro da arte de rua – o que não impede que seus praticantes também sejam

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ocasionalmente detidos. Como ocorreu a um grupo de 13 artistas de rua do qual eu fazia parte, durante o 2º Ataque Estica, encontro de coladores acontecido em 2005. Denunciado, nosso grupo foi autuado pela PM colando lambe-lambes na fachada de um prédio. Ficamos um dia detidos na delegacia e liberados a seguir.

Detenção do grupo e material apreendido: vários tubos de cola.

Stencil

O stencil, também chamado molde vazado, encontra na reprodutibilidade uma característica marcante. Mas no caso do seu uso na arte urbana é muito relevante a possibilidade que ele oferece, aliado à tinta em spray, de produzir uma imagem complexa em poucos minutos, ou até segundos. Alguns artistas de rua logo per-ceberam isso e começaram a usar stencils para espalhar desenhos pela cidade. O pioneiro é o francês Xavier Prou, reconhecido na street art como Blek, le Rat. Ele ficou famoso espalhando a imagem de ratos feitos com stencil por Paris - sinali-zando algo viral na imagem do roedor, “o único animal livre da cidade” nas suas palavras. O mesmo símbolo seria reapropriado anos depois por Banksy, que tam-bém se utilizou largamente do stencil em suas composições.

No Brasil é digno de nota o trabalho de Alex Vallauri, artista de origem italiana ra-dicado no Brasil que ajudou a impulsionar a incipiente cena do grafite paulistano,

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Os stencils de ratos de Blek, le Rat e Banksy, respectivamente.

embora fosse em verdade um representante da arte acadêmica. Vallauri trabalhou muito com stencil nas ruas e espalhou por São Paulo imagens de botas pretas, panteras e televisões, que se tornaram marcas suas. Um de seus persongens me-moráveis é a Rainha do Frango Assado.

As imagens de Vallauri: a bota e o frango assado.

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Tomei contato com a linguagem do stencil através de trabalhos como o Vesgo e Popstencil, que começaram a aparecer em Belo Horizonte no início dos anos 2000, e pelas oficinas horizontais do Enclaves 3. A internet também contribuiu trazendo ao meu conhecimento trabalhos do mundo inteiro, principalmente através do site stencilrevolution.com, que concentrava não só artigos e apostilas ilustradas sobre stencil, como uma rede de produtores que postavam publicamente seus trabalhos e interagiam entre si. Outras ferramentas digitais como programas de edição de imagens, impressoras domésticas e máquinas fotográficas compactas, estando mais acessíveis ao grande público, permitiam uma manipulação técnica que ser-via de suporte à produção dos stencils. Aliadas aos novos sprays, mais precisos e diversos, têm tornando esta manifestação cada vez popular na arte urbana.

Se no início meu interesse no stencil foi por conseguir desenhar nas ruas com ele, fui percebendo ali, com o tempo, uma ferramenta completa de edição técnica e reprodução de imagens. Simultaneamente, estava envolvido com os stickers, já colando o Espaço Branco e outros trabalhos em papel. Diante dos altos preços de uma impressão colorida percebi que o stencil era uma possibilidade faça-você-mesmo de imprimir meus projetos de lambe-lambe, sobretudo após descobrir a possibilidade das matrizes sobrepostas. Esta foi uma das técnicas que pude aprender lendo as apostilas do stencilrevolution.com, e consiste em produzir varia-ções cromáticas na imagem através do recurso do registro e da sobreposição de matrizes.

Embora o stencil seja em si uma técnica de impressão muito rudimentar, talvez a mais primitiva delas 4, a elaboração dele com as multicamadas e as inovações do mundo do spray não deixa nada a desejar a outras técnicas de impressão artística. Passei a explorar cada vez mais esta possibilidade. Um movimento sutil, de mudar

Enclaves foi um evento semanal que acontecia aos sábados no finado Centro de (Anti)Cultura Anarquista Gato Negro, no ed. Maletta, por volta de 2004. Eram encontros voltados para as intervenções urbanas e deturpação de publicidades, contando com exibição de vídeos de grafite, oficinas de produção de mate-riais e rodadas de assinaturas em caderninhos, sempre terminando com um rolé em que a prática vinha se opor a qualquer tendência teoricista. Enclaves deu nome, dez anos depois, a uma exposição que fiz com o também artista de rua e amigo Drin Cortês, no mesmo ed. Maletta, referenciando o antigo en-contro. Nesta ocasião reativamos as oficinas do Enclaves no formato de um atelier aberto, simultâneo à exposição, onde algumas peças publicitárias foram modificadas para depois voltarem às ruas.

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Stencil Vesgo.

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Piero Bagnariol, no Guia Ilustrado de Graffiti e Quadrinhos, diz a respeito das pinturas rupestres na gruta de Chauvet, na França: “Dentre todos os elementos gráficos das grutas, as mais emblemáticas são as marcas das mãos impressas nas rochas. Em alguns casos o pigmento era cuspido por cima da mão, deixando gravada a silhueta ‘em negativo’”, especulando a respeito do que podem ter sido os primeiros stencils e os primeiros jatos de tinta pressurizados da humanidade.

a matriz da posição vertical, como é utilizada na rua, para pintar as paredes, para a posição horizontal, onde virá a atender demandas da reprodução técnica, dentro do atelier, reconfigura o uso desta tecnologia, afastando-a do universo pictórico e aproximando-a do gráfico, caminho pelo qual me enveredei paulatinamente.

Fui aperfeiçoando meu domínio do stencil ao longo dos anos, desenvolvendo si-multaneamente uma estrutura de ateliê que atendesse às suas demandas pró-prias. Hoje em dia esta é a minha técnica de trabalho por excelência, sendo usada tanto do modo gráfico quanto pictórico. Numa linha de trabalho produzo peças únicas aplicando moldes sobre a textura de portas, portões e placas envelhecidos.

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Também aplico os moldes na rua, naturalmente rica em texturas. Numa outra linha tenho aplicado stencil sobre o papel, desenvolvendo tiragens de gravuras e cartazes.

Detalhes de “pinturas” feitas em stencil sobre portões velhos.

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TRABALHOS

Cidadão Comum (2012)

A série Cidadão Comum se divide em duas fases distintas. Na primeira, descrita no início deste trabalho, a produção se deu de forma mais livre e descompromis-sada. Foi uma fase de exploração inicial da idéia, semântica e formalmente, em que eu produzia de forma muito intuitiva. Não havia um comprometimento tão grande com formatos ou produtos finais, e as peças de uma mesma série não criam uma linha muito coerente. Apesar de ter produzido bastante na época, inter-rompi essa fase quando entrei na Escola de Belas Artes, interessado em explorar novos campos dentro da Universidade.

Na segunda fase eu retomo o Cidadão Comum já de dentro da Escola, participando de um programa de bolsas. Participei de uma pesquisa orientada pela professora Elisa Campos, no início de 2012. Durante a bolsa, retomei essa série na perspec-tiva de uma pesquisa visual ligada às intervenções urbanas, que era o tema da pesquisa da Elisa.

Se antes o Cidadão Comum era um rosto específico que vinha à tona, agora o que emerge do concreto é um não-rosto. Nessa nova fase o Cidadão Comum aparece sempre com o rosto ocultado, mas paradoxalmente possui uma identidade mais definida: é, definitivamente, o marginal. O que se coloca aí é mais que uma identi-dade, é uma postura: o antagonismo.

O marginal herói estava então mais vivo que nunca nas ruas: escalando prédios para marcar presas, derrubando cercas reais e simbólicas nos movimentos de ocupação, enfrentando a polícia, cantando ritmos e usando substâncias proibidas, hackeando sistemas, conspirando planos contra a ordem estabelecida. Tudo isso à revelia dos sistemas de controle contemporâneos.

O rosto oculto é aqui uma estratégia simultânea de segurança pessoal e de dis-solução de personalismos. Não importa quem está por trás da máscara, mas a

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própria máscara em si, o fato de estar oculto, demarca um posicionamento. Este comum oculta a face mas se lança de corpo inteiro contra variadas formas de opressão. Que por sua vez o tomam por inteiro também: o rosto tampado é antes uma resposta direta à sistemática criminalização do corpo comum, às violências praticadas contra ele cotidianamente.

Coincidência ou não, o mascarado viria a ser o personagem principal da crônica nacional cerca de um ano depois, quando as manifestações tomaram conta do país com as Jornadas de Junho de 2013. Os grupos black blocs 1 se popularizaram nos protestos, oscilando na opinião popular entre heróis e inimigos da nação, constan-temente difamados pela grande mídia e confundidos com toda sorte de mascara-dos de intenções ambíguas. Na imprensa, a evolução dos termos usados para se referir pejorativamente aos manifestantes radicais passa de vândalos para masca-rados. Os poderes legislativos se apressam em criar novais leis proibindo o uso de máscaras em manifestações.

Apesar da pertinência entre proposta artística e contexto sócio-político, todos os trabalhos produzidos nesta nova fase do Cidadão Comum são anteriores aos protestos de Junho. Uma das grandes inspirações neste momento é o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), do México, que desde 1994 empreende uma guerrilha, real e midiática, contra as opressões do grande capital sobre as populações indígenas da província de Chiapas. Seu representante-maior é o subcomandante Marcos, um mítico guerrilheiro anônimo. Marcos nunca mostrou seu rosto, sempre oculto por trás dos chamados passamontañas 2, pois não há rosto a ser mostrado. Marcos somos todos aqueles que se identificam com a luta zapatista contra o neoliberalismo, é este o sentido do rosto tampado 3.

Este sinal de indistinção, que é o passamontaña zapatista, representa a identificação entre os povos oprimidos de todo o mundo. Se o capital é

1 O black bloc é uma tática de manifestação anti-capitalista nascida na Alemanha e difundida mundo afora pelos movimentos anticapitalistas globais. Consiste numa grande ala de ativistas mascarados que atacam grandes símbolos do sistema capitalista como bancos e redes multinacionais, e enfrentam a repressão policial. Já presente em manifestações no Brasil desde pelo menos o início dos anos 2000, ganha notorie-dade por aqui com a jornada de manifestações de Junho de 2013.

Máscara de lã que oculta todo o rosto, deixando só os olhos a mostra.2

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O pixador Goma é retratado neste cartaz com o rosto tampado, fazendo com as mãos os sinais cor-respondentes à Banca Nervosa (BN), seu grupo de pixação. Goma foi réu no processo por formação de quadrilha que tentou encarcerar outros cinco pixadores junto com ele. Falo mais a respeito deste episódio na descrição do trabalho “A invenção do criminoso”, mais a frente.

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transnacional, seus excluídos também o são, e suas realidades se espelham nestes não-rostos. O EZLN sabe como nenhum outro movimento social explorar as ferramentas da globalização para conectar as resistências locais num ideal comum. Passamontãs no México, keffiyehs em Gaza, máscaras de Guy Fawkes, bandanas e camisas amarradas nos rostos tomando as ruas. A negação local do capitalismo, conectada por uma consciência e uma comunicação global, é um projeto positivo de povos oprimidos do mundo todo.

Indígenas zapatistas marcham em Chiapas.

3 Coincidentemente, poucas semanas antes da finalização deste trabalho o subcomandante Marcos anun-ciou numa coletiva de imprensa para mídias livres, em Chiapas, que este personagem morria naquele momento. “Por minha voz, o Exército Zapatista de Libertação Nacional não falará mais”, ele declarou. Acres-centou ainda que “para lutar não são necessários nem líderes, nem caudilhos, nem Messias, nem salvadores; para lutar só é necessário um pouco de vergonha, um tanto de dignidade e muita organização”

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Agenda (2012)

Agenda é concebida simultaneamente como um lambe-lambe e uma gravura de grande formato (1,2 x 1,6m), produzida em stencil. Representa um antigo edifício do centro de Belo Horizonte, o prédio inacabado do Hotel Beira Rio, que nunca chegou a ser concluído. Este verdadeiro “elefante branco”, que destacava na pai-sagem da região central com seu imponente heliporto, durante décadas só serviu à especulação imobiliária e de suporte para centenas de pixações, que o reco-briam por inteiro. Isto garantiu a ele ser a maior agenda 4 do pixo belorizontino, um ícone arquitetônico às avessas.

Com a proximidade da Copa do Mundo e a influência de um projeto gentrificador5 que vêm afetando algumas áreas do centro de Belo Horizonte, este edifício vêm enfim cumprir a sua função original, tendo sido comprado por um grupo hoteleiro que o transformará num hotel 4 estrelas. Uma das primeiras etapas da obra de reforma foi limpar todas as pixações do prédio. Em seguida começou o seu reves-timento com uma superfície espelhada, sem um diálogo arquitetônico criado com o entorno.

A imposição de uma paisagem a partir da construção do novo hotel é várias vezes mais agressiva que aquela imposta pela pixação. A partir desta constatação come-cei a construir o Agenda como um memorial àquela paisagem suprimida: a monu-mental coleção de assinaturas dos nomes mais importantes da cena da pixação na cidade. Este baluarte do pixo era um espaço de afetos, detentor de uma memória que não têm outro suporte além daquela fachada. O que se perde não é só um pré-dio pixado, mas uma página importante da história desse movimento 6.

4 Agenda é o nome que se dá, na pixação, à superfície (portão, muro, prédio, etc) que guarda muitas assi-naturas de pixadores diferentes. Com o acúmulo de assinaturas, principalmente de pixadores famosos, o lugar ganha importância histórica para quem acompanha esta cena.

5Chama-se gentrificação, uma tradução literal do inglês “gentrification”[...], o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.

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Este é um dos projetos de stencil mais ambiciosos que já desenvolvi, tendo minu-ciosamente preservado todas as pixações visíveis nessa face do prédio. O resul-tado é um stencil monumental como a antiga agenda, rico em detalhes. Além de algumas tiragens da gravura, produzi também dois exemplares como lambe-lam-bes, que foram colados nas ruas. Um deles aos pés do prédio em reforma.

Essa imagem parece cumprir sua vocação, a considerar sobretudo a boa recepti-vidade dela entre os próprios pixadores. Eles reconhecem ali suas assinaturas, a de seus companheiros - alguns já mortos - e suas histórias. Se dedicam na leitura cuidadosa daquele memorial, decifrando os nomes e recordando seus donos. Esta imagem é considerada por eles com todo o respeito.

Fora da “cena” as pessoas também parecem se afetar bastante ao contato com esse prédio. Da paisagem, outrora tão íntima de quem chegava ao centro e diaria-mente era recebido por ela, parece restar algum carinho nas memórias de cada um. Como se aquele cenário marginal superasse o moralismo comum, que conde-na o pixo, na produção dos afetos. Se o novo hotel será bem recebido pelas pes-soas só o tempo dirá, mas a antiga agenda pelo visto têm seu lugar garantido nas recordações belorizontinas.7

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Conversando com Goma, um grande nome do pixo em BH, ele me contou como conheceu Pavor, outro pixador muito reconhecido. Goma estava pintando nesse prédio, pendurado pra fora da janela com um extensor de rolinho e sentiu algumas gotas de tinta caindo na sua cabeça. Era Pavor, que também estava assinando seu nome alguns andares acima. A partir daí os dois fariam alguns rolés juntos, se tornando amigos.

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A respeito de uma colagem que fiz desse trabalho certa vez, escrevi o seguinte relato:

“Augusto de Lima com Espírito Santo, centro de BH. Abril de 2013.Cheguei na esquina era meia-noite e tal, de bike, carregando grude, rolo e o sticker enrolado num tubo. A parede que eu tinha namorado a semana inteira estava intacta e vistosa depois que tinham limpado ela, havia pouco. Tiraram os pixos e os papéis velhos pregados, ficou aquele muro de pastilhinhas bege brilhando, um pico ibope mesmo! Olhei em volta e estava suave, a esquina tranquila àquela hora da noite. Desenrolei o sticker e comecei a passar a cola.Já devia estar lá há uns 10 minutos e veio um casal descendo da Espírito Santo, um cara e uma mina, meio es-farrapados, naquele magreza noiada. Vinham discutindo qualquer coisa e o cara parou pra ver o que eu fazia. A mulher ficou parada olhando ele, esperando a continuidade do diálogo, mas o cara não falou mais nada não. Olhava interessado pro papel sendo pregado na parede. Eu já estava quase terminando. O sticker era dividido

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em três partes e eu estava pregando a última quando ele perguntou: ‘Esse prédio é o que eu tô pensando?’. ‘Deve ser’, eu respondi. ‘É ali na Oiapoque num é?’. E era. Ele ficou mais interessado ainda. Continuou imóvel olhando. A mina chamou ele várias vezes, queria continuar o caminho, ou o diálogo. Mas o cara ficou irredutí-vel, nem respondia. E ela ficava impaciente.Terminei, guardei minhas coisas e fui pro lado dele observar. Olhei dali um tempo, tirei uma foto, depois atra-vessei a rua pra ver mais de longe e ele veio atrás. Voltamos lá pra esquina sem falar palavra. A mina, resigna-da, só esperava impaciente. Enquanto eu guardava a câmera, o cara falou finalmente ‘Nó véi! Viajei de grandão aqui mano! Da antiga esse, viu? Pela orde!’. Batemos na mão um do outro e ele continuou descendo a rua. A mina foi atrás, disparando a falar de novo.”

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Com exceção de Goma, que estava parado com a pixação e foi procurado para fazer a delação dos compa-nheiros. Como se negou a entregá-los, foi incluído com réu no processo.

Uma cópia do manifesto pode ser encontrada nos anexos deste trabalho.

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A invenção do criminoso (2010 - 2011)

Em Agosto de 2010, uma investigação conduzida pelo Ministério Público e pela Po-lícia Civil culminou com o cumprimento de seis mandados de busca e apreensão para pixadores de Belo Horizonte. A ação, orquestrada pelo Movimento Respeito por BH, um órgão público ligado à Prefeitura de Belo Horizonte - então comandada por Márcio Lacerda - foi pioneira numa estratégia criminalizante: acusar um grupo de contraventores (pixação é considerada um crime de menor potencial ofensivo) pelo crime de formação de quadrilha – uma forma aumentar suas penas de ser-viços comunitários para o regime fechado. Este tipo de processo viria a se repetir em outras cidades depois, como Porto Alegre.

Na ocasião foram presos os artistas urbanos Goma, Lic, Lisk, Fama, Sadok e Ra-nex, que tiveram ainda suas casas invadidas e vários itens pessoais apreendidos. Eles passaram cerca de quatro meses presos no Ceresp, um centro de triagem superlotado e com visitação limitada, em condições de defesa muito controversas. As acusações contra eles tinham como provas imagens retiradas da rede social Orkut, onde os pixadores exibiam suas presas. Eles faziam parte do grupo conhe-cido como “Os Piores de Belô” 8, e tiveram uma atuação marcante na pixação dessa época.

Enquanto os Piores de Belô estiveram presos, escrevi, junto com o companheiro Afonso Guetto, o manifesto “Somos Tod@s Piores de Belô”9, que circulou através de panfletos e cartazes pela cidade, e também pela internet. O manifesto apre-sentava a estratégia política do Movimento Respeito por BH, contextualizada num ambiente de higienização pré-Copa do Mundo, e fazia uma ampla defesa da pixa-ção. O contraste gerado pela acusação de pixadores por um crime grave como a formação de quadrilha, era na verdade um contexto bem favorável para denunciar a criminalização deste movimento.

Pouco tempo depois produzi o stencil que nomeei “A invenção do criminoso”. Dividido em cinco partes, o stencil reproduz a imagem oficial da prisão dos Piores

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O Duelo de MCs é um encontro do movimento Hip Hop que marca a história da cidade. Sediado debaixo do viaduto Santa Tereza, no centro, reunia toda sexta-feira milhares de pessoas de toda cidade para seus duelos de improvisação e street dance, que aconteciam gratuitamente. Atualmente, o Duelo de MCs, ape-sar de sua importância social, encontra-se parado, entravado pela burocracia e pela má vontade política.

Páginas da publicação Pior é o que parece.

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de Belô – todos de costas, contra o paredão da Polícia Civil – sendo formada etapa após etapa pela sobreposição das camadas de stencil. A primeira apresentração deste trabalho foi na exposição “Exatidão não é verdade”, no hall da Reitoria da UFMG. Junto dele, um display continha cópias disponíveis do manifesto “Somos Tod@s Piores de Belô”.

Ainda desdobrei este trabalho mais uma vez, criando em 2011 a publicação “Pior é o que parece”. Este pequeno impresso trazia trechos do manifesto “Somos Tod@s Piores de Belô”, que se intercalavam com as imagens de “A invenção do crimino-so”. Projetada para ser uma publicação acessível e portátil, ela foi financiada pelos movimentos sociais e distribuída nas ruas, principalmente no Duelo de MCs10, onde se reuniam os pixadores na época.

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Sequência de imagens que forma a série “A invenção do criminoso”.

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Praça Sete de Setembro (2011)

Praça Sete de Setembro é um livro artesanal montado com vários impressos e ti-pos de papel coletados nas ruas. Suas páginas foram produzidas a partir de gran-des pranchas, que eram na verdade colagens feitas com os materiais coletados. Posteriormente estas pranchas foram fatiadas ao tamanho das páginas, e o livro montado com elas. A única tiragem produzida até hoje é de sete exemplares, todos eles são únicos, pois cada um foi montado com páginas de diferentes materiais.

No conteúdo, o livro desenvolve uma sequência de imagens, impressas em stencil, de um policial que veste luvas antissépticas, abre um bueiro onde encontra um cobertor e o revira atrás de drogas. Por fim ele o abandona junto do bueiro aberto. Estas imagens foram baseadas em fotografias que fiz na praça Sete, que dá nome ao livro, no centro de BH. Na época em que foram feitas, estavam em curso ope-rações integradas da Polícia Militar com a fiscalização da Prefeitura, com o obje-tivo explícito de retirar do centro os moradores de rua e os hippies artesãos, que tradicionalmente ocupam este espaço. Dão nome, inclusive, a maior feira aberta da cidade, a Feira Hippie.

Essas operações se encaixam nos mesmos processos de gentrificação abordados pelo trabalhos “Agenda” e “A invenção do criminoso”. A lógica aí é a criminalização de atores indesejados na área gentrificável e sua posterior expulsão. Nesse caso, uma reportagem divulgada na grande mídia na época, chamava a referida praça de “jamaica brasileira”, mostrando alguns flagrantes de uso de maconha ali. Esta matéria serviu para dar legitimidade às operações já citadas, que viriam em segui-da com a truculência típica dos fiscais e policiais militares. Muitos artesãos tive-ram seus materiais de trabalho confiscados pelos fiscais e alguns foram detidos por desacato ao questionarem as ações.

Felizmente, estes abusos foram largamente documentados pelo ativista Rafael Lage, e publicados no blog “A beleza da margem, à margem da beleza”. Rafael, um artesão e documentarista do movimento hippie contemporâneo, estava acom-panhando o desenrolar dos fatos na época e encabeçou uma campanha a favor dos artesãos. Essa briga culminou com a expedição de uma liminar contrária ao entendimento da Prefeitura, de que aqueles eram vendedores ambulantes em

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situação irregular. O reconhecimento do trabalho artesanal dos hippies na instân-cia jurídica, garantiu que eles continuem vendendo seus trabalhos na praça Sete e adjacências até hoje.

Capa do livro Praça Sete de Setembro.

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Páginas do livro.

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GrapixosTrabalhos realizados em parceira com o coletivo 4e25

O Coletivo 4e25 atua em Belo Horizonte, onde realiza trabalhos no campo das artes gráficas. Poesias visuais, publicações, encadernações, cartazes e grafites são de-senvolvido por eles. É marcante em seus trabalhos a identidade do alfabeto cons-truído pelo grupo a partir da estilística da pixação, e dos desenhos que utilizam diagramas similares aos das letras para serem feitos. Foram grandes parceiros de trabalhos em muitas ocasiões, influenciando bastante o meu trabalho.

Nestes grapixos buscamos desenvolver letreiros que dialoguem com o espaço ur-bano e com o contexto social.

Vivo é o Olho da Rua (2009).

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Pedra e Tanque São Mais que Notícias (2008). Este trabalho, realizado na avenida Antônio Carlos, em ruínas durante as obras de sua duplicação, conectava situações opressivas vividas nas ruas de Belo Horizonte a recentes acontecimentos na Faixa de Gaza, na Palestina, que vivia um período turbulento de conflitos.

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Bloco Preto (2013), realizado no escadão que dá acesso à rua Sapucaí, no bairro Floresta. Faz refe-rência clara aos protestos ocorridos naquele ano.

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Pixo, logo reexisto.

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Poemas concretos (2013)

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Lembra isto é rio.

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ANEXO

[Manifesto publicado em Agosto de 2010]

SOMOS TOD@S PIORES DE BELÔ

Enquadrados como?

No último dia 24 de Agosto, numa terça-feira, seis homens foram presos em Belo Horizonte acusa-dos pelo crime de formação de quadrilha. Os seis são mais conhecidos por seus nomes de guerra: Lic, Lisk, Fama, Goma, Sadok e Ranex, e a “quadrilha” em questão ganhou popularidade na cidade como Os Piores de Belô. O crime praticado por eles, enquanto “quadrilha“, não é dos mais comuns nessa classificação: pixação.

A prisão extraordinária de pixadores pelo crime de formação de quadrilha faz parte de uma histó-ria um pouco mais complexa, que começa pelo anúncio de uma Copa do Mundo no Brasil, passa por políticas públicas imediatistas e autoritárias, e não temos idéia de onde vai parar. Nesse caso específico, o episódio é protagonizado pelo “Movimento” Respeito por BH, que de movimento não tem nada, consiste em mais um programa do governo de Márcio Lacerda. Por iniciativa do pseudo-movimento, o Ministério Público e a Polícia Civil passaram a investigar os pixadores de Belo Hori-zonte através da internet e de buscas em suas residências (com a conhecida “gentileza” das forças policiais), onde apreenderam desnecessariamente computadores e outros itens dos acusados.

Por fim, como um ápice cinematográfico das chamadas operações BH Mais Limpa, buscaram mais uma vez os Piores de Belô em casa, de viatura, e os encaminharam para uma penitenciária onde aguardam julgamento por um crime que não lhes diz respeito. Aguardamos, juntos, a mais uma condenação pública da liberdade de expressão mineira.

A invenção do criminoso e histórias similares

São velhas conhecidas as figuras dos bodes expiatórios. Animais solitários, distinguidos e separa-dos... crias do abandono. Outras vezes bruxos, feiticeiras, conspiradores, loucos – tipos estranhos premiados com o isolamento.

Não há exagero. O fato de termos seis homens numa penitenciária acusados do crime de formação de quadrilha por terem pintado com tinta as paredes da cidade evidencia isto. Para os desinforma-dos, vale lembrar: cotidianamente a pixação é tratada como contravenção, normalmente substituí-da, mediante transação penal, por penas alternativas. O tratamento jurídico normalmente dispen-

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sado a ela não chega nem perto daquele dado ao crime de formação de quadrilha. A conveniência de se tomar gato por lebre, neste caso, confirma ainda mais o quanto a “movimentação” Respeito por BH quer fazer de bodes expiatórios os Piores de Belô, em meio a toda uma trama de limpeza da cidade. Os Piores estão deixados como exemplo, são os punidos que servem como mostra pú-blica de até onde pode chegar a retaliação a qualquer ato que fira os princípios de regimento oficial da cidade.

Primeiro, deve-se alertar: essa operação contra os Piores (e contra a pixação em geral) é orientada por um conjunto de políticas e de modos de se relacionar com o espaço público que hoje já se reve-lam como tendência em BH e outras capitais mundiais. Especulação imobiliária, entrega do espaço público com benefícios ao capital privado, cerco fechado por parte da segurança pública, enrijeci-mento da repressão nas ruas, exclusão de informais e indigentes, monitoramento ultra-avançado de algumas regiões, tudo isso somado às contendas das famílias tradicionais e dos grandes inves-tidores. Um pacote que pretende consolidar projetos de higienização da cidade - seguir na seleção dos úteis e dos inúteis nesse palco.

Ora, a pixação, insistentemente definida como vandalismo pela grande mídia e pelo senso comum,é o vandalismo que não inutiliza o objeto de sua ação, apenas interfere nele. É, além de tudo, cultura produzida e mantida em movimento pelos seus atores sem nenhum tipo de incentivo além da marginalidade. É manifestação própria da cidade, território de criatividade, geradora de ques-tionamentos, formadora de tipos específicos de ator e de memória. Inevitável não fazer a menção histórica: a escrita na parede, de pedra ou de concreto, permeia nossa caminhada cultural do início mais remoto às manifestações artísticas contemporâneas - que o sistema de arte (e portanto o próprio sistema capitalista) celebra, abrindo champagnes em galerias – passando por toda uma tradição de resistência política e pela expressão espontânea de agentes de todos os tempos.

Importante lembrar o caso do grupo que invadiu e pixou a Bienal de São Paulo, em 2008. Pois se hoje os pixadores paulistas tem credenciais para entrar na mais importante exposição de arte da América Latina, na ocasião de sua ação direta eles foram tratados com jeito semelhante ao dos Piores de Belô. Devido a queixa prestada pela Fundação Bienal à polícia paulista, a pixadora Caro-lina Pivetta, então com 22 anos, foi encarcerada, acusada de se associar a “milicianos” com fins de “destruir as dependências do prédio” da Bienal, segundo a denúncia do Ministério Público.

Peraí. “Milicianos”? “Destruir as dependências do prédio”? Vê-se como os termos são, no mínimo, rasos. Tanto no caso dos pixadores paulistas quanto no dos belorizontinos não estamos lidando com criminosos deste calibre, e a interpretação dada aos fatos deturpa a dimensão da pixação. Milicianos, assim como formadores de quadrilha, não se unem para pintar paredes. Pintar paredes, por sua vez, não destrói coisa alguma, antes constrói significados, redes e subjetivações do espaço através da produção de imagens. Importante reforçar: é, antes de tudo, mais um modo de incidir politicamente na cidade.

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A crosta da cidade, território do pixo

Fascismo velado à la mineira. A resposta do público diante das notícias da prisão dos Piores de Belô traz à tona a violência recalcada da tradicional família mineira. Pelas páginas de comentários nas redes da internet, por trás de um anonimato covarde, proliferam desejos de execução sumária, exclusão e tortura. “O pixador, esse grande filho da puta, tem que morrer!”, grita afoito o pai de família. A demonização deste ator/ativista controverso das metrópoles deveria nos fazer pensar. Na cidade, onde proliferam mazelas de todos os tipos, onde os desequilíbrios e carências se dão em instâncias essenciais da vida de milhões de seres humanos, é de se questionar a atenção dispensa-da a uma mazela visual. A pixação é simplesmente a letra escrita, exposta como ferida, mas contra ela se legitimam facilmente o ódio, a tortura e a manobra política.

O território de atuação da pixação – a superfície da cidade – é uma superfície política. Quando o pixo age sobre esse espaço político se choca com o uso mercantil que é feito da cidade, expõe uma expressão do marginalizado onde normalmente só se faz esconder, maquiar e especular. A prisão dos Piores de Belô é igualmente superficial. Não se trata de uma solução no sentido forte, mas um remendo, uma tentativa controversa de estancamento da ferida social por onde jorra tinta. Sem nos esquecermos de contextualizar este fato dentro de uma onda de intolerâncias que vem se mostran-do nas ações da administração pública de BH. Nem segurança pública, nem poluição visual e nem mesmo a própria pixação (ou os problemas sociais que a estimulam) encontram na manobra do Ministério Público uma resposta adequada. O tratamento dado aos personagens da suposta “qua-drilha” fede a artimanha de ditadura.

Solidariedade

Por tudo isso se faz necessário gritar LIBERDADE AOS PIORES DE BELÔ! Este grito deve ser levado a cabo por cada um que seja minimamente solidário com a liberdade de expressão e com a manu-tenção da vida na cidade. Da mesma forma devem ser lembrados os desalojados das Torres Gê-meas e os ameaçados das ocupações urbanas de BH, os impedidos de entrar nas praças públicas e todo aquele que morre de alguma maneira na mentira de um “centro vivo”. Somente por meio da solidariedade que se identifica com o seu igual e tece, a partir daí, uma rede horizontal de resistên-cia podemos fazer a oposição necessária ao disparate que é a prisão dos Piores de Belô, bem como os processos de mercantilização e cercamento das cidades.

LIBERDADE AOS PIORES! SOMOS TOD@S PIORES DE BELÔ!

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BIBLIOGRAFIARAMOS, Célia Maria Antonacci (1994). Grafite, pichação & Cia. São Paulo: ANNA-BLUME. – (Selo universidade. Arte : 20)

BAGNARIOL, P; BARROSO, F; VIANA, M. L; PORTELLA, P (2004). Guia ilustrado de graffiti e quadrinhos. Belo Horizonte: s/e.

CARERI, Francesco (2013). Walkscapes: o caminhar como prática estética. I. ed . - - São Paulo : Editora G. Gili.

JACQUES, Paola Berestein (2012). Elogio aos errantes. - Salvador : EDUFBA.

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