atos humanos e justiça representações do passado para um novo tempo em são tomás de aquino

193
Página 1 de 193 AUGUSTHO ARINOS DA COSTA Atos humanos e justiça: representações do passado para um novo tempo em São Tomás de Aquino Brasília 2015

Upload: augusthoatarinos

Post on 14-Dec-2015

31 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Tratado sobre os equívocos da tradição em face da doutrina de São Tomás, dos conceitos de moral, virtude, costume, lei, Bem comum e justiça, que alguns deles tem origem na Igreja Católica como o conceito de moral.

TRANSCRIPT

Página 1 de 193

AUGUSTHO ARINOS DA COSTA

Atos humanos e justiça: representações do passado

para um novo tempo em São Tomás de Aquino

Brasília

2015

Página 2 de 193

Palavras Chaves: convenção – tratado – pacto – inconstitucionalidade – constituição –

ato – humano – atos humanos – justiça – bem – comum – bem comum - virtude – lei –

ética – vida – vida humana – Tomás de Aquino - Aristóteles – Platão – John Rawls -

Kant - Plauto Faraco de Azevedo - Alexandre Pereira Pinheiro – Olinto Pegoraro –

contrato social – contrato – social – Rousseau - Sebastiano Maffettone – jurisperitos –

jurisconsultos – Ulpiano – metafísica – civil – doutrina – código – liberdade – equidade

– amizade – vontade – hábitos – potencia – doutrina do direito – tutelados – direitos

difusos – política – república – democracia – direito - legislador.

1. -Introdução

Trata-se de um questionamento quanto á contemporaneidade das afirmativas e

conclusões de São Tomás de Aquino e sua capacidade de dar suporte às decisões dos

juristas da atualidade. Tomás de Aquino, foi um frade dominicano e sacerdote italiano,

cujas obras tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na

tradição conhecida como escolasticismo, que o tornou, conhecido como "Doctor

Angelicus", "Doctor Communis" e "Doctor Universalis". Nasceu dia 28 de janeiro de

1225, Roccasecca, Itália e faleceu em 7 de março de 1274, Abadia de Fossanova,

Priverno, Itália, um dos maiores e celebres jurisperitos e jurisconsultos da existência.

Trataremos sobre uma das obras de São Tomás a Suma teológica que é composta de nove

volumes, o recorte documental que faremos será em quatro volumes a Suma Teológica A

Bem-Aventurança - os Atos Humanos - As Paixões da Alma Volume III Seção I – Parte

II – Questões 1-48, a Suma teológica Os hábitos e as virtudes – Os Dons do Espirito Santo

– Os vícios e os pecados – A pedagogia divina pela lei – a lei antiga e a lei nova – A

Graça Voluma IV I seção da II parte – questões de 49-114, a Suma teológica Justiça –

Religão – Virtudes Sociais Volume VI II Seção da II Parte – Questões 57-122 e a Suma

teológica A Força – A Temperança – Os carismas a serviço da Revelação Volume VII II

Seção da II Parte – Questões 123-189, restringindo para atos humanos, vida humana,

justiça, leis e virtudes.

Devemos tratar de início o modo como São Tomás elabora suas questões, sempre

ele vem com três ou quatro argumentos sofísticos (que com base em premissas certas

Página 3 de 193

chega-se a conclusões erradas), depois ele dá o argumento em sentido contrário, e depois

a reposta e logo mais a resolução dos sofismas.

Não se pretende aqui ser um resumo ou compêndio das ideias de São Tomás, mas

sim com base nas suas interlocuções e pensamentos, ser um objeto de conhecimento para

os juízes de nossa época, e também sobre os vários equívocos sobre atos humanos, vida,

justiça, leis, a moral, virtude e bem comum, considerando que são do século XIII em sua

gênese, de como esses conceitos estão hoje, no século XXI na contemporaneidade. O que

proponho aqui é com base no meu fluxo de pensamento, e das afirmativas de São Tomás

ser um elaborado tratado dos dias de hoje sobre esses equívocos, pois os conceitos que

temos nos dias atuais comparados com os conceitos no início, há margem para erros,

porque o modo com que foram sendo passados pela tradição destoam da doutrina,

lembrando que muitos desses conceitos vieram da Igreja Católica. Deixo para São Tomás,

Platão, Aristóteles e vários santos que cito como Agostinho e Isidoro assim como

jurisperitos do tempo de São Tomás ou do Império Romano que ele cita na suma, no

corpo do texto e trago também outros autores como Kant, Rousseau, Rawls, Maffettone

e outros citados em recuo, vale notar que os dois são complementares uns dos outros,

tanto o corpo de texto quanto os citados em recuo, os ditos em parênteses, colchete e aspas

são dos autores e as chaves são assertivas minhas tanto no texto quanto em recuo.

Faremos uma interlocução teórica com o livro Justiça distributiva e aplicação do

direito de Plauto Faraco de Azevedo e da revista Universitas/Jus nº 9, que usaremos o

artigo A justiça comutativa e a fundação social do contrato no novo código civil

brasileiro de Alexandre Pereira Pinheiro. Obras como Ética a Nicômaco e a Ética a

Eudemo de Aristóteles, a Republica de Platão, a Metafísica dos Costumes de Kant, Uma

Teoria da Justiça e Justiça como Equidade de John Rawls, A Idéia de justiça de Platão a

Rawls de Sebastiano Maffettone, Do Contrato Social de Rousseau, Ética e Justiça de

Olinto A. Pegoraro e trago para esta obra o jurisperito Ulpiano em latim/português

“Regras de Ulpiano” que também se fará a interlocução teórica.

A metodologia que utilizaremos será a de um livro chamado “Como Elaborar

Projetos de Pesquisa” do autor Antônio Carlos Gil, com as seguintes etapas de leitura.

Fazendo uma leitura do material que depois de desenrolará para leitura exploratória,

seletiva, analítica e interpretativa, terminando esses processos, se fará uma análise do

discurso.(GIL, 2010)

Página 4 de 193

A proposta deste trabalho é lançar a um olhar sobre atos humanos e justiça uma

antiga interpretação, si tem a capacidade de dar suporte às decisões de sentença, para um

novo tempo de justiça e condutas humanas. A partir disso, analisaremos o discurso do

texto de são Tomás de Aquino quanto ao que dispõe sobre a justiça e atos humanos. Não

se pode estudar justiça fora do contexto do estudo dos atos humanos, pois como São

Tomás mesmo diz na suma teológica VI a justiça é uma virtude que reverbera na vontade

tendo como objeto o outro, como objetivo dar a cada um o que lhe é devido e como causa

integrante fazer o bem e evitar o mal.

Este trabalho terá início na primeira parte dos atos humanos em duas seções, na

primeira seção sua bondade ou malicia dos atos humanos que são quatro pontos e na

segunda seção sua natureza, estrutura, e dinamismo que são doze pontos, e na terceira

seção; A vida Humana com dois pontos. Na segunda parte primeira seção, trataremos do

direito e da justiça com dez pontos, ne segunda seção trataremos da lei em sete pontos.

Na Terceira parte em uma seção, vamos abordar o hábito e a essência da virtude em onze

pontos.

Ressalta-se que a obra de São Tomás de Aquino pode ser capaz de responder ao

questionamento proposto por si, mas usei outros autores como freios e contrapesos a

respeito dessas questões. Com base nesse contexto pergunta-se: As afirmativas e

conclusões de São Tomás de Aquino juntamente com os outros autores se, podem ser

consideradas contemporâneas e assim serem capazes de dar suporte às decisões dos juízes

na atualidade?

Tratar sobre justiça é uma tarefa um tanto quanto árdua, pois engloba não só

conceitos mas também pessoas, buscar intender como se representava a justiça naquele

tempo o que, pensava, transmitia, corroborava e julgava.

Como o objeto de pesquisa é a contemporaneidade, trazer esse tema para o seio

da sociedade é socializar o conhecimento e interpretações sobre o que é justiça, moral e

atos humanos.

O tema proposto tem relevância pois vem a ser um novo prisma de pensamento

sobre o que é atos humanos e justiça. Naquele tempo a justiça era vista pelo menos por

São Tomás como dar a cada um o que é de direito, ele trata também sobre o direito das

gentes que na época dele era somente de razão, pois as nações não haviam se reunido para

fazer os direitos humanos como se fez pela ONU (organização das nações unidas).

Página 5 de 193

Diante dessa contextualização pode-se concluir que dar a cada um o que é devido,

não somente para o bem, mas também para a falta ou pena quando se comete algum delito

contrário a lei definida pela nação, mas no mesmo tratado existe a epiquéia que é olhar

de cima a lei e interpreta-la segundo a deliberação da razão e intenção do legislador, a

saber, o bem comum, atenuando assim a culpa.

A justiça existe também para medir o fazer o bem e evitar o mal, porque em todos

atos humanos tem que se ter a prudência. Não se pretende aqui ser um resumo ou como

compêndio das ideias de São Tomás, mas sim com base nas suas interlocuções e

pensamentos ser um objeto de conhecimento para os juízes de nossa época, e também

sobre os vários equívocos sobre atos humanos, vida, justiça, leis e bem comum. O que

proponho aqui é com base no meu fluxo de pensamento, e das afirmativas de São Tomás

ser um elaborado tratado dos dias de hoje sobre esses equívocos sobre os conceitos.

O presente trabalho se apresenta como uma maneira alternativa de se pensar a

justiça segundo São Tomás, se ainda hoje se pode utiliza-lo como fonte, pois pode parecer

uma forma de se pensar a história da justiça. Ao analisar e compreender nosso rico

passado através das palavras de São Tomás pode-se vislumbrar uma nova maneira de se

fazer justiça.

As ideias presentes no imaginário de São Tomás no período em que vivia São

Tomás, como a pena de morte e, isso é antiquado nele, é que ele legitima a pena de morte

dando o seguinte exemplo que o médico no último caso de gangrena arranca a parte

gangrenada da pessoa e o mesmo acontece na sociedade o príncipe tem o dever de dar

pena de morte para crimes de notória repercussão. Mas tirando isso o pensamento de são

Tomás sempre liberta a mente de preconceitos, principalmente quando fala da

discriminação de pessoas. Diante desse descompasso, bem como para esclarecer ou

sedimentar as ideias de São Tomás de Aquino será necessário realizar pesquisa

bibliográfica a fim de viabilizar uma interlocução teórica. Obras como Ética à Nicômaco

e à Eudemo de Aristóteles e outras

A partir desses e outros questionamentos que iremos fazer ao longo do presente

trabalho, é notório enunciar alguns tipos de problematizações, a fim de se delimitar e, se

possível, nortear a nossa pesquisa historiográfica. De forma geral, percebe-se que São

Tomás faz usos de exemplos para enaltecer seus argumentos. Preocupação em se construir

Página 6 de 193

uma justiça que julga os casos singulares que atenda as leis aos casos universais, pois se

a lei fosse variar os singulares seria impossível fixá-la como lei positivada.

Como foi dito acima não tem como se falar de justiça sem ato humano isso porque

a vontade tem que ser gerida pela justiça e estão tão entrelaçados seja na conduta do ser

humano para com os outros, seja para regulação do homem referente a si mesmo, que

vamos demonstrar os freios e contrapesos nos atos humanos da sua bondade ou malicia,

seu mérito ou demérito, retidão ou de pecado, de louvável ou culpável. Assim como

trataremos do o que é justiça, bem-comum, vida humana e leis.

O objetivo geral desta obra é: Analisar o discurso de São Tomás de Aquino sobre

atos humanos, moral e justiça, a fim de identificar se em seus argumentos se mostra

contemporâneos e capazes de serem utilizados pelos juristas na atualidade. E os objetivos

específicos são quatro; o primeiro, analisar os argumentos de São Tomás referente a atos

humanos, justiça e sobre a função da virtude. O segundo, procurar entender o que ele diz

sobre atos humanos, justiça, vontade, leis e bem-comum. O terceiro, identificar as ideias

a serem extraídas do texto que sejam sobre atos humanos, moral, justiça, vontade, leis e

bem-comum. O quarto, produzir um texto a partir da compreensão da análise do discurso,

que discorra sobre a contemporaneidade das afirmativas e conclusões de São Tomás de

Aquino e sua utilidade nas decisões jurídicos atuais, principalmente no que diz respeito a

moral e virtude.

A metodologia desta obra é; Realizar-se-á uma leitura integral das obras supra

citadas, na sequência dar-se-á início a um compêndio dos pontos colocados. Fazendo uma

leitura exploratória, seletiva, analítica e interpretativa.

Por meio da leitura do material identificou-se as informações e os dados

constantes do material proposto. Foram estabelecidas relações das informações e dos

dados obtidos com o problema proposto. Foi analisada a consistência das informações e

os dados apresentados pelo autor.

A leitura exploratória tem por objetivo verificar em que medida a obra consultada

interessa à pesquisa. Com esse fato, é possível ter uma visão global dos livros colocados

em análise. A leitura seletiva acontece após a leitura exploratória. Trata-se da seleção do

material que de fato interessa-a pesquisa. Essa seleção é possível si quando temos em

mente os objetivos da pesquisa, dessa forma pode-se evitar a leitura de texto cuja a

contribuição seja inadequada. Finalizada a leitura seletiva, parte-se para a leitura analítica.

Página 7 de 193

A finalidade da leitura analítica é organizar as ideias que possam nós levar à obtenção da

resposta ao nosso problema de pesquisa que neste caso é identificar um velho olhar para

um novo tempo.

A leitura interpretativa é a última etapa do processo e a mais complexa, seu

objetivo é relacionar o que o autor afirma com o problema a solucionar. Se na leitura

analítica buscamos os dados, ou seja, as ideias, na leitura interpretativa vamos além. Na

leitura interpretativa devemos fazer a ligação dessas ideias a problemática.

Para este trabalho será necessário realizar uma análise do discurso com a leitura

do livro proposto e relevante a Suma Teológica de São Tomás de Aquino analisando os

atos humanos e a justiça, e em que implica cada virtude. Buscando compreender o quadro

das afirmações, dos argumentos e das conclusões. Procurando sempre intender o sentido

em que trata cada ponto assim como construir uma análise de discurso a partir das

afirmações corroboradas por São Tomás. Seletiva procurando o que ele diz de relevante

sobre atos humanos e justiça. Analítica ordenando e somando as afirmações e os

argumentos que afirmem e confirmem as conclusões dadas. Construindo assim um texto

com representações do passado para um novo tempo, tempo esse de epiquéia e de

liberdade. Vide também os apêndices e os anexos desta obra.

Página 8 de 193

A Primeira Parte

Primeira Seção

Os atos Humanos: Sua diferenciação moral boa ou má

Primeiro ponto; A bondade e a malicia dos atos humanos em geral1:

O que o direito permite com o que o direito prescreve, a fim

de que a justiça e a utilidade de modo algum se encontrem

divididas. Entro na matéria sem provar a importância de

meu assunto. Perguntar-se-me-á se sou príncipe ou

legislador, para escrever sobre política. Se eu fosse príncipe

ou legislador, não perderia meu tempo em dizer o que é

preciso fazer; eu o faria ou me calaria. Nascido cidadão de

um Estado Livre e membro do soberano, por frágil que seja

a influência de minha voz nos negócios públicos, basta-me

o direito de votar para impor o dever de me instruir no tocante a isso.2

Diz Dionísio: “o mal não age senão em virtude do bem. Ora, em virtude do bem

não se faz o mal”. E Aristóteles “uma coisa é boa, na medida em que a potência se

aperfeiçoa pelo ato”. Para São Tomás “toda, ação tem algo do ser, quanto tem da bondade.

Faltando-lhe, porém, algo da plenitude do ser devida à ação humana, igualmente lhe falta

algo da bondade, e assim se fiz má; por exemplo, se lhe falta ou uma medida determinada

pela razão, ou o lugar devido, ou algo equivalente”. E ainda diz mais “que nada impede

que algo esteja segundo certo aspecto em ato, donde poder agir, e, segundo outro aspecto,

esteja privado do ato, e cause uma ação deficiente”. E diz “que a ação má pode ter por si

algum efeito, pelo que tem de bondade e de entidade”.

Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de

alicerce a todos os outros. Esse direito, todavia, não vem da natureza; está, pois, fundamentado sobre convenções.3

Liberdade comum é uma consequência da natureza

humana.(...) havendo nascido todos livres e iguais, não alienam a liberdade a não ser em troca da sua utilidade.4

Que não se é obrigado a obedecer senão às autoridades legitimas.5

Discorre Agostinho “Não há mal nas coisas, mas no uso dos que pecam”. Outra

colocação e que São Tomás vai investigar que a ação tem bondade ou malicia pelo seu

objeto “a ação recebe do objeto a espécie, como o movimento do termo. E assim como a

primeira bondade do ato moral é considerado por sua forma, que lhe dá espécie, assim

1 Suma Teológica III p237-258. 2ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 9-10. 3ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 10. 4ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 11. 5ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 15.

Página 9 de 193

também a primeira bondade do ato moral é considerada pelo objeto conveniente. (...) usar

uma coisa própria, (...) o primeiro mal nas ações morais é o que procede do objeto, como

tomar as coisas alheais.” E a resolução que São Tomás toma de Agostinho é que “embora

as coisas exteriores sejam em si mesmas boas, nem sempre têm a devida proporção para

esta ou para aquela ação” diz “que objeto é matéria acerca da qual, e a razão de forma

enquanto dá a espécie.” E que é movida a potência apetitiva pelo objeto apetecível que

ela é de certo modo passiva e o princípio da potência ativa da ação humana, é pelo objeto

o princípio dos atos humanos.

Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade

natural sobre seu semelhante, (...) restam pois as

convenções como base de toda autoridade legitima entre os

homens.6

A loucura não faz direito.7

Não poderia alienar os filhos: estes nascem homens e livres;

sua liberdade pertence-lhes; ninguém eles próprios, tem o

direito de dela dispor. Antes de atingirem a idade da razão,

pode o pai estipular, em nome deles, condições para a sua

conservação, para o seu bem-estar, mas não os pode dar

irrevogável e incondicionalmente, porque tal dom é

contrário aos fins da natureza e sobrepuja os direitos da paternidade.8

Para São Tomás “porque o objeto é de algum modo efeito da potência ativa, seque-

se que é termo de sua ação e por isso lhe dá forma e espécie, pois o movimento recebe do

termo a espécie. – Embora a bondade da ação não seja causada pela bondade do efeito,

por isso a ação é dita boa porque pode induzir um efeito bom. Essa proporção entre ação

e efeito é a razão de sua bondade.”

Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade

de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos seus deveres.

Não há nenhum compensação possível para quem quer que renuncie

a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana, e é

arrebatar toda moralidade a suas ações, bem como subtrair toda

liberdade à sua vontade. Enfim, não passa de vã e contraditória

convenção estipular, de um lado, uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites.9

As palavras escravatura e direito são contraditórias, excluem-se

mutuamente. Seja de homem para homem, seja de um homem para

um povo, este discurso será igualmente insensato: “Faço contigo um

contrato, todo em teu prejuízo e todo em meu proveito, que eu

observarei enquanto me aprouver, e que tu observarás enquanto me aprouver”. 10

6ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 15. 7ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 16. 8ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 16-17. 9ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 17. 10ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 21.

Página 10 de 193

É preciso remontar sempre a um primeiro convênio 11

Trataremos si a ação é boa ou má segundo as circunstâncias, segundo Aristóteles

“o virtuoso age como convém, e quando convém, e segundo outras coisas particulares.

Contrariamente, o viciado opera segundo cada vício quando não convém, onde não

convém e assim em outras coisas particulares”, corolário disso, é segundo as

circunstância, que as ações humanas são boas ou más. Segundo São Tomás “se algo falta

para uma compostura decente, procede do mal”, ademais as circunstâncias são como que

acidentes dos atos e especificam como boas quanto os devidos processos ou más quanto

se falta ou carece das devidas circunstâncias. São Tomás diz mais “que uma vez que o

bem se converte com ente, como ente é considerado enquanto substância e enquanto

acidente, também o bem é atribuído à alguma coisa segundo o seu ser acidental, nas ações

materiais e também nas ações morais.”

Essa doação é um ato civil; supõe uma deliberação pública. (...) bom

examinar o ato pelo qual o povo é um povo, porque esse ato, sendo

necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro fundamento da sociedade. 12

Com efeito, se não houvesse em absoluto convênio anterior, onde

estaria, a menos que a eleição fosse unânime, a obrigação, por parte

do pequeno número, de submeter-se à escolha do grande número, e

como cem indivíduos que desejam um senhor podem ter um direito

de votar por dez que de modo nenhum o desejam? A lei da pluralidade

dos sufrágios é por si mesma um estabelecimento de convênio e

supõe, ao menos uma vez, a unanimidade. 13

Soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo,

sendo a força e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos

de sua conservação, como as empregará ele, sem prejudicar, sem

negligenciar os cuidados que se deve? Esta dificuldade, reconduzida

ao meu assunto, pode ser enunciada nos seguintes termos. ‘encontrar

uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum

a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se

a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre

como anteriormente’. Tal é o problema fundamental cuja solução é

dada pelo contrato social. 14

Colocaremos agora si a ação humana é boa ou má pelo fim. Diz Boécio: “Aquele

cujo fim é bom, será bom, aquele cujo fim é mal, será mau”. Depende do fim as coisas

que por bondade, se tornam ser das coisas que dependam do agente e da forma. Mas ações

humanas depende do fim pela razão de bondade das coisas. Em São Tomás “Considera a

bondade na ação humana de quatro modos. Primeiro, segundo o gênero, enquanto é ação,

porque tanto tem da ação e da entidade, quanto tem da bondade (...). Segundo, de acordo

11ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 21. 12ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 22. 13ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 23. 14ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 24.

Página 11 de 193

com a espécie, que se toma em conformidade com o objeto conveniente. Terceiro,

segundo as circunstâncias, tidas como acidentes. Quarto, segundo o fim, conforme sua

relação com a causa da bondade”. Diz mais “que o bem visado por alguém, nem sempre

é verdadeiro bem, pois as vezes é verdadeiro, mas às vezes apenas bem aparente.” E que

“embora o fim seja uma causa extrínseca, a devida proporção com o fim e a relação para

com ele são inerente à ação.” E para o ato ter aspecto de bondade é necessário os quatros

modos de bondade por que: segundo ele “qualquer defeito singular causa o mal, e o bem

é causado pela causa total”.

Portanto, se afastarmos do pacto social o que não constitui a sua

essência, acharemos que ele se reduz aos seguintes termos: ‘cada um

de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o

supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo.’ 15

Encontra-se ele no caso de um particular contratante consigo mesmo;

por onde se observa que não há nem pode haver nenhuma espécie de

lei fundamental obrigatória para o corpo do povo, nem mesmo o

contrato social. 16

Com efeito, cada indivíduo pode, como homem, ter uma vontade

particular contrária ou dessemelhante à vontade geral que possui na qualidade de cidadão. 17

Discorreremos se a ação humana e boa ou má pela espécie. Diz Aristóteles

“Hábitos semelhantes tornam os atos semelhantes”. E São Tomás dá o exemplo “os

hábitos bons e maus diferem em espécie, como a liberalidade e a prodigalidade”. Diz São

Tomás “todo ato recebe do objeto a sua espécie.” Na medida em que si referem a um

princípio ativo de atos, se diferencia os atos humanos em bem e mal pela razão a eles

colocados como diz São Dionísio “o bem do homem é estar conforme a razão, e mal o

que está além da razão”. Ademais si o objeto é ou não conveniente essa é a diferença que

a razão deve traçar. Os atos se dizem humanos quando proveniente da razão, o bem

enquanto a razão e o mal é além da razão, diversificam a espécie do ato moral. Logo São

Tomás diz “(...) todas as vezes que a circunstância transforma o ato bom em mau, mas a

circunstância não faz o ato mau a não ser que contrarie a razão” claro que se trata da

virtude da prudência, virtude essa que está virtualmente contida na justiça, da qual

trataremos na segunda parte.

A passagem do estado natural ao estado civil produziu no

homem uma mudança considerável, substituindo em sua

15ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 25-26. 16ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 27. 17ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 29.

Página 12 de 193

conduta a justiça ao instinto, e imprimindo às suas ações a

moralidade que anteriormente lhes faltava. 18

Todo homem tem naturalmente direito a tudo que lhe é necessário. 19

Observação que deve servir de base a todo o sistema social:

é que o pacto fundamental, ao invés de destruir a igualdade

natural, substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e

legítima a desigualdade física que a natureza pode pôr entre

os homens, fazendo com que estes, conquanto possam ser

desiguais em força ou em talento, se tornem iguais por convenção e por direito. 20

Diz São Tomás “os atos dizem-se humanos enquanto são voluntário” no

voluntario se tem o ato interior e o ato exterior e que “o fim é propriamente o objeto do

ato voluntario interior, e aquilo acerca do qual é a ação exterior, é o seu objeto”. Resta

agora, considerar segundo São Tomás “qual a diferença é contida na outra. Para esclarecê-

lo, deve-se considerar, em primeiro lugar que uma diferença é tanto mais específica,

quanto mais particular é a forma assumida. Em segundo lugar, que quanto mais universal

é o agente, mais universal e a forma de produz. Em terceiro lugar, que quanto mais remoto

é um fim, mais corresponde ao agente mais universal.”

Somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as forças do Estado, segundo o fim de sua instituição, isto é, o bem comum. 21

Com efeito, se não é impossível fazer concordar uma vontade

particular com a vontade geral, em torno de algum ponto, é pelo

menos impossível fazer com que esse acordo seja durável e constante;

porque a vontade particular, por sua natureza, tende às preferências, e a vontade geral à igualdade. 22

Deve-se, do silêncio universal, presumir o consentimento do povo. 23 {por isso fiz esse tratado.}

E que “a vontade, pois, cujo objeto próprio é o fim, é movente universal de todas

as potências da alma, cujos objetos próprios são os objetos dos atos particulares”. E ainda

diz mais “que o fim é o último na execução, mas é o primeiro na intenção da razão,

segundo a qual se consideram as espécies dos atos morais”. Um bom resumo que São

Tomás fez “todo ato tem a espécie pelo objeto, e o ato humano dito moral tem a espécie

pelo objeto referido ao princípio dos atos humanos, que é a razão.” Existem também atos

tais quais são indiferentes segundo a sua espécie como “levantar uma palha da terra, ir ao

campo e coisas semelhantes”.

18ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 30. 19ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 32. 20ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 35. 21ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 36. 22ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 37. 23ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 37.

Página 13 de 193

A ideia unida ao termo lei por fixada. 24

Porque, sob a lei da razão, nada se faz sem causa, do mesmo

modo que sob a lei natural. 25

Por que é sempre reta a vontade geral, e por que desejam

todos, constantemente, a felicidade de cada um.(...) isso

prova que a igualdade de direito e a noção de justiça que

aquela produz derivam da preferência que cada qual se

atribui, e, por conseguinte, da natureza do homem; que a

vontade geral, por ser realmente conforme, deve existir no

seu objeto, bem como na sua essência; que deve partir de todos, para a todos ser aplicada. 26

Aristóteles diz “que pelos atos individuais são causados hábitos conforme eles”.

Para São Tomás “que nenhum ato individual é indiferente.” Pois como trata matizando

“Às vezes um ato é indiferente segundo a espécie, o qual, entretanto, é bom ou mau

considerado no indivíduo. Isso porque o ato moral, como foi dito, não só tem a bondade

pelo objeto, do qual tem a espécie, mas também pelas circunstâncias, que são acidentes.

Por exemplo, algo convém a um homem individual mediante acidentes individuais, o que

não convém ao homem segundo a razão da espécie.”

Não temos nenhum real princípio de equidade a conduzir-nos. 27

À falta de um interesse comum que una e identifique a regra do juiz com a da parte. 28

Por qualquer dos lados que se remonte ao princípio, chega-se sempre

à mesma conclusão, a saber, que o pacto social estabelece tal

igualdade entre os cidadãos, que os coloca todos sob as mesmas

condições e faz com que todos usufruam dos mesmos direitos.

Destarte, pela natureza do pacto, todo ato de soberania, isto é, todo

ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece todos os cidadãos,

de maneira que o soberano apenas conheça o corpo da nação e não distinga nenhum dos corpos que a compõem. 29

Um ato da soberania, não é um convênio entre superior e inferior? 30

O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das coisas e

independentemente das convenções humanas. 31

É preciso, pois, que qualquer ato individual tenha alguma circunstância pela qual

é atraído para o bem ou para o mal, ao menos na parte da intenção do fim. Ora, como é

próprio da razão ordenar, o ato que procede da razão deliberativa, se não está ordenado

para o devido fim, por isso mesmo contraria a razão, e tem razão de mal. Se, porém, está

ordenado para o devido fim convém à ordem da razão, e tem, por isso, razão de bem. É

24ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 39. 25ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 43. 26ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 44. 27ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 44. 28ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 45. 29ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 45-46. 30ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 46. 31ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 51.

Página 14 de 193

necessário, pois, que se ordene ou não ao devido fim. Portanto, é necessário que todo ato

humano procedente da razão deliberativa, considerando no individuo, seja “bem ou mal”.

E diz que “todo fim visado pela razão deliberativa pertence ao bem de alguma virtude, ou

ao mal de algum vicio. Assim, aquilo que alguém faz ordenadamente para o sustento ou

para o repouso do corpo, se ordena para o bem da virtude naquele que ordena seu corpo

para o bem da virtude.” Os atos morais são constituídos pelas formas. Ainda mais “por

isso, sempre que uma circunstância se refere a uma especial ordem da razão ‘pró’ ou

‘contra’, necessariamente a circunstanciada dá a espécie ao ato moral, bom ou mau”. São

Dionísio diz “o bem, com efeito, consiste em número, peso e medida”. E concluindo esse

ponto São Tomás diz “nem toda circunstância que aumenta ou diminui a bondade ou a

malícia modifica a espécie moral do ato” isso acontece porque a circunstância não

acarreta bem ou mal a não ser que contrarie a razão.

A matéria sobre a qual estatuímos passa a ser geral, como a vontade que estatui. A esse ato é que eu chamo de uma lei32

Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, entendo

que a lei considera os vassalos em corpo e as ações sendo

abstratas, jamais um homem como individuo, nem uma ação particular. 33

Numa palavra, toda função que se relacione com um objeto

individual não pertence de nenhum modo ao poder

legislativo34

Segundo ponto; A bondade e a malícia do ato interior da vontade35:

Primeiro aspecto a si tratar e si o ato moral diversifica pelo objeto, São Tomás

mas com a perspectiva de que e boa ou má a vontade dependendo da espécie, e a “vontade

boa ou má são atos diferentes segundo a espécie. E a diferença de espécie nos atos é pelos

objetos”. E que “a ação é o princípio dos atos humanos morais”. No ato interior da alma

“a bondade e malicia da vontade não depende das circunstâncias, mas só do objeto”. Duas

maneiras quando alguém quer um bem, quando não deve e onde não deve; “primeiro, que

essa circunstância se refere ao objeto querido. Desse modo, não há vontade do bem,

porque querer fazer algo quando não se deve fazer não é querer o bem. Segundo, que se

32ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 53. 33ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 53. 34ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 53 . 35 Suma Teológica III p259-279.

Página 15 de 193

refere ao ato de querer. Desse modo, é impossível que alguém queira o bem quando não

deve, porque sempre o homem deve querer o bem” a não ser quando contrarie o bem

devido, escolhendo um bem e deixando outro de lado.

República todo Estado regido por leis,(...) todo governo legítimo é republicano. 36

As leis não são propriamente senão as condições as

condições de associação civil. O povo, submetido às leis, deve ser o autor das mesmas37

O povo, de si mesmo, sempre deseja o bem; mas nem

sempre o vê, de si mesmo. A vontade geral é sempre reta;

mas o julgamento que a dirige nem sempre é esclarecido. E

necessário fazer-lhe ver o objeto tais como são, e muitas

vezes tais como devem parecer-lhe; é preciso mostrar-lhe o

bom caminho que procura, protegê-la da sedução das

vontades particulares, aproximar de seus olhos os lugares e

os tempos, equilibrar o encanto das vantagens presentes e sensíveis com o perigo dos males afastados e ocultos. 38

Vamos tratar agora se a bondade da vontade depende da razão; diz Aristóteles que

a bondade do intelecto prático é “verdadeiro em conformidade com o apetite reto”. Diz

Hilário “quando a vontade não está submissa a razão é sem moderação toda pertinácia

nas vontades assumidas”. Isso produz o que segundo São Tomás “o bem sensível ou

imaginado não é proporcionado à vontade, mas ao apetite sensitivo, porque a vontade

pode tender para o bem universal apreendido pela razão, mas o apetite sensitivo não tende

senão para o bem particular apreendido pela potência sensitiva”. {Por isso que a vontade

depende da razão}.

Uma vez estabelecidos os costumes e enraizados os

preconceitos, constitui empreendimento perigoso e inútil pretender reforma-los. 39

Em todo corpo político há um máximo de força que ele não

poderia ultrapassar, e do qual com frequência se afasta à

medida que se expande. Quanto mais se estende o laço

social, tanto mais se afrouxa. 40

O objetivo de todo sistema de legislação, achar-se-á que se

reduz a estes dois objetos principais: a liberdade e a igualdade. 41

O intelecto pratico segundo Aristóteles “enquanto delibera e raciocina sobre as

coisas que são para o fim”. E São Tomás “a vontade, de certo modo move a razão. A

razão, de outro modo, move a vontade, a saber, mediante o objeto”. Outra colocação é

que a vontade tem que estar submissa a lei eterna, porque estás regulando as ações

36ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 54 . 37ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 54 . 38ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 55 . 39ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 62 . 40ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 65 . 41ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 72 .

Página 16 de 193

humanas, segundo Santo Agostinho “O pecado é algo feito, dito ou desejado contra a lei

eterna”, ou seja, a lei eterna mede a bondade do ato humano. E em São Tomás “e quando

falha a razão humana, é necessário recorrer à lei eterna”. Na primeira parte da suma

teológica São Tomás diz “a consciência nada mais é do que a aplicação da ciência a um

ato”. Na Carta aos Romanos “Tudo que não precede da fé é pecado; ou seja, tudo o que é

contra a consciência”. Para Aristóteles “propriamente falando, incontinente é aquele que

não segue a reta razão; acidentalmente, aquele que não segue também a razão falsa”.

Quanto ao poder, esteja acima de toda violência e não se

exerça jamais senão em virtude da classe e das leis. 42

O que torna a constituição de um Estado verdadeiramente

sólida e durável é o fato de as conveniências serem tal modo

observadas, que as relações naturais, bem como as leis,

tombam sempre, harmoniosamente, sobre os mesmos

pontos, e estas últimas assegurarem, acompanharem e retificarem as outras43

Em todo estado de causa, o povo é sempre senhor de mudar

suas leis, mesmo as melhores, porque, se lhe aprouver prejudicar a si mesmo, quem terá o direito de impedi-lo? 44

Vamos tratar agora quanto à intenção define a bondade ou malicia dos atos da

vontade; Santo Agostinho diz que “intenção será premiada por Deus”. São Tomás vem

com o emprego que de dois modos da intenção que se refere à vontade, uma antecedente

e outra concomitante, “a intenção antecede a vontade como causa, quando queremos algo

por causa da intenção do fim. Nesse caso, a ordenação para o fim considera-se como razão

da bondade do que quis. Por isso, por que a bondade da vontade depende da bondade do

objeto que se quis, é necessário que dependa da intenção do fim”. E também diz “A

intenção é concomitante com a vontade quando se acrescenta a uma vontade preexistente

anterior.(...) neste caso, a bondade da primeira vontade não depende da intenção seguinte,

a não ser que se repita o ato do vontade com a intenção seguinte”. Outra é a intenção

consequente que é “a vontade pode ter sido boa, e pela intenção seguinte não é

desvirtuado o ato da vontade precedente, mas o ato que será repetido”. E pode a intenção

ser boa e má a vontade, e pode acontecer de a intenção que é ato interior da alma ser

impedida por fatores exteriores, por exemplo quando alguém decide ir a um lugar santo

mas si vê impedida por contratempos e coisas semelhantes. Para São Tomás a vontade

humana, para que se tenha bondade tem que ser em conformidade com a vontade Divina,

porque Deus segundo ele “é o sumo bem”. Já para Aristóteles o sumo bem no livro 1 da

42ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 73 . 43ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 75 . 44ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 76 .

Página 17 de 193

Ética diz: “a felicidade, mais do que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo”.

{E nós consideramos Deus uma estrutura de felicidade.}

Toda ação livre tem duas causas, que concorrem para

produzi-la: uma, moral, a saber, a vontade que determina o

ato; outra, física, isto é, o poder que a executa. 45

O poder legislativo pertence ao povo e só a ele pode

pertencer. 46 {Em uma democracia representativa

delegamos esse direito aos políticos, mas estes não

instruídos, pois, qualquer um pode ser político basta ter um

pé de meia para se eleger, chegam estes, até as mais

escabrosas e horripilantes aparências de lei.}

Cada particular; porém, na qualidade de vassalo, é

considerado indivíduo. 47{em uma república e em uma

democracia todos somos cidadãos, todo estamos em pé de

igualdade e adquirimos força de individuo exemplar pois

não mais à vontade do déspota mas sim a do bem comum}

Terceiro ponto; A bondade e a malícia dos atos exteriores48:

Diz Santo Agostinho “é pela vontade que se peca, e que se vive retamente”. Como

já dizemos o fim é o primeiro na intenção, mas o ultimo na execução, e o ato da vontade

está formalmente para o ato exterior como São Tomás diz “a vontade está para o ato

exterior como causa eficiente. Por isso, a bondade do ato da vontade é forma do ato

exterior, enquanto existente na causa eficiente”. E que “a bondade ou malicia que tem o

ato exterior, considerado em si mesmo, por causa de sua matéria e de suas circunstâncias

provenientes da razão”.

Que distinga sempre da força particular, destinada à própria

conservação, da força coletiva destinada à conservação do

Estado, e que, numa palavra, se mostre sempre prestes a

sacrificar o governo ao povo, e não o povo ao governo. 49

A arte do legislador consiste em saber fixar o ponto em que

a força e a vontade do governo, sempre em proporção

recíproca, se combinem na relação que ofereça mais

vantagens ao estado. 50 {quando indivíduo está sem sua

liberdade ai que se perverte e vai para crimes que de fato agridem a liberdade de outros}

Diz Aristóteles “as diferenças por si dividem o gênero”. Para Santo Agostinho “há

coisas que nem a bondade do fim nem a da vontade pode tornar boas”. E Aristóteles diz

ainda “é a virtude que faz bom o que possui a bondade, e torna boas as suas obras”. E no

45ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 78 . 46ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 79 . 47ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 81. 48 Suma Teológica III p279-290. 49ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 85. 50ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 90.

Página 18 de 193

livro I da Ética “uma é a bondade do ato interior, que é da potência imperante, outra é a

do ato exterior, que é da potência imperada”. O ato interior e o ato exterior, ordenam-se

entre si, as vezes distintos e as vezes uno, um pelo sujeito tenha muitas razões de bondade

e malicia.

Porque a democracia pode abarcar todo o povo, ou então

restringir-se até a metade. 51 {Para nós pensamos que a

democracia deve ser sempre universal pois, a contingencia

de vontades se gera no tempo conforme a natureza que não

tem lugar ou tempo. Ou pense, em um país democrático

aonde em seus alicerces está a iniquidade aonde em seu

princípio foi constituído que se deve ao homem se casar

com a mulher que o Estado determina e ai liberdade de

escolha veio a ser usurpada, e foi um consentimento do

povo naquele dado momento, mas na sucessão de cidadãos

conforme a geração a um cidadão que não concorda com o

que foi constituído, pois fere o direito natural a ele inerente,

e ao mesmo tempo não é maioria, como esse cidadão viverá,

com certeza irá viver na infelicidade, pois se instruiu, ou

seja, leu o que deve ser lido na jurisprudência, sabe no

entanto que o Estado é iníquo, tenta pleitear sua liberdade

mas os juristas sempre recorrem ao que foi acordado, mas a

vontade destes cidadãos que constituíram já passaram, e os

juízes não veem esses que o tempo já passou e que uma

nova constituição deva ser aplicada, pois a última existe com vicio.}

Diz Crisóstomo “A vontade ou é remunerada pelo bom, ou condenada pelo mal”.

Para São Tomás “(...) se torne melhor fazendo o bem, ou pior, fazendo o mal. Pode isso

acontecer de três modos ‘do ato exterior acrescentar a bondade e malicia do ato interior’.

Primeiro, segundo o número. Por exemplo: querendo alguém fazer algo com finalidade

boa ou má e não o faz, mas depois, quer e o faz, o ato da vontade se duplica, havendo

assim duplo bem ou duplo mal. – Segundo, segundo a extensão. Por exemplo: quando

alguém que fazer alguma coisa com finalidade boa ou má, mas por causa de algum

impedimento desiste e um outro continua o movimento da vontade até que a obra termine;

é evidente que está vontade persevere mais no bem ou no mal, e assim será melhor ou

pior. – Terceiro, segundo a intensidade. Há atos exteriores que enquanto são deleitáveis

ou penosos, por sua natureza intensificam ou enfraquecem a vontade”.

A virtude é o princípio da República, pois todas essas

condições não subsistiriam sem a virtude; mas, à falta haver

feito as distinções necessárias, faltou por vezes a este belo

talento precisão, e inclusive clareza, pois não viu que, sendo

a autoridade soberana em toda parte a mesma, o mesmo princípio deve nortear qualquer Estado bem constituído. 52

Não basta que o povo reunido tenha uma vez fixado a

constituição do Estado, sancionado um corpo de leis; não

basta que tenha constituído um governo perpétuo, ou

provido de uma vez por todas a eleição das magistrados.

51ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 91. 52ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 95.

Página 19 de 193

Além das assembleias extraordinárias, que casos

imprevistos podem exigir, é necessário havê-las fixas e

periódicas que não possam ser abolidas nem adiadas, a fim

de que, em dia marcado, seja a povo legitimamente

convocado pela lei, sem que se faça preciso para tanto

nenhuma outra convocação formal. 53

Porque a essência do corpo político está no acordo da

obediência e da liberdade, e estes termos vassalo e soberano

são correlações idênticas suja idéia se reúne sob um único conceito: cidadão. 54

Discorre também se o acontecimento subsequente acrescenta bondade ou malicia

ao ato exterior. Diz Aristóteles “é a virtude que faz bom a quem a possui”. E São Tomás

“o acontecimento subsequente ou é previsto ou não. Se foi previsto, evidentemente

aumenta ou diminui a bondade ou malicia. (...) se o acontecimento subsequente não foi

previsto, é necessário distinguir. Se é subsequente ao ato, por si e na maioria dos casos,

então o acontecimento subsequente, acrescenta bondade ou malicia no ato. É evidente,

pois, que é melhor o ato em seu gênero do qual podem seguir muitos bens, e pior, aquele

do qual naturalmente seguem males. – se acidentalmente e em poucos casos, então e o

acontecimento subsequente nada acrescenta à bondade ou a malicia do ato”. Diz

Aristóteles “o movimento contínuo é uno”, ou seja, nem um ato pode ter bondade e

malicia ao mesmo tempo, sendo a vontade o princípio do ato moral, que a ação e a paixão

pertence ao gênero moral, enquanto têm razão de voluntario.

Porque a soma de felicidade comum fornece maior porção

à felicidade de cada individuo55 {se fala do bem-estar

social, que o Estado quando irradia uma carta, essa se reduz

a toda sociedade, esquecem esses que a sociedade é feita de

indivíduos que começam por sua geração primeiro na

família e depois de sua maior idade se associa com amigos

aonde pela afeição e intimidade de suas ações se vincula

uma sociedade, então se torna um disparate ter uma lei fazer

com que o indivíduo seja reinserido na sociedade, uma vez

que a sua sociedade são seus amigos e só depois nas

relações de utilidade os concidadãos são agregados a suas relações}

A soberania não pode ser representada, pela mesma razão

que não pode ser alienada; ela consiste essencialmente na

vontade geral, e a vontade de modo algum se representa; ou

é a mesma ou é outra; não há nisso meio termo. Os

deputados do povo não são, pois, nem podem ser seus

representantes; são quando muito seus comissários e nada

podem concluir definitivamente. São nulas todas as leis que o povo não tenha ratificado; deixam de ser leis. 56

53ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 125-126. 54ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 127. 55ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 130. 56ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 131.

Página 20 de 193

A vós, povos modernos, não possuís escravos, porém o sois;

e pagais a liberdade deles sacrificando a vossa. 57

Quarto ponto; As consequências dos atos humanos em razão de sua bondade e malicia58:

Primeiro trataremos do ato humano em razão de sua retidão e pecado. Começa

São Tomás “O mal é pior que o pecado, como o bem é melhor que a retidão. Toda

privação de bem constitui a razão de mal” e que “a devida ordenação para o fim é medida

segundo alguma regra” e isso pode ser a “lei eterna” (que são os dez mandamentos) e “tal

regra, para os que agem segundo a natureza, é a própria virtude natural que inclina para

esse fim.” E que “há retidão no ato, porque o meio não sai dos extremos, isto é, o ato da

ordenação do princípio ativo para o fim. Quando um ato se afasta dessa retidão, incide a

razão de pecado”. E segundo ele “a dois fins: o ultimo e o próximo” o fim ultimo

relacionada a bem-aventurança e o fim próximo que é o aperfeiçoamento do habito,

ademais “por isso, como a intenção desde fim se ordena para o fim último, na própria

intenção desde fim pode-se encontrar a razão de retidão ou pecado”. E “por isso, a razão

de pecado, que consiste no afastamento da ordenação para o fim, está propriamente no

ato”.

Os povos modernos, que se acreditam livres, têm

representantes, e por que os povos antigos não os tinham.

Seja como for, no instante que um povo se dá

representantes, deixa de ser livre, cessa de ser povo. 59 {Nos dias de hoje se torna ‘massa’}

E que não convém tocar jamais no governo estabelecido,

exceto quando este se torna incompatível com o bem

público; mais tal circunstância é uma máxima política e não

uma regra de direito. 60

Os decênviros, eleitos de início por um ano, com mandato

em seguida prorrogado por mais um ano, tentaram manter

perpetuamente seu poder, não permitindo que o povo se

reunisse em comícios; e é também por esse meio fácil que

todos os governos do mundo, uma vez revestidos da força

do público, usurpam cedo ou tarde a autoridade soberana.

As assembléias periódicas, de que falei anteriormente, são

apropriadas para prevenir ou espaçar esse infortúnio,

mormente se independem de convocação formal; porque

então o príncipe não pode impedi-las, sem se declarar

abertamente infrator das leis e inimigo do Estado. A

abertura dessas assembléias, cujo único objetivo é a

manutenção do tratado social, deve sempre fazer-se por

57ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 133. 58 Suma Teológica III p290-298. 59ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 134. 60ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 139.

Página 21 de 193

duas proposições que não possam jamais ser suprimidas e

sejam separadamente sufragadas. A primeira consiste em

saber: Se apraz ao soberano conservar a presente forma de

governo; e a segunda: Se ao povo apraz deixar a administração aos que dela estão atualmente incumbidos. 61

Segundo discorreremos do ato humano em razão de seu mérito e demérito. Diz

que “quem faz o bem ou mal por seu ato para si, isso também redunda na comunidade”

ou quando “quem faz o bem ou o mal para alguém dessa sociedade, isso recai para toda

a sociedade” e que “razão de mérito e demérito, segundo a retribuição de justiça para o

outro” e “é de se considerar que quem vive em sociedade é parte e membro de toda

sociedade” redundando para esses o que lhe deve em retribuição pelas atividades

realizadas.

Numerosos homens reunidos se consideram com um corpo

único, sua vontade também é única e se relaciona com a comum conservação e o bem-estar geral. 62

O simples direito de votar em todo ato de soberania, direito

que ninguém pode subtrair ao cidadão, e sobre o direito de

opinar, de propor, de dividir, de discutir, que o governo,

com grande cuidado, sempre procura reservar apenas a seus

membros. 63

Não há senão uma lei que, por sua natureza, exige um

consentimento unânime: é o pacto social; porque a

associação civil é o mais voluntário de todos os atos do

mundo; uma vez que todo homem nasceu livre e senhor de

si mesmo. 64

Terceiro trataremos dos atos humanos em razão de sua culpa ou louvor. São

Tomás diz que “nas coisas morais, ordena-se para o fim comum de toda vida humana” e

“pelo afastamento do fim comum da vida humana, e assim se peca intencionando,” e “-

Na moral em que se considera a ordenação da razão para o fim comum da vida humana,

sempre pecado e mal são considerados pelo afastamento da ordem da razão do fim comum

da vida”. Diz Aristóteles: “São louváveis as obras das virtudes”, porque é “a virtude que

faz bom o que a tem e torna boa a sua obra”. Em São Tomás “um ato se diz culpável ou

louvável porque se imputa ao que o faz”. E diz “assim, um ato é imputado ao que faz

quando está sob seu poder, de modo que o domine. Isso é próprio da vontade, porque é

pela vontade que o homem tem domínio sobre seus atos”.

Quando não se pode estabelecer uma exata proporção entre

as partes constitutivas do Estado, ou quando causas

indestrutíveis nelas alteram continuamente as relações,

61ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 140-141. 62ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 142. 63ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 145. 64ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 147.

Página 22 de 193

institui-se então uma magistratura particular que não se

corporifica com as outras, que repõe cada termo em sua

verdadeira relação, e que estabelece uma ligação ou um

meio-termo, seja entre o príncipe e o povo, seja entre o

príncipe e o soberano, ou ainda entre ambos os lados, em

caso de necessidade65

A inflexibilidade das leis, que as impede de se ajustarem

aos acontecimentos, pode, em determinado casos, torná-las perniciosas.66

As opiniões de um povo nascem de sua constituição.67

Segunda Seção

Os atos Humanos: Sua natureza, estrutura e dinamismo

Primeiro ponto; atos imperados pela vontade68:

São Tomás fala de alguns atos imperados pela vontade como “isso deves fazer” é

o que faz por verbo no indicativo e “Faz isso” representando o verbo no imperativo. Diz

também que imperar é “ato da razão, pressuposto ato da vontade” que move as potênciais

apetitivas e irascíveis, mas acontece também da razão mover a vontade e vice-versa, o

império precede o uso do qual falaremos mais tarde, segundo Damasceno “que o impulso

para a ação precede o uso” e São Tomás “Mas o impulso para o ação procede do império,

logo o império precede o uso”. Outra coisa que trata é si o ato imperado são um só ato,

ou são diversos, diz Aristóteles “quando uma coisa é por causa de outra, há uma só coisa”

com isso diz são Tomás “nos atos humanos, o ato de uma potência inferior está

materialmente para o ato da superior” com isso se torna uno o império que segundo

Aristóteles “o mesmo é o ato do movente e o movido”.

Viver eticamente é viver conforme a justiça. A justiça ilumina, ao

mesmo tempo, a subjetividade humana (virtude de justiça) e a ordem

jurídico-social (justiça como princípio ordenador da sociedade). (..)

ética como direcionamento da vida, dos comportamentos pessoais e

das ações coletivas. (...) a ética é uma bússola que aponta o rumo de

nossa navegação no mar da história. 69

A ética administra exatamente as encruzilhadas da vida e os conflitos

da liberdade: por um lado, aponta os caminhos da construção pessoal

e coletiva e, por outro, adverte contra ameaças da autodestruição. (...)

A ética aristotélica propõe a superação do conflito pela prática das

virtudes morais que, aos poucos, subordinam a paixão à razão.

65ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 170. 66ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 173. 67ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat mores. Pagina 178. 68 Suma Teológica III p.217-232. 69 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 11.

Página 23 de 193

Quando isso acontece, o homem torna-se senhor de si mesmo. (...) J.

Rawls pensa a ética como um esforço de superação de conflitos

sociais produzidos pela disputa dos bens materiais e culturais. 70

A ética e a busca constante do bem humano. (...) “não faça aos outros

o que não queres que façam a ti” (...) alcança-se o bem pela prática da

justiça. Nesse sentido, ética é a prática da justiça ou, comportamento

ético é, antes de tudo, comportamento segundo a justiça. (...) Segundo

Aristóteles, a justiça é a virtude moral aglutinadora de todas as outras,

conferindo-lhes um novo alcance e profundidade. Somente a justiça

abre a pessoa à comunidade; ninguém é justo para si. 71

Ademais diz sobre si a vontade impera por si só e vem a dizer que “os atos da

vontade estão sobretudo em nosso poder, porque todos os atos estão sobretudo em nosso

poder enquanto são voluntários” (outro ponto que trataremos mais tarde do involuntário

e voluntário), ou seja, movidos pela razão que é nosso livre-arbítrio aonde nós podemos

investigar, sondar, julgar e dispor.

A posição de São Tomás de Aquino. Ele concentra a moral dos 10

mandamentos da lei de Deus na prática da justiça em relação às

criaturas, em relação ao próximo e em relação a Deus. (...) Para São

Tomás de Aquino, a justiça sintetiza toda ética que prescreve três

atitudes fundamentais: a) posse respeitosa das realidades terrestres; b)

reconhecimento incondicional dos seres humanos sem nenhum tipo

de distinção; c) culto a Deus, Criador do mundo e dos homens. 72

Kant rompe com o esquema da ética das virtudes e consagra a ética

das normas, a ética do cumprimento da lei moral, dos deveres pessoais

e sociais. Na ética kantiana, a vida não é regulada pela virtude da

justiça mas pelo direito. Cabe ao direito compatibilizar do direito é:

“age exteriormente (socialmente) de tal modo que o exercício de teu

livre-arbítrio possa coexistir com a liberdade dos outros” 73

Em nossos dias, J. Rawls organiza o discurso ético em torno da

justiça, como norma ou princípio ordenador da sociedade. Este

princípio objetivo, democraticamente elaborado pela sociedade,

abrange dois aspectos mais gerais do convívio humano: a) o respeito

incondicional às pessoas; b) a distribuição equitativa dos bens

materiais. Sobre esses dois pilares J. Rawls levanta o edifício da

sociedade bem ordenada. Portanto a justiça é a virtude da ordem

jurídica que visa realizar uma sociedade com sistema equitativo de

cooperação entre cidadãos livres e iguais. (...) convívio justiça-

virtude-princípio confere sentido ao sonho humano de todas as

civilizações: viver feliz numa ordem social justa. (...) Meta e tese que

nunca foram realizadas. Isto é, a macroestrutura jurídica nunca

realizou o ideal da justiça. Hoje este problema ampliou-se com

intervenção irresistível das macroestruturas econômicas,

tecnocientíficas e industriais. Estes grupos subordinaram às suas

decisões até a ordem política das nações. Ora, estas macroestruturas

não visam, em primeiro lugar, o bem humano, mas o resultado

empresarial; a meta da ética é sacrificada pela norma do lucro. É a

política do lucro, ainda que isto gere desemprego, fome e favelização

dos cidadãos. A ética perde seu centro constitutivo: a justiça. A ordem

jurídica é sacrificada pelas macroestruturas empresariais que geram a

opressão e a exclusão de pessoas e grupos. 74

70 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 12. 71 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 13. 72 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 14. 73 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 14. 74 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 15-16.

Página 24 de 193

O que é ato da razão disposto em dois modos, primeiro, quanto ao exercício do

ato e quanto se induz alguém que atenda e raciocine, e pelo objeto de dois modos,

primeiro, que apreenda a verdade de alguma coisa, segundo pelo assentimento e o

dissentimento. Além disso diz usando Aristóteles “que a razão é superior ao irascível e

ao concupiscível não por um domínio despótico, que é próprio do senhor em relação ao

escravo, mas por um domínio político e régio, que é próprio dos homens livres, que não

se submetem totalmente a domínio algum”.

“a virtude que deve ser objeto de nosso exame é evidentemente uma

virtude humana, visto que o bem que nós procuramos é um bem

humano e a felicidade é humana. E por virtude humana nós

entendemos não a excelência do corpo mas sim a da alma e a

felicidade é, para nós, uma atividade da alma”. (...) “o justo meio das

virtudes morais consiste em agir conforme a reta norma da sabedoria

prática”. (...) o justo meio consiste em fazer o que se deve, quando se

deve, nas devidas circunstâncias, em relação às pessoas, às quais se

deve, para o fim devido e como é devido. (...) “o justo meio é o dever”

75

A repetição constante de ações equilibradas pelas virtudes morais

eleva a paixão a participar da racionalidade. (...) quando a paixão for

elevada à racionalidade, o indivíduo poderá celebrar o triunfo da

virtude e a superação do confronto da paixão contra a razão. Superado

o conflito, reina a harmonia, (...) os atos virtuosos são praticados com

facilidade e prazer. (...) a felicidade do homem que se autoconquistou:

“ se a felicidade é a atividade conforme a virtude mais elevada: esta é

a excelência da parte mais elevada de nós mesmos (o intelecto)”. 76

Ao atingir o estágio final, a coisa alcança “seu supremo bem e a plena

suficiência”. À luz do princípio da finalidade, levanta-se todo o

edifício da política. 77

Segundo ponto; o voluntário e o involuntário78:

São Tomás discorre agora sobre o voluntário e o involuntário primeira colocação

é si os atos humanos são voluntários que ele caracteriza segundo Damasceno: “Voluntário

é o ato que é uma ação racional”, também segundo ele “é voluntário não somente aquilo

cujo princípio é intrínseco, mas com o acréscimo de ciência”. O voluntário segundo São

Tomás se encontra também no não agir e no não querer, porque o voluntário pode existir

sem ato ou por omissão, diz da violência e da vários argumentos que a vontade não e

movida pela violência porque o ato da vontade é duplo: “um, que lhe é imediato, como

75 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 26. 76 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 27. 77 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 30. 78 Suma Teológica III p.117-141..

Página 25 de 193

emanado dela, querer; outro, que é por ela imperado e exercido por outra potência, como

andar, falar.” Mas ele admite que a vontade enquanto os membros exteriores pode sofrer

violência e que . Trata também sobre o involuntário que pode ser causado pela violência,

que o voluntário e ao natural procedem de princípio intrínseco.

Vivendo conforme a felicidade e a virtude (...) a comunidade política

existe para a realização do bem e não apenas para viver em sociedade.

(...) portanto, os sentimentos sociais elevados e a prática dos virtudes,

colocados em comum, geram a pólis. Entre todos os animais,

“somente o homem exprime os sentimentos do bem e do mal, do justo

e do injusto e das noções morais; a comunhão destes sentimentos gera

a família e a pólis”. 79

A virtude da justiça é a essência da sociedade civil (...) no plano

individual, as virtudes morais equilibram e conduzem a um justo

meio-termo as ações de cada pessoa, assim também, no plano

coletivo, atua uma virtude moral – a justiça – visando o equilíbrio e a

equidade na comunidade política. 80

“Unicamente a justiça entre todas as virtudes é um bem para os outros;

referindo-se ao outro, ela realiza aquilo que é vantajoso para o outro,

seja ele um chefe ou um membro da comunidade” (...) a justiça é a

virtude total, pois prescreve a obediência às leis e o respeito da

igualdade entre os cidadãos. “Essa forma de justiça não faz parte da

virtude, mas a virtude inteira, e seu contrário, a injustiça, também não

é uma parte do vício, mas o vício inteiro”. 81

O violento, porém, procede de princípio extrínseco. Ademais vem com

argumentos de Gregorio de Nissa que analisa o medo e diz que “os atos feitos por medo

são mais voluntários do que involuntários” mas Aristóteles diz “os atos feito por medo

são mistos de voluntário e involuntário”. Outros dois aspectos do voluntário é a

concupiscência e a ignorância segundo São Tomás “pela concupiscência, pois, a vontade

se inclina para querer o que é desejado. Por isso, a concupiscência contribui mais para

que algo seja voluntario do que involuntário”, e na ignorância para ele existem três tipos

de ignorância a voluntaria, a afetada e a circunstancial. A voluntário que e quando o

indivíduo não quer saber, a afetada quanto afeta um ato por ignorância e a circunstancial

que não investiga as peculiaridades.

A justiça (...) longe de ser um código de normas legais cegas e de

aplicação inflexível, adapta-se a todas as situações humanas e às

condições históricas de nossa natureza. 82

Não absolutiza o reino da justiça legal, ela não é um fim, mas um

meio. “Prolongando as intenções da natureza, tem por finalidade

harmonizar a comunidade política como condição da realização do

homem”. 83

79 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 31. 80 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 31-32. 81 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 33. 82 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 34. 83 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 36.

Página 26 de 193

Prega a relatividade da lei positiva, subordinando-a ao juízo

prudêncial do sábio. (...) a lei universal abrange os comportamentos

gerais dos cidadãos. O legislador é um intérprete (provisório e falível)

dos sentimentos virtuosos e justos dos cidadãos. 84

Terceiro ponto; a intenção85:

Diz São Tomás que “intenção, pela própria significação do termo, quer dizer

tender para alguma coisa”. Agostinho: “a intenção da vontade une à vista o corpo que é

visto,” a intenção é procedente da ação do movente, o movimento do movido e a vontade

move todas as potências da alma para o fim. Outra coisa de que trata é se a intenção é só

do fim ultimo e si alguém pode ter simultaneamente intenção de duas coisas. Diz que o

fim ultimo que é a bem-aventurança está em disposição de vários outros fins e que o

homem pode ter várias intenções do fim e das coisas que são para o fim ou quando uma

coisa e melhor que outra. Está no meio termo as coisas que são para o fim.

A justiça, como qualidade moral do indivíduo e como virtude da

cidadania, é a excelência central e unificadora da existência pessoal e

política. A vida ética consiste, portanto, na prática da justiça na

comunidade humana. 86

O homem de fé, além de uma história justa e feliz, espera continuar a

viver na transcendência. 87

São Tomás de Aquino considera a justiça como a totalidade da

virtude. Ela comanda os atos de todas as virtudes morais e preside a

busca do bem comum na sociedade. 88

Quarto ponto; a deliberação que precede a eleição89:

São Tomás vem com a perspectiva que a “eleição segue o juízo da razão nas coisas

práticas” e que “é necessária a investigação da razão antes do julgamento do que vai

eleger” e “a investigação chama-se deliberação”. E essa deliberação discorre para as

coisas que são para o fim e os meios ou coisas que são para o fim. O fim tem razão de

princípio nas coisas práticas e é necessário supor princípio em toda investigação, assim

84 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 37. 85 Suma Teológica III p.176-184.. 86 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 38. 87 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 40. 88 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 41. 89 Suma Teológica III p.195-204..

Página 27 de 193

sendo tem como questão não só o fim mais as coisas que são para o fim. Ademais a

deliberação é somente sobre as ações considerando nas coisas universais e necessárias

para se conhecer algo certo é preciso considerar muitas circunstâncias ou condições. São

Tomás “o agente principal e o instrumento são como uma só causa, enquanto um age pelo

outro”.

“A justiça é uma disposição que torna os homens aptos a realizar

ações justas e que os faz agir justamente e querer coisas justas”. a)

uma inclinação da alma que traduz objetivamente objetivamente; b)

no respeito ao direito dos outros. 90

Virtude da justiça: orienta o homem nas operações externas

relacionadas com a sociedade e a posse dos bens materiais. (...) a

justiça é a única virtude moral que tem esta função específica: a

relação interpessoal que estabelece a ponte eticamente necessária

entre o sujeito e seus semelhantes e o mundo dos objetos. É, por

excelência, a virtude da sociabilidade humana ou da cidadania.

Porque preside as outras virtudes e promove a busca do bem comum,

a justiça é chamada virtude geral ou legal. 91

Três são as atitudes fundamentais da moralidade: a posse das coisas

inferiores; o reconhecimento do nosso próximo, como nosso igual e

o respeito aos bens matérias que lhe pertencem; o culto ao ser divino

e infinitamente superior. 92

Quando a dúvida em um determinado ato ou habito costuma-se investigar, a razão

tem esse papel que gera o argumento “é o que dá certeza a uma coisa duvidosa”. A eleição

(que falaremos mais adiante) pressupõe a deliberação, em razão do juízo ou da sentença.

Segundo Aristóteles “quem delibera parece procurar e resolver.” Assim o princípio na

investigação da deliberação é o fim, que é o primeiro na intenção, mas segundo São

Tomás “posterior no existir”. Outra coisa de que trata é si a deliberação procede ao

infinito diz que não e que o termo da investigação é aquilo que imediatamente está em

nosso poder realizar.

Um movimento que retoma ao fim da Idade Média, segundo o qual a

ética consiste num equilíbrio entre lei e liberdade. 93

Suprema finalidade humana: a felicidade. 94

Kant (...) erige a autonomia da vontade (liberdade) como base

inabalável da moralidade. A vontade livre e autolegislativa confere a si mesma a norma do agir moral95

90 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 48. 91 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 48. 92 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 49. 93 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 54. 94 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 54. 95 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 54.

Página 28 de 193

Quinto ponto; A eleição do que é para o fim pela vontade96:

Diz Aristotéles “A eleição é o desejo do que há em nós” e ainda diz mais “eleição

é o intelecto apetitivo, ou o apetite intelectivo”. Para Gregório de Nissa “a eleição não é

apetite em si mesmo nem somente deliberação, mas algo composto de ambos.” Para São

Tomás “a razão precede de algum modo a vontade e ordena o seu ato, uma vez que a

vontade tende para seu objeto, seguindo a ordem da razão”, ou seja, a razão ordena para

o fim do bem proposto, formalmente da razão e materialmente é da vontade. Pela potência

superior a substância do ato torna ordem que lhe é imposta materialmente.

Kant (...) com uma exaltação da boa vontade, como razão pura prática

responsável de todo agir moral. 97

Composição entre liberdade, por um lado, e a lei que limita, por outro

lado; o papel da razão reduz-se à função de manifestar a lei. É o

nascimento da moral da obrigação98

Ética como norma da moralidade: uma norma imperativa e categórica

que determina todo agir moral do indivíduo consciente e livre. 99

Que a eleição está no movimento da alma que escolhe e é ato da potência apetitiva.

A conclusão pertence e é procedente da eleição “é então chamada de sentença ou juízo.”.

Outra realidade de que discorre é a eleição das coisas que são para o fim e do fim

propriamente dito. Segundo Aristóteles “a vontade é do fim, a eleição das coisas que são

para o fim”. São Tomás vem com a mesma perspectiva “aquilo que está numa ação como

fim seja ordenado para algo como para o fim”. Diz o filosofo “ninguém elege senão aquilo

que pensa fazer por si mesmo”. A eleição é das coisas que são para o fim, e a intenção é

do fim. Discorre São Tomás sobre a eleição das ações que nós fazemos o que é possível,

“Conseqüêntemente, o que é impossível não é objeto de eleição”. Entre o intelecto e a

ação exterior está a vontade e a vontade está no intelecto no princípio do movimento, que

o “intelecto apreende algo como bem universal”. Outro aspecto e que o homem elege

livremente, não necessariamente.

A vontade é boa por definição. Sua lei é a lei moral e, inversamente,

a lei moral só poder ser a lei de uma vontade boa e livre. 100

A boa vontade inclui o conceito do dever moral, pois, não sendo o

homem espontaneamente moral a norma da moralidade será um

dever, um imperativo. O imperativo só tem sentido quando a vontade

pode ocorre o risco de desvio. 101

96 Suma Teológica III p.184-195.. 97 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 55. 98 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 55. 99 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 55-56. 100 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 57. 101 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 57.

Página 29 de 193

O imperativo categórico é, em primeiro lugar uma imposição da

vontade de agir conforme o dever; em segundo lugar o imperativo

determina que a ação moral consiste em agir conforme as máximas

universalizáveis. Ele obriga irrestritamente sem nenhum tipo de

reserva ou condição; é, portanto, universal e necessário. Sua

formulação mais famosa é: “Age unicamente segundo a máxima que

te leve a querer ao mesmo tempo que ela se torne lei universal”. (...)

Em síntese, as máximas são regras do agente que ele se dá como

normas de sua vontade e age segundo a representação das mesmas. 102

Sexto ponto; o consentimento, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para o

fim103:

São Tomás trata como “Consentir implica a aplicação do sentido a algum objeto”.

Aquilo a que se consente é sentir juntamente, o que implica certa união, o intelecto assente

enquanto movido pela vontade. Ademais diz que o consentimento designa alguma coisa

já existente movendo o apetite. Diz também “na ordem operativa, é necessário primeiro

apreender o fim; em seguida, o apetite do fim; depois a deliberação das coisas que são

para o fim; finalmente, o apetite das coisas que são para o fim. O apetite tende

naturalmente para o último fim.”

A liberdade consiste na obediência à lei autoprescrita. (Rousseau) 104

A moralidade pode ser resumida nos seguintes passos: a) a condição

de possibilidade da ação moral é a vontade livre que se autodetermina

conforme as regras que ela mesma se dá; b) a vontade torna possível

os atos conforme as exigências do imperativo categórico; c) este, por

sua vez controla a moralidade das ações concretas. Neste sentido,

pode-se dizer que o imperativo categórico é o metacritério que julga

outros critérios. 105

“Ser feliz é necessariamente o anelo de todo ser racional finito e é,

por conseguinte, um inevitável princípio determinante de sua

faculdade de desejar”. 106

Que a vontade eleger através da deliberação e do consentimento. Disso trata

segundo ele dá razão superior e da razão inferior, a razão superior com a tarefa de mover

o corpo e também cabe a ela sempre a sentença final dos atos humanos, que ai há o

consentimento donde pertence a razão superior, “enquanto nela se inclui a vontade”, no

prazer da ação como o consentimento na ação. A razão inferior cabe a ela pensar no prazer

com conhecimento.

102 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 57-58. 103 Suma Teológica III p.204-210.. 104 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 58. 105 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 58-59. 106 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 59.

Página 30 de 193

A felicidade depende das condições individuais; cada um de nós tem

desejos e interesses múltiplos, esperanças diversificadas que a

natureza e a sociedade oferecem. É por isso que a felicidade não pode

servir de lei universal, nem de princípio de determinação moral.

{porem a felicidade comum sim}(...) no nosso caso, da razão pura

prática: “assim a vontade, que tem na pura forma legislativa da

máxima sua lei, é uma vontade livre”. Livre de toda a causalidade e

determinação externa (heteronomia), a vontade é a faculdade que dá

a si mesma sua lei. Portanto, o único princípio de todas as leis morais

é a autonomia autolegislativa da vontade. Assim entendida, a

liberdade é transcendente; por isso, ela atua sobre os comportamentos.

107

O ser moral, a natureza racional e prática; torna-se, assim, senhor de

si. 108

A moral kantiana assenta-se sobre três pilares: a vontade livre, o

imperativo categórico que a determina e as máximas como regras

práticas de conduta subordinadas ao imperativo. 109

Sétimo ponto; As circunstâncias dos atos humanos110:

Trata-se primeiro o que é circunstância para Aristóteles “as circunstâncias de

particularidades, isto é, particulares condições dos atos individuais”. Já Cícero que a

circunstância “Faz a argumentação adquirir autoridade e, a oratória, a firmeza”. Como

definição, gênero, espécie pertencem a substância da coisa, a oratória da firmeza à

argumentação mediante a substância da coisa. Para São Tomás “as condições particulares

das coisas singulares são ditas acidentes que as individualizam (...) as, circunstâncias são

acidentes que individualizam os atos humanos”. E ainda São Tomás diz mais “por isso, o

nome de circunstâncias deriva das coisas que estão em um lugar para os atos humanos”.

Segundo o discurso dá segurança à argumentação: primeiro como São Tomás discorre

“devido à substância do ato; depois devido às circunstâncias (...) como se feito por dolo,

por lucro, ou em um templo ou lugar sagrado. (...) por ato como a modo de agir, por lugar

e condição da pessoa”.

Em Kant, deveríamos dizer que ele prega apenas uma: a obediência

ao dever ou à lei moral. As máximas de conduta pessoal parecem

exercer a função das virtudes na ética clássica. Nesta perspectiva,

podemos dizer que as máximas correspondem aos hábitos de conduta

pessoal. 111

107 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 59. 108 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 60. 109 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 60. 110 Suma Teológica III p.134-141. 111 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 61.

Página 31 de 193

A melhor forma de governo não é aquela que torna a vida agradável

(eudemonia) mas aquela que garante a ordem jurídica. (Kant) 112

Funcionamento da vida política: para Aristóteles, a alma da

comunidade é a virtude da justiça como disposição interior de cumprir

as leis; a política kantiana não exige virtudes subjetivas, mas só o

cumprimento público da lei que delimita o exercício externo da

liberdade. 113

Segundo a se tratar é se o teólogo deve considerar as circunstâncias. E coloca três

motivos: “os atos são proporcionados ao fim segundo alguma medida determinada pelas

devidas circunstâncias. Donde pertence ao teólogo a consideração das circunstâncias. –

Segundo, porque o teólogo considera os atos humanos enquanto neles se encontra o bem

e o mal, o melhor e o pior, e essa diversidade se deve às circunstanciais. Terceiro, porque

o teólogo considera os atos humanos enquanto são meritórios ou demeritórios, o que cabe

aos atos humanos e para isso reque que sejam atos voluntários”. Para Aristóteles no livro

I da Ética “... devido àquilo que é extrínseco, como se evidencia em direito e esquerda,

igual e desigual, ou em casos semelhantes” decorrente disso São Tomás diz “Por isso,

como há bondade nos atos enquanto eles são úteis ao fim, nada impede serem ditos bons

ou maus segundo a relação com algo adjacente exterior”.

Para Kant, o problema central da vida política está na administração

legal da liberdade, visto que todos os seres humanos são livres no

mesmo nível de profundidade. A liberdade é o supremo direito

humano, fundadora de todos os outros. (...) os direitos humanos estão

acima de todas estas caracterizações e situam-se na ordem dos

princípios; são, portanto, anteriores ao direito positivo. A ordem legal

deve simplesmente reconhecê-los e defendê-los como títulos

jurídicos que acompanham todo o ser humano. 114

Kant (...) na verdade, existe um só direito, que precede toda a

legislação positiva, servindo-lhe de critério de legitimidade: a

liberdade compatibilizada com a liberdade dos outros. 115

A liberdade deixa-se delimitar pelo direito (...) Dois são os tipos de

leis que delimitam o exercício da liberdade: a) as leis jurídicas que se

referem às ações externas e à sua legalidade; b) as leis éticas que

exigem que as próprias leis sejam o princípio de determinação das

ações; estas são as leis da moralidade. 116

Terceira colocação é si as circunstâncias estão bem enumeradas, e chega a

conclusão que estão e são as seguintes enumeradas “quando, onde (...), modo de agir (...),

quem, o quê, onde, por quais auxílios, por quê, como (...) Acerca de que fez, o quê (...),

para que se age, o que é, o que se faz (...) e em que se consiste a ação”. Ainda São Tomás

diz mais “ No ato deve-se considerar quem o faz, que auxílios ou que instrumentos usou,

o que fez, quando e como fez” e que “o ato humano é especificado pelo sobretudo pelo

112 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 61. 113 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 62. 114 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 62. 115 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 63. 116 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 63.

Página 32 de 193

fim (...) à qualidade do ato, por exemplo: andar depressa ou devagar, bater fortemente ou

levemente, etc.” e diz sobre o furto que “pertence a substância, se foi grande ou pequeno”

e sobre o que “pois, derramar água sobre outro e o molhar não é circunstância, mas o é,

se isso o refrigera ou aquece, o cura ou faz mal” .

Kant (...) define o conceito racional do direito nestes termos: “é o

conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um pode unir-se ao

arbítrio de outro segundo uma lei universal da liberdade”. Logo a

seguir estabelece o princípio do direito que define o critério e a

condição em que o arbítrio é delimitado: “justa é toda ação que

permite, ou cuja máxima permite à liberdade de arbítrio de cada um

coexistir com a liberdade do outro segundo uma lei universal”.

Portanto, são as máximas da moralidade que orientam e definem as

ações que a liberdade de arbítrio pode fazer (ou deve evitar) para que

a liberdade do próximo não seja violada. Finalmente, sintetizando o

conceito e o princípio, Kant formula a lei universal do direito de modo

imperativo: “age exteriormente de tal modo que o exercício de teu

livre-arbítrio possa coexistir com a liberdade dos outros segundo uma

lei universal”. 117

Princípio do direito que, por isso mesmo, deve ser imposto sob forma

de comando: “o imperativo é pois uma regra cuja representação torna

necessária a ação subjetiva contingente obrigando o sujeito a

submeter-se a esta regra”. (...) para que as liberdades possam coexistir

na sociedade política. Sem lei os seres humanos não convivem. (...)

as normas do direito positivo: só é moralmente legítimo (justo), o

direito (a lei) que garante a cada cidadão uma liberdade da ação

compatível com aquela dos outros. Este critério liga o corpo de leis

da sociedade política à lei universal do direito exatamente como o

imperativo categórico liga a vontade pessoal às máximas. Pode-se

dizer que a lei universal do direito é o imperativo categórico da vida

social. 118

Na ética-política aristotélica, a virtude moral da justiça, por exemplo,

é indispensável ao funcionamento da comunidade. Na ética kantiana,

a moralidade subjetiva é regulada por outros registros (as máximas) e

a lei estabelece a compatibilidade (a moralidade) das liberdades que

é o mútuo respeito. Dito em termos aristotélicos, a lei define “o justo

meio” da ação livre de cada cidadão face ao outro. 119

Oitavo ponto; O que move a vontade120:

Toma a perspectiva de que a vontade se movem quando é apresentado o bem

apetecível que é o objeto, pelo intelecto prático que move a vontade para o objeto que

tem razão de bem. A vontade se move também pelo apetite sensitivo e move o irascível

e o concupiscível por um poder real e político, “como os homens livres são regidos por

seus governantes”, mas nada impede que o irascível e o concupiscível por vezes movam

117 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 64. 118 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 64. 119 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 65. 120 Suma Teológica III p.148-160..

Página 33 de 193

a vontade. Outra colocação é que a vontade move a si mesma em razão do fim, que é

objeto da vontade, que o fim está para as coisas apetecíveis como princípio para as

inteligíveis.

O Estado que se baseia no princípio do bem-estar geral (utilitarismo)

infantiliza os cidadãos, tentando decidir por eles a felicidade e o bem-

estar para cada um; do mesmo modo, torna-se déspota o soberano que

tenta implantar o bem-estar por ele idealizado e, vice-versa, rebelam-

se os cidadãos que se sentem frustrados na pretensão pessoal de

escolher e construir o bem e a felicidade segundo as inclinações

subjetivas. Por isso, para Kant, a melhor forma de governo não é

aquela na qual é mais agradável de viver (eudaimonia), mas aquela

que garante os direitos dos cidadãos. Quando o Estado afrouxa a

garantia da liberdade em proveito do bem-estar (felicidade), ele cai

na injustiça. As leis que visam a felicidade do cidadão são legítimas

“mas como meio de garantir o Estado Jurídico”. 121

O tema central de J. Rawls é a justiça, (...) a justiça não é uma virtude

e nem um direito, mas sim um princípio fundador de uma sociedade

bem ordenada. (...) o movimento da ética-política de J. Rawls em três

tempos: a) reconhecimento do conflito entre os bens disponíveis

escassos e o desejo ilimitado de posse por parte dos indivíduos; b)

intervenção da teoria da justiça instaurando a sociedade bem ordenada

(justa); c) a consolidação da comunidade política onde prevalece a

cooperação, o senso da justiça e as virtudes a cidadania. 122

J. Rawls, lançou uma obra (...) alternativa ao utilitarismo, chamado

ao confronto desde a primeira página: “cada pessoa tem sua

inviolabilidade fundada na justiça que, mesmo em nome do bem-estar

do conjunto da sociedade, não pode ser violada. Por este motivo, a

justiça proíbe que a perda da liberdade de alguns possa ser justificada

pela obtenção de um maior bem para todos os outros”. 123

Como São Tomás percorre que “evidencia-se, pois, que o intelecto ao conhecer o

princípio, se reduz de potência a ato, quando ao conhecimento das conclusões, e desse

modo move-se a si mesmo” e ainda diz mais “que a vontade por si mesma move, quanto

ao exercício do ato, mediante a razão do fim”. Ele coloca também que a vontade não é

movida por corpos celestes mais pode sim ser movida por alguma substância superior e

imaterial, ou seja, porque a vontade está na razão. Diz também que “outra causa não pode

ser a causa da vontade senão Deus. Isso se evidencia de dois modos. Primeiro, por que a

vontade é potência da alma racional que só por Deus é causada por criação (...) segundo,

porque a vontade está ordenada ao bem universal”, e “o bem em geral tem a razão de fim

é o objeto da vontade”, e como ele mesmo diz “com efeito, o primeiro principio formal é

o ente e a verdade universal, que é objeto do intelecto. E assim por este modo de moção,

o intelecto move a vontade apresentando-lhe seu objeto”.

“a justiça é primeira virtude das instituições sociais como a verdade

o é para os sistemas de pensamento”. (...) a justiça como equidade

(justice as fairness) aplicada a distribuição dos bens sociais. (...) a)

121 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 66-67. 122 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 68. 123 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 70.

Página 34 de 193

fundam uma nova ordem política e b) determinam uma justa

repartição dos bens. (...) esta é a função da justiça como equidade, que

deve ser o imperativo categórico da sociedade política. Mesmo a

liberdade, tão fundamental na filosofia política moderna, cai sob o

império da justiça, à qual cabe estabelecer-lhe os limites do exercício.

Os princípios da justiça assim entendida não são o resultado de uma

investigação teórica, mas “são objetos de um contrato original”. Pelos

princípios que resultam deste acordo, “os homens devem decidir

previamente as regras pelas quais vão arbitrar suas reivindicações

mútuas e a carta fundadora da sociedade”. Enfim, o grupo social deve

decidir, uma vez por todas, aquilo que, em seu convívio, “deve ser

considerado justo ou injusto”. 124

Dois são os princípios da justiça da sociedade bem ordenada J. Rawls

os apresenta em duas redações, uma provisória e outra definitiva.

Leiamos os dois textos: Primeira versão, provisória: “1. Cada pessoa

deve ter direito a uma liberdade de base mais larga possível,

compatível com uma liberdade similar para os outros; 2. As

desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas de tal

modo que a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam

vantajosas para todos e b) sejam ligadas a posições e funções

acessíveis a todos”. Segunda versão, definitiva. “1. Cada pessoa deve

ter direito ao sistema mais largo de liberdades de bases iguais para

todos, compatível com um sistema similar para todos os outros; 2. As

desigualdades sociais e econômicas devem ser tais que a) nos limites

de um justo princípio de poupança, garantam a maior vantagem

possível aos menos favorecidos e b) sejam ligadas a tarefa e posições

acessíveis a todos em função de uma justa igualdade de

oportunidades”. 125

A afirmação central da teoria de J. Rawls é o direito inalienável à

liberdade, inerente a cada pessoa humana. Esta proposição choca-se

de frente com a teoria utilitarista que considera a justiça apenas como

uma função do bem-estar coletivo: a satisfação das necessidades

coletivas tem prioridade absoluta sobre as demandas de ordem

individual.(...) e na Doutrina do Direito afirma que só existe um

direito inato: “a liberdade (...) é o único direito originário que convém ao homem em razão de sua humanidade”. 126

Nono ponto; A vontade e seu objeto127:

Diz Dionísio “o mal está fora da vontade, e o bem todas as coisas o desejam”. Para

São Tomás “A vontade é um apetite racional. Todo apetite é somente do bem.”. para

Aristóteles “O bem é aquilo que todas as coisas desejam (...). O fim é o bem ou que tenha

aparência de bem” e no livro 5 da Ética de Aristóteles “(nelas) a carência do mal tem a

razão de bem”.

Três são os elementos característicos do direito: a) fazer coexistir os

seres humanos livres; b) os princípios dessa coexistência não exigem

que as pessoas sejam morais (virtuosas); o direito só exige a

legalidade e não a moralidade (egoísmo esclarecido); c) como para a

coexistência das liberdades a legalidade é suficiente, segue-se que os

124 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 71. 125 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 71-72. 126 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 78. 127 Suma Teológica III p.141-148.

Página 35 de 193

direitos são ligados à faculdade de imposição pelo legislador

competente (e nunca à ordem moral) 128

A justiça é a virtude da cidadania e da ordem jurídica: a sociedade é

uma comunidade de comunidade. 129

Duas vertentes da justiça: virtude e princípio. O princípio da justiça

precisa do apoio da tradição ética consubstanciada nas virtudes e

estas, por seu turno, demandam um ordenamento legal externo,

objetivo; instaura-se, desta forma, uma circunstância entre os

princípios e as disposições naturais. 130

No livro III da Ética de Aristóteles “A vontade é do fim; a eleição, das coisas que

são para o fim”. No livro VII da Ética de Aristóteles “O fim está para as coisas desejadas,

como os princípios para as coisas inteligíveis.” Para São Tomás “que nem tudo o que

diferencia o habitus, diferencia a potência: os habitus são determinações das potências

para os atos especiais”. Ademais “o vontade é levada ao fim de dois modos: primeiro,

absolutamente, por si mesma, e de outro modo, segundo quer as coisas que são para o

fim”. Diz também “O útil e o honesto não são espécies do bem distintas uma da outra,

mas se referem como o que é por si e o que é por outro”.

O senso da justiça é a extensão das laços afetivos naturais e a maneira

de se preocupar com o bem comum. (J. Rawls). 131

A sociedade legal evolui para o conceito de sociedade como

“comunidade de comunidades”, onde os homens praticam as virtudes

de amizade, da solidariedade e de senso de mútua justiça. J. Rawls

afirma que a atividade coletiva justa é também virtuosa e “é a forma

mais importante da felicidade humana”. 132

Dois são os fins principais visados na teoria da justiça: a) dignidade e

senso de justiça nas pessoas; b) uma forte estabilidade social. 133

Décimo ponto; O modo de mover-se da vontade134:

São Tomás nos mostra que “pela vontade não desejamos somente aquilo o que

pertence à potência da vontade (que é o bem em geral), como também aquilo que pertence

a cada uma das potências e ao homem todo (...) como o conhecimento da verdade que

convém ao intelecto, como o ser e o viver, e outras coisas que se referem à constituição

natural, tudo isso está compreendido no objeto da vontade, como bens particulares”.

128 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 79. 129 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 83. 130 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 83. 131 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 84. 132 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 84. 133 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 84. 134 Suma Teológica III p.161-169..

Página 36 de 193

Decorrente disso “que a vontade se opõe à natureza como uma causa a outra, pois algumas

coisas se fazem segundo a natureza, outras, segundo a vontade que é senhora dos seus

atos”. Disso e colocado que a vontade é potência racional por estar na razão. Além disso

“de dois modos é movida a vontade: quanto ao exercício do ato e quanto às especificações

do mesmo, que são pelo objeto.”

As regras de moral recebem dos laços afetivos nova força e

autoridade: “as normas éticas já não aparecem como imposições, mas

são ligadas entre si numa concepção coerente; e o senso de justiça

aparece aos indivíduos como uma extensão de seus laços afetivos

naturais e como uma maneira de se preocupar com o bem comum”.

135

Sociedade da natureza humana determina que “os seres humanos

condividam seus fins essenciais e valorizem as instituições e atividade

comuns como bens em si mesmos. Temos necessidade uns dos outros,

como parceiros que se engajam juntos nos modos de vida válidos por

si mesmos. Enfim, que os outros sejam bem-sucedidos e felizes é

necessário ao nosso próprio bem: seu bem e o nosso são

complementares”. Portanto, “a espécie humana forma uma

comunidade onde cada membro se beneficia das qualidades e da

personalidade de todos ou outros”. (...) estes sentimentos estão

ligados ao amor da humanidade e ao desejo de defender o bem comum

e consubstanciam-se nos princípios da justiça. 136

Portanto, a existência humana, aberta a seu devir, está voltada para a

total realização de si. A esta suprema realização, Aristóteles

denomina Bem ou Causa Final. 137

Depois disso “se é proposto à vontade um objeto que seja universalmente bom e

segundo todas as considerações, a vontade necessariamente tenderia para ele.” e que

“como a falta de qualquer bem tem razão de não-bem, por isso só aquele bem permanece

perfeito, ao qual nada falta, é o bem que a vontade não deixa de querer.” Outro ponto de

que trata é que está na vontade pode escolher entre seguir as paixões da alma como a

concupiscência ou de reprimi-la “a vontade não somente é movida pelo bem universal

apreendido pela razão, mas também pelo bem apreendido pelos sentidos.(...) muitas

coisas queremos e fazemos sem paixão, só por escolha”.

A formulação dos princípios da justiça com dupla direção:

retrospectiva e prospectiva. Finalmente, (...), a sociedade

juridicamente bem ordenada torna-se uma comunidade marcada pela

prática das virtudes. 138

Os direitos garantidos pela justiça não são sujeitos à negociação

política e nem aos cálculos em nome dos interesses sociais; a verdade

e a justiça, virtudes primeiras do comportamento humano, não podem

sofrer nenhuma forma de compromisso. (J. Rawls) 139

135 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 85. 136 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 86. 137 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 92. 138 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 94. 139 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 99.

Página 37 de 193

A ética refere-se sempre à estrutura radical do ser-humano, ao núcleo

subjetivo único e intransferível: a consciência e a liberdade. 140

Além disso em eclesiástico “Deus desde o início criou o homem, e deixou-o em

mãos de seu conselho”. Diz Damasceno: “Não cabe à providencia divina corromper a

natureza, mas conserva-la”. Por isso Deus “move todas as coisas segundo as condições

das mesmas, de modo que das causas necessária por moção divina seque-se os efeitos

necessariamente (...) como a vontade é principio ativo não determinado para uma só coisa.

Mas indiferentemente se refere a muitas, Deus a move (...) livremente, como compete à

sua natureza”.

Décimo Primeiro ponto; O uso, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para

o fim141:

Diz Damasceno: “O homem põe o impulso numa ação, está chama-se ímpeto; em

seguida serve-se dela, e isso chama-se uso”. Já Agostinho “usar é referir uma coisa que

usamos a algo que deve ser obtido”, e ainda “tudo que foi feito, o foi para uso do homem,

porque a razão que lhe foi dada usa de todas as coisas julgando” e diz “usar é assumir

algo pela potência da vontade”. Segundo São Tomás “que usar, primeiro e

principalmente, pertence à vontade, sendo ela o primeiro movente; à razão, como

dirigente; às outras potências da alma, como executoras. Estas estão para vontade, pela

qual são aplicadas à ação, como instrumentos para o agente principal”. Além disso para

São Tomás “usar é aplicar um princípio da ação à ação”.

Ademais para São Tomás “o uso implica a aplicação de uma coisa a outra. Aquilo

que se aplica a outra coisa se tem na razão do que é para o fim. Logo, usar é sempre

daquilo que é para o fim. Por isso, as coisas convenientes para o fim se dizem uteis, e, às

vezes, a utilidade é chamada de uso”. Outro ponto a se tratar e se o uso precede a eleição,

e ele dá em sentido contrário Damasceno que diz “a vontade, após a eleição, impele para

a ação, e depois usa”. Diz que “A vontade tem dupla relação para com o que é. Uma,

enquanto o que é. Uma, enquanto o que é querido está de algum modo no que quer (...)

todo fim imperfeito busca a perfeição (...) o que é querido não só é para o fim, mas, aquilo

que é para o fim.”

140 PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 101. 141 Suma Teológica III p.211-217.

Página 38 de 193

Décimo Segundo ponto; A fruição que é ato da vontade142:

Diz Agostinho que “Fruir é ligar-se amorosamente a alguma coisa por si mesma”.

Para São Tomás “a fruição pertence ao amor ou prazer que se recebe da última coisa

esperada, que é o fim”. Além disso “é a vontade, como potência que move para o fim e

frui do fim atingido”. São Tomás diz que “duplo é o conhecimento do fim: perfeito e

imperfeito. Perfeito, quando não só se conhece o que é o fim e do bem, como também a

razão universal do fim e do bem; esse conhecimento é próprio somente da natureza

racional” e quando se tem um conhecimento de modo particular do fim e do bem si torna

imperfeito, pois o homem deve apreender o objeto de maneira integra.

Duas coisas pertencem à razão de fruto segundo São Tomás “que é o último, e que

aquieta o apetite por alguma doçura ou prazer. (...) é propriamente dito fruto e também o

que se frui, (...) tem em si um certo prazer, ao qual se referem algumas coisas prévias,

pode ser dito fruto de certo modo.” E Agostinho afirma “Temos a fruição das coisas

conhecidas nas quais a vontade deleitada repousa”. Outro ponto que São Tomás aborda

que existe duas maneiras de fruir uma imperfeitamente e outra perfeitamente “A

imperfeita é a fruição do fim não possuído realmente, mas só na intenção” e outra

“Perfeitamente, quando se tem não só na intenção, como também na realidade”. Para

Agostinho “Fruir é usar a coisa com alegria não só na esperança, mas na realidade” e

ademais em Agostinho fruir é “ligar amorosamente a alguma coisa por causa dela

mesma”.

Terceira seção

A vida Humana

Primeiro ponto; O fim da vida humana143:

Não pode “haver para um só homem muitos últimos fins, não ordenados entre si”

e “três razões podem indicadas para isso. Primeira: como cada um deseja a sua perfeição,

alguém deseja como último fim aquilo que deseja como sendo o bem perfeito e

completivo de si mesmo. Por isso Agostinho diz: ‘Chamamos agora fim do bem, não o

que se consome até não mais existir, mas o que se aperfeiçoa até ser plenamente’. É pois,

142 Suma Teológica III p169-176. 143 Suma Teológica III p31-112.

Página 39 de 193

necessário que o fim último preencha de tal modo todos os desejos do homem, que não

deixe nada a desejar fora dele. (...) Segunda. Como no processo da razão, é princípio

aquilo que é naturalmente conhecido, assim também no processo do apetite racional, que

é a vontade, é necessário ser princípio aquilo que é desejado naturalmente. (...) o

princípio, no processo do apetite racional é o último fim. (...) Terceiro. As ações

voluntarias recebem a espécie do fim, como acima foi dito. É necessário, pois, que do fim

último, que é comum, recebam também a razão do gênero, pois as coisas apetecíveis da

vontade, enquanto tais, estão no mesmo gênero, é necessário que o fim último seja um só.

Isso sobretudo, porque em cada gênero há um só primeiro princípio, pois o fim último

tem razão de primeiro princípio.” E “assim sendo, o fim ultimo do homem se refere de

modo absoluto a todo gênero humano, assim também se refere o último fim de um homem

para o de outro homem. Portanto, é necessário que como há naturalmente para todos os

homens um só fim último, também a vontade de cada homem se afirme em um só fim

último.”

Com efeito, a felicidade é ao mesmo tempo a mais bela e a melhor de

todas as coisas, além de a mais prazerosa. 144

É evidente que a felicidade entre os seres humanos se deve a todas

essas coisas, a algumas delas ou a uma delas, (...). Estar feliz e viver

venturosamente e bem devem consistir principalmente de três coisas

tidas como sumamente desejáveis: há quem afirme a sabedoria é o

maior dos bens; outros afirmam ser esta a virtude, e outros, o prazer.

Há quem considere discutível o grau de importância em que cada uma

dessas coisas concorre para a felicidade, tendo-o como variável,

alguns sustentando ser a sabedoria um bem superior à virtude, outros,

o oposto; sustentam outros ser o prazer um bem superior a ambas;

alguns são da opinião de que a vida feliz procede da soma de todos

eles; outros, que procede de dois deles; e outros, que consiste

exclusivamente de um entre eles. 145

Que “o homem age em vista daquilo que é causa da ação, até porque a expressão

em vista de designa relação de causa” e que “tudo que está em algum gênero deriva do

princípio desse gênero” e “ das ações realizadas pelo homem, são propriamente humanas

as que pertence ao homem enquanto homem”. Diz também que “o homem tem domínio

de suas ações pela razão e pela vontade. Donde será chamada de livre-arbítrio a faculdade

da vontade e da razão. Assim sendo, são propriamente ditas humanas as ações que

procedem da vontade deliberada”, e “o objeto da vontade é o fim e o bem. Logo, é

necessário que todas as ações humanas tenham em vista o fim.” e “que o fim, embora seja

o último na execução é o primeiro na intenção de quem age”, ademais “que se uma ação

144 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 45. 145 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 46-47.

Página 40 de 193

humana é o último fim, ele deve ser também voluntária; de outro modo não seria

humana...” e “uma ação pode ser voluntaria de duas maneiras: primeiro porque é

imperada pela vontade (...); segundo, porque procede da vontade, como o próprio querer.

É impossível que o ato que procede da vontade seja o último fim, por que o objeto da

vontade é o fim (...) assim também é impossível que o apetecível primeiro, que é o fim,

seja o próprio querer (...) logo, o que quer que o homem faça, com verdade se diz que ele

age em vista do fim, mesmo de tratando da ação que é o último fim” diz São Tomás “tais

ações não são propriamente humanas, por que não procedem da deliberação da razão, que

é o princípio próprio dos atos humanos”.

A meta da política, ou seja, qual o mais elevado entre todos os bens

cuja obtenção pode ser realizada pela ação. Verbalmente, é-nos

possível quase afirmar que a maioria esmagadora da espécie humana

está de acordo no que tange a isso, pois tanto a multidão quanto as

pessoas refinadas a ele se referem como felicidade. 146

Chamamos de absolutamente completa uma coisa sempre eleita como

uma finalidade e nunca como um meio. Ora, a felicidade, acima de

tudo o mais, perece ser absolutamente completa (...) da

autossuficiência da felicidade, pois sente-se que o bem final [e

completo] tenha que ser uma coisa suficiente em si. A expressão

autossuficiente, entretanto, nós a empregamos com referência não a

alguém só, vivendo uma vida isolada, mas também aos pais, aos filhos

e à esposa desse alguém, bem como aos amigos e concidadãos em

geral que se relacionam com esse alguém, posto que o ser humano é,

por natureza, um ser social147

E que “a vontade se move para o fim que ausente quando o deseja, e que é presente

quando ele se deleita descansando. É claro que o mesmo desejo do fim não é a consecução

do fim, mas é um movimento em direção ao fim. O prazer chega à vontade, pelo fato de

o fim estar presente.” E “no princípio queremos o fim inteligível. Conseguimo-lo

mediante o ato do intelecto que o faz presente. Em seguida a vontade gozosa descansa no

fim já possuído”. Diz Agostinho “a bem-aventurança é o gozo da verdade”. São Tomás

“a essência da bem-aventurança consiste em ato da inteligência”.

Todos associam a felicidade de três tipos de vida: à vida política, à

filosófica e à do gozo sensual. 148

A essência da felicidade. Concorda-se ser esta o mais grandioso e

melhor entre os bens humanos. 149

Ademais “é necessário que todo agente aja em vista do fim(...) portanto, para que

produza um efeito determinado, é necessário que esteja determinado a algo certo que

tenha a razão de fim. Esta determinação, como na natureza racional faz-se pelo apetite

146 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 40. 147 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 48. 148 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 53. 149 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 56.

Página 41 de 193

racional, que se chama vontade; nas outras faz-se pela inclinação natural que se chama

apetite natural. (...) os que são dotados de razão movem-se para o fim, porque têm

domínio de seus atos pelo livre-arbítrio, que é faculdade da vontade e da razão.” E

também escreve “o homem, quando conhece por si mesmo age em vista do fim, conhece

o fim. (...) ordenar-se ao fim é próprio daquele que por si mesmo age em vista do fim (...)

o objeto da vontade é o fim e o bem universal. Donde não pode existir vontade nas coisas

que carecem de razão e intelecto, porque eles não podem apreender o universal. Nelas há,

porém, o apetite natural ou sensitivo, determinado a um bem particular. É claro que as

causas particulares são movidas pela causa universal, assim como o governo de uma

cidade, que busca o bem comum. Por sua ordem movimenta todos os ofícios particulares

da cidade.” Diz agostinho “de acordo com o fim culpável ou louvável, as nossas obras

são culpáveis ou louváveis.” E São Tomás “cada coisa recebe a espécie do ato, e não da

potência.” E “a vontade está na razão”, e “não só o intelecto, mas também a natureza age

em vista do fim”. Na suma “como o movimento de certo modo distingue em ação e

paixão, uma e outra recebem a espécie do ato: a ação do ato que é princípio de agir; a

paixão, do ato que é termo do movimento” seguindo a mesma linha de raciocínio “por

isso, é claro que o princípio dos atos humanos, enquanto são humanos, é o fim que é

igualmente o termo dos mesmo (...) como Ambrósio diz: ‘os costumes são propriamente

chamados humanos’, os atos morais propriamente recebem a espécie do fim. Pois se

identificam os atos morais e atos humanos.” E para São Tomás “o homem é naturalmente

o princípio de seus atos pelo intelecto e pela vontade”.

Entendemos por uma coisa autossuficiente aquela que simplesmente

por si só torna a vida desejável e de nada carente: e julgamos ser essa

coisa a felicidade. 150

A felicidade, portanto, uma vez tendo sido considerada alguma coisa

final [completa] e autossuficiente, é a finalidade visada por todas as

ações151

E “que o fim não é algo totalmente extrínseco ao ato, porque se refere ao ato como

seu princípio ou como seu termo. É isso é da razão do ato, isto é, que seja de algo, quanto

à ação, e que seja para algo, quanto a paixão”, diz que “haverá, diversos atos morais

especificamente distintos, porque um será ato de virtude, outro o ato de vício. O

movimento não recebe a espécie daquilo que é termo por si. Os fins morais são acidentais

ás coisas naturais; por sua vez, a razão de fim natural é acidental à moralidade. Portanto,

nada impede que atos que são idênticos segundo a espécie natural, sejam diversos

150 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 49. 151 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 49.

Página 42 de 193

segundo a espécie moral e vice-versa.” Segundo São Tomás “Ora, nos fins há duas

ordens: ordem da intenção e ordem da execução. Em cada uma delas deve haver algo

primeiro. Aquilo que é primeiro na ordem da intenção , é como o princípio que move o

apetite. (...) Aquilo que é princípio na ordem da execução, é donde inicia a operação.” E

“o bem tem razão de fim, e o primeiro bem é o último fim” que consiste na ação.

Fica claro que a felicidade deve ser encarada como o melhor daquilo

que está ao alcance da ação de ser humano. 152

A função da virtude seria a boa vida. Isso, portanto, é o bem perfeito,

que, (...) era a felicidade.(...) (ser a felicidade o mais excelente, e os

fins e as coisas mais excelentes estarem na alma, sendo elas ou um

estado ou uma atividade), que se considerando a atividade melhor do

que a disposição, e a melhor atividade melhor do que o melhor estado,

e se consideramos que a virtude é o melhor estado, a atividade da

virtude é o mais excelente da alma. Entretanto, também constatamos

ser a felicidade o mais excelente. Portanto, a felicidade é a atividade

de uma boa alma. E (...), a felicidade é algo perfeito, (...) a felicidade

é uma atividade da vida perfeita em consonância com a virtude

perfeita. 153

Na suma “Nas coisas, porém, conexas acidentalmente, nada impede que a razão

proceda ao infinito. Isto acontece à quantidade ou ao número preexistente tomados

enquanto tais, quando se acrescenta uma quantidade ou a unidade. Por isso, nada impede

que nesses casos a razão proceda ai infinito”. Diz agostinho: “que alguns afirmaram o fim

último do homem quatro coisas: no prazer, no descanso, nos bens da natureza e na

virtude.” Escreve Agostinho: ‘é o fim do nosso bem aquilo que por sua causa são amadas

as outras coisas, mas este é o fim amado por si mesmo.’” E para São Tomás “assim como

não é necessário que alguém anda numa estrada pense para onde vai a cada passo”.

Escreve Agostinho: “todos os homens são iguais em desejarem o último fim, que é a bem-

aventurança” e em São Tomás “é necessário que seja perfeitíssimo aquele bem que é

desejado como último fim por quem tenha afeto bem disposto.” E que “entre os homens

acontecem maneiras diversas de viver, por serem diversas as coisas nas quais se busca a

razão do sumo bem”.

Ora, as coisas boas foram divididas em três classes, a saber, bens

externos de um lado, e bens da alma e do corpo de outro lado; dessas

três classes de bens, consideramos ordinariamente como bons no

sentido mais pleno e no mais elevado grau aqueles da alma. Mas são

nossas ações e o exercício ativo das funções da alma que propomos

[como sendo a felicidade]. 154

Virtualmente identificou a felicidade com uma forma de “viver bem”

ou “dar-se bem” 155

152 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 57. 153 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 69. 154 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 52. 155 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 52.

Página 43 de 193

Na suma “o fim pode ser considerado de duas maneiras, a saber, do qual e pelo qual: isto

é, a própria coisa na qual se encontra a razão de bem, e o uso ou a aquisição dessa coisa.”

Por exemplo “o fim do avaro é ou o dinheiro como coisa, ou a posse do dinheiro como

uso.” Segundo Boécio: “a bem-aventurança é o estado perfeito da junção de todos os

bens”. E para São Tomás “a bem-aventurança significa a aquisição do último fim.” E no

livro 1 da Ética “A bem-aventurança ou felicidade é o prêmio da virtude”. Em São Tomás

“O bem conveniente, se é perfeito, é a própria bem-aventurança do homem”. E que “o

fim se entende de dois modos: a coisa que desejamos conseguir, e o uso, a obtenção ou

a posse daquela coisa.” Ademais o “bem da alma não somente a potência , ou o habitus,

ou o ato, mas também o objeto, que a ela é extrínseco”.

Ora, todas as promulgações da lei objetivam ou o interesse comum de

todos, ou o dos mais excelentes, ou dos que detêm o poder, seja

devido à sua virtude ou algo do gênero, de sorte que, em um de seus

sentidos, justo significa aquilo que produz e preserva a felicidade e as

partes componentes desta da comunidade política. 156

Sabedoria produz felicidade. Ela é uma parte da virtude como um

todo e, portanto, mediante sua posse e se convertendo em ato, torna

[o ser humano] feliz. (...) a virtude [moral] assegura a retidão da meta

a que visamos ao passo que a prudência garante a retidão daquilo que

conduz a essa meta157

E que “a bem-aventurança é o sumo bem do homem, porque é aquisição ou gozo

do sumo bem”. Diz Aristóteles no livro 1 da ética: “A felicidade é a ação que procede da

virtude perfeita”. E escreve São Tomás “pertence ao último fim do homem, não como

sendo essencialmente a bem-aventurança, mas porque a ela se refere antecedentemente e

consequentemente. Antecedentemente, quando já não existem todas as coisas que

perturbavam e impediam o último fim. Consequentemente, quando o homem, já tendo

conseguido o último fim, permanece tranquilo e seu desejo aquietado”. Diz Agostinho “a

contemplação nos é prometida com o fim de todas as ações e com eterna perfeição das

alegrias”.

As coisas naturalmente prazerosas são prazerosas aos amantes do que

é nobre e, assim, são sempre ações conforme a virtude, de modo que

são prazerosas essencialmente bem como prazeres aos amantes do

que é nobre. Consequentemente, nesse caso a vida [dos amantes do

nobre] dispensa o prazer como uma espécie de apêndice ornamental,

uma vez que contém seu prazer em si mesma (...) ações conformam

à virtude devem ser essencialmente prazerosas (...) que a felicidade é

de imediato a melhor, a mais nobre e a mais prazerosas das coisas,

qualidades que não estão separadas. 158

É evidente que a felicidade também requer bens externos adicionais

(...) a felicidade exige o acréscimo da prosperidade externa, sendo

156 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 139. 157 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 199. 158 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 53.

Página 44 de 193

esta a razão de alguns indivíduos identificá-la com a [boa] fortuna (a

despeito de alguns a identificarem com a virtude). 159

E também escreve: “a bem-aventurança é a alegria que provem da verdade”. Para

São Tomás “a bem-aventurança nada mais é do que a posse do sumo bem, não pode haver

bem-aventurança sem concomitância do prazer”. E “é, pois, necessário que a bem-

aventurança do homem seja ação”. Diz o evangelho de Mateus 5,8: “Bem-aventurado os

puros de coração, porque verão a Deus”. Na Suma “a retidão de vontade é requerida para

a bem-aventurança antecedente ou concomitantemente”. Claro que a bem-aventurança

que estamos falando aqui e a da vida terrena que para São Tomás se diz “imperfeita”, mas

que para nós si tem felicidade, já se tem a posse porque como São Tomás diz “a bem-

aventurança é uma ação perfeita”, e em Aristóteles “a ação da felicidade”.

A maioria das pessoas sustentam que o prazer faz parte da felicidade,

razão pela qual a palavra que significa bem-aventurado é derivada de

regozijar-se. 160

Visto que cada um dos estados tem sua atividade livre, a atividade de

todos eles, ou de algum deles – a que é felicidade – quando livre talvez

tenha mesmo que ser a mais desejável das coisas existentes. E essa

atividade livre é prazer. Assim, o [bem] mais excelente será algum

prazer. (...) Daí todos julgarem ser a vida feliz e prazerosa,

entrelaçando prazer e felicidade, e o fazem razoavelmente, uma vez

que nenhuma atividade sobre obstrução é perfeita, quando a

felicidade o é. Eis porque o indivíduo feliz requer também as bens do

corpo. 161

Na suma “para a bem-aventurança imperfeita, como a que pode haver nessa terra,

os bens exteriores são exigidos, não como se fossem a essência da existência da bem-

aventurança mas como servindo instrumentalmente à bem-aventurança, que consiste na

ação da virtude”, no livro 1 da Ética na Suma: “o homem nesta vida precisa das coisas

necessárias para o corpo, tanto para a ação das potências contemplativas, como para a

ação das potências ativas, para as quais muitas outras coisas são exigidas pelas quais

exercem as obras da potência ativa.” E que na Suma “porque nesta vida a felicidade da

vida contemplativa mais se aproxima da semelhança daquela perfeita bem-aventurança,

que a da vida ativa”. São Tomás “as riquezas naturais são aquelas pelas quais o homem é

ajudado a compensar as deficiências naturais, como sejam, a comida, a bebida, as vestes,

os veículos, a habitação, etc. (...) São se buscam as riquezas artificiais (dinheiro) senão

por causa das naturais, pois não se buscariam, se não fosse porque por elas é comprado o

que é necessário para o uso da vida”.

159 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 54. 160 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 235-236. 161 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 240.

Página 45 de 193

A felicidade não seja a nós enviada do ceú, mas sim conquistada pela

virtude e por alguma espécie de estudo ou prática162

A felicidade é um certo tipo de atividade da alma, enquanto as boas

coisas restantes são ou meramente condições indispensáveis da

felicidade ou pertencem à natureza de meios auxiliares e

instrumentalmente úteis. 163

Segundo ponto; vida ativa e vida Contemplativa164:

Em primeiro lugar a divisão da vida ativa e vida contemplativa. Para Aristóteles

“Para os viventes, ser é viver”, para São Tomás “a alma é o princípio da ação e da

contemplação pelas suas potências”. Para Dionísio “a palavra vida implica movimento”.

Para São Tomás “a contemplação consiste antes em repouso”. Para Gregório que declara

“Duas são as formas de vida, nas quais Deus Todo-poderoso nos instrui por sua santa

palavra, a saber, a vida ativa e vida contemplativa”.

A felicidade é algo autossuficiente165

A felicidade, (...) requer tanto virtude completa quanto vida

completa166

Na Suma “como alguns homens se orientam principalmente para a contemplação

da verdade, e outros para as ações exteriores.” E que “pode dizer que a vida de cada

homem parece ser aquilo em que se compraz de modo supremo” e “o próprio contemplar

é um certo movimento do intelecto” e para Dionísio determina “três movimentos de uma

alma contemplativa: reto, circular e oblíquo (espiralado)”. São Tomás “que todo meio-

termo é feito pela combinação dos extremos é, por isso, já está virtualmente contido neles

(...) todas as atividades humanas ordenadas a atender às necessidades da vida presente

segundo a reta razão, pertence a vida ativa, cujo papel é de prover a essas necessidades

por meio das ações adequadas. Ao passo que, quando são postas a serviço de qualquer

concupiscência, se enquadram na vida voluptuosa, que não faz parte da vida ativa.” E que

“a vida voluptuosa por fim no deleite corporal, que nós é comum com os animais. Por

isso o Filosofo a qualifica de ‘vida animal’”.

De excelência máxima ao sustentar que o fato de o prazer,

embora sendo um bem, não ser louvado, é indicativo de que

ele é superior às coisas que louvamos, tal como são Deus e

o Bem, porque eles são os padrões aos quais tudo o mais é

referido (...) a felicidade é uma coisa avaliada e perfeita, o

que parece ser corroborado pelo fato de ser ela um primeiro

162 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 55. 163 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 55. 164 Suma Teológica VII p577-629. 165 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 262. 166 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 56.

Página 46 de 193

princípio ou ponto de partida, uma vez que todas as outras

coisas feitas por todos são feitas em função dela; e

concordamos que aquilo que é o primeiro princípio e causa

das coisas boas é algo valioso e divino. 167

A virtude que temos que considerar é claramente a virtude

humana, visto que o bem e a felicidade que nos dispomos a

buscar foram o bem humano e a felicidade humana. Mas a

felicidade humana significa, a nosso ver, excelência de

alma, não excelência do corpo; em coerência com isso

definimos, a propósito, a felicidade como uma atividade da

alma. 168

Trataremos agora da vida contemplativa. Para Gregório que a vida contemplativa

consiste em “abster-se da ação exterior” e que “a vida contemplativa consiste em guardar

com toda a alma a caridade para com Deus e o próximo e a entregar-se completamente

ao desejo do Criador” e “caridade por Deus”. Para São Tomás “porque esse amor nos faz

arder no desejo de contemplar Sua beleza. E, como cada um se deleita quando alcança o

objeto amado, o termo da vida contemplativa é o deleite, que brota da vontade. E é o que

faz com que o próprio amor se torne mais intenso” o prazer e concomitante a vida

contemplativa.

Que todas as coisas lícitas são justas num sentido da

palavra, pois aquilo que é legal é decidido pela legislação e

às várias decisões desta denominamos regras de justiça.

Ora, todas as várias promulgações da lei colimam ou

interesse comum de todos, ou o interesse dos mais

excelentes, ou o interesse dos que detêm o poder, ou algo

do gênero, de sorte que, em um de seus sentidos, o termo

“justo” e aplicado a qualquer coisa que produz e preserva a

felicidade, ou as partes componentes da finalidade da

comunidade política (...) A justiça, (...) é virtude perfeita,

ainda que com uma qualificação, a saber, que é exibida aos

outros [e não no absoluto]. 169

A sabedoria produz felicidade (...) a sabedoria é uma parte

da virtude como um todo e, portanto, através de sua posse,

ou melhor, através de seu exercício, torna o ser humano

feliz. Também a prudência, tal como acontece com a virtude

moral, determina o desempenho completo da função

própria do homem. A virtude [moral] assegura a retidão do

fim a que visamos, enquanto a prudência garante a retidão

dos meios a serem utilizados para atingir esse fim. 170

E tem-se a autoridade de São Tomás “as virtudes morais não pertencem à vida

contemplativa”, que ele responde “Há dois modos de pertencer à vida contemplativa;

como elemento essencial ou como disposição prévia. Essencialmente, as virtudes morais

não pertencem á vida contemplativa, cujo o fim é a contemplação da verdade. Ora, ensina

filósofo, ‘o saber, que se refere à consideração da verdade, te muito pouco importância

167 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 61. 168 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 62. 169 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 147. 170 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 196.

Página 47 de 193

quando se trata de exercer as virtudes morais’. E, por isso, ele mesmo acrescenta, as

virtudes morais pertencem à felicidade ativa, não a contemplativa. Mas como disposição

previa, as virtudes morais pertencem a vida contemplativa. (...) Ora, as virtudes morais

refreiam as paixões e acalmam o tumulto das ocupações exteriores. (...) e sobretudo a

temperança, que reprime as concupiscências que mais obscurecem a luz da razão”.

O prazer é necessário adjunto da felicidade, razão pela qual a palavra

que indica a bem-aventurança é derivada do verbo que significa

desfrutar, regozijar-se. 171

Toda faculdade tem sua atividade livre (desimpedida), a atividade de

todas as faculdades, ou de uma delas (aquela que constitui a

felicidade), quando desimpedida, deverá ser provavelmente a mais

desejável das coisas existentes; mas uma atividade livre é um prazer.

Assim, o bem mais excelente será um tipo particular de prazer, (...)

eis a razão porque todos pensam ser a vida feliz uma vida prazerosa e

encaram o prazer como um ingrediente necessário da felicidade – e

isso com justa razão, uma vez que nenhuma atividade obstada é

perfeita, enquanto a felicidade é essencialmente perfeita. 172

Ricardo de São Victor distingue os atos da vida contemplativa em “contemplação,

meditação e cogitação” e que “a contemplação é a intuição penetrante e livre que o

espirito tem das coisas que considera; a meditação é o olhar do espírito todo ocupado em

busca da verdade; e a cogitação é a reflexão do espirito, ainda susceptível de divagação”.

Em agostinho “especulação” pode-se referir a “meditação”, outro ponto é a “admiração”.

Para São Tomás “é necessária a ‘oração’ quando se trata do que o homem recebe de Deus

(...). para aquilo que recebe dos homens, é necessária a ‘audição’, se trata de um

ensinamento oral, e a ‘leitura’, se é por escrito que lhe vem esse ensinamento. – o segundo

modo é aplicando seu próprio esforço. E, neste caso, é necessária a ‘meditação’”.

A felicidade é uma forma de atividade e uma atividade é

claramente algo que vem a ser e não algo que possuímos o

tempo todo, como um item de propriedade. Mas se a

felicidade consiste na vida e atividade – e a atividade de um

homem bom, como afirmamos no início, é boa prazerosa

em si mesma, e se o sentido de que uma coisa nos pertence

é também prazeroso. (...) de modo que os indivíduos bons

encontram prazer na ação de outros indivíduos bons que são

seus amigos, (...) o homem sumamente feliz necessitará de

bons amigos na medida em que deseja contemplar ações

que sejam boas e que lhe sejam próprias. 173

Gostar ou desgostar das coisas das quais é certo gostar ou

desgostar é considerado um elemento de máxima

importância na formação de um caráter virtuoso. O prazer e

a dor se estendem ao longo da existência inteira e exercem

muito peso e influência na virtude e na felicidade, visto que

os seres humanos elegem o prazeroso e se esquivam do

171 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 225. 172 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 229. 173 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 283.

Página 48 de 193

doloroso (...) a maioria dos seres humanos (...) têm um

pendor para o prazer (...) esses seres humanos têm que ser

impulsionados na direção oposta a fim de atingirem a

devida mediania. 174

Trataremos agora da vida ativa. Primeiro ponto em São Tomás é que “a vida ativa

parece consistir unicamente na vida de relações com os outros”. Isidoro escreve: “É

preciso primeiro extirpar a totalidade dos vícios pelo exercício das boas obras, na vida

ativa, para depois passarmos à contemplação de Deus, na vida contemplativa, com a alma

já bem purificada”. Para São Tomás “não se extirparão todos os vícios a não ser pelos

atos das virtudes morais. Logo a vida ativa implica os atos dessas virtudes”.

Aquele prazer ou aqueles prazeres pelo(s) qual(ais) a

atividade (ou as atividades) do homem perfeito e bem-

aventurado é (são) aperfeiçoada(s) que deverá(ao) ser

declarado(s) humano(s) no sentido estrito e mais pleno. (...)

felicidade, porquanto consideramos ser isso o fim da vida

humana. (...) classificar a felicidade como alguma forma de

atividade, (...) felicidade deve ser classificada entre as

atividades desejáveis em si mesmas. 175

Na Suma “A vida ativa (...) e a atividade exterior, que é o fim da vida ativa. Ora,

é manifesto que as virtudes morais não buscam principalmente a contemplação da

verdade, mas se ordenam à ação. (...) por conseguinte, é evidente que as virtudes morais

pertencem essencialmente à vida ativa.” E logo adiante “que a mais importante das

virtudes morais é a justiça, que nos ordena ao próximo”. E ademais “- não obstante, pode-

se dizer que a vida ativa é disposição para a contemplativa.”

Se presume que entretenimentos constituem um

componente da felicidade. (...) considera-se que a vida que

se conforma à virtude é uma vida feliz; mas a vida virtuosa

envolve sérios propósitos e não consiste em entretenimento.

(...) mas em atividades que se conformam com a virtude.

(...) a felicidade consiste na atividade de acordo com a

virtude, é razoável que seja atividade de acordo com a

virtude maior, e esta será a virtude da melhor parte de nós.

(...) é a atividade dessa parte de nós em harmonia com a

virtude que lhe é própria que consistirá a perfeita felicidade

(...) (uma vez que o intelecto é o que há mais superior em

nós e os objetos com os quais o intelecto se ocupa são as

coisas mais elevadas cognoscíveis) e também é a mais

continua, pois somos capazes de pensar com mais

continuidade do que somos capazes de executar qualquer

ação. Outrossim, supomos que a felicidade deva encerrar

um elemento de prazer; ora, a atividade que se harmoniza

com a sabedoria é, reconhecidamente, a mais prazerosa das

atividades que se harmonizam com a virtude. (...) as

atividades morais são puramente humanas – quero dizer, a

justiça, a coragem e as outras virtudes são manifestadas por

nós através do nosso relacionamento com nossos

174 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 291. 175 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 304.

Página 49 de 193

semelhantes, quando observamos o que é devido a cada um

nos contrato e prestação de serviços e em nossas várias

ações, bem como em nossas paixões (...) a felicidade

pertinente ao intelecto é independente, (...) na virtude, se o

propósito ou a realização, uma vez que se afirma depender

dela de ambos. Ora, a perfeição da virtude claramente

consistirá em ambos, mas a realização de ações virtuosas

requer muito equipamento externo, e quanto mais for assim,

mais grandiosas e mais nobres serão as ações. (...) a vida de

atividade virtuosa será essencialmente uma vida feliz. (...)

o homem sábio é o mais feliz (...) a lei, por outro lado, é

uma regra que emana de uma certa sabedoria e inteligência

e que possui força de coação. Os homens são detestados

quando se opõem às inclinações dos indivíduos, ainda que

o façam corretamente. (...) Regras públicas, em todos os

casos, têm evidentemente que ser estabelecidas pela lei e

somente boas leis produzirão boas regulamentações. (...)

{lembrando que Aristóteles era filosofo e o fim dele é

especular, e já se foram todas as especulações sobre Deus e

suas causas e ao mesmo tempo relativizando esses

conceitos. Para nós o fim são os entretenimentos e as ações

retamente deliberadas (como o ensino), também por se

tratar de épocas diferentes, pois naquela época a razão era

de abrangência advinda razão particular dos sábios, e na

nossa época temos a reta razão universal aonde temos uma

vontade moral autolegislativa, uma vez que atingimos a

realidade empírica da natureza das coisas animadas, que

suprime o fim da especulação, e dos conflitos ontológicos

de forma e matéria, razão e desejo, alma e corpo. Vejo esse

fim nos dias de hoje a respeito da matéria que pode ser tanto

“cordas” como “átomos”.} 176

Outro ponto é se a prudência faz parte da vida ativa. Para São Tomás “o que se

ordena a outra coisa como a seu fim, sobretudo em matéria de moral, passa a pertencer à

espécie daquilo, passa a pertencer à espécie daquilo que se ordena. (...) ora é manifesto

que o conhecimento da prudência se ordena às operações das virtudes morais como a seu

fim (...) ela é ‘a reta razão do que se deve fazer’. Eis por quê, os fins da virtude morais

são os ‘princípios da prudência’ (...) Túlio na suma escreve: ‘quem puder, com penetração

e rapidez, descobrir a verdade e explicar-lhe a razão, será tido justamente como

prudentíssimo e sapientíssimo’. Por tanto deve-se dizer que as operações morais se

especificam pelo fim. (...) a prudência é considerada como um meio termo entre as

virtudes intelectuais e as morais, enquanto ela tem o mesmo sujeito que as virtudes

intelectuais exatamente a mesma matéria que as virtudes morais.”

Terceiro ponto trataremos do ensino que é próprio da vida ativa. Gregório

escreveu “a vida ativa consiste em dar pão a quem tem fome e, pela palavra da sabedoria,

ensinar o ignorante.” E São Tomás “o ato de ensinar tem duplo objeto, já que se realiza

por meio da palavra, sinal audível do conceito interior. O ensino tem por primeiro objeto

176 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 305-319.

Página 50 de 193

a matéria ou o objeto do conceito interior. E, segundo este objeto, o ensino pertence ora

à vida ativa, ora á contemplativa. À ativa, quando o homem concebe interiormente,

alguma verdade, para por meio dela, dirigir sua ação exterior. E pertence à contemplativa,

quando o homem pensa interiormente uma verdade inteligível, em cuja consideração e

em cujo amor se deleita”

Segunda Parte

Primeira Seção

Do Direito e Da justiça

Primeiro Ponto; O direito177:

Em primeiro lugar se o direito é o objeto da justiça. Na suma o jurisconsulto Celso

diz “o direito é a arte do bem e da equidade”, e “a lei”, como diz Isidoro “é uma espécie

do direito”. Diz Agostinho “A justiça é um amor votado somente ao serviço de Deus, e,

por isso, orienta bem tudo quanto está sujeito ao homem” e “O sagrado”, diz Isidoro, “é

a lei divina, o direito, a lei humana”. Isidoro esclarece “o direito (jus) é assim chamado

porque é justo” e para São Tomás “justo é o objeto da justiça”. E na suma Aristóteles

“Todos concordam em dar nome de justiça ao hábitus que nos leva a praticar coisas

justas”.

“prescrevem as leis sobre toda sorte de assuntos, e elas têm

em vista a utilidade comum, seja de todos os cidadãos, seja

dos melhores, seja somente dos chefes designados em razão

de seu valor ou de outro critério análogo; por consequência,

de certo modo, denominamos justas todas as ações que

tendam a produzir ou conservar a felicidade e seus

componentes para o comunidade política.” (...) as leis são

feitas no interesse comum de todos os cidadãos ou, ao

menos, no da aristocracia. Entretanto, como cada forma de

governo comporta possibilidade de um “desvio”, daí

sobrevindo a tirania, a oligarquia ou a demagogia, sucede

que a lei passe a preocupar-se somente com o interesse dos

dirigentes, sem atentar ao modo bom ou mau (legítimo ou

ilegítimo) pelo qual hajam sido investidos no poder. Ao

“desvio” da constituição seque-se o extrativo do autêntico

escopo da lei. 178

177 Suma Teológica VI p45-54. 178 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 13.

Página 51 de 193

O atropelo em que, muitas vezes, são feitas as leis, exprime

a enganadora convicção de que sua profusa criação irá

resolver os problemas sociais. Isto, na verdade, não ocorre.

Apenas introduz-se um elemento de perturbação

suplementar na sociedade – a superabundância de leis, sem

ressonância popular e, por isto mesmo, de escassa força

moral. 179

“A justiça é idêntica à virtude, mas a essência de uma e de

outra não é a mesma: enquanto concerne nossas relações

com outrem é justiça, e enquanto hábito puro e simples, é

virtude”. 180

A justiça legal como coextensiva a toda a virtude – à

condição que não haja um desvio da constituição e que as

leis sejam corretamente estabelecidas. 181

Para São Tomás “Entre as demais virtudes, é próprio à justiça ordenar o homem

no que diz respeito a outrem. Implica, com efeito, uma certa igualdade, como seu próprio

nome indica, pois se diz comumente: o que se iguala se ajusta. Ora a igualdade supõe

relação a outrem. As demais virtudes, ao contrário, aperfeiçoam o homem somente no

que toca a si próprio.”

“Enquanto é possível ser um homem honesto em qualquer

lugar, a qualidade de bom cidadão se refere à constituição

sob o qual vive o homem” 182

O Estado, em nossa experiência, é um guardião de direitos

e deveres. 183

Toda vez que o Estado moderno tem tendido a este fim de

abarcar e regular toda vida, exorbitando de suas funções, o

resultados tem sido o estabelecimento do totalitarismo de

variados matizes, que, sobre, ser incompatível com a

dignidade e liberdade humanas, não se compadece com a

pluralidade cultural e ideológica indispensável ao autêntico

progresso que permite ao homem acrescer sua humanidade

no inter-relacionamento com seu semelhante. 184

O fim primeiro e fundamental da justiça não se acha na ideia

de liberdade, mas na de ordem, de tal sorte que aquela

apenas se justifica na medida em que serve à realização

desta. Consequência desta posição é a primazia da lei e a

necessidade de conferir-lhe fundamento ético. “Consideram

o Estado e a ordem por ele estabelecida como o ambiente

da vida moral, como a encarnação de todas as virtudes”, daí

decorrendo a preocupação e esforço na busca da melhor

forma de “Estado”, embora, nele, o indivíduo praticamente

se dissolva. 185

E “assim, pois nas atividades das outras virtudes, a retidão visada pela intenção

virtuosa como seu objeto próprio só tem em conta o agente. A retidão, porém, na ação da

justiça, mesmo sem considerar a referência ao agente, se constitui pela relação com outro.

179 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 14. 180 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 15. 181 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 18. 182 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 20-21. 183 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 22. 184 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 22-23. 185 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 23.

Página 52 de 193

Com efeito, temos por justo em nosso agir aquilo que corresponde ao outro, segundo uma

certa igualdade, por exemplo, a remuneração devida a um serviço prestado.”

Escreve Del Vecchio: “para Aristóteles, como para Platão,

o maior bem é a felicidade, fruto da virtude”. 186

Porque o homem, quando perfeito, é o mais excelente dos

animais; quando afastado da lei e da justiça é o pior de

todos. (...) mas virtude é da essência da sociedade civil

porque a administração da justiça é a própria ordem da

comunidade política, pois é uma discriminação do que é

justo. 187

Os democratas fazendo-o consistir na liberdade, os

oligarcas na riqueza ou na nobreza advinda do nascimento,

e os aristocratas na virtude. Tem-se, pois, que a justiça

distributiva há de ter em conta o valor das pessoas – seu

mérito188

O que há de mais importante (o fim de ordem moral que

determinou a fundação da cidade). Os homens se associam

“tendo em vista a vida feliz (isto é, virtuosa)”. 189

E “em consequência, o nome de justo, que caracteriza a retidão que convém à

justiça, dá-se àquilo que a ação da justiça realiza, sem levar em conta a maneira de

proceder de quem age. Nas outras virtudes, ao contrário, a retidão é determinada tão

somente pela maneira de proceder de quem age. Eis por quê, de modo especial e acima

das outras virtudes, objeto da justiça é determinada em si mesmo e é chamada justo. Tal

é precisamente o direito. Torna-se, assim, manifesto que o direito é o objeto da justiça”.

Com efeito, “a Estado é a comunidade do bem-viver, tanto

as famílias quanto para os agrupamentos de famílias, tendo

escopo uma vida perfeita e autárquica” e “a comunidade

política existe para que se possa realizar o bem e não

somente a vida social. Tal a razão por que aqueles que

contribuem de modo mais significativo a uma sociedade,

fundada sobre tais bases, têm, nela, uma parte maior do que

aqueles que, lhes sendo iguais ou mesmo superiores em

liberdade ou em nascimento, são desiguais em virtude

cívica, o mesmo sucedendo com aqueles que, lhes sendo

superiores em riqueza, são inferiores em virtude.” 190

O Estado a comunidade do bem-viver e tendo por finalidade

a realização do bem. 191

René Maheu de que “a justiça só tem sentido quando sua

reivindicação abrange a totalidade da condição humana”. 192

186 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 23. 187 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 24-25. 188 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 27-28. 189 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 29. 190 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 29. 191 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 29. 192 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 34.

Página 53 de 193

Há duas espécies de igualdade: a igualdade puramente

numérica e a igualdade segundo o mérito (ou proporcional)

193

E que “também a palavra direito foi empregada primeiramente para significar a

própria coisa justa; em seguida, estendeu-se à arte de discernir o que é justo;

ulteriormente, passou a indicar o lugar onde se aplica o direito ao dizer, por exemplo,

alguém comparece ao júri”. E que “quando escrita, dá-se-lhe o nome de lei. Pois, a lei,

segundo Isidoro, é uma constituição escrita. Por isso, a lei não é propriamente o direito,

mas regra do direito”. E “finalmente, chama-se direito o que foi decidido por quem exerce

a justiça, embora seja iníquo o que foi decidido.” E que “a lei diz respeito ao bem comum

da cidade e do reino”.

É impossível definir o direito, mesmo tão só o direito

positivo, a não ser como uma ordem estabelecida com

finalidade de servir à justiça. Todavia, não é só no caso

extremo da impossibilidade do poder o juiz dirimir os

litígios que lhe são apresentados segundo elementares

critérios de justiça que se apresenta o problema da lei

injusta194

Interpretando e aplicando a lei (...) que naturalmente deparam com a

possível inadequação entre normas legais e os fatos a que são

prepostas. 195

O interprete da lei, seja ele o juiz ou qualquer outro, encontra solução

capaz de ensejar a harmonia social. 196

Tendo que “decidir com justiça casos particulares com base em

normas gerais”, defronta-se o juiz com três ordens de problemas: 1º)

– o problema da relação da norma jurídica com a decisão concreta

particular (que significa aplicar uma norma jurídica?). 2°) – o

problema das lacunas do direito (como se comporta a norma concreta

em faze da viva multiplicidade da vida social?). 3°) – o problema do

direito judicial valorativo (até que ponto pode o juiz decidir contra a

lei?). é o último aspecto que interessa à colocação da problemática da

lei injusta em uma perspectiva pragmática, ligada à solução das

questões jurídicas concretas. Põe-se esta situação sempre que “em um

caso particular, o direito positivo e a justiça entram em irredutível

contradição”. Tal é o que sucede quando existe “uma norma de direito

positivo precisamente para o caso dado, mas essa norma é em si

mesma injusta ...”. 197

Discorreremos si é conveniente a divisão do direito em natural e positivo. Para

Aristóteles afirma: “‘no direito político, um é natural, outro legal’, isto é posta por lei”.

Para São Tomás “o direito ou o justo vem a ser uma obra ajustada a outrem, segundo certo

modo de igualdade”. E que “1. em virtude da natureza mesma da coisa. Isso se chama

direito natural. 2. Por convenção ou comum acordo. (...) o que se pode dar de dois modos:

primeiro, por uma convenção particular, quando pessoas privadas firmam entre se um

193 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 37. 194 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 119. 195 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 119. 196 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 120. 197 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 121.

Página 54 de 193

pacto; segundo, por uma convenção pública, quando o povo consente que algo seja tido

como adequado ou proporcionado a outrem, ou assim o ordena o príncipe, que governa o

povo e o representa. Isso se chama direito positivo”, {mas agora falando propriamente

uma constituição deve ser regida pelos primeiros princípios da lei natural e do direito das

gentes ao qual falaremos mais adiante, ou seja, regimentar os ofícios, as instituições, os

tributos, a administração, os crimes e o comercio, e garantir os bens} “a vida, a

integridade física, a liberdade e os bens exteriores.” 198

“o juiz tem que decidir com justiça inclusive contra o direito positivo.

Isto deriva da essência da sua posição” (...) Daí a necessidade de

colocarem-se limites ao direito judicial, redutíveis a três máximas:

“Na medida do possível deve o juiz aspirar a uma síntese de justiça e

direito positivo. Do que se seque que, antes de negar-se a obedecer a

uma norma positiva, tem que examinar cuidadosamente se essa norma

não é defensável sob qualquer ponto de vista de justiça, mesmo que o

legislador não o tenha tido em conta. O juiz não tem obrigação de

desobedecer a lei senão quando ela se encontra em clara contradição

com princípios de justiça cognoscíveis, vale dizer, muito

especialmente quando a lei descansa em considerações de

arbitrariedade. Tem o juiz que considerar tanto a multiplicidade de

perspectivas da justiça, seus diversos aspectos possíveis, quanto a

circunstância de que nossa intelecção da ideia do direito é limitada,

deixando, por isso mesmo, um amplo campo à livre decisão do

legislador. Por último, deve o juiz limitar-se ao caso presente. A

decisão justa do caso particular, segundo os princípios do direito,

constitui sua verdadeira obrigação e, simultaneamente, o fundamento

inarredável de sua resistência ao direito positivo em caso em injustiça

material deste.” 199

Também é preciso enfatizar que não pode o juiz decidir qualquer

questões segundo critérios de justiça pessoais, distanciados do direito

positivo, dos princípios gerais de justiça, das exigências do caso

concreto e do sentimento comum prevalente entre seus concidadãos.

200

Há que considerar-se as circunstâncias do caso concreto e os

“correspondentes setores populacionais”, que “podem sem dúvida ser

sempre aqueles setores da população cujo juízo é aceito com válido

por cada ordem estatual e jurídica”. Consultará o juiz seu sentimento

ético, com cuidado de não se afastar demasiado desses setores, a

ponto de achar-se isolado em sua concepção. “se o juiz se sabe

inteiramente fora daquele setor populacional que, por força do

Direito, representa o padrão ou o critério” (...) Há, pois, concepções

sociais dominantes apreensíveis pelo juiz. Não pode ele, ao decidir,

ignorar os padrões ou critérios que delas advêm, em favor de suas

concepções pessoais. Sua atividade há de inserir-se no contexto

social, cujas ideias, valores e sentimentos não lhe é dado ignorar. Mas,

se há de aferir as concepções sociais dominantes, seria fantasioso

pretender que abandone de todo ser critério e formação pessoais. Isto

equivaleria a pretender-se que, ao julgar, se despoje de sua

individualidade para tão só chancelar o sentimento social prevalente.

Esta postura é psicologicamente insustentável, visto que, no

desempenho de sua função, não deixa o juiz de ser homem e nem pode

abandonar sua formação pessoal. Mas é ela, ademais,

doutrinariamente temerária, pois, na medida em que se pretende e se

insiste que os dados pessoais do julgamento devem ser inteiramente

198 Suma Teológica VI p597. 199 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 122. 200 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 123-124.

Página 55 de 193

postos de lado, entra-se, a pretexto da objetividade do julgamento, na

canoa positivista, como sucedeu na Alemanha nacional-socialista em

que as concepções sociais dominantes eram justamente aquelas que

não guardavam qualquer consonância com a justiça. 201

A necessidade de preparo do juiz para fazer face ao imprevisto,

advindo tanto do legislativo ilegítimo quanto do social ensandecido.

(...) eis que a atividade legislativa, desviada dos objetos maiores da

harmonia social, é, frequentemente, reflexo, de situações sociais

insustentáveis. 202

E “que a vontade humana, por uma convenção comum, pode tornar justa uma

coisa entre aquelas em que nada se oponham à justiça natural. Tal é o lugar do direito

positivo”. Aristóteles “o justo legal é aquilo que, antes, não importava ser de um outro

modo. Porém, importa, sim, depois de estabelecido”. Para São Tomás “mas, se algo, de

si mesmo, se opõe ao direito natural não se pode tornar justo por disposição da vontade

humana. (...) no livro de Isaías 10,1: ‘Ai daqueles que estabelecem leis iníquas’”.

Trata-se das exigências da justiça perceptíveis na sociedade e

compatíveis com a dignidade humana. 203

A retificação do justo rigorosamente legal é, em nosso tempo, um

poder inseparável da função judicante, face à mutação dos fatos e suas

nuanças, ao surgimento de novas necessidades, à consciência

progressivamente maior dos valores imanentes à vida humana. (...) é

sensato deixar-se ao juiz espaço aberto para julgar com equidade,

reconhecimento e atendendo às novas realidades que não cessam de

emergir, abrindo, ao mesmo passo, o caminho para a conveniente

elaboração legal. (...) a equidade tem precisamente por missão intervir

nas “espécies duras” (hard cases) quando, em razão de sua

generalidade, o direito estrito cai duramente (it bears too hard) sobre

espécies particulares. 204

A lei é síntese de racionalidade e subjetividade, de natureza e

artificialidade, não se justificando por si próprio, encontrando seu

fundamento na ciência política, que fornece os princípios capazes de

determinar a melhor legislação. 205

E que diz o jurisconsulto na suma: “o direito das gentes e utilizado por todas as

nações humanas” e que para o jurisconsulto Gaio na Suma: “Aquilo que razão natural

estabelece entre todos os homens, todas as nações o observam, e chama o direito das

gentes”, {na época de São Tomás o direito das gentes era somente de razão, ou seja, não

tinha uma instituição internacional que ditava os, direito da gente, que nem se hoje tem a

carta dos direitos humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU).} E para São

Tomás “a razão natural dita o que pertence ao direito das gentes, levando em conta sua

afinidade com a equidade”.

A variabilidade das leis, de um para outro povo, não o impede de

considerá-las naturais. “por isto corrige o critério no início invocado:

201 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 124-126. 202 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 126. 203 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 128. 204 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 133. 205 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 136.

Página 56 de 193

se é verdade que a natureza divina é imutável, e que a natureza física

é, em toda parte, a mesma (...) o mesmo não sucede com a natureza

humana, que se caracteriza por sua plasticidade e, ao mesmo dentro

de certos limites, por sua indeterminação. A variabilidade não é,

portanto, um critério de não naturalidade da mesma forma que a

uniformidade não é um critério de conformidade à natureza: mesmo

que todos os homens fossem educados de maneira a torna-se

ambidestros, isto não seria natural. O verdadeiro direito natural é,

portanto, aquele que se adapta a uma natureza humana

eminentemente variável: a universalidade abstrata que pretenderia.” 206

Tal o essencial do texto da Ética a Nicômaco relativo à justiça natural,

cuja análise, desde logo, revela, seguramente, os seguintes pontos: 1°)

inexistências de oposição entre o justo legal e o justo natural, embora

sendo ambos distintos e situados no interior do justo político; 2°)

inexistência de oposição entre lei e natureza; 3°) variabilidade de tudo

o direito; 4°) maior estabilidade ou permanência das normas

integrantes do justo natural relativamente àquelas pertinentes ao justo

legal. 207

Termina-se por esquecer que uma ordem jurídica vale quanto valem

as relações sociais à sua por elas tutelados. Da cisão entre leis e as

relações sociais à sua origem resulta a consideração da lei em si e a

onipotência do legislador. Para que o esquema, assim concebido, se

articule, sugere-se, sutilmente, que o juiz seja o aplicador dócil das

leis feitas por obra e graça dos detentores do poder, cuja forma de

investidura e consonância com o bem comum não são jamais

questionadas, mas tidas aprioristicamente como metajurídicas. 208

Segundo ponto; As Partes Potênciais da Justiça209:

A primeira coisa que deve-se considerar é o significado de potencial, que significa

potência para o ato, ou seja, o que tem o disposição para a ação, que move a virtude. Para

São Thomaz “relativamente às virtudes anexas a uma principal, deve-se considerar: 1°)

que essas virtudes devem ter algo comum com a principal; 2°) que lhes falta algo da

virtude principal na sua perfeita natureza. Como a justiça é uma virtude que se refere ao

outro,(...) todas as virtudes referentes ao outro poderão ser anexadas à justiça por esse

mesmo motivo. É da essência da justiça dar ao outro o que lhe é devido, de modo

equitativo”.

Onde não existe propriedade, não existe injustiça; e não

existe propriedade onde não existir um poder coercitivo instituído,

ou seja, onde não existir Estado, pois [nesse caso] todos os homens

têm direito a todas as coisas: portanto, onde não existe Estado, nada

é injusto. De modo que a natureza da justiça consiste em respeitar

os pactos válidos, mas a validade dos pactos só tem princípio com

a constituição de um poder civil suficiente para obrigar os homens

a mantê-los; e é então que a propriedade também tem um princípio. 210

206 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 139. 207 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 140. 208 AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 142. 209 Suma Teológica VI p270-276. 210 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 112

Página 57 de 193

E se não é contra a razão não é contra a justiça ou, do

contrário, a justiça não deve ser aprovada como um bem.(...) o

obteve o nome de virtude, e alguns que não admitiam a violação da

promessa em todas as outras circunstâncias admitiam-na, todavia, quando era [realizada].211

a justiça, ou seja, a manutenção dos pactos, é um preceito da

[mesma] razão que nos proíbe fazer qualquer coisa que lese nossa

vida e, por conseguinte, é uma lei natural. [Por outro lado,] há

alguns que vão muito além e que sustentam que a lei natural é

constituída por aqueles preceitos que conduzem não à preservação

da vida terrena do homem, mas à obtenção, após a morte, de uma

felicidade eterna, à qual consideram que pode conduzir à violação

dos pactos e que, por conseguinte, é coisa justa e razoável (tais são

aqueles que consideram um obra meritória matar, depor ou revoltar-

se contra o poder soberano, constituído acima deles com seu

consenso).(...) a traição da promessa não pode ser chamada de um preceito de razão ou de natureza. 212

Das quais enumera São Thomaz, a religião, a piedade (que é o sustento aos pais),

o respeito, a dulia, a obediência, a gratidão, a verdade, a amizade, a liberalidade e a

epiquéia. Das quais vamos tratar para o problema de pesquisa e o objetivo desta

dissertação que é a contemporaneidade as virtudes da gratidão, da verdade, da amizade e

da epiquéia.

Os nomes de justo e injusto, quando atribuídos aos homens,

significam uma coisa e, quando atribuídos às ações, significam

outra. Quando atribuídos aos homens, significam a conformidade

ou a não-conformidade com os costumes com a razão. Em

contrapartida, quando atribuídos às ações, significam a

conformidade ou a não-conformidade com a razão não dos

costumes ou hábitos de vida, mas de ações individuais. Portanto,

um homem justo é aquele que investe todo o empenho que pode em

fazer com que suas ações possam ser todas justas; enquanto um

homem injusto é aquele que deixa de fazer isso. Em nossa língua,

esses homens são mais freqüentemente designados com os nomes

de honesto e desonesto do que com os de justo e injusto, embora o

significado seja o mesmo. Sendo assim, um homem honesto não

perde esse título por uma ou mais ações injustas, causadas por uma

paixão repentina ou por um erro relativo a coisas ou pessoas; nem

um desonesto perde o seu caráter pelas ações que pratica, ou que se

abstém de praticar, sob o estímulo do medo, uma vez que sua

vontade não é formada pela justiça, mas pela evidente vantagem

daquilo que deve fazer. O que dá às ações humanas o sabor da

justiça é uma certa nobreza ou excelência de coragem (raramente

encontrada), o que faz com que o homem não se digne a considerar,

para satisfazer a própria vida, a fraude e o rompimento das

promessas. Essa justiça dos costumes é aquela à qual se refere

quando a justiça é chamada de virtude, e a injustiça, de vício. Por

outro lado, o nome que cabe aos homens pela justiça das ações não

é o de justos, mas de inocentes e, pela injustiça das mesmas (que

também recebe o nome de erro), é apenas o de culpados. Em outras

palavras, a injustiça dos costumes é a predisposição ou o dom para

fazer mal [aos outros]; é injustiça antes de gerar a ação e não

pressupõe nenhum indivíduo específico como objeto do mal. Em

contrapartida, a injustiça da ação (ou seja, o mal) pressupõe um

indivíduo específico como objeto do mal e, precisamente, aquele

com o qual havia sido feito o pacto; com o resultado de que muitas

vezes o mal é recebido por um homem enquanto o dano recai sobre

211 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 113 212 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 115

Página 58 de 193

outro, como quando o senhor ordena a seu servo que dê dinheiro a

um estranho. 213

a uma ação humana: em primeiro lugar, se foi [realmente]

realizada ou não; em segundo, se (supondo-se que tenha sido

realizada) é ou não contra a lei. A primeira é chamada de questão

de fato, a segunda, de questão de direito. De modo que, se as partes

em causa não concordarem em ater-se à sentença de um terceiro,

estarão distantes como nunca da paz. Esse terceiro, a cuja sentença

se submetem, chama-se ÁRBITRO. Por isso, faz parte da lei natural

que aqueles que tenham uma controvérsia submetam o seu direito

ao julgamento de um árbitro. (...) Numa controvérsia [que trate de

uma questão] de fato, não devendo o juiz dar mais crédito a um do

que a outro [dos litigantes], deve (na falta de outros argumentos)

dar crédito a uma terceira pessoa, ou a uma terceira e uma quarta,

ou a mais; do contrário, a questão fica sem decisão e é deixada à

força, em contraste com a lei natural. Essas são as leis naturais que

ditam a paz como meio para a conservação dos homens [reunidos]

em multidões e que concernem apenas à teoria da sociedade civil. 214

Também pode ser compreendida por um homem da mais

modesta capacidade, ou seja: não fazer a outrem aquilo que não gostarias que fizessem a ti mesmo. 215

Terceiro ponto; O agradecimento ou gratidão216:

Diz Aristóteles na suma “as ações de graças se rendem para serem uma

retribuição”. E para São Tomás “algum benfeitor do qual recebemos algum beneficio

particular”, e disso decorre “o agradecimento ou gratidão que corresponde à generosidade

dos benfeitores” e que “depende do agradecimento ou gratidão, é uma retribuição que se

faz por uma obrigação de honra, ou seja, uma obrigação que se cumpre

espontaneamente”.

A ciência dessas leis é a verdadeira e única filosofia moral.

De fato, a filosofia moral não é outra coisa senão a ciência daquilo

que é bem e mal nas relações e na sociedade dos homens. Bem e

mal são nomes que significam nossos apetites e nossas aversões,

que variam conforme a variação dos temperamentos, dos costumes e das concepções dos homens. 217

paz é um bem e que, por isso, os modos ou os meios para

obtê-la - que (como mostrei anteriormente) são a justiça, a gratidão,

a moderação, a eqüidade, a misericórdia e todas as outras leis

naturais - também são um bem, ou seja, são virtudes morais, e os

seus contrários, vícios, mal. Ora, a ciência da virtude e do vício é a

filosofia moral e, por isso, a verdadeira doutrina das leis naturais é

a verdadeira filosofia moral.(...) Esses ditames da razão recebem o

nome de leis naturais. Todavia, impropriamente, pois elas são meras

conclusões ou teoremas concernentes ao que conduz à conservação

213 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 116-117 214 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 124 215 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 125 216 Suma Teológica VI p572-584. 217 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 126

Página 59 de 193

e à defesa dos homens, enquanto a lei é justamente a palavra

daquele que detém por direito o império sobre os outros. 218

o motivo originário da justiça, menos ainda o pode a

benevolência privada, ou seja, uma. consideração pelos interesses da parte em causa. 219

Em São Tomás “na concessão de um beneficio devem-se considerar duas coisas:

o sentimento e o dom” por consequinte “a recompensa do benefício deve, na medida do

possível, procurar sempre superar o valor de que se recebeu”.

De fato, a noção de erro ou de injustiça implica um ato

imoral ou vicioso, cometido contra outra pessoa, e, uma vez que

toda imoralidade deriva de um defeito insano das paixões e esse

defeito deve ser julgado em ampla medida, com base no curso

ordinário da natureza na constituição da mente, para saber se somos culpados de imoralidade em relação aos outros. 220

noções de propriedade e obrigação, de justiça e

injustiça.(...) a justiça encontra a sua origem nas convenções

humanas e que estas últimas devem ser entendidas como um

remédio para certos inconvenientes que derivam do concurso de

certas qualidades da mente humana e da situação dos objetos

externos. As qualidades da mente são o egoísmo e uma

generosidade limitada; e a situação dos objetos externos é dada pela

sua facilidade de mudar o possuidor e pela sua escassez em relação às necessidades e aos desejos dos homens. 221

quando os amigos têm um sentimento cordial de afeto

recíproco, colocam tudo em comum; e que sobretudo as pessoas

casadas perdem reciprocamente a sua propriedade e não conhecem o meu e o teu. 222

Quarto ponto; a virtude da Verdade223:

Diz Aristóteles da Suma “pertence a verdade ‘dizer a respeito de si mesmo a

realidade como ela é, nem mais nem menos’”, e para Cicero na Suma “com efeito ‘a

verdade exprime o que é, o que foi ou o que será, sem mudar nada’”.

E com o interesse público que nos levou a formular as leis

da justiça.(...) as impressões que suscitam esse senso de justiça não

são naturais para a mente do homem, mas surgem do artifício e das

convenções humanas.(...) considerai que, embora as regras da

justiça sejam estabelecidas simplesmente por interesse, sua

conexão com o interesse é, de certo modo, singular e diferente

daquela que podemos constatar em outras ocasiões. Muitas vezes,

um ato isolado de justiça é contrário ao interesse público e, se

218 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 127 219 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 154 220 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 161 221 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 167 222 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 168 223 Suma Teológica VI p602-610.

Página 60 de 193

permanecesse isolado, sem ser seguido por outros atos, poderia, por

si só, mostrar-se muito danoso para a sociedade. 224

sem justiça, a sociedade deverá dissolver-se de imediato, e cada

indivíduo deverá cair naquela condição selvagem e solitária que é

infinitamente pior do que a pior situação que se pode imaginar na

sociedade.(...) a justiça institui-se graças a uma espécie de

convenção ou acordo; ou seja, mediante uma consciência do

interesse que se supõe seja comum a todos e quando cada ato for

praticado com a expectativa de que os outros se comportarão analogamente. 225

o interesse egoísta representa o motivo originário que faz surgir a

justiça; enquanto uma simpatia com o interesse público constitui a

fonte da aprovação moral que acompanha essa virtude. 226

Assim como o elogio e a crítica aumentam a nossa estima pela

justiça, a educação e a instrução privada contribuem para o mesmo

efeito.(...) entre os homens a opinião de que um mérito ou um demérito acompanha a justiça ou a injustiça. 227

Para São Tomás a palavra verdade tem dois sentidos “no primeiro, enquanto faz

com que se diga de uma coisa que ela é verdadeira, mas. Neste sentido, a verdade não é

uma virtude, mas simplesmente objeto ou fim da virtude. Assim pois, a verdade tomada

nesse sentido, não é um hábito, que é um gênero de virtude, mas uma certa relação de

igualdade entre o intelecto, ou o sinal, e a coisa inteligida e significada, ou ainda, entre

determinada coisa e sua regra, ou modelo.”

e do reconhecimento da propriedade derivaram as primeiras normas de justiça; com efeito, para atribuir a cada um a sua parte.228

‘Portanto, que não se diga que o soberano não está sujeito às leis do

seu Estado, pois a afirmação oposta é uma verdade do direito das

gentes que a adulação por vezes contestou, mas que os bons

príncipes sempre defenderam como uma divindade tutelar dos seus

Estados. Quão legítimo é dizer, com o sábio Platão, que a perfeita

felicidade de um reino consiste na obediência das tropas auxiliares

ao príncipe, do príncipe à lei, e na justiça da lei, sempre voltada ao

bem público!’ 229

o conceito de justiça sempre constituiu um dos maiores obstáculos

à aceitação da doutrina, segundo a qual a utilidade ou a felicidade é

o critério do lícito e do ilícito.(...) O sentimento da justiça poderia

ser um instinto peculiar e exigir, todavia, como nossos outros

instintos, um controle superior da razão. 230

o sentimento da justiça é uma daquelas que subjaz a tal revelação,

ou seja, se a justiça ou a injustiça de uma ação são intrinsecamente

peculiares e distintas de todas as outras qualidades da própria ação

ou somente uma combinação de algumas dessas qualidades,

apresentadas sob um aspecto peculiar. Para os fins dessa pesquisa,

é de importância prática verificar se o próprio sentido de justiça e

de injustiça é, no seu gênero, semelhante às nossas sensações do

224 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 170. 225 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 171. 226 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 173. 227 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 174. 228 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 187. 229 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 198. 230 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 239.

Página 61 de 193

gosto e da cor ou, antes, se não deriva de uma combinação de outras

sensações.

E ainda mais importante examinar essa relação, uma vez

que os indivíduos estão dispostos a admitir, de modo geral, que os

preceitos da justiça coincidem, objetiva e parcialmente, com a

Conveniência Geral; mas, na medida em que o sentimento subjetivo

de justiça é diferente daquele que se costuma atribuir à simples

conveniência e, com exceção das manifestações extremas desta

última, mostra-se bem mais coercitivo nas suas exigências, os

indivíduos dificilmente consideram a justiça apenas como uma

expressão particular da utilidade geral e pensam que sua força vinculadora superior requer um fundamento totalmente diferente.

Para esclarecer a questão, é necessário verificar o caráter

distintivo da justiça ou da injustiça e especificar qual a qualidade,

se houver alguma, comumente atribuída a todas as formas de

conduta consideradas injustas (uma vez que a justiça, como muitos

outros' sentimentos morais, é mais bem definida pela sua antítese),

distinguindo-as daquelas que são objeto de reprovação, mesmo que isso não seja dito expressamente.

Se em todas as coisas que os homens geralmente

consideram justas ou injustas estiver sempre presente um atributo

comum ou um conjunto de atributos, podemos avaliar se esse

atributo particular ou se a combinação de atributos tem condições

de suscitar um sentimento de determinado caráter e intensidade, em

virtude das leis gerais da nossa constituição emotiva ou se, ao

contrário, o sentimento é inexplicável e deve ser considerado como

uma predisposição particular da natureza. Na primeira hipótese, ao

resolvermos tal questão, teremos resolvido também o problema

principal; na segunda, teremos de procurar outro método de

pesquisa. Para individuar os atributos comuns de uma variedade de

objetos, é necessário começar a observá-los concretamente. Sendo

assim, voltemos nossa atenção para os vários tipos de ação e de

ordenamentos humanos, que são classificados, por consenso amplo

ou universal, como justos ou injustos. As coisas que notoriamente

suscitam sentimentos associados a esses termos são de natureza

variada: farei uma breve análise delas sem entrar em nenhuma situação particular.

Em primeiro lugar, na maioria das vezes se considera

injusto privar um indivíduo da sua liberdade pessoal, da sua

propriedade ou de qualquer outra coisa que lhe pertença por lei.

Esse é um exemplo da aplicação dos termos justo e injusto num

sentido perfeitamente definido: ou seja, é justo que se respeite o

legítimo direito de cada um, e injusto violá-lo. Esse juízo admite

muitas exceções, determinadas por um conceito diferente da justiça

e da injustiça. A pessoa, por exemplo, que sofre a privação, pôde

ter confiscados (por assim dizer) os direitos, dos quais, desse modo, é privada. Em breve retomarei esse argumento.

Em segundo lugar, os direitos legítimos de que um

indivíduo é privado podem ser direitos que não deveriam pertencer-

lhe: a lei que os confere a ele poderia, portanto, ser condenável.

Quando é assim ou quando (o que resulta no mesmo para nosso

objetivo) se supõe que seja assim, as opiniões diferirão conforme a

infração seja ou não considerada lícita. Alguns sustentam que o

cidadão não deveria desobedecer a nenhuma lei, ainda que esta seja

iníqua: a oposição a ela, se manifestada, deveria visar à sua possível

modificação por parte da autoridade competente. Essa opinião (que

condena muitos dos mais ilustres benfeitores do gênero humano e

muitas vezes iria proteger instituições nocivas contra as únicas

armas que, no presente estado de coisas, têm alguma possibilidade

de sucesso) é defendida por aqueles que, para o interesse comum

do gênero humano, julgam necessário - com base em considerações

de conveniência - conservar inviolado o sentimento da submissão

às leis. Outros, ainda, sustentam, ao contrário, que qualquer lei

Página 62 de 193

considerada nociva pode ser impunemente violada, ainda que não

seja considerada injusta, mas apenas inconveniente.

Alguns, por fim, desejariam limitar a liceidade da

desobediência ao caso das leis injustas: mas outros ainda

consideram que todas as leis inconvenientes são injustas, uma vez

que toda lei impõe à liberdade natural dos indivíduos algumas

restrições que, se não são legitimadas por um fim vantajoso,

constituem uma injustiça. Entre essas várias opiniões, parece

universalmente aceito que possam existir leis injustas e que, por

conseguinte, a lei não é o critério definitivo da justiça, mas pode dar

a uma pessoa um benefício e provocar à outra um dano que a justiça

condena. Porém, quando uma lei é considerada injusta, procede-se

do mesmo modo como quando se considera injusta a sua violação:

a violação de um direito alheio, que, nesse caso, não pode ser um

direito legal, é qualificada de modo diferente e definida como

direito moral. Portanto, podemos afirmar que um segundo caso de

injustiça consiste em subtrair a um indivíduo aquilo sobre o qual ele tem um direito moral.

Em terceiro lugar, considera-se universalmente justo que

cada um tenha o que merece (seja um bem ou um mal) e injusto que

obtenha um bem ou sofra um mal sem merecer. Talvez essa seja a

mais clara e eloqüente forma em que a idéia de justiça é, em geral,

concebida. E, uma vez que ela implica a idéia de mérito, surge a

pergunta: em que consiste o mérito? De um ponto de vista geral,

uma pessoa merece um bem se age corretamente, e um mal se age

desonestamente Merece um bem, num significado mais específico,

por parte daqueles aos quais ela faz ou fez um bem; merece um mal

por parte daqueles aos quais faz ou fez um mal. O preceito de

receber um bem por um mal nunca foi considerado um

cumprimento da justiça, mas um caso em que as exigências da justiça não são respeitadas, em obediência a outras considerações.

Em quarto lugar, é manifestamente injusto faltar com a

confiança do próximo, violar uma promessa, seja ela explícita, seja

implícita, frustrar as expectativas derivadas da nossa conduta, caso

a tenhamos suscitado consciente e voluntariamente. Como as outras

obrigações da justiça de que já falamos, esta não é considerada

absoluta, mas pode ser subordinada a uma obrigação mais forte de

justiça da outra parte; ou a um modo de agir por parte da pessoa

interessada, tal que nos leve a nos considerarmos isentos das nossas

obrigações em relação a ela e a constituir uma perda dos benefícios que ela havia sido induzida a esperar.

Em quinto lugar, nutrir sentimentos partidários,

favorecendo uma pessoa mais do que outra em situações às quais

não se destinam favores ou preferências, contrasta, por consenso

universal, com o sentimento da justiça. De todo modo, a

imparcialidade não parece ser considerada um dever: é, antes, uma

qualidade com uma função instrumental. Admite-se que favores e

preferências não sejam sempre censuráveis: os casos em que devem

ser condenados constituem mais a exceção do que a regra. Talvez

um indivíduo fosse objeto de crítica mais do que de louvor se, sem

faltar com outros deveres, desse maior ajuda a estranhos do que à

própria família ou aos amigos. Ninguém considera injusto

preocupar-se com uma pessoa em vez de outra, caso se trate de um

amigo, de um parente ou de um colega. Quando se trata de direitos,

a imparcialidade é naturalmente obrigatória: nesse caso, vemo-nos diante da mais ampla obrigação de dar a cada um o seu. 231

Já no segundo sentido para São Tomás “a verdade é aquilo pela qual alguém diz

uma coisa verdadeira, e nesta acepção, alguém se diz veraz. E esta verdade, ou veracidade

231 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 240-243.

Página 63 de 193

é necessariamente uma virtude, porquanto dizer a verdade a respeito de uma coisa é um

ato bom, e ‘é a virtude que torna bom aquele que a possui, e faz com que sua obra seja

boa’”.

Tribunal, por exemplo, deve ser imparcial porque é obrigado a

adjudicar, sem nenhuma outra consideração, um objeto disputado à

parte que tem direito a ele. Há outros casos em que a imparcialidade

de quem, nas funções de juiz, de preceptor ou de progenitor, dá

prêmios e inflige castigos decorre unicamente do mérito. E há

outros ainda, como aqueles relativos à seleção dos candidatos a um

emprego estatal, em que se impõem exclusivamente considerações

de interesse público. Em suma, a imparcialidade pode ser

considerada uma das obrigações da justiça: ela é influenciada

exclusivamente por aquelas considerações que deveriam regular

cada caso particular em questão e resiste às solicitações que

estimulam a agir de modo diferente do que aquelas considerações

gostariam. A idéia de imparcialidade une-se aquela de igualdade,

que muitas vezes entra como elemento tanto na concepção da

justiça quanto na sua realização prática, e, segundo a opinião de

muitos, constitui a sua essência. Neste, mais do que em outros

casos, a noção de justiça varia segundo os indivíduos e sempre se

adapta nas suas variações ao seu conceito de utilidade. Todos

consideram que a igualdade constitui o fundamento da justiça,

exceto nos casos em que a conveniência requer a desigualdade. O

princípio de justiça, que contempla uma tutela igual dos direitos de

todos, é defendido por aqueles que suportam as mais ultrajantes

desigualdades nos próprios direitos. Até mesmo em nações

escravistas é teoricamente admitido que os direitos do escravo, tal

como são, deveriam ser tão sagrados quanto aqueles do senhor, e

que um tribunal é injusto se não tiver condições de fazê-los respeitar

com igual severidade; todavia, ao mesmo tempo, as instituições que

concedem ao escravo bem poucos direitos a serem reconhecidos

não são consideradas injustas, uma vez que não são consideradas

inconvenientes. Aqueles que pensam que a utilidade requer

distinções de categoria não consideram injusta a distribuição

desigual da riqueza e dos privilégios sociais; mas aqueles que

consideram inconveniente tal desigualdade acham, por sua vez, que

ela é injusta. Quem quer que pense que um governo é necessário

não vê nenhuma injustiça na grande disparidade de poderes

concedidos ao magistrado e não aos outros. Até mesmo entre

aqueles que defendem doutrinas igualitárias existem outras tantas

interpretações da justiça quantas são as diferenças de opinião sobre a conveniência. 232

Em muitas línguas, se não em todas, a etimologia da palavra que

corresponde a "justo" refere-se a uma origem vinculada à lei

positiva ou àquela que em muitos casos era a forma primitiva da lei

- os costumes impostos. Justum é uma forma de iussum, aquilo que

foi comandado, Jus tem a mesma origem. Aí/aiou deriva de õí^r),

cujo principal significado, pelo menos na Grécia histórica, era o de

justiça baseada na lei. Originariamente, na verdade, significava

apenas o modo ou a maneira de fazer as coisas, mas logo passou a

significar a maneira prescrita; aquela que as autoridades

reconhecidas - patriarcais, jurídicas ou políticas - podiam impor.

Recht, do qual derivou right (justo, legítimo) e righteous (justo,

virtuoso) é sinônimo de lei. Na realidade, o significado originário

de recht não se referia à lei, mas à retidão física, assim como wrong

(errado) e os seus equivalentes latinos significavam retorcido e

tortuoso; a partir disso, argumenta-se que "direito" (right) não

significava, em origem, "lei" (law), mas, ao contrário, "lei"

significava "direito". No entanto, seja qual for a situação, o fato de

que recht e droit fossem circunscritos, em seu significado, à lei

232 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 243-245.

Página 64 de 193

positiva, embora muito daquilo que não é exigido pela lei seja

igualmente necessário para a retidão moral, é tão significativo em

relação ao caráter originário das idéias morais quanto o seria se a

derivação do termo tivesse sido o exato oposto. As cortes de justiça

e a administração da justiça são as cortes e a administração da

lei.(...) por parte dos indivíduos, de promulgar leis iníquas e de

sancionar no código coisas que, feitas por indivíduos sem a sanção

legal, seriam consideradas injustas. Portanto, o sentimento da

injustiça não se baseava em todas as violações da lei, mas na

transgressão daquelas normas que deveriam existir, mas que não

existiam; e das próprias leis, se consideradas contrárias à razão de

ser da lei. Desse modo, a idéia de lei e do seu caráter imperativo

ainda predominava no conceito de justiça, até quando as leis

vigentes deixavam de ser aceitas como uma norma sua. O gênero

humano considera a idéia da justiça e as suas obrigações aplicáveis

a muitas questões que não são, nem deveriam ser, reguladas pela

lei. Ninguém quer que a lei interfira na vida privada: todos, porém,

admitem que, nas atividades cotidianas, um indivíduo possa ser e se mostre justo ou injusto. 233

A idéia de uma obrigação legal é, portanto, a idéia geradora do

conceito de justiça, embora deva ser sujeita a muitas transformações

antes que o próprio conceito, como ocorre em condições sociais evoluídas, aperfeiçoe-se. 234

Afirmamos que seria justo proceder assim ou

simplesmente que seria desejável ou louvável, conforme se queira

obrigar, ou apenas persuadir, ou exortar essa pessoa a agir de tal

modo.(...) uma exigência por parte de um ou mais indivíduos,

semelhante àquela que a lei reconhece quando confere um direito

de propriedade ou outro direito legal. 235

E para São Tomás “ para fazer disso um ato de virtude; para tanto é necessário

que se cumpram todas as circunstâncias devidas, pois, do contrario, o ato, em vez de

virtuoso, será um ato vicioso”. E que “a verdade ocupa o meio-termo entre o excesso e a

falta de dois modos: com relação ao objeto, e com relação ao ato”. E para São Tomás “é

própria essência da virtude tornar bom o ato humano”, e em Agostinho na suma “o bem

consiste na ordem”.

Se a injustiça consiste em privar uma pessoa de um bem, ou em

faltar com um pacto, ou em tratá-la pior do que ela mereça, ou pior

do que outros que não tenham maiores exigências, isso implica duas

coisas: uma injustiça cometida e um indivíduo específico que a

sofreu. Pode-se também cometer uma injustiça tratando uma pessoa

melhor do que outras. Mas a injustiça, nesse caso, é sofrida pelos

seus concorrentes, que também são pessoas específicas. Parece-me

que essa característica (um direito de uma pessoa correlativo à

obrigação moral) constitui a diferença específica entre a injustiça e

a generosidade ou beneficência. A justiça implica algo que não

apenas é lícito fazer e ilícito não fazer, mas também comporta algo

que cada pessoa pode exigir de nós como direito moral.(...) tem

direito a todo bem que possamos fazer-lhe, ao defender essa tese

inclui imediatamente a generosidade e a beneficência na categoria da justiça. 236

os dois elementos essenciais do sentimento de justiça são o desejo

de punir uma pessoa que cometeu algum mal e a consciência ou a

233 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 245-246. 234 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 247. 235 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 248. 236 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 249.

Página 65 de 193

convicção de que existem um ou mais indivíduos que o sofreram.

237

O sentimento de justiça, que se exterioriza no desejo de punir, é, em

minha opinião, o sentimento natural de reação ou de vingança que

o intelecto e a simpatia mobilizam contra essas ofensas ou aqueles

males que nos ferem por meio da sociedade ou junto a ela. Esse

sentimento não é moral em si mesmo: o que é moral é a sua

exclusiva subordinação e conformidade ao sentido social. O

sentimento natural faria com que nos sentíssemos

indiscriminadamente ofendidos por qualquer coisa desagradável

que tivéssemos de sofrer; mas se é moralizado pelo sentimento

social, age apenas em direções conformes ao bem geral: as pessoas

justas se ressentem de uma injustiça cometida contra a sociedade,

mesmo que não lhes diga respeito, e não se ressentem de uma

injustiça cometida contra elas próprias, ainda que dolorosa, a menos

que esta não seja de natureza tal que a sociedade tenha um interesse comum com elas em reprimi-la. 238

Quinto ponto; A Amizade ou Afabilidade239:

Que trago tal qual na suma “quanto ao artigo primeiro, assim se procede: parece

que a amizade não é virtude especial. 1. Com efeito, Aristóteles afirma que ‘a amizade

perfeita é aquela que se fundamente na virtude’. Ora, toda virtude é causa de amizade,

porque, segundo Dionísio, ‘o bom é amável para todo mundo’. Logo, a amizade não é

uma virtude especial, mas consequência de toda virtude. 2. Além disso, Aristóteles diz, a

respeito de um amigo, ‘que não é nem por amor nem por falta de amor que ele recebe

todas as coisas como convém’. Ora, quando alguém exibe sinais de amizade àqueles que

não ama, pratica algo do gênero da simulação, que repugna à virtude. Logo, esta amizade

não é uma virtude. 3. Ademais, Aristóteles diz que a ‘virtude se situa em um meio-termo

determinado pelo sábio’. Ora, o livro do Eclesíatico afirma: ‘O coração dos sábios está

na tristeza, o coração dos insensatos na alegria’. Convém por tanto, ao homem virtuoso

se precaver sobremaneira contra o prazer, como diz Aristóteles. E ele acrescenta que este

tipo de amizade ‘deseja por si mesma compartilhar as alegrias e evitar provocar as

tristezas’. Logo, esta amizade não é uma virtude especial. Em sentido contrário, os

preceitos da lei têm por objeto os atos das virtudes. Mas o livro do Eclesíatico diz: ‘Fazer-

se afável na assembleia dos pobres’. Por conseguinte, a afabilidade, que se chama

237 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 250. 238 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 251. 239 Suma Teológica VI p642-646.

Página 66 de 193

amizade, é uma virtude especial. Respondo. Uma vez que, foi dito acima, a virtude se

ordena para o bem, toda vez que ocorre uma razão especial de bem, aí também haverá

uma razão especial de virtude. Mas, o bem consiste na ordem, como demonstrado. Ora, é

preciso que as relações entre homens se ordenem harmoniosamente num convívio

comum, tanto em ações quanto em palavras, ou seja, é necessário cada um se comporte

com relação aos outros de maneira conveniente. Por isso, é necessária uma virtude

especial que mantenha a harmonia desta ordem. E esta virtude se chama amizade ou

afabilidade. Quanto ao 1°, portanto, deve-se dizer que Aristóteles fala de duas amizades.

A primeira consiste principalmente na afeição de um homem para com outro, e pode ser

a consequência de qualquer virtude. O que se refere a esta amizade, (...). – mas ele fala

de um segundo tipo de amizade que consiste unicamente em palavras ou atos exteriores.

E esta não realiza de maneira perfeita a razão de amizade, mas tem com ela uma certa

semelhança, na medida em que alguém se comporta decentemente com aqueles com quem

convive. Quanto ao 2°, deve-se dizer que por natureza todo homem é amigo, com amor

geral, segundo a palavra do Eclesíastico: ‘todo ser vivo ama seu semelhante’. E as pessoas

manifestam este amor por sinais de amizade que se dirigem em palavras ou atos até

mesmo aos estranhos e desconhecidos. E não existe simulação nisto. Porque não se dá a

estas pessoas sinais de amizade perfeita, uma vez que não se pode ter com estranhos a

mesma intimidade que se tem com aqueles a quem se está unido por uma amizade

especial. Quanto ao 3°, deve-se dizer que quando se diz que o coração dos sábios está na

tristeza, não se quer dizer que os sábios levam a seu próximo a tristeza, pois o próprio

Paulo afirma: ‘Quando um irmão teu se mostra triste por causa da comida, tu já não estás

te conduzindo segundo as normas da caridade’. Ao contrário, estes sábios procuram levar

um consolo aos que estão tristes, de acordo com a Eclesiástico: ‘não dês as costas a quem

chora e procura te afligir com os aflitos’. – mas, quando se diz que o coração dos

insensatos está na alegria, não quer dizer que eles alegrem os outros, mas que se

aproveitam da alegria alheia. Pertence aos sábios trazer prazer para aqueles de cujo

convívio participam. Não o prazer lascivo que a virtude recusa, mas o prazer honesto, de

acordo com o Salmo: ‘Como é bom e agradável para os irmãos habitarem juntos!’

Algumas vezes, porém, para conseguir um bem ou afastar um mal, o homem virtuoso não

terá medo de entristecer seus companheiros, como diz Aristóteles. E Paulo diz: ‘Se com

esta carta eu fiz vocês ficarem tristes, mão me arrependo’. E logo a seguir: ‘Eu, me

rejubilo, não por terdes ficado tristes, mas por esta tristeza vos ter levado à penitência’. E

por isso, não devemos mostrar um semblante alegre àqueles que se deixam levar pelo

Página 67 de 193

pecado, como se quiséssemos confortá-los, para não pensem que temos cumplicidade

com o pecado deles e que, de certa forma, estamos encorajando sua audácia no pecar.

Assim, lemos no livro do Eclasiástico: ‘Tens filhas? Trata de preservar a pureza dos

corpos delas, e não lhes mostre um semblante risonho’”.

Julga-se que o homem bom é amigo, e que a amizade é um certo

estado moral (...) os amigos autênticos não cometem injustiça. (...)

Que se acrescente que classificamos o amigo entre os bens mais

elevados e a falta de amizade e a solidão como sumamente terríveis,

uma vez que toda a vida e a associação voluntária que estabelecemos

é com amigos. 240

Tanto o bom, quanto o prazeroso são objeto da amizade. 241

Somos amigos de um indivíduo devido ao seu caráter e a sua virtude,

de outro por se mostrar benéfico e útil, e, ainda, de um terceiro por

ser ele agradável e nos proporcionar prazer. Uma pessoa torna-se

amiga quando recebe afeição e a retribui à pessoa que a concedeu, e

quando isso é, de algum modo, reconhecido por ambas. 242

É necessário que as coisas nobres sejam prazerosas. (...) o descontrole

tem como causa a divergência entre o bom e o prazeroso nas emoções.

(...) na medida em que a amizade primária conforme-se à virtude,

amigos segundo essa forma de amizade serão simplesmente bons

também em si mesmos, não devendo isso ao fato de serem úteis, mas

a uma causa distinta. 243

E a boa pessoa é perfeita. E se a atividade de amar é a prévia escolha

mútua associada ao prazer no mútuo relacionamento, patenteia-se que

a amizade primária constitui geralmente na prévia escolha mútua de

coisas simplesmente boas e prazerosas, pelo fato de serem boas e

prazerosas (...) sua função, com efeito, é uma atividade, e não exterior,

mas já encerrada naquele que ama. 244

Não existe amizade estável sem confiança, e confiança sem tempo. 245

Amizade é igualdade e que os verdadeiros amigos são uma única

alma. 246

A benevolência é o começo da amizade247.

Todas as formas de governo são espécies de justiça; com efeito, são

comunidades e toda comunidade tem a justiça como fundamento. (...)

e todas essas espécies têm limites comuns, suas diferenças estando

estreitamente correlacionados. 248

A [amizade] cívica leva em consideração o acordo e o coisa, a moral

a prévia escolha249

240 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 247-248. 241 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 252. 242 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 253. 243 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 257. 244 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 258. 245 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 260. 246 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 272. 247 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 275. 248 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 277. 249 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 285.

Página 68 de 193

“ Quanto ao segundo, assim se procede: parece que esta amizade não é parte da

justiça. 1. Com efeito, pertence à justiça dar ao outro o que lhe é devido. Ora, isto não

pertence a esta virtude, que apenas nos fazer viver agradavelmente com os demais. Logo,

está virtude não é parte da justiça. 2. Além disso, segundo Aristóteles, esta virtude diz

respeito apenas ‘ao prazer ou à tristeza no convívio com os outros’. Ora, moderar os

prazeres excessivos pertence à temperança, (...). Logo, esta virtude é mais parte da

temperança do que da justiça. 3. Ademais, é contrário à justiça tratar como iguais os que

são desiguais. Ora, Aristóteles diz que ‘esta virtude trata da mesma maneira conhecidos

e desconhecidos, familiares e estranhos’. Logo, esta virtude não somente não faz parte da

justiça como ainda a contraria. Em sentido contrário, Macróbio afirma a amizade como

uma parte da justiça. Respondo. Esta virtude faz parte da justiça, na medida em que se

liga a ela como a uma virtude principal. Ela tem em comum com a justiça o fato de ser

relativa ao outro. Mas não preenche a razão de justiça, pois não realiza plenamente aquela

razão de justiça, pois não realiza plenamente aquela razão de dívida que obriga um

homem, em relação ao outro, seja quando se trata de uma dívida legal, que a lei obriga a

honrar, seja em se tratando de uma dívida criada por algum benefício recebido. A amizade

leva em conta apenas uma dívida de honra que é muito mais própria do virtuoso do que

do outro, levando-o a fazer para o outro o que convém. Quanto ao 1°, portanto, deve-se

dizer que o homem é, por natureza, um animal social e deve com honestidade manifestar

a verdade aos outros homens, sem o que a sociedade humana não poderia durar. Ora,

assim como o homem não poderia viver em uma sociedade sem prazer. Aristóteles diz:

‘ninguém consegue passar um dia inteiro com uma pessoa triste e sem atrativos’. Por isso

o homem é obrigado, por uma espécie de dívida natural de honestidade, a tornar

agradáveis as relações com os outros, a menos que, por um motivo particular, seja

necessário contristar outros para o próprio bem deles. Quanto ao 2°, deve-se dizer que

pertence à temperança refrear os prazeres sensíveis. Mas esta virtude se aplica aos

prazeres da convivência social, quem têm uma justificativa racional, na medida em que

cada um tem obrigação de se comportar com a devida decência frente aos outros. E não

há nenhum motivos para refrear esses prazeres como nocivos. Quanto ao 3°, deve-se dizer

que não se deve interpretar a palavra de Aristóteles como se alguém devesse oferecer o

mesmo tratamento aos conhecidos e desconhecidos. E ele próprio acrescenta: ‘não

convém tratar da mesma maneira familiares e estranhos, quando se trata de participar das

alegrias ou das tristezas’. A semelhança consiste, pois, e quem se deve tratar a todos como

convém”.

Página 69 de 193

Amigos constituem um auxílio ao jovem a fim de protegê-lo do

erro250

A amizade parece ser o vínculo que une o Estado; e os legisladores

parecem mais zelar por ela do que pela justiça, uma vez que promover

a concórdia (...) a forma mais elevada de justiça parece conter um

elemento de amizade. E a amizade não é apenas indispensável como

um meio, sendo também nobre em si mesma. Louvamos os que amam

seus amigos e é aquilatado como algo nobre ter muitos amigos e

alguns pensam que um amigo verdadeiro é necessariamente um

homem bom. 251

É amável [suscetível ou capaz de ser amado] e que isto é ou o que é

bom, ou o que é prazeroso e agradável, ou o que é útil. Uma vez que

o útil pode ser entendido como aquilo que produz algum bem ou

prazer, a classe de coisas amáveis como fins é reduzida ao bom e ao

prazeroso ou agradável. 252

Afeição só é chamada de amizade quando for mútua. 253

A forma perfeita da amizade é aquela entre os indivíduos bons e

mutuamente semelhantes em matéria de virtude, isso porque esses

amigos desejam igualmente o bem alheio na qualidade de bem e são

bons em si mesmos. (...) todo afeto é baseado no bem ou no prazer.

(...) o absolutamente bom e agradável são os princípios objetivos do

afeto; portanto, é entre indivíduos bons que o afeto e a amizade

existem sob sua forma mais completa e melhor. 254

A amizade baseada no prazer apresenta certa semelhança com

amizade baseada na virtude, pois homens bons são prazenteiros entre

si; e o mesmo pode ser dito com relação à amizade baseada na

utilidade, visto que homens bons são úteis uns para os outros. Nesses

casos, inclusive, a amizade é mais duradoura quando cada amigo

extrai o mesmo benefício. 255

Enquanto indivíduos bons serão amigos por causa deles mesmo entre

si, uma vez que são semelhantes no ser bons. Estes últimos, portanto,

são amigos num sentido absoluto, ao passo que os primeiros o são

fortuitamente e mediante sua similaridade com os últimos. Acontece

com a amizade como acontece com as virtudes. Os seres humanos são

chamados de bons em dois sentidos, ou por deterem uma disposição

virtuosa, ou por praticarem a virtude. 256

[De fato] o bom humor e a sociabilidade parecem ser os principais

componentes ou causas da amizade. (...) para a amizade perfeita, é

necessário conhecer-se alguém cabalmente e tornar-se íntimo dessa

pessoa. 257

A amizade baseada na virtude ser à prova da calúnia e ser duradoura,

enquanto as outras são rapidamente alteráveis, não parecem ser

amizades efetivas devido à dessemelhança com ela. 258

Perderiam certos bens, uma vez que amigos são bens. 259

250 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 235. 251 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 236. 252 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 237. 253 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 238. 254 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 240. 255 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 241. 256 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 243. 257 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 244-245. 258 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 246. 259 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 248.

Página 70 de 193

Os homens prezam o afeto por ele mesmo, do que inferimos ser ele

mais valioso do que a honra, e que a amizade é desejável em si

mesma. 260

Conferindo afeto proporcionalmente ao mérito que amigos que não

são iguais podem se aproximar o máximo da amizade autêntica, uma

vez que isso os tornará iguais. A amizade autêntica, uma vez que isso

os tornará iguais. A amizade consiste em igualdade e similaridade,

especialmente a similaridade daqueles que são semelhantes na

virtude, pois sendo verdadeiro consigo mesmos eles se mantêm

também verdadeiros consigo mesmos eles se mantêm também

verdadeiros entre si e nem um nem outro solicita ou confere préstimos

que sejam moralmente degradantes. 261

“os bens dos amigos são propriedade comum” está correto, já que o

senso de comunidade é a essência da amizade. (...) A associação

política, acredita-se, foi originalmente formada e é preservada

visando à vantagem de seus membros. O propósito dos legisladores é

a bem da comunidade, e a justiça é, às vezes, definida como aquilo

que concorre para a vantagem comum. 262

A justiça nas relações recíprocas de quaisquer seres humanos que

sejam capazes de compartilhar da lei e de relações contratuais, sendo,

assim, também a amizade possível com todos na medida de sua

humanidade. 263

Em todas as amizades entre pessoas dessemelhantes é a proporção

(...) que instauram igualdade e preserva a amizade, tal como nas

relações entre concidadãos. 264

A amizade baseada no caráter é desinteressada. (...) o princípio

segundo o qual “cada homem receba sua remuneração

[pre]estabelecida” 265

Uma amizade baseada na virtude não enseja disputas e o retorno

realizado deve ser proporcional à escolha do beneficiador, uma vez

que a escolha é o que distingue um amigo e a virtude. (...) retribuir-

lhes na medida de nossa capacidade. 266

Um amigo é definido como alguém que deseja e promove através da

ação o bem real ou aparente de um outro alguém que deseja o existir

e a preservação do amigo por causa do amigo. 267

A existência é boa para o homem virtuoso e todos desejam o seu

próprio bem. (...) (pois o seu amigo é um outro eu) 268

Naturalmente virtuoso ao ver-se que escolhe a nobreza moral de

preferência a todas as outras coisas. (...) os bem-aventurados são

autossuficientes e, portanto, prescindem de amigos; pois já possuem

as coisas que asseguram o bem-estar da existência, além do que,

sendo completos em si mesmos, de mais nada precisam –

[contrastando isso com a ideia de que] a função de um amigo, que é

um segundo eu, é suprir coisas que somos incapazes de obter por nós

mesmos, e daí o adágio “quando a fortuna nos sorri, qual a

necessidade de amigos?” (...) a característica de um amigo é mais

260 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 249. 261 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 249-250. 262 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 251. 263 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 256. 264 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 265. 265 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 266. 266 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 267. 267 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 272. 268 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 273.

Página 71 de 193

conferir do que receber benefícios, e se a beneficência é uma função

do homem bom a da virtude, (...) o homem bom necessitará amigos

na qualidade de objetivos de sua beneficência. 269

O ser humano é um ser social e destinado pela natureza a viver com

os outros. (...) disso tudo concluímos que o homem feliz necessita de

amigos. 270

Se então para o homem sumamente feliz (bem-aventurado) a

existência é desejável em si mesma, sendo boa a prazerosa

essencialmente, e se a existência de seu amigo é quase igualmente

desejável a ele, conclui-se que um amigo é uma das coisas a serem

desejadas. E o que é desejável para ele está ele compelido a ter, caso

contrário sua condição será incompleta nesse particular. Portanto,

para a feliz, o indivíduo necessita de amigos virtuosos. 271

Uma considerável ajuda para atenuar a tristeza, pois um amigo, se

tiver tato, é capaz de nos confortar mediante sua presença e suas

palavras, na medida em que conhece nosso caráter e o que nos

proporciona prazer e dor272

A mútua companhia é a coisa mais desejável que existe. Isso porque

[em primeiro lugar] a amizade é essencialmente uma parceria; [em

segundo] um indivíduo se mantém na mesma relação com um amigo

que mantém consigo mesmo; a consciência de sua própria existência

é um bem, de sorte que também o é a consciência da existência de seu

amigo. 273

Sexto ponto; A Epiquéia ou Equidade274:

Que trago tal qual na suma “quanto ao primeiro artigo, assim se procede: parece

que a epiquéia não é uma virtude. 1. Com efeito, nenhuma virtude destrói outra. Ora, a

epiquéia elimina outra virtude; por que ela suprime o que é justo segundo a lei e parece

se opor à severidade. Logo, a epiquéia não é uma virtude. 2. Além disso, Agostinho diz:

‘Embora os homens julguem as leis temporais quando as instituem, depois que elas estão

instituídas e confirmadas não é mais permitido ao juiz julgá-las. Mas simplesmente julgar

de acordo com elas’. Ora, a epiquéia parece julgar a lei, quando estima que não se deve

observá-la em determinados casos. Logo, a epiquéia é mais um vício que uma virtude. 3.

Ademais, parece próprio da epiquéia atender à intenção do legislador, como diz

269 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 282. 270 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 283. 271 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 285. 272 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 288. 273 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 289. 274 Suma Teológica VI p688-692.

Página 72 de 193

Aristóteles. Ora, interpretar a intenção do legislador é um privilégio reservado ao

Príncipe. Daí a palavra do imperador no Código: ‘Só a nós compete e é lícito examinar a

interpretação interposta entre a equidade e o direito’. Por, conseguinte, o ato da epiquéia

é ílicito. Logo, a epiquéia não é uma virtude. Em sentido contrário, Aristóteles a considera

como uma virtude. Respondo. (...) das leis, foi dito, que os atos humanos que as leis

devem regular, são particulares e contigentes, e podem variar ao infinito. Por isso, foi

sempre impossível instituir uma regra legal que fosse absolutamente sem falha e

abrangesse todos os casos. Os legisladores, examinando atentamente o que sucede com

mais frequência, procuraram legislar levando isto em conta. Mas, em alguns casos,

observar rigidamente a lei vai contra a igualdade da justiça, e contra o bem comum que a

lei visa. Um exemplo: a lei determina que os depósitos sejam restituídos, porque na

maioria dos casos isto é o justo. Mas, num determinado caso, isto pode ser nocivo.

Exemplo: se um louco furioso, que deu uma espada em depósito, a reclamar num acesso

de loucura, ou se alguém exigir o depósito para lutar contra a pátria. Em tais casos é mau

seguir a lei estabelecida; e o bom então é, deixando de lado a letra da lei, obedecer às

exigências da justiça e do bem comum. É a isto que se ordena a epiquéia, que nós

chamamos de equidade. E assim se torna claro que a epiquéia é uma virtude. quanto ao

1°, portanto, deve-se dizer que a epiquéia não se afasta simplesmente do que é justo em

si mesmo, mas do justo que é determinado pela lei. – nem se opõe à severidade, porque

segue fielmente a verdade da lei quando não é oportuno, é um ato vicioso. Por isso o

Código diz: ‘Não há dúvida que peca contra a lei aquele que, se apegando à letra da lei,

contradiz a vontade do legislador’. Quanto ao 2°. Deve-se dizer que alguém julga a lei

quando diz que ela não foi bem feita. Mas, quem diz que, num caso determinado, a letra

da lei não deve ser observada, não está julgando a lei em si mesma, mas simplesmente

um caso específico que se apresenta. Quanto ao 3°, deve-se dizer que a interpretação tem

lugar nos casos duvidosos, quando não é permitido, sem decisão da autoridade, se afasta

dos termos da lei. Mas em casos evidentes, não se trata de interpretação, mas de

execução.”

Cabe-nos tratar, (...) da equidade e de equitativo e da relação da

equidade com a justiça e do equitativo com o justo. Com efeito,

quando examinamos, revela-se que não são nem simplesmente

idênticos, nem genericamente diferentes. E, por vezes, louvamos o

homem equitativo a ponto de chegarmos a empregar essa palavra

como um termo de aprovação no que toca a outras virtudes, e a

empregamos na sua relevância com bom, querendo dizer com mais

equitativo que algo é melhor. Em outras oportunidades, todavia,

quando submetemos a palavra efetivamente ao crivo da razão, a nós

parece estranho ser equitativo louvável no caso de ser ele distinto do

Página 73 de 193

justo. Com efeito, se são distintos, [um deles]: o justo ou o equitativo,

não são bons, são idênticos. Eis aí pontos, em caráter aproximativo,

que ensejam a dificuldade no que tange ao equitativo, mas que são,

de certa forma, corretos e não geram contradição entre si: com efeito,

o equitativo, embora superior a uma certa espécie de justo é, ele

mesmo, justo: não é superior ao justo ao ser genericamente distinto

dele. Justo e equitativo são, portanto, o mesmo, sendo ambos bons,

ainda que o equitativo seja o melhor. O que gera a dificuldade é o

equitativo, embora justo, não constituir justiça legal, porém correção

desta. A razão para isso reside no caráter geral de toda lei. O problema

são alguns casos que não se enquadram nessa generalidade

corretamente. Em casos, portanto, nos quais não é possível discursar

em caráter geral, embora fosse necessário fazê-lo, a lei toma em

consideração os casos mais típicos, ainda que não desconheça o erro

tal coisa pode acarretar. E nem por isso se torna uma lei incorreta,

pois o erro não está nem na lei nem no legislador, mas na natureza da

coisa. Com efeito, a matéria das questões práticas está de imediato

nessa natureza. Quando, portanto, a lei se expressar em termos gerais

e surge um caso que não se enquadra na regra, será, então, correto –

onde a expressão do legislador, por ser absoluta, é lacunar e errônea

– corrigir a deficiência (preencher a lacuna), pronunciando como o

próprio legislador teria pronunciado se estivesse presente

oportunamente e teria legislado se tivesse conhecimento do caso em

particular. Por conseguinte, o equitativo é justo e superior a certa

espécie de justiça, porém não superior àquela absoluta, mas apenas ao

erro gerado pela sua expressão absoluta. Tal é a natureza própria do

equitativo, ou seja, ele constitui uma correção da lei onde esta é

lacunar por força de sua generalidade. A propósito, aí reside a razão

de nem todas as coisas serem determinadas pela lei, a saber, em alguns

casos [e situações] é impossível estabelecer uma lei necessária e

decretos; com efeito, aquilo que é indefinido (...) é um decreto

produzido para se ajustar aos fatos circunstanciais. Está claro,

portanto, o que é o equitativo, que é justo e superior a certa espécie

de justiça. A partir disso se evidência, igualmente, quem é o indivíduo

equitativo, nomeadamente alguém por prévia escolha a hábito pratica

o que é equitativo, e que não é flexível quanto aos seus direitos,

exibindo o pendor de receber uma porção menor mesmo que tenha a

lei a seu favor. E o estado que se identifica com isso é a equidade, a

qual é uma espécie de justiça e não um estado distinto. 275

“Quanto ao segundo, assim se procede: parece que a epiquéia não faz parte da

justiça. 1. Com efeito, há duas sortes de justiça: a justiça particular e a justiça legal. Ora,

a epiquéia não faz parte da justiça particular, porque abrange todas as virtudes, como a

justiça legal. Mas também não faz parte da justiça legal, porque ela age fora das

disposições da lei. Logo, a epiquéia não é parte da justiça. 2. Além disso, uma virtude

mais principal não faz parte de uma virtude menos principal. Assim, às virtudes cardeais,

que são as principais, são atribuídas as virtudes secundárias como parte delas. Ora, a

epiquéia parece ficar acima da justiça, como seu nome sugere, pois vem de epi, que

significa acima, e dikaion, que significa justo. Logo, a epiquéia não faz parte da justiça.

3. Ademais, parece que a epiquéia se identifica com a moderação. Quando Paulo diz ‘que

vossa modéstia seja conhecida de todos os homens’, o termo grego que ele emprega

275 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 169-171.

Página 74 de 193

corresponde à epiquéia. Ora, segundo Cicero, a modéstia faz parte da temperança. Logo,

a epiquéia não faz parte da justiça. Em sentido contrário, Aristóteles diz que ‘a epiquéia

é algo justo’. Respondo. Uma virtude correspondem três partes: parte subjetiva, integrante

e potencial. A parte subjetiva é aquela à qual se atribui essencialmente o todo e é menos

que o todo. E isto pode acontecer de duas maneiras: às vezes se atribui o todo às partes

segundo uma única razão, como quando atribuímos o gênero ‘animal’ ao cavalo e ao boi;

mas outras vezes a atribuição se faz a uma das suas partes por prioridade: é assim que o

ente se atribui primeiro a substância e depois ao acidente. Logo, a epiquéia faz parte da

justiça tomada num sentido geral, como uma espécie de ‘realização da justiça’, segundo

a expressão de Aristóteles. Fica pois claro que a epiquéia é parte subjetiva da justiça. E

ela pode ser chamada de justiça por prioridade, antes mesmo da justiça legal, pois a justiça

legal se dirige de acordo com a epiquéia. Desta forma ela se comporta como uma espécie

de regra superior dos atos humanos. Quanto ao 1°, portanto deve-se dizer que a epiquéia

corresponde propriamente à justiça legal; de um certa maneira, está incluída nela, e de

certo modo ultrapassa. Se chamarmos de justiça legal aquela que obedece à lei seja quanto

à letra desta, seja quanto a intenção do legislador, que é bem mais importante, então a

epiquéia é a parte mais importante da justiça legal. Mas se chamarmos justiça legal

unicamente aquela que obedece a lei segundo a letra, então a epiquéia não faz parte da

justiça legal, mas da justiça tomada no seu sentido geral, e se distingue da justiça. Quanto

ao 2°, deve-se dizer que Aristóteles diz que ‘a epiquéia é melhor do que uma certa justiça,

ou seja, a justiça legal que observa a letra da lei. Mas porque ela própria é uma certa

justiça, não é melhor que toda justiça’. Quanto ao 3°, deve-se dizer que à epiquéia

compete ser moderadora no que concerne à observância da letra da lei. Mas a moderação

que faz parte da temperança modera a vida exterior do homem, no que se refere ao andar,

ao vestir, e noutros comportamentos deste gênero. Mas é possível que, entre os gregos, o

termo epiquéia, tenha servido para todos os tipos de moderação.,

Temos, a seguir, que nos referir à equidade e ao equitativo e a relação

destes com a justiça e com o que é justo, respectivamente, pois quando

examinadas afigura-se que justiça e equidade não são nem

absolutamente idênticas nem genericamente diferentes. Por vezes, é

verdade que louvamos a equidade e o homem equitativo como um

termo de aprovação de outras coisas além do que é justo e a

empregamos como equivalente de bom, querendo dizer com mais

equitativo meramente que uma coisa é melhor. Em outras

oportunidade, todavia, quando submetemos a palavra efetivamente ao

crivo da razão, nos parece estranho que o equitativo devesse ser

louvável uma vez ser ele algo distinto do justo. Se são diferente, [um

deles:] o justo ou equitativo não é bom; se ambos são bons, são a

mesma coisa (idênticos). Eis aí as considerações, em caráter

Página 75 de 193

aproximativo, que fazem nascer a dificuldade no que tange ao

equitativo, mas que, ainda assim, são todas, de uma certa forma,

correta e não realmente incoerente; pois a equidade, embora superior

a uma espécie de justiça, é, ela mesma, justa: não é superior à justiça

ao ser genericamente distinta dela. Justiça e equidade são, portanto, a

mesma coisa, sendo ambas boas, ainda que a equidade seja a melhor.

A origem da dificuldade é que a equidade, embora justa, não é justiça

legal, porém retificação desta. A razão para isso é que a lei é que a lei

é sempre geral; entretanto, há casos que não são abrangidos pelo texto

geral da lei [ou por esta ou aquela regra legal geral]. Em matérias,

portanto, nas quais embora seja necessário discursar em termos

gerais, não é possível fazê-lo corretamente, a lei toma em

consideração a maioria dos casos, embora não esteja insciente do erro

que tal coisa acarreta. E isso não faz dela uma lei errada, pois o erro

não se encontra na lei e nem no legislador, mas na natureza do caso,

uma vez que o estofo das questões práticas é essencialmente irregular.

Quando, portanto, a lei estabelece uma regra geral e, posteriormente,

surge um caso que apresenta uma execução à regra, será, então,

correto (onde a exepressão) retificar o defeito (preencher a lacuna)

decidindo como o próprio legislador teria ele mesmo decidido se

estivesse presente na ocasião em particular e teria promulgação se

tivesse sido conhecedor do caso em questão. Consequentemente,

embora o equitativo seja justo e seja superior a uma espécie de justiça,

não é superior a justiça absoluta. Esta é a natureza essencial do

equitativo, ou seja, é uma retificação da lei onde a lei é lacunar em

função de sua generalidade. Com efeito, essa é a razão porque não são

todas as coisas determinadas pela lei; pela fato de haver alguns casos

[e situações] em relação aos quais é impossível estabelecer uma lei, é

necessária a existência de um decreto especial; pois aquilo que é ele

próprio indefinido só pode ser medido por um padrão indefinido,

como a régua plúmbea usada pelos construtores de Lesbos; tal como

essa régua não é rígida, podendo ser flexibilizada ao formato da pedra,

um decreto especial é feito para se ajustar às circunstâncias do caso.

Está claro agora o que é equitativo, que este é justo e que é superiora

um tipo de justiça. E [também] daqui se pode concluir claramente

quem é o homem equitativo: ele é alguém que por escolha e hábito

faz o que é equitativo, e que não é inflexível quanto aos seus direitos,

se contendo em receber uma porção menor mesmo que tenha a lei do

seu lado. E a disposição correspondente é a equidade, a qual é um tipo

especial de justiça e, de modo algum, uma qualidade diferente276

Sétimo ponto; Partes por assim dizer Integrantes da Justiça277:

Diz São Tomás a “parte geral e especial são por assim dizer partes integrantes,

porque ambas são requeridas para perfeição do ato de justiça”, e “se falamos do bem e

mal em geral, fazer o bem pertence a toda virtude.” E que “a justiça, considerada como

virtude principal, se refere ao bem como dívida para com o próximo. Nessa caso, pertence

à justiça especial fazer o bem devido ao próximo e evitar o mal oposto, isto é, aquilo que

276 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 172-173. 277 Suma Teológica VI p262-270.

Página 76 de 193

prejudica o próximo.” E que afirma Agostinho na suma “que à da justiça da lei pertence

em evitar o mal e fazer o bem.”

Recapitulando, a idéia de justiça pressupõe duas coisas: uma regra

de conduta e um sentimento que a sancione. (...) O sentimento extrai

a sua moralidade desses últimos elementos; do primeiro, a sua força

peculiar e a capacidade de auto-afirmação.(...) Até agora, analisei a

idéia do justo, ínsita na pessoa ofendida, e violada pelo dano

infligido, não como elemento distinto na composição da idéia e do

sentimento, mas como uma das formas de que os outros dois

elementos se revestem.(...) e, então há direito: se quisermos

demonstrar que alguma coisa não lhe pertence por direito,

pensamos que isso se dê tão logo se admite que a sociedade deva

abandoná-la à sua sorte ou apenas aos seus esforços, sem tomar

nenhuma medida para protegê-la.(...) Ter um direito significa,

então, ter algo, cuja posse deve ser defendida pela sociedade. Se me

perguntassem por que a sociedade deveria defender esse interesse,

eu não poderia alegar nenhum outro motivo a não ser aquele da

utilidade geral.(...) justificação moral, daquele tipo de utilidade

extraordinariamente importante e incisiva que está em jogo. O

interesse envolvido é aquele da segurança, que, para todo indivíduo,

é de vital importância.(...) e uma idéia correta do conceito de justiça,

se a justiça fosse totalmente independente da utilidade e constituísse

uma norma em si, que podemos reconhecer com uma simples

introspecção, não seria fácil entender por que esse oráculo interior

é tão ambíguo e por que muitas coisas parecem ora lícitas, ora

ilícitas, segundo a perspectiva de que são vistas. 278

Tais asserções estão tão distantes de ser verdadeiras que existem

tantas diferenças de opinião e profundas divergências sobre o que é justo quantas sobre o que é útil para a sociedade. 279

A justiça manifesta-se sob dois aspectos que, por serem antitéticos,

não podem ser harmonizados: um considera o que é justo que o

indivíduo receba; o outro, por sua vez, considera o que é justo que

a comunidade lhe dê. Cada um desses pontos de vista é plenamente

legítimo. Qualquer escolha no âmbito da justiça é necessariamente

arbitrária: somente a utilidade social pode constituir um critério de preferência. 280

O bem pelo bem também é um dos preceitos da justiça e, embora

sua evidente utilidade social seja a expressão de um sentimento

humano natural, não tem, à primeira vista, aquela conexão implícita

com o mal ou com a ofensa que, existente nos casos mais

elementares do lícito e do ilícito, constitui a fonte da intensidade

característica do sentimento. 281

“Ao passo que à justiça geral compete fazer o bem enquanto é devido à sociedade

ou a Deus, e evitar o mal contrario” e a “mesma justiça que compete estabelecer algo e

mantê-lo assim estabelecido. Ora, a igualdade da justiça se estabelece fazendo o bem, a

saber, dando a outrem o que lhe é devido; e mantém-se essa igualdade evitando o mal,

isto é, não causando nenhum dano ao próximo” {ou a restituir o próximo como

abordaremos com respeito a Platão em a Republica}.

278 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 252-254. 279 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 255. 280 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 258. 281 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 261.

Página 77 de 193

o justo princípio do mal pelo mal se perverta, mais tarde, em

aplicações de penas ilegítimas. A maior parte dessas máximas

comuns entrou para o uso da prática dos tribunais, que as

reelaboraram oportunamente para torná-las idôneas a cumprir sua

dupla função de infligir a punição devida e de garantir a todo

indivíduo o seu direito. (...)A primeira virtude judicial, a

imparcialidade, é uma obrigação da justiça. (...)aquelas máximas de

igualdade e de imparcialidade que, na opinião popular, bem como

naquela das pessoas mais cultas, estão compreendidas entre os

preceitos da justiça. 282

Pelo que já foi dito, é evidente que o termo justiça aplica-se a tais

exigências morais, que, consideradas em seu conjunto, ocupam um

lugar de primeiro plano na escala da utilidade social; embora

possam ocorrer casos particulares em que outro dever social se

mostra tão importante a ponto de subverter algumas normas gerais

de justiça, elas têm uma obrigatoriedade mais imperativa do que

qualquer outra. Portanto, para salvar uma vida, não apenas é

permitido, mas também é um dever roubar ou tomar à força

alimentos ou medicamentos, ou ainda seqüestrar e obrigar o único

médico competente a realizar uma operação. Em tais situações, uma

vez que não chamamos de justiça o que não é virtude, dizemos em

geral que não é a justiça que deve dar passagem a algum outro

princípio moral, mas, em razão desse outro princípio, o que é justo

em casos ordinários não é justo no caso particular. Graças a esse

útil ajuste de linguagem, o caráter de imprescritibilidade atribuído

à justiça é mantido, e, assim, ficamos isentos da necessidade de sustentar que possa existir uma injustiça louvável. 283

A justiça continua sendo o nome apropriado para alguns tipos de

utilidades sociais, que são amplamente mais importantes e, por isso,

mais absolutos e imperativos do que qualquer outra categoria

(embora não mais do que outros possam ser em casos particulares);

e que, portanto, deveriam ser, como na realidade o são, preservados

por um sentimento diferente não apenas no grau, mas também no

gênero; distintos do mais tênue sentimento associado à simples

idéia de promover o prazer ou a conveniência dos homens, graças à

natureza mais bem definida dos seus imperativos e, ao mesmo tempo, do caráter mais severo das suas sanções. 284

noção de eqüidade para toda concepção da justiça: "O princípio

geral latente nessas diversas aplicações do conceito de justiça é que

os indivíduos, em suas relações recíprocas, têm direito a certa posição relativa de igualdade ou desigualdade. 285

Nesse âmbito, um dos pontos centrais consiste na visão da

sociedade justa como aquela em que "todos os sócios encontram

nas condições de existência da sociedade a mesma ou a equivalente

possibilidade exterior de orientar sua atividade para a busca de

qualquer um dos fins, cuja condição é a convivência e a cooperação social"

O texto de Hayek, extraído da obra Lei, legislação e liberdade ("A miragem da justiça social"),286

282 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 262. 283 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 265. 284 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 266. 285 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 294. 286 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 295.

Página 78 de 193

Para São Tomás “fazer o bem é ato completivo da justiça e como sua parte

principal. Apartar-se do mal é um ato menos perfeito e parte secundaria da mesma. É

como um parte material, sem a qual não pode existir a parte formal e completiva”.

Talvez o primeiro ponto que chama a atenção quando refletimos

sobre a nossa noção de justiça é a sua conexão com o direito. Não

há dúvida de que a conduta justa é, em grande parte, determinada

pelo direito e que, algumas vezes, ambos os termos parecem ser

usados alternativamente um ao outro. Assim, falamos de forma

indiferente de "tribunais" ou "cortes de justiça", e, quando

determinado cidadão pede justiça ou a satisfação de seus justos

direitos, comumente pretende pedir que o direito seja aplicado de

modo tal a produzir certos efeitos. Todavia, a reflexão também

mostra que por "justiça" não entendemos meramente a

conformidade ao direito. De fato, em primeiro lugar, nem sempre

chamamos de injustos aqueles que violam o direito, mas apenas

aqueles que violam algumas leis: por exemplo, não chamamos de

injustos dois indivíduos em duelo, tampouco quem faz uso de jogos

de azar. Em segundo lugar, muitas vezes cremos que o direito, tal

como se dá, não realiza completamente a justiça, o que faz com que

nossa idéia de justiça forneça um critério, com base no qual

julgamos as leis vigentes e estabelecemos se elas são justas ou não.

Em terceiro lugar, há uma parte da conduta justa que chega a

ultrapassar o âmbito do direito como ele deve ser, uma vez que, por

exemplo, consideramos que um pai pode ser justo ou injusto com

seus filhos, mesmo em questões em que o direito o deixa (e deve

deixá-lo) livre para proceder como quiser. Portanto, temos de

distinguir a justiça daquela que foi chamada de virtude ou de dever

da ordem ou da observância da lei. Ao examinar os pontos de

divergência que acabamos de mencionar, talvez possamos alcançar a verdadeira definição da justiça. 287

descrever como leis que definem e asseguram os interesses

atribuíveis aos indivíduos. Mas essa descrição não é completa, pois,

para o consenso geral, a justiça ocupa-se com a atribuição de

punições proporcionais a quem quer que viole a norma, e não se diz

que um homem tem interesse para que sua punição seja adequada.

Digamos, portanto, que as leis em que a justiça é ou deve ser

realizada são aquelas que distribuem ou atribuem aos indivíduos os

objetos desejados - liberdade e privilégios - ou ônus e restrições, ou

ainda verdadeiras dores enquanto tais. De todo modo, estas últimas

são atribuídas apenas por lei a pessoas que violaram outras leis, e

uma vez que todas as leis são impostas por meio de sanções, fica

claro por que a administração da lei geralmente é vista como a

administração da "justiça", entendida segundo esta definição: não é

porque o objetivo primário de todas as leis é aquele de aproximar-

se da justiça distributiva, mas é porque o respeito à lei geralmente

comporta uma devida atribuição de dores, de perdas e de restrições

às pessoas que a violam. Ou então, de modo mais preciso,

deveríamos dizer que essa distribuição de caráter jurídico deve

realizar a justiça, mesmo porque vimos que pode não alcançar tal objetivo. 288

Talvez a característica mais óbvia e mais comumente reconhecida

das leis justas seja o fato de serem iguais para todos: e, pelo menos

em alguns setores da legislação, parece que a noção comum de

justiça é completamente expressa por aquela de igualdade. Em

geral, considera-se, por exemplo, que um sistema de taxação seria

perfeitamente justo se impusesse a todos ônus exatamente iguais3.

Ainda que essa noção de "ônus igual" seja, de certo modo, difícil

de definir com a precisão que a aplicação prática requer, podemos

287 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 298. 288 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 299.

Página 79 de 193

dizer que, nesse caso, considera-se que a justiça possa resolver-se

num tipo de igualdade289

1) a idéia daquilo que é comum enquanto oposto àquilo que é

excepcional, e 2) a idéia daquilo que é originário ou primitivo

enquanto oposto ao que é o resultado de sucessivas convenções e instituições. 290

para tornar justa uma sociedade, devem-se conceder certos direitos

naturais a todos os membros da comunidade, e o direito positivo

deve, no mínimo, incorporar e proteger esses direitos,

independentemente das outras regras que ele possa conter. Mas é

difícil individuar, no senso comum, o consenso sobre o rol exato

desses direitos naturais, e menos claros ainda são aqueles princípios

dos quais é possível deduzi-los de modo sistemático. 291

Trata-se acerca da transgressão que “significa ir além do termo prefixado. Ora, na

vida moral são os preceitos negativos que fixam ao homens limites que não se deve

ultrapassar.” E a omissão que Tiago 4,17 na suma; “quem sabe fazer o bem e não o faz,

comete pecado.”

a liberdade, ou seja, a não-interferência, é, na verdade, tudo aquilo

que, em origem e independentemente de contratos, os seres

humanos se devem uns aos outros em sentido restrito, e que, de todo

modo, a proteção dessa liberdade (incluindo a imposição do "livre

contrato") é o único fim próprio do direito, isto é, daquelas normas

do comportamento recíproco, que são sustentadas por sanções

impostas pela autoridade do Estado. Segundo essa posição, todos

os direitos naturais podem ser resumidos no direito à liberdade, de

modo que a afirmação completa e universal desse direito torna-se a

realização completa da justiça: a igualdade à qual se considera que

tende a justiça deve ser entendida como igualdade de liberdade. 292

a recompensa do mérito o que constitui o principal elemento da

justiça ideal, na medida em que tal recompensa comporta algo a

mais do que a mera "igualdade" e "imparcialidade". Examinemos

então, mais de perto, em que consiste o "mérito", e comecemos com

o "mérito positivo", ou o que se merece pelas coisas boas, porque

ele tem uma importância mais fundamental e duradoura. 293

O elemento principal da justiça, como geralmente é concebida, é

um tipo de igualdade: a imparcialidade (...) podemos chamar de

justiça conservadora, realiza-se 1) na observância da lei, dos

contratos e dos pactos avençados, bem como na imposição das

sanções pela violação dessas leis e desses pactos, do modo como se

estabeleceu e se previu juridicamente; e 2) na satisfação das

expectativas naturais e normais. 294

A conexão entre a justiça e a injustiça do ressarcimento por danos

e o princípio "Trata os casos iguais de modo igual e os casos

diferentes de modo diferente"295

289 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 300. 290 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 308. 291 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 310. 292 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 311. 293 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 322. 294 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 335 295 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 361.

Página 80 de 193

Oitavo ponto; A Justiça296:

Por primeiro trata se “é conveniente a definição dada pelos jurisperitos: a justiça

é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito.” {tal qual Ulpiano}.

“Mas essa virtude de justiça resume-se em proferir a verdade e em

restituir o que se tomou de alguém” 297.

Sócrates— Mas a justiça não é virtude especificamente humana?

Polemarco — Sim. 298

Sócrates — Por conseguinte, se alguém declara que a justiça

significa restituir a cada um o que lhe é devido, e se por isso entende

que o homem justo deve prejudicar os inimigos e ajudar os amigos,

não é sábio quem expõe tais idéias. Pois a verdade é bem outra: que

não é lícito fazer o mal a ninguém e em nenhuma ocasião.299

Trasfmaco — E cada governo faz as leis para seu próprio proveito:

a democracia, leis democráticas; a tirania, leis tirânicas, e as outras

a mesma coisa; estabelecidas estas leis, declaram justo, para os

governados, o seu próprio interesse, e castigam quem o transgride

como violador da lei, culpando-o de injustiça. Aqui tens, homem

excelente, o que afirmo: em todas as cidades o justo é a mesma

coisa, isto é, o que é vantajoso para o governo constituído; ora, este

é o mais forte, de onde se segue, para um homem de bom raciocínio,

que em todos os lugares o justo é a mesma coisa: o interesse do mais forte.300

Para Aristóteles na suma que a justiça é “o hábitus que leva a praticar coisas justas,

a realizar e a querer o que é justo ”. E em A Idéia de Justiça de Platão a Rawls “a partir

da definição de justiça comumente dada nas escolas, pois dizem que a justiça é a vontade

constante de dar a cada um o que é seu”301. Em Aristóteles na suma “a justiça é o hábitus

que leva alguém a agir segundo a escolha que faz do que é justo”.

Esta injustiça é a tirania que, por fraude ou violência, se

apodera do bem alheio: sagrado, profano, particular, público, e não

por partes, mas na totalidade. Para cada um destes delitos, o homem

que se deixa apanhar é punido e coberto das piores ignomínias —

com efeito, essas pessoas que agem por partes são consideradas

296 Suma Teológica VI p54-76. 297 A Republica de Platão pagina 7 Livro 1. 298 A Republica de Platão pagina 16 Livro 1. 299 A Republica de Platão pagina 17 Livro 1. 300 A Republica de Platão pagina 25 Livro 1. 301 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 112

Página 81 de 193

sacrílegas, traficantes de escravos, arrombadores de moradias,

espoliadores, ladrões, conforme a injustiça cometida. 302

E quando concordamos que a justiça é virtude e sabedoria e a injustiça vício e ignorância.303

a natureza da justiça, lancei-me numa discussão para

analisar se ela é vício e ignorância ou sabedoria e virtude; tendo

surgido em seguida outra hipótese, a de saber que a injustiça é mais

vantajosa do que a justiça, não pude evitar de ir de uma para outra,

de modo que o resultado da nossa conversa é que não sei nada;

porquanto, não sabendo o que é a justiça, ainda menos saberei se é virtude ou não e se aquele que a possui é feliz ou infeliz. 304

Discorre São Tomás “o nome justiça implica igualdade; por isso, em seu conceito

mesmo, justiça comporta relação com o outrem”. E que “as ações, porém, relativas a

outrem carecem de uma retificação especial, não só em referência ao seu autor, mas

também àquele que elas atingem. Elas são assim objeto de uma virtude especial, que é a

justiça”.

ninguém é justo por vontade própria, mas por obrigação,

não sendo a justiça um bem individual, visto que aquele que se julga

capaz de cometer a injustiça comete-a. 305

Dado que reconheceste que a justiça pertence à classe dos

maiores bens, aqueles que devem ser procurados pelas suas

conseqüências e muito mais por eles mesmos, como a visão, a

audição, a razão, a saúde e todas as coisas que são verdadeiros bens

devido à sua natureza e não segundo a opinião, louva, portanto, na

justiça o que ela tem em si mesma de vantajoso para aquele que a

possui e condena na injustiça o que ela tem de prejudicial; quanto

às recompensas e à reputação, deixa que outros as louvem. Eu, do

meu lado, aceitaria que outro louvasse a justiça e condenasse a

injustiça desta maneira, elogiando e condenando a reputação e as

recompensas que acarretam, mas não aceitarei que tu o faças, a não

ser que me ordenes, visto que passaste toda a tua vida a analisar esta única questão. 306

E que na justiça a dupla necessidade; “a necessidade de coação, que é contra a

vontade e elimina o mérito; e a necessidade proveniente de um preceito, ou a necessidade

que decorre do fim.” Anselmo na suma diz “a justiça é a retidão da vontade, retidão

observada por causa dela mesma.” E São Tomás somos “chamados justos pelo fato de

agirmos com retidão”. E que “sendo a vontade um apetite racional, quando a retidão da

razão, à qual chamamos verdade, se imprime na vontade, guarda o nome de verdade, em

virtude da sua afinidade com a razão”. E que “a vontade tente ao seu objeto, depois que

302 A Republica de Platão pagina 33 Livro 1. 303 A Republica de Platão pagina 44 Livro 1. 304 A Republica de Platão pagina 52 Livro 1. 305 A Republica de Platão pagina 57 Livro 2. 306 A Republica de Platão pagina 67 Livro 2.

Página 82 de 193

este foi apreendido pela razão. Por isso, dado que a razão estabelece uma relação com

outrem, a vontade pode querer algo em relação a outrem, o que é da alçada da justiça”.

Sócrates — O primeiro deles, que é também o mais

importante de todos, consiste na alimentação, de que depende a

conservação do nosso ser e da nossa vida.

Sócrates — O segundo consiste na moradia; o terceiro, no

vestuário e em tudo o que lhe diz respeito. 307

Sócrates — Então, cada um deverá desempenhar a sua função para toda a comunidade 308

Sócrates — De onde se deduz que se produzem todas as

coisas em maior número, melhor e mais facilmente, quando cada

um, segundo as suas aptidões e no tempo adequado, se entrega a um

único trabalho, sendo dispensado de todos os outros 309 Sócrates —

E onde encontraremos a justiça e a injustiça? De qual dos elementos

que mencionamos julgas que elas se originam? Adimanto — Eu não o sei, Sócrates, salvo se for das relações mútuas dos cidadãos. 310

E que “o bem de cada virtude, quer ordene o homem para consigo mesmo, quer o

ordene a outras pessoas, comporta uma referência ao bem comum, ao qual orienta a

justiça. Dessa maneira, os atos de todas as virtudes podem pertencer à justiça, enquanto

está orienta o homem ao bem comum. Nesse sentido, a justiça é uma virtude geral. E

como compete à lei ordenar o homem ao bem comum.” São Tomás diz “as coisas que nos

concernem individualmente podem ser ordenadas a outrem, sobretudo em razão do bem

comum”. E que “a justiça legal é por essência uma virtude especial, pois tem por objeto

próprio o bem comum.”

Sócrates — Pode a injustiça ser outra coisa que não uma

sublevação dos três elementos da alma, uma confusão, uma

usurpação das suas respectivas tarefas, a revolta de uma parte contra

o todo para conquistar uma autoridade à qual não tem direito, visto

que a sua natureza a destina a obedecer àquela que foi gerada para

governar? E daí, afirmamos nós, é dessa perturbação e dessa

desordem que se origina a injustiça, a intemperança, a covardia, a

ignorância, enfim, todos os vícios. 311

Ademais “tudo o que pode ser retificado pela razão constitui a matéria de uma

virtude moral, que se define pela reta razão(...). A razão pode assim retificar tanto as

paixões interiores da alma, quanto as ações exteriores e mesmo as coisas externas que

servem ao uso do homem. Todavia, mediante as ações das coisas exteriores, pelas quais

os homens podem comunicar entre si, o que visa é a boa ordem as relações mútuas, ao

passo que nas paixões interiores, considera-se a retidão do homem em si mesmo. E uma

307 A Republica de Platão pagina 70 Livro 2. 308 A Republica de Platão pagina 71 Livro 2. 309 A Republica de Platão pagina 72 Livro 2. 310 A Republica de Platão pagina 75 Livro 2. 311 A Republica de Platão pagina 191 Livro 4.

Página 83 de 193

vez que a justiça tem por objeto as relações com outrem, ela não abarca toda a matéria da

virtude moral, mas somente as ações e coisas exteriores, sob o ângulo especial de um

objeto, a saber, enquanto por elas um homem é colocado em relação com outro”.

Sócrates — Além disso, nenhuma ação violenta será

intentada entre eles, pois nós lhes diremos que é nobre e justo que

iguais se defendam mutuamente e os convenceremos a velar pela sua segurança pessoal. 312

Sócrates — De acordo com Homero, também é justo honrar jovens que se destacam por favores desta natureza. 313

Coloca São Tomás “todas as virtudes morais estão em relação com o prazer e a

tristeza, enquanto fins que dela decorrem”. E Aristóteles na suma “alegria e tristeza são

o fim principal, em vista de qual declaramos uma coisa boa ou má”. E continua “a lei

manda praticar as ações que convêm ao homem forte, moderado e manso”.

Sócrates — São estes os prêmios, as recompensas e os presentes

que o justo recebe dos deuses e dos homens durante a vida, para além dos bens que lhe proporciona a própria justiça. 314

Os que, em vez disso, tenham praticado o bem à sua volta, tinham

sido justos e piedosos, recebiam, na mesma proporção, a recompensa merecida315

E diz “o meio-termo depende apenas da razão em referência a nós. Ao contrario,

a matéria da justiça é ação exterior, que por ela mesma ou pela realidade que utiliza. Tem

proporção devida com outra pessoa. Por isso, o meio-termo da justiça consiste em certa

igualdade de proporção da realidade exterior com a pessoa exterior. Ora, a igualdade é

realmente o meio-termo entre o mais e o menos(...). logo, a justiça comporta um meio-

termo real”.

Ambrósio declara na suma “a justiça dá a cada um que é seu, não reivindica o que

é alheio, negligencia sua própria utilidade, para salvaguardar a equidade comum.” E São

Tomás “a matéria da justiça é a ação exterior, enquanto ela mesma, ou o objeto que por

ela utilizamos, estão proporcionados a uma outra pessoa, com quem a justiça nos coloca

em relação. Ora, a cada pessoa diz-se pertencer como seu, aquilo que lhe é devido por

uma igualdade proporcional.” {ou seja, é conveniente a definição no começo proposta}.

Nas causas cíveis, tal conflito entre a justiça e o bem comum é

resolvido em favor do segundo, quando a lei não estabelece nenhum

remédio para um dano moral, pois garantir o ressarcimento nesses

casos poderia implicar sérias dificuldades de prova, ou uma

312 A Republica de Platão pagina 222 Livro 5. 313 A Republica de Platão pagina 229 Livro 5. 314 A Republica de Platão pagina 456 Livro 10. 315 A Republica de Platão pagina 458 Livro 10.

Página 84 de 193

sobrecarga de trabalho para os tribunais, ou um desencorajamento

indevido das iniciativas particulares.(...) o direito, em nome do

bem-estar geral da sociedade, pode impor o ressarcimento por parte

de quem prejudicou outra pessoa, ainda que moralmente, como

questão de justiça, poderia ser considerado como não devido.

(...)Quando se cumpre essa defesa, há nela um apelo implícito ao

bem-estar geral da sociedade, que, embora seja moralmente

aceitável e às vezes seja até chamado de "justiça social", difere das

formas primárias de justiça, que concernem simplesmente à

restauração, na medida do possível, do status quo entre dois

indivíduos. Deve-se notar um importante ponto de articulação entre

as idéias de justiça e as idéias de bem ou bem-estar social. 316

O conceito de "justiça social"

Enquanto [...] tive de defender o conceito de justiça, entendido

como fundamento e limitação indispensável de qualquer lei, quero

[...] criticar o abuso desse termo, que ameaça destruir o conceito de

lei como baluarte da liberdade individual. Talvez não seja de

admirar que os homens tenham aplicado aos efeitos conjuntos das

ações de muitas pessoas, mesmo quando esses nunca eram previstos

ou desejados, o conceito de justiça que eles tinham em relação ao

comportamento dos indivíduos para com seus semelhantes. A

justiça "social" (ou, às vezes, justiça "econômica") foi vista como

atributo que deviam possuir as "ações" da sociedade, ou o

"tratamento" dado por ela aos indivíduos ou grupos. 317

a exigência de "justiça social" já transformou, de maneira

considerável, a ordem social e continua a fazê-lo numa direção que

nem mesmo aqueles que a apresentaram poderiam imaginar. 318

A justiça requer que, no "tratamento" de uma ou mais pessoas, por

exemplo, por ações intencionais que possam prejudicar o bem-estar

alheio, sejam observadas certas regras de conduta, iguais para

todos319

Ao final trata sobre se a justiça tem preeminência sobre todas as virtudes morais,

e isso por duas razões “a primeira, do lado do sujeito: a justiça, com efeito, tem sua sede

na parte mais nobre da alma, a saber no apetite racional, a vontade. A segunda razão vem

da parte do objeto. Pois, as outras virtudes morais, além da justiça, são exaltadas somente

pelo bem que realizam no homem virtuoso, ao passo que a justiça é enaltecida pela bem

que o homem virtuoso realiza em suas relações com outrem.” Ou seja, a justiça tem

preeminência sobre as outras virtudes.

316 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 363. 317 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 367. 318 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 371. 319 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 380.

Página 85 de 193

Página 86 de 193

Página 87 de 193

Nono ponto; As partes da justiça320:

Diz São Tomás “a justiça particular se ordena a uma pessoa privada, que está para

a comunidade como a parte para o todo. Ora, uma parte comporta dupla relação. Uma, de

parte a parte, à qual corresponde a relação de uma pessoa privada a outra. Tal relação é

dirigida pela justiça comutativa, que visa o intercâmbio mútuo entre duas pessoas. A outra

relação é do todo às partes; a ela se assemelha a relação entre o que é comum a cada uma

das pessoas. Essa segunda relação se refere a justiça distributiva, que reparte o que é

comum de maneira proporcional.”

A justiça das ações é dividida pelos escritores em comutativa e

distributiva; conforme dizem, a primeira consiste numa proporção

aritmética, e a segunda, numa proporção geométrica. Por isso,

colocam a comutativa na igualdade do valor das coisas a serem

trocadas por contrato, e a distributiva, na distribuição de um

benefício igual a homens de igual mérito, como se fosse uma

injustiça vender a um preço mais caro do que aquele pago para

comprar ou dar a um homem mais do que ele merece. A medida do

valor das coisas trocadas por contrato é determinada pelo desejo dos

contratantes de possuí-las e, portanto, o justo valor é aquele pelo

qual eles se contentam em dar. Por outro lado, a recompensa do

mérito (à parte aquele que subsiste em virtude de um pacto, o que

faz com que o cumprimento de uma parte mereça o cumprimento

da outra, e recai sob a justiça comutativa, e não sob a distributiva)

representa não algo devido por justiça, mas dispensado pela graça.

Portanto, essa distinção, no sentido em que costuma ser exposta,

não é correta. Na verdade, a justiça comutativa é a justiça dos

contratantes; vale dizer, o cumprimento do pacto na compra e

venda, no aluguel e no empréstimo para quem dá e recebe, na troca,

na permuta e em todos os outros atos contratuais. A justiça

distributiva é a justiça do árbitro; vale dizer, o ato de definir o que

é justo. Se, no cumprimento desse ato (que lhe foi confiado por

aqueles que o escolheram), o árbitro confirmar o encargo, deverá

distribuir a cada um o que lhe é devido. De fato, essa é uma

distribuição justa e pode ser chamada (embora impropriamente) de

justiça distributiva, mas, de modo mais correto, de eqüidade; essa também é uma lei natural.321

Diz Aristóteles “Na justiça distributiva, o meio-termo se considera conforme uma

‘proporção geométrica’; na justiça comutativa, a ‘proporção é aritmética’”. E São Tomás

“justiça distributiva, se dá a alguém tanto mais dos bens comuns, quanto for sua

preeminência na comunidade. Em uma comunidade aristocrática, essa preeminência se

considera tento em conta a virtude; na oligarquia, se olha a riqueza; na democrática, se

mira a liberdade”. E que “encaramos como matéria das duas justiças, os próprios atos

principais pelos quais nos servimos das pessoas, das coisas e das obras, então, em uma e

outra se encontra matéria diversa. Pois, a justiça distributiva regula a distribuição, e a

comutativa, os intercâmbios entre duas pessoas”.

320 Suma Teológica VI p95-105. 321 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 118

Página 88 de 193

Décimo Ponto; A Restituição322:

Diz São Tomás “restituir não é mais do que restabelecer alguém na posse ou no

domínio do que é seu. E assim, na restituição visa-se uma igualdade da justiça,

compensando uma coisa com outra, o que pertence à justiça comutativa”. E que “portanto,

a restituição é um ato da justiça comutativa, quer o bem do outro tenha sido obtido, por

sua vontade livre, como no caso do mútuo ou do deposito, que contra a sua vontade, como

na rapina e no furto.”

Commercium é a capacidade de comprar ou vender. 323

A in iure cessio é modo de alienação comum às coisas

mancipi e nec mancipi, e se realiza em três pessoas: quem

cede in iure, quem reivindica e quem faz a atribuição324

Quem cede in iure é o dono; quem reivindica é o

cessionário; quem faz a atribuição é o pretor325

Podem ceder-se in iure também as coisas incorpóreas, como

o usufruto, a herança e a tutela legítima da liberta 326

Diz São Tomás “a restituição exige, pois, a entrega da coisa mesma que foi

injustamente tirada” e que “como observar a justiça é de necessidade para a salvação, por

conseguinte é de necessidade para a salvação restituir o que foi injustamente tirado”. E

“há duas coisas a considerar, quando alguém se apodera injustamente do bem alheio. A

primeira é a desigualdade nas próprias coisas possuídas(...). Outra e a falta contra a

justiça(...). a reparação no primeiro caso se encontra na restituição, que restabelece a

igualdade; para isso, basta que se restitua apenas o quanto se reteve do alheio”.

Não sendo atrox, i.e., grave, a injúria é avaliada a arbítrio

do juiz. A grave costuma ser avaliada pelo pretor; ele se

baseia em fatos; por exemplo, se alguém foi chicoteado ou

ferido327

Discorre São Tomás “duas coisas se hão de considerar naquele que recebeu o bem

de outrem: o que recebeu e a maneira de receber. Em razão do bem recebido, tem-se a

322 Suma Teológica VI p106-120. 323Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 72. 324Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 73. 325Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 73. 326Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 74. 327Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 123.

Página 89 de 193

obrigação de restitui-lo, enquanto se estiver em posse dele. Com efeito, quem possui mais

do que é seu, deve-lhe ser tirado e dado a quem está privado dele”

Há dois tipos de ações: a ação in rem, chamada

reivindicação, e a in personam, denominada condictio. 328

A ação é in rem, quando reclamamos coisa nossa possuída

por outrem; é sempre contra o possuidor da coisa329

A ação é in personam, quando acionamos quem se obrigou,

para conosco, a fazer ou a dar algo; é sempre contra este. 330

Algumas ações derivam de contrato, outras de fato, outras

são in factum. 331

Trata também São Tomás “a recepção, porém, de uma coisa alheia pode revestir

uma tríplice modalidade: 1º por vezes, ela é injusta porque contraria a vontade do

proprietário, como no caso da furto e do roubo. Então, quem a praticou está obrigado à

restituição, quer em razão do bem de outrem em si mesmo, quer, em razão da ação

injuriosa, ainda que não continue a deter o bem alheio. Se alguém feriu outrem está

obrigado a dar uma reparação ao injuriado, mas que nada permaneça com ele. Assim

também quem furta ou rouba está obrigado a compensar o dano causado, embora nada

tenha guardado para si; e, além disso, deve ser punido pela injustiça cometida. 2º alguém

recebe o bem alheio para sua própria utilidade, sem injustiça, pois conta com o

consentimento do proprietário, como na caso de empréstimos. E então estará obrigado à

restituição, não apenas em razão do bem recebido, mas pelo fato de tê-lo recebido, mesmo

que já tenha perdido. Deve recompensar a quem lhe fez favor, o que não se dará, se este

sair prejudicado. 3º recebe-se o bem alheio, sem injustiça, mas também sem utilidade

própria, como no caso dos depósitos. Do fato de ter recebido esse bem, o depositário não

contrai qualquer obrigação, pois está prestando serviço ao guardá-lo. A obrigação decorre

do próprio bem a ele confiado.(...) o principal objetivo da restituição é reparar o dano

causado a quem foi lesado em seus bens”.

A ação deriva de um fato, quando a

responsabilidade resulta de um ato praticado,

como no caso de se perpetrar um furto, de se fazer

uma injúria, de se ocasionar um dano. 332

328Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 123. 329Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124. 330Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124. 331Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124. 332Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124.

Página 90 de 193

Chama-se in factum a ação de que é exemplo a

que se dá ao patrono contra o liberto, que o

chamou a juízo, infringindo o edito do pretor. 333

Todas as ações ou são civis ou honorárias. 334

Segunda Seção

Da Lei

Primeiro ponto; A Essência da Lei335:

Diz São Tomás “a lei é certa regra e medida dos atos, segundo a qual alguém é

levado a agir, ou apartar-se da ação.(...) cabe, com efeito, à razão ordenar ao fim.” E

Isidoro na suma “que a lei é ‘escrita não para vantagem particular, mas para a comum

utilidade das cidadãos’”.

A lei é rogada, quando proposta; ab-rogada, quando abole a

lei anterior; derrogada, quando suprime uma parte da lei

anterior; sub-rogada, quando acrescenta algo à primeira lei;

ob-rogada, quando altera algo da primeira lei. 336

E “donde é necessário que a isso a lei pertença principal e maximamente. - O

primeiro princípio no operar do qual trata a razão prática, é fim ultimo. Mas o último fim

da vida humana é a felicidade ou bem-aventurança(...). Portanto, é necessário que a lei

vise maximamente à ordem que é para bem-aventurança. - Por outro lado, como toda

parte se ordena ao todo como o imperfeito ao perfeito e cada homem é parte da

comunidade perfeita, e necessário que a lei propriamente vise à ordem para a felicidade

comum.” Aristóteles na suma “dizemos justas as disposições legais que fazem e

conservam a felicidade e as partes dessa, na comunicação politica.”

333Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 125. 334Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 125. 335 Suma Teológica IV p521-528. 336Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 24.

Página 91 de 193

O direito igual de cada um à felicidade implica, tanto para

o moralista quanto para o legislador, uma igual reivindicação de

todos os instrumentos para a felicidade, mas apenas até onde as

inevitáveis condições da vida humana, o interesse geral e aquele

individual não impõem limitações, que, de todo modo, deveriam ser

rigorosamente interpretadas337

na justiça, ou seja, na observância das condições pelas quais

só é possível que a prática da virtude e a busca da felicidade se

identifiquem na mesma conduta. 338

A felicidade tem dois aspectos: um deles é o sucesso na execução

de um plano racional (o programa de atividades e objetivos) que

uma pessoa se esforça para atingir; o outro é o seu estado mental,

sua sólida confiança, apoiada em bons motivos, de que seu

sucesso irá perdurar. 339

E que em São Tomás “portanto, é necessária que, dado que a lei se nomeia

maximamente segundo a ordenação ao bem comum, qualquer outro preceito sobre uma

obra particular não tenha razão da lei a não ser segundo a ordenação ao bem comum”,

{ou seja, a utilidade comum e felicidade comum, sendo esses as duas coisas juntas para

ser bem comum.}

I. O princípio de utilidade reconhece essa sujeição e a assume como

fundamento desse sistema, cujo objetivo é erigir o edifício da

felicidade com os instrumentos da razão e da lei. Os sistemas que

tentam colocá-la em dúvida usam sons em vez de significados,

capricho em vez de razão, obscuridade em vez de luz. Mas basta de

metáfora e de eloqüência: não é com esses meios que se pode fazer

progredir a ciência moral.

II. O princípio de utilidade constitui o fundamento do presente

trabalho: será oportuno, portanto, iniciar oferecendo um relato

explícito e determinado do que se entende por ele. Por princípio de

utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova toda

e qualquer ação segundo a tendência que ela mostra ter de aumentar

ou diminuir a felicidade da parte cujo interesse está em questão; ou,

com outras palavras, de promover ou impedir essa felicidade. Digo

toda e qualquer ação e, portanto, não apenas toda ação de um

indivíduo em particular, mas toda medida de governo.

III. Por utilidade entende-se, em qualquer objeto, aquela

propriedade para a qual ele tende a produzir benefício, vantagem,

prazer, bem ou felicidade (tudo isso, no presente caso, eqüivale à

mesma coisa) ou a prevenir (o que novamente resume-se à mesma

coisa) a ocorrência de uma injustiça, de uma dor, de um mal ou de

uma infelicidade para a parte cujo interesse é considerado: se a parte

é a comunidade em geral, então, a felicidade da comunidade; se é um único indivíduo, então, a felicidade desse indivíduo.

IV. O interesse da comunidade é uma das expressões mais gerais

que podem surgir na fraseologia da moral: não é de admirar que,

muitas vezes, seu significado se perca. Quando tem um significado,

é esse. A comunidade é um corpo fictício, composto pelas pessoas

individuais, que são consideradas, por assim dizer, seus membros.

337 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justic ̧a de Platão a Rawls pagina 263-264 338 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justic ̧a de Platão a Rawls pagina 338 339 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2000. Pagina 610

Página 92 de 193

O que é, então, o interesse da comunidade? A soma dos interesses

dos diversos membros que a compõem.

V. É inútil falar dos interesses da comunidade sem compreender

qual é o interesse do indivíduo3. Diz-se que uma coisa promove o

interesse ou está no interesse de um indivíduo quando tende a

aumentar a soma total de seus prazeres; ou, o que é a mesma coisa,

a diminuir a soma total de suas dores.

VI. Sendo assim, pode-se dizer que uma ação é conforme ao

princípio de utilidade ou, para ser breve, à utilidade (em relação à

comunidade no seu conjunto) quando sua tendência a aumentar a

felicidade da comunidade é maior do que qualquer tendência sua a diminuí-la.

VII. Uma medida de governo (que não passa de um determinado

tipo de ação praticada por uma ou mais pessoas particulares) pode

ser considerada conforme ao princípio de utilidade ou ditada por ele

quando, analogamente, a tendência que ela tem a aumentar a

felicidade da comunidade é maior do que qualquer tendência sua a

diminuí-la.

VIII. Quando um homem supõe que uma ação ou, em particular,

uma medida de governo é conforme ao princípio de utilidade, pode

ser conveniente, para os objetivos do discurso, imaginar um tipo de

lei ou ditame, chamado de lei ou ditame da utilidade: e falar da ação em questão como conforme a tal lei ou ditame.

IX. Pode-se dizer que um homem é um defensor do princípio de

utilidade quando a aprovação ou a desaprovação que ele atribui a

qualquer ação ou a qualquer medida é determinada pela tendência,

e proporcional a ela, que ele considera que ela tem a aumentar ou

diminuir a felicidade da comunidade: ou, em outras palavras, à sua

conformidade ou não com as leis ou com os ditames da utilidade.

X. De uma ação conforme ao princípio de utilidade pode-se sempre

dizer ou que é uma ação que deveria ser praticada, ou, pelo menos,

que não é uma ação que não deveria ser praticada. Pode-se dizer

também que é justo praticá-la ou, pelo menos, que não é injusto

praticá-la; que é uma ação justa ou, pelo menos, que não é uma ação

injusta. Interpretadas desse modo, as palavras deveria, justo e

injusto, além de outras de tal natureza, têm um significado; do contrário, não têm nenhum.

XI. Chegou-se a contestar formalmente a retidão desse princípio?

Aparentemente sim, por parte daqueles que não sabiam o que

queriam dizer. Será que esse princípio é suscetível de uma prova

direta? Aparentemente não, pois o que é usado para provar todo o

resto não pode, por sua vez, ser provado: uma corrente de provas

deve ter seu início em algum lugar. Dar tal prova é tão impossível

quanto desnecessário.

XII. Não que exista, ou que não tenha existido algum dia, uma

criatura humana viva que, por mais estúpida ou perversa que fosse,

não tivesse confiado nesse princípio em muitas e talvez até na maior

parte das ocasiões de sua vida. Por causa da constituição natural do

organismo humano, na maior parte das ocasiões das suas vidas, os

homens em geral adotam esse princípio sem refletir a respeito dele:

se não for para regular as próprias ações, é pelo menos para analisá-

las, bem como aquelas alheias. Talvez não tenha havido muitos

contemporaneamente, mesmo entre os mais inteligentes, que se

dispusessem a adotá-lo de modo exclusivo e sem reservas. Existem

também alguns que não perderam a ocasião para polemizar contra

ele, ou porque nem sempre entenderam como aplicá-lo, ou por

causa deste ou daquele preconceito que temiam examinar até o fim,

ou do qual não conseguiam separar-se. Pois esta é a matéria de que

é feito o homem: em linha de princípio e em linha prática, num

caminho correto ou em outro errado, a mais rara de todas as qualidades humanas é a coerência.

Página 93 de 193

XIII. Quando um homem tenta combater o princípio de utilidade o

faz sem perceber, com razões extraídas desse mesmo princípio4.

Seus argumentos, se provam algo, não provam que o princípio é

errôneo, mas que, com base nas aplicações que ele supõe que se

façam dele, é mal aplicado. É possível para um homem mover a

terra? Sim, mas antes ele deve encontrar outra terra na qual se apoiar.

XIV. É impossível confutar a sua adequação mediante

argumentações, mas, segundo as causas que foram mencionadas ou

com base numa visão confusa ou parcial desse princípio, pode

acontecer de um homem não estar disposto a apreciá-lo. Nesse caso,

se ele pensa que vale a pena esclarecer suas opiniões sobre tal

argumento, deve dar os seguintes passos e, ao longo do caminho,

talvez possa conseguir reconciliar-se com ele. 1. Deve estabelecer

intimamente se deseja rejeitar completamente esse princípio; em

caso afirmativo, deve considerar em que podem resultar todas as

suas reflexões (sobretudo em matéria de política). 2. Caso o faça,

deve estabelecer intimamente se julgaria ou agiria sem nenhum

princípio ou se há algum outro com base no qual julgaria e agiria.

3. Se houver algum, deve examinar e verificar se o princípio que

pensa ter encontrado é realmente um princípio inteligível e distinto;

ou se não é um princípio meramente verbal, um tipo de frase, que,

no fundo, não exprime nem mais, nem menos do que a mera

asserção dos próprios sentimentos desprovidos de fundamento: ou

seja, aquele que, em outra pessoa, ele poderia tender a chamar de

capricho. 4. Se estiver inclinado a acreditar que a própria aprovação

ou desaprovação, incorporada à idéia de um ato, sem levar em conta

suas conseqüências, é para ele um fundamento suficiente, com base

no qual deve julgar e agir, deve perguntar-se se o seu sentimento

constitui um critério do justo e do injusto em relação a todos os

outros homens ou se o sentimento destes tem o mesmo privilégio

de constituir um critério por si mesmo. 5. No primeiro caso, deve

perguntar-se se o seu princípio não é despótico e hostil ao restante

da raça humana. 6. No segundo caso, deve perguntar-se se não é

anárquico e, prosseguindo dessa maneira, se não haverá outros

tantos critérios diferentes do justo e do injusto quantos são os

homens; e se para o mesmo homem uma mesma coisa, que hoje é

justa, não pode (sem a menor mudança na sua natureza) ser injusta

amanhã; e se a mesma coisa não será justa e injusta no mesmo lugar

e na mesma época; e se em ambos os casos não será o fim de toda

argumentação; e se quando dois homens disserem "gosto disso" e

"não gosto", poderão (com base em tal princípio) ter algo mais a

dizer. 7. Se ele tivesse de dizer a si mesmo: não, uma vez que esse

sentimento que ele propõe como critério deve fundar-se na reflexão,

precisa dizer em que detalhes se deve basear tal reflexão; se em

detalhes relativos à utilidade do ato, então que diga se isso não

significa desertar o próprio princípio e pedir auxílio àquele mesmo

princípio, em oposição ao qual ele tinha alçado o próprio. Ou, se

não se basear nesses detalhes, em que outros irá basear-se? 8. Se

tendesse a combinar as coisas e adotar em parte o próprio princípio

e, em parte, o princípio de utilidade, deve dizer até que ponto o

adotará. 9. Quando tiver estabelecido onde deve parar, então que

seja indagado como justifica a si mesmo o fato de adotá-lo até

aquele ponto e por que não o adota mais além. 10. Admitindo-se

que qualquer outro princípio além daquele de utilidade seja um

princípio justo, um princípio que é justo para um homem segui-lo;

admitindo-se (o que não é verdade) que a palavra justo possa ter um

significado sem referência à utilidade, deverá dizer se existe algo

como um motivo que um homem pode ter para seguir seus ditames:

se houver, que diga qual é esse motivo e como se pode distingui-lo

daqueles que tomam cogentes os ditames da utilidade; se não

houver, então que diga, finalmente, para que pode servir esse outro princípio. 340

340 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justic ̧a de Platão a Rawls pagina 231-238

Página 94 de 193

Diz São Tomás “as ações são certamente da ordem do particular, mas aqueles

particulares podem referir-se ao bem comum, não certamente pela comunidade do gênero

ou da espécie, mas pela comunidade da causa final, enquanto o bem comum se diz fim

comum.” E que “a ordem ao bem comum, que pertence à lei, é aplicável aos fins

particulares”.

Diz Isidoro e está nas decretais na suma “a lei é a constituição do povo, segundo

a qual os que são maiores por nascimento, juntamente com as plebes, sancionaram algo”

e “assim constituir a lei ou pertence a toda multidão, ou a pessoa pública que tem o

cuidado de toda multidão” e que “e assim, como o bem de um só homem não é o fim

último, mas ordena-se ao bem comum, assim também o bem de uma só casa ordena-se

ao bem de uma cidade, que é a comunidade perfeita.” Dizem as Decretais na suma “as

leis se instituem quando são promulgadas”.

Segundo ponto; Os efeitos da Lei341:

Diz Aristóteles na suma “a vontade de qualquer legislador é fazer bons os

cidadãos” e para São Tomás “é manifesto que isso seja próprio da lei, induzir os súditos

à própria virtude dos mesmos. Como a virtude é ‘aquela que torna bom quem a possui’,

segue-se que o efeito próprio da lei é tornar bons aqueles aos quais é dada, absolutamente

ou relativamente. Se a intenção do legislador tende ao verdadeiro bem, que é o bem

comum”. E “porque a lei é dada para dirigir os atos humanos, enquanto os atos humanos

são realizados para a virtude”. Diz Aristóteles na suma “os legisladores tornam bons

aqueles em que geram o costume”. E que para São Tomás “que bondade de qualquer

parte é considerada em proporção a seu todo”. Discorre São Tomás “deve-se dizer que a

lei tirânica, uma vez que não e segundo a razão, não é simplesmente lei, mas antes certa

perversidade da lei”.

“Qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade

de todos de acordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a

liberdade de escolha de cada um poder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal.” 342

341 Suma Teológica IV p541-546. 342 KANT. Immanuel. A Metafísica dos Costumes.pagina 76-77

Página 95 de 193

Trata São Tomás “os preceitos da lei dizem respeito aos atos humanos, os quais a

lei dirige(...). São, contudo três as diferenças das atos humanos.(...) alguns atos são bons

pelo gênero, que são os atos das virtudes e a respeito desses, é posto o ato da lei de

preceituar ou ordenar; ‘ordena’, pois, ‘a lei todos os atos das virtudes’(...) alguns, porém,

são atos maus pelo gênero (quando se interfere em outra vontade), como os atos viciosos,

e a respeito deles cabe à lei o proibir. Alguns, contudo, pelo gênero, são atos indiferentes

e a respeito deles, cabe a lei o permitir. E podem ser ditos indiferentes todos aqueles atos

que são ou pouco bons ou pouco maus. - aquilo pelo qual a lei induz a que se lhe obedeça,

é o temor da pena, e quanto a isso, é posto o punir como efeito da lei”.

Terceiro ponto; A Lei Eterna343:

Diz Agostinho na suma “a lei eterna é a suma razão, à qual se deve sempre

sujeitar”. E diz São Tomás “portanto, assim como a razão da divina sabedoria, enquanto

por ela foram todas as coisas criadas, tem razão de arte ou exemplar ou ideia, assim

também a razão da divina sabedoria ao mover todas as coisas para o devido fim, obtém a

razão de lei. E segundo isso, a lei eterna nada é senão a razão da divina sabedoria, segundo

é diretiva de todos os atos e movimentos”. E diz Agostinho na suma “a lei eterna é aquela

pela qual os homens não podem julgar” e que “a lei eterna é aquela pela qual é justo que

todas as coisas sejam ordenadíssimas”.

A norma jurídico, como resultado da realidade social, é

instrumenta institucionalizado de maior importância para o

controle social. O fenômeno jurídico não pode, assim ser

desgarrado do uma perspectiva histórica. “O que hoje

vigora, abrolhou de germes existentes do passado; o Direito

não se inventa” (...) de um dos principais (se não o

principal) elementos constitutivos do contrato: a autonomia

da vontade. 344

O direito é exigência de justiça. Assim, justiça é o norte do

aplicador do direito. Também para Del Vecchio a justiça é

a pedra angular de todo edifício jurídico. (...) Em primeiro

lugar, a justiça é uma virtude social, quer dizer, um

indivíduo isolado não poderá ser justo ou injusto. Tanto

assim que, para Renard, justiça é a lei primordial das

relações pessoa a pessoa. Dessa forma, não se concebe haja

ou não justiça sem a presença do elemento “outrem”. O

segundo elemento que integra o conceito de justiça é o

343 Suma Teológica IV p546-559. 344 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 265.

Página 96 de 193

caráter de obrigatoriedade ou exigibilidade – debitum – que

lhe é particular. Em verdade, existem dois tipos de debitum:

um dever moral (como o dever de gratidão) que não pode

ser imposto a lei e outro que pode ser exigido e legalmente

imposto, o debitum legale. Na justiça, o que é devido pode

ser exigido. Na justiça, o débito é “rigoroso, estrito, legal”.

“em lugar de estabelecer o dever e deixa à consciência do

devedor seu comprimento efetivo, a justiça quer ser

respeitada”. Por fim, a terceira nota que integra o conceito

de justiça é o elemento igualdade, talvez o mais belo de

todos. “a essência da justiça é a igualdade”, observa São

Tomás de Aquino. Não se faz referência, aqui, à igualdade

simplesmente material (dou-te 100 e me darás 100), mas

sim a uma igualdade moral, ou melhor, igualdade de

direitos. É esse, em linhas gerais, o conceito geral de justiça

que a melhor doutrina abraça. (...) Essa injustiça ocorre,

como sabemos por experiência, devido à abissal

desigualdade de situações nas quais se encontram as partes

que acordam um contrato (grande poder econômico de um

lado, exempli gratia). Acresce, ainda, que ampla liberdade

de contratar, calcada no princípio da autonomia da vontade,

deu também ensejo a distorções da função contratual. 345

Preleciona Caio Mário da Silva Pereira, o contrato é “um

acordo de vontades, na conformidade da lei, e com

finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar,

limitar ou modificar direitos” 346

Palavras de Vicente Ráo, “a vontade manifesta, ou

declarada, possui, no universo jurídico poderosa força

criadora: é a vontade que, através de fatos disciplinados

pela norma, determina a atividade jurídica das pessoas ...”

347

Diz São Tomás “a lei implica certa razão diretiva das atos para o fim”. E que

“portanto como a lei eterna é a razão de governo no governante supremo, é necessário

que todas as razões de governo que estão nos governantes inferiores derivem da lei

eterna.(...) donde todas as leis, enquanto participam da razão reta, nessa medida derivam

da lei eterna”. Diz Agostinho “na lei temporal nada é justo e legítimo que os homens não

tenham derivado para si da lei eterna”.

Visto, engendram-se obrigações tão-somente por causa da

vontade, do querer humano. Ressalve-se que não é qualquer

vontade que possui aptidão para gerar obrigações, mas tão-

somente a vontade livre, sem vício que maculem de forma

insanável. Cristaliza-se, com isso, o princípio da autonomia

da vontade, que é faculdade de que dispõem as pessoas de

concluir livremente contratos. “A ideia de autonomia de

vontade, estreitamente ligada à ideia de uma vontade livre,

dirigida pelo próprio indivíduo e sem influência externas

imperativas” manifesta-se, na esteira de Cláudia Lima

345 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 267-268. 346 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 269. 347 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 269.

Página 97 de 193

Marques, sob quatro perspectivas diferente, saber: i)

liberdade de contratar ou de se abster de contratar, ii)

liberdade de escolher seu parceiro contratual; iii) liberdade

de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer

assumir; e iv) liberdade de poder exprimir sua vontade na

forma que desejar, contando sempre com a proteção do

direito. 348

A vontade, para a teoria clássica do contrato, representava

tudo: dela dependiam o início e a fim do contrato. Sem a

vontade, manifestada livremente, o contrato não tenha razão

de ser. Expressiva as palavras de Cláudia Lima Marques a

esse respeito: “É a época do liberalismo na economia e do

chamado voluntarismo no direito. A função das leis

referentes a contratos era, portanto, somente a de proteger a

vontade criadora e de assegurar a realização dos efeitos

queridos pelo contraentes. A tutela jurídica limita-se a

possibilitar a estruturação pelos indivíduos destas relações

jurídicas próprias, assegurando uma teórica autonomia,

igualdade e liberdade no momento de contratar e

considerando por completo a situação econômica e social

dos contraentes”. 349

A autonomia da vontade, apesar de ter importância crucial

nas relações contratuais dos indivíduos, desenvolvia-se

apenas no plano teórico, constituindo-se uma espécie de

ideal. De fato, uma teoria que surge dos ideias liberalistas,

visando facilitar e ou desburocratizar as contratações e

aquisições, está fatalmente ligada à realidade do mercado, e

é seguramente feita em benefício deste. Fácil é, portanto,

perceber que a situação leva, em última análise, a um

desvirtuamento da figura contratual. 350

E para São Tomás “enquanto, pois, se afasta da razão eterna, diz-se assim lei

iníqua, e assim não tem razão de lei, e, sim, mais de certa violência”. E se “isso mesma é

uma coibição eficacíssima; com efeito, quaisquer coisas que são coibidas, dizem-se ser

coibidas na medida em que não podem fazer diferentemente do que é disposto a respeito

delas”.

Era forçosa uma dilatação da atual estatal; era imperioso um estado

que não fosso apenas “o garantidor da liberdade e da autonomia

contratual das indivíduos”, mas, “ultrapassando os limites da justiça

comutativa, promovesse a justiça social”. 351

“Espaço reservado e protegido pelo direito para a livre e soberana

manifestação das partes, a ser um instrumento jurídico mais social,

sendo controlado e submetido a uma série de imposições cogentes,

348 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 269. 349 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 270. 350 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 270. 351 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 270-271.

Página 98 de 193

mas equitativas” em outras palavras, o contrato passa a desempenhar

uma função social, alçada ao status de princípio. 352

O individualismo que imperava no Estado Liberal provocou imensas

injustiças; era necessária uma “correção do individualismo clássico

liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização do

objetivos de justiça social”. (...) O limite da função social e o

princípio da boa-fé (...) magistrado Ramón Mateo Júnior, que discorre

acerca do referido princípio, para quem a função social dos contratos

consiste: no dever do juiz de tornar real o mandamento de respeito à

recíproca confiança, que incumbe às partes contratantes, não

permitindo que o acordo de vontades atinja finalidade oposta ou

divergente ao respeito da dignidade humana, desde o momento da

contratação até a consumação do vínculo. Some-se a isso o

reconhecimento dos deveres conexos cuja teleologia consiste na

observância da função social. Ao regrar o comportamento das partes

amparado pelo princípio da boa-fé objetiva, o magistrado deverá ter

em mente a função social que o contrato exerce na atual sociedade

globalizada, sendo certo que nessa perspectiva a leitura e a releitura

da legislação social não bastam. É necessária uma reflexão vinculada

ao predomínio do valor humano (dignidade humana), com todos os

seus atributos, como resultante básica de qualquer anexo dever ser

imposto como regra de comportamento aos contratantes. Essa

reflexão exige, com igual intensidade, um estudo mais aprofundado

das questões sociais, filosóficas e econômicas. 353

Trata que “nos bons, contudo, cada uma das maneiras acha-se perfeita, pois além

do conhecimento da fé e da sabedoria; e acima da inclinação natural para o bem,

acrescenta-se neles internamente a moção da graça e da virtude”. Diz o apostolo na suma

“Onde o Espírito do Senhor, aí a liberdade”.

Uma concepção social do contrato, para a qual “não só o momento da

manifestação da vontade importa, mas onde também e principalmente

os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta”. (...)

Transforma-se o contrato, adequando-se ao novo tipo de mercado e

organização econômica. Não se nega, de maneira alguma, sua função

preponderante no seio da sociedade, nem tampouco se subtrai a figura

da autonomia da vontade. Apenas posterga-se, parcialmente, sua

importância (da autonomia da vontade), uma vez que não mais é

compatível com momento atual. {deixando claro que o momento

atual aqui remetido desse artigo é de 2002, e mais, pensamos que o

autor fala do contratante e não do contratado}354

Quarto ponto; A Lei Natural355:

Diz São Tomás “assim como o ente é o primeiro que cai na apreensão de modo

absoluto, assim o bem é o primeiro que cai na apreensão da razão prática, que se ordena

352 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 271. 353 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 272. 354 PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no

novo código civil brasileiro. Pagina 272-273. 355 Suma Teológica IV p559-572

Página 99 de 193

a obra: todo agente, com efeito, age por causa de um fim, que tem razão de bem. E assim

o primeiro princípio na razão prática é o que se funda sobre a razão de bem que é ‘Bem é

aquilo que todas as coisas desejam’. Este é , pois, o primeiro princípio da lei, que o bem

deve ser feito e procurado, e o mal, evitado. E sobre isso se fundam todos os outros

preceitos da lei da natureza, como, por exemplo, todas aquelas coisas que devem ser feitas

ou evitadas pertencem aos preceitos da natureza, que a razão prática naturalmente

apreende ser bens humanos.”

Assim como a justiça depende de um pacto anterior, a GRATIDÃO

depende de uma graça anterior, ou seja, de uma livre doação

anterior. Constitui a quarta lei natural e pode ser concebida da

seguinte forma: um homem que recebe um benefício de outro por

pura graça deve esforçar-se para que o doador não tenha nenhum

motivo razoável para arrepender-se da própria benevolência. Com

efeito, uma vez que a doação é voluntária e o objeto de todos os atos

voluntários é para cada um o seu próprio bem, ninguém dá se não

estiver esperando um bem para si próprio. E, se os homens vêem

que ficarão sempre frustrados na espera desse bem, nunca terão

iniciativa, nem benevolência ou confiança, tampouco, por

conseguinte, ajuda recíproca nem mútua reconciliação. Deverão,

portanto, continuar na condição de guerra, o que é contrário à

primeira e fundamental lei natural que ordena aos homens buscar a

paz. A infração dessa lei é chamada de ingratidão e tem com a graça

a mesma relação que a injustiça tem com a obrigação derivada do

pacto. Uma quinta lei natural é a COMPLACÊNCIA, vale dizer que

cada um deve esforçar-se para adaptar-se aos outros. Para

compreendê-la, podemos considerar que, no comportamento dos

homens em relação à sociedade, há uma diversidade natural,

originada a partir da diversidade das suas afeições, não diferente

daquela que pode ser observada nas pedras amontoadas para

construir um edifício. De fato, do mesmo modo como uma pedra é

descartada por ser inutilizável e incômoda, por tirar das outras mais

espaço do que ela própria preenche devido à aspereza e à

irregularidade da sua forma e por não poder ser facilmente

aplainada devido à sua dureza - o que faz com que ela acabe

impedindo a construção -, deve-se igualmente deixar fora ou

expulsar da sociedade, uma vez que constitui um obstáculo para ela,

um homem que, devido à aspereza da sua natureza, quer a todo

custo manter a posse de coisas que são, para ele, supérfluas, mas

necessárias para os outros, e que, pela irrefreabilidade. das suas

paixões, não pode ser corrigido. Por outro lado, a partir do momento

em que se supõe que cada um, não apenas por direito33, mas

também por necessidade natural, faz todo esforço possível para

obter o que é necessário à sua conservação, quem se opõe a isso por

coisas supérfluas é culpado pela guerra resultante e, portanto, faz

algo contrário à lei natural fundamental, que ordena que se busque

a paz. Os que observam essa lei podem ser chamados de

SOCIÂVEIS (os latinos os chamavam de cômodos), e os que lhe

são contrários, de irrefreáveis, insociáveis, arredios, intratáveis.

Uma sexta lei natural é a seguinte: como prévia garantiau para o

futuro, um homem deve perdoar as ofensas passadas daqueles que,

arrependidos, lhe pedirem perdão. Com efeito, o PERDÃO não é

outra coisa a não ser conceder a paz e, embora concedê-la àqueles

que perseveram na sua hostilidade não seja paz, mas temor, não

concedê-la àqueles que dão garantia para o tempo futuro é, todavia,

sinal de aversão à paz e, portanto, contrário à lei natural. Uma

sétima lei natural é: nas vinganças (ou seja, ao se retribuir a maldade

com outra maldade), os homens devem olhar não para a grandeza

do mal passado, mas para a grandeza do bem que dele deve nascer.

Razão pela qual nos é proibido infligir punições com outra intenção

Página 100 de 193

que não seja a correção de quem causou algum dano ou a

advertência dos outros. Essa lei é, de fato, uma conseqüência

daquela que imediatamente a precede e que ordena o perdão no caso

em que seja garantida a segurança35 para o futuro. Além disso, a

vingança que não levar em conta o exemplo e a vantagem futuros é

um triunfo ou uma glorificação do mal de outrem sem nenhum

objetivo (uma vez que o objetivo é sempre alguma coisa vindoura).

Ora, a glorificação sem nenhum objetivo é vangloria36 e é contrária

à razão, e o ato de infligir um mal. sem razão tende a introduzir a

guerra, o que é contra a lei natural e geralmente designado com o

nome de crueldade. Uma vez que todos os sinais de ódio ou de

desprezo conduzem a divergências, tanto que a maior parte dos

homens prefere arriscar a vida a não se vingar, podemos colocar no

oitavo lugar como lei natural o seguinte preceito: ninguém deve,

com atos, palavras, comportamento ou gestos, manifestar ódio ou

desprezo por outra pessoa. A infração dessa lei é geralmente

chamada de ultraje.(...) Sendo assim, apresento esta como a nona

lei natural: cada um deve reconhecer o outro como seu igual por

natureza. A infração desse preceito é a soberba. Dessa lei decorre a

seguinte: ao entrar no estado de paz, ninguém deve exigir que se

reserve a si próprio nenhum direito que não seja favorável3* e que

seja reservado a cada um dos outros. (...)Aqueles que chamamos de

moderados*1 são os que observam essa lei, e arrogantes [são]

aqueles que a violam. Os gregos chamam a violação dessa lei, ou

seja, pretender mais do que a própria parte. (...)Também é um

preceito da lei natural que aquele ao qual se confia a função de juiz

entre um homem e outro faça uma repartição igual entre ambos4*.

Sem isso, as controvérsias entre os homens só podem ser resolvidas

com a guerra. Portanto, quem é parcial ao julgar faz aquilo que pode

para dissuadir os homens de recorrer a juizes e árbitros e, por

conseguinte (violando a lei natural fundamental), é causa de guerra. A observância dessa lei, a partir da igual distribuição a cada um

daquilo que, segundo a razão, lhe pertence, recebe o nome de

EQÜIDADE e (como eu disse anteriormente) de justiça

distributiva; e a violação da mesma recebe o nome de aceitação de

pessoas. A partir dessa lei segue outra, a de que as coisas que não

podem ser divididas devem ser usufruídas em comum, se possível,

e, se a quantidade da coisa o permitir, sem restrição; do contrário,

proporcionalmente ao número daqueles que têm direito a ela. Com

efeito, em caso contrário, a distribuição seria desigual e contrária à

equidade. Todavia, há algumas coisas que não podem ser nem

divididas, nem usufruídas em comum. Nesse caso, a lei natural, que

prescreve a eqüidade, requer que todo o direito, ou (prevendo um

uso alternado) a primeira posse, seja determinado mediante um

recurso a sorte.(...) A igualdade na distribuição faz parte da lei

natural e [nesses casos] não são imagináveis outros modos de igual

distribuição. A sorte pode ser de dois tipos, convencional e natural.

Convencional é aquela com a qual concordam duas partes em liça.

Natural é a primogenitura (significa dado em sorte) ou a prioridade

na aquisição de posse4".(...) Outra lei natural é que aos mediadores

de paz sejam concedidos salvo-condutos. De fato, a lei que ordena

a paz como objetivo também ordena a intercessão como meio; e o meio para a intercessão são os salvo-condutos. 356

E que “porque o bem tem razão de fim, e o mal, razão do contrário, daí é que todas

aquelas coisas para as quais o homem tem inclinação natural, a razão apreende como

bens, e por conseqüência como obras a ser procuradas, e as contrárias desses como males

a serem evitados. Segundo, pois, a ordem das inclinações naturais, dá-se a ordem dos

356 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justic ̧a de Platão a Rawls pagina 119-123

Página 101 de 193

preceitos da lei da natureza. Pois é inerente ao homem, por primeiro, a inclinação para o

bem segundo a natureza.”

Ademais em São Tomás “ todas as inclinações de quaisquer partes da natureza

humana, por exemplo do concupiscível e do irascível, na medida em que são reguladas

pela razão, pertencem a lei natural.(...) são muitos os preceitos da lei da natureza em si

mesmos, os quais, porém, comungam numa mesma raiz.”

Por conseguinte Damasceno diz que “as virtudes são naturais”. E São Tomás

“logo também os atos virtuosos se subordinam à lei da natureza.” E que “podemos falar

de dois modos dos atos virtuosos: de um modo, enquanto são virtuosos; de outro modo,

enquanto são tais atos, considerados nas próprias espécies. Se, pois, falamos dos atos das

virtudes enquanto são virtuosos, assim todos os atos virtuosos pertencem à lei da

natureza.(...)”

E que “muitas coisas, com efeito, se fazem segundo a virtude para as quais a

natureza não inclina por primeiro, mas pela inquisição da razão a elas chegaram os

homens, como úteis para viver bem.” E “deve-se dizer, portanto, que a temperança é

relativa a concupiscência naturais do alimento, da bebida e do sexo, que certamente se

ordenam ao bem comum da natureza, como também as outras matérias legais se ordenam

ao bem comum moral.” E que “por causa das diversas condições do homens, acontece

que alguns atos são em alguns virtuosos, enquanto a eles proporcionados e convenientes,

os quais, porém, são viciosos em outros, enquanto não proporcionados a eles.”

Diz Isidoro na suma “o direito natural é comum a todas as nações”. E para São

Tomás “evidencia-se assim, que, quanto aos princípios comuns da razão quer

especulativa quer prática, a verdade ou retidão é a mesma em todos, e igualmente

conhecida.”

Duas coisas que São Tomás trata ao final e se a lei da natureza pode ser mudada

e se pode ser abolida do coração do homem. Diz as Decretais na suma “o direito natural

desde a origem da criatura racional. Nem varia no tempo, mas permanece imutável.” E

diz Agostinho na suma “a tua lei foi escrita nos corações dos homens e nenhuma

iniquidade pode certamente destruí-la.” Diz São Tomás “ora, a lei escrita nos corações

das homens é a lei natural.”

Página 102 de 193

Quinto ponto; A Lei Humana357:

Diz Isidoro na suma “as leis foram feitas para que pelo medo delas fosse coibidas

a audácia humana, e a inocência preservada entre os ímprobos, e nos mesmos ímprobos,

dado o temor do suplício, fosse refreado o poder de prejudicar”. Diz Aristóteles na suma

“assim como o homem, se é perfeito na virtude, é o melhor dos animais, assim, se é

separado da lei e da justiça é o pior de todos”.

Diz São Tomás “quanto tem de justiça tanto tem força de lei. Nas coisas humanas

diz-se algo é justo pelo fato de que é reto segundo a regra da razão.(...) portanto, toda lei

humanamente imposta tem tanto razão de lei quando deriva da lei da natureza. Se,

contudo, em algo discorda da lei natural, já não será lei, mas corrupção de lei.”

Diz também “em relação a essas determinações se tem o juízo dos experientes e

prudentes, como a certos princípios, a saber, enquanto veem de imediato o que

particularmente há de se determinar de modo mais congruente”. E disso diz Aristóteles

“é preciso atender às enunciações e opiniões indemonstráveis dos experientes e dos

anciãos ou dos prudentes, não menos que às demonstrações.”

Isidoro diz na suma “Será lei honesta, justa, possível segundo a natureza, segundo

o costume da pátria, conveniente ao tempo e ao lugar, necessária, útil; será também clara,

de sorte a não conter por obscuridade algo capcioso; escrita não por um interesse privado,

mas para a utilidade comuns dos cidadãos.” Entende-se costume na definição de São

Tomás “o costume se dá pela multiplicidade de atos”.

Os costumes são o tácito consentimento de povo

inveterado pela longa repetição. 358

Sexto ponto; O poder da Lei Humana359:

Diz o Jurisconsulto na suma que “é necessário que os direitos se constituam

naquelas coisas que mais frequentemente acontecem: daquelas, porém, que podem dar-se

talvez em um só caso, não constituem direitos”. Para São Tomás “tudo aquilo que é em

357 Suma Teológica IV p572-582 358Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 24. 359 Suma Teológica IV p582-595.

Página 103 de 193

razão de um fim, é necessário que seja proporcionado ao fim. O fim da lei é o bem comum.

Portanto, é necessário que as leis humanas sejam proporcionadas ao bem comum.

As liberdades básicas iguais são,(...) especificadas pela seguinte

lista: liberdade de pensamento e de consciência; liberdades políticas

(por exemplo, o direito de votar e de participar da politica) e

liberdade de associação, bem como os direitos e liberdades

específicos pela liberdade e integridade (física e psicológica) da

pessoa; e (...) os direitos e liberdades abarcados pela estado de

direito. 360

E que “O bem comum consta de muitas coisas. E assim é necessário que a lei se

refira a muitas coisas, já segundo as pessoas, já segundo os negócios, já segundo os

tempos. Constitui-se, com efeito, a comunidade da cidade de muitas pessoas, e o bem dela

é procurado por meio de múltiplas ações; nem se institui só para conduza por módico

tempo, mas que persevere por todo o tempo, através da sucessão dos cidadãos.”

Os princípios de justiça são adotados e aplicados numa següência

de quatro estágios. No primeiro estágio, as partes adotam os

princípios de justiça por trás de um véu de ignorância. As limitações

quanto ao conhecimento disponível para as partes vão sendo

progressivamente relaxadas nas três estágios seguintes: o estágio da

convenção constituinte, o estágio legislativo em que as leis são

promulgadas de acordo com o que a constituição admite e conforme

o exigem e o permitem os princípios de justiça, e o estágio final em

que as normas são aplicadas por governantes e geralmente seguidas

pelos cidadãos, e a constituição e leis são interpretadas por

membros do judiciário. 361

No livro I do Livre-Arbítrio na suma diz “Parece-me que esta lei que é escrita para

reger o povo, permite retamente estas coisas e à divina providência punir”. E para São

Tomás “a medida deve ser homogênea ao que é medido, (...) coisas diversas são medidas

por medidas diversas”.

No utilitarismo, as ideias de igualdade e de reciprocidade só

são consideradas indiretamente, como aquilo que normalmente é

necessário para maximizar o total de bem-estar social. 362

Uma sociedade é bem-ordenada por uma concepção de

justiça significa três coisas: (1) que é uma sociedade em que todos

os cidadãos aceitam, e reconhecem perante os outros que aceitam,

os mesmos princípios de justiça; (2) que se reconhecem

publicamente ou com boas razões se acredita que sua estrutura

básica, suas principais instituições políticas e sociais e a maneira

como se articulam num sistema de cooperação, satisfaz esses

princípios; (3) que os cidadãos têm normalmente um senso de

justiça efetivo363

360 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 62 361 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 67 362 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 135. 363 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 283

Página 104 de 193

Trata que “a lei humana é imposta à multidão dos homens e nessa a maior parte é

de homens não perfeitos na virtude. E assim pela lei humana não são proibidos todos os

vícios, dos quais se abstêm os virtuosos, mas tão-só os mais graves, dos quais é possível

à maior parte dos homens se abster; e principalmente aqueles que são em prejuízo dos

outros, sem cuja proibição a sociedade humana não pode conservar-se; assim são

proibidos pela lei humana os homicídios, os furtos, e coisas semelhantes,” ou seja, coisas

que interferem na vontade de outro. Para São Tomás “e assim não impõe imediatamente

à multidão dos imperfeitos aquelas coisas que são já dos virtuosos, como, por exemplo,

que se abstenham de todos os males. De outro modo, os imperfeitos, não podendo suportar

tais preceitos, se lançariam a males piores.”

Diz São Tomás “a lei humana, porém, não preceitua sobre todos os atos de todas

as virtudes, mas apenas sobre aqueles que são ordenáveis ao bem comum, ou

imediatamente, como quando algumas coisas se fazem diretamente em razão do bem

comum; ou mediatamente, como quando são ordenadas pelo legislador algumas coisas

pertencentes à boa disciplina, por meio da qual os cidadãos são formados para que

conservem o bem comum da justiça e da paz.”

E diz São Tomás “as leis podem, contudo, ser injustas(...) impõe lei onerosas aos

súditos, não pertinentes à utilidade comum(...) ou também em razão do autor, como

quando alguém legisla além do poder que lhe foi atribuído.” E Hilário diz na suma “a

compreensão das palavras deve ser tomada dos causas do seu dizer: pois não deve a

realidade submeter-se ao discurso, mas o discurso a realidade.”

Sétimo ponto; a mudança das Leis364:

Diz Agostinho na suma “a lei temporal, embora justa, pode, entretanto, ser

justamente mudada pelos tempos.” Para São Tomás “também ocorre nas obras a realizar.

Com efeito, os primeiros entenderam achar algo de útil à comunidade dos homens, não

podendo considerar por si mesmos todas as coisas, instituíram algumas imperfeitas que

364 Suma Teológica IV p595-603.

Página 105 de 193

falhavam em muitos casos e essas os posteriores mudaram, instituindo algumas que em

poucos casos pudessem falhar quanto à utilidade comum” e que “da parte dos homens,

entretanto, cujo atos são regulados pela lei, a lei pode justamente ser mudada em razão da

mudança de condições dos homens, aos quais, segundo suas diversas condições, convêm

coisas diversas.”

A vontade geral é sempre reta e tende sempre para a

utilidade pública; mas não significa que as deliberações do povo

tenham sempre a mesma retitude. Quer-se sempre o próprio bem,

porem nem sempre se o vê: nunca se corrompe o povo, mas se o

engana com frequência.(...)Há muitas vezes grande diferença entre

a vontade de todos e a vontade geral: esta olha somente o interessa comum, a outra o interesse privado. 365

O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das

coisas e independentemente das convenções humanas.(...)Está fora

de dúvida a existência de uma justiça universal, só da razão

emanada; tal justiça, porém, para ser admitida entre nós, deve ser recíproca. 366

O que para São Tomás “a retidão da lei, porém, se diz em ordem À utilidade

comum” e que “certamente acontece ou porque alguma máxima e evidentíssima utilidade

provém do novo estatuto, ou porque há máxima necessidade em razão de que lei

costumeira ou contém manifesta iniquidade, ou sua observância é muito nociva”. Donde

dizer o Jurisperito na suma que “nos coisas novas a ser constituídas, deve ser evidente a

utilidade para que se afaste daquele direito que pareceu justo por muito tempo”. Diz

Aristóteles “as leis têm máxima força pelo costume”. Para São Tomás “que as lei devem

ser mudadas, não por qualquer melhora, mas pela grande utilidade ou necessidade”.

A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como

a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e

econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é

verdadeira; da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes

e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se

são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na

justiça que nem o bem-estar da sociedade como um todo pode

ignorar.(...) Portanto numa sociedade justa as liberdades da

cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos

assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou

ao calculo de interesses sociais.(...) uma injustiça é tolerável

somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior.

Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a

justiça são indisponíveis. 367

Uma sociedade é bem-ordenada não apenas quando está

planejada para promover o bem de seus membros mas quando é

365 ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social pagina 40-41 366 ROUSSEAU. Jean-Jacques.Do Contrato Social pagina 51 367 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontea. São Paulo. 2000. Pagina 3-4

Página 106 de 193

também efetivamente regulada por uma concepção pública de

justiça. Isto é, trata-se de uma sociedade na qual (1) todos aceitam

e sabem eu os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2)

as instituições socais básicas geralmente satisfazem, e geralmente

se sabe que satisfazem, esses princípios. 368

A felicidade é independente, ou seja, é escolhida

unicamente por causa de si mesma.(...) a felicidade é também auto-

suficiente.(...) quando as circunstâncias são particularmente

favoráveis, e a execução especialmente bem-sucedida, nossa

felicidade é completa.(...) pode-se dizer que essa pessoa se

aproxima da bem-aventurança na medida em que as condições são

extremamente favoráveis e a sua vida é completa. (...) a felicidade

não é um objetivo entre os vários a que aspiramos, mas a realização

do plano como um todo. 369

Em São Tomás está escrito “a lei humana deriva da lei da natureza a da lei divina”.

E que “a lei pertence às pessoas públicas, às quais pertence reger a comunidade”. Diz

Agostinho na suma “O costume do povo de Deus e os institutos dos maiores devem ser

tidos por lei”. Para São Tomás “Toda lei procede da razão e da vontade do legislador: a

lei divina e natural, da vontade racional de Deus. A lei humana, da vontade do homem

regulada pela razão. (...) é manifesto que pela palavra humana pode a lei ser mudada,

como também ser exposta, enquanto manifesta o movimento interior e o conceito da razão

humana. Portanto, também pelos atos, maximamente multiplicados, que constituem o

costume, pode a lei ser mudada e ser exposta, como também ser causado algo que adquira

força de lei, a saber, enquanto por atos exteriores multiplicados o movimento interior da

vontade e o conceito da razão são declarados de modo mais eficaz, uma vez que, algo se

faz muitas vezes, parece provir do deliberado juízo da razão. E de acordo com isso, o

costume tem força de lei, e abole a lei, e é intérprete das leis”. E que “nenhum costume

pode adquirir força contra a lei divina e a lei natural”. Com isso diz Isidoro na suma “Ceda

o uso a autoridade; prevaleça a lei e a razão sobre o uso depravado”.

Terceira Parte

Primeira Seção

Dos Hábitos em geral e da Essência da Virtude

368 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2000. Pagina 5 369 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2000. Pagina 611-612

Página 107 de 193

Primeiro Ponto; Os Hábitos em geral quanto à sua substância370:

Primeira colocação é si o hábito é uma qualidade, diz-se nos predicamentos na

suma que “todo hábito é uma disposição.”, e que no livro V da metafisica a disposição é

“a ordem em algo que tem partes” e diz Aristóteles na suma que o hábito é “uma qualidade

dificilmente removível”, e para Agostinho que “o nome hábito deriva do verbo habere

[haver, ter]”. e para São Tomás “deriva dele nos dois sentidos: primeiro, em que do

homem, ou de qualquer outra coisa, se diz que tem algo; o segundo, como algo ‘se tem’

em si mesmo ou em relação com outro. Quanto ao primeiro sentido, deve-se considerar

que ter [habere], enquanto se diz a respeito de qualquer coisa que se tenha, é comum a

diversos gêneros.(...) na verdade, não é uma ação ou paixão, mas à maneira da ação e

paixão, por exemplo, quando uma coisa orna ou cobre e a outra é ornada ou coberta.” Diz

Aristóteles na suma “O hábito se diz como se fosse uma certa ação do que tem e do que

é tido.”

Que constituem condições imprescindíveis da saúde e da vida, não

são particulares, mas comuns praticamente a todas as pessoas, como

os estados e as ações371

Bem como fim humano e ao melhor ao alcance da ação, quantos

sentidos comporta a expressão o melhor de todos, uma vez ser este o

melhor. 372

Todos os bens são ou exteriores ou internos em relação à alma e,

dentre eles, aqueles no interior da alma373

A sabedoria, a virtude e o prazer encontram-se na alma, todos pensam

ser ou algum entre eles um fim ou todos os três o serem. No interior

da alma [reconhecemos] estados ou faculdades, atividades e

movimentos. 374

E que para São Tomás “se, porém, ter é tomado no sentido de uma coisa que, de

alguma forma, se tem em si mesma ou relativamente a outra, como esse modo de ter supõe

alguma qualidade, então o hábito é uma qualidade”. E que “disposição sempre implica a

ordem de algo que tem partes; mas isso ocorre de três modos, (...) segundo o lugar,

segundo a potência ou segundo a espécie. E Simplício diz: ‘Nisso estão compreendidas

todas as disposições: as disposições corporais, no que diz segundo o lugar. E isto pertence

ao predicamento lugar, que é a ordem das partes no lugar. Ao dizer segundo a potência,

370 Suma Teológica IV p37-47. 371 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 47. 372 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 63. 373 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 67. 374 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 67.

Página 108 de 193

inclui as disposições que estão, de modo ainda imperfeito, em preparação e idoneidade’

como a ciência e virtude em sua fase inicial. Ao dizer segundo a espécie, inclui as

disposições perfeitas, que se chamam hábitos, como a ciência e a virtude consumadas”.

Bem como que a virtude é a melhor disposição, estado ou faculdade

de cada tipo de coisa suscetível de algum uso ou função. 375

E a função de cada coisa é seu fim; evidencia-se com isso que a função

é melhor do que estado, pois o fim enquanto fim é o mais

excelente(...) que a função é melhor do que o estado e do que

disposição.(...) que a função de uma coisa é a mesma de sua virtude

(excelência). 376

Com efeito, não sendo um todo, nada incompleto é feliz377

A razão como princípio que comanda a ação, sendo a razão princípio

que comanda não a razão, mas desejo e paixões. 378

Diz Aristóteles na suma “chama-se hábito a disposição pela qual a coisa disposta

se dispõe bem ou mal ou em si mesma ou em relação a outra coisa, de modo que a saúde

é um hábito”. E diz São Tomás “é nesse sentido que falamos agora de hábito e por isso

deve-se concluir que ele é uma qualidade.”

Definamos o caráter como uma qualidade da alma em harmonia com

a razão que comanda, qualidade esta capaz de submeter-se à razão. 379

Da parte racional, as intelectuais, cuja função é a verdade, quer acerca

da natureza da coisa, quer acerca de sua gênese380

A necessária conclusão é a de que a virtude moral é uma mediana

individual e tem a ver com certas medianas nos prazeres e dores. 381

E como em outras coisas o princípio é causa do que é (existe) ou vem

a ser (existir) em função dele mesmo382

A segunda colocação é si o hábito é uma espécie determinada de qualidade, que

trago tal qual o artigo 2, diz São Tomás “1. Porque, como foi dito, o hábito, enquanto

qualidade, é ‘uma disposição pela qual a coisa disposta se dispõe bem ou mal’. Ora, isso

ocorre com qualquer qualidade: pois segundo o figura acontece que algo seja bem ou mal

disposto e igualmente segundo o calor e o frio etc. Logo, o hábito não é uma espécie

determinada de qualidade. 2. Além disso, como diz o Filosofo, estar quente ou estar frio

são disposições ou hábitos, como a doença e a saúde. Ora, calar e frio estão na terceira

espécie de qualidade. Logo, o hábito ou a disposição não distinguem das outras espécies

375 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 67. 376 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 68. 377 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 70. 378 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 71. 379 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 73. 380 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 80. 381 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 81. 382 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 84.

Página 109 de 193

de qualidade. 3. Ademais, dificilmente removível não é uma diferença pertencente ao

gênero de qualidade, mas se refere antes ao movimento ou à paixão. Ora. Nenhum gênero

se determina em espécie pela diferença que pertence a outro gênero, ao contrário, é

preciso que as diferenças se apliquem por si mesmas ai gênero, como diz o Filósofo.

Logo, como hábito se diz ‘qualidade dificilmente removível’ parece que não é uma

espécie determinada de qualidade. Em sentido contrario, diz o Filosofo que ‘uma espécie

de qualidade é o hábito ou disposição’. Respondo. O Filósofo, afirma como primeira,

entre as quatro espécies da qualidade, a disposição e o hábito. As diferenças dessas

espécies, Simplício caracteriza assim: ‘entre as qualidades algumas são naturais, ou seja,

existem por natureza no sujeito e sempre: algumas são adventícias, ou seja são produzidas

a partir de fora e podem perder-se. Essas que são adventícias, são o habito e a disposição,

que diferem em se poderem perder facilmente ou dificilmente. Entre as qualidades

naturais, algumas são segundo algo que está em potência: e é assim a segunda espécie de

qualidade. Mas, outras são segundo algo que está em ato: e isso ou no profundo ou na

superfície. Se é no profundo, temos a terceira espécie de qualidade; mas se está na

superfície temos a quarta espécie da qualidade, como a figura e a forma, que é a figura do

que é animado’. – Essa distinção das espécies da qualidade não parece adequada. Há

muitas figuras e qualidades passíveis não naturais, mas adventícias; e muitas disposições

não adventícias, mas naturais, como a saúde e a beleza, etc. E ademais, isso não convém

à ordem das espécies: pois sempre o que é mais natural é o primeiro. Por esse motivo,

deve-se estabelecer outra disposição entre as disposições e hábitos e as outras qualidades.

Propriamente falando, a qualidade implica um certo modo da substância. Mas o modo,

segundo Agostinho, é ‘prefixado pela medida’, e assim implica uma certa determinação

segundo alguma medida. Por isso, como o que determina a potência da matéria em seu

ser substancial se chama qualidade, que é diferença da substância; assim, o que determina

a potência do sujeito em seu ser acidental se chama qualidade acidental que também é

uma certa diferença, como diz o Filósofo. O modo ou a determinação do sujeito em seu

ser acidental, pode entender-se ou em ordem a natureza do sujeito, ou segundo a ação ou

paixão consequentes aos princípios da natureza, que são matéria e forma, ou então,

segundo a qualidade. Se se entende o modo ou a determinação de sujeito segundo a

quantidade, têm-se a quarta espécie de qualidade. E porque a quantidade, segundo a sua

razão, é sem movimento e sem razão de bem ou de mal, por isso não pertence à quarta

espécie de qualidade que algo transcorra bem ou mal, rápida ou lentamente. – O modo ou

a determinação do sujeito segundo a ação e a paixão corresponde à segunda e a terceira

Página 110 de 193

espécies de qualidade. Por isso, em ambas se leva em conta a facilidade ou a dificuldade

com que se faz algo, se passa logo ou se dura muito. Nelas não se leva em conta a razão

de bem e de mal, porque o movimento e as paixões não tem razão de fim. E o bem e o

mal se dizem em relação com o fim. – Mas o modo e a determinação do sujeito em ordem

à natureza da coisa, corresponde à primeira espécie de qualidade, que é o hábito e a

disposição, pois diz o Filósofo, ao falar dos hábitos da alma e do corpo, que são ‘certas

disposições do perfeito para o ótimo; digo perfeito, porque está disposto segundo a

natureza’. E porque ‘a própria forma e natureza da coisa é o fim e aquilo por cuja causa

algo se faz’ como diz o livro III da Física, por isso, na primeira espécie de qualidade, o

bem e o mal entram em consideração e também a facilidade ou dificuldade com que algo

pode ser movido, na medida em que uma natureza é fim da geração e do movimento. Por

isso o Filósofo define o hábito como uma ‘disposição segundo a qual alguém se dispõe

bem ou mal’, e no livro II da Ética, diz que, ‘é segundo os hábitos que nos comportamos

em relação com as paixões, bem ou mal’. Quando, pois, é um modo em harmonia com a

natureza da coisa, então tem razão de bem, e quando em desarmonia, tem razão de mal.

E porque a natureza é o primeiro se considera na coisa, por isso o hábito é afirmado como

a primeira espécie de qualidade. Quanto ao 1°, portanto, deve-se dizer que a disposição

implica certa ordem, como foi dito; por isso não se diz que alguém se dispõe pela

qualidade a não ser em ordem a alguma coisa. E se for acrescentado bem ou mal, que

pertence à razão de hábito, é preciso levar em conta a ordem a natureza, que é o fim. Daí,

segundo a figura ou segundo o calor e o frio, não se diz que alguém está disposto bem ou

mal, a não ser em ordem à natureza das coisas, segundo a qual está em harmonia ou não

está. Assim, as próprias figuras e qualidades passíveis, enquanto consideradas em

harmonia ou não com a natureza da coisa, pertence aos hábitos e disposições; pois a

figura, na medida em que convém a natureza da coisa, e a cor, compõe a beleza; o calor

e o frio, segundo convêm a natureza da coisa, pertence à saúde. Deste modo a quentura e

a frieza são afirmadas pelo Filósofo na primeira espécie de qualidade. Quanto ao 2º, deve-

se dizer que daí fica clara a resposta para a segunda objeção. Há quem resolva de outro

modo, como diz Simplício. Quanto ao 3º, deve-se dizer que essa diferença, dificilmente

removível não distingue o hábito das outras espécies da qualidade, e sim da disposição.

Disposição tem dois sentidos: no primeiro, é o gênero do hábito, por isso o livro V da

Metafísica afirma a disposição na definição do hábito. No segundo, é algo contraposto ao

hábito. É a disposição propriamente dita, que se contrapõe ao hábito de duas maneiras:

uma, como o perfeito e o imperfeito na mesma espécie: assim a disposição, conservando

Página 111 de 193

o nome comum, está inerente ao sujeito imperfeitamente, e por isso, facilmente se perde:

enquanto o hábito está inerente perfeitamente, de modo que não se perde com facilidade.

Assim, como a criança em adulto. – De outro modo podem distinguir-se como espécies

diversas de um gênero subalterno, de sorte de chamaremos disposições às qualidades das

primeiras espécies que, por natureza, podem se perder facilmente, porque têm causas

mutáveis, como a doença e a saúde, enquanto reservamos o nome de hábitos às qualidades

que, por natureza, não podem ser facilmente mutáveis, por teres causas inamovíveis,

como a ciência e as virtudes e, nesse sentido, a disposição não pode vir a ser um hábito.

E isso perece estar mas de acordo com o pensamento de Aristóteles. É por esse motivo

que ele, para provar essa distinção, invoca o linguajar comum, segundo o qual as

qualidades que por algum acidente se tornam dificilmente móveis, se chamam hábitos. O

contrário sucede com as qualidades que são por natureza dificilmente móveis: pois se

alguém domina imperfeitamente uma ciência, a ponto de poder perde-la com facilidade,

diz-se antes estar disposto à ciência do que ter a ciência. Donde se vê que o nome hábito

implica uma certa durabilidade; mas a disposição, não. Nada impede que facilmente ou

dificilmente removível sejam diferenças especificas pelo fato de que essas noções se

aplicam à paixão e ao movimento, e não ao gênero da qualidade, no entanto designam

diferenças próprias e por si das qualidades. Assim também no gênero da substância com

frequência se tomam diferenças acidentais em lugar das substanciais, na medida em que

por elas se designam os princípios essenciais”.

Que virtude e vício dizem respeito àquilo em que a própria pessoa,

quanto às suas ações, causa e constitui princípio. Cabe-nos, portanto,

apurar qual tipo de ações a própria pessoa é causa e princípio. Todos

concordamos que, no que tange a atos que são voluntários e realizados

com base na prévia escolha individual. 383

O voluntário e a involuntário. Parece que o primeiro seria uma de três

coisas: conformidade com desejo, com a prévia escolha ou com o

pensamento, a saber, o voluntário seria o que se conforma com um

deles, ao passo que o involuntário o que contraria um deles. O desejo,

por sua vez, subdividir-se triplamente em vontade, ardor e apetite. 384

Com efeito, a parte que delibera da alma é a que contempla um certo

tipo de causa, o e objeto de uma ação é um tipo entre as causas; de

fato, chamamos de causa aquilo devido ao que alguma coisa acontece;

aquilo em função do que alguma coisa existe ou vem a ser é o que

chamamos especialmente de sua causa. 385

383 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 85. 384 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 86. 385 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 99.

Página 112 de 193

A questão do que conduz ao fim dependerá, sobretudo, de uma outra,

nomeadamente aquela do objeto. 386

Terceira colocação é si o hábito implica ordenação ao ato. Diz Agostinho na suma

“é pelo hábito que algo é realizado quando é preciso”. E diz o Comentador de Agostino

na suma “é pelo hábito que alguém age quando quer”. Diz São Tomás “Ordenar-se ao ato

pode convir ao hábito tanto pela razão de hábito, quanto pela razão do sujeito no qual está

o hábito. Quanto à razão de hábito, convém a todo hábito, de certo modo, ser ordenado

ao ato: é da razão de hábito implicar uma certa relação em ordem à natureza da coisa

segundo o que convém ou não convém. Mas a natureza da coisa, que é o fim da geração,

ordena-se ulteriormente a outro fim, que é ou a ação, ou algo feito, ao qual se chega pela

ação. Por isso o hábito não implica só ordenação à natureza da coisa, mas também por

consequência, à ação, enquanto é fim da natureza, ou conduz para o fim”. Diz Aristóteles

“na definição do hábito, que é uma ‘disposição segundo a qual se dispõe o disposto bem

ou mal, ou em relação a si’, isto é, segundo sua natureza, ‘ou em relação ao outro’, ou

seja, em ordem ao fim”. Diz São Tomás “que o hábito é um certo ato, enquanto é uma

qualidade, e enquanto tal pode ser princípio de ação. Mas está em potência em relação

com a operação”.

O bem concerne naturalmente à vontade, mas o mal também, embora

este em oposição à natureza. 387

O fim, contudo, é aquilo em função do que se age, pois toda prévia

escolha é de alguma coisa em função de algum objeto388

É com base na prévia escolha de uma pessoa que julgamos ser caráter,

ou seja, não pela sua ação, mas por algum objeto em função do qual

ela age. 389

Como é difícil representar a natureza da prévia escolha de uma

pessoa, vemo-nos forçados a avaliar ser caráter com base em suas

ações; 390

Última colocação se é necessário ter hábitos. Diz Aristóteles “os hábitos são certas

perfeições”. E São Tomás “Mas, a perfeição é sumamente necessária às coisas, já que tem

a razão de fim. Portanto, é necessário que haja hábitos.” E que “não é o mesmo hábito

que está para o bem e para o mal,(...). Mas é a mesma potência que está para o bem e para

o mal. Por isso são necessários os hábitos para que as potências sejam determinadas para

o bem”. E que “para que uma coisa deva se dispor para outra, três requisitos se exigem.

386 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 100-101. 387 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 101. 388 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 103. 389 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 104. 390 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 104.

Página 113 de 193

O primeiro é este: o que se dispõe seja outra coisa que aquilo para o que se dispõe, e assim

esteja em relação com ele como potência para o ato.(...) o segundo requisito é: o que está

em potência para outro, possa ser determinado de muitos modos e para diversas coisas.

Por isso, se algo está em potência para outra coisa, mas de modo que só esteja em potência

para esta coisa, aí não há lugar para disposição e o hábito: porque tal sujeito tem por sua

natureza a devida relação com tal ato. Donde se segue, que se o corpo celeste for

composto de matéria e forma, como aquela matéria não está em potência para outra

forma,(...) não cabe aí disposição ou hábito para a forma, ou também para a ação, porque

a natureza do corpo celeste só está em potência para um determinado movimento. O

terceiro requisito é: quando muitos concorrem afim de dispor o sujeito a um deles, para

os quais está em potência; eles podem se comensurar de diversos modos, para que assim

o sujeito se disponha bem ou mal para a forma ao a ação. Por isso, as qualidades simples

dos elementos, que segundo um modo determinado convêm às natureza dos elementos,

nós não chamamos disposições ou hábitos, e sim, qualidades simples. Chamamos, porém,

disposições ou hábitos a saúde, a formosura, etc, que implicam uma certa comensuração

de muitos, que de diversas maneiras podem ser comensurados”. Diz Aristóteles na suma

“que ‘o hábito é uma certa disposição’ e que a disposição é ‘uma ordem do que tem partes,

ou segundo o lugar, ou segundo a potência, ou segundo a espécie’”.

A razão instrui-nos a escolher o que é nobre (...) somente aquele que

assim age por nobreza é destemido e corajoso. 391

Toda virtude envolve prévia escolha,(...) a coragem, pela fato de ser

uma virtude fará alguém enfrentar o que é amedrontador em função

de algum objeto, de forma que não o faz nem por ignorância (pois ela,

de preferência, o faz julgar corretamente), nem por prazer, mas

porque o ato é nobre, porquanto se não for nobre, mas insano, esse

alguém não enfrentará o perigo que o amedronta, porque nesse caso

essa ação seria vil. 392

De fato, é louvável discernir corretamente entre grandes bens e

pequenos bens. 393

Não há virtude na ausência de grandeza; disso resulta que cada uma

das virtudes parece tornar as pessoas grandiosas de alma

relativamente às coisas às quais a virtude em pauta diz respeito. 394

391 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 110. 392 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 115. 393 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 123. 394 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 125.

Página 114 de 193

Segundo ponto; O Sujeito dos Hábitos395:

Primeira colocação é si existe hábito no corpo. Diz Aristóteles “a saúde do corpo

ou a doença incurável se chamam hábitos”. Diz São Tomás “o hábito é uma disposição

de um sujeito existente em potência ou para a forma ou para uma ação. Portanto, enquanto

implica disposição para uma ação, nenhum hábito existe principalmente no corpo como

em seu sujeito. Toda ação corporal, com efeito, provém ou de uma qualidade natural do

corpo ou da alma que o move. Portanto, no que se refere às ações provenientes da

natureza, o corpo não fica disposto por nenhum hábito, pois às potências naturais são

determinadas a uma só ação. Ora,(...) se requer uma disposição habitual quando o sujeito

está em potência para muitas coisas. As ações, porém, que procedem da alma por meio

do corpo, vêm principalmente da alma, mas secundariamente, do corpo. Na verdade, os

hábitos são proporcionados às ações”. Diz Aristóteles na suma “atos semelhantes causam

hábitos semelhantes”.

Todos entendem por justiça aquele estado que torna os indivíduos

predispostos a realizar atos justos e que os faz agir justamente e

desejar aqueles atos; e, analogamente, por injustiça o que torna os

indivíduos predispostos a agir injustamente e desejar os atos injustos.

396

Na justiça está toda virtude somada397

O dito de Bias segundo o qual “a autoridade mostrará o homem”, pois

é no exercício da autoridade que alguém é levado necessariamente à

relação com os outros e se torna membro da comunidade. Pela mesma

razão significa a relação com alguém, pensa-se que a justiça,

exclusivamente entre as virtudes, é o bem alheio porque concretiza o

que constitui a vantagem do outro, seja este o detentor da autoridade,

seja ele um parceiro na comunidade. 398

Com efeito, as ações que nascem da virtude total são,

fundamentalmente, idênticas às ações que se harmonizam com a lei;

de fato, a lei ordena a prática das várias virtudes particulares e proíbe

a prática de vários vícios particulares. 399

E que “Se, ao contrário, considerarmos a disposição do sujeito em relação à sua

forma, nesse caso pode existir uma disposição habitual no corpo , que está para alma

como sujeito para a forma. É assim que se chamam disposições habituais a saúde, a beleza

etc, embora não realizem perfeitamente a razão de hábito, dado que suas causas são, por

natureza, facilmente mutáveis. No entanto, Alexandre, como refere Simplício, sustentava

que um hábito ou disposição da primeira espécie de modo algum existia no corpo e

395 Suma Teológica IV p47-61. 396 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 137. 397 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 140. 398 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 140-141. 399 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 143.

Página 115 de 193

afirmava que a primeira espécie de qualidade pertence exclusivamente à alma. E o que

Aristóteles alega, a respeito da saúde e da doença, é a título de exemplo e não que essas

disposições pertençam à primeira espécie de qualidade, de sorte que o sentido seria este:

assim como a doença e a saúde podem mudar fácil ou dificilmente, assim também as

qualidades da primeira espécie, que são chamadas hábitos e disposições. – evidentemente,

porém, isso vai contra a intensão de Aristóteles, seja porque ele usa o mesmo modo de

falar, dando exemplos como a saúde, a doença, a virtude e a ciência, seja porque no livro

VII da Física, afirma explicitamente, a beleza e a saúde entre os hábitos” que adiciono

outros como o esporte e os exercícios militares. “(...) já as qualidades da alma são

consideradas absolutamente hábitos”. E que “o equilíbrio das qualidades passíveis em si

mesmas, visto em sua harmonia com a natureza, tem razão de disposição”.

O indivíduo injusto é não equitativo, além de ser o [ato] injusto não

equitativo, está claro que existe para esse último uma mediania, ou

seja, o equitativo (o igual), pois em qualquer tipo de ação na qual um

mais e um menos estão envolvidos, o igual também é admissível. Se,

então, o injusto é o não equitativo (desigual), o justo é o equitativo

(igual) – uma posição aceita por todos sem necessidade de

argumentação; e uma vez que o igual é uma mediania, o justo será

uma mediania também. A igualdade é, no mínimo, dupla. É forçoso,

em conformidade com isso, não só que o justo seja uma mediania e

igual, além de relativo a algo para determinados indivíduos, como

também que na qualidade de mediania esteja entre o mais e o menos;

que, na qualidade de igual, implique duas porções e que, na qualidade

de justo, envolva determinados indivíduos. O justo, portanto,

necessariamente, é, no mínimo, quádruplo. Com efeito, envolve dois

indivíduos para os quais existe justiça e duas coisas que são justas. E

a mesma igualdade estará presente entre uns e outras; de fato, a

proporção entre as coisas será igual à proporção entre indivíduos, pois

não sendo as pessoas iguais, não terão coisas em porções iguais, não

receberão em pé de igualdade, o que, porém, não impede o

surgimento de conflitos e queixas, seja quando iguais têm ou recebem

coisas em porções desiguais, seja quando desiguais têm ou recebem

coisas em porções iguais. Isso também ressalva como evidente à luz

do princípio de atribuição a partir do mérito. 400

O justo é, portanto, o proporcional e o injusto aquilo que transgride a

proporção. Pode-se, assim, incorrer no excesso ou na deficiência (no

“demasiado muito” ou no “demasiado pouco”), o que é realmente o

que ocorre na prática. Com efeito, quando a injustiça é cometida,

aquele que a comete está de posse do bem em excesso, enquanto a

vítima da injustiça está em posse desse bem de modo deficiente no

insuficiente. 401

A lei apenas contempla a natureza característica do dano, tratando as

partes como iguais (...) nesta conjuntura o juiz se empenha em torná-

los iguais mediante a punição por ele imposta, retirando o ganho (...)

conclui-se que a justiça corretiva será mediania entre perda e ganho.

402

400 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 144-145. 401 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 147. 402 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 147-148.

Página 116 de 193

Dirigir-se a um juiz é dirigir-se a justiça. De fato, o juiz é como se

fosse a justiça dotada de alma. Outro motivo para buscarmos o juiz é

para que ele estabeleça a mediania, pelo que, efetivamente, em alguns

lugares, chama-se os juízes de mediadores (...) o juiz restaura a

igualdade (...) (aquele que separa em duas metades). 403

Uma Segunda abordagem é se o hábito existe na alma mas segundo a essência do

que segundo a potência. Diz São Tomás “o hábito implica uma disposição ordenada a

natureza ou para a ação. Portanto, se se tomar o hábito enquanto ordenado para a natureza,

não pode existir na alma, se falamos da natureza humana, porque a alma é em si mesma

a forma que completa essa natureza. Por isso, desse ponto de vista, um hábito ou uma

disposição pode existir antes no corpo, ordenado para a alma, do que na alma, ordenada

para o corpo. No entanto, se falamos de alguma natureza superior, da qual o homem possa

participar, segundo a palavra na Carta de Pedro: ‘para que estejamos em comunhão com

a natureza divina’, então nada impede que na alma, segundo sua essência, exista algum

hábito que é a graça, como se dirá depois”.

Com efeito, a administração da justiça implica a distinção entre o

justo e o injusto404

Com efeito, não existe injustiça no sentido absoluto quanto ao que

nos pertence, e uma propriedade (...) é como se fosse uma parte de

nós mesmos e ninguém deliberadamente opta por prejudicar a si

mesmo; a razão é não existir injustiça que se dirige contra a própria

pessoa, e, portanto, nada injusto ou justo no sentido político. 405

A justiça política é em parte natural, em parte convencional: natural a

que vigora do mesmo modo em todos os lugares e não depende da

aceitação ou não aceitação: convencional aquela que originalmente é

possível ser estabelecida deste ou daquele modo indiferente, mas que

uma vez estabelecida, deixa de ser indiferente. 406

Quaisquer leis promulgadas para aplicação a casos particulares, como

(...) as ordenações sob forma de decretos. (...) observa-se que as coisas

tidas como justas variam. (...) no tocante a nós, embora haja essa

justiça natural, tudo está sujeito a mudança. De qualquer modo, há

nesse domínio o natural bem como o que não é determinado pela

natureza, e percebemos com clareza mais regras da justiça, ainda que

não absolutas, são naturais e quais não são, mas legais e

convencionais, ambas sendo igualmente mutáveis. (...) As coisas

consideradas justa com base na convenção e na conveniência são

como medidas. 407

E que “por outro lado, se se toma o hábito em ordem à ação, nesse caso é

sobretudo, na alma que se encontra, porque esta não é determinada a uma única ação, mas

se refere a muitas e isso é o que requer um hábito(...). E como a alma é princípio de ação

403 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 148-149. 404 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 156. 405 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 157. 406 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 158. 407 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 159.

Página 117 de 193

pelas suas potências, seque-se daí que os hábitos existem na alma segundo suas

potências”. Ademais explica “que o hábito é anterior à potência, enquanto implica

disposição para uma natureza. Já a potência sempre implica ordenação para a ação, que é

posterior, porque a natureza é o princípio da ação. Ora, o hábito, cujo sujeito é a potência,

não implica ordenação para a natureza, mas para a ação e por isso é posterior a potência.

– Por outro lado, pode-se dizer que o hábito é anterior a potência, como o completo ao

incompleto e o ato à potência, pois o ato, por natureza, é anterior, embora a potência lhe

seja anterior na ordem da geração e do tempo”.

Como referência o propósito e as circunstâncias da ação como um

todo. 408

Revela alguém culpado de injustiça do tipo que torna o seu agente um

indivíduo injusto quando contraria a proporção ou contraria a

igualdade. 409

Com efeito, o princípio produtivo, inclusive, posto que todo aquele

produz algo tem algum fim em vista: o produzido não é um fim

absoluto, mas apenas relativo e diz respeito a algo mais enquanto o

agido (realizado) é um fim em si mesmo, uma vez que o agir bem (a

boa ação) é o fim e isso é o visado pela desejo a conclusão é que a

prévia escolha é qualificável ou como o pensamento vinculado ao

desejo ou o desejo vinculado ao intelecto, e esse princípio ativo é o

ser humano. 410

Portanto, ambas as partes intelectuais têm como função alcançar a

verdade, o que nos leva a concluir que as virtudes de cada um são

aquelas estados que melhor as sustentarão para alcançar a verdade. 411

Terceira colocação é si pode haver algum hábito nas potências da parte sensitiva.

Diz Aristóteles na suma “as partes irracionais têm algumas virtudes” e São Tomás “a

saber, a temperança e a fortaleza”. E que “de duas maneiras podem ser consideradas as

potências sensitivas, conforme atuam pelo instinto natural ou pelo império da razão. Na

primeira hipótese, ordenam-se para uma única coisa, tal qual a natureza. E daí, como não

há hábito algum nas potências naturais, assim também não existe nas partes sensitivas,

pelo fato de estas atuarem por instinto natural. – Na outra hipótese, operando sob o

império da razão, podem se ordenar a fins diversos, podendo então haver nelas alguns

hábitos pelos quais se dispõem bem ou mal a alguma coisa”. Diz Aristóteles na suma “o

costume ajuda bastante a boa memória”.

A indução é dos princípios e do universal, ao passo que a dedução

parte dos universais. 412

408 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 161. 409 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 163. 410 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 180. 411 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 181. 412 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 181.

Página 118 de 193

Com efeito, uma pessoa conhece quando de algum modo confia em

algo e quando os princípios em que se apoia essa confiança lhes são

conhecidos com certeza. 413

Tem-se como característica do indivíduo prudente ser ele capaz de

deliberar bem sobre o que é bom e proveitoso para si mesmo, não num

aspecto parcial e particular, (...) mas o que contribui, na sua vida, para

o bem-estar geral. 414

A prudência é, portanto, necessariamente, uma capacidade racional

genuína que diz respeito à ação relativamente aos bens humanos. 415

Quarta colocação é si no intelecto existem hábitos. Aristóteles diz na suma “a

ciência, a sabedoria e o intelecto, que é o hábito dos princípios, precisamente na parte

intelectiva da alma”. Diz São Tomás “o hábito intelectivo reside sobretudo no próprio

intelecto e não na representação imaginaria, que é comum a alma e ao corpo. E por isso,

devemos afirmar que o intelecto possível é sujeito de hábitos. Com efeito, ser sujeito de

hábitos é próprio do que está em potência para muitas coisas e isso cabe, particularmente,

ao intelecto possível. Logo, é ele o sujeito dos hábitos intelectuais.”

Mas a prudência não se restringe ao universal, devendo também levar

em conta os particulares, uma vez que tem a ver com ação, a qual diz

respeito as coisas particulares. 416

Boa deliberação, a qual se entende ser acerto deliberativo

relativamente ao que é útil, atingindo-se a conclusão certa mediante

meios corretos no tempo certo. Outro aspecto é podermos dizer que

alguém deliberou bem quer em geral quer quanto a um fim particular.

A boa deliberação em geral é a que conduz aos resultados corretos e

satisfatórios no tocante a algum fim particular. Se, assim, bem

deliberar é característico dos indivíduos prudentes, a boa deliberação

deve ser acerto relativamente ao que é expediente como algo que

atinge o fim, genuína concepção do que é a prudência. 417

Relação às quais é possível questionar e deliberar; podemos concluir

que seus objetos são os mesmos da prudência, o que não quer dizer

que discernimento e prudência sejam idênticos, pois enquanto esta

última emite comandos (já que seu fim é instruir sobre o que se deve

fazer ou não fazer), e discernimento se limita a julgar. 418

o julgamento ponderado como consideração é o que julga

corretamente o que é equitativo, esse corretamente significando julgar

o que é verdadeiro. 419

Quinta colocação é si existe algum hábito no vontade. Diz São Tomás: “A justiça

é um hábito. Ora, ela está na vontade, pois a justiça ‘e o hábito de querer e de fazer o que

é justo’”. E que “toda potência que pode ser de diversas formas ordenadas à ação necessita

413 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 182. 414 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 183-184. 415 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 185. 416 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 189. 417 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 194. 418 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 195. 419 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 196.

Página 119 de 193

de um hábito, pelo qual se disponha bem para o seu ato. Ora, a vontade, enquanto potência

racional, pode se ordenar de diferentes modos à ação. e, por isso, deve-se afirmar nela

algum hábito que a disponha bem para o seu ato. – ademais, a própria razão de hábito

revela que ele é ordenado sobretudo à vontade, pois,(...), o hábito é ‘aquilo de que alguém

se vale quando quer’”. E que “pela própria natureza da potência a vontade se inclina ao

bem da razão. Mas, como esse bem se diversifica sobremaneira, é necessário, para que a

vontade se incline a um determinado bem da razão, que ela o faça mediante um hábito,

para que daí resulte mais prontamente a ação”.

Nas demonstrações o entendimento apreende as definições imutáveis

e primárias, ao passo que nas inferências da ação ele apreende

resultado final e contingente e a outra proposição. Com efeito, são

este os princípios a partir dos quais se conclui pelo fim, pois os

universais partem dos particulares420

O entendimento é começo e fim; com efeito, as demonstrações são a

partir dele e a respeito dele421

Ser a prudência inseparável do caráter e dos costumes. Além disso, o

prudente não é apenas aquele que sabe, mas também aquele que age.

422

[o hábito]é uma prática longa e assídua, e que está passa a ser, afinal,

natureza humana. 423

Terceiro ponto; A causa dos hábitos quanto a sua geração424:

Primeiro ponto tratado é si a algum hábito que provenha da natureza. Diz

Aristóteles na suma “Entre os hábitos afirma-se o intelecto dos princípios, que provem da

natureza e por isso também os primeiros princípios se consideram naturalmente

conhecidos”. Diz São Tomás “de dois modos uma coisa pode ser natural a outra: ou pela

natureza especifica,(...), ou pela natureza individual,(...) estar bem ou mal fisicamente. –

ademais, em ambos os casos, uma coisa pode ser denominada natural de dois modos, seja

porque vem totalmente da natureza, seja porque vem em parte dela e em parte de um

princípio exterior. Assim quando alguém sara por si mesmo, toda sua saúde proveio da

natureza, mas quando sara com a ajuda de um remédio, a saúde se deve tanto a natureza

como ao princípio externo”. E que “todavia, o hábito que é disposição para a ação, cujo

420 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 197. 421 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 197. 422 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 234. 423 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 235. 424 Suma Teológica IV p61-70.

Página 120 de 193

sujeito é uma potência da alma,(...), pode, certamente, ser natural quer pela natureza

específica quer pela natureza individual. Pela natureza específica, enquanto depende da

própria alma que, sendo a forma do corpo, é um princípio especifico. Pela natureza

individual, enquanto depende do corpo, que é um princípio material.(...) existem nos

homens alguns hábitos naturais, procedentementes em parte da natureza e em parte de um

princípio exterior e isso de um modo nas potências apreensivas e de outro nas potências

apetitivas. Na verdade, nas potências apreensivas pode haver um hábito natural

incoativamente, seja em quanto a natureza especifica seja quanto a natureza individual.

Quando àquela, por parte da própria alma, como é o hábito natural o intelecto dos

princípios”, tais quais como o bem, o belo, o verdadeiro, a felicidade, a utilidade e as

relações.

O prazer é, portanto, necessariamente um bem. 425

Prazeres que não acarretam dor não admitem excesso. Estes são

naturalmente provenientes de coisas prazerosas, e não

acidentalmente. Por coisas acidentalmente prazerosas entendo os

elementos restauradores (...) as coisas naturalmente prazerosas são

aquelas que promovem a ação de uma determinada natureza. 426

Embora seja preferível compartilhar os prazeres mais divinos; a razão

disso é ser sempre mais prazeroso contemplar a si mesmo fruindo do

bem superior, o que é ora uma paixão , ora uma ação, ora outra coisa.

427

A sabedoria, atuando em consonância com a virtude, que produz o

bem-estar428

E que “nas potências apetitivas, porém, não há nenhum hábito natural

incoativamente, por parte da própria alma quanto à substância mesma do hábito. O que

existe nelas são certos princípios de hábitos, do mesmo modo como se diz que os

princípios do direito são os germes das virtudes”.

Contraria a razão, pois contraria o conhecimento e o universal. 429

O princípio da razão não é a razão, porém algo superior. 430

A virtude que é o produto da associação de todas as virtudes, já que

estamos designando como nobreza. 431

425 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 239-240. 426 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 243-244. 427 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 294. 428 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 304. 429 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 309. 430 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 310. 431 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 311.

Página 121 de 193

Entenda-se por coisas nobres as virtudes e as ações resultantes da

virtude. 432

Diz Aristóteles na suma “que os hábitos das virtudes e dos vícios são causados

pelos atos”. Diz São Tomás “por vezes, o agente contém em si apenas o princípio ativo

de seu ato,(...). nessa agente nenhum hábito pode ser causado por sua própria atividade”.

E que “outro agente, porém, inclui em si um princípio ativo e passivo do próprio ato,

como transparece nas ações humanas. Com efeito, os atos da potência apetitiva dela

procedem enquanto movida pela potência apreensiva que lhe apresenta seu objeto e

ulteriormente, a potência intelectiva, quando reflete sobre as conclusões, tem por

princípio ativo proposições por si mesmas evidentes. Dessa forma, por meio de tais atos,

alguns hábitos podem ser causados nos seus agentes, não certo, quanto ao primeiro

princípio ativo. Mas quanto ao princípio ativo que move sendo movido. Pois tudo o que

é influenciado e movido por outro, recebe a disposição do ato do agente e, assim, os atos

multiplicados geram na potência passiva e movida uma qualidade que se chama hábito.

Desse modo é que os hábitos das virtudes morais são causados nas potências apetitivas,

enquanto movidas pela razão, da mesma forma como os hábitos das ciências são causados

pelo intelecto, enquanto este é movido pelas proposições primeiras”. E que “o ato precede

o hábito, enquanto provém de um princípio ativo, provém de um princípio mais nobre do

que o hábito produzido. Assim, a razão é um princípio mais nobre do que o hábito da

virtude moral gerado na potência apetitiva por atos rotineiros, e o intelecto dos princípios

é mais nobre que a ciência das conclusões”.

A nobreza, portanto, é virtude completa. 433

As coisas pura e simplesmente prazerosas são também nobres,

enquanto as pura e simplesmente boas são também prazerosas. O

prazer somente acontece na ação; em razão disso, o indivíduo

verdadeiramente feliz também viverá com máximo prazer. 434

Diz Aristóteles na suma “que uma única andorinha não faz primavera, tampouco

um só dia ou um pouco tempo não fazem alguém ditoso ou feliz. Ora, a felicidade é ‘uma

ação segundo o hábito da virtude perfeita’”. Diz São Tomás “Logo, o hábito da virtude e,

pela mesma razão, qualquer outro hábito não pode ser causado por um só ato”.

Toda arte, toda investigação e igualmente todo empreendimento e

projeto previamente deliberado colimam algum bem, pelo que se tem

dito, com razão, ser o bem a finalidade de todas as coisas. 435

432 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 312. 433 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 313. 434 Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 304. 435 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 37.

Página 122 de 193

O bem humano tem que ser a finalidade da ciência política436

Os assuntos estudados pela ciência política são o nobre e o justo437

Julgar um assunto particular, é preciso que o indivíduo tenha sido

instruído nesse assunto; para ser um bom juiz, em geral, é necessário

que tenha recebido uma educação completa. 438

Quarto ponto; O aumento dos hábitos439:

Diz São Tomás “o aumento, como tudo o que se refere à quantidade, é algo que

transpomos das realidades corporais para as espirituais e intelectuais, devido à

conaturalidade de nosso intelecto com as realidades corpóreas, que atingem a nossa

imaginação. Ora, na esfera das quantidades corpóreas, diz-se que alguma coisa é grande,

quando chega ao nível de perfeição quantitativa que ela deve ter. Por isso, uma quantidade

é considerada grande no homem e não no elefante. E daí vem o dizermos, quanto à forma,

que uma coisa é grande quando é perfeita. E como o bem implica a razão de perfeição

assim se entende a palavra de Agostinho: ‘quanto àquilo que não é materialmente grande,

ser maior é o mesmo que ser melhor’. A perfeição de uma forma, porém, pode ser vista

de duas maneiras: quanto à forma em si mesma e quanto ao modo como o sujeito participa

dessa forma. Atendendo à perfeição da forma em si mesma, podemos dizê-la pequena ou

grande, como, por exemplo, saúde ou ciência grande ou pequena. Considerando, porém,

a perfeição da forma do sujeito, falamos de mais ou de menos, como, por exemplo, mais

ou menos são ou mais ou menos branco. Esta distinção não procede de que forma tenha

o existir fora da matéria ou do sujeito, mas de que uma é sua consideração segundo a

razão de sua espécie, e outra segundo sua participação no sujeito”.

Há um outro bem, que é bom em si mesmo, e se coloca em relação a

todos aqueles bens como causa de serem bons. 440

Porque só é um bem na medida em que é útil, ou seja, um meio para

algo mais, de sorte que se poderia conceber as finalidades

anteriormente indicadas mais capazes de ser [o bem que

investigamos], visto que são apreciadas por si mesmas. 441

436 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 38. 437 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 39. 438 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 39-40. 439 Suma Teológica IV p70-78. 440 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 41. 441 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 43.

Página 123 de 193

O bem é predicado (...) de substância, de qualidade e de relação (...)

qualidade: as excelências; naquela da quantidade: moderada; naquela

da relação: útil; naquela do tempo: uma oportunidade favorável;

naquela do lugar: um adequado habitat, e assim por diante. 442

Bem quando colocam a unidade, em sua coluna de bens (...) o termo

bens apresentaria dois significados, a saber, coisas boas em si mesmas

e coisas boas como um meio para essas primeiras. Separamos, então,

as coisas boas em si mesmas das coisas úteis como meios, e

consideremos se as primeiras são chamadas de boas porque se

enquadram numa única ideia. 443

E que “assim, no que diz respeito à intensidade ou remissão das hábitos e das

formas, quatro opiniões houve entre os filósofos, como refere Simplício. Plotino e os

demais platônicos sustentavam que as qualidades e os hábitos, em si mesmos, são

susceptíveis de mais e de menos, porque materiais e por terem, devido ao caráter

indefinido da matéria, certa indeterminação. – Outros, ao contrário, sustentavam que as

qualidades e os hábitos, em si mesmos, não são susceptíveis de mais nem de menos, mas

que atribuímos às qualidades o mais e o menos, conforme os diversos graus de

participação. Por exemplo, não dizemos que a justiça é mais ou menos, mas que uma

coisa é mais ou menos justa. Essa opinião, aliás, Aristóteles alude de seus predicamentos.

– No meio termos dessas duas opiniões anteriores, temos a terceira, a dos estóicos.

Sustentavam que certos hábitos, como as artes, são, em si, susceptíveis de mais e de

menos; outros, porém, não, como as virtudes. – A quarta opinião é a dos de diziam que

as qualidades e as formas imateriais não são susceptíveis de mais e de menos, mas as

materiais, sim.”

visto que ainda que também busquemos essas coisas a título

de meios para alcançar algo mais, seriam classificadas entre

as coisas boas em si mesmas (...) é possível que coisas sejam

chamadas de boas em virtude de serem derivadas de um

bem; ou porque contribuem todas para um bem.(...) a Ideia

do Bem, pois até mesmo se a qualidade de boa (excelência)

predicada de várias coisas em comum realmente for uma

unidade ou algo que existem separadamente e absoluto,

claramente não será praticável ou atingível pelo ser

humano. Mas o bem que ora buscamos é um bem alcançável

pelo ser humano444

A finalidade de todas as coisas executadas graças à ação

humana, este será o bem praticável – ou se houver várias

finalidades tais, a soma destas será o bem. (...) como um

meio para algo mais -, fica claro que nem todas elas são

finalidade completas, ao passo que o bem mais excelente

(o bem supremo) para ser algo completo.

Consequentemente, se houver alguma coisa que, por si só, seja finalidade completa, essa coisa – ou se houver várias445

442 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 44. 443 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 45. 444 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 46. 445 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 47-48.

Página 124 de 193

Pode ser denominado a vida ativa da parte racional do ser

humano. (...) no exercício ativo da faculdade racional,

porquanto parece ser este sentido próprio do termo. Se,

então, a função do ser humano é o exercício ativo da

faculdade da alma em conformidade com o princípio

racional (...) o bem humano é o exercício ativo das

faculdades da alma humana em conformidade com a melhor

e mais perfeita delas. 446

Na sua condição de estudioso da verdade, procura sua

essência ou atributos essenciais. (...) é o caso dos primeiros

princípios e o fato é a coisa primeira – é um primeiro

princípio. 447

E “para esclarecer o que há de verdadeiro nessa questão, deve-se considerar que

aquilo pelo qual algo se constitui em espécie deve ser fixo e estável, como uma coisa

indivisível, pois tudo o que ele abrange, por ele se especifica, e tudo o que dele se afasta,

seja mais seja menos, pertence a outra espécie, mais ou menos perfeita. Por isso diz o

Filósofo que as espécies das coisas são como os números: aumentando ou diminuindo um

número, muda-se-lhe a espécie. Portanto, se uma forma ou uma realidade qualquer, por

si mesma ou por algo próprio, pertence a determinada espécie, há de, necessariamente,

considerada em si mesma, ter uma determinada razão, em relação com a qual não pode

ser nem excedente nem deficiente. Essa é o caso do calor, da brancura e de outras

qualidades do mesmo tipo, que não se definem pela relação com outra coisa. E o caso,

sobretudo, da substância, que é ente por si mesmo. – As coisas ao contrário, que se

especificam por um termo ao qual estão ordenadas podem, em si mesmas, diversificar-se

mais ou menos e, assim mesmo, continuar as mesmas especificamente, dada a unidade

do termo para qual se ordenam e do qual recebem a especificação. Assim, o movimento

é, em si mesmo, mais intenso ou mais remisso, permanecendo, contudo, na mesma

espécie, por causa da unidade do termo especificador. O mesmo pode-se dizer também

da saúde, pois o corpo chega a razão de saúde, na medida em que tem as disposições

convenientes à natureza do animal, disposições que podem ser diferente e, portanto,

podem variar mais ou menos, permanecendo sempre, porém, a razão de saúde. Por essa

razão, o Filósofo diz que ‘a saúde em si mesma, admite mais e menos, pois a medida não

é a mesma em todos, nem sempre a mesma em um só e mesmo indivíduo, e uma vez

diminuída continua saúde até certo ponto’. Ora, essas diferentes disposições medidas da

saúde referem-se entre si com mais e menos se se aplicasse saúde apenas à medida mais

perfeita, então não se diria que a saúde é maior ou menor. – Desse modo, fica claro de

que maneira uma qualidade ou forma pode ou não, em si mesma, aumentar ou diminuir”.

446 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 50. 447 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 51.

Página 125 de 193

O bem mais excelente era a finalidade da ciência política, mas que o

cuidado maior dessa ciência é formar um certo caráter nos cidadãos,

ou seja, torná-los virtuosos e capazes de realizar ações nobres. 448

A virtude moral ou ética é o produto do hábito 449

A natureza nos confere a capacidade de recebê-las, e essa capacidade

é aprimorada e amadurecida pelo hábito 450

Legisladores tornam os cidadãos bons treinando-os em hábitos de

ação correta, o que é a meta de toda legislação, que, se falhar no seu

atingimento, será um fracasso , [tarefa] no que se distingue a boa

constituição da má. 451

E “se, porém, considerarmos a qualidade ou a forma, pela participação do sujeito,

desse modo também se encontrarão que algumas qualidades e formas admitem o mais e

o menos e outras, não. E Simplício atribui a causa dessa diferença à substancia que, sendo

um ente por si, não pode admitir o mais e o menos. E por isso toda forma participa

substancialmente no sujeito carece de intensidade e remissão. Assim, no gênero da

substância, não se fala de mais e de menos. E como a quantidade está próxima da

substância e a figura, também segue a quantidade, segue-se que também a respeito destas

não se fala de mais nem de menos. Por esse motivo, o Filósofo diz que, quando uma coisa

toma forma e figura, não se diz que se alterou, mas que está se fazendo. – As outras

qualidades, mais afastadas da substância e ligadas a paixões e ações, admitem mais e

menos conforme a participação do sujeito”.

Nossas disposições morais são formadas como produto das atividades

correspondentes. Consequentemente, nos compete controlar o caráter

de nossas atividades, já que a qualidade destas determina a qualidade

de nossas disposições. 452

Considerando que o presente estudo, diferentemente dos outros ramos

da filosofia, tem objetivo prático – já que não estamos pesquisando a

natureza da virtude a fim de conhecer essa natureza, mas a fim de

podermos nos tornar bons, sem o que nossa investigação seria inútil

– é necessário, consequentemente, que encaminhemos nossa

investigação para o âmbito da conduta e indaguemos como agir

corretamente, uma vez que nossas ações, como asseveramos,

determinam a qualidade de nossas disposições. 453

A formula “agir de acordo com a justa razão” é um princípio comum

e pode ser tomada com a base nossa discussão. 454

As qualidades morais são de tal modo constituídas que são destruídas

pelo excesso e pela deficiência (...) e preservadas pela observância da

mediania. 455

448 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 55. 449 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 67. 450 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 67. 451 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 68. 452 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 68-69. 453 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 69. 454 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 69. 455 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 70.

Página 126 de 193

E “pode-se, contudo, explicar melhor a razão dessa diferença, porque, como já foi

dito, aquilo que especifica uma coisa deve permanecer fixo e indivisível. Assim, de dois

modos pode acontecer que a forma não seja participada segundo o mais ou o menos.

Primeiramente, porque o sujeito participante se constitui em espécie pela forma

participada e assim nenhuma forma substancial é mais ou menos participada. Por isso, o

Filosofo diz que ‘como o número não é susceptível de mais nem de menos, também não

é a substância especificada’, ou seja, quanto participação da forma especifica; ‘mas se ela

estiver unida à matéria’, isto é, em razão das disposições materiais, é susceptível de mais

e de menos. – de outra maneira pode acontecer, pelo fato de que a indivisibilidade é da

razão da forma. Por isso, o que dela participar, há de participar dela segundo a razão de

indivisibilidade. Daí vem que nos números não se fala de mais e de menos, pois cada uma

dessas espécies é constituída por uma unidade indivisível. E o mesmo vale para as

espécies da quantidade continua, quando tomadas numericamente, como uma grandeza

de dois côvados e de três côvados; e para as relações, como o duplo e o triplo e ainda para

as figuras, como o triangulo e o quadrado. E essa é, precisamente, a razão dada por

Aristóteles, quando diz, ao explicar por que a figura não admite nem mais nem menos:

‘aquilo que admite a razão de triângulo e do circulo é, igualmente, triângulo e círculo’,

pois a indivisibilidade é da mesma razão delas e, consequentemente, tudo o que participa

da razão delas deve participar indivisivelmente”.

A virtude moral é a qualidade segundo a qual se age da melhor forma

em relação aos prazeres e dores e que o vício é o oposto (...) mas a

virtude, como a arte, se ocupa constantemente com o que é mais

difícil, uma vez que quanto mais difícil é a tarefa, melhor é o êxito

(...) as ações a partir das quais foi produzida são, também, aquelas nas

quais é ela convertida em ato. 456

Atos, entretanto, que são realizados em conformidade com as virtudes

(...) mas somente se o agente também estiver numa certa disposição

de espírito ao realizá-los: em primeiro lugar tem que eleger

deliberadamente o ato e eleger o ato pelo próprio ato; e em terceiro

lugar, o ato tem que brotar de uma disposição de caráter estável e

permanente. 457

Um estado de alma é ou uma paixão, uma capacidade ou uma

disposição, de modo que a virtude tem que ser uma dessas três coisas.

Por paixão quero dizer desejo (...) geralmente aqueles estados de

consciência (ou sentimentos) que são acompanhados por prazer ou

dor. As capacidades são as faculdades em função das quais se pode

afirmar de nós que somos susceptíveis às paixões (...) as disposições

são os estados de caráter formados devido aos quais nos encontramos

bem ou mal dispostos em relação às paixões458

456 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 72. 457 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 73. 458 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 74.

Página 127 de 193

No que toca às virtudes e vícios não dizem em relação a nós que

somos “movidos”, mas que estamos “dispostos” de um certo modo

(...) se, então, as virtudes não são paixões, nem capacidade, tudo que

resta é que devam ser disposições, como o que estabelecemos o que é

a virtude em termos de seu gênero. Que toda virtude exerce um efeito

duplo sobre a coisa à qual pertence: não torna apenas a própria coisa

boa, como também faz com que ela desempenhe sua função bem. (...)

a virtude (excelência) num ser humano será o disposição que o torna

um bom ser humano e também o que fará desempenhar sua função

bem. 459

E “fica, então, claro que, sendo os hábitos e as disposições chamados enquanto

ordenados a alguma coisa, (...) de dois modos se pode considerar a intensidade ou

remissão deles: primeiro, em si mesmos, como quando se diz que a saúde é maior ou

menor; ou quando se diz que uma ciência é maior ou menor, conforme estende a mais ou

menos coisas. – Em segundo lugar, quando à participação do sujeito, quando uma mesma

ciência ou saúde é recebida mais por um do que outro individuo, segundo as diferentes

aptidões procedente ou da natureza ou do costume, pois o hábito e a disposição não

especificam o sujeito, como também não incluem a indivisibilidade em sua razão”.

A virtude, portanto, é um estado mediano no sentido de que é ela apta

a visar à mediania. Outrossim, o erro é multiforme (pois o mal é uma

forma do ilimitado, como conjeturaram os pitagóricos, e o bem uma

forma do limitado), ao passo que o êxito somente é possível de uma

única maneira (...) e com isso contemplamos uma razão adicional do

porque o excesso e a deficiência são uma marca do vício e a

observância da mediania uma marca da virtude, ou seja: simples é a

bondade, múltipla a maldade. 460

A virtude é, então, uma disposição estabelecida que leva à escolha de

ações e paixões e que consiste essencialmente na observância da

mediania relativa a nós, sendo isso determinado pela razão, isto é,

como o homem prudente o determina. 461

No âmbito do discurso racional prático, embora princípios universais

tenham uma aplicação mais lata (ou uma aceitação maior), aqueles

que cobrem uma parte particular detêm um grau maior de verdade,

uma vez que a conduta se relaciona com fatos particulares, estando

nossas teorias obrigadas a se harmonizarem com eles. 462

No que respeita à amenidade no entretenimento social, o caráter

mediano é espirituoso e a disposição mediana, espirituosidade. 463

E que portanto, “ficou claro, com efeito, que, nas formas que aumentam e

diminuem, o aumento e a diminuição provêm não da forma considerada em si mesma,

mas das diferentes participações do sujeito. Por isso, o aumento dos hábitos e das formas

não ocorre por adição de uma forma a outra, mas porque o sujeito participa mais ou menos

459 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 75. 460 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 77. 461 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 77. 462 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 78-79. 463 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 81.

Página 128 de 193

perfeitamente de uma única e mesma forma. E assim como pela ação de um agente

atualmente quente um corpo fica atualmente aquecido, como se começasse a participar

da forma, sem que esta comece a existir em si mesma (...). assim também, pela ação

intensa do próprio agente, o corpo se torna mais quente, como que participando mais

perfeitamente da forma e não como se algo se acrescentasse a ele”.

Parece indispensável ao estudante da ética discernir a diferença entre

o voluntário e o involuntário, o que também será útil ao legislador no

sua distribuição de recompensas e punições. 464

E a finalidade ou motivo de um ato varia segundo a ocasião. 465

Talvez então seja bom especificar a natureza e o número dessas

circunstâncias. São elas: o agente (1), o ato (2), a coisa (3) que é

afetada pelo ou constitui a esfera do ato e, por vezes, também o

instrumento (4), digamos uma ferramenta com a qual o ato é

realizado, o efeito (5), por exemplo salvar a vida de um homem, e a

maneira (6), por exemplo, suave ou violentamente466

E as mais importantes circunstâncias parecem ser a natureza do

próprio ato e o efeito que ele produzirá467

E “portanto, se se entendesse, pela adição, um tal aumento nas formas, isso

somente poderia acontecer por parte da forma ou por parte do sujeito. No primeiro caso,

já foi dito que tal adição ou subtração mudaria a espécie, como varia a espécie da cor,

quando o pálido se torna branco. – Se, porém, a adição for entendida por parte do sujeito,

isso não se poderia dar senão porque uma parte do sujeito recebeu a forma que não tinha

antes, como se disséssemos que o frio aumenta num homem que antes o sentia numa parte

do corpo e quando já o sente em várias; ou então porque se ajunta algum outro sujeito

participante da mesma forma, como se se acrescentasse o quente ao que já era quente e o

branco ao branco. Mas, segundo esses dois modos não se diz que o corpo se tornou mais

quente ou mais branco e sim maior”.

E a escolha é louvada por estar relacionada ao objeto certo e não por

estar corretamente relacionada a ele, enquanto a opinião por estar

verdadeiramente relacionada ao seu objeto. E nós elegemos

(escolhemos) somente coisas que sabemos absolutamente serem boas.

468

Pertence ao gênero da ação voluntária (...) precedida por deliberação,

posto, que escolha envolve o raciocínio e certo processo mental. 469

“objeto de deliberação”(...) Deliberamos sobre coisas que estão sob

nosso controle e que são atingíveis pela ação (...) Deliberamos sobre

coisas nas quais a nossa ação opera (...) a deliberação, portanto, é

464 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 87. 465 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 88. 466 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 90. 467 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 91. 468 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 93-94. 469 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 94.

Página 129 de 193

empregada em matérias que, embora sujeitas a regras que geralmente

são para o bem, são incertas quanto aos seus resultados ou

consequências são indeterminados e nas quais, quando matéria é

importante, solicitamos [a ajuda de] outros no nosso deliberar,

desconfiando de nossa própria capacidade de decisão. Além disso,

não deliberamos acerca de fins, mas acerca de meios. 470

[no exercício de uma arte] a questão num momento é saber quais

ferramentas usar e, num outro, como usá-las; similarmente, em outras

esferas, temos que considera, por vezes, que meios empregar e, outras

vezes, como exatamente determinados meios devem ser empregados.

(...) o ser humano é o princípio-fundamento de suas ações e que cabe

à deliberação descobrir as ações a serem realizadas dentro da esfera

do próprio poder do agente, e todas nossas ações visam fins

(finalidades) que são distintos delas mesmas (...) a deliberação tem

que deter no fato particular, ou embarcará num processo ad infinitum.

471

E “todavia, dado que certos acidentes aumentam em si mesmos (...), pode haver

em alguns deles aumento por adição. O movimento, por exemplo, aumente porque algo

se lhe acrescenta, quer pelo tempo de sua duração quer pelo percurso que ele faz e, no

entanto, permanece na mesma espécie, por causa da unidade do termo. Mas um

movimento aumenta também em intensidade, em relação à participação do sujeito, ou

seja, o mesmo movimento pode realizar-se mais ou menos fácil ou prontamente. – A

ciência, igualmente, pode aumentar em si mesma, por adição. Por exemplo, quando

alguém aprende muitas conclusões de geometria, o hábito especifico dessa ciência

aumenta nele. A ciência, porém, aumenta em intensidade em alguém, pela participação

do sujeito, como, por exemplo, quando um homem procede com mais facilidade e com

mais clareza que outro na consideração das mesmas conclusões”.

O objeto da deliberação e o objeto da escolha são mesmo (...) a

vontade (aspiração) (...) aqueles que afirma que o que é aspirado é o

realmente bom [ou seja, que o bem é o objeto da vontade] têm que

admitir, como consequência, que aquilo a que o individuo (...) que

absoluta a verdadeiramente o bem é o objeto da vontade (...) aquilo

que é verdadeiramente um objeto de aspiração o é para o homem bom.

472

O que distingue fundamentalmente o homem bom é o fato de

contemplar a verdade em cada tipo, sendo ele próprio , por assim

dizer, o referencial a medida do nobre e do aprazível. 473

Sendo o fim, então, ao que aspiramos, os meios que servem ao nosso

fim sendo matérias de deliberação e escolha, segue-se que as ações

que concernem a esses meios são realizadas por escolha e voluntárias.

474

O ser humano é o autor de suas próprias ações e se somos incapazes

de remontar nossas ações a quaisquer outros princípios-fundamentos

470 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 94-95. 471 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 96. 472 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 97. 473 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 98. 474 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 98.

Página 130 de 193

que não sejam aqueles dentro de nós mesmos, então as ações cujos

princípios –fundamentos residem em nós, elas próprias, dependem de

nós e são voluntárias. 475

E “por outro lado, nos hábitos corporais não parece acontecer muito o aumento

por adição, porque não se diz que um animal é realmente são ou bonito se ele não o for

em todas as partes. Se medida mais perfeita, isso se deve à modificação de suas qualidades

elementares e estas não crescem senão em intensidade, por causa do sujeito participante”.

Ele o fará da maneira correta e os suportará em conformidade com a

razão, por amor ao que é nobre, pois é esta a finalidade visada pela

virtude. 476

Homem corajoso: sua coragem é nobre e, portanto, seu fim é a

nobreza, pois uma coisa é definida por seu fim. 477

Não é verdade, portanto, no que tange à toda virtude, que seu

exercício seja essencialmente prazeroso, salvo na medida em que

atinge seu fim (...) a moderação (temperança) é a mediania em relação

aos prazeres478

A moderação, portanto, concerne aos prazeres do corpo (...) é

realmente o fruir do objeto que é prazeroso e isso é realizado

unicamente através do sentido do tato, igualmente no comer e beber

e naquilo que é classificado com prazeres do sexo479

A “semelhança e dessemelhança não se consideram unicamente quanto a uma

quantidade idêntica ou diversa, senão também quanto ao modo de participação

semelhante ou diferente. Com efeito, o preto não só é dessemelhante do branco, mas

também o menos branco o é do branco, porque o movimento se faz do menos branco para

o mais branco, como o de um contrário para o outro contrário”.

O homem moderado mantém um procedimento mediano nessas

matérias. Não extrai prazer algum nas coisas da quais o desregrado

extrai mais prazer; pelo contrário, ele decididamente não as aprecia;

tampouco geralmente encontra prazer nas coisas erradas, nem prazer

excessivo em nada dessa espécie; nem sente dor ou desejo na sua

falta, ou apenas num grau moderado, não mais do que certo, nem no

momento errado, etc. Mas aqueles prazeres conduzentes à saúde e à

boa forma corpórea ele tentará obter no grau comedido e certo, bem

como outros prazeres na medida em que não prejudiquem a saúde e

a boa forma física, não sejam ignóbeis, ou ainda estejam além de seus

meios, aquele que ultrapassa esses limites dá mais atenção a esses

prazeres do que estes merecem – o que não ocorre com homem

moderado, pois ele só lhes dá atenção que lhe é ditada pela razão. (...)

e o prazer é algo que escolhemos. 480

Consequentemente, no homem moderado, o elemento apetitivo tem

que estar em harmonia com a razão, pois o objetivo da moderação

bem como do princípio racional é aquilo que é nobre, e o homem

475 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 99. 476 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 104. 477 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 105. 478 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 111. 479 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 112-113. 480 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 115.

Página 131 de 193

moderado deseja a coisa certa de maneira certa no momento certo,

que é o ordenamento pela razão. 481

O motivo do homem munificente nessa despesa será a nobreza da

ação482

E a virtude (excelência) num empreendimento envolve grandeza (...)

ao passo que um ato exibe virtude somente quando é executado de

maneira certa. 483

E “no entanto, como o exercício dos hábitos depende da vontade humana (...),

assim como quem tem um hábito pode prescindir dele ou até agir contrariamente a ele,

assim também pode acontecer que use hábitos com atos desproporcionado à intensidade

deste. Portanto, , se a intensidade do ato for proporcional à do hábito ou mesmo a superar,

qualquer ato ou aumenta o hábito ou lhe preparará seu aumento, falando assim do

aumento dos hábitos tal qual falamos do crescimento dos animais. Não é, com efeito,

qualquer alimento ingerido que faz o animal crescer, como também não é qualquer gota

que fura a rocha, mas o crescimento se realiza pela repetição dos alimentos. Da mesma

forma, multiplicando-se os atos, aumenta o hábito. – Se, porém, a intensidade do ato for

proporcionalmente inferior à do hábito, esse ato não prepara o hábito para o aumento e

sim para diminuir”.

“Mérito” é um termo de relação que denota uma reinvindicação a bens

externos a si mesmo484

Uma vez ser a honra a recompensa da virtude e o tributo que

prestamos ao bem. Grandeza de alma parece, portanto, ser, por assim

dizer, um coroamento das virtudes; ela amplia a grandeza delas e é

impossível que exista sem elas. Consequentemente, é difícil ser

verdadeiramente grandioso de alma, uma vez que a grandeza de alma

é impossível na ausência de nobreza moral. (...) a honra, que é o maior

dos bens externos485

E aquele que é superior em alguma coisa boa é sempre objeto de

maior honra486

É característico do detentor de grandeza de alma jamais pedir ajuda a

outrem, ou fazê-lo apenas relutantemente, mas prestar ajuda de boa

vontade487

481 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 116. 482 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 124. 483 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 125. 484 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 128. 485 Aristóteles. Ética a Niômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 129. 486 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 130. 487 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 131.

Página 132 de 193

Quinto ponto; A destruição e a diminuição dos Hábitos488:

Diz Aristóteles na suma “As virtudes são mais duradouras que os conhecimentos”.

E também “o esquecimento e o engano são a morte da ciência”. São Tomás “uma forma

se destrói por si, pelo seu contrário, e acidentalmente pela destruição de seu sujeito.

Portanto, se houver algum hábito cujo sujeito seja destrutível e cuja causa tenha um

contrário, ele poderá se destruir pelas duas maneiras, como o mostram os hábitos

corporais, a saúde e a doença, por exemplo. – Já os hábitos cujo sujeito é indestrutível

não podem ser destruídos acidentalmente. Entretanto, certos hábitos há que, embora

existam principalmente num sujeito destrutível. Por exemplo, o hábito da ciência, que

reside principalmente no intelecto possível e, secundariamente, nas potências apreensivas

sensitiva (...). por isso mesmo, por parte do intelecto possível o hábito da ciência não pode

se destruir por acidente, mas só por parte das potências sensitivas inferiores”.

De qualquer forma, aconteça o que acontecer, a disposição

mediana é louvável 489

Também ela é inominadas como restantes, posto que

entenderemos melhor a natureza do caráter moral se

examinarmos suas qualidades uma a uma; e também

ratificaremos nossa crença de que as virtudes são modos de

observar a mediania. (...) a falsidade é em si mesma vil e

repreensível e a verdade, nobre e louvável. 490

Essa sinceridade pode ser avaliada como uma virtude

moral, pois o amante da verdade, que é veraz mesmo

quando nada depende dela, será veraz a fortiori quando

algum interesse estiver em jogo, visto que tendo o tempo

todo evitado a falsidade por sua própria causa, por certo

evitará quando é moralmente ignóbil; e esta é uma

disposição que louvamos491

Mas vida também inclui descanso e um forma de descanso

é o entretenimento proporcionado pela conversação. 492

E “importa, pois, examinar, se esses hábitos podem, por si, destruídos, porque se

houver algum hábito que tenha um contrário ou em si mesmo ou em virtude de sua causa,

ele poderá por si se destruir. Não o poderá, porém, se não tiver contrário. Ora, que uma

espécie inteligível, existente no intelecto possível, não tenha nenhum contrário, é coisa

evidente, como também o é que nada possa ser contrário ao intelecto agente, causa dessa

espécie. Logo, se algum hábito existir no intelecto possível, causado imediatamente pelo

intelecto agente, tal hábito é indestrutível tanto por si, quanto por acidente. Esses são os

488 Suma Teológica IV p79-85. 489 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 136. 490 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 138. 491 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 139. 492 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 140.

Página 133 de 193

hábitos das primeiros princípios, os especulativos e os práticos, que não podem ser

destruídos nem pelo esquecimento nem pelo engano. Por isso, o Filósofo, falando da

prudência, afirma que ela ‘não se perde pela esquecimento’. – Existe, todavia, no intelecto

possível, um hábito causado pela razão, que é o das conclusões, chamado ciência. Ora, a

causa desse hábito pode ter algo contrário duplamente: tanto nas proposições, das quais

procede a razão, pois ao enunciado ‘o bem é o bem’ se opõe ‘o bem não é o bem’, segundo

o Filósofo; quanto no próprio processo da razão, como quando um sofisma se opõe ao

silogismo dialético ou demonstrativo. Fica, então, patente que por uma razão falsa pode

ser destruído o hábito de uma opinião verdadeira ou até mesmo da ciência”.

O rude (ou obtuso) é inteiramente inútil na conversação de lazer: não

contribui em nada e se ofende com tudo; contudo, o descanso e o

entretenimento parecem ser um elemento necessário à vida493

Observamos que todos entendem por justiça aquela disposição moral

que torna os indivíduos aptos a realizar atos justos e que os faz agir

justamente e desejar o que é justo, e analogamente, por injustiça

aquela disposição que leva os indivíduos a agir injustamente e desejar

o que é injusto. 494

Ora, o termo “injusto” é tido como indicativo tanto do indivíduo que

torna mais do que aquilo que lhe é devido, o indivíduo não equitativo.

Consequentemente, fica claro que o homem que obedece a lei e o

homem equitativo serão ambos justos. O “justo”, portanto, significa

aquilo que é legal e aquilo que é igual ou equitativo, e o “injusto”

significa aquilo que é igual ou equitativo, e o “injusto” significa

aquilo que é ilegal e aquilo que é desigual ou não equitativo. 495

Que todas as coisas lícitas são justas num sentido da palavra, pois

aquilo que é legal é decidido pela legislação e às várias decisões desta

denominamos regras de justiça. Ora, todas as várias promulgações da

lei colimam ou interesse comum de todos, ou o interesse dos mais

excelentes, ou o interesse dos que detêm o poder, ou algo do gênero,

de sorte que, em um de seus sentidos, o termo “justo” e aplicado a

qualquer coisa que produz e preserva a felicidade, ou as partes

componentes da finalidade da comunidade política (...) A justiça, (...)

é virtude perfeita, ainda que com uma qualificação, a saber, que é

exibida aos outros [e não no absoluto]. 496

E “quanto às virtudes, algumas são intelectuais, existentes na razão mesma (...),

para as quais vale a mesma razão a respeito da ciência ou da opinião. – Por outro lado,

outras há, as virtudes morais, residentes na parte apetitiva da alma, na quais vale a mesma

razão a respeito dos vícios opostos. Os hábitos da parte apetitiva são causados pelo fato

de que a razão existe para mover a apetitiva. Por isso, o hábito da virtude ou do vicio pode

493 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 142. 494 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 145. 495 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 146. 496 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 147.

Página 134 de 193

ser destruído pelo juízo da razão, quando este move em sentido contrário, de alguma

maneira, quer por ignorância, quer por paixão, ou ainda por escolha”.

Na justiça se encontra toda virtude somada. (...) é por causa disso que

aprovamos o dito de Bias segundo o qual “a autoridade mostrará o

homem”, pois no exercício da autoridade aquele que a detém é levado

necessariamente à relação com os outros e se torna membro da

comunidade. A mesma razão, isto é, o fato de implicar a relação com

alguém mais, dá conta do parecer de que a justiça exclusivamente

entre as virtudes é “o bem alheio” porque concretiza o que constitui a

vantagem do outro (...) sua essência (...) aquilo que é manifesto na

relação com os outros é justiça – no ser simplesmente uma disposição

de um certo tipo é virtude. 497

Dois significados do “justo”, especificamente o legal e o igual ou

equitativo (...) nem tudo que é ilegal é não equitativo, ao passo que

tudo que é não equitativo é ilegal. 498

O injusto é o iníquo (desigual), o justo é o igual (...) a igualdade

envolve no mínimo dois termos (...) (1) que o justo seja uma mediania

( e relativo a algo e justo para determinados indivíduos), como

também (2) que, na qualidade de uma mediania, implique certos

extremos entre os quais ele se coloca, a saber, o mais e o menos, (3)

que, na qualidade de igual implique tuas porções que são iguais e (4)

que, na qualidade de justo, ele envolva determinados indivíduos para

os quais é justo. É portanto, necessário se inferir que a justiça envolve,

ao menos quatro termos, ou seja especificamente: dois indivíduos

para os quais há justiça e duas porções que são justas (...) a proporção

é uma igualdade de relações e que envolve, ao menos, quatro termos.

499

A justiça corretiva, a qual está presente nas transações, privadas, tanto

voluntárias quanto involuntárias. Trata-se de uma justiça de caráter

diferente da anterior, pois a justiça na distribuição dos bens comuns

sempre se conforma à razão (proporção) que descrevemos (visto que,

quando uma distribuição é feita dos recursos comuns) 500

Diz São Tomás “por natureza, os contrários se dão no mesmo sujeito. Ora, o

aumento e a diminuição são contrários. Logo, se o hábito pode aumentar, parece que

também pode diminuir”. E que “fica claro que os hábitos de duas maneiras diminuem

como também aumentam. E assim como aumentam pela mesma causa que os gera, assim

também diminuem pela mesma causa que os destrói, pois a destruição de um hábito é o

caminho para sua destruição e, inversamente, a geração do hábito é uma base para seu

crescimento”.

A lei apenas considera a natureza do dano, tratando as partes como

iguais, limitando-se a indagar se alguém praticou injustiça enquanto

o outro a sofreu, e se alguém praticou o dano e se o outro foi atingido.

501

497 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 148. 498 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 150. 499 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 151-152. 500 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 154. 501 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 154.

Página 135 de 193

A própria existência do Estado depende da reciprocidade fundada na

proporção502

A justiça é um modo de observar a mediania503

Justiça política quer dizer justiça entre pessoas livres e (real ou

proporcional) iguais, que vivem uma vida comum com a finalidade

de satisfazer de suas necessidades (...) justiça só pode existir entre

aqueles cujas relações mútuas são reguladas pela lei (...)

administração da lei implica a distinção entre o justo e o injusto. (...)

não admitimos que ser humano governe, mas a lei, porque um homem

governa em seu próprio interesse e se converte num tirano; mas a

função de um governante é ser o guardião da justiça e, se assim o é

(ou seja, da justiça), então da igualdade 504

Diz Aristóteles na suma “o que destrói a ciência não é somente o engano, mas

também o esquecimento”. E que “muitas amizades se dissolvem pela falta de

comunicação”. Para São Tomás “e pela mesma razão outros hábitos das virtudes

diminuem ou desaparecem, pela cessação de ato”.

A justiça política é em parte natural, em parte convencional 505

Reivindicação de justiça ocorrem entre indivíduos quer compartilham

de coisas que são, em termos gerais, boas e que podem obter porções

demasiado grandes ou demasiado pequenas dessas coisas boas. 506

Duas faculdades racionais podem ser designada como faculdade

científica e faculdade calculadora respectivamente; uma vez que

cálculo é o mesmo que deliberação e esta jamais é exercida sobre

coisas invariáveis, [entendemos que] a faculdade calculadora

constitui uma parte independente da metade racional da alma. (...) há

três elementos na alma que controlam a ação e o atingimento da

verdade, ou sejam: a sensação, o intelecto e o desejo. 507

O buscar e o evitar na esfera do desejo correspondem à afirmação e à

negação na esfera do intelecto. Consequentemente, na medida em que

a virtude moral é uma disposição que diz respeito à escolha, e escolha

é desejo deliberado, conclui-se que, se a escolha deve ser boa, tanto a

razão precisa ser verdadeira quanto o desejo correto, e que o desejo

tem que buscar as mesmas coisas afirmadas pela razão. (...) o

fundamento da ação (ou seja, a causa eficiente, não a causa final) é a

escolha, e a causa de escolha é o desejo e a razão dirigidos a algum

fim. (...) fazer bem (bem-estar) é o fim e é este que o desejo visa. 508

Diz São Tomás “há dois modos de algo ser movente: por si, em razão de sua

própria forma, como faz o fogo ao aquecer; ou por acidente, como o que remove um

obstáculo. E desse último modo é que o cessar das atos causa a destruição ou diminuição

dos hábitos, na medida em que se removem os atos que lhes impediam as causes

destruidoras ou diminuidoras. (...) que os hábitos, por si, desaparecem ou diminuem pela

502 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 157. 503 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 160. 504 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 161-162. 505 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 163. 506 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 171. 507 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 178. 508 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 179.

Página 136 de 193

adição de um agente contrário. Por isso, o que é contrário a qualquer hábito cresce ao

longo do tempo e é preciso suprimi-lo por atos próprios do hábito. Quando por muito

tempo deixam de ser exercidos, esses hábitos diminuem e até mesmo desaparecem de

todo, como se vê claramente na ciência e na virtude”.

Há cinco qualidades através das quais a alma alcança a verdade por afirmação ou negação. São elas nomeadamente: a

arte, o conhecimento científico, a prudência (sabedoria prática), a sabedoria filosófica e o entendimento. 509

À prudência (sabedoria prática) (...) característica do homem prudente ser ele capaz de bem deliberar sobre o que é

bom e proveitoso para si mesmo, (...) o que é vantajoso ou útil como recurso para o bem-estar em geral. 510

Fazer bem, é em si mesmos o fim. (...) a prudência é uma qualidade racional de consecução da verdade, que concerne

à ação relativamente a coisas que são boas e más aos seres humanos. (...) os primeiros princípios da ação são o fim para

o qual nosso ato são meios. 511

O conhecimento científico é um modo de concepção que lida com universais e coisas necessárias, e verdades

demonstradas bem como a totalidade do conhecimento científico (uma vez que este implica raciocínio) se originam de

primeiros princípios. 512

Sexto ponto; A distinção dos Hábitos513:

Diz São Tomás “o intelecto é uma só potência e, no entanto, nele estão hábitos de

diversas ciências(...). Os hábitos, (...) são disposições de algo em potência para alguma

coisa ou para natureza, ou para uma ação, ou para o fim da natureza. Quanto aos hábitos

que são disposições para a natureza, é evidente que podem existir muitos em um único

sujeito, porque as partes deste podem ser tomadas de várias maneiras, denominando-se

hábitos segundo a disposição dessas partes. Assim, se consideramos os humores como

partes do corpo humano, enquanto disposto segundo a natureza humana, temos o hábito

ou a disposição da saúde. Se, porém, se tomam as partes semelhantes, como os nervos, os

ossos e as carnes, dispostos em ordem à natureza temos a fortaleza ou a fraqueza. Se se

tomam os membros. Como mãos, os pés e outros, a disposição deles de acordo com a

natureza, e a beleza. E assim há muitos hábitos ou disposições num mesmo sujeito”.

O sábio, portanto, deve não só saber as conclusões que se seguem aos

seus primeiros princípios, como também deter uma verdadeira

compreensão desses próprios princípios. 514

Da prudência, no que se refere ao Estado, aquele tipo que desempenha

um papel controlador e diretivo é chamado de ciência legislativa;

aquele outro tipo que se ocupa de ocorrência particulares se chama

509 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 180. 510 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 182. 511 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 183. 512 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 184. 513 Suma Teológica IV p86-93. 514 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 186.

Página 137 de 193

ciência política, que realmente, a rigor, é pertinente aos dois tipos.

Este último tange à ação e à deliberação (uma vez que uma

promulgação parlamentar é uma coisa a ser feita, estando a última

etapa do processo deliberativo), razão pela qual são apenas aquelas

pessoas que lidam com fatos particulares as consideradas como

“participante da política”, porque são somente elas que executam

ações. (...) ciência política, esta (...) sendo subdividida em processo

deliberativo e processo judiciário. 515

A prudência implica o conhecimento de fatos particulares, o que

somente a experiência pode propiciar. 516

A natureza da boa deliberação (...) é uma forma de deliberação e, de

fato, a deliberação envolve investigação e cálculo. 517

E que “se nos referimos, porém, a hábitos que são disposições para a ação e

pertencentes propriamente às potências, também nesse caso podem muitos deles ser uma

só potência. E a razão é que o sujeito do hábito é uma potência passiva,(...) porque uma

potência apenas ativa não é sujeito de hábito algum (...). Ora, uma potência passiva está

para um ato determinado de uma mesma espécie, como a matéria está para a forma, pois

assim como a matéria é determinada a uma só forma por um único agente, assim também

a potência passiva é determinada pela razão do objeto ativo a um ato específico. Portanto,

assim como muitos objetos podem mover uma única potência passiva, assim também uma

única potência passiva pode ser sujeito de diferentes atos ou de diferentes perfeições

específicas. Ora, os hábitos são qualidades ou formas inerentes à potência e por eles é que

ela se inclina a determinados atos de uma espécie. Por isso, muitos hábitos podem

pertencer a uma única potência, como também muitos atos especificamente distintos”.

Boa deliberação é acerto ou exatidão no pensar (...) (de sorte que

temos, primeiramente, que investigar o que é deliberação e qual é o

objeto desta) 518

É esse tipo de acerto na deliberação que é boa deliberação, a saber,

ser acertado (exato, correto) no sentido de atingir alguma coisa boa

(...) relativamente ao que é útil, atingindo-se a conclusão certa

mediante fundamentos corretos no tempo certo. Por outro lado, pode-

se dizer de um homem que deliberou em que em geral, quer em

referência a um fim em particular. A boa deliberação em geral é,

portanto, a que conduz aos resultados correto com referência ao fim

em geral, ao passo que a exatidão (acerto) deliberativa com vista a

algum fim particular é boa deliberação de algum tipo especial. 519

Prudência, pois esta emite comandos (já seu fim é uma afirmação do

que se deve fazer ou não fazer). (...) discernimento (...) quando

utilizamos a faculdade da opinião para julgar (...) (isto é, que julgamos

corretamente, pois o julgamento correto é o mesmo que o bem

discernimento) (...) a qualidade designada com ponderação

(consideração), em virtude da qual se diz dos homens que eles têm

515 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 188. 516 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 189. 517 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 190. 518 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 191. 519 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 192.

Página 138 de 193

consideração, ou manifestam consideração pelos outros

(indulgência), é a faculdade de julgar corretamente o que é equitativo.

isso é indicado quando dizemos que o homem equitativo tem especial

consideração (estima e indulgência) pelos outros e que é equitativo

manifestar consideração (indulgência) pelos outros em certos casos;

contudo, consideração pelos outros é a consideração que julga

corretamente o que é equitativo, este julgando corretamente

significado julgar o que é verdadeiramente equitativo. (...) o

discernimento e a ponderação se ocupam de matérias de conduta, que

são finais. (...) visto que os resultados finais – bem como as definições

primárias – são captados pelo entendimento e não alcançados pelo

raciocínio: nas demonstrações o apreende as definições primárias e

imutáveis, ao passo que nas inferências práticas ele apreende o fato

final e contingente, e a premissa menor, uma vez serem estes os

princípios os primeiros princípios dos quais é inferido o fim, na

medida em que regras gerais são baseadas em casos particulares;

consequentemente, é necessário que tenhamos percepção dos

particulares, e esta percepção imediata é entendimento. 520

É incapaz de adquirir a qualidade da prudência sem possuir virtude

[moral], o que afirmamos anteriormente e é evidentemente verdadeiro

– isso porque inferência dedutivas sobre matérias de conduta sempre

apresentam uma premissa maior sob a forma de “visto que o fim, ou

seja, o bem mais excelente é desta ou daquela natureza” (...) o bem

mais excelente é desta ou aquela natureza (...) bem mais excelentes (o

bem supremo) somente se afigura bom para o homem bom (...) dos

primeiros princípios de conduta; do que se conclui claramente que

não seremos capazes de ser prudentes sem sermos bons. 521

Diz São Tomás “por três critérios os hábitos se distinguem especificamente: pelos

princípios ativos dessas disposições, pela natureza e pelos objetos especificamente

diferentes”. Diz Aristóteles “o fim está para as ações como o princípio para as

demonstrações”. Diz São Tomás “por isso, a diversidade dos fins leva à diversidade das

virtudes, como também à diversidade dos princípios ativos. – Além disso, os fins são eles

próprios objetos dos atos interiores que sobretudo pertencem às virtudes”.

Que todas as virtudes são formas de prudência522

Se trata de uma disposição determinada pela justa razão, e esta é o

princípio determinados pela prudência. (...) a virtude não é meramente

uma disposição que se conforma à justa razão, mas uma disposição

que coopera com a justa razão, e a prudência é a justa razão em

assuntos referentes à conduta. (...) que as virtudes cooperam com (ou

envolvem) a justa razão. 523

O indivíduo autocontrolado é aquele que se conforma aos resultados

de seus cálculo524

As coisas que produzem prazer são duas classes: as necessárias e as

desejáveis em si, mas que comportam excesso, as fontes necessárias

dos prazeres são aquelas vinculadas ao corpo, ou seja, tais funções da

nutrição e do sexo. (...) as demais fontes de prazer não são necessárias,

porém desejáveis em si mesmas, a saber à guisa de exemplos: a

520 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 193-194. 521 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 197. 522 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 198. 523 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 199. 524 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 202.

Página 139 de 193

vitória, as honrarias, a riqueza e as outras coisas boas e prazerosas da

mesma espécie. 525

Diz Aristóteles “o bem é conversível com o ente, e sendo comum a tudo, não se

pode tomá-lo como diferença de alguma especie”. Diz São Tomás “o hábito bom é

contrário ao mau hábito, como a virtude é contrária ao vício. (...) logo, os hábitos diferem

especificamente pelo bem e pelo mal. (...) os hábitos distinguem-se especificamente não

só pelos objetos e princípios ativos, mas também em ordem à da natureza e isso pode

acontecer de duas maneiras. A primeira, conforme a harmonia ou desarmonia com a

natureza. E assim se distinguem especificamente o bom hábito e o mau, pois chama-se

bom hábito que dispõe a atos convenientes à natureza do agente e mau o que dispõe a atos

não convenientes a essa natureza, como os atos de virtude convêm à natureza humana

quando conformes à razão, ao passo que os atos viciosos, sendo contra a razão, estão em

desarmonia com essa natureza. (...). A outra maneira de se distinguirem os hábitos quanto

à natureza é que uns dispõem a atos convenientes à natureza inferior; outros, a atos

convenientes à natureza superior. Assim, a virtude humana que dispõe a atos convenientes

à natureza humana distingue-se da virtude divina ou heroica, que dispõe a atos

convenientes a uma natureza superior.(...) os hábitos se distinguem pelo bem e pelo mal,

ou seja, enquanto é um bom e outro é mau e não porque um tenha por objeto o bem e

outro o mal. (...) o bem que é comum a todo ente não é diferença específica de nenhum

hábito”.

Dos desejos e prazeres, alguns se relacionam com coisas de caráter

nobre e bom (pois algumas coisas prazerosas são naturalmente

desejáveis, outras contrárias à natureza, enquanto outras, ainda, são

neutras) 526

Princípio originador (sendo esse princípio a inteligência) é sempre

menos destrutiva527

O primeiro princípio ou ponto de partida em matérias de

comportamento é o fim proposto, (...) são os primeiros princípios

transmitidos pela razão, mas sim virtude, seja natural, seja adquirida

graças à educação na opinião correta no tocante ao primeiro princípio.

528

Princípio ou escolha, essencialmente é o princípio verdadeiro e a

escolha certa que mantém firme e o outro não. 529

Diz São Tomás “ó hábito, por ser uma qualidade, é uma forma simples. Ora, uma

realidade simples não é constituída de muitas partes. Logo, um único hábito não é

525 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 210. 526 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 211. 527 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 217. 528 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 221. 529 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 222.

Página 140 de 193

constituído de muitos hábitos. (...) o hábito dirigido à ação, do qual aqui principalmente

tratamos, é uma perfeição da potência. Ora, toda perfeição é proporcional ao sujeito apto

a recebê-la. Por isso, assim como uma potência, que é única, se entende a muitas coisas,

na medida em que estas se encontram em algo uno, ou seja, na razão comum de objeto,

assim também o hábito se entende a muitas coisas, enquanto estas estão ordenadas a algo

uno, como, por exemplo, a uma mesma razão particular de objeto ou a uma mesma

natureza ou ainda a um mesmo princípio, (...). Se, pois, considerarmos o hábito nas

realidades às quais ele se entende, nele encontramos, certamente, alguma multiplicidade.

Como, porém, essa multiplicidade se ordena a algo uno, a que o hábito visa

principalmente, segue-se daí que o hábito é uma qualidade simples, não formada de vários

hábitos, embora se estenda a muitas coisas. Um único hábito, na verdade, não se entende

a muitas coisas a não ser em vista de algo uno, donde tema sua unidade”. E que “na

formação de um hábito a sucessão não acontece porque uma parte é gerada depois da

outra, mas porque o sujeito não consegue imediatamente uma disposição firme e

dificilmente mutável e também porque ele começa a existir primeiro de maneira

imperfeita no sujeito, aperfeiçoando-se depois, aos poucos, como se dá com as demais

qualidades”.

Um Estado do que aplica suas leis, mas cuja leis são más.

530

[o hábito] é uma prática longa [e assídua], e a prática afinal

si torna natureza humana. 531

O bem é ou uma atividade ou um estado. 532

Prazeres não são realmente processos, nem são todos eles

incidentais em relação a um processo: são atividades e

fins533

Sétimo ponto; A essência da virtude534:

Diz Agostinho na suma “a virtude é o bom uso do livre arbítrio”, e que “a virtude

é a ordem do amor” e, em outro lugar: “essa ordenação que se chama virtude é que nos

leva a desfrutar do que deve ser desfrutado e a usar o que deve ser usado”. Diz São Tomás

530 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 224. 531 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 225. 532 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 227. 533 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 228. 534 Suma Teológica IV p93-102.

Página 141 de 193

“A virtude designa certa perfeição da potência. Mas a perfeição de uma coisa é

considerada, principalmente, em ordem ao seu fim. Ora, o fim da potência é o ato.

Portanto, a potência será perfeita na medida em que é determinada por seu ato”. E que “a

virtude é o último termo da potência, toma-se virtude pelo seu objeto, pois a virtude de

uma coisa se define em relação com esse ponto último que a potência pode alcançar”. Diz

Aristóteles na suma “que a virtude é ‘a disposição do que é perfeito para o que é ótimo’”

e que “a virtude de cada coisa é o que lhe torna boa a ação”.

Tem que ser bom, do que se conclui que o prazer é um bem535

Verdade, esta última espécie de prazeres acarreta um processo rumo

a perfeição, de sorte que, acidentalmente, esse prazeres são um bem 536

As coisas naturalmente prazerosas, ao contrário, são aquelas que

estimulam a atividade de uma dada natureza537

Visto ser a escolha o elemento essencial na virtude e no caráter. 538

Diz São Tomás “a virtude humana não implica uma ordenação para o existir, mas

antes para a ação”. Diz Agostinho na suma “ninguém duvidará que a virtude torna a alma

a melhor possível”. E Aristóteles na suma “a virtude torna bom quem a tem e boas as

obras que pratica”. Diz São Tomás “é necessário que a virtude de qualquer coisa seja

definida em relação com o bem. Logo, a virtude humana, que é um hábito de ação, é um

hábito bom e produtor de bem”. E que “o mal da embriaguez e do excesso no beber está

na falta de uma regra racional”.

A verdadeira boa vontade é despertada por algum tipo de virtude ou

qualidade moral. 539

A concórdia prevalece num Estado quando seus cidadãos concordam

quanto aos seus interesses [comuns], adotam as mesmas medidas e

implantam suas resoluções comuns. A concórdia, portanto, se refere

a fins práticos, ou seja, fins práticos de importância e que permitem a

realização por ambos ou todos os partidos; (...) os desejos dos homens

bons são constantes e não sobem e descem como a maré; e seu desejo

é por fins justos e convenientes, por cujo atingimento se empenham

em comum. 540

Um princípio fundamental da natureza: o que ele é em potência é o

que sua obra manifesta em ato. (...) que a atualidade do presente, a

esperança do futuro e a memória do passada sejam todas agradáveis,

a atualidade é a mais prazerosa das três e a mais amada. 541

535 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 229. 536 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 232. 537 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 233. 538 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 262. 539 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 275. 540 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 276. 541 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 278.

Página 142 de 193

Em matéria de nobreza moral e se esforçassem nas ações mais nobre,

o bem-estar comum seria completamente concretizado, ao mesmo

tempo em que os indivíduos poderiam desfrutar dos maiores bens,

visto ser a virtude e o maior dos bens. (...) no que concerne ao homem

mau, portanto, o que ele faz não se harmoniza com o que deve fazer,

ao passo que o homem bem faz o que deve, uma vez que o

entendimento sempre escolhe para si aquilo que é o melhor, e o

homem bom se norteia pela seu entendimento. 542

Diz São Tomás na definição de virtude “uma boa qualidade da mente pela qual se

vive retamente, da qual ninguém faz mau uso e produzida por Deus em nós, sem nós”. E

que “a referida definição engloba perfeitamente toda a razão de virtude, pois a razão

perfeita de qualquer coisa deduz-se de todas suas causas. Ora, a definição apresentada

abarca todas as causas da virtude. Assim, a causa formal da virtude, como de tudo o mais,

deduz-se de seu gênero e diferença, quando se diz que ela é ‘uma qualidade boa’, pois o

gênero da virtude é a ‘qualidade’ e a diferença, o ‘bem’. Melhor ainda seria a definição

se, em lugar, da qualidade, se afirmasse o hábito, que é o gênero próximo. Por outro lado,

a virtude não tem uma matéria ‘pela qual’, assim como não tem os acidentes, mas tem

uma matéria ‘a respeito da qual’, e ‘na qual’, ou seja, um sujeito. A matéria ‘a respeito da

qual’ é o objeto da virtude, mas ela não pode entrar na definição de virtude, porque esta,

por seu objeto, é especificamente determinada e aqui se indica uma definição de virtude

em geral. Por isso, afirma-se o sujeito, em lugar de sua causa material, quando se diz que

a virtude é uma boa qualidade ‘da mente’”.

Ações nobres [provêm] de indivíduos nobres. 543

Os prazeres do conhecimento, por exemplo, não apresentam

uma dor que os antecede; tampouco certo prazeres dos

sentido, a saber, aqueles cujo veículo é o sentido do olfato,

bem como muitos sons e visões [veiculados pelos sentidos

da audição e da visão]; o mesmo [se diga do prazer

produzido por] lembranças e esperanças. 544

A qualidade específica do prazer, ao contrário, é perfeita a

qualquer momento. Fica claro, portanto, que o prazer não é

idêntico ao movimento e que ele é um todo e algo perfeito

[e completo] (...) pois todo momento de consciência

prazerosa é um todo perfeito. 545

O prazer, portanto, também não é resultado de um

movimento ou processo, pois o prazer é um todo. (...) a

atividade de qualquer um dos sentidos está na sua melhor

forma quando o órgão do sentido está na sua melhor

condição é dirigido ao melhor de seus objetos, e essa

atividade será a mais perfeita e a mais prazerosa, pois cada

sentido possui um prazer que lhe corresponde, como

também o possuem o pensamento e a especulação, e sua

542 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 281. 543 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 290. 544 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 296. 545 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 298.

Página 143 de 193

atividade é a mais prazerosa quando é maximamente

perfeita, e maximamente perfeita quando órgão está em boa

condição e quando é dirigido ao mais excelente de seus

objeto percebidos e a faculdade sensorial, se boa, a

aperfeiçoam – tal como a saúde e o médico não constituem

da mesma forma a causa de ser saudável. (Está claro que

cada um dos sentidos é acompanhado pelo prazer, visto que

aplicamos o termo prazeroso às visões e aos sons, e também

é evidente que prazer é maior quando a faculdade sensorial

se encontra tanto na sua melhor condição quanto atuante em

relação ao melhor objeto; e quando tanto o objeto quanto

aquele que percebe – o órgão que percebe – são melhores,

haverá sempre prazer, uma vez que tanto o agente quanto o

paciente necessário estão presentes.) mas o prazer

aperfeiçoa a atividade não como o faz disposição inerente

[à atividade], estando presente já no agente, mas como uma

perfeição que sobrevém como a exuberância da saúde nos

jovens e vigorosos. 546

E que “quanto ao fim da virtude, como se trata de hábito operativo, ele consiste

na própria ação. cumpre notar, porém, que, dentre os hábitos operativos, alguns visam

sempre o mal, como os hábitos viciosos; outros, ora ao bem, ora ao mal, como as opiniões

que tanto podem ser verdadeiras como falsas. Mas a virtude é um hábito sempre voltado

para o bem. É por isso que, para diferenciá-la dos hábitos que visam sempre o mal se diz

‘pela qual ninguém faz mau uso’”. Diz Dionísio na suma “o bem da alma consiste em

existir segundo a razão”.

Portanto, enquanto o objeto inteligível ou sensível e a faculdade

discernidora ou especulativa forem como devem ser, haverá prazer

envolvido na atividade; desde que tanto a parte passiva como a ativa

de uma relação permaneçam as mesmas em si próprias e inalteráveis

em sua mútua relação, o mesmo resultado será naturalmente

produzido. 547

A vida é uma forma de atividade e cada homem exerce sua atividade

sobre aqueles objetos e com aquelas faculdades que ele mais aprecia.

(...) e o prazer dessas atividades aperfeiçoa a vida, que é o que todos

os seres humanos buscam. (...) de qualquer modo, eles parecem estar

indissoluvelmente unidos, pois não há prazer sem atividade e,

também, nenhuma atividade perfeita sem o prazer. Também nisso

reside o fundamento para a crença de que os prazeres são variáveis

quanto à qualidade específica548

As atividades do intelecto diferem daquelas dos sentidos e entre si em

gênero; e igualmente, em decorrência disso, diferem os prazeres que

as aperfeiçoam. (...) isso também pode ser constatado pela afinidade

que existe entre vários prazeres e as atividades aperfeiçoadas por eles,

pois uma atividade é aumentada pelo prazer que lhe é pertinente – isso

porque aqueles que estão envolvidos de forma operativa com o prazer

operam sempre com mais discernimento e maior precisão, do que são

exemplos os estudantes que, sendo aficionados da geometria, (...) uma

atividade é, portanto, aumentada pelo prazer que lhe é próprio e aquilo

que aumenta uma coisa lhe é, necessariamente, afim. Entretanto,

546 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 299. 547 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 300. 548 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 300.

Página 144 de 193

coisas que são afins com coisas de diferentes gêneros têm, elas

próprias, que diferir em gênero. 549

Nossas atividades são estimuladas, prolongadas e aprimoradas pela

prazer que lhes é próprio e obstada pela prazeres de outras atividades,

fica claro que os prazeres diferem largamente uns dos outros. (...)

como as atividades diferem quanto ao seu valor moral – devendo uma

ser adotadas e outras evitadas, ao passo que outras ainda são neutras

– mesmos se aplica no que toca aos seus prazeres, pois cada atividade

possui um prazer que lhe é próprio. Assim, o prazer de uma boa

atividade é moralmente bom, aquele de uma atividade má é

moralmente mau; pois mesmo desejos por coisas nobres são louváveis

e desejos por coisas vis, censuráveis. Mas os prazeres contidos em

nossas atividades estão mais estreitamente ligados a elas do que os

apetites que as estimulam, pois o apetite é tanto temporalmente

independente quanto distinto em sua natureza da atividade, enquanto

o prazer está intimamente ligado à atividade. (...) com as atividades

são diversas, também o são seus prazeres. A visão supera o tato em

pureza e a audição e o olfato superam o paladar; e, analogamente, os

prazeres do intelecto superam em pureza os prazeres do sentidos,

enquanto os prazeres de uma classe e outra diferem entre si em

pureza. 550

Oitavo ponto; O Sujeito da virtude551:

Diz Agostinho na suma “é pela virtude que se vive retamente”. Diz Aristóteles na

suma “a virtude torna bom quem a tem e boas as suas obras”. Diz São Tomás “pode-se

provar por três razões que a virtude pertence à potência da alma. Primeiro, pela própria

razão de virtude, que implica perfeição de uma potência e a perfeição existe naquilo de

que é perfeição. – Em segundo lugar, pelo fato de a virtude ser um hábito ativo, (...) e

toda ação procede da alma, por meio de alguma potência. – E, finalmente, pelo fato de a

virtude ser uma disposição para o ótimo e o ótimo é o fim que, por sua vez, é ou uma ação

de uma coisa ou o resultado obtido pela ação procedente da potência. Logo, a virtude

humana está em potência da alma como em seu sujeito”.

Diz Aristóteles na suma “três coisas se exigem da virtude: saber, querer e agir com

constância”. Diz São Tomás “o intelecto prático é o sujeito da prudência. E como esta é

‘a reta razão do que deve ser praticado’, pede ela que se levem em conta os princípios

dessa razão referentes ao que deve praticar, que são os fins, para os quais ela bem se

dispõe pela retidão da vontade, assim como para os princípios de ordem especulativa pela

luz natural do intelecto agente. Dessa forma, assim como para o sujeito da ciência, que é

549 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 301. 550 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 302. 551 Suma Teológica IV p102-114.

Página 145 de 193

a reta razão das coisas especulativas, é o intelecto especulativo, ordenado para o intelecto

agente, assim sujeito da prudência é o intelecto prático, ordenado à vontade reta (...) o

bem de cada um é o seu fim”. Diz Aristóteles na suma “o principal ato da virtude moral

é a escolha”.

Diz São Tomás “a fortaleza no irascível e a temperança no concupiscível (...) Os

apetites irascível e concupiscível podem ser considerados de dois modos: ou em si

mesmos, enquanto partes do apetite sensitivo e então não podem ser sujeitos de virtude.

– Ou enquanto participam da razão, por lhes ser natural obedecer a ela. E nesse caso, tanto

um como outro podem ser sujeitos da virtude humana, visto que, enquanto participam da

razão, são princípios de atos humanos. E nessas potências é necessário admitir as virtudes.

É evidente que algumas virtudes existem no irascível e no concupiscível. Com efeito, o

ato oriundo de uma potência movida por outra não pode ser perfeito sem ambas as

potências estarem bem dispostas ao ato, assim como o ato de um artífice não pode chegar

a bom termo, se ele não estiver bem disposto, bem como o instrumento. Portanto, nas

coisas em que intervém o irascível e o concupiscível, enquanto movidas pela razão, é

preciso que exista algum hábito que leve a bem agir não só na razão, mas também neles.

E como a boa disposição da potência que move sendo movida se considera enquanto

conforme com a potência que move, a virtude que está no irascível e no concupiscível

não é outra coisa senão a conformidade habitual dessas potências com a razão”. E que “a

razão rege o irascível e o concupiscível com ‘poder político’, isto é, como se governam

pessoas livres, que exercem, em certas coisas, sua vontade própria. Por essa razão, é

também preciso haver no irascível e no concupiscível algumas virtudes pelas quais

fiquem bem preparados para os seus atos”.

Diz Cicero na suma “a virtude é um hábito conforme à razão, a modo de natureza”.

Diz São Tomás “como pelo hábito a potência se aperfeiçoa para agir, esta precisa do

hábito, que é uma virtude, para agir reta e perfeitamente, toda vez que sua própria razão

não for suficiente para isso. Ora, é sempre em vista do objeto que se considera a razão

própria de uma potência. Portanto, (...) sendo o objeto da vontade o bem da razão

proporcionado à vontade, esta não precisa, quanto a isso, que a virtude venha aperfeiçoá-

la. Precisa, porém, dela quando se quer um bem que ultrapassa o querer, seja

relativamente a toda a espécie humana, como, por exemplo, o bem divino que transcende

os limites da natureza humana, seja relativamente ao indivíduo, como, por exemplo, o

Página 146 de 193

bem do próximo. E assim, virtudes como caridade, justiça e outras como estas, que

ordenam o afeto do homem para Deus ou para o próximo têm como sujeito a vontade”.

Nono ponto; A causa das Virtudes552:

Diz São Tomás “as virtudes existem em nós por natureza, em estado de aptidão e

incoativamente; não, porém, em estado de perfeição, à exceção das virtudes teologais que

procedem totalmente de fora”. Diz a Glosa na suma “nada é bom sem o sumo bem. Onde

falta o conhecimento da verdade, existe falsa virtude, mesmo com ótimos costumes”. Diz

São Tomás “a razão do bem consiste em modo, espécie e ordem, (...) ou ‘medida, número

e peso’ (...) é necessário considerar o bem do homem por alguma regra. E esta, (...) é

dupla: a razão humana e a lei divina. E como a lei divina é regra superior, sua extensão é

maior, de tal sorte que tudo o que é regulado pela razão humana o é também pela lei

divina, mas não inversamente”. E que “um ato pecaminoso isolado não destrói o hábito

da virtude adquirida, pois o que se opõe diretamente a um hábito não é um ato, mas outro

hábito”.

Diz São Tomás “devem os efeitos ser proporcionais às suas causas e princípios.

Ora, todas as virtudes, tanto as intelectuais quanto as morais, adquiridas por nossos atos,

procedem de certos princípios naturais preexistentes em nós”, e que “a potência desses

princípios infundidos naturalmente em nós não ultrapassa os limites da natureza. E, por

isso, para se ordenar ao fim sobrenatural, o homem precisa ser aperfeiçoado pelo

acréscimo de outros princípios”.

Decimo ponto; O meio-termo das Virtudes553:

Diz São Tomás “é próprio da virtude moral aperfeiçoar a parte apetitiva da alma

em relação a uma determinada matéria. Ora, a medida e a regra do movimento apetitivo

em relação aos seus objetos é a própria razão. Por outro lado, o bem de tudo é medido e

regulado está em conformar-se à sua regra, como o bem nas obras artísticas está em seguir

as regras da arte. Consequentemente, nesses casos, o mal está, ao contrário, no desacordo

552 Suma Teológica IV p179-188. 553 Suma Teológica IV p188-192.

Página 147 de 193

de uma coisa com a sua regra ou medida. E isso pode acontecer ou porque ela ultrapassa

a medida ou porque fica aquém dela, como se vê claramente em tudo o que é medido e

regulado. E assim, é óbvio que o bem da virtude moral consiste no ajustamento à medida

da razão. – Mas, evidentemente, entra o excesso e o defeito, o meio é a igualdade ou a

conformidade e, por isso, é claro que a virtude moral consiste no meio-termo”. Diz

Aristóteles na suma “a virtude moral é um hábito eletivo consistente no meio-termo”.

E que “a virtude moral recebe sua bondade da regra da razão, mas sua matéria são

as paixões ou as ações. Portanto, se cotejarmos a virtude moral com a razão, nesse caso,

pelo que tem de racional, tem a razão de um extremo, a saber, a conformidade; mas, o

excesso e a deficiência têm a razão de outro extremo, a saber, a não conformidade à razão.

Considerando, porém, a virtude moral segundo a sua matéria, tem a razão de meio-termo,

enquanto reduz a paixão à regra racional. (...) enquanto impõe regra à sua própria matéria,

mas ‘é um extremo, no que ele tem de melhor e perfeito’, isto é, enquanto conforme à

razão”. Diz Aristóteles na suma “a virtude, em sua substância, está no meio”. Diz São

Tomás as “virtudes tendem a um máximo que é a conformidade à regra da razão, a saber,

onde, quando e por que convém”.

Diz Aristóteles na suma “a virtude moral consiste no meio-termo relativo a nós,

fixado pela razão”. Diz São Tomás “pode ter dois sentidos o meio-termo de razão. Num

primeiro sentido, consiste no ato mesmo da razão, como se esse mesma ato de razão se

reduzisse a um meio-termo. E assim, como a virtude moral não aperfeiçoa o ato da razão,

mas o da potência apetitiva, o seu meio-termo não é o da razão. – Noutro sentido, pode-

se dar esse nome ao que é afirmado pela razão em alguma matéria. E assim, o meio-termo

de razão, porque, como foi dito, a virtude moral consiste num meio por conformidade

com a reta razão”.

E que “entretanto, sucede, por vezes, que o meio-termo de razão também é real e

aí é preciso que o meio-termo da virtude moral seja um meio real, como no caso da justiça.

Outras vezes, porém, o meio-termo de razão não é um meio real, mas é relativo a nós, e

assim é o meio-termo em todas as outras virtudes morais. A razão disso é que a justiça

trata de ações relativas a coisas exteriores, nas quais o que é reto deve ser definido de

forma absoluta e por si mesmo (...). e portanto, o meio-termo de razão na justiça coincide

com o meio real, precisamente porque ela dá a cada um o que lhe é devido, nem mais nem

menos. Já as virtudes morais versam sobre as paixões interiores cuja retidão não pode ser

estabelecida do mesmo modo, visto que os homens se comportam de diferentes maneiras

Página 148 de 193

em suas paixões. Torna-se então necessário que a retidão da razão, no que concerne às

paixões, seja estatuída por uma relação conosco, que somos atingidos por elas”.

Decimo Primeiro ponto; os vícios em si mesmos554:

Diz São Tomás “a virtude denomina uma perfeição da potência” e diz Túlio na

suma “a virtude é a saúde da alma”, e Agostinho diz na suma que “o vício é a qualidade

que torna o espírito mau”. Diz São Tomás “Ora, a virtude é a qualidade que torna bom

aquele que a possui”. E que “há duas coisas a considerar na virtude, sua essência e seu

fim. Na essência da virtude pode-se considerar o que se apresenta diretamente e o que é

consequência. Diretamente, a virtude implica a disposição de alguma coisa que se

encontra bem conforme à sua natureza”. Diz Aristóteles na suma “a virtude é a disposição

do que é perfeito para o melhor. Perfeito entende-se o que está disposto segundo o modo

de sua natureza”. Diz São Tomás “consequentemente, a virtude é uma bondade, porque

bondade consiste para cada um em encontrar-se bem segundo o modo de sua natureza. E

o fim da virtude são as boas ações”.

E que “três coisas, portanto, se encontra em oposição à virtude. Ao fim que ele

busca opõe-se o pecado. Pois este designa, propriamente falando, a ação desordenada. E

a ação virtuosa é aquela que é ordenada e devida. E enquanto à razão de virtude se segue

ser uma certa bondade, à virtude opõe-se a malícia. Mas, enquanto àquilo que diretamente

é da razão de virtude, à virtude opõe-se o vício, porque o vício de uma coisa parece ser

não estar nas disposições que convêm à sua natureza. Donde a palavra de Agostinho:

‘chama vício o que vês faltar à perfeição da natureza’”.

Ademais “que pecado, malícia e vício são contrários à virtude, mas não segundo

o mesmo ponto. O pecado opõe-se à virtude enquanto é operativa no bem; a malícia,

enquanto é uma certa bondade; e o vício, enquanto propriamente é uma virtude”. E mais

“que a virtude não implica somente a perfeição da potência que está no princípio do ato.

Ela implica também a boa disposição do sujeito que a possui, porque cada um age na

medida em que está em ato. Portanto, é preciso que algo se encontre bem disposto para

que seja operativo do bem. É nesse sentido que o vício opõe-se à virtude”. E que “o vício

554 Suma Teológica IV p289-294.

Página 149 de 193

do espírito, conforme diz Cícero (...), é um habito ou afeição do espírito inconstante em

todo a vida e incoerente consigo mesmo”. E que “à virtude se opõe mais conveniente o

vício, do que a indisposição ou doença”.

E também “o pecado refere-se ao vício como o ato ao habitus. Ora, o pecado

define-se, segundo agostinho, como ‘uma palavra ou feito ou desejo contra a lei de

Deus’”. E que “o que constitui a espécie humana é a alma racional. Eis por que, tudo o

que é contra a ordem da razão é, propriamente, contra a natureza do ser humano

considerado como tal. ‘O bem do ser humano, diz Dionísio, consiste em conformar-se à

razão e seu mal está em afasta-se dela’. Por conseguinte, a virtude humana, a que faz com

que o ser humano seja bom e boa também sua obra, está em conformidade com a natureza

humana, na medida em que ela está em harmonia com a razão. E o vício é contra a

natureza humana, na medida em que é contra a ordem racional”.

E que “Ora, a lei eterna está para ordem racional humana como a arte para a obra

de arte. Pela mesma razão, portanto, o vício e o pecado são contra a ordem da razão

humana e contra a lei eterna. O que explica esta frase de Agostinho: ‘Deus dá a todas as

naturezas ser o que elas são. E elas se tornam viciosas na medida que se afastam da arte

que as criou’”.

Conclusão:

As assertivas e os argumento tais quais as conclusões de São Tomás de Aquino

em sua doutrina se mostram até hoje contemporâneos, coisa que a tradição sobre moral

abafa, quando olhados sobre os ditames da doutrina regula, e na tradição há vários erros

basta consultar um dicionário para ver a dicotomia da tradição e doutrina. Lembrando que

os argumentos de São Tomás são apenas lógica imperando, esperamos ter mostrado isso

nesse tratado

Página 150 de 193

Apêndice A:

A inconstitucionalidade da constituição;

A análise que faço será breve, pois a nossa intenção é mostrar o sofisma que existe na

constituição brasileira, bem vamos lá. No artigo 5° da constituição federal está escrito:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ai vem o inciso

II II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei; ou seja, aonde está a liberdade falada no caput, pois a liberdade se configura por um

ato livre que pode ou não interferir na vontade de outrem, quando interfere na vontade de

outrem, o ato tem que ser realmente regulado, mas quando não se interfere, quando é só

a vontade livre referindo-se a si mesma o Estado não tem que legislar, seria ir além do

bem comum, ou seja, quanto se tem uma preposição e essa preposição é o termo lei (uma

certa regra aqui tratado na constituição sem a regulação ou meio-termo), na realidade

nega as assertivas e direitos que vem logo depois nos incisos fazendo-se assim um

sofisma pois os direitos são afirmados mas com a ressalva da lei que se desvirtua a sua

finalidade um bom exemplo é do casamento, da sociedade e o estado nazista tratados por

nós, pois a lei tem como finalidade o bem comum, e aqui na constituição tratada apenas

como repreensão, por isso nós perguntamos novamente aonde está a liberdade do caput?.

Apêndice B:

Este segundo apêndice na realidade é um pedido para o leitor, que caso esteja seja fluente

em uma segunda língua traduza esse tratado conforme a disponibilidade, visto a

importância e utilidade para todos.

Página 151 de 193

ANEXO A:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Adotada e proclamada

pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro

de 1948

Brasília 1998

Representação da UNESCO no Brasil

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Adotada e proclamada

pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro

de 1948

PREÂMBULO

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família

humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e

da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos

bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em

que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do

temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei,

para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania

e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as

nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé

nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade

de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e

melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação

com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades

fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

Página 152 de 193

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta

importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A ASSEMBLÉIA GERAL proclama a presente DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS

DIRETOS HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as

nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre

em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o

respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter

nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância

universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os

povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo 1.

Todas os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de

razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos

nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,

cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou

social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita

nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou

território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob

tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo 3.

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4.

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos

serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 5.

Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante.

Página 153 de 193

Artigo 6.

Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa

perante a lei.

Artigo 7.

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da

lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente

Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8.

Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio

efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela

constituição ou pela lei.

Artigo 9.

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10.

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por

parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres

ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 11.

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente

até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento

público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não

constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta

pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo 12.

Ninguém será sujeito à interferências em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou

em sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo ser humano tem

direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Página 154 de 193

Artigo 13.

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país,

inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo 14.

1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em

outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição

legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos

e princípios das Nações Unidas.

Artigo 15.

1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente

privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16.

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade

ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais

direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será

válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A família é o núcleo

natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 17.

1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2.

Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo 18.

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este

direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa

religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou

coletivamente, em público ou em particular.

Artigo 19.

Página 155 de 193

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a

liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir

informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo 20.

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 2. Ninguém

pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21.

1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou

por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual

direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da

autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por

sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de

voto.

Artigo 22.

Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à

realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a

organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais

indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo 23.

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas

e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem

qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser

humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure,

assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que

se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem

direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo 24.

Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas

de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Página 156 de 193

Artigo 25.

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família

saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os

serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,

invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu

controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.

Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção

social.

Artigo 26.

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos

graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução

técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada

no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da

personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas

liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade

entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações

Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do

gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo 27.

1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da

comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes

de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo 28.

Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e

liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo 29.

1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno

desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e

liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei,

Página 157 de 193

exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos

e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e

do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem,

em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações

Unidas.

Artigo 30.

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o

reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer

atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e

liberdades aqui estabelecidos.

Página 158 de 193

ANEXO B:

ANEXO AO DECRETO QUE PROMULGA O PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS/MRE

PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

PREÂMBULO

Os Estados Partes do presente Pacto,

Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações

Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana,

Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado e menos que se criem às condições que permitam a cada um gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais,

Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover

o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem,

Compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a

coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto,

Acordam o seguinte:

PARTE I

ARTIGO 1

1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam

livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente se suas

riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e do Direito Internacional. Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus meios de subsistência.

3. Os Estados Partes do presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade

de administrar territórios não-autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas.

Página 159 de 193

PARTE II

ARTIGO 2

1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os

indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo. língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.

2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os

direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá-las, levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto.

3. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a:

a) Garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto

tenham sido violados, possa de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetra por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais;

b) Garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela

competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão; e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial;

c) Garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar

procedente tal recurso.

ARTIGO 3

Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres

igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto.

ARTIGO 4

1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas

oficialmente, os Estados Partes do presente Pacto podem adotar, na estrita medida exigida pela situação, medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente Pacto, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social.

2. A disposição precedente não autoriza qualquer suspensão dos artigos 6, 7, 8 (parágrafos

1 e 2) 11, 15, 16, e 18.

3. Os Estados Partes do presente Pacto que fizerem uso do direito de suspensão devem

comunicar imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto, por intermédio do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, as disposições que tenham suspendido, bem como os motivos de tal suspensão. Os Estados partes deverão fazer uma nova comunicação, igualmente por intermédio do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, na data em que terminar tal suspensão.

Página 160 de 193

ARTIGO 5

1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer

a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele previstas.

2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais

reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau.

PARTE III

ARTIGO 6

1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei.

Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.

2. Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta

apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto, nem com a Convenção sobra a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.

3. Quando a privação da vida constituir crime de genocídio, entende-se que nenhuma

disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado Parte do presente Pacto a eximir-se, de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigações que tenham assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio.

4. Qualquer condenado à morte terá o direito de pedir indulto ou comutação da pena. A

anistia, o indulto ou a comutação da pena poderá ser concedido em todos os casos.

5. A pena de morte não deverá ser imposta em casos de crimes cometidos por pessoas

menores de 18 anos, nem aplicada a mulheres em estado de gravidez.

6. Não se poderá invocar disposição alguma do presente artigo para retardar ou impedir a

abolição da pena de morte por um Estado Parte do presente Pacto.

ARTIGO 7

Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou

degradantes. Será proibido sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médias ou cientificas.

ARTIGO 8

1. Ninguém poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em

todos as suas formas, ficam proibidos.

2. Ninguém poderá ser submetido à servidão.

Página 161 de 193

3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios;

b) A alínea a) do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir, nos

países em que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados, o cumprimento de uma pena de trabalhos forçados, imposta por um tribunal competente;

c) Para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados "trabalhos forçados ou

obrigatórios":

i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea b) normalmente exigido de um

individuo que tenha sido encarcerado em cumprimento de decisão judicial ou que, tendo sido objeto de tal decisão, ache-se em liberdade condicional;

ii) qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo

de consciência, qualquer serviço nacional que a lei venha a exigir daqueles que se oponham ao serviço militar por motivo de consciência;

iii) qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que ameacem o

bem-estar da comunidade;

iv) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

ARTIGO 9

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso

ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.

2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada,

sem demora, das acusações formuladas contra ela.

3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser

conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o

direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legislação de seu encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal.

5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito à repartição.

ARTIGO 10

1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à

dignidade inerente à pessoa humana.

Página 162 de 193

2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias

excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoa não-condenada.

b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais

rápido possível.

3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a

reabilitação normal dos prisioneiros. Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.

ARTIGO 11

Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

ARTIGO 12

1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado terá o direito de nele livremente circular e escolher sua residência.

2. Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive de seu próprio país.

3. os direitos supracitados não poderão em lei e no intuito de restrições, a menos que

estejam previstas em lei e no intuito de proteger a segurança nacional e a ordem, a saúde ou a moral pública, bem como os direitos e liberdades das demais pessoas, e que sejam compatíveis com os outros direitos reconhecidos no presente Pacto.

4. Ninguém poderá ser privado arbitrariamente do direito de entrar em seu próprio país.

ARTIGO 13

Um estrangeiro que se ache legalmente no território de um Estado Parte do presente Pacto

só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei e, a menos que razões imperativas de segurança nacional a isso se oponham, terá a possibilidade de expor as razões que militem contra sua expulsão e de ter seu caso reexaminado pelas autoridades competentes, ou por uma ou varias pessoas especialmente designadas pelas referidas autoridades, e de fazer-se representar com esse objetivo.

ARTIGO 14

1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá

o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.

Página 163 de 193

2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto

não for legalmente comprovada sua culpa.

3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as

seguintes garantias:

a) De ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de forma minuciosa, da

natureza e dos motivos da acusão contra ela formulada;

b) De dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-

se com defensor de sua escolha;

c) De ser julgado sem dilações indevidas;

d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de

defensor de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor designado ex-offício gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo;

e) De interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusão e de obter o comparecimento

eo interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação;

f) De ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda ou não fale a

língua empregada durante o julgamento;

g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

4. O processo aplicável a jovens que não sejam maiores nos termos da legislação penal em

conta a idade dos menos e a importância de promover sua reintegração social.

5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença

condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.

6. Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou se um

indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a existência de erro judicial, a pessoa que sofreu a pena decorrente desse condenação deverá ser indenizada, de acordo com a lei, a menos que fique provado que se lhe pode imputar, total ou parcialmente, a não revelação dos fatos desconhecidos em tempo útil.

7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absorvido ou

condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país.

ARTIGO 15

1. ninguém poderá ser condenado por atos omissões que não constituam delito de acordo

com o direito nacional ou internacional, no momento em que foram cometidos. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinqüente deverá dela beneficiar-se.

Página 164 de 193

2. Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de

qualquer individuo por atos ou omissões que, momento em que forma cometidos, eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade das nações.

ARTIGO 16

Toda pessoa terá direito, em qualquer lugar, ao reconhecimento de sua personalidade

jurídica.

ARTIGO 17

1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em

sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.

2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.

ARTIGO 18

1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse

direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.

2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua

liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.

3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas à limitações

previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos

países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.

ARTIGO 19

1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de

procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e

responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Página 165 de 193

ARTIGO 20

1. Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra.

2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua

incitamento à discriminação, à hostilidade ou a violência.

ARTIGO 21

O direito de reunião pacifica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito

apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem pública, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

ARTIGO 22

1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de

construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.

2. O exercício desse direito estará sujeito apenas ás restrições previstas em lei e que se

façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desse direito por membros das forças armadas e da polícia.

3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que Estados Partes da Convenção

de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam ou aplicar a lei de maneira a restringir as garantias previstas na referida Convenção.

ARTIGO 23

1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser

protegida pela sociedade e pelo Estado.

2. Será reconhecido o direito do homem e da mulher de, em idade núbil, contrair casamento

e constituir família.

3. Casamento algum será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos.

4. Os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar as medidas apropriadas para

assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento, durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, deverão adotar-se disposições que assegurem a proteção necessária para os filhos.

ARTIGO 24

1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua,

religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte de sua família, da sociedade e do Estado.

Página 166 de 193

2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber

um nome.

3. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.

ARTIGO 25

Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação

mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de

representantes livremente escolhidos;

b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio

universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores;

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

ARTIGO 26

Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual

proteção da Lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

ARTIGO 27

Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas

pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua.

PARTE IV

ARTIGO 28

1. Constituir-se-á um Comitê de Diretores Humanos (doravante denominado o "Comitê" no

presente Pacto). O Comitê será composto de dezoito membros e desempenhará as funções descritas adiante.

2. O Comitê será integrado por nacionais dos Estados Partes do presente Pacto, os quais

deverão ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direito humanos, levando-se em consideração a utilidade da participação de algumas pessoas com experiências jurídicas.

3. Os membros do Comitê serão eleitos e exercerão suas funções a título pessoal.

ARTIGO 29

Página 167 de 193

1. Os membros do Comitê serão eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas

que preencham os requisitos previstos no artigo 28 e indicados, com esse objetivo, pelos Estados Partes do presente Pacto.

2. Cada Estado Parte no presente Pacto poderá indicar duas pessoas. Essas pessoas

deverão ser nacionais do Estado que as indicou.

3. A mesma pessoa poderá ser indicada mais de uma vez.

ARTIGO 30

1. A primeira eleição realizar-se-á no máximo seis meses após a data de entrada em vigor

do presente Pacto.

2. Ao menos quatro meses antes da data de cada eleição do Comitê, e desde que seja uma

eleição para preencher uma vaga declarada nos termos do artigo 34, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convidará, por escrito, os Estados Partes do presente Protocolo a indicar, no prazo de três meses, os candidatos a membro do Comitê.

3. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por ordem

alfabética de todos os candidatos assim designados, mencionando os Estados Partes que os tiverem indicado, e a comunicará aos Estados Partes o presente Pacto, no Maximo um mês antes da data de cada eleição.

4. Os membros do Comitê serão eleitos em reuniões dos Estados Partes convocados pelo

Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas na sede da Organização. Nessas reuniões, em que o quorum será estabelecido por dois terços dos Estados Partes do presente Pacto, serão eleitos membros do Comitê os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes.

ARTIGO 31

1. O Comitê não poderá ter mais de uma nacional de um mesmo Estado.

2. Nas eleições do Comitê, levar-se-ão em consideração uma distribuição geográfica

eqüitativa e uma representação das diversas formas de civilização, bem como dos principais sistemas jurídicos.

ARTIGO 32

1. Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro anos. Poderão, caso

suas candidaturas sejam apresentadas novamente, ser reeleitos. Entretanto, o mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao final de dois anos; imediatamente após a primeira eleição, o presidente da reunião a que se refere o parágrafo 4 do artigo 30 indicará, por sorteio, os nomes desses nove membros.

2. Ao expirar o mandato dos membros, as eleições se realizarão de acordo com o disposto

nos artigos precedentes desta parte do presente Pacto.

ARTIGO 33

Página 168 de 193

1.Se, na opinião unânime dos demais membros, um membro do Comitê deixar de

desempenhar suas funções por motivos distintos de uma ausência temporária, o Presidente comunicará tal fato ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, que declarará vago o lugar que o referido membro ocupava.

2. Em caso de morte ou renúncia de um membro do Comitê, o Presidente comunicará

imediatamente tal fato ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, que declarará vago o lugar desde a data da morte ou daquela em que a renúncia passe a produzir efeitos.

ARTIGO 34

1. Quando uma vaga for declarada nos termos do artigo 33 e o mandato do membro a ser

substituído não expirar no prazo de seis messes a conta da data em que tenha sido declarada a vaga, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas comunicará tal fato aos Estados Partes do presente Pacto, que poderá, no prazo de dois meses, indicar candidatos, em conformidade com o artigo 29, para preencher a vaga.

2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por ordem

alfabética dos candidatos assim designados e a comunicará aos Estados Partes do presente Pacto. A eleição destinada a preencher tal vaga será realizada nos termos das disposições pertinentes desta parte do presente Pacto.

3. Qualquer membro do Comitê eleito para preencher uma vaga em conformidade com o

artigo 33 fará parte do Comitê durante o restante do mandato do membro que deixar vago o lugar do Comitê, nos termos do referido artigo.

ARTIGO 35

Os membros do Comitê receberão, com a aprovação da Assembléia-Geral da Organização

das Nações, honorários provenientes de recursos da Organização das Nações Unidas, nas condições fixadas, considerando-se a importância das funções do Comitê, pela Assembléia-Geral.

ARTIGO 36

O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas colocará à disposição do Comitê o

pessoal e os serviços necessários ao desempenho eficaz das funções que lhe são atribuídas em virtude do presente Pacto.

ARTIGO 37

1. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convocará os Membros do

Comitê para a primeira reunião, a realizar-se na sede da Organização.

2. Após a primeira reunião, o Comitê deverá reunir-se em todas as ocasiões previstas em

suas regras de procedimento.

3. As reuniões do Comitê serão realizadas normalmente na sede da Organização das

Nações Unidas ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra.

ARTIGO 38

Página 169 de 193

Todo Membro do Comitê deverá, antes de iniciar suas funções, assumir, em sessão pública,

o compromisso solene de que desempenhará suas funções imparciais e conscientemente.

ARTIGO 39

1. O Comitê elegerá sua mesa para um período de dois anos. Os membros da mesa

poderão ser reeleitos.

2. O próprio Comitê estabelecerá suas regras de procedimento; estas, contudo, deverão

conter, entre outras, as seguintes disposições:

a) O quorum será de doze membros;

b) As decisões do Comitê serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes.

ARTIGO 40

1. Os Estados partes do presente Pacto comprometem-se a submeter relatórios sobre as

medidas por eles adotadas para tornar efeitos os direitos reconhecidos no presente Pacto e sobre o processo alcançado no gozo desses direitos:

a) Dentro do prazo de um ano, a contar do início da vigência do presente pacto nos Estados

Partes interessados;

b) A partir de então, sempre que o Comitê vier a solicitar.

2. Todos os relatórios serão submetidos ao Secretário-Geral da Organização das Nações

Unidas, que os encaminhará, para exame, ao Comitê. Os relatórios deverão sublinhar, caso existam, os fatores e as dificuldades que prejudiquem a implementação do presente Pacto.

3. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas poderá, após consulta ao Comitê,

encaminhar às agências especializadas interessadas cópias das partes dos relatórios que digam respeito a sua esfera de competência.

4. O Comitê estudará os relatórios apresentados pelos Estados Partes do presente Pacto e

transmitirá aos Estados Partes seu próprio relatório, bem como os comentários gerais que julgar oportunos. O Comitê poderá igualmente transmitir ao Conselho Econômico e Social os referidos comentários, bem como cópias dos relatórios que houver recebido dos Estados Partes do presente Pacto.

5. Os Estados Partes no presente Pacto poderão submeter ao Comitê as observações que

desejarem formular relativamente aos comentários feitos nos termos do parágrafo 4 do presente artigo.

ARTIGO 41

1. Com base no presente Artigo, todo Estado Parte do presente Pacto poderá declarar, a

qualquer momento, que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue que outro Estado Parte não vem cumprindo as obrigações que lhe impõe o presente Pacto. As referidas comunicações só serão recebidas e examinadas nos termos do presente artigo no caso de serem apresentadas por um Estado Parte que houver feito uma declaração em que reconheça, com relação a si próprio, a

Página 170 de 193

competência do Comitê. O Comitê não receberá comunicação alguma relativa a um Estado Parte que não houver feito uma declaração dessa natureza. As comunicações recebidas em virtude do presente artigo estarão sujeitas ao procedimento que se segue:

a) Se um Estado Parte do presente Pacto considerar que outro Estado Parte não vem

cumprindo as disposições do presente Pacto poderá, mediante comunicação escrita, levar a questão ao conhecimento deste Estado Parte. Dentro do prazo de três meses, a contar da data do recebimento da comunicação, o Estado destinatário fornecerá ao Estado que enviou a comunicação explicações ou quaisquer outras declarações por escrito que esclareçam a questão, as quais deverão fazer referência, até onde seja possível e pertinente, aos procedimentos nacionais e aos recursos jurídicos adotados, em trâmite ou disponíveis sobre a questão;

b) Se, dentro do prazo de seis meses, a contar da data do recebimento da comunicação

original pelo Estado destinatário, a questão não estiver dirimida satisfatoriamente para ambos os Estados partes interessados, tanto um como o outro terão o direito de submetê-la ao Comitê, mediante notificação endereçada ao Comitê ou ao outro Estado interessado;

c) O Comitê tratará de todas as questões que se lhe submetem em virtude do presente

artigo somente após ter-se assegurado de que todos os recursos jurídicos internos disponíveis tenham sido utilizados e esgotados, em consonância com os princípios do Direito Internacional geralmente reconhecidos. Não se aplicará essa regra quanto a aplicação dos mencionados recursos prolongar-se injustificadamente;

d) O Comitê realizará reuniões confidencias quando estiver examinando as comunicações

previstas no presente artigo;

e) Sem prejuízo das disposições da alínea c) Comitê colocará seus bons Ofícios dos

Estados Partes interessados no intuito de alcançar uma solução amistosa para a questão, baseada no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos no presente Pacto;

f) Em todas as questões que se submetam em virtude do presente artigo, o Comitê poderá

solicitar aos Estados Partes interessados, a que se faz referencia na alínea b) , que lhe forneçam quaisquer informações pertinentes;

g) Os Estados Partes interessados, a que se faz referência na alínea b), terão direito de

fazer-se representar quando as questões forem examinadas no Comitê e de apresentar suas observações verbalmente e/ou por escrito;

h) O Comitê, dentro dos doze meses seguintes à data de recebimento da notificação

mencionada na alínea b), apresentará relatório em que:

(i se houver sido alcançada uma solução nos termos da alínea e), o Comitê restringir-se-á,

em relatório, a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada.

(ii se não houver sido alcançada solução alguma nos termos da alínea e), o Comitê,

restringir-se-á, em seu relatório, a uma breve exposição dos fatos; serão anexados ao relatório o texto das observações escritas e as atas das observações orais apresentadas pelos Estados Parte interessados.

Para cada questão, o relatório será encaminhado aos Estados Partes interessados.

Página 171 de 193

2. As disposições do presente artigo entrarão em vigor a partir do momento em que dez

Estados Partes do presente Pacto houverem feito as declarações mencionadas no parágrafo 1 desde artigo. As referidas declarações serão depositados pelos Estados Partes junto ao Secretário-Geral das Organizações das Nações Unidas, que enviará cópias das mesmas aos demais Estados Partes. Toda declaração poderá ser retirada, a qualquer momento, mediante notificação endereçada ao Secretário-Geral. Far-se-á essa retirada sem prejuízo do exame de quaisquer questões que constituam objeto de uma comunicação já transmitida nos termos deste artigo; em virtude do presente artigo, não se receberá qualquer nova comunicação de um Estado Parte uma vez que o Secretário-Geral tenha recebido a notificação sobre a retirada da declaração, a menos que o Estado Parte interessado haja feito uma nova declaração.

ARTIGO 42

1. a) Se uma questão submetida ao Comitê, nos termos do artigo 41, não estiver dirimida

satisfatoriamente para os Estados Partes interessados, o Comitê poderá, com o consentimento prévio dos Estados Partes interessados, constituir uma Comissão ad hoc (doravante denominada "a Comissão"). A Comissão colocará seus bons ofícios à disposição dos Estados Partes interessados no intuito de se alcançar uma solução amistosa para a questão baseada no respeito ao presente Pacto.

b) A Comissão será composta de cinco membros designados com o consentimento dos

Estados interessados. Se os Estados Partes interessados não chegarem a um acordo a respeito da totalidade ou de parte da composição da Comissão dentro do prazo de três meses, os membro da Comissão em relação aos quais não se chegou a acordo serão eleitos pelo Comitê, entre os seus próprios membros, em votação secreta e por maioria de dois terços dos membros do Comitê.

2. Os membros da Comissão exercerão suas funções a título pessoal. Não poderão ser

nacionais dos Estados interessados, nem de Estado que não seja Parte do presente Pacto, nem de um Estado Parte que não tenha feito a declaração prevista no artigo 41.

3. A própria Comissão alegará seu Presidente e estabelecerá suas regras de procedimento.

4. As reuniões da Comissão serão realizadas normalmente na sede da Organização das

Nações Unidas ou no escritório das Nações Unidas em Genebra. Entretanto, poderão realizar-se em qualquer outro lugar apropriado que a Comissão determinar, após consulta ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas e aos Estados Partes interessados.

5. O secretariado referido no artigo 36 também prestará serviços às condições designadas

em virtude do presente artigo.

6. As informações obtidas e coligidas pelo Comitê serão colocadas à disposição da

Comissão, a qual poderá solicitar aos Estados Partes interessados que lhe forneçam qualquer outra informação pertinente.

7. Após haver estudado a questão sob todos os seus aspectos, mas, em qualquer caso, no

prazo de doze meses após dela tomado conhecimento, a Comissão apresentará um relatório ao Presidente do Comitê, que o encaminhará aos Estados Partes interessados:

a) Se a Comissão não puder terminar o exame da questão, restringir-se-á, em seu relatório,

a uma breve exposição sobre o estágio em que se encontra o exame da questão;

Página 172 de 193

b) Se houver sido alcançado uma solução amistosa para a questão, baseada no respeito

dos direitos humanos reconhecidos no presente Pacto, a Comissão restringir-se-á, em relatório, a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada;

c) Se não houver sido alcançada solução nos termos da alínea b) a Comissão incluirá no

relatório suas conclusões sobre os fatos relativos à questão debatida entre os Estados Partes interessados, assim como sua opinião sobre a possibilidade de solução amistosa para a questão, o relatório incluirá as observações escritas e as atas das observações orais feitas pelos Estados Partes interessados;

d) Se o relatório da Comissão for apresentado nos termos da alínea c), os Estados Partes

interessados comunicarão, no prazo de três meses a contar da data do recebimento do relatório, ao Presidente do Comitê se aceitam ou não os termos do relatório da Comissão.

8. As disposições do presente artigo não prejudicarão as atribuições do Comitê previstas no

artigo 41.

9. Todas as despesas dos membros da Comissão serão repartidas eqüitativamente entre os

Estados Partes interessados, com base em estimativas a serem estabelecidas pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.

10. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas poderá caso seja necessário,

pagar as despesas dos membros da Comissão antes que sejam reembolsadas pelos Estados Partes interessados, em conformidade com o parágrafo 9 do presente artigo.

ARTIGO 43

Os membros do Comitê e os membros da Comissão de Conciliação ad hoc que forem

designados nos termos do artigo 42 terão direito às facilidades, privilégios e imunidades que se concedem aos peritos no desempenho de missões para a Organização das Nações Unidas, em conformidade com as seções pertinentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas.

ARTIGO 44

As disposições relativas à implementação do presente Pacto aplicar-se-ão sem prejuízo dos

procedimentos instituídos em matéria de direito humanos pelos ou em virtude dos mesmos instrumentos constitutivos e pelas Convenções da Organização das Nações Unidas e das agências especializadas e não impedirão que os Estados Partes venham a recorrer a outros procedimentos para a solução de controvérsias em conformidade com os acordos internacionais gerias ou especiais vigentes entre eles.

ARTIGO 45

O Comitê submeterá a Assembléia-Geral, por intermédio do Conselho Econômico e Social,

um relatório sobre suas atividades.

PARTE V

ARTIGO 46

Página 173 de 193

Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento das

disposições da Carta das Nações Unidas e das constituições das agências especializadas, as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da Organização das Nações Unidas e das agências especializadas relativamente às questões tratadas no presente Pacto.

ARTIGO 47

Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito

inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais.

PARTE VI

ARTIGO 48

1. O presente Pacto está aberto à assinatura de todos os Estados membros da Organização

das Nações Unidas ou membros de qualquer de suas agências especializadas, de todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, bem como de qualquer de suas agências especializadas, de todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, bem como de qualquer outro Estado convidado pela Assembléia-Geral a tornar-se Parte do presente Pacto.

2. O presente Pacto está sujeito à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão

depositados junto ao Secretário-Geral da Organização da Organização das Nações Unidas.

3. O presente Pacto está aberto à adesão de qualquer dos Estados mencionados no

parágrafo 1 do presente artigo.

4. Far-se-á a adesão mediante depósito do instrumento de adesão junto ao Secretário-Geral

da Organização das Nações Unidas.

5. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas informará todos os Estados que

hajam assinado o presente Pacto ou a ele aderido do deposito de cada instrumento de ratificação ou adesão.

ARTIGO 49

1. O presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito, junto ao

Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, do trigéssimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão.

2. Para os Estados que vierem a ratificar o presente Pacto ou a ele aderir após o deposito

do trigéssimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão, o presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do deposito, pelo Estado em questão, de seu instrumento de ratificação ou adesão.

ARTIGO 50

Aplicar-se-ão as disposições do presente Pacto, sem qualquer limitação ou exceção, a

todas as unidades constitutivas dos Estados federativos.

Página 174 de 193

ARTIGO 51

1. Qualquer Estado Parte do presente Pacto poderá propor emendas e depositá-las junto ao

Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. O Secretário-Geral comunicará todas as propostas de emenda aos Estados Partes do presente Pacto, pedindo-lhes que o notifiquem se desejam que se convoque uma conferencia dos Estados Partes destinada a examinar as propostas e submetê-las a votação. Se pelo menos um terço dos Estados Partes se manifestar a favor da referida convocação, o Secretário-Geral convocará a conferência sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Qualquer emenda adotada pela maioria dos Estados Partes presente e votantes na conferência será submetida à aprovação da Assembléia-Geral das Nações Unidas.

2. Tais emendas entrarão e, vigor quando aprovadas pela Assembléia-Geral das Nações

Unidas e aceitas em conformidade com seus respectivos procedimentos constitucionais, por uma maioria de dois terços dos Estados Partes no presente Pacto.

3. Ao entrarem em vigor, tais emendas serão obrigatórias para os Estados Partes que as

aceitaram, ao passo que os demais Estados Partes permanecem obrigados pelas disposições do presente Pacto e pelas emendas anteriores por eles aceitas.

ARTIGO 52

Independentemente das notificações previstas no parágrafo 5 do artigo 48, o Secretário-

Geral da Organização das Nações Unidas comunicará a todos os Estados referidos no parágrafo 1 do referido artigo:

a) as assinaturas, ratificações e adesões recebidas em conformidade com o artigo 48;

b) a data de entrega em vigor do Pacto, nos termos do artigo 49, e a data, e a data em

entrada em vigor de quaisquer emendas, nos termos do artigo 51.

ARTIGO 53

1. O presente Pacto cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo são

igualmente autênticos, será depositado nos arquivos da Organização das Nações Unidas.

2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas encaminhará cópias autênticas

do presente Pacto a todos os Estados mencionados no artigo 48.

Em fé do quê, os abaixo-assinados, devidamente autorizados por seus respectivos

Governos, assinaram o presente Pacto, aberto à assinatura em Nova York, aos 19 dias do mês de dezembro do ano de mil novecentos e sessenta e seis.

Página 175 de 193

ANEXO C:

Página 176 de 193

Página 177 de 193

Página 178 de 193

Página 179 de 193

Página 180 de 193

Página 181 de 193

Página 182 de 193

Página 183 de 193

Página 184 de 193

Página 185 de 193

Página 186 de 193

Página 187 de 193

Página 188 de 193

Página 189 de 193

Página 190 de 193

Página 191 de 193

Página 192 de 193

Página 193 de 193