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III Congresso Consad de Gestão Pública ATORES INTERNACIONAIS E A CONFORMAÇÃO DA POLÍTICA MINEIRA DE MUDANÇA CLIMÁTICA: A CONSTRUÇÃO DE REDES NA DEFINIÇÃO DO POLICY-MAKING DO MACRO AO MICRO Thiago Alberto dos Santos Noce

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III Congresso Consad de Gestão Pública

ATORES INTERNACIONAIS E A CONFORMAÇÃO DA

POLÍTICA MINEIRA DE MUDANÇA CLIMÁTICA: A

CONSTRUÇÃO DE REDES NA DEFINIÇÃO DO

POLICY-MAKING – DO MACRO AO MICRO

Thiago Alberto dos Santos Noce

Painel 50/197 A constituição e a gestão de redes no setor público: perspectivas e desafios

ATORES INTERNACIONAIS E A CONFORMAÇÃO DA POLÍTICA MINEIRA DE MUDANÇA CLIMÁTICA: A CONSTRUÇÃO DE REDES NA DEFINIÇÃO

DO POLICY-MAKING – DO MACRO AO MICRO

Thiago Alberto dos Santos Noce

RESUMO O processo de formação de agenda de políticas públicas é um dos temas mais atuais no âmbito da Gestão Pública. Os motivos e a maneira pela qual um determinado assunto entra (ou não) na lista de prioridades e preferências são importantes para compreender a futura conformação da política e os grupos que lhe dão sustentação. O objetivo geral deste artigo é entender como essa agenda é recepcionada pelos atores subnacionais ante a incipiente e incompleta “agenda brasileira”. Além disso, interessa, com particularidade, entender como os atores do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA), no âmbito do Estado de Minas Gerais, interagem e articulam ações em torno da mudança climática, observando especialmente o processo de construção de redes no seu fragmentado sistema organizacional, caracterizado pela existência de múltiplos e independentes atores. Numa estrutura de rede, via de regra, um determinado conjunto de ações e metas é compartilhado por diferentes organizações, diferindo do padrão tradicional que se caracteriza por uma série de regulamentos, cargos e departamentos. Não há “caixinhas” de organograma, como nas organizações tradicionais. No caso da política ambiental de mudança climática, o impulso inicial claramente está concentrado nos centros de pesquisa de renome internacional e nas organizações internacionais, incluídas aí organizações não-governamentais ligadas à questão ambiental. A partir da definição de um “problema” a ser resolvido, esses atores, inicialmente no plano internacional, interagem e promovem uma rede de articulação que passa a influenciar e pressionar atores nacionais e subnacionais. Como a experiência tem demonstrado, a agenda de mudança climática não apenas discute uma posição dos atores nacionais e internacionais. Isto é, não se trata apenas de concordar ou discordar no âmbito das negociações. Mais do que isso, este tipo de agenda depende da posição situacional dos demais atores para que as negociações avancem. As incertezas existentes criam um ambiente fluido, não-binário, em que as posições tendem a ser constantemente revistas, constantemente renegociadas e, não raras vezes, com recuos. Em Minas Gerais, a constituição do SISEMA (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) evidencia uma verdadeira constituição de rede. Em torno de quatro organizações, o sistema é estruturado a partir de objetivos inicialmente independentes, mas que se articulam sob a coordenação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD). A agenda de mudança climática ganhou corpo no Estado de Minas Gerais a partir de deliberação expressa do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) e da institucionalização da Câmara Temática de Energia e Mudanças Climáticas (CEM) em 2007. No âmbito da Fundação Estadual de Meio Ambiente, esta decisão repercutiu fortemente na estrutura do órgão. A política tem

sido implementada graças ao papel de liderança e ao perfil atuante do Secretário de Estado de Meio Ambiente, que apesar de não deter controle hierárquico sobre os demais órgãos do sistema (FEAM, IEF e IGAM), é capaz de influenciar e estimular a participação dos diversos atores em torno de temas comuns. Além disso, o Acordo de Resultados fortaleceu os órgãos integrantes do sistema e possibilitou a coordenação de atividades e projetos, dando mais coerência às políticas setoriais. Permanecem grandes desafios ligados ao diálogo institucional entre as esferas de governo. A “proposta brasileira” no âmbito internacional tem sido proposta de forma independente das propostas estaduais, o que sugere que há um grau de hierarquia entre as esferas de governo, a despeito das normas constitucionais que apregoam a simetria entre as pessoas jurídicas de direito público interno. No plano fático, a União determina uma série de fatores, os quais são seguidos pelos Estados da federação. As iniciativas municipais ainda são incipientes e estão ligadas a questões pontuais. Ainda permanecem algumas dificuldades de ser gerenciar a rede. Há diferenças em relação à formação científica e técnica dos envolvidos e, segundo os entrevistados, há uma certa de tendência por parte de alguns funcionários de evitar fazer mais do que o “habitual”, isto é, o que está burocraticamente determinado. No chargão burocrático, eles não “saem da caixinha” [do organograma], isto é, tendem a ver novos programas, projetos e ações como um excesso de trabalho e tendem a rejeitar ou resistir a mudanças neste sentido. O caso em Minas Gerais deixa claro que o papel de bancos internacionais, centros de pesquisa de renome e organizações não-governamentais é intenso e primordial para constituição de uma política pública bem-definida na área de mudança do clima. Direta ou indiretamente, há uma participação de grandes agentes e que com a interação não são apenas introdutores de ação a partir de demandas externas, mas também levam para a discussão internacional um conjunto de demandas, percepções e perspectivas subnacionais. A política de mudança climática em Minas Gerais é um exemplo ainda em construção dessa grande rede, que percorre o macro e o micro, que pensa o global e constrói o local; que se volta para o mundo, mas tem a consciência de que é impossível compreender o todo sem compreender as partes.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 04

OBJETIVOS............................................................................................................... 07

METODOLOGIA......................................................................................................... 08

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE AGENDA......................................................... 09

COMUNIDADES EPISTÊMICAS............................................................................... 12

NOVAS FORMAS DE PROVISÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE REDES................................................................... 13

MEIO AMBIENTE: A POLÍTICA MINEIRA DE MUDANÇA CLIMÁTICA E OS DESAFIOS DA POLÍTICA AMBIENTAL.................................................................... 16

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 20

REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 22

4

INTRODUÇÃO

O processo de formação de agenda de políticas públicas é um dos temas

mais atuais no âmbito da Gestão Pública. Os motivos e a maneira pela qual um

determinado assunto entra (ou não) na lista de prioridades e preferências de um

governo são importantes para compreender a conformação futura de uma

determinada política e os grupos que lhe dão sustentação ou, conforme o caso, lhe

fazem oposição.

Atualmente, a política ambiental de mudança climática tem ganhado cada

vez mais destaque no plano internacional. Especialmente no final de 2009, a

atenção se voltou para Copenhague (Dinamarca), onde foi realizada a Conferência

das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2009, amplamente conhecida como

COP15, por ser a 15a conferência organizada pela Convenção-Quadro das Nações

Unidas sobre Mudança Climática.

A Conferência tinha como objetivo adotar um tratado internacional, na

sequência do Protocolo de Kyoto1, que detalhasse medidas globais para a redução

de emissão de gases causadores do Efeito Estufa (especialmente gás carbônico), a

fim de limitar o aumento da temperatura no planeta. O desafio era envolver os

grandes emissores de carbono, tanto países desenvolvidos quanto os em

desenvolvimento.

John Kingdon (2007) afirma que três meios podem chamar a atenção dos

decisores e formuladores de políticas públicas para a constituição de um problema ou

para propostas de alternativas: indicadores, eventos-foco e feedback. Celina Souza

(2006), sintetizando este raciocínio, apresenta estes três meios, da seguinte forma:

(a) divulgação de indicadores que desnudam a dimensão do problema; (b) eventos tais como desastres ou repetição continuada do mesmo problema; e (c) feedback, ou informações que mostram as falhas da política atual ou seus resultados medíocres (SOUZA, 2006, p.32).

A ocorrência de fatores críticos adversos, tais como verões e invernos

com temperaturas mais extremas ou formações chuvosas intensas e improváveis, foi

o principal meio impulsionador da agenda de mudança climática. Esse cenário de

crise despertou, por sua vez, uma série de estudos científicos sobre os indicadores e

os impactos da mudança no clima ao redor do mundo. 1 Protocolo é uma designação dada a um tratado internacional quando sua negociação se dá no bojo

de um outro tratado internacional. Não há qualquer diferença formal entre as duas designações.

5

Grande parte desses estudos confirma um cenário pessimista em relação

aos efeitos do aumento da temperatura no planeta. Alguns, por outro lado,

questionam as metodologias de análise adotadas e indicam que as mudanças

climáticas podem estar associadas a fenômenos naturais de esfriamento ou

aquecimento do planeta, isentando, portanto, a ação humana no que se refere à

governabilidade do clima no planeta.

De toda forma, a tendência dos indicadores de aumento da temperatura

não é questionada e há um problema objetivo a ser resolvido. Este problema coloca

em perspectiva outros problemas decorrentes dos efeitos e dos custos associados

às medidas de adaptação e mitigação da mudança do clima, em especial tendo em

consideração que os mais prejudicados são os que não contribuíram para a

ocorrência do fenômeno, o que traz um profundo questionamento da repartição de

responsabilidades.

Inicialmente proposta por centros de pesquisa de renome internacional e

por organizações internacionais, incluídas aí organizações não-governamentais

ligadas à questão ambiental, a agenda de mudança climática alcançou governos

nacionais e subnacionais.2 A partir da definição de um “problema” a ser resolvido,

esses atores, inicialmente no plano internacional, interagem e promovem uma rede

de articulação que passa a influenciar e pressionar atores nacionais e subnacionais.

Como a experiência tem demonstrado, a agenda de mudança climática

não apenas discute uma posição dos atores nacionais e internacionais. Isto é, não

se trata apenas de concordar ou discordar no âmbito das negociações. Mais do que

isso, este tipo de agenda depende da posição situacional dos demais atores para

que as negociações avancem. As incertezas existentes criam um ambiente fluido,

não-binário, em que as posições tendem a ser constantemente revistas,

constantemente renegociadas e, não raras vezes, com recuos.

Esse cenário de incerteza, por sua vez, repercute-se nos governos

subnacionais produzindo dificuldades de implementação de um conjunto de ações

nas políticas públicas. Ao mesmo tempo, esses governos têm as suas próprias

preocupações e tentam articular propostas que otimizem outros objetivos;

relacionados direta ou indiretamente com a agenda inicial.

2 Neste último grupo, a Califórnia tem se destacado e demonstrado que é possível envolver outros

atores além do clássico Estado-Nação.

6

A agenda, portanto, inicialmente internacional vai se “localizando” a partir

da atuação dos atores subnacionais e é neste domínio que as verdadeiras ações

passam a ser internalizadas pelos países. Neste artigo, o processo de

implementação da agenda (internacional) de mudanças climáticas é analisado,

tendo em vista as mudanças de atuação e adaptação organizacionais, e a atuação

articulada em rede.

7

OBJETIVOS

O objetivo geral deste artigo é entender como essa agenda é

recepcionada pelos atores subnacionais ante a incipiente e incompleta “agenda

brasileira”. Além disso, interessa, com particularidade, entender como os atores do

Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA), no âmbito do

Estado de Minas Gerais, interagem e articulam ações em torno da mudança

climática, observando especialmente o processo de construção de redes no seu

fragmentado sistema organizacional, caracterizado pela existência de múltiplos e

independentes atores.

Além de discutir o processo de formação de agenda na política de

mudança climática no Estado de Minas Gerais, a partir da influência das

organizações internacionais e dos processos macroestruturais de conformação da

política pública, este artigo destaca o papel de mobilização das organizações

internacionais na formação da agenda, bem como o papel dos discursos e recursos

utilizados para implementar da mesma.

Cumpre analisar ainda os processos de construção e de gerenciamento

de redes, essenciais para entender um ambiente múltiplo e administrativamente

fragmentado, marcado por organizações independentes e autônomas que

perseguem objetivos próprios, com recursos próprios.

Por sua vez, em caráter conclusivo, pretende-se analisar a conformação

do policy-making, isto é, o formato da política e os atores nucleares, identificando

ainda o ambiente no qual ela está imbricada.

8

METODOLOGIA

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa fundamenta-se na leitura e

crítica da literatura de Gestão Pública, em especial na temática de formação de

agenda e de políticas públicas, bem como na literatura de Relações Internacionais,

sobretudo nos estudos sobre a influência de organizações internacionais e dos

fatores estruturais da ordem internacional em contextos nacionais e subnacionais.

Para encontrar o suporte aos fatos que analisa, a pesquisa direciona-se à

análise de textos e documentos oficiais disponibilizados pelos diversos órgãos do

Estado de Minas Gerais, através dos sites oficiais e das publicações no Diário Oficial

do Estado.

Além disso, foram realizadas entrevistas com gestores dos diversos

órgãos do SISEMA, nomeadamente Instituto Estadual de Florestas (IEF), Instituto

Estadual de Águas (IGAM), Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), a

Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e

o Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas. As diferentes perspectivas foram

confrontadas e puderam formar um mosaico das relações estabelecidas entre os

órgãos, o que auxiliou na compreensão da “gestão em rede”.

9

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE AGENDA

O processo de formação de agenda de políticas públicas é um dos temas

mais atuais no âmbito da Gestão Pública contemporânea. Mais do que compreender

a dinâmica de implementação e execução das políticas públicas, a literatura tem

tentado explicar porque determinados assuntos entram na lista de prioridades e

preferências dos governos, enquanto outros ficam de fora.

Recentemente, alguns acadêmicos dedicados ao estudo de Políticas

Públicas têm direcionado sua atenção para o processo de definição de agenda

(agenda setting), isto é, os fatores, circunstâncias e motivos que favorecem a

entrada de alguns assuntos (e não outros) na agenda política. A análise do

processo de formação de agenda é importante para identificar os motivos que

levaram a política a ser pensada, discutida, escolhida e implementada. De fato, os

problemas não se configuram como tal automaticamente. O mundo apresenta um

conjunto de fenômenos que apresentam formas e perspectivas muito diferentes

para os diversos atores.

A literatura tem identificado que um estado de coisas não é

necessariamente problemático, isto é, não se define um problema a partir de uma

situação objetiva da realidade. Os problemas são mediados por ideologias, visões

de mundo, conflitos de interesses, diagnósticos e, em alguns casos, prognósticos3.

Não basta, portanto, que haja um “problema” (ou mais especificamente, uma

situação real passível de intervenção); é preciso que seja visto como um

“problema”.

Assim, um determinado estado de coisas pode ser visto ou não como um

problema social ou político. De fato, é a percepção deste estado de coisas como um

problema que o coloca em condições de ser apresentado na arena pública, isto é,

em discussão nos espaços de deliberação. Essa identificação permite transformar

algo que acontece, para algo que precisa ser resolvido. Estes fenômenos são ou

não identificados como problemas passíveis de políticas públicas dependendo de

um conjunto amplo de variáveis, tais como capacidade cognitiva dos atores

3 Alguns modelos indicam que determinadas intervenções públicas se dão a partir da identificação de

uma “solução” e não necessariamente de um “problema”. Neste caso, o problema a ser solucionado pouco importa. A “solução” se impõe por si própria. Entre outros, ver KINGDOM.

10

(incluindo burocracia e políticos), recursos (financeiro, humanos, tecnológicos),

governabilidade (legitimidade e apoio políticos, coalizões, harmonia entre poderes),

competência legal (a lei permite, a lei determina, a lei proíbe), tradição e/ou expertise

na sua provisão (existência de políticas semelhantes ou contextos semelhantes),

entre outros.

Além disso, a configuração de um conjunto de coisas como um

“problema” está ligada à emergência de novas idéias ou novos usos para velhas

idéias. A emergência de teses, teorias, saberes científicos, doutrinas religiosas,

disciplinas acadêmicas, todas idéias em sentido amplo têm um impacto significativo

na concepção, discussão, implementação e avaliação de políticas públicas. Ou seja,

as idéias têm impacto direto no policy-making. Sobretudo em um ambiente complexo

marcado por incertezas, as idéias podem orientar os atores a determinar suas

preferências.

Neste contexto, as idéias têm um papel central: são elas que orientam os

olhares, as perspectivas, os enfoques, os relevos e as prioridades. As políticas

keynesianas, por exemplo, foram legitimadas por uma mudança significativa de

analisar o cenário econômico. Estão no centro da mudança da prevalência da

Economia clássica para a Neoclássica.4 Além disso, as idéias freqüentemente estão

associadas à consolidação de grupos políticos, religiosos, científicos, principalmente

em conexão com categorias profissionais estabelecidas.5

A emergência de um determinado assunto na agenda pública pode estar associada

ao surgimento de novas necessidades, mas também com a insatisfação

com modelos e estruturas em vigência, vistos como insuficientes, inadequados ou

ineficientes. Essa insatisfação sugere que o modelo não é capaz de resolver os

problemas a que ele se propõe, indicando, portanto, o seu fracasso enquanto

política pública.

A análise do papel das idéias na construção do policy-making tem sido

muito utilizada no período contemporâneo. De certa forma, é um desdobramento da

análise do processo de formação de agenda, uma vez que as idéias formatam tanto

as soluções quanto os próprios problemas. Além disso, o papel das idéias diverge

4 Neste caso, além da própria tese de Keynes, que remete à construção científica do problema, as

experiências mundo afora bem-sucedidas serviram como um reforço da idéia. 5 Neste aspecto, vale lembrar o papel das profissões e da formação profissional da burocracia na

conformação das políticas públicas.

11

parcialmente do papel dos atores como portadores de interesses, constituindo uma

crítica à Teoria da Escolha Racional. Evidentemente, as idéias têm um duplo caráter.

Por um lado, podem ser usadas para justificar interesses, mas em muitos casos as

idéias podem orientam o consenso dos atores.

Carlos Faria (2003), ao discutir sobre a pertinência do conhecimento

(idéias) como variável endógena ou exógena, argumenta que:

Segundo a precisa formulação de Claudio Radaelli (1995, p. 173), a análise tradicional do poder concede ao conhecimento, quando muito, apenas um papel justificatório ou de advocacy. A principal distinção a ser feita seria, então, entre os modelos analíticos nos quais o conhecimento é endógeno ao policy process e aqueles nos quais ele nada mais é do que input à caixa preta eastoniana (ou apenas um argumento a mais no jogo de interesses). Contudo, cada vez mais o conhecimento, entendido como a instrumentalização de dados, idéias e argumentos, tem sido eleito como variável independente, como sugerido pela própria classificação proposta por Peter John (FARIA, 2003, p. 22).

Isto significa também reconhecer os atores racionais (em especial a partir

do pressuposto da racionalidade limitada de Simon) como portadores de valores,

normas e diferentes formas de conhecimento. Ou seja, entendê-los apenas como

perseguidores de interesses pode ser insuficiente para instrumentalizar a análise.

Em outro momento, Faria (2003) citando Peter John (1999: 157) discute a conexão

entre a linguagem na construção do policy-making e a existência real das idéias:

As políticas são uma disputa entre formas de discurso que são baseadas na luta pelo poder e na busca de significado. Os sistemas de idéias constroem os interesses dos tomadores de decisões. A ação política refere-se à linguagem [is about language], que é um sistema de significação através do qual as pessoas constroem o mundo [...].Sendo a maneira pela qual as pessoas enquadram as questões, conferem sentido ao mundo e propõem soluções, as idéias têm uma vida que lhes é própria. Elas são independentes no sentido em que o discurso tem as suas próprias regras, as quais estruturam a forma como o público e os policy makers percebem os policy issues, como quando um problema público assume a forma de uma história, com um começo, um meio e um fim, sendo o fim a intervenção governamental bem-sucedida (FARIA, 2003, p. 23).

A emergência de teses, teorias, saberes científicos, doutrinas religiosas,

disciplinas acadêmicas, enfim de idéias tem um impacto significativo na concepção,

discussão, implementação e avaliação de políticas públicas. Ou seja, as idéias têm

impacto direto no policy-making. Sobretudo em um ambiente complexo marcado por

incertezas, as idéias podem orientar os atores a determinar suas preferências. Como

já explicitado antes, o surgimento de um problema solucionável através de políticas

públicas não é um acontecimento automático. A forma como o mundo é visto

condiciona o formato das soluções e dos próprios problemas.

12

COMUNIDADES EPISTÊMICAS

Por fim, uma dimensão relevante da utilização do argumento da emergência das

idéias como fator explicativo para a construção do policy-making é o surgimento e

consolidação das chamadas comunidades epistêmicas. Estas seriam redes

formadas por organizações, universidades, centros de pesquisa, pesquisadores e

professores, em especial de caráter ou repercussão internacional. Essas

comunidades seriam núcleos de difusão de um determinado conhecimento,

experiência ou ideologia, em função de uma expertise ou argumento de autoridade.

Sua relevância estaria associada à “redução de incertezas”, relacionadas à

complexidade dos problemas e às dificuldades de natureza técnica ou cognitiva.

Assim, as comunidades teriam a função de orientar os atores na busca de certas

soluções e na promoção de certos valores. Os atores, neste caso, se orientariam

mais pela pretensa legitimidade das proposições ou das comunidades epistêmicas

do que pelo cálculo estratégico maximizador (FARIA, 2003; HAAS, 1992).

Segundo Peter Haas (1992), “comunidades epistêmicas são canais através dos

quais novas idéias circulam das sociedades para os governos, bem como de país

para país” (HAAS, 1992, p. 27).6 Em outro momento, o autor dá a seguinte definição:

Uma comunidade epistêmica é uma rede de especialistas baseados no conhecimento ou grupos com uma [capacidade de] validação de autoridade sobre os conhecimentos relacionados às políticas do domínio de sua expertise. [Seus] membros detêm um conjunto comum de nexos de casualidade e compartilham noções de validade baseadas em critérios internamente definidos em relação à avaliação, projetos de políticas comuns e compromissos normativos compartilhados (HAAS, 1992, p. 3).7

6 No original: “[…] epistemic communities are channels through which new ideas circulate from

societies to governments as well as from country to country.” 7 No original: “An epistemic community is a network of knowledge-based experts or groups with an

authoritative claim to policy-relevant knowledge within the domain of their expertise. Members hold a common set of causal beliefs and share notions of validity based on internally defined criteria for evaluation, common policy projects, and shared normative commitments.”

13

NOVAS FORMAS DE PROVISÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A CONSTRUÇÃO

E GESTÃO DE REDES

O modelo de intervenção do Estado se caracterizou, desde o início até

meados do século XX, pela intervenção direta do Estado. Isto significa que, neste

contexto, política pública é política estatal. O modelo burocrático, tipicamente

centralizado e centrípeto, marcou a forma como o Estado proveu bem-estar para a

sociedade e como as organizações públicas se estruturavam.

No entanto, esse modelo se mostrou desgastado, seja pelos problemas

tipicamente políticos (relacionados, por exemplo, ao excessivo insulamento

burocrático) ou organizacionais (relacionados, por exemplo, à rigidez de funções ou

à paralisia decisória). Os processos de reforma do Estado e, mais especificamente,

os processos de reforma da gestão pública tentaram combater estes problemas com

a introdução de novos mecanismos organizacionais, com a finalidade de flexibilizar a

atuação pública e dar mais eficiência aos resultados intentados pelo Estado.

Em linhas gerais, as propostas de Reforma do Estado difundidas no

mundo se estruturam em torno de dois grandes eixos de transformação: 1)

transferência do provimento e da gestão de serviços públicos para o setor

privado, seja ele lucrativo (Mercado) ou não-lucrativo (Terceiro Setor)8 e 2)

ampliação da participação da sociedade civil9 sobre os processos de decisões

públicas (NOCE, 2009).

8 A transferência para o Mercado é decorrente de um diagnóstico pessimista da intervenção do Estado. Por um lado, indica uma compreensão neoliberal de um Estado ‘inchado’, com mais funções do que o ideal. Por outro, mesmo que no âmbito de suas funções, a transferência se dá em virtude da (suposta) ineficiência da provisão pública, do risco de captura do Estado por governantes e burocratas, ou ainda da maior eficiência de alocação de investimentos e incorporação de novas tecnologias pelo setor privado. Além disso, em especial no que se refere às organizações sociais, há uma justificação de um “saber fazer” específico, decorrente da proximidade com o problema e de sua maior capacidade inovadora. Vide BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34, 1998. p. 36 9 Bernardo Sorj (2004: 69) salienta que “falta clareza na definição de quem faria concretamente parte da ‘sociedade civil’. Arato e Cohen, por exemplo, privilegiam os movimentos sociais, enquanto Habermas parece sublinhar o papel das associações e organizações, como as ONG’s”. Adotamos aqui uma concepção ampla, que abarca tanto cidadãos, quanto organizações não-governamentais, movimentos sociais, associações, cooperativas, agremiações esportivas, grupos voluntários, organizações religiosas, associações profissionais, sindicatos e outros grupos de atuação predominantemente social.

14

No primeiro eixo, procura-se aproveitar a eficiência e a flexibilidade do

Mercado e incorporar o capital social e a inovação social do Terceiro Setor

(AVRITZER, 1994: 285). Já no segundo eixo, pretende-se quebrar o padrão

(burocrático) de oferta dos serviços públicos, garantindo que haja um melhor

processo de identificação de problemas e formação de agenda, evitando

desperdícios e direcionando melhor o gasto público.

No Brasil, os modelos de Reforma do Estado e as mudanças concretas

que estão sendo experimentadas seguem justamente estas tendências. O

interessante é que o governo federal não é o único neste processo de

transformação. Os Estados-membros e Municípios têm realizado mudanças

institucionais significativas. Ao se redefinir o papel do governo federal e sua forma

de atuação, são simultaneamente redefinidos outros papéis dos Estados-membros,

dos municípios, da Sociedade Civil e do próprio Mercado.10

Dentro dessas mudanças no padrão das políticas públicas, se destaca o

papel das redes e de sua gestão. De modo sintético, uma rede é um modo de

arranjo no qual seus elementos (geralmente organizações) são autônomos e

cooperam entre si, apesar de não haver grau de hierarquia.

Numa estrutura de rede, via de regra, um determinado conjunto de ações

e metas é compartilhado por diferentes organizações, diferindo do padrão tradicional

que se caracteriza por uma série de regulamentos, cargos e departamentos. Não há

“caixinhas” de organograma, como nas organizações tradicionais.

Sapori (2006) argumenta que uma rede (ou network):

Apresenta uma estrutura na qual é possível identificar um padrão estável de relações entre posições distintas, consistindo em um conjunto de conexões diretas e indiretas entre os atores que ocupam tais posições. Portanto, posição e relação são aspectos inseparáveis de uma estrutura de network. As posições definem, por sua vez, um conjunto de direitos, deveres e expectativas que devem guiar a conduta dos atores organizacionais que as ocupam. Já as relações permitem identificar o tipo vínculos, laços existentes entre os atores. (SAPORI, 2006, p. 761)

10 O processo de descentralização, em grande parte decorrente das transformações do governo federal, é emblemático. Aos serem transferidas funções para os municípios, se observou possibilidades de experimentalismo e inovações institucionais bastante promissoras. Os Conselhos e o Orçamento Participativo, por exemplo, são frutos dessa capacidade inovadora. Para maiores considerações sobre o processo de descentralização, vide BENTO, Leonardo Valles. Governança e Governabilidade na Reforma do Estado: entre eficiência e democratização. Barueri, SP: Manole, 2003. p.114-116

15

O autor argumenta que é importante entender a distribuição de poder

entre os atores, isto é, identificar a capacidade que uma posição tem de produzir

efeitos intencionais sobre as atitudes e comportamentos dos demais segmentos

(SAPORI, 2006).

Numa estrutura de rede, os integrantes promovem a interação e a

organização de modelos de ação em padrões não hierarquizados. Isto porque é

possível que organizações formais sejam dificilmente alteradas ou porque a

cooperação não afeta os objetivos de uma forma integral em relação aos objetivos

da organização.

A caracterização de uma rede passa necessariamente pela identificação

de sua capacidade de autonomia, horizontalidade, cooperação auto-volitiva, ação

concertada e capacidade de receber e transmitir informações essenciais sobre o

objetivo da rede. Uma rede é, portanto, um movimento social, em sentido amplo. Em

alguns casos, ela pode desaparecer se os motivos que favoreceram sua articulação

deixam de existir ou pode se estruturar de uma tal forma que se reproduz no tempo

de forma duradoura.

16

MEIO AMBIENTE: A POLÍTICA MINEIRA DE MUDANÇA CLIMÁTICA E OS

DESAFIOS DA POLÍTICA AMBIENTAL

Existem vários conceitos bastante distintos de Meio Ambiente, dos que o

relacionam à totalidade da vida aos que o identificam à fauna e à flora. Segundo

Lima e Silva, meio ambiente é “um conjunto de fatores naturais, sociais e culturais

que envolvem um indivíduo e com os quais ele interage, influenciando e sendo

influenciado por eles.”11

Em Ecologia, o meio ambiente inclui todos os fatores que afetam

diretamente o metabolismo ou o comportamento de um ser vivo, incluindo a luz, o ar,

a água, o solo. No entanto, o conceiro de Meio Ambiente tem sido cada vez mais

alargado, deixando de ser estritamente ecológico. Passam-se a ser incluídos fatores

sociais e culturais construídos pelas sociedades humanas, o que o torna

demasiadamente amplo, abarcando temas como História, Filosofia, Lógica etc.

Juridicamente, o conceito de meio ambiente é dado pela Lei 6.938, de 31

de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente:

Artigo 3o – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

O conceito legal do inciso I do art. 3o da Lei 6.938/81 sinaliza o meio

ambiente como uma unidade formada por inter-relações entre o homem, a natureza

original, a artificial e os bens culturais, de forma interdependente. Portanto, o

ambiente é um bem unitário formado também pelo patrimônio cultural em sentido

amplo (histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico).

Assim, conclui-se que o Meio Ambiente caracteriza-se pelo

compartilhamento coletivo de um mesmo conjunto de bens materiais ou mesmo

imateriais. Na economia, se diz que um bem com essas características constitui um

bem público, um bem cujo uso não é rival nem exclusivo, isto é, um bem que não se

destruí pelo uso nem pode ser apropriado pelo agente. Além disso, o meio ambiente

também pode ser entendido como uma externalidade, que se caracteriza pelo custo

ou benefício resultante de uma transação econômica em que o agente não estava

diretamente envolvido. Em outras palavras, pelo impacto de uma decisão de que

outros agentes que não participaram.

11 LIMA E SILVA in TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século XXI. Rio de Janeiro: Editora

Sextante, 2003.

17

Existe uma interdependência tecnológica entre os agentes que

permanece, pois o mecanismo de mercado não é capaz de avaliar preços para estas

variáveis interdependentes. Esta interdependência pode ser benéfica ou não: no

primeiro caso diz-se que a externalidade é positiva, no segundo caso ela é chamada

de negativa.

A percepção de que o meio ambiente é uma externalidade (positiva ou

negativa) significa que as decisões que dizem respeito ao mesmo tendem a impactar

outras áreas, como agricultura, indústria, saúde, tecnologia etc. A agenda de

mudança climática é, portanto, uma agenda inter-setorial por definição e constitui

uma rede ampla de atores que não podem ser ignorados, sob pena de se criar um

grupo altamente resistente à implementação da política.

Em Minas Gerais, a constituição do Sistema Estadual de Meio Ambiente e

Recursos Hídricos (SISEMA) evidencia uma verdadeira constituição de rede. Em

torno de quatro organizações, o sistema é estruturado a partir de objetivos

inicialmente independentes, mas que se articulam sob a coordenação da Secretaria

de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD).

A agenda de mudança climática ganhou corpo no Estado de Minas Gerais

a partir de deliberação expressa do Conselho Estadual de Política Ambiental

(COPAM) e da institucionalização da Câmara Temática de Energia e Mudanças

Climáticas (CEM) em 2007. No âmbito da Fundação Estadual de Meio Ambiente,

esta decisão repercutiu fortemente na estrutura do órgão.

A política tem sido implementada graças ao papel de liderança e ao perfil

atuante do Secretário de Estado de Meio Ambiente, que apesar de não deter

controle hierárquico sobre os demais órgãos do sistema (FEAM, IEF e IGAM), é

capaz de influenciar e estimular a participação dos diversos atores em torno de

temas comuns. Além disso, o Acordo de Resultados fortaleceu os órgãos integrantes

do sistema e possibilitou a coordenação de atividades e projetos, dando mais

coerência às políticas setoriais.

Dentro deste novo quadro institucional, a FEAM iniciou uma série de

diagnósticos que subsidiariam as decisões centrais tomadas pelo sistema. Dentre

elas, destaca-se o inventário de emissões de gases de efeito estufa do Estado de

Minas Gerais, publicado em 2008 e apresentado na COP14 em Poznan, Polônia. O

Estado de Minas Gerais é, até o momento, o único estado a publicar um inventário

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desta natureza, utilizando-se da mesma metodologia para elaboração de inventários

do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (Guia IPCC-2006). O

inventário federal se refere aos dados do ano de 1990.

Segundo os entrevistados, as políticas decorrentes da implementação da

agenda de mudança climática não eram pensadas anteriormente, o que a configura

como uma nova arena política. Essa afirmativa pode ser observada na ausência de

uma estrutura organizacional específica ou mesmo na ausência de projetos

institucionalmente definidos, ainda que fora de uma estrutura burocrática

centralizada. Ainda de acordo com os entrevistados, a maior parte das iniciativas em

relação à mudança climática são iniciativas pessoais e não institucionais.

No caso do Instituto Estadual de Florestas (IEF), não há setor específico

destinado à implementação da política de mudança climática, apesar de haver

oportunidade de financiamento através de ações de desflorestamento. O IEF tem

grande impacto na definição da matriz energética, pois autoriza o corte de árvores

destinado à produção de carvão vegetal, participa da criação e manutenção de

unidades de conservação ambiental e está diretamente relacionado com a gestão

dos recursos hídricos, em função da interdependência dos ciclos biológico e hídrico.

Em 2005, o Banco alemão KfW financiou uma consultoria para dar

subsídios à neutralização de suas emissões de carbono, mas posteriormente o

projeto foi abandonado em virtude de mudanças na orientação da União Européia.

Apesar de o projeto não ter sido concluído conforme o que havia sido pensado no

início de sua execução, ele foi essencial para iniciar o desenho e a implementação

de políticas de seqüestro de carbono, em consonância com o que estava

estabelecido nos termos do Protocolo de Kyoto.

Houve ainda a percepção de que havia a necessidade de alterar a forma

de atuação do órgão. Além da necessidade de fiscalização e controle, baseados no

estabelecimento de punição e imposição de multas, o IEF percebeu que é preciso

mesclar mecanismos de incentivos positivos, que possam atrair o interesse de

produtores e investidores e garantir a sustentabilidade de fluxos de produção e de

consumo – os chamados mecanismos de mercado.

A FEAM deixou de ser a responsável pelos licenciamentos da agenda

marrom (relacionados com a gestão de resíduos sólidos, solo, ar e saneamento),

que passou a ser provida, de forma integrada, pela Secretaria de Meio Ambiente. A

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FEAM passou a ter como papel principal pensar e estruturar as políticas públicas a

cargo do sistema, bem como desenvolver mecanismos de pesquisa e

desenvolvimento, incorporando idéias e boas práticas existentes em outras

organizações públicas.

O IGAM, por sua vez, tem necessidade de realizar políticas de mitigação.

A agenda de mudança climática não é uma promessa, mas uma realidade

constatada nos eventos críticos adversos, dentre os quais se destacam as

enchentes e secas de rios nas bacias hidrográficas do Estado.

No que se refere à cooperação institucional com outras esferas de governo,

os entrevistados apontam que o vínculo com a União é incipiente e que esta tem

tentado, cada vez mais, transferir suas competências para os Estados, isentando-se

dos custos operacionais e políticos que a regulação ambiental pode implicar.

Em relação aos municípios, a cooperação tem sido mais bem desenhada.

No caso do IEF, o órgão tem trabalhado na definição de áreas descentralizadas de

gestão e, sob condições específicas, na transferência de competências de atuação

reservadas ao órgão, em especial de fiscalização. Desde que uma determinada

estrutura organizacional e pessoal esteja presente no Município, o IEF pode realizar

a delegação ao governo municipal de atributos de fiscalização e controle, através de

convênio específico para este fim. O problema que tem sido identificado é que nem

sempre há garantias de que os municípios realizem o trabalho com a mesma

prioridade que o IEF desempenharia, seja em virtude de outras prioridades ou em

virtude da capacidade operacional.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Permanecem grandes desafios ligados ao diálogo institucional entre as

esferas de governo. A “proposta brasileira” tem sido proposta de forma independente

das propostas estaduais, o que sugere que há um grau de hierarquia entre as

esferas de governo, a despeito das normas constitucionais que apregoam a simetria

entre as pessoas jurídicas de direito público interno. No plano fático, a União

determina uma série de fatores, os quais são seguidos pelos Estados. As iniciativas

municipais ainda são incipientes e estão ligadas a questões pontuais.

No que se refere à política de mudança climática, a atuação dos bancos

internacionais tem sido apontada como um fator de incentivo para discussão do

tema, sobretudo a partir da constatação de linhas de financiamento e, em especial,

de linhas de financiamento de combate ao desmatamento.

No caso do SISEMA em Minas Gerais, a constituição de uma rede foi

condição essencial para a introdução da agenda de mudança climática no Estado,

tendo em vista a multidimensionalidade do problema e das soluções. Há uma troca

significativa de dados e informações e os atores já se preocupam com as

repercussões de suas ações perante os outros atores.

Ainda permanecem algumas dificuldades de ser gerenciar a rede. Há

diferenças em relação à formação científica e técnica dos envolvidos e, segundo os

entrevistados, há uma certa de tendência por parte de alguns funcionários de evitar

fazer mais do que o “habitual”, isto é, o que está burocraticamente determinado. No

chargão burocrático, eles não “saem da caixinha” [do organograma]; tendem a ver

novos programas, projetos e ações como um excesso de trabalho e tendem a

rejeitar ou resistir a mudanças neste sentido.

No que se refere ao papel das organizações internacionais, o caso em

Minas Gerais deixa claro que o papel de bancos internacionais, centros de pesquisa

de renome e organizações não-governamentais é intenso e primordial para

constituição de uma política pública bem-definida na temática da mudança do clima.

Há uma participação significativa de grandes agentes (global players). Eles não são

apenas introdutores de ações das demandas externas, mas também levam para a

discussão internacional um conjunto de demandas, percepções e perspectivas

subnacionais. Isto é, o local se globaliza na medida em que o internacional se

localiza. É um movimento simultâneo, embora, até o momento haja mais “recepção”

do internacional do que vocalização do subnacional.

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Os atores do sistema têm consciência de que a gestão de redes tem

suas próprias falhas e não é a panacéia capaz de resolver os problemas da

gestão pública. Apesar disso, sabem que só o envolvimento não-hierárquico,

espontâneo e abrangente é capaz de promover um ambiente mais colaborativo e

dinâmico que, por sua vez, facilita a implementação das políticas públicas e as

torna mais eficientes.

A incipiente política de mudança climática em Minas Gerais é um

exemplo, ainda em construção, dessa grande rede, que percorre o macro e o micro,

que pensa o global e constrói o local; que se volta para o mundo, mas que tem a

consciência de que é impossível compreender o todo sem compreender as partes.

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REFERÊNCIAS

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AUTORIA

Thiago Alberto dos Santos Noce – Bacharel em Administração Pública pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro (2009) e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (2010). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental em exercício na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais.

Endereço eletrônico: [email protected] [email protected]