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ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NAS AVALIAÇÕES DOS LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO PNLD 2010 Lucimara Del Pozzo Basso - Universidade Estadual de Campinas Resumo Considerando a importância e o uso frequente dos livros didáticos no ensino escolar e a atual política de avaliação desses materiais pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, este trabalho teve por objetivo verificar como as coleções de Ciências têm sido avaliadas no que se refere às atividades experimentais. Foi tratado o seguinte problema: qual a coerência entre as resenhas de avaliação do Guia de Livro Didático de Ciências – PNLD 2010 e as atividades experimentais presentes nas coleções de Ciências aprovadas nesse programa? Selecionou-se 5 coleções didáticas de Ciências dos anos iniciais do ensino fundamental aprovadas no PNLD- 2010. As atividades experimentais foram estudadas segundo a “Análise de Conteúdo” a partir de duas categorias: Atividades experimentais por resolução de problemas e Atividades experimentais por redescoberta, e comparadas com as resenhas do Guia de Ciências do PNLD- 2010. Essas resenhas apresentam um parecer positivo no que se refere à categoria de avaliação “Pesquisa e Experimentação” para as 5 coleções selecionadas, ao valorizar aspectos de problematização, formulação de hipóteses e questionamentos, numa perspectiva construtivista e investigativa de ensino. Porém, na análise das coleções didáticas observou-se a predominância de atividades experimentais do tipo redescoberta, com base em um roteiro instrucional rígido, o qual não estimula a autonomia dos alunos na formulação de hipóteses, no planejamento e execução experimental e na interpretação e análise dos dados. Constatou-se, assim, uma incoerência das resenhas-sínteses do Guia PNLD2010 com as atividades experimentais presentes nas coleções didáticas selecionadas. Notamos que nem as coleções didáticas propõem atividades experimentais que favoreçam o desenvolvimento cognitivo dos alunos numa perspectiva investigativa e crítica, nem tampouco as avaliações da equipe de Ciências do PNLD-2010 conseguem captar essa limitação das coleções e estimular a melhoria das mesmas quanto a esse aspecto pedagógico e epistemológico no ensino das Ciências da Natureza. Palavras-chave: Livro didático; Avaliação de livros didáticos; Atividades experimentais; Ensino de ciências; PNLD. Introdução O ensino de Ciências no Brasil perpassou por diferentes mudanças e transformações no que diz respeito à concepção de ciência, de ensino e aprendizagem. A cada momento histórico novas ênfases são dadas a aprendizagem das Ciências da Natureza. Pode-se mencionar a presença de três grandes modelos pedagógicos de ensino de Ciências que permearam o século XX: o modelo de ensino tradicional, o modelo de ensino por redescoberta e o modelo de ensino por resolução de problemas ou modelo aberto (AMARAL, 1997). É pertinente destacar que nos modelos de ensino de Ciências a experimentação sempre representou certa importância como ferramenta e instrumento de trabalho. E isto ainda é atual nos dias de hoje, pois muitos estudiosos e professores consideram as atividades experimentais fundamentais para o ensino e a aprendizagem das Ciências Naturais. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004536

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ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NAS AVALIAÇÕES DOS LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO PNLD 2010

Lucimara Del Pozzo Basso - Universidade Estadual de Campinas

Resumo Considerando a importância e o uso frequente dos livros didáticos no ensino escolar e a atual política de avaliação desses materiais pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, este trabalho teve por objetivo verificar como as coleções de Ciências têm sido avaliadas no que se refere às atividades experimentais. Foi tratado o seguinte problema: qual a coerência entre as resenhas de avaliação do Guia de Livro Didático de Ciências – PNLD 2010 e as atividades experimentais presentes nas coleções de Ciências aprovadas nesse programa? Selecionou-se 5 coleções didáticas de Ciências dos anos iniciais do ensino fundamental aprovadas no PNLD-2010. As atividades experimentais foram estudadas segundo a “Análise de Conteúdo” a partir de duas categorias: Atividades experimentais por resolução de problemas e Atividades experimentais por redescoberta, e comparadas com as resenhas do Guia de Ciências do PNLD-2010. Essas resenhas apresentam um parecer positivo no que se refere à categoria de avaliação “Pesquisa e Experimentação” para as 5 coleções selecionadas, ao valorizar aspectos de problematização, formulação de hipóteses e questionamentos, numa perspectiva construtivista e investigativa de ensino. Porém, na análise das coleções didáticas observou-se a predominância de atividades experimentais do tipo redescoberta, com base em um roteiro instrucional rígido, o qual não estimula a autonomia dos alunos na formulação de hipóteses, no planejamento e execução experimental e na interpretação e análise dos dados. Constatou-se, assim, uma incoerência das resenhas-sínteses do Guia PNLD2010 com as atividades experimentais presentes nas coleções didáticas selecionadas. Notamos que nem as coleções didáticas propõem atividades experimentais que favoreçam o desenvolvimento cognitivo dos alunos numa perspectiva investigativa e crítica, nem tampouco as avaliações da equipe de Ciências do PNLD-2010 conseguem captar essa limitação das coleções e estimular a melhoria das mesmas quanto a esse aspecto pedagógico e epistemológico no ensino das Ciências da Natureza.

Palavras-chave: Livro didático; Avaliação de livros didáticos; Atividades experimentais; Ensino de ciências; PNLD.

Introdução O ensino de Ciências no Brasil perpassou por diferentes mudanças e

transformações no que diz respeito à concepção de ciência, de ensino e aprendizagem.

A cada momento histórico novas ênfases são dadas a aprendizagem das Ciências da

Natureza. Pode-se mencionar a presença de três grandes modelos pedagógicos de ensino

de Ciências que permearam o século XX: o modelo de ensino tradicional, o modelo de

ensino por redescoberta e o modelo de ensino por resolução de problemas ou modelo

aberto (AMARAL, 1997).

É pertinente destacar que nos modelos de ensino de Ciências a experimentação

sempre representou certa importância como ferramenta e instrumento de trabalho. E isto

ainda é atual nos dias de hoje, pois muitos estudiosos e professores consideram as

atividades experimentais fundamentais para o ensino e a aprendizagem das Ciências

Naturais.

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Pesquisadores como Cachapuz et al. (2005), Moraes (1998), Amaral (1997),

Pereira (2002), entre outros, defendem e acreditam que as atividades experimentais têm

papel importante na aprendizagem das Ciências. Há um consenso entre eles no que

tange à concepção de experimentação que se deve ter. Esses autores defendem que as

atividades experimentais devem fazer parte das aulas de ciências no sentido de:

despertar no aluno a curiosidade e o interesse pelo fenômeno em estudo, propor o

espírito investigativo (bem próprio da atividade científica), estimular a sua participação

ativa no processo de ensino-aprendizagem e possibilitar a construção do conhecimento

por meio da vivência da atividade educativa.

A experimentação, em sua perspectiva genuína, pode ser entendida como uma

atividade que verifica hipóteses e realiza necessariamente controle de uma ou mais

variáveis, que exige a observação de um determinado fator interveniente no fenômeno

ou a variação de um ou mais fatores de observação e investigação. Mais que repetir as

ações, a experimentação implica em reflexão e compreensão dos fenômenos, num

processo que visa entender a realidade.

Pereira (2002) classifica as atividades práticas em três grandes grupos:

atividades de exploração; atividades de construção de modelos físicos; e investigações.

A primeira atividade enquadra como atividades simples, com propósito de

explorar/observar um fenômeno, um animal, um ambiente etc. Já as atividades de

construção de modelos físicos são caracterizadas como representação do real “através

de uma redução das proporções ou através da elaboração de um artefato” em que se

“procura simular algumas características do objeto, em particular a forma como

funciona”. Por fim, a autora considera as atividades de investigação como

experimentações propriamente ditas, pois: [...] partem de um problema, de uma ideia concreta que vai dar origem a uma pesquisa. Para isso, o problema, ou a ideia, de partida necessita de ser operacionalizado sob a forma de uma questão concreta à qual a criança vai tentar responder através de atividades experimentais (PEREIRA, 2002, p. 89).

Borges; Moraes (1998), por sua vez, acreditam que as atividades práticas são

imprescindíveis para um bom ensino de Ciências, pois permitem aos alunos vivenciar

uma experiência, ensaiar, conhecer, avaliar, buscar soluções para os problemas,

compreender um conceito. Defendem a importância das atividades experimentais no

ensino de Ciências e acrescentam uma crítica à concepção reducionista de tal atividade: [...] através da experimentação, a criança não apenas adquire conhecimentos, mas também habilidades e atitudes, desenvolvendo sua

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capacidade de pensar e agir racionalmente. Mas a experimentação seria empobrecida se ficasse restrita à execução de “receitas”, perdendo o caráter de desafios a serem solucionados (BORGES, 1998, p.18).

Para Amaral (1997) a experimentação no ensino de Ciências deveria ter três

funções: [...] ajudar compreender as possibilidades e limites do raciocínio e procedimento científico, bem como suas relações com outras formas de conhecimento; criar situações que agucem os conflitos no aluno, colocando em questão suas formas prévias de compreensão dos fenômenos estudados; representar, sempre que possível, uma extensão dos estudos ambientais, quando se mostrarem esgotadas as possibilidades de compreensão de um fenômeno em suas manifestações naturais, constituindo-se em uma ponte entre o estudo ambiental e conhecimento formal (p.14).

Dessa forma, a atividade de experimentação conseguiria atender algumas

peculiaridades das Ciências da Natureza, além de desmistificar a ciência e estabelecer

relações entre o conhecimento formal, a experiência e a realidade.

Por outro lado, para potencializar e fazer acontecer o ensino de Ciências, as

escolas e professores têm na atualidade como principal recurso de trabalho os livros

didáticos, ou mesmo os sistemas apostilados, até então muito frequentes na rede privada

de ensino escolar e mais recentemente ingressando também nas escolas públicas. Além

disso, a aquisição e distribuição desses materiais para os sistemas públicos de ensino,

especialmente os livros didáticos, são garantidas por uma política pública educacional –

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)- que avalia periodicamente as coleções

didáticas, excluindo boa parte delas e recomendando a outra parte para escolha pelos

professores do ensino fundamental e médio.

Sabemos que o livro didático, na maioria das vezes, torna-se o único ou o

principal material de divulgação científica que o aluno tem acesso, constituindo-se

como um meio de transmitir os conhecimentos científicos produzidos. Além da sua

forte utilização ser apoiada pela comunidade escolar.

Embora o livro didático passe por um processo de avaliação de âmbito nacional,

ainda há muito que se investigar e estudar sobre sua qualidade em termos dos princípios

conceituais que esse material oferece aos alunos e professores. Muitas pesquisas

acadêmicas já revelaram que os livros didáticos ainda não alcançaram o nível de

qualidade desejado (FRACALANZA; MEGID NETO, 2006). Há muitas mudanças a

serem realizadas nos processos de avaliação do PNLD para que de fato tenhamos

coleções didáticas na área de Ciências da Natureza de boa qualidade, que superem as

deficiências de natureza conceitual, epistemológica e histórica com respeito à ciência,

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ao ambiente, às relações Ciência-Tecnologia-Sociedade, entre outras concepções

fundamentais no ensino de Ciências (AMARAL; MEGID NETO, 1998; MEGID

NETO; FRACALANZA, 2006).

Procedimentos metodológicos

Considerando os aspectos supracitados buscou-se verificar como as coleções

didáticas de Ciências destinadas aos anos iniciais têm sido avaliadas pelo PNLD, no que

se refere às atividades experimentais, visto que nos últimos Guias do Livro Didático de

Ciências (PNLD 2007 e 2010) dão-se uma grande ênfase na questão do ensino de

Ciências pautado na pesquisa e na experimentação. Segundo o Guia de Ciências PNLD

2010:

A pesquisa propicia situações, tanto coletivas como individuais, para observações, questionamentos, formulação de hipóteses, experimentação, análise e registro, estabelecendo um rico processo de troca entre professores e alunos com vista a gerar novas indagações. A educação em ciências passa, então, a ser empolgante, dinâmica e estimulante, permitindo ao aluno explorar, conhecer e transformar seu mundo. Torna-se um processo em que sempre há espaço para atividades lúdicas. É esse o conceito de ensino de Ciências que se espera ser trabalhado no livro didático: ensinar ciências fazendo Ciência (BRASIL, 2009, p. 8).

Na avaliação do PNLD, o quesito “Pesquisa e Experimentação” é um dos sete

quesitos que direcionam a avaliação dos livros didáticos de Ciências - PNLD 2010.

Nessa categoria há os seguintes critérios de avaliação:

III. Pesquisa e Experimentação 18. São propiciadas situações de pesquisa, tanto coletivas como individuais, para questionamentos, observações, formulação de hipóteses, experimentação, coleta, análise e interpretação de dados, visando à construção progressiva e autônoma de conhecimentos? 19. São propostos experimentos e práticas viáveis, com resultados confiáveis e possibilitando interpretações científicas válidas? 20. Os experimentos e atividades de investigação científica são propostos dentro de riscos aceitáveis? A coleção alerta sobre esses riscos e recomenda claramente os cuidados para prevenção de acidentes na realização das atividades propostas? 21. São propostas atividades de sistematização de conhecimentos, por meio de textos, desenhos, figuras, tabelas e outros registros característicos da área de Ciências? 22. É sugerido que cada aluno tenha um caderno próprio para registro de atividades, com suas próprias palavras (anotações) e desenhos? 23. É estimulado o emprego de tabelas, diagramas e gráficos ou similares como parte da apresentação de resultados de análise de atividades práticas e pesquisas? (BRASIL, 2009, p.13)

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Pode-se observar que os critérios de avaliação supracitados evidenciam a ênfase

em atividades práticas de pesquisa e experimentação com base numa perspectiva de

ensino e aprendizagem significativa e investigativa, que converge com as ideias

apresentadas neste trabalho. O item 18 apresenta claramente que os livros didáticos

devem propiciar a pesquisa, utilizando para isso as etapas de “questionamentos,

observações, formulação de hipóteses, experimentação, coleta, análise e interpretação

de dados”, colaborando para a construção autônoma do conhecimento.

Este trabalho se constituiu na análise das resenhas do Guia do Livro Didático de

Ciências do PNLD 2010 no que concerne aos comentários sobre a abordagem da

experimentação nas coleções didáticas aprovadas, comparando-os com as atividades

experimentais apresentadas nas respectivas coleções, de modo, a responder a seguinte

questão: qual a coerência entre as resenhas-sínteses do Guia do Livro Didático de

Ciências do PNLD 2010 e as atividades experimentais presentes nas coleções didáticas

de Ciências aprovadas?

Para estudar e responder a questão suscitada, os procedimentos adotados para a

pesquisa foi a Análise de Conteúdo (AC) baseada nos autores Bardin (1977) e Franco

(2005). Essa metodologia foi adotada como ferramenta para a análise das resenhas do

Guia do Livro Didático e das coleções didáticas selecionadas.

Para a realização da pesquisa foram selecionadas cinco coleções didáticas de

Ciências dentre as onze aprovadas no PNLD 2010 baseadas nos seguintes critérios de

seleção: duas coleções didáticas que receberam o melhor nível qualificativo na

avaliação do PNLD no quesito “Pesquisa e Experimentação” e a combinação das três

coleções mais adquiridas pelo MEC com no mínimo quatro níveis bons de qualificação

nos quesitos da avaliação do PNLD.

A análise das coleções didáticas ficou sob duas categorias: “Experimentação por

redescoberta” e “Experimentação por resolução de problemas”. A elaboração dessas

duas categorias foi fundamentada nos aportes teóricos desta pesquisa: Moraes; Borges

(1998), Amaral (2000), Cachapuz et al. (2005) e outros.

Para a categoria “Experimentação por redescoberta” foram consideradas as

atividades de experimentação baseadas no modelo tradicional e da redescoberta que

consistem em experimentos demonstrativos realizados pelo professor ou apresentados

pelo LD para serem realizados pelos alunos; e que se baseiam na verificação e/ou

comprovação da teoria apresentada pelo professor ou LD com um roteiro já elaborado e

fechado, atividades do tipo “receita de cozinha”.

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Na categoria “Experimentação por resolução de problemas” consideramos as

atividades experimentais pautadas num sistema aberto, que consiste na elaboração de

questões instigadoras, problematização, formulação de hipóteses, construção do

conhecimento a partir das ideias e concepções dos alunos, sendo que o planejamento da

experimentação é formulado junto e/ou pelo aluno. Nesse caso, o roteiro para o

desenvolvimento do trabalho não é apresentado pelo LD, somente algumas questões ou

orientações instigadoras, ou ainda contextualização da problemática a ser estudada,

visando disparar o início do trabalho autônomo e criativo dos alunos.

As coleções selecionadas para a análise foram: “Projeto Conviver”, da editora

Moderna, “A Escola é Nossa”, editora Scipione, “Porta Aberta”, editora FTD, “Projeto

Pitanguá”, editora Moderna e “Aprendendo Sempre” editora Ática.

Constatações e discussão de resultados

Em linhas gerais observou-se a predominância de atividades experimentais

baseadas na abordagem tradicional e redescoberta de ensino. Em sua maioria, os

experimentos presentes nos livros didáticos de Ciências analisados estão estruturados

em modelos fechados e estruturados de montagem, execução, observação e conclusão

divergindo com as ideias de ensino de Ciências por resolução de problemas.

Todavia, os pareceres-sínteses do Guia do Livro Didático de Ciências – PNLD

2010 divergem desses dados. Nos pareceres dos avaliadores estas coleções são descritas

como obras didáticas que atendem e/ou assumem uma postura construtivista de ensino

em sua abordagem pedagógica proporcionando pesquisas e experimentações que

valorizam os conhecimentos prévios dos alunos, o levantamento de hipóteses, discussão

de resultados etc, além de possuir caráter inovador em suas atividades. Conforme

mostra o parecer-síntese da coleção “Projeto Conviver”:

Há estímulo frequente para a formulação de hipóteses, interpretação de resultados e discussão de alternativas. A observação, principalmente, e a experimentação são constantemente valorizadas. As perguntas formuladas para os alunos são de ótima qualidade, levando à reflexão crítica. As respostas não são antecipadas, permitindo ao aluno alcançar o prazer da descoberta (BRASIL, 2009, p. 77).

A figura 1 (Anexo) apresenta um exemplo de atividade experimental

predominante nas coleções analisadas:

Outro exemplo para ilustrar a excessiva presença de experimentos do tipo

redescoberta, com roteiros prontos e fechados, sem propiciar espaço para a

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problematização, desenvolvimento e discussão é a atividade experimental sobre as

forças magnéticas presente na Coleção “Porta Aberta” (figura 2, anexo).

São experimentos assim, encontrados em todos os livros didáticos de Ciências

analisados. Em algumas situações há o uso de figuras ilustrativas que já evidenciam ou

ilustram os resultados esperados suprimindo qualquer interesse e curiosidade dos

alunos.

Segundo a nossa análise, as coleções didáticas de Ciências ainda privilegiam os

experimentos baseados no modelo da redescoberta que oferecem o roteiro da atividade

passo a passo, com questões direcionadoras, que em sua maioria, conduzem o

desenvolvimento, as observações e a conclusão dos alunos.

Entretanto, nas resenhas-sínteses dos pareceristas do PNLD 2010 essa

observação não fica explícita. Ao contrário, as coleções didáticas são descritas como

atuais, que atendem as propostas de educação em Ciências visando uma aprendizagem

significativa e um ensino investigativo. Mas, a pesquisa revelou que há uma contradição

entre os pareceres-sínteses dos avaliadores e os experimentos presentes nos LDs

analisados.

A coerência entre a avaliação dos pareceristas de Ciências PNLD 2010 foi

encontrada apenas em situações esporádicas de algumas propostas de atividades

experimentais presentes nas coleções selecionadas. Nesses experimentos há a existência

de características do método da resolução de problemas e de atividades de natureza

investigativa.

Embora, imbuídos de considerações e acertos a serem mediados pelo professor,

são situações que proporcionam um grau de abertura para seu desenvolvimento e

obtenção de conhecimentos, sejam eles provisórios ou definitivos. Exemplos desse tipo

foram encontrados nas coleções: “Projeto Conviver”, “Aprendendo Sempre”, “A Escola

é Nossa”, conforme mostra o exemplo indicado na figura 3 (aanexo)

A primeira parte desta atividade (figura 3) oferece indícios de atividade

experimental baseada na problematização, uma vez que propõe a elaboração, realização,

registro e discussão da atividade. No entanto, na segunda parte esses indícios são

negados ao apresentar questões direcionadoras.

Ao nosso entender, essas questões, se necessárias, poderiam aparecer no manual

do professor, mas não no livro didático do aluno.

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Conclusões

Constatou-se que nas resenhas do Guia de Livro Didático de Ciências - PNLD

2010, os avaliadores, geralmente, descrevem um parecer positivo da coleção didática

aprovada evidenciando que os LDs estão em sintonia com propostas construtivistas e

com um ensino significativo e investigativo. Em suma, os pareceres informam que as

atividades experimentais estão pautadas no conhecimento prévio dos alunos, no

questionamento e levantamento de hipóteses, na discussão e reflexão do conhecimento.

Entretanto, a pesquisa revelou que existe uma contradição entre os pareceres dos

avaliadores e as coleções didáticas. Isso porque, na análise dos livros didáticos,

verificamos que há a predominância das atividades experimentais pautadas no método

da redescoberta, o qual em linhas gerais consiste na realização de demonstrações e

verificações científicas, por meio de observações/medições empírico-indutivas e

deduções de leis, teorias e conceitos através da reprodução sistemática. Mostramos que

há concordância entre vários teóricos do campo da pesquisa em Educação em Ciências,

como Amaral (1997), Borges e Moraes (1998), Pereira (2002), Cachapuz et al. (2005) e

outros, em valorizar o método por resolução de problemas ou similares como peça

chave para a necessária e urgente renovação do ensino de ciências.

Todas as coleções didáticas analisadas oferecem experimentos com ênfase na

redescoberta. Em algumas delas isto alcança 100% das atividades experimentais

propostas. Em outras, observamos a existência com menos frequência de experimentos

cujo roteiro sugere uma atividade de caráter investigativo ou ao menos com alguns

indícios desse modelo.

Nas coleções didáticas “Projeto Pitanguá” e “Porta Aberta”, segundo nossa

análise, as atividades experimentais abordam exclusivamente o método da redescoberta.

Os experimentos contidos nessas coleções se caracterizam como receituários, termo

utilizado por Gil-Pérez et al. (2005) entre outros, e não provocam questionamentos e,

tampouco proporcionam os conflitos cognitivos e confrontação de ideias, conforme

defendem Borges e Moraes (1998).

As coleções: “A Escola é Nossa” e “Projeto Conviver” receberam o nível mais

alto de qualificação no quesito “Pesquisa e Experimentação” no Guia de Livro Didático

de Ciências - PNLD 2010. Como essas coleções trazem, predominantemente, atividades

tipo redescoberta e os critérios de avaliação do Guia de Ciências do atual PNLD (PNLD

2010) valorizam a experimentação investigativa e aberta, por meio da resolução de

problemas ou outros métodos críticos de construção de conhecimentos por parte dos

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alunos, causa-nos grande estranhamento quanto à incoerência entre as resenhas e a

avaliação dessa obra pelo PNLD 2010, no quesito “Pesquisa e Experimentação” e o que

de fato é realizado nos livros do aluno dessas coleções.

Um fator que pode favorecer a incoerência da avaliação do PNLD com os livros

didáticos é a possível falta de compreensão de alguns pareceristas quanto ao significado

de “Pesquisa e Experimentação”, “investigação”, “construção de conhecimentos por

parte do aluno”, “problematização”, “reflexão”, abordagem de conhecimentos prévios

etc. O que suscita a questão: será que o problema da falta de sintonia dos pareceres-

sínteses (resenhas) do PNLD 2010 com as coleções didáticas analisadas está nas

divergências entre a concepção de ciência e experimentação dos sujeitos envolvidos no

PNLD 2010: avaliadores e autores dos livros didáticos?

Outro fator pode ser a dificuldade dos pareceristas – por força do processo de

Editais e Licitações do PNLD – em escrever resenhas que não só mostrem as qualidades

das coleções aprovadas, mas suas deficiências e limitações, ainda que algumas dessas

deficiências possam ser consideradas graves frente aos avanços da pesquisa no campo

da Educação em Ciências.

Além desses fatores, emerge uma outra questão a respeito da divergência entre

os PCN, o PNLD e os livros didáticos, visto que desde a década de 1990, o MEC criou

os PCN no sentido de assegurar orientações curriculares nacionais e, então, por que

estas disposições educacionais não estão presentes na avaliação do PNLD e nos livros

didáticos aprovados, já que ambos fazem parte do programa do MEC?

Referências

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Anexos

Figura 1: Atividade Experimental: “Os movimentos respiratórios” – Coleção “Projeto Conviver”.

Fonte: Coleção “Projeto Conviver”, livro do 4º ano do Ensino Fundamental, Ed. Moderna, 2008, p. 92.

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Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004546

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Figura 2: Atividade Experimental “Os pólos do Imã?” presente na Coleção “Porta Aberta”.

Fonte: Coleção “Porta Aberta”, livro do 5º ano do Ensino Fundamental, Ed. FTD, 2008, p. 21.

Figura 3: Atividade Experimental “Roteiro de elaboração do experimento”- Coleção “Projeto Conviver”.

Fonte: Coleção “Projeto Conviver”, livro do 4º ano do Ensino Fundamental, Ed. Moderna, 2008, p.22.

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004547