atividades de visualizaÇÃo e representaÇÕes em ... · o propósito da atividade desenvolvida...

12
Sociedade Brasileira de Educação Matemática Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA 1 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X ATIVIDADES DE VISUALIZAÇÃO E REPRESENTAÇÕES EM PERSPECTIVAS NO ENSINO MÉDIO: INTERAÇÕES EM SALA DE AULA E NO FACEBOOK Organdi Mongin Rovetta Instituto Federal do Espírito Santo [email protected] Sandra Aparecida Fraga da Silva Instituto Federal do Espírito Santo [email protected] Resumo: O presente texto é um recorte de uma pesquisa de mestrado que discutiu a utilização de redes sociais como espaços complementares à sala de aula. Trazemos, portanto, uma das atividades desenvolvidas durante a pesquisa com o objetivo de identificar habilidades do pensamento geométrico construídas e explicitadas por alunos durante interações e resolução de atividades na aprendizagem de sólidos geométricos. A pesquisa foi realizada com 89 alunos do ensino médio de uma escola do interior do ES durante o ano de 2014. Como embasamento teórico, recorremos aos trabalhos do Marcelo Bairral sobre interações em ambientes virtuais; já sobre ensino de geometria, recorremos a teoria de Van Hiele e as concepções de Angel Gutiérrez sobre visualização. Analisando as interações dos alunos, percebemos que determinados tipos de interlocuções são mais favoráveis para a análise do pensamento matemático, como é o caso das interlocuções negociativas. Palavras-chave: Interação; facebook; visualização; perspectiva 1. Introdução A educação vive uma fase em que os alunos estão cada vez mais interconectados pelas informações, sendo cada vez maior o número de pessoas que recorrem a internet para estudar e se comunicar. Para Lévy (2010, p. 174) “o uso crescente das tecnologias digitais e das redes se comunicação interativa acompanha e amplifica uma profunda mutação na relação com o saber”. Surgem assim, novos espaços de construção do conhecimento, cujo foco está na interação, um propício recurso para análise do desenvolvimento do pensamento matemático. Desenvolver uma prática educacional que tem como base tecnologias da informação e comunicação pressupõe uma reflexão sobre novas relações que podem ser estabelecidas com o saber, visto que não se trata mais de uma relação de um para muitos (professor para aluno), mas uma relação de todos para todos, onde o conhecimento se constrói de maneira coletiva e colaborativa.

Upload: nguyenkiet

Post on 27-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

1 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

ATIVIDADES DE VISUALIZAÇÃO E REPRESENTAÇÕES EM PERSPECTIVAS

NO ENSINO MÉDIO: INTERAÇÕES EM SALA DE AULA E NO FACEBOOK

Organdi Mongin Rovetta

Instituto Federal do Espírito Santo [email protected]

Sandra Aparecida Fraga da Silva

Instituto Federal do Espírito Santo [email protected]

Resumo: O presente texto é um recorte de uma pesquisa de mestrado que discutiu a utilização de redes sociais como espaços complementares à sala de aula. Trazemos, portanto, uma das atividades desenvolvidas durante a pesquisa com o objetivo de identificar habilidades do pensamento geométrico construídas e explicitadas por alunos durante interações e resolução de atividades na aprendizagem de sólidos geométricos. A pesquisa foi realizada com 89 alunos do ensino médio de uma escola do interior do ES durante o ano de 2014. Como embasamento teórico, recorremos aos trabalhos do Marcelo Bairral sobre interações em ambientes virtuais; já sobre ensino de geometria, recorremos a teoria de Van Hiele e as concepções de Angel Gutiérrez sobre visualização. Analisando as interações dos alunos, percebemos que determinados tipos de interlocuções são mais favoráveis para a análise do pensamento matemático, como é o caso das interlocuções negociativas.

Palavras-chave: Interação; facebook; visualização; perspectiva

1. Introdução

A educação vive uma fase em que os alunos estão cada vez mais interconectados pelas

informações, sendo cada vez maior o número de pessoas que recorrem a internet para estudar

e se comunicar. Para Lévy (2010, p. 174) “o uso crescente das tecnologias digitais e das redes

se comunicação interativa acompanha e amplifica uma profunda mutação na relação com o

saber”. Surgem assim, novos espaços de construção do conhecimento, cujo foco está na

interação, um propício recurso para análise do desenvolvimento do pensamento matemático.

Desenvolver uma prática educacional que tem como base tecnologias da informação e

comunicação pressupõe uma reflexão sobre novas relações que podem ser estabelecidas com

o saber, visto que não se trata mais de uma relação de um para muitos (professor para aluno),

mas uma relação de todos para todos, onde o conhecimento se constrói de maneira coletiva e

colaborativa.

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

2 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

A ideia de desenvolver uma prática utilizando a rede social Facebook, surgiu no início

de 2013, quando a autora deste texto, professora de matemática, observou o tempo diário que

seus alunos de ensino médio dedicavam a esses espaços. Na maioria das vezes apenas para

bater papo, ler as postagens dos amigos, curtir e compartilhar informações sem relevância

para o estudo. Foi daí que veio a ideia de utilizar esse espaço para algo mais “útil” da vida

desses adolescentes.

A prática pedagógica teve ótima aceitação pelos alunos e, alguns meses depois, se

transformou num projeto de pesquisa de mestrado que, com base numa revisão bibliográfica

sobre trabalhos similares, foi ganhando forma e fundamentação.

O que este texto vem mostrar é uma pequena parte de uma pesquisa de mestrado que

discutiu a utilização das redes sociais como espaços complementares à sala de aula e analisou

habilidades do pensamento geométrico construídas por alunos do ensino médio com base em

interlocuções propiciadas pela interação em sala de aula e em redes sociais durante o estudo

de sólidos geométricos.

Dessa forma, este texto aborda parte das atividades desenvolvidas durante o estudo

sobre perspectiva, descrevendo o trabalho realizado em sala de aula e apresentando uma

atividade, realizada paralelamente, no ambiente virtual. O principal objetivo é identificar

habilidades do pensamento geométrico construídas e explicitadas por alunos durante

interações e resolução de atividades na aprendizagem de sólidos geométricos

2. Fundamentação teórica

Desde a implantação dos laboratórios de informática nas escolas, alguns momentos

marcaram a utilização das tecnologias na educação. Um estudo de Borba, Silva e Gadanidis

(2014) aborda esses momentos, que os autores chamam de fases das tecnologias digitais na

educação matemática. Eles destacam que a primeira dessas fases é caracterizada por

tecnologias como computadores, calculadoras simples e científicas; a segunda pela

popularização dos computadores e pelas calculadoras gráficas; a terceira por computadores,

laptops e internet; a quarta pelos telefones celulares, tablets e internet rápida.

É nesse contexto da quarta fase, citada por Borba, Silva e Gadanidis (2014), que os

espaços virtuais de comunicação e interação (blogs, chats e principalmente as redes sociais)

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

3 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

ganham cada vez mais destaque na vida das pessoas. A rede social Facebook, por exemplo,

oferece uma plataforma de interação gratuita com seus recursos extremamente funcionais,

permitindo a troca de informações e experiências em tempo real. Diante desse contexto, por

que não pensar nesses ambientes virtuais como espaços para uma aprendizagem que tenha

como ponto de partida a interação e a troca de informações entre os participantes?

A produção escrita que ocorre nos ambientes virtuais é constituída por interlocutores

que interagem por meio de práticas discursivas, as interlocuções. Bairral e Powell (2013)

destacam a importância das interlocuções como uma estratégia de análise do desenvolvimento

das ideias matemáticas dos envolvidos. Sobre as interlocuções, Salles e Bairral (2012)

explicam que se trata de um discurso em que são analisadas diferentes formas de participação

que ocorrem em unidades de conversas, sejam interações orais, sejam as escritas.

No contexto das atividades que serão apresentadas neste texto, os ambientes virtual e

presencial são espaços comunicativos onde existem sujeitos, os alunos, que interagem sobre

um objeto, os sólidos geométricos. Os sujeitos são, portanto, os interlocutores; as práticas

discursivas desses sujeitos, as interlocuções. Nessa perspectiva, a interação é uma ação entre o

sujeito e o objeto envolvidos no processo.

A análise das interlocuções, por Bairral e Powell (2013), surgiu com base em Powell

(2006), que analisa as práticas discursivas dos alunos em suas trocas conversacionais. Para

analisar as interações discursivas de alunos num discurso, Davis (1997 apud Powell 2006),

estabelece quatro propriedades das interlocuções, a saber:

a) Avaliativa: o interlocutor se mantém avaliador e não participativo. As afirmações são

apresentadas de forma crítica, com julgamentos pontuais como certo ou errado.

b) Informativa: o interlocutor menciona alguma informação para satisfazer ou gerar uma

pergunta, mas sem manifestar seu julgamento.

c) Interpretativa: o interlocutor se posiciona de maneira a entender e interpretar o que

outro interlocutor disse.

d) Negociativa: o interlocutor e seu parceiro interagem mutuamente, fazendo

questionamentos e participando coletivamente na busca de uma solução.

Recorremos a essas propriedades para analisar as interações online dos alunos no

Facebook, buscando, a partir delas, discorrer sobre o processo de construção do pensamento

geométrico. Dentre as referências, buscamos compreender a construção do pensamento à luz

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

4 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

da teoria de Van Hiele destacando a importância da visualização na construção do

pensamento geométrico, recorrendo, para tal, às concepções de Angel Gutiérrez.

A teoria de Van Hiele considera a existência de cinco níveis de desenvolvimento do

pensamento geométrico: visualização, análise, dedução informal, dedução formal e rigor.

Segundo essa teoria, há uma hierarquia entre os cinco níveis e o fator determinante para o

progresso é a aprendizagem satisfatória no nível anterior. A questão hierárquica precisa ser

discutida com atenção, visto que pesquisas como a de Gutiérrez, Jaime e Fortuny (1991)

identificaram alunos que desenvolviam, simultaneamente, competências de dois níveis

consecutivos, apresentando assim habilidades de um superior, antes das habilidades

correspondentes ao nível anterior.

Em contrapartida, há pontos importantes na teoria de Van Hiele, dentre eles a forma

como ela orienta a construção do pensamento geométrico partindo da visualização. Para isso,

complementamos essa discussão recorrendo às concepções de Angel Gutiérrez. Para o autor,

visualização na matemática é um tipo de atividade de raciocínio baseada no uso de elementos

visuais, seja mental ou físico, realizado para resolver problemas, ou provar propriedades

(GUTIÉRREZ, 1996).

Bishop (1989 apud GUTIÉRREZ, 1991) explica que as imagens visuais dos objetos

que são manipulados em atividades de visualização se realizam segundo dois tipos de

processos: o processamento visual, que diz respeito à conversão da informação abstrata em

imagens visuais e também ao processo de transformação de uma imagem visual já formada

em outra; e a interpretação de informação figurativa, que seria o inverso do processamento

visual e trata-se, portanto, do processo de compreensão e interpretação de representações

visuais.

Ao escolher um modelo físico e gráfico para representar determinado conceito

matemático, Gutiérrez (1998) destaca que é importante levar em consideração os

conhecimentos prévios dos alunos para ter o cuidado de selecionar um modelo adequado.

Dessa forma, “a escolha de um bom modelo de representação plana de um sólido é essencial

para o ensino e aprendizagem de geometria espacial” (GUTIÉRREZ 1998, p. 194, tradução

nossa).

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

5 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

3. A metodologia integrando sala de aula e Facebook

O propósito da atividade desenvolvida foi trabalhar de forma integrada com dois

ambientes de aprendizagem: presencial (sala de aula) e virtual (grupo criado no Facebook), de

forma que esses ambientes não fossem vistos de forma isolada e independente, mas como o

complemento um do outro. É importante ressaltar que o acesso ao ambiente virtual ocorreu de

maneira individual e extra-escolar, por conta de algumas dificuldades em utilizar o laboratório

de informática da escola, que na ocasião era bem precário. Além disso, dos poucos

computadores do laboratório que tinham acesso á internet, nenhum acessava a rede social

Facebook, pois o acesso a este tipo de site era bloqueado pelo servidor da escola.

Para a realização do trabalho, foi criado um grupo fechado na rede social Facebook,

chamado “sólidos geométricos”. Somente tinham acesso a este espaço a professora de

Matemática e os alunos. Este trabalho que será descrito foi realizado com 89 alunos da

terceira série do ensino médio, por aproximadamente 40 dias, totalizando 16 aulas presenciais

de matemática.

A escolha pela rede social Facebook ocorreu naturalmente, visto que mais de 90% dos

alunos tinham perfil nessa rede social. O fato deles já conhecerem as ferramentas do

ambiente, e acessarem com uma freqüência grande também contribuiu para a escolha.

Quanto aos ambientes (presencial e virtual), é importante explicar que as atividades

desenvolvidas em cada um deles eram interligadas. Algumas discussões começavam em sala

de aula e se estendiam para o ambiente virtual; outras tinham como base uma postagem ou

discussão realizada no ambiente virtual e que tinham continuidade na sala de aula. Nesse

processo, o professor era um articulador entre os ambientes e também um mediador em cada

um deles, principalmente no virtual, onde o foco também estava no processo dialógico de

aprendizagem.

As aulas presenciais foram conduzidas para que os alunos visualizassem e analisassem

sólidos geométricos por meio de atividades que utilizavam material concreto, softwares de

visualização, trabalhos em grupo, construções geométricas, dentre outros. Paralelamente, no

ambiente virtual, eram realizadas atividades sobre sólidos geométricos por meio de vídeos,

plataformas que permitiam trabalhar com geometria dinâmica, postagem de materiais

produzidos, etc. Além disso, ocorriam discussões via resolução de problemas, por meio das

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

6 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

quais os alunos postavam suas respostas e interagiam com os colegas, lendo e discutindo as

respostas apresentadas.

Para ilustrar melhor essa dinâmica, será apresentada, na sequência, uma atividade

realizada no ambiente no ambiente virtual e outra, realizada paralelamente no ambiente

presencial.

4. Representando poliedros em perspectiva: atividades, interações e análises

As discussões sobre perspectiva tiveram início no ambiente presencial. Com o auxílio

do material dourado, os alunos construíram blocos e fizeram sua representação por meio do

que Kaleff (2003) chama de representação em três vistas (superior, frontal e lateral) e que

Gutiérrez (1998) chama de representação em projeção ortogonal. Na sequência, foram

exploradas algumas imagens como recurso para abordar os tipos de perspectiva, destacando

assim a perspectiva isométrica.

Durante algumas aulas os alunos trabalharam com o material dourado para fazer

representações em perspectiva isométrica tendo como base o sólido construído ou a

representação desse sólido feita no plano. Atividades envolvendo projeção ortogonal, ou

vistas, também foram abordadas, bem como a representação cotada de um sólido. Segundo

Carvalho (2010), o termo representação cotada é utilizado por Kaleff (2003) para as

representações em que se recorre a números que indicam quantos cubos existem em cada

direção perpendicular ao observador. Já para Gutiérrez (1998), esse tipo de representação é

denominado de projeção ortogonal codificada.

Além de abordar as representações em perspectiva, as atividades da apostila tiveram

por objetivo desenvolver habilidades visuais importantes para o desenvolvimento do

pensamento geométrico como, por exemplo, a identificação visual. As figuras 1 e 2 mostram

algumas atividades realizadas em sala de aula.

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

7 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

Figura 1 - Atividade em sala de aula Figura 2 - Atividade em sala de aula

Fonte: Acervo da autora (2014) Fonte: Acervo da autora (2014)

É importante ressaltar que essas atividades tiveram como base os estudos de Gutierrez

sobre representação de sólidos no plano. Gutiérrez (1998) investiga as formas de instruir os

alunos nos diferentes métodos de representação dos objetos tridimensionais, destacando a

necessidade de o aluno manipular o sólido para vê-lo em uma posição parecida com sua

representação.

Enquanto essas atividades aconteciam em sala de aula, no ambiente virtual os alunos

resolviam, dentre outras atividades, problemas envolvendo visualização. Problemas estes que

remetiam às atividades realizadas em sala de aula, pois se utilizavam de cubinhos e

construções de blocos com eles. Essas tarefas eram publicadas no grupo, no ambiente virtual,

por meio de um arquivo em Word.

A Figura 3 mostra os comandos publicados no grupo, no Facebook.

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

8 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

Figura 3–Postagem do problema “A peça que falta”

Fonte: Arquivo da autora (2014).

A imagem seguinte, figura 4, mostra o arquivo anexo na postagem: o problema “a peça

que falta”.

Figura 4 – Problema “A peça que falta”, postado no ambiente virtual

Fonte: Segadas (2008).

Um recorte foi realizado das interações dos alunos, postados por meio de comentários,

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

9 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

na atividade no ambiente virtual. Os comentários foram reproduzidos na íntegra, mantendo

assim a escrita original dos alunos, cujos nomes são fictícios, para preservar sua identidade.

Ao analisar os comentários dos alunos no ambiente virtual, percebemos que alguns

deles se basearam nas atividades realizadas sobre projeção ortogonal, em sala de aula, para

resolver essa questão. Os alunos Valci e Myla, por exemplo, recorreram a esse raciocínio,

bem como a aluna Bernadete, que, mesmo errando a quantidade de cubinhos, encontrou uma

maneira de solucionar o problema recorrendo à projeção ortogonal.

Valci: letra C pois ao olhar para o sólido percebemos que falta 3 peças por cima “ou do lado” dependendo de como for olhar e 2 no meio por esse motivo letra C. Myla: Letra C, pois se virmos a pela da parte superior ela será a única que se encaixará melhor! Bernadete: Letra C. Pois falta 6 cubinhos, exatamente a mesma quantidade da figura C, e se for olhar de cima pode observar que é o que se encaixa melhor!

Interagindo com a Bernadete, o aluno Jair se posiciona por meio de uma interlocução

avaliativa, fazendo um julgamento sobre a resposta dada pela aluna.

Jair:Do meu ponto de vista eu discordo de Bernadete, pois na verdade não faltam seis cubos e sim dez.

Depois de ter redigido esse comentário, Jair novamente se manifesta explicando como

pensou para solucionar esse problema.

Jair: A peça que está faltando no sólido geométrico é a da letra c, pois vemos duas peças que se encaixam no meio da figura onde se encontra a falha e três da mesma peça que se encaixam do lado da figura. Vemos que a peça está invertida só para confundir.

Identificamos, por meio do comentário do Jair, uma das habilidades que, de acordo

com Gutiérrez (1991), podem integrar a percepção espacial do indivíduo: a identificação

visual. Segundo o autor, essa habilidade diz respeito ao reconhecimento de que um objeto

mantém sua forma, mesmo quando girado. Também observamos essa habilidade nos

comentários de outros alunos, dentre eles o Zuri, que explica o movimento da peça recorrendo

a ângulos.

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

10 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

Deby: Eu concordo com vocês que é a letra C por que também observei que se virarmos ela, ira se encaixar direitinho, ou contando os cubinhos também da certo. Zuri:A peça que falta é a C, porque quando se vira ela 180º ela se encaixa perfeitamente na figura.

Algumas interlocuções informativas também apareceram na discussão da resolução da

questão, entre as quais “a letra C, pq é a que se encaixa”; “letra C, pois se juntar a outra ela

se encaixa”; “a única que se encaixa é a letra C; letra c”.

Interlocuções desse tipo não possibilitam uma análise mais profunda, como as

interlocuções negociativas ou explicativas, visto que elas se limitam a fornecer uma

informação para satisfazer um questionamento feito. De forma geral, as interlocuções

informativas não foram as que predominaram no processo interativo dos alunos, porém uma

possível estratégia para fomentar o processo de interação entre os alunos é a atuação do

professor como um mediador visando estimular essa interação por meio de um processo

dialógico de aprendizagem, já que os ambientes de aprendizagem podem propiciar a

interação, a colaboração e o diálogo, conforme destaca Borba (2007).

A resposta apresentada pela aluna Geruza, na sequência, chama a atenção pela forma

como ela, a partir das respostas apresentadas pelos colegas, analisa a questão num contexto

maior. Ela se manifesta de maneira avaliativa, ao julgar as respostas dos colegas, e também

interpretativa, ao analisar a forma como eles pensaram em estruturar seu pensamento.

Geruza:Todos disseram C e eu concordo. Mas muitos disseram que por ter 10 quadradinhos seria essa letra. Eu não sei se a quantidade é levada em consideração, pois poderiam ter 10 quadradinhos, mas colocados de uma forma diferente que não pertencesse ao bloco retangular. Eu acho que é a C porque é a que se encaixa corretamente no bloco. O que pode causar um pouco de confusão é a posição que a peça é colocada nas alternativas. Por isso procuro tentar visualizar de várias posições.

Apesar de a aluna Geruza cometer um erro, ao escrever quadradinhos em vez de

cubinhos, ela chama a atenção para a importância de analisarmos uma figura como um todo, e

não por uma informação específica.

Sobre o erro de nomenclatura cometido pela Geruza, pode ser apenas uma troca

decorrente do processo de linguagem. Como foi uma interlocução escrita, não é possível

afirmar que ela errou por não saber diferenciar quadrado de cubo. Se fosse uma atividade

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

11 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

presencial, poderíamos questioná-la sobre essa fala.

5. Considerações Finais

Analisar interlocuções em discursos online possibilita acompanhar as mudanças que

vão ocorrendo durante a construção do conhecimento matemático por parte dos alunos. Além

disso, permite também analisar como os sujeitos compartilham significados e conceitos.

Determinados tipos de interlocuções são mais favoráveis para a análise do pensamento

matemático dos alunos, como é o caso das interlocuções negociativas. Percebemos assim, a

importância do discurso e da interação para o aprendizado matemático.

É importante destacar também a importância dos aspectos visuais no ensino da

geometria, pois, mesmo na fase final do ensino médio, grande parte do público pesquisado

ainda não tinha habilidades básicas de visualização desenvolvidas. Durante as atividades

envolvendo representação de sólidos no plano, foi possível observar que alguns alunos

apresentaram certa dificuldade, principalmente em fazer a representação pela vista lateral.

Essa dificuldade em representar sólidos no plano ocorre por envolver dois passos:

interpretação da figura plana para convertê-la num objeto tridimensional e a interpretação

desse objeto para convertê-lo no objeto geométrico de estudo.

É válido ressaltar ainda que, com as atividades desenvolvidas, apesar de não ser

possível generalizar a questão do uso das redes sociais na educação, há indicativos de que,

quando estabelecida uma conexão com as atividades desenvolvidas em sala de aula, a

interação, a aprendizagem e o envolvimento dos alunos são satisfatórios.

6. Referências

BAIRRAL, M. A. POWELL, A.B. Interlocuções e saberes docentes em interações on-line: um estudo de caso com professores de Matemática. Pro-posições, v. 24, n.1 (70), p.61-77. JAN/ABR 2013.

BORBA, M.C.; SILVA, R.S.R.; GADANIDIS, G. Fases das tecnologias digitais em Educacação Matemática: sala de aula e internet em movimento. 1.ed. Belo Horizonte: Antência, 2014.

BORBA, M.C. Educação a distância online: exemplos de geometria, funções e modelagem (palestra). In: IX EncontroNacional de EducaçãoMatemática. Belo Horizonte, 2007

Sociedade Brasileira de

Educação Matemática

Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades São Paulo – SP, 13 a 16 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

12 XII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

CARVALHO,M.L.O.Representações planas de corpos geométricos tridimensionais: uma proposta de ensino voltada para a codificação e decodificação de desenhos. 2010, 244f. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação matemática). Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, 2010. GUTIÉRREZ, A.; JAIME, A.; FORTUNY, J.M.An alternative paradigm to evaluate the acquisition of the Van HieleLevels.In: Journal for Research in Mathematics Education. v. 22, n. 3, p. 237-251.1991 GUTIERREZ, A. Procesos y habilidades em visualizacion espacial. In: 3er Congresso Internacional sobre investigação em educação matemática, p. 44-59. Valência, 1991. Disponível em:<http://www.uv.es/angel.gutierrez/marcotex.html>.Acesso em: 13 mar. 2015. GUTIERREZ, A. Visualization in 3-dimensional geometry: in search of a framework. In: PUIG,L; GUTIÉRREZ, A. Proceedings of 20th PME Conference, v.3, p.19-26,Universidade de Valência, Spain, 1996. GUTIERREZ, A. Las representaciones planas de cuerpos 3-dimensionales em La ensenanza de La geometria espacial. Revista EMA3.3, p. 193-220. Colômbia, 1998. Disponível em:<http://www.uv.es/angel.gutierrez/marcotex.html>. Acesso em: 20 mar. 2014 KALEFF, A.M.M.R. Vendo e entendendo os poliedros. 2. ed. Rio de Janeiro, 2003. LÉVY, P. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2010. SEGADAS, C. (Coor.). Visualizando Figuras Espaciais. Rio de Janeiro: IM/UFRJ, 2008. POWELL, A. B. Socially emergent cognition: particular outcomeofstudent-to-studentdiscursiveinteractionsduringmathematicalproblemsolving. Horizontes, v.21, n.1, p.33-42. 2006. SALLES, A.T.; BAIRRAL, M.A. Identificando e analisando Heurísticas em interações no VMT-Chat. In: BAIRRAL, M.A. Pesquisa, ensino e inovação com tecnologias em educação matemática: de calculadoras a ambientes virtuais. 1. ed. Rio de Janeiro: EDUR, 2012. p. 117-139.