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523 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.42, n.72 p.523-555, jul./dez.2005 I - RELATÓRIO CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, qualificada na inicial, ajuizou ação declaratória em face de UNIÃO FEDERAL, a exemplo qualificada. Expôs que recebeu notificação da Delegacia Regional do Trabalho, comunicando-lhe a subsistência de auto de infração lavrado na agência de Conceição do Rio Verde, acarretando aplicação de multa. Aduz que pretensas infrações constituem obrigação do empregador, tratando-se de terceirização, nos moldes da Súmula n. 331 do Col. TST. Alega que o processo administrativo que firmou a validade do auto violou a Lei n. 9.784/99, eis que não produzidas provas durante o procedimento, sendo o mesmo destituído de fundamentação específica. Aduz que inexiste relação de emprego entre a autora e os empregados das prestadoras de serviços elencadas no referido auto. Alega que, firmado contrato de prestação de serviços, afasta-se a hipótese de contratação fraudulenta de trabalhadores por meio de interposta pessoa. Aduz que o referido auto violou dispositivo constitucional, já que a CEF somente pode admitir trabalhadores mediante concurso público. Decisão do pedido de antecipação de tutela (f. 79/80). A União Federal apresentou defesa às f. 87/90, aduzindo que é legítimo o ato administrativo que reconheceu o vínculo e impôs a multa, não tendo a autora infirmado, mediante apresentação de provas, a conclusão da autoridade fiscal de que os trabalhadores, embora contratados por interposta pessoa, exerciam atividades- fim. Aduz que a espécie não é de serviços temporários, tratando-se, na verdade, de trabalho subordinado, pessoal, habitual e remunerado prestado diretamente à autora. Requer a improcedência da ação. Acerca da contestação e documentos, manifestou-se a autora, às f. 196/201. Através da r. decisão de f. 203, foi declinada a competência desta Justiça Especializada. Recebidos os autos, foram os mesmos submetidos a julgamento (f. 206). II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 - Cerceamento - Direito de defesa (Inocorrência) Não prospera o argumento da requerente de nulidade do processo administrativo por falta de provas. Na defesa apresentada nos autos do processo administrativo (f. 96/ ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 1192/05 Data: 19.09.2005 DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE CAXAMBU - MG Juiz Presidente: Dr. FERNANDO CÉSAR DA FONSECA Aos dezenove dias do mês de setembro do ano de dois mil e cinco, às dezessete horas e trinta e cinco minutos, a Vara do Trabalho de Caxambu / MG, em sua sede, na presença do MM. Juiz do Trabalho, Dr. FERNANDO CÉSAR DA FONSECA, foram apregoadas as partes CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e UNIÃO FEDERAL. Aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz do Trabalho, apregoadas as partes, ausentes.

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.42, n.72 p.523-555, jul./dez.2005

I - RELATÓRIO

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL,qualificada na inicial, ajuizou açãodeclaratória em face de UNIÃOFEDERAL, a exemplo qualificada.

Expôs que recebeu notificação daDelegacia Regional do Trabalho,comunicando-lhe a subsistência de autode infração lavrado na agência deConceição do Rio Verde, acarretandoaplicação de multa. Aduz que pretensasinfrações constituem obrigação doempregador, tratando-se deterceirização, nos moldes da Súmula n.331 do Col. TST. Alega que o processoadministrativo que firmou a validade doauto violou a Lei n. 9.784/99, eis que nãoproduzidas provas durante oprocedimento, sendo o mesmo destituídode fundamentação específica. Aduz queinexiste relação de emprego entre aautora e os empregados das prestadorasde serviços elencadas no referido auto.Alega que, firmado contrato de prestaçãode serviços, afasta-se a hipótese decontratação fraudulenta de trabalhadorespor meio de interposta pessoa. Aduz queo referido auto violou dispositivoconstitucional, já que a CEF somentepode admitir trabalhadores medianteconcurso público.

Decisão do pedido deantecipação de tutela (f. 79/80).

A União Federal apresentoudefesa às f. 87/90, aduzindo que élegítimo o ato administrativo quereconheceu o vínculo e impôs a multa,não tendo a autora infirmado, medianteapresentação de provas, a conclusão daautoridade fiscal de que ostrabalhadores, embora contratados porinterposta pessoa, exerciam atividades-fim.Aduz que a espécie não é de serviçostemporários, tratando-se, na verdade, detrabalho subordinado, pessoal, habituale remunerado prestado diretamente àautora. Requer a improcedência da ação.

Acerca da contestação edocumentos, manifestou-se a autora, àsf. 196/201.

Através da r. decisão de f. 203,foi declinada a competência destaJustiça Especializada.

Recebidos os autos, foram osmesmos submetidos a julgamento (f.206).

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 - Cerceamento - Direito dedefesa (Inocorrência)

Não prospera o argumento darequerente de nulidade do processoadministrativo por falta de provas.

Na defesa apresentada nosautos do processo administrativo (f. 96/

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 1192/05Data: 19.09.2005DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE CAXAMBU - MGJuiz Presidente: Dr. FERNANDO CÉSAR DA FONSECA

Aos dezenove dias do mês de setembro do ano de dois mil e cinco, àsdezessete horas e trinta e cinco minutos, a Vara do Trabalho de Caxambu / MG, emsua sede, na presença do MM. Juiz do Trabalho, Dr. FERNANDO CÉSAR DAFONSECA, foram apregoadas as partes CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e UNIÃOFEDERAL.

Aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz do Trabalho, apregoadasas partes, ausentes.

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102 do presente processo), não foramrequeridas sequer as provas que arequerente pretendia produzir.

Ademais, se a requerentepretendia produzir provas nos autos doprocesso administrativo, por que não ofez na 18ª Vara Federal, uma vez quefoi dada oportunidade de fazê-lo, emface do despacho de f. 202?

O requerente também não argüiuqualquer nulidade nos autos doprocesso administrativo em razão dosuposto cerceamento do direito dedefesa pela não possibil idade deprodução de provas, quando deveriafazê-lo na primeira oportunidade quepudesse falar nos autos, sob pena depreclusão (art. 1º da Lei n. 6.830/80 emharmonia com o caput do art. 245 doCPC).

II.2 - Efeito vinculativo (Teoriados Motivos Determinantes)

Decerto é imprescindível que aAdministração Pública no exercício dospoderes vinculados ou discricionáriosfundamente os motivos nos quais sejustifica a ação administrativa.

A Teoria dos MotivosDeterminantes consiste no sentido de aAdministração Pública ficar sujeita aosmotivos expostos, vinculando amanifestação que tiver apresentadopara todos os efeitos jurídicos.

Com efeito, a questão é de sumaimportância para possibilitar o controledos atos administrativos, tanto parapossível revogação pela própriaAdministração Pública quanto paraanulação através da AdministraçãoPública ou pelo Poder Judiciário(Súmula n. 473 do STF).

O auto de infração e ocomplemento através do relatório anexoao referido auto encontram-sedevidamente fundamentados.

II.3 - Auto de infração - Efeitovinculativo (Nulidade)

No histórico do auto de infraçãode n. 001266985, ficou registrado queo fiscal do trabalho encontrou seistrabalhadores laborando sem registro,através da empresa fornecedora demão-de-obra, executando serviços daatividade-fim.

Ademais, consta ainda no autode infração a capitulação no caput doart. 41 e no art. 9º da CLT.

No relatório anexo ao auto deinfração referenciado, ficou constatadoque “no local duas trabalhadorascontratadas na condição de‘cooperadas’ e mais quatro alocadospelas empresas prestadoras deserviços.”

Nota-se que a ação daAdministração Pública foi no sentido deter lavrado o auto em face da CaixaEconômica Federal em razão daviolação do caput do art. 41 e do art. 9ºda CLT.

Nos termos do art. 5º do Decreto-lei de n. 759/69 e inciso II do art. 37 e §1º do art. 173 da CF, a forma de ingressodos empregados na requerente éatravés de concurso público.

Portanto, qualquer transgressãoà CLT não pode obrigá-la a proceder àanotação na CTPS em face doimperativo legal retrocitado.

Neste sentido foram proferidasas decisões abaixo:

EMBARGOS. RECURSO DEREVISTA NÃO CONHECIDO.EMPRESA INTERPOSTA.FRAUDE. VÍNCULO DEEMPREGO COM A TOMADORAEMPRESA PÚBLICA - CAIXAECONÔMICA FEDERAL. ART.37, II, DA CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA. SÚMULA 331,

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ITENS II E IV, DO TST. Afastadoo vínculo de emprego entre otrabalhador e a tomadora deserviços (Enunciado n. 331, II, doTST), remanesce aresponsabilidade subsidiáriadesta pelo inadimplemento dasobrigações trabalhistas, na formado item IV da Súmula n. 331 doTST. Embargos conhecidos eparcialmente providos.Processo n. TST-E-RR-675.167/2000.6 - Publicação: DJ.06.05.2005.

EMBARGOS. VIOLAÇÃO DOARTIGO 896 DA CLT.RECONHECIMENTO DACONDIÇÃO DE BANCÁRIO.EMPREGADO DE EMPRESAPRESTADORA DE SERVIÇOS.Não viola o artigo 37, II, daConstituição da República, nemdestoa do entendimentoconsagrado na OrientaçãoJurisprudencial de n. 331 daSBDI-1 do TST decisão que,afastando a pretensão do obreiroao reconhecimento do vínculodiretamente com a empresapública tomadora de serviços,condena a empresa prestadoraao pagamento de diferençassalariais decorrentes daafirmação do direito do laboristaa receber tratamento isonômicoem relação aos empregados datomadora que executam tarefasidênticas. Embargos nãoconhecidos.Processo n. TST-E-RR-539.586/1999.4 - Publ. DJ. 03.06.2005.

A presunção de legitimidadeconst i tu i a t r ibu to do a toadministrativo e decorre do princípioda legalidade.

Portanto, se o auto de infraçãoencontra-se eivado de vício, mormenteem razão da inaplicabilidade de seimputar à requerente a anotação daCTPS em face da invalidação docontrato de fornecimento de mão-de-obra e cooperativa, fica rechaçada atese de presunção de legitimidade doato jurídico-administrativo.

Pelo exposto, julgo procedente opedido de nulidade do auto de infraçãode n. 001266985 lavrado em face darequerente - Caixa Econômica Federal,para tornar inexigível a multa aplicada.

Transitada em julgado asentença, fica extinto o crédito tributário,em face do disposto no inciso X do art.156 do CTN.

II.4 - Custas e honoráriosadvocatícios

Descabe a condenação darequerida nas custas processuais, emface da isenção contida no inciso I doart. 790-A da CLT.

Fixo os honorários advocatíciosem 10% sobre o valor atualizado dacausa, com fundamento no § 4º do art.20 do CPC e Súmula n. 14 do STJ.

III - DISPOSITIVO

Isto posto, resolve a VARA DOTRABALHO DE CAXAMBU / MG julgarPROCEDENTE o pedido formulado pelaCAIXA ECONÔMICA FEDERAL na açãomovida em face da UNIÃO FEDERAL,para declarar a nulidade do auto deinfração de n. 001266985 lavrado emface da requerente - Caixa EconômicaFederal, tornando inexigível a multaaplicada.

Transitada em julgado asentença, fica extinto o crédito tributário,em face do disposto no inciso X do art.156 do CTN.

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Honorários advocatícios em 10%sobre o valor atualizado da causa, comfundamento no § 4º do art. 20 do CPC eSúmula n. 14 do STJ.

Tudo conforme motivação supra,parte integrante do presente decisum e

nos seus parâmetros.Custas de R$48,30, calculadas

sobre R$2.415,20, pelo requerido,isento (inciso I do art. 790-A da CLT).

Intimem-se as partes.Nada mais.

I. RELATÓRIO

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL,devidamente qualificada na inicial,propôs ação anulatória de débito fiscalem face de UNIÃO FEDERAL alegando,em síntese, que foi autuada em suasagências em Ipatinga e CoronelFabriciano, por meio dos autos deinfração n. 005389305 e 005388104,pelas violações às disposições do caput

do art. 41 da CLT em decorrência deterceirização ilícita oriunda da celebraçãode contratos com as empresas RoschAdministradora de Serviços e InformáticaLtda. e Cooperativa dos Profissionais deServiços Múltiplos - COOPSERVIÇO.Sustentou que apresentou defesasadministrativas cuja comunicação deindeferimento destas foi recebida em06.12.2004, restando subsistentes osautos de infração com aplicação da multade R$4.025,33 para cada auto.Argumentou que a decisão relativa àimputação de multa viola o devidoprocesso legal e demais disposiçõesprevistas na Lei n. 9.784/1999.

Assegurou que não se vislumbra vínculoempregatício entre ela e ostrabalhadores terceirizados encontradosem suas agências pelos fiscais dotrabalho mesmo porque essestrabalhadores não se submeteram aconcurso público, laborando em suaatividade-meio através de empresasinterpostas, nos termos da Súmula n. 331do C. TST. Expôs que não houveobservância da Lei n. 8.666/1993 pelafiscalização. Diante do exposto, pleiteoua condenação da reclamada nos pedidosde f. 26, inclusive tutela antecipada nosentido de impedir a inscrição em dívidaativa e no Cadastro de Inadimplentes doGoverno Federal - CADIN. Postulouainda a concessão de justiça gratuita.

Atribuiu à causa o valor deR$1.000,00.

Com a inicial, vieram osdocumentos de f. 28/57.

Concessão de tutela antecipada(f. 58).

Argüição da incompetênciaabsoluta (f. 60/62).

Efetivação do depósito (f. 64).

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00696-2005-002-03-00-3Data: 12.08.2005DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuíza Presidente: Drª GISELE DE CÁSSIA VIEIRA DIAS MACEDO

Aos doze dias do mês de agosto de 2005, às 15h59min, na 2ª Vara doTrabalho de Belo Horizonte - MG, sob a titularidade da Meritíssima Juíza do Trabalho,Drª GISELE DE CÁSSIA VIEIRA DIAS MACEDO, realizou-se a audiência deJULGAMENTO da ação declaratória ajuizada por CAIXA ECONÔMICA FEDERALem face de UNIÃO FEDERAL.

Apregoadas as partes. Ausentes. Passa-se a decidir:

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Apresentou defesa a reclamada(f. 73/88) argumentando que a Lei n.9.784/1999 só deve ser aplicadasubsidiariamente nos termos do art. 69ali inserto. Ressaltou que vigora noprocesso administrativo o princípio daverdade real ou da oficialidade, pelo quea Administração, sentindo-se satisfeitacom as provas já apresentadas quandoda lavratura dos autos impugnados, nãoviu qualquer necessidade de procedera outras diligências, sendo obrigação daautuada diligenciar no sentido deapresentar provas que entendiacabíveis. Assegurou que, sendo atributodo ato administrativo a presunção delegitimidade, o ônus de prova dainvalidade do mesmo é transferido paraquem a invoca, ficando, assim, a cargodo impugnante comprovar o defeitoapontado. Consignou que constam dosautos de infração, de forma clara, ascapitulações pertinentes. Destacou aevidente terceirização ilícita deatividades-fim da autora concernentesao exercício da função de caixa bancáriocom subordinação jurídica àdemandante, conforme atestam ambosos autos de infração, o que viola aSúmula n. 331 do C. TST. Expôs que oart. 626 da CLT confere competência aoMinistério do Trabalho para fiscalizar ocumprimento de normas de proteção aotrabalho, pelo que o enquadramentofeito pelos fiscais mostra-seperfeitamente legal. Salientou que acontratação de trabalhadores da formaefetivada pela autora afronta o inciso IIdo art. 37 da CF/88, bem como asdisposições da Lei n. 8.666/1993.Insurgiu-se contra a concessão de tutelaantecipada ante a impossibilidadejurídica do pedido.

Com a contestação, vieram osdocumentos de f. 89/128.

Encerramento da instruçãoprocessual com razões finais orais e

impossibilidade de conciliação daspartes ante a ausência da ré (ata, f. 137).

É o relatório.

II. FUNDAMENTOS

1. Nulidade dos autos deinfração

A DRT autuou a autora (autos deinfração n. 005388104 e 005389305, f.28 e 33), impondo-lhe o pagamento demulta pelo descumprimento do dispostono caput do art. 41 da CLT, diante daconstatação de irregularidades naempresa, consistentes na manutençãode empregados trabalhando sem odevido registro, sendo apurada acontratação ilícita de trabalhadores porintermédio de empresas interpostaspara a função de caixa bancário,estando presentes os pressupostos darelação de emprego, quais sejam,subordinação, onerosidade, não-eventualidade e pessoalidade, tendosido a convicção formada com base naverificação em depoimentos dostrabalhadores e FRE - folha defreqüência.

Com razão a DRT, eis que apenalidade foi bem aplicada, nãohavendo que se cogitar da nulidade damulta administrativa imposta à autora.

Primeiramente, não há que sefalar em nulidade do julgamentoadministrativo, tampouco eminexigibilidade da multa aplicada emface do suposto cerceamento de defesaquando do julgamento do processoadministrativo. É que o art. 632 da CLTfaculta e não obriga o deferimento dopedido de produção de provas pelaautuada. Também o art. 25 da Portarian. 148/96 prevê a faculdade doDelegado Regional do Trabalho dedeterminar a realização de diligênciasnecessárias à apuração dos fatos,

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inclusive audiência de testemunhas,indeferindo aquelas que considerarprocrastinatórias.

No que diz respeito à alegadainvalidação do julgamentoadministrativo, com a conseqüenteinexigibilidade da multa aplicada, aoargumento de que a declaração deexistência ou não de relação deemprego compete à Justiça do Trabalho,melhor sorte não assiste à autora, hajavista que a fiscalização do trabalho visa,administrativamente, o cumprimento dalegislação trabalhista, cabendo aosfiscais do trabalho, no exercício de suasfunções, verificar o fiel cumprimento dasnormas de proteção ao trabalho (art. 626da CLT), autuando as empresas eaplicando multas administrativasquando constatado o descumprimentodessas normas, o que não invade acompetência desta JustiçaEspecializada.

Note que a lavratura do auto deinfração pelo descumprimento dodisposto no caput do art. 41 da CLT nãoimporta por si só em declaração devínculo de emprego dos trabalhadoresali mencionados e que prestam serviçosà autora, mas tão-somente na aplicaçãode sanção à empresa por afronta àlegislação trabalhista vigente, cabendoaos interessados (quer sejam ostrabalhadores ou os representantes dacategoria, dentre outros) ajuizar açãoprópria postulando o reconhecimento dovínculo empregatício, se for o caso.

Frise-se, ainda, que a aplicaçãoda multa administrativa pelainobservância do disposto no art. 41 daCLT também não depende dedeclaração prévia desta Justiça doTrabalho acerca da existência ou nãode vínculo empregatício, possuindo osfiscais do trabalho poderes para apurara presença dos pressupostos fáctico-jurídicos da relação de emprego, sendo

que a conclusão dos mesmos nãodefine nem faz coisa julgada acerca deum possível litígio entre empregado eempregador. Tampouco a competênciadesta Justiça Especializada exclui afunção das autoridades que exercem afiscalização do cumprimento dasnormas de proteção ao trabalho, comopretende fazer crer a autora. Ora, oexercício do poder de polícia pelasDelegacias Regionais do Trabalhofiscalizando o cumprimento dalegislação trabalhista decorre deimposição legal, não se tratando demera faculdade a elas atribuída,cabendo ao fiscal do trabalho analisara realidade fática em face doordenamento jurídico, a fim de verificaro fiel cumprimento da legislação vigente.

Veja que tais alegações por parteda empresa fiscalizada já se encontramhá muito tempo superadas pelajurisprudência consolidada da JustiçaFederal que, até 31.12.2004, eracompetente para julgar tais feitos, senãovejamos:

FISCALIZAÇÃO DOTRABALHO. REGISTRO DEEMPREGADOS. MULTA PORINFRINGÊNCIA AO ART. 41 DACLT. PRESUNÇÃO.DESNECESSIDADE DE PRÉVIADECLARAÇÃO DE RELAÇÃODE EMPREGO PELA JUSTIÇADO TRABALHO. 1. A aplicaçãode multa pecuniária pela falta deregistro de empregados nãodepende de prévia declaração daexistência de relação deemprego pela Justiça doTrabalho, pois o vínculoempregatício, em tal caso, podeser simplesmente pressupostapelos fiscais do trabalho.Decidindo sobre a existência, ounão, da relação de emprego, a

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autoridade administrativa nãoestará resolvendo nenhuma lideentre empregado e patrão, massimplesmente examinando osuposto fático da multa. [...]. 4.Apelação provida.(AC 1999.04.01.121759-1/PR,Rel. Juiz Zuudi Sakakihara, dt.Jtl.: 31.10.2000, DJU03.01.2001, p. 165)

Improcede também a alegaçãoda autora de invalidade do processoadministrativo que lhe aplicou a multapor infração a dispositivo celetista. Ora,a própria CLT possui um título regulandoo processo de multas administrativas,dentro do qual se encontra o capítulo Ireferente à fiscalização, à autuação e àimposição de multas pelas autoridadescompetentes do Ministério do Trabalhoe Emprego ou por aqueles que exerçamfunções delegadas (arts. 626 a 642 daCLT), sendo oportuno salientar que asportarias do Ministério do Trabalho nãoestipulam obrigações de fazer, nãoestando inseridas no poder normativo,detalhando apenas como deverá sercumprido o que já restou determinadopor lei, estando inseridas no poderregulamentar da autoridadeadministrativa.

Quanto ao descumprimento dodisposto no caput do art. 41 da CLT, aautora não produziu prova cabal quepudesse desconstituir os autos deinfração sob exame.

Isto porque os contratos deprestação de serviços firmados com asempresas Rosch Administradora deServiços e Informática Ltda. (f. 46/56) eCooperativa dos Profissionais deServiços Múltiplos (f. 34/42) que têm porobjeto recepção e preparo dedocumentos para digitação, emissão econferência de relatórios, por si só, nãodesconstituem a presunção das

verificações procedidas pelos fiscais dotrabalho, que legalmente gozam de fépública.

Veja que os elementos deconvicção em ambos os autosbasearam em inquirição verbal dosempregados que estavam laborandonas agências da autora em funçõessimilares a de um caixa bancário.

Assim, resta patente acontratação irregular de mão-de-obraterceirizada, por empresas interpostas,em atividade-fim da empresa-autora,além de demonstrar existirsubordinação direta e pessoalidade naprestação dos serviços terceirizados ematividade-meio, havendo afronta aodisposto na Súmula n. 331 do TST.Observe que, em se tratando deterceirização ilícita, praticada ematividade-fim ou atividade-meio comsubordinação e pessoalidade naprestação de serviços, caso dos autos,forma-se o vínculo empregatíciodiretamente com a tomadora deserviços, o que impõe à autora aobrigatoriedade de manter o registro deque trata o art. 41 da CLT.

Doutro tanto, a própria autoraafirmou que sofreu as autuações porque“não apresentou um documento que nãodetinha em poder por ser documentodas prestadoras de serviços” (alínea “a”,f. 12), tendo, então, sido autuada porobstaculizar o serviço do agente dafiscalização.

Ademais, uti l izando-se osalegados empregados terceirizados detodo um esquema de trabalho montadopela autora, bem como dosinstrumentos necessários à suaconsecução serem de sua propriedade,resta cristalina a presunção deterceirização ilícita.

Outrossim, o teor dos contratosde terceirização celebrados pela autora,e considerados ilícitos pelos fiscais da

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DRT, corrobora a fraude das váriasrelações de emprego por elaperpetrada, eis que deixa clara ainterferência e o controle da supostatomadora de serviços sobre osempregados ditos terceirizados.

Por outro lado, o atoadministrativo (autos de infraçãolavrados pela DRT) ora impugnado pelaautora goza de presunção deveracidade, inexistindo nos autos provainequívoca a afastar a legalidade domesmo, ou seja, foi praticado porautoridade competente (sujeito), temobjeto, motivo e obedeceu à finalidadee à forma prevista para os atosadministrativos.

Diante de todo o exposto, porqualquer ângulo que se examine aquestão, verifica-se que os ilícitosconstatados pelos auditores-fiscais daDRT estão devidamente fundamentadosno auto de infração por eles lavrado,tendo sido descrita de forma detalhadaa subordinação e a pessoalidade dosprestadores de serviços à tomadora deserviços CAIXA, bem como a fraude aoscontratos de trabalho, o que não restoucabalmente ilidido nestes autos.

Por outro lado, a autora nãodemonstrou quaisquer irregularidadesna fiscalização e nas autuaçõesrealizadas pela DRT a ensejarem ainvalidação dos autos de infração oraexaminados ou das penalidadesaplicadas.

Diante do exposto, não há comoacolher o pedido de anulação da multaque lhe foi imposta, a qual ficaintegralmente mantida.

Destarte, aqui fica esclarecidoque a análise de todas as questõessupra envolvendo a validade dos autosde infração sob comento impede que aautora possa novamente rediscuti-losem outro processo judicial, como porexemplo, através de embargos à

execução em ação de executivo fiscalprevista na Lei n. 6.830/80.

Inclusive nesse sentido, é bomesclarecer que a tutela antecipada aquiconcedida (f. 58) tem o objetivo deconceder à autora o direito de discutirjudicialmente a legalidade ou não damulta administrativamente a elaaplicada, o que efetivamente ocorreu,antes de ser executada e de sofrer asconseqüências daí advindas, tal comoinscrição do seu nome no CADIN -Dívida Ativa da União, restrição decrédito, proibição de participação emprocessos licitatórios, dentre outros. Eassim, uma vez já discutidajudicialmente a validade do referido autode infração, não poderá a autora fazê-lo novamente em embargos à execução,normalmente interpostos por ocasião daação de executivo fiscal prevista na Lein. 6.830/80.

Após o trânsito em julgado destadecisão, libere-se para a União Federalo depósito judicial de f. 64, o qual foifeito pela autora nos moldes do art. 9º,I, § 4º c/c art. 32 da Lei n. 6.830/80, como objetivo de garantir o juízo, nãopermitindo a inscrição do seu nome nadívida ativa da União enquanto sediscute o débito, o que está sendorealizado.

2. Honorários advocatícios

Vencida a autora na demanda,nos termos do art. 20 do CPC, deveráarcar com o pagamento dos honoráriosadvocatícios em favor da União Federal,no importe de 20% sobre o valor deR$8.050,66, ora arbitrado à causa poreste juízo em virtude de estar emconsonância com a multa imposta e jádepositada à disposição deste juízo (f.64).

Nesse sentido, é o art. 5º daResolução 126/2005 do Colendo TST.

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III. CONCLUSÃO

Pelo exposto, na ação declaratóriamovida por CAIXA ECONÔMICAFEDERAL em face de UNIÃO FEDERAL,decide-se:

I. JULGAR IMPROCEDENTES ospedidos formulados pela autora mantendoas multas administrativas impostas àautora pela DRT através dos autos deinfração n. 005389305 e 005388104,ficando esclarecido que a análise de todasas questões supra envolvendo a validadedos citados autos de infração impede quea autora possa novamente rediscuti-losem outro processo judicial, como porexemplo, através de embargos àexecução na ação de executivo fiscalprevista na Lei n. 6.830/80.

Após o trânsito em julgado destadecisão, libere-se para a União Federalo depósito judicial de f. 64, o qual foi

feito pela autora nos moldes do art. 9º,I, § 4º c/c art. 32 da Lei n. 6.830/80.

A autora arcará, também, com opagamento dos honorários advocatíciosem favor da União Federal, no importede 20% sobre o valor de R$8.050,66,ora arbitrado à causa por este juízo.

Não há que se falar em remessaex officio dos autos ao Egrégio TRT, umavez que a presente decisão foi favorávelà União Federal.

A fundamentação é parteintegrante deste dispositivo.

Custas, pela autora, no importede R$161,00, calculadas sobreR$8.050,66, valor atribuído à causa.

Dê ciência à Procuradoria daFazenda Nacional da presente decisãomediante ofício, com cópia da mesma.

Intimem-se as partes destadecisão, sendo a União Federal atravésde mandado com cópia da sentença.

Em seguida, encerrou-se aaudiência.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 863/05Data: 19.07.2005DECISÃO DA 5ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuiz Presidente: Dr. ANTÔNIO GOMES DE VASCONCELOS

RECLAMANTE: GENECI GREGORIO DE OLIVEIRARECLAMADA: MONTANHÊS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA.

Apregoadas as partes. Ausentes.Aos dezenove dias do mês de julho de 2005, às 15h50min, o Dr. ANTÔNIO

GOMES DE VASCONCELOS publicou a seguinte decisão:

I - RELATÓRIO

GENECI GREGORIO DEOLIVEIRA ajuizou contra MONTANHÊSMATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA.a presente ação trabalhista parapostular indenização por danos moraise os pedidos alternativos que mencionaà f. 17, além de carta de apresentação.

Alega que sofreu prejuízo moral e materialdecorrente do fato de que o proprietárioda reclamada incluiu nas informaçõesprofissionais prestadas ao seu novoempregador o relato do ajuizamento deação trabalhista movida pelo autor. Alémdisto, o reclamado deixou de readmiti-loembora houvesse pacto verbal entreambos no sentido de que sua readmissão

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seria procedida. Esperou por cerca dedois anos sem que a promessa pactuadafosse cumprida. Por outro lado, oreclamante foi vítima de injúria praticadacontra si pelo proprietário da reclamada.

A reclamada argüiu, em defesa,as preliminares de incompetência,carência de ação, coisa julgada;impugnou o valor da causa e argüiu aprescrição bienal; contestou o pedidoalegando a inexistência de qualquerdano moral a ser reparado, uma vez quenão prestou nenhuma informação queviesse a desabonar o reclamante; opedido não tem amparo legal porquenão há obrigação de readmissão domesmo e nem mesmo de fornecer cartade apresentação.

Juntaram-se documentos.Ouviram-se testemunhas.Conciliação rejeitada.Razões finais orais.Este o relatório.

II - FUNDAMENTOS

Competência

Trata-se de demanda concernenteà alegação de dano moral perpetrado porex-empregador que tem como causa depedir fato simbioticamente conectado aocontrato de trabalho. Concerne àalegação de informação prestada por ex-empregador sobre reclamatóriatrabalhista contra si ajuizada por ex-empregado.A referida informação causoua dispensa deste pelo novo empregador.

A matéria é eminentementetrabalhista porque decorre de anteriorcontrato de trabalho celebrado entre aspartes e enquadra-se, sem réstia dedúvida, na competência firmada no art. 114da CF/88, quer seja na sua versão anterior,quer seja na atual versão reformuladapela Emenda Constitucional n. 45/04.

Rejeita-se.

Coisa julgada

O acordo judicial trabalhistaequipara-se à coisa julgada. Ocorre queao acordo de f. 34 não se pode dar oefeito de alcançar fatos futuros e,portanto, inexistentes à época de suacelebração. Discute-se, nestes autos, aexistência ou não de dano moral ematerial decorrente de ato do ex-empregador praticado depois decessado o contrato de trabalho e apósa celebração do acordo por força do qualse argúi a presente preliminar. A questãolevantada é juridicamente impossível.

Rejeita-se.

Carência de ação

Inviável.De toda a sorte a ação foi

ajuizada “em face de MONTANHÊSMATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA.”(f. 03). Se disse o autor que talajuizamento se deu “especificamente napessoa de um dos seus proprietários, oSr. CIRINEU REZENDE OLIVEIRA”, talfato deve ser incluído no rol daquelasimpropriedades técnicas atingidas pelainocuidade.

Medida saneadora

Valor da causa

Acolheu-se a impugnação dareclamada (f. 27) para atribuir-se-lhe ovalor de R$12.000,00 com aconseqüente conversão da presenteação para o rito ordinário.

Discriminação dos valores dopedido

Preliminar prejudicada. Aconversão da presente ação para o ritoordinário torna irrelevante a argüição.

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Pedido liminar de fixação deprestação provisória em favor do autor

O pedido de pensão provisóriamensal acompanhado do pedido deabertura de conta judicial paraacolhimento dos respectivos depósitosnão prosperam. Se visto sob o ânguloda antecipação de tutela não temrespaldo, uma vez que a matéria é dealta controvérsia e não traz consigoelementos autorizativos de prontaconvicção que possam justificar aantecipação do mérito. Se visto sob oângulo dos princípios cautelarestambém não tem melhor sorte: do ladoda demandada não se levantou nenhumfato que possa inviabilizar execuçãofutura; do lado do autor, que neste casodesperta atenção e sensibilidade,também, ainda assim, não hájustificativa legal nem plausível. Não sepode estabelecer vínculo jurídicocautelar entre as partes em funçãoexclusiva de princípios solidaristas; alémdo que, com toda a precariedade da vidapor ele descrita na inicial, o autor tem,afinal, logrado assegurar asobrevivência própria e da família.

Prescrição

É certo que o contrato detrabalho do autor com a reclamadacessou em 31.04.03 e a presentereclamatória foi ajuizada em 29.06.05.Ocorre que o fato jurígeno que serve debase à presente reclamatória ocorreudepois de 29.03.05. Trata-se dealegação de fato que causou ao autordano moral e material (conformeminudentemente exposto abaixo)ocorrido depois que o autor celebrou oacordo judicial constante da ata de f. 34.Uma semana depois da referida data oautor logrou empregar-se num posto degasolina (vide fundamentos abaixo)

quando, “‘feliz da vida’, o AUTOR iniciouos serviços, realizando os exames pré-admissionais, recebendo os benefíciosde praxe e até o uniforme com o qualtrabalharia. Tinha, enfim, depois deesperar dois anos, a oportunidade deregularizar sua situação pessoal efamiliar...” (f. 07). Após cerca de quinzedias de emprego, segundo alega oautor, o proprietário da reclamada, seuex-empregador, prestou ao novoempregador informações que lhecustaram a dispensa do novo emprego.

Tal episódio ocorreu, portanto,após cerca de 25 dias depois da datado referido acordo. Logo, por volta de22.04.05.

Ora, a prescrição, neste caso, háde ser contada da data da lesão dodireito reclamado e não da data daextinção do contrato de trabalho,quando o fato que dá suporte à presentedemanda sequer existia.

Como conseqüência, quer seadotem quaisquer das tesescampeantes na discussão do tema, nãohá possibilidade de acolhimento daargüição prescricional. Se se admite queseja sempre bienal a prescrição relativaa qualquer direito reclamado após otérmino do contrato, esbarra-se, nopresente caso, no fato de que o fatolesivo é atual e não retroativo. Se seadmite a tese de que os danos moraisprescrevem-se segundo as regras dodireito comum, a razão está ainda maisfolgadamente com o autor.

Rejeita-se a prescrição argüida.

Danos morais e materiais

O reclamante postulaindenização por danos morais emateriais presentes e futuros no importede cem salários mínimos. E,alternativamente, prestação mensal deR$500,00 até que consiga novo

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emprego, ou condenação da reclamadana consecução de novo emprego comCTPS anotada e garantia mínima decinco anos de trabalho, além de saláriocompatível com o que anteriormenterecebia na reclamada, ou readmissãonos quadros da reclamada com CTPSanotada e garantia mínima de cincoanos. Requer ainda condenação dareclamada na expedição de carta deapresentação contendo o histórico doautor na reclamada.

O exame da matéria requerminuciosa reconstituição dos fatos à luzdas alegações e provas apresentadas.Tomarei como elemento de convicção,obviamente, as alegações instrutoriamenterelevantes (incontroversas e/ouconfessas) do ponto de vista da técnicaprocessual. O esclarecimento se faznecessário, considerando-se a relativavariedade de fatos juridicamentevaloráveis e que se inter-relacionam emtorno da causa de pedir.

Com supedâneo nos fatosincontroversos e outros tantoselucidados pela prova dos autos, épossível a constituição instruída doseguinte relato, o qual será tomadocomo substrato da subsunção jurídicaaqui engendrada:

- O autor, após prestar “serviçosgerais” à reclamada (que se dedica àatividade de “depósito de materiais deconstrução”) no período de 02.06.2001a 31.04.2003, pediu para ser“dispensado” do trabalho, dado quepassava por sérias dificuldadesfinanceiras advindas do auxíliofinanceiro que emprestara a seu pai,donde a necessidade de “levantarrecursos para quitação das dívidascontraídas por seu genitor” (f. 04);

- Dado o seu bom currículoprofissional na reclamada - “como

sempre trabalhou bem, atendendo àsnecessidades (rectius) do empregador,ficou entre eles um acordo verbal de queoAUTOR retornaria posteriormente paraocupar o mesmo cargo quedesempenhava no depósito de materiaisde construção, tão logo surgisse umavaga” (f. 04);

- Por conta do acordo relativo aoretorno oportuno do autor no emprego,este “deixou pendentes alguns direitostrabalhistas” (f. 05);

- Passados dois anos natentativa do prometido retorno aotrabalho, o autor, que vinha vivendo depequenos “bicos” e depois de vendermóveis de sua residência, viu-seobrigado a viver de “favores” já que tevede desocupar o pequeno imóvel quealugava para viver, juntamente com afamília e companhia da irmã e em doiscômodos, onde passaram a acomodar-se, dentre eles recém-nascidos, oitopessoas, sobrevindo-lhe, por isto,situações de humilhação e desconforto,uma vez que perdeu seus móveis,endereço fixo, além do comprometimentoda educação dos filhos e a condução davida sem um mínimo de dignidade edecência (f. 05/06);

- O descumprimento dapromessa de readmissão pelo períodoacima indicado não deixou alternativa anão ser “recorrer à JUSTIÇA DOTRABALHO como forma de tentarreceber os direitos então pendentes”frente à reclamada (f. 06);

- Uma semana depois decelebrar acordo judicial com areclamada, afinal, teve “excelenteoportunidade de trabalho [...] em umposto de gasolina [...] depois de esperarpor mais de dois anos” (f. 06);

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- Depois de quinze dias no novotrabalho e para atender à solicitação da“contabilidade” do seu novoempregador, solicitou ao Sr. CIRINEUREZENDE OLIVEIRA, proprietário dareclamada, carta de apresentação ourecomendação, pelo que obteve emresposta “uma série de agressõesmorais e discriminatórias do Sr.CIRINEU, sendo chamado de ‘safado’,‘sem vergonha’, ‘desonesto’, ‘ladrão’,dentre outros adjetivos igualmentedesqualif icadores e altamentediscriminatórios...” (f. 07);

- “Após a série de agressõesmorais e impropérios que recebeu doSr. CIRINEU REZENDE OLIVEIRA, [...],pelo menos ouviu do ex-empregador aafirmativa de que não iria prejudicá-lo,ou seja, não falaria da reclamatóriatrabalhista”; (f. 08/09);

- Ainda assim o proprietário dareclamada respondeu, desta vez, achamado telefônico da “contabilidade”do novo empregador do autor,enaltecendo qualidades do autor, mas“denunciou a reclamatória trabalhista”,conforme se extrai do documento anexo(f. 22); (f. 09);

- Seguiu-se uma semana e oautor foi dispensado do novo trabalho,não em razão de motivos profissionais,mas do alerta do Sr. CIRINEU no sentidode que o autor não fosse admitido, emrazão da reclamatória trabalhistaajuizada contra sua empresa (f. 09);

- O autor atribui à atitude doproprietário da reclamada o propósito deprejudicar e vingar-se dele por terajuizado a mencionada ação trabalhista,porque chegou a “implorar para que nãose falasse da Justiça do Trabalho” (f.10); acredita que de hora em diante

estará “SEMPRE NAS MÃOS DO SR.CIRINEU REZENDE OLIVEIRA, O QUEINDICA QUE JAMAIS CONSEGUIRÁEMPREGO COM CARTEIRAASSINADA...” (f. 11);

- “[...] Tais danos e prejuízos sefizeram acompanhar de intensa dormoral e psíquica [...] além do mais,também a dor física acometeu oAUTOR, manifestada sob a forma deprofunda sensação de mal-estar,insônia, vergonha, humilhação, tristeza,amargura, apatia, mágoa e mesmo umasensação de absoluta falta deperspectiva futura, sentindo-se oAUTOR extremamente arrasado”,passando a perguntar a si mesmo:“Como cuidar dos filhos e da família?Por que o CIRINEU fez isto comigo?” (f.12).

Dano moral e material

A ofensa argüida e afinalreconhecida como verdadeiramenteocorrida atinge o núcleo dos direitosfundamentais constitucionalmenteassegurados.

A dignidade da pessoa humanae os valores sociais do trabalho (art. 1º,III e IV) são fundamentos do EstadoDemocrático de Direito proclamado pelanova Constituição Federal de 1988.

Por mais de uma vez o autor teveprofundamente atingida a sua dignidadepessoal e, porque não dizer familiar, porconduta irreverente do Sr. CIRINEU,proprietário da reclamada. Este, comocausador do dano, valeu-se do estadode extrema fragilidade de seu ex-empregado para cobrir-lhe de injúriaspessoais, fruto do descaso para com apessoa do autor. Somente se disparamtais agressões contra alvo que por suafraqueza e fatalidade é convictamenteinofensivo.

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O dano se agrava quando apecha de “‘safado’, ‘sem vergonha’,‘desonesto’, ‘ladrão’, dentre outrosadjetivos igualmente desqualificadorese altamente discriminatórios...” decorrede legítimo exercício de direito ao devidoprocesso legal. Sobretudo quando osdireitos reclamados são procedentescomo se reconheceu na celebração doacordo judicial que pôs fim à demanda.

Não é de hoje que ostrabalhadores do Brasil se vêemimpotentes diante das antigas einescrutáveis “listas negras” de ex-trabalhadores reclamantes na Justiça doTrabalho, perante os quais as portas doemprego se fecham da forma maissórdida que se possa imaginar. É quetais trabalhadores não podem conhecero motivo pelo qual as portas do empregolhe cerram concertadamente na suadesesperada procura por novoemprego. As “listas negras” são asencarregadas deste infortúnio sórdido esem face.

No presente caso, foi possível oseu descortínio. Além de incontroversa,a prova foi farta no sentido de que oproprietário da reclamada, apósreconhecer que o autor foi bomempregado, resolveu revelar aexistência de demanda ajuizada peloautor. Demanda esta que se finalizoupor acordo, o que demonstra aacessibilidade e resignação do autorperante a reclamada.

Não se diga que a prestação detal informação era um dever moral efruto do livre exercício do direito deexpressão do proprietário do reclamado.

Está certo.Mas, quando o exercício de um

direito se dá com o único e exclusivointuito de causar dano a outrem, estedeixa de ser o exercício de um direitopara recair na vala do ilícito. No caso, odo “abuso do direito”. Conhecedor do

efeito avassalador da informação sobrea avaliação do autor enquanto candidatoa permanecer no novo emprego, oproprietário da reclamada não exitou emveiculá-la. Esta conduta éinequivocamente danosa e não trouxeao proprietário da reclamada qualquervantagem ou resguardo de qualquerdireito seu. Visava exclusivamente darvazão ao espírito iracundo que lheinvadiu a alma e durou, no tempo e naextensão danosa, o suficiente paradestruir o sonho e a vivacidade do autorrealimentados com consecução de umnovo emprego num posto de gasolinadepois de tanto, com uniforme, carteiraassinada, auxílio-alimentação, etc., ecom o direito de se sentir pessoa dignade ter um trabalho e com ele sustentarsua família.

Dano moral perpetrado pelo Sr.Cirineu foi multifacetado. Em outravertente, alimentou no autor aesperança de retorno ao empregoantigo. Ambos pactuaram este retorno.O autor deixou de reivindicar nesteperíodo direitos trabalhistasinadimplidos pela reclamada.Passaram-se dois anos e o prometidonão foi cumprido. É certo que o pactoimplicava o surgimento de vaga. Mas, avaga existia. O que não se provou foi ofato de que a vaga tenha se tornadodesnecessária ou inconveniente para areclamada, em razão de qualquermotivo econômico-financeiro. Isto revelaque a readmissão permaneceu nocampo potestativo da vontade unilateralda reclamada. Noutras palavras, nãoreadmitiu porque não quis; e, de fato,poderia não querê-lo, licitamente. O quenão podia sem resvalar-se para o ilícito,no entanto, era pactuar uma readmissãoque sabia não desejar cumpri-la. Nestemomento penetrou no patrimôniojurídico-subjetivo do autor para causar-lhe um dano moral, psíquico, anímico,

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de conseqüências graves, sefocalizadas sob a ótica do seu efeitosobre a vida pessoal do reclamante.Alimentou longevamente a esperançade retornar ao emprego antigo; suportousuas argúrias inclusive sob a alavancaespiritual de que seu infortúnio teria umfim iminente. Quem sabe deixou dededicar todo o seu esforço para, numtempo mais curto, conseguir o novoemprego que acabou conseguindo, senão houvesse a promessa dereadmissão pactuada.

Numa terceira dimensãodisseminaram-se os efeitos moralmentedanosos da conduta do proprietário dareclamada. No rol dos fatosincontroversos levantados alhures,encontra-se o tratamento injurioso porele dispensado ao autor. Desqualificouao impingir-lhe os adjetivos “‘safado’,‘sem vergonha’, ‘desonesto’, ‘ladrão’,dentre outros adjetivos igualmentedesqualif icadores e altamentediscriminatórios...”. Tal conduta étipicamente delituosa do ponto de vistapenal; configura-se crime contra a honrada espécie injúria. Ora, todo crimecontra a honra necessariamente atingeo patrimônio moral do ofendido. E nocaso em tela não há dúvida de que oautor foi vítima do referido delito. Talofensa atinge profundamente osentimento de auto-estima e dignidadede qualquer pessoa, sobretudo, quandodesferida de forma gratuita e com oúnico intuito de desqualif icar ex-empregado reconhecidamente de boafama, de indefectível currículoprofissional no cumprimento do contratode trabalho celebrado com a empresado ofensor.

Quanto mais não baste, é de serecuperar ainda o fato de que,subseqüentemente à conversatelefônica em que se cometeu a injúriadescrita acima, o ofensor “assinou” a

promessa de não mencionar a açãojudicial movida pelo autor contra areclamada por ocasião das informaçõesque seriam prestadas ao novoempregador do autor. Promessa vã.Num gesto sádico-moral o Sr. Cirineunão fez mais que adiantar ao pedido deinformações de que o autor não deveriaser contratado porque ajuizara açãotrabalhista contra a empresa doinformante.

O dano moral perpetrado chegoua seu ponto de culminância. O Sr.Cirineu fez coro com a prática das “listasnegras” trabalhistas. Aderiu à correntede informação destinadaexclusivamente a impedir o trabalhadorque tenha reclamado na Justiça direitosdescumpridos pelo ex-empregador deobter um novo emprego. Se o trabalho,na modernidade, foi transformado emponto de honra da dignidade do serhumano, ainda que por motivosideológicos, a sua negação tem efeitosmorais proporcionais à importância quese lhe dá como elemento de realizaçãodo ser humano. Logo, o dano moral,neste caso, é, mais que evidente, deconseqüências desastrosas do ponto devista da dignidade humana.

Os efeitos de tudo quanto foidemonstrado e destrinçado acima sãoincomensuráveis. Não há dúvida de queatingiu profundamente as dimensõespsíquica e moral da personalidade doautor. O sofrimento interior, embora dedifícil descrição, pode perfeitamente serjuridicamente avaliável; basta que ooperador do direito projete-se no mundoda alteridade e, dispensando mesmomaior recurso às máximas dasexperiências e àquilo que comumentesói acontecer, perceba a dimensãodanosa do que se descreveu acima.

Se o mundo jurídico temrecebido bem os danos estéticos e,portanto morais, resultantes até de uma

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operação cirúrgica de resultados aquémda expectativa da “modelo” ou artista,da senhora vaidosa desejosa de perderuns “quilinhos” comprometedores desua beleza, ou de tantas outrastrivialidades da vida, muito maior razãotem-se para justificar que em casoscomo o do autor o dano moral e suasseqüelas se fazem inequivocamentepresentes.

Aos danos morais perpetradospelo proprietário da reclamadaseguiram-se automaticamente os danosmateriais alegados, os quais estãoconsubstanciados na drástica queda donível de vida do autor e de sua família.Decaiu do estado de pobre para oestado de miserabilidade, passando aviver de “favor” e em condiçõesindignas. Deixou de receber os saláriosque passou a receber com o novoemprego conseguido a duras penas nosdias de hoje. Deixou de poder pagar oaluguel que pagava antes, paracompartilhar com outras sete pessoasdois cômodos cedidos a título de favorpela irmã. O autor recaiu, portanto, numestado de espírito bastante propício aoingresso revoltoso no mundo dacriminalidade.

Não é, e não é mesmo, emsituação de normalidade,responsabilidade de qualquer ex-empregador o fracasso de seus ex-empregados. Nem se preconiza queagora se passe a exigir juridicamentedas empresas eventuais condutas,passíveis de cotejo exclusivamente nocampo da moral ou confessional(caridade, filantropia, etc.). Nada disto.Esta assertiva, no entanto, não amparao lado oposto da questão: o daabsolvição do ex-empregador dequalquer ofensa ao ex-empregadosimplesmente porque não há maiscontrato de trabalho em vigor.

O ex-empregador tem um

compromisso com os direitosfundamentais com qualquer cidadão,inclusive com seus ex-empregados.

Considerando que a reclamadapactuou e não caprichosamente nãocumpriu com o autor a promessa dereadmissão no trabalho;

considerando as injúrias sofridaspelo autor por ter ajuizado ação exitosacontra a reclamada para reaver direitostrabalhistas inadimplidos;

considerando que o proprietárioda reclamada recomendou ao novoempregador que não o mantivesse notrabalho informando-lhe que o mesmoajuizara ação trabalhista contra e que,em decorrência deste alerta, o autor foi,efetivamente, dispensado do seu novoemprego, depois de aguardar por doisanos a promessa de readmissãomencionada acima;

considerando o estado demiserabilidade em que o autor,juntamente com sua família, recaiu emvirtude da conduta do proprietário dareclamada;

considerando a situaçãoeconômica e o porte da empresareclamada, defiro ao autor o pedido dereparação dos danos morais e materiaisacima descritos nos seguintes termos:

a) a reclamada pagará aoreclamante, a título de indenização pordanos morais e materiais, a importânciade R$5.000,00;

b) a reclamada pagará aoreclamante, durante 12 meses, aimportância correspondente a umsalário mínimo, a contar do trânsito emjulgado da presente decisão;

c) a reclamada expedirá carta deapresentação ao autor declarando otempo de serviço, a função exercida, ainexistência de qualquer nota emdesabono de sua conduta e o bomdesempenho de suas funções durante

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o contrato de trabalho, a ser juntada aosautos no prazo de 5 (cinco) dias,independentemente do trânsito emjulgado da presente decisão,considerando-se a incontrovérsiaexistente quanto aos fatos a seremnarrados na carta de apresentação eurgência do autor de se ver livre dosefeitos moralmente danosos advindosda conduta do proprietário dareclamada.

O descumprimento dadeterminação constante da alínea “c”implicará a incursão em multa diária emvalor equivalente a 10% do saláriomínimo vigente até o efetivocumprimento da mesma. O cômputo damulta correrá a partir do qüinqüídiosubseqüente ao da publicação dapresente decisão.

O acolhimento do pedidoprincipal prejudica o exame dos pedidosformulados alternativamente.

Justiça gratuita

Presentes os requisitos da Lei n.1.060/50, com ulteriores alterações,incluídas as da Lei n. 7.510/86, bemcomo com fulcro no § 9º do art. 789 daCLT, defere-se ao reclamante o pedidode concessão do pálio da justiçagratuita.

Honorários advocatícios

No processo trabalhista, oshonorários advocatícios se restringemà hipótese em que a assistência jurídicafor prestada pelo sindicatorepresentante da categoria a quepertence o autor da demanda (Súmulan. 219 do TST). Não sendo este o caso

dos autos, os honorários postuladosdevem ser indeferidos.

Improcedente.

III - CONCLUSÃO

Pelos fundamentos expostosacima, julgo PROCEDENTE EM PARTEa ação ajuizada por GENECI GREGORIODE OLIVEIRA contra MONTANHÊSMATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA.para condenar a reclamada a pagar aoreclamante indenização por danos moraise materiais no valor de R$5.000,00, bemcomo a pagar-lhe um salário mínimomensal pelo período de doze mesescontados do trânsito em julgado dapresente decisão.

A reclamada expedirá carta deapresentação ao autor declarando otempo de serviço, a função exercida, ainexistência de qualquer nota emdesabono de sua conduta e o bomdesempenho de suas funções duranteo contrato de trabalho, a ser juntada aosautos no prazo de 5 (cinco) dias,independentemente do trânsito emjulgado da presente decisão.

O inadimplemento da obrigaçãode fazer acima estabelecida implicará opagamento de multa diária no valorequivalente a 10% do salário em favordo autor.

Não há incidência previdenciáriasobre o valor da condenação dada a suanatureza indenizatória.

Custas pela reclamada noimporte de R$160,00, calculadas sobreR$8.000,00, valor arbitrado àcondenação.

Cientes as partes, nos termos daSúmula n. 197 do TST.

Em seguida, encerrou-se aaudiência.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00493-2005-061-03-00-4Data: 16.08.2005DECISÃO DA VARA FEDERAL DO TRABALHO DE ITAJUBÁ - MGJuiz Presidente: Dr. GIGLI CATTABRIGA JÚNIOR

Aos dezesseis dias do mês de agosto de dois mil e cinco, às dezessetehoras e dez minutos, na sede da MM. Vara do Trabalho de Itajubá - Minas Gerais,na presença do seu Titular, o MM. Juiz Federal do Trabalho, Dr. GIGLI CATTABRIGAJÚNIOR, foi aberta a audiência para julgamento da reclamação ajuizada por AdrianaMaria da Silva Goulart, reclamante, em face de Ace - Escola de Línguas Ltda.,reclamada.

Ausentes as partes.Submetido o processo a julgamento, proferiu-se a seguinte DECISÃO:

1 - RELATÓRIO

Adriana Maria da Silva Goulart,na reclamatória trabalhista que promoveem desfavor de Ace - Escola de LínguasLtda., alegou, em síntese, que: foiadmitida pela reclamada em01.08.1998, na função de“recepcionista”, embora exercesse afunção de “secretária”; foi dispensadapor justa causa em 07.07.2003;percebia como remuneração mensal amédia de R$950,00, sendo R$481,34 desalário e, por fora, sem constar denenhum registro legal, mais o valor fixode R$75,00 e comissões de R$0,50 poraluno; não pode prosperar a justa causaque lhe foi aplicada, a qual deverá serdesconstituída, com o pagamento dasrespectivas verbas devidas em razão dadispensa imotivada; sofreu processocriminal, do qual foi absolvida, tendosido denunciada por apropriaçãoindébita, em face da acusaçãoinjustamente formulada pelaempregadora no intuito de embasar adispensa por justa causa; teve seu sigilobancário quebrado; sofreu grande dore constrangimento, além dadesconfiança das pessoas, uma vez quea notícia que teria praticado um crimese espalhou pela cidade de Itajubá,ensejando, inclusive, sua mudança para

outra cidade; teve sua honra subjetivalesada, com prejuízos para si e suafamília, motivo pelo qual faz jus àindenização por dano moral.

Pleiteia as verbas elencadas norol de f. 07 e a indenização por danosmorais no importe de R$540.000,00 (f.15), atribuindo à causa o valor deR$549.570,00, vindo aos autos com ainicial os documentos e procuração def. 16/58.

Às f. 62/81 a reclamadaapresentou defesa, argüindo asprescrições bienal e qüinqüenal daspretensões da reclamante, impugnandoo valor atribuído à causa, por exorbitante,e aduzindo, em síntese, que: areclamante percebeu como últimosalário/hora a importância de R$2,27,sendo que nunca recebeu a parcela fixade R$75,00 e mais R$0,50 a título decomissão por aluno; inicialmente areclamante pediu demissão do emprego,manifestando posteriormente suadiscordância com tal pedido, sendo queentão foi dispensada por justa causa,consubstanciada em ato de improbidade;a dispensa se deu após minuciosolevantamento em documentos internosda empresa, os quais eram deresponsabilidade da reclamante, o queresultou em desvendar atos delituosospraticados por esta, ou seja, apropriação

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indébita de valores pertencentes àreclamada; a reclamante era responsávelpelo livro-caixa, no qual, constantemente,fazia constar valores menores àquelesefetivamente recebidos nas somas defechamento, assim como deixava deconstar nomes de alunos e pagamentosefetuados; a reclamante agiudolosamente contra o patrimônio e acontabilidade da reclamada,ocasionando-lhe prejuízos. Contestoutodos os pedidos formulados e pugnoupela improcedência dos mesmos.

Com a defesa foram juntados osdocumentos e procuração de f. 82/233,assim como dois livros-caixa, os quaisficaram acautelados em um envelopedepositado na Secretaria.

Impugnação do reclamante às f.237/249.

Sem outras provas, foi encerradaa instrução.

Razões finais orais remissivas.Nenhuma das propostas

conciliatórias obteve êxito.É o relatório.

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - Prescrição

A reclamada argüiu a prescriçãobienal das pretensões da reclamante,por decorridos praticamente dois anosdo rompimento do pacto laboral, já queo contrato de trabalho se encerrou em07.07.2003 e a presente ação foiprotocolada em 06.07.2005.

Não há que se falar em prescriçãototal do direito de ação prevista no incisoXXIX do artigo 7º da ConstituiçãoFederal, porquanto, no momento dainterposição da reclamatória trabalhista,não havia ainda decorrido o prazo de doisanos da extinção do contrato de trabalho,ocorrida em 07.07.2003, conformealegado pela própria reclamada.

Por cautela, a reclamadarequereu também seja declarada aprescrição qüinqüenal relativa aeventuais direitos da autora anterioresa 06.07.2000, uma vez que a demandafoi ajuizada em 06.07.2005.

Oportunamente argüida, acolhe-se a prescrição dos direitos trabalhistasanteriores a 06.07.2000, cinco anosantes do ajuizamento da demanda, emface do inciso XXIX do artigo 7º daConstituição Federal.

Portanto, quanto à pretensãocorrespondente a créditos relativos aoperíodo anterior a 06.07.2000, extingue-se o processo, com julgamento domérito, nos termos do inciso IV do artigo269 do CPC c/c o artigo 769 da CLT.

2.2 - Impugnação ao valor dacausa

A reclamada apresentouimpugnação ao valor da causa,requerendo sua minoração para aimportância de R$600,00, sob ofundamento de que o valor dado éexorbitante, aleatório e não condiz coma realidade.

Contudo, entende o juízo que ovalor atribuído à causa é meraconseqüência da somatória dos pedidoselencados, estes, por sua vez, expondoa expectativa do direito da reclamante,nada influindo no deslinde da questãoou, necessariamente, na fixação dovalor da condenação em caso desuperveniência de algum direito.

Ao contrário, é atroz para com areclamante, pois, em caso deimprocedência da ação, as custasdevem ser arbitradas sobre o valoratribuído à causa.

Ademais, hodiernamente, oartigo 852-A da Consolidação das Leisdo Trabalho, com a redação dada pelaLei n. 9.957/00, determina a liquidez de

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todos os pedidos, o que foi feito pelareclamante ao expor os valores queentende lhe serem devidos, tanto a títulode indenização por danos morais assimcomo aqueles relativos às verbas denatureza trabalhista.

Assim, rejeita-se a impugnação.

2.3 - Justa causa - Nulidade

Pleiteia a reclamante adesconstituição da justa causa que lhefoi atribuída quando de sua dispensa,para que o ato seja tido como injusto,com a conseqüente condenação dareclamada nas verbas resilitórias, hajavista que foi absolvida, na esferacriminal, do ato de improbidade que lhefoi imputado por sua empregadora.

A reclamada, por sua vez,sustentou que a dispensa da autora sedeu por justa causa consubstanciada naalínea “a” do artigo 482 da CLT.

A justa causa, no entanto,determina prova cabal da ocorrência edos fatos alegados, uma vez que se tratade severa punição ao empregado, quenão pode apenas ser presumida,incumbindo à reclamada o ônus de talassertiva, do qual não se desincumbiu.

Ao contrário, verifica-se nesteparticular que, não obstante tenha sidoprocessada criminalmente, a partir denotitia criminis apresentada pelareclamada, a qual deu ensejo ao inquéritopolicial e à denúncia elaborada peloMinistério Público, a fim de que fosseapurada sua autoria no crime deapropriação indébita, foi a reclamanteabsolvida por sentença transitada emjulgado, na qual se chegou à seguinteconclusão: “...a certeza total e plena daautoria e da culpabilidade por parte daacusada não se vislumbra nos autos,conforme ficou demonstrado, quando doestudo da prova, já que dúvidas surgiramquanto a sua responsabilidade pelo delito”.

Há que se destacar ainda nareferida sentença, cujas cópias foramjuntadas às f. 35/40 e 219/224 dospresentes autos, os seguintesfundamentos: “Urge frisar que o livro-caixa era preenchido de lápis eacessado por outras pessoas, de modoque se pode concluir que não só aacusada como outras pessoas quetinham livre acesso ao mesmo poderiamnele fazer rasuras, enfim, mudanças emgeral.”

Com relação à auditoria que areclamada afirma ter realizado, nãoconsta dos autos prova documentalrelativa à realização da mesma.

Não passou a reclamada,portanto, do campo das alegações nopertinente à alegada justa causa, a qualdemanda prova robusta paraconfiguração de sua ocorrência.

Assim, não há que se falar emdispensa motivada, já que prevalece emnosso ordenamento jurídico o princípioda continuidade da prestação laboralfavorável ao empregado.

Cumpre frisar ainda que, nostermos do artigo 935 do novo CódigoCivil, a sentença exarada no juízocriminal faz coisa julgada, não podendomais se questionar sobre a existênciado fato, bem como sua autoria, servindoa mesma ainda de título judicial paraeventual indenização, não sendopossível nova análise das provas, comlastro na mesma causa de pedir, emface do trânsito em julgado daquela.

Resulta injustificada, portanto, adispensa da reclamante, razão pela quallhe são devidas as verbascorrespondentes a tal modalidade dedistrato.

2.4 - Comissões e parcela fixa

Caberia à reclamante produzirprova consistente quanto ao fato

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constitutivo noticiado na inicial, ou seja,que recebia a título de comissão oimporte de R$0,50 por aluno e mais ovalor fixo de R$75,00, por fora.

Os documentos juntados à f. 21não se prestam para provar que areclamante recebia comissões por fora,uma vez que se trata de documentosparticulares, unilaterais, sem espelho eregistro contábil, financeiro, bancário ouem quaisquer entes da Administração.

As anotações na CTPS, o TRCTe os recibos carreados aos autos nãopermitem inferir a existência depagamentos por fora.

Não obstante a sócia dareclamada, Srª Lúcia Maria BorgesRibeiro, no depoimento que prestouperante a Vara Criminal desta Comarcade Itajubá, tenha informado que areclamante não recebeu comissão dafirma nos anos de 2002 e 2003, não fazmenção específica ao recebimento nosanos anteriores. E, ainda, nodepoimento que prestou na fase policial(f. 55), afirmou que a vantagem relativaà comissão por matrícula de aluno oupor número de alunos havia sidocancelada há quatro anos daquela datade 26.08.2003, ou seja, período querestaria abrangido pela prescriçãoqüinqüenal acolhida.

Tais declarações, todavia, sãogenéricas e não estão lastreadas emnenhum tipo de registro, não cabendoa este juízo acolhê-las, sobretudoporque a reclamada nega que teriaefetuado pagamentos por fora, juntandoos recibos dos valores pagos àreclamante durante o pacto laboral, nosmoldes do disposto no artigo 464 daCLT.

Para os fins de direito, portanto,a reclamante não provou a percepçãode valores por fora, sendo que, para finsde liquidação de sentença, deverá serconsiderado como remuneração o valor

da última importância recebida pelamesma constante dos recibos depagamento, ou seja, o salário/hora deR$2,27.

2.5 - Verbas rescisórias

Diante da dispensa imotivada dareclamante e a ausência de recibo dequitação, ônus da reclamada, deferem-se os pedidos de: aviso prévio; umperíodo de férias integrais simples,acrescidas do terço constitucional,relativas a 2002/2003 (considerada aprojeção do aviso prévio); 7/12 de 13ºsalário proporcional, considerada aproporção de 1/12 por mês de serviçoe/ou a fração superior a quatorze dias,e a multa do § 8º do artigo 477 da CLT.

Com relação ao pedido de saldode salário, de 01.06.2003 a 07.07.2003,restou devidamente comprovado opagamento relativo ao período de01.06.2003 a 23.06.2003 (f. 100).

Já, quanto ao períodoremanescente, de 24.06.2003 a07.07.2003, a própria reclamante afirmaà f. 244 não ter comparecido à empresareclamada para prestar seus serviços,sob a alegação de ter sido impedida detrabalhar. Contudo, não comprovou talassertiva ou apresentou qualquerjustificativa legal para suas faltas, cujoônus lhe competia, pelo que se indefereo pedido.

Indeferem-se também ospedidos de pagamento do FGTS e suarespectiva multa de 40% sobre asdiferenças salariais pleiteadas,porquanto estas não lhe foramdeferidas.

A reclamada deverá proceder aliberação das guias CD/SD àreclamante, para percepção do seguro-desemprego, sob pena de indenizaçãosubstitutiva, caso a reclamante,preenchendo todos os requisitos para a

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obtenção do benefício, não o receba porculpa exclusiva da empregadora.

A reclamada deverá, ainda,retificar a CTPS da reclamante paraconstar como data de saída 07.08.2003,considerada a projeção do aviso prévio,nos termos da OJ n. 82 da SDI-I do TST,sob pena de a Secretaria do Juízo ofazer, com ofício à DRT (§ 2º do artigo39 da CLT), bem como comprovar nosautos o recolhimento das contribuiçõesprevidenciárias incidentes sobre operíodo retificado e as verbas denatureza salarial deferidas, nos termosda legislação vigente.

2.6 - Dano moral

Pleiteia a autora a indenizaçãopor dano moral, sob o fundamento deque foi injustamente acusada pelareclamada de ato de improbidade,consubstanciado no crime deapropriação indébita, do qual foiabsolvida em ação penal, cuja sentençaproferida já transitou em julgado.

Alega que, em razão da referidaacusação, foi vítima de calúnia edifamação, sofrendo todo tipo deconstrangimento em face dos amigos eda comunidade itajubense, já que váriaspessoas tomaram conhecimento dofato; teve seu sigilo bancário quebradoe ainda enfrenta a desconfiança daspessoas, embora tenha sido inocentada.E mais, teve, inclusive, que se mudarda cidade.

Afirma ainda que a finalidade daconduta de sua empregadora era deeximir-se das obrigações trabalhistasdecorrentes de sua dispensa, livrando-se, assim, do pagamento das verbasrescisórias em face da justa causaimputada, sem, contudo, medir esforçosao lhe infringir dor e sofrimento quandoda agressão à sua honra, à suareputação.

A sentença exarada no juízocriminal serve, aqui, de título judicialpara a indenização pleiteada.

O dano moral, dentre suas váriasconceituações, pode ser definido comoaquele que representa efeito nãopatrimonial da lesão de direito. Via deregra, está identificado com o sofrimentoíntimo relacionado à esfera moral,psíquica, etc., o que se trata da hipótesedos autos, em que o dano moral émanifesto.

Não dissimuleis, em suma, coma vossa obra. Quando vos sairdas mãos, seja, até ondepuderdes, acabada. E, sedestarte vos exercitardes algumtempo, tereis adquirido o grandehábito, o hábito salvador, o hábitodo trabalho sério, educativo,fertilizante. Praticai-o assim, quenão vos arrependereis: será ocriador de vossa fortuna, oornamento do vosso nome, oconsolo de vossa velhice.(BARBOSA, Rui. Discurso noColégio Anchieta. Fundação

Casa de Rui Barbosa, Rio deJaneiro - 1981)

Como já vaticinava Rui Barbosa,o hábito do trabalho sério, educativo,fertilizante é o maior patrimônio dohomem aliado ao direito à privacidade,à intimidade e à honra, todos integrantesdo rol de direitos e garantiasfundamentais, ao lado da submissão aoimpério da lei, da divisão dos poderes eda soberania popular caracterizam oEstado Democrático de Direito, que nocaso brasileiro tem como fundamentosa soberania, a cidadania, a dignidadeda pessoa humana, os valores sociaisdo trabalho e da livre iniciativa e opluralismo político (artigo 1º daConstituição Federal).

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O Estado brasileiro garante quesão invioláveis a intimidade, a vidaprivada, a honra e a imagem daspessoas, assegurando o direito àindenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação. Sendo essauma norma definidora de um direito egarantia fundamental tem aplicaçãoimediata, não dependendo deregulamentação infraconstitucional.Como bem assinala PINTO FERREIRA( in Comentários à Constituição

brasileira, São Paulo: Saraiva, 1989, v.1, p. 79), “O preceito inexistia no direitoconstitucional anterior, porém a amplapublicidade, devassando a vida privadae a intimidade das pessoas, bem comodesfigurando sua imagem, motivou suainclusão no texto.”

O mesmo doutrinador ( inPrincípios gerais do direito

constitucional moderno, tomo I, p. 181,6. ed.) afirma que “se a igualdade é aessência da democracia, deve ser umaigualdade substancial, realizada, não sóformalmente no campo jurídico, porémestendendo a sua amplitude às demaisdimensões da vida sociocultural,inclusive na zona vital da economia.”

Incumbe ao juiz, nas sábiaspalavras de Dinamarco, verbis:

postar-se como canal decomunicação entre a cargaaxiológica atual da sociedade emque vive e os textos, de modo queestes fiquem iluminados pelosvalores reconhecidos e assimpossam transparecer a realidadeda norma que contêm nomomento presente. O juiz que nãoassume essa postura perde anoção dos fins da sua própriaatividade, a qual poderá serexercida até de modo bem maiscômodo, mas não corresponderáàs exigências de justiça. Para o

adequado cumprimento da funçãojurisdicional, é indispensável boadose de sensibilidade do juiz aosvalores sociais e às mudançasaxiológicas da sua sociedade.(ob. citada, p. 294)

Se a prática de ato antijurídico,em especial aqueles consistentes emcondutas atentatórias aos princípiosinformadores de todo o EstadoDemocrático de Direito, quais sejam,igualdade de tratamento entre aspessoas e observância da ordemjurídica, não vier acompanhada desanção cominatória, o direito positivonão passará de letra morta.

Não há dúvida que o dano moralprescinde de comprovação, na exatamedida em que esta espécie de danonão se apresenta de forma corpórea,palpável, visível, ou material, sendodetectável tão-somente de formaintuitiva, sensível, lógica e perceptiva.

Não foi a lei que criou o dano,pois este é conseqüência da violaçãode bem ou valor jurídico tutelado.

É lição primária da SociologiaJurídica que as leis são posteriores aosfatos que motivaram sua elaboração.

É de obviedade ululante aocorrência de sofrimento psíquico,espécie de dano extrapatrimonial, queafeta qualquer pessoa quando violadoseu direito de personalidade.

A doutrina já consagrou umadefinição e uma classificação para odano moral, melhor dotada deconsensualidade, encontrando-se decerta forma compendiada na lição dainsigne Maria Helena Diniz, em seufestejado Curso de direito civil brasileiro,quando discorre sobre aresponsabilidade civil assim traduzida:

DANO MORAL DIRETO EINDIRETO:

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O dano moral direto consiste nalesão a um interesse que visa àsatisfação ou ao gozo de um bemjurídico extrapatrimonial contidonos direitos da personalidade(como a vida, a integridadecorporal, a liberdade, a honra, odecoro, a intimidade, ossentimentos afetivos, a própriaimagem) ou nos atributos dapessoa (como o nome, acapacidade, o estado de família).O dano moral indireto consistena lesão a um interesse tendenteà satisfação ou ao gozo de bensjurídicos patrimoniais, queproduz um menoscabo a um bemextrapatrimonial, ou melhor, éaquele que provoca prejuízo aqualquer interesse nãopatrimonial, devido a uma lesãoa um bem patrimonial da vítima.Deriva, portanto, do fato lesivo aum interesse patrimonial. P. ex.:perda de coisa com valor afetivo,ou seja, de um anel de noivado.(destacamos)

A CNBB - Conferência Nacionaldos Bispos do Brasil, em Assunto de fé

- Para todos que acreditam na defesa

dos Direitos Humanos, São Paulo:Paulus, 1997, p. 38/39, afirmou:

Há ainda um problemagravíssimo aí. Toda vez que nãose respeita o direito de um (sejalá qual for), a vida de todos correperigo. [...] É preciso se rejeitarpor inteiro o processo deexclusão moral. Se não fazemosisso, ele vai se ampliando,abrangendo outros gruposhumanos: os não produtivos, osnão consumidores, sem pesoeconômico, todos os que“incomodam”.

Uma mentalidade de exclusãomoral passa a classificar ahumanidade em diversos graus,como se houvesse pessoas “maishumanas” e “menos humanas”.Aos poucos, se permitirmos,podem ir sendo consideradosdispensáveis os deficientes, osidosos, os desempregados, osanalfabetos...

O preceito constitucional alargoua abrangência da reparação civilprevista na antiga Súmula n. 229 doColendo Supremo Tribunal Federal,estendendo-a aos danos originados demera culpa, a cargo de quem dela setenta beneficiar.

Outrossim, necessária aexistência de prova cabal nos autosrelacionada com a existência do nexocausal entre a ocorrência e o trabalhodesenvolvido pela reclamante, comovisto alhures, além da possível culpa in

eligendo ou in comittendo, ou aocorrência de negligência ouimprudência por parte da reclamada.

Na análise dos poderes doempregador, dentre eles o diretivo, valeesclarecer que devem ser elesexercidos com acuidade e moderação,com a finalidade de alcançar os finsperseguidos pelo empreendimento eassegurar a continuidade do exercíciodas atividades empresárias, sem,contudo, imiscuir juridicamente na vidado trabalhador, quando praticado comabuso ou desvio de poder, acarretandodanos, seja material ou moral.

Válidas as ponderações doMestre Aroldo Plínio Gonçalves noacórdão prolatado nos autos do RO-18.532/93, publicado em 04.03.94,quando afirma que:

A violação dos direitos depersonalidade não pode ser

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plenamente reparada, pois odireito não tem o poder dereverter o tempo para impedir osefeitos da lesão consumada.No direito positivo, não háconseqüência legal capaz deevitar ou de anular os efeitos dador moral sofrida pela injustiçacometida.A dor da injustiça não temreparação, o desespero sofridopelo empregado com a situaçãodo desemprego não pode seranulado e a angústiaexperimentada frente à incertezado futuro gerada pela imageminjustamente denegrida nãopode ser apagada. (destacamos)

Como preleciona SERPALOPES, “pelo próprio fato de agir, ohomem flui todas as vantagens de suaatividade, criando riscos de prejuízospara os outros do que resulta o justoônus dos encargos.” (in Curso de direito

civil, v. V, p. 200)No mesmo diapasão,

WASHINGTON DE BARROSMONTEIRO vaticina que “o agente deveser sempre responsabilizado não sópelo dano causado por culpa sua, comotambém por aquele que sejadecorrência de seu simples fato; umavez que, no exercício de sua atividade,ele acarreta prejuízo a outrem, ficaobrigado a indenizá-lo.” (in Curso de

direito civil, direito das obrigações, v. 2,p. 430)

Para SAVATIER, a culpa tem ovalor de virtude essencial, por ser umeco da liberdade humana, enquanto aidéia de risco se funda num equilíbrioconsoante a uma idéia de eqüidadeimpessoal. (Traité de la Responsabilité

Civile, tomo I, n. 280, p. 354)Assim, o dano moral nos autos

encontra-se flagrante ante o fato de ver-

se a autora afetada em sua honra,dignidade e moral, visto que, quandolaborava para a reclamada, foi acusadapela mesma de crime de apropriaçãoindébita, cuja autoria não foi provada.

Difícil constatar a amplitudesocial, moral, familiar e principalmentede ordem psicológica dos efeitosdanosos da injusta acusação no seio dareclamante.

No magistério de JOSÉ AGUIARDIAS, “o objeto ideal do procedimentoreparatório é restabelecer o status quo,

o lesado não deve ficar mais pobre enem mais rico do que estaria sem o atodanoso.” (in Da responsabilidade civil,6. ed. v. 2, p. 10)

O prejuízo decorrente do danomoral não pode ser ressarcido, masnecessariamente compensado.

As lições do brilhante e dedicadoprofessor Dr. Fernando Noronha, daUniversidade Federal de SantaCatarina, constantes de profundo estudoacerca da reparação do sofrimentodecorrente do dano moral, sãooportunas:

A moeda, todavia, pelas suascaracterísticas, podendo quasetudo, também poderá permitirque o ofendido obtenhasatisfações que contrabalancemo mal sofrido.O pretium doloris, porém, será ovalor necessário para atribuir aolesado uma consolação, ousatisfação substitutiva,compensação aproximada, masnunca um preço da dor, deacordo com o significado literalda expressão.

Não se pode, também, perder devista a finalidade punitiva, o aspectosancionatório da penalidade comoelemento desmotivador de novas

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violações, como magistralmentedestaca o mestre já citado.

Embora o escopo fundamentalda responsabilidade civil seja areparação do dano sofrido pelo lesado,e não a punição do lesante, é precisoter presente que na problemática dodano moral, além dessa finalidadeprincipal, compensatória, como formade reparar a dor do lesado, tambémexiste uma finalidade punitiva,relacionada com o grau de censura dolesante, se tiver agido com dolo ouculpa. E mesmo quando não haja culpado responsável, nunca deve seresquecido que a reparação do danomoral é sanção que tem em vista tutelardireitos que, sem ela, não teriam defesajurídica adequada.

Quanto à questão de suareparabilidade, doutrina e jurisprudênciavêm se posicionando de forma análogaà prelecionada pelo insigne R. LimongiFrança que, em artigo intitulado“Reparação do dano moral”, publicadopela Revista dos Tribunais, ano 77, maiode 1988, v. 631, p. 33, assim condensao pensamento de mestres daimportância de Macia, Giorgi, Gabba,Melo da Silva, Orozimbo Nonato eAguiar Dias:

a) Se o dinheiro não paga, demodo específico, o “preço” dador, sem dúvida enseja aolesado sensações capazesde amenizar as agrurasresultantes do dano nãoeconômico.

b) Não há exata eqüipolêncianem mesmo no terreno dosdanos exclusivamenteeconômicos. A incidência domesmo óbice, tratando-se dedanos morais, nãoconstituiria impedimento àindenização.

c) A alegria é da mesmanatureza transcendente datristeza. “Seriam ambas ...valores da mesma essênciae que, por isso mesmo,poderiam ser compensadosou neutralizados, semmaiores complexidades”.

d) Não se trataria de restauraros bens lesados do ofendido,mas sim “di fare nascere in

lui una nuova sorgente de

felicità e de desnessere,

capace de alleviare le

consequenze del dolore

ingiustamente provate”.(destacamos)

Convém, ainda, trazer a lume aposição defendida pelo eminenteDesembargador Cezar Peluso, à épocado Egrégio Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo, Relator do v.acórdão prolatado nos autos daApelação Cível n. 143.413-1, publicadona RJTJESP - LEX/137, p. 238/240,onde acentuou, in verbis:

A indenização é por inteiro, postoque não predefinida. Se não osdispõe a lei, não há critériosobjetivos para cálculo dareparação pecuniária do danomoral, que, por definição, nadatem com as repercussõeseconômicas do ilícito. Aindenização é, pois, arbitrável(artigo 1533 do Código Civil).(destacamos)

Incontroverso nos autos ter sidoa reclamante absolvida nos autos doprocesso crime em que foi denunciadapor apropriação indébita.

No entanto, não há prova darepercussão do processo crime movidocontra a reclamante junto à sociedade,

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capaz de macular a sua imagem emcaráter irreversível.

Ainda que assim não fosse, suaabsolvição, por si só, poderia sersuficiente para aplacar possíveisdesaires por ela sofridos frente aos seusamigos e à comunidade.

Existe ainda a dificuldade de sequantificar a indenização no que dizrespeito à dor moral sofrida pelareclamante.

Assim, levando em consideraçãoos fundamentos supra, que o processonão pode servir de fonte deenriquecimento ilícito e o poderempresarial da reclamada (escola delínguas), defere-se o pedido deindenização por danos morais e se fixacomo valor da indenização aimportância de R$15.000,00 (quinze milreais).

E a responsabilidade civil nãopode ser fonte de lucro para avítima, mas apenas a recuperaçãoda perda efetivamente sofrida.(THEODORO JÚNIOR,Humberto. Síntese Trabalhista,Junho de 1996, v. 84, p. 09)

2.7 - Justiça gratuita

Como se sabe, faz jus aosbenefícios da justiça gratuita oempregado que declara ser pobre nosentido legal, bastando para tanto a suaafirmação, conforme previsão contidano artigo 4º da Lei n. 1.060/50 (OJs n.304 e 331 da SDI-I do TST).

Deferem-se à reclamante, pois,os benefícios da justiça gratuita.

3 - DISPOSITIVO

Ante o exposto, resolve esta MM.Vara do Trabalho de Itajubá, MinasGerais, declarar a prescrição das

pretensões trabalhistas anteriores a06.07.2000, EXTINGUINDO-SE OPROCESSO, COM JULGAMENTO DOMÉRITO, nos termos do inciso IV doartigo 269 do CPC c/c o artigo 769 daCLT com relação aos pedidos relativosa tal período e julgar PROCEDENTES,EM PARTE, os pedidos constantes dainicial, condenando-se a reclamada,ACE - ESCOLA DE LÍNGUAS LTDA., apagar à reclamante, ADRIANA MARIADA SILVA GOULART, conforme forapurado em liquidação de sentença, porsimples cálculo e na forma dosfundamentos retro que integram odecisum para todos os efeitos legais, osseguintes títulos: aviso prévio; umperíodo de férias integrais simples,acrescidas do terço constitucional,relativas a 2002/2003; 7/12 de 13ºsalário proporcional; multa do § 8º doartigo 477 da CLT e o valor deR$15.000,00 (quinze mil reais) a títulode indenização por danos morais.

Juros ex vi legis e correçãomonetária com índices do mês dovencimento da obrigação.

A reclamada deverá retificar aCTPS da reclamante para constar comodata de saída 07.08.2003, sob pena dea Secretaria do Juízo o fazer, com ofícioà DRT, bem como comprovar nos autoso recolhimento das contribuiçõesprevidenciárias incidentes sobre operíodo retificado e as verbas denatureza salarial, nos termos dalegislação vigente.

Deverá a reclamada, ainda,proceder a liberação das guias CD/SDà reclamante, pena de indenizaçãosubstitutiva, caso a reclamante,preenchendo todos os requisitos paraobtenção do benefício do seguro-desemprego, não o receba por culpaexclusiva da reclamada.

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Ficam autorizados os descontosprevidenciários e fiscais, devendo areclamada comprovar nos autos orecolhimento das parcelas sob suaresponsabilidade, com observância aodisposto na Emenda Constitucional n.20/98, bem como do IRRF, sob pena deexecução quanto àqueles e ofícioquanto aos últimos.

Nos termos da EC n. 45/04,determino a intimação da DRT, comcópia desta, para informar ao juízo, noprazo de 10 (dez) dias improrrogáveis,

as infrações cometidas pela reclamadaà legislação trabalhista e os respectivosvalores para cobrança judicial.

Deferidos à autora os benefíciosda justiça gratuita.

As custas processuais deR$339,20, calculadas sobreR$16.960,00, valor arbitrado àcondenação, serão suportadas pelareclamada.

Cientes as partes, nos termos daSúmula n. 197 do Colendo TST.

Nada mais, encerrou-se.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01110-2005-047-03-00-9Data: 19.09.2005DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE ARAGUARI - MGJuiz Substituto: Dr. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO

Autor: Procuradoria da Fazenda NacionalRéu: Santa Lúcia Indústria e Comércio de Carnes Ltda.

Partes ausentes.Vistos, etc.

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL

RELATÓRIO

SANTA LÚCIA INDÚSTRIA ECOMÉRCIO DE CARNES LTDA.apresentou embargos à execuçãofiscal de dívida ativa alegando que odébito é originário de processoadministrativo relativo à cobrança demulta por infração trabalhista (artigo 41da CLT). Aduz que o exeqüente, para acobrança dos valores devidos, utilizoua famigerada “taxa SELIC” para aapuração dos juros moratórios, o quenão pode prosperar, em face doprincípio da legalidade tributária;ademais, esta taxa não pode seraplicada como juros moratórios emfunção de sua natureza remuneratóriae existe, no ordenamento jurídico

pátrio, proibição expressa quanto àcapitalização de juros. Este é, em brevesíntese, o relatório.

FUNDAMENTOS

I. Juízo de admissibilidade

Trata-se de ação de execuçãofiscal oriunda da Justiça Comum, emface da ampliação da competência daJustiça do Trabalho, por força da EC n.45/2004. A execução encontra-segarantida pelo bem indicado às f. 43/47, livre e desembaraçado de qualquerônus. A União Federal concordou como bem indicado pela executada (f. 48).Assim, conheço da medida, porqueprópria e tempestiva.

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II. Mérito

a) Princípio da legalidadetributária

Aduz a embargante a existênciade flagrante ilegalidade einconstitucionalidade, diante dautil ização da taxa SELIC para aapuração dos juros moratórios.

Sem razão, no entanto. A taxaSELIC (Sistema Especial de Liquidaçãoe Custódia) é utilizada na movimentaçãoe troca de custódia dos títulos públicosfederais. Trata-se de mecanismoeletrônico criado para simplificar ocontrole diário da custódia, liquidaçãoe operação de títulos da dívida pública.Seu índice é definido por circular emitidapelo COPOM (Comitê de PolíticaMonetária do Banco Central), o que lheconfere instrumentalidade político-monetária, eis que seus índices sofremvariação nos moldes da necessidade demercado.

Diante desta característica,ainda existem debates jurídicos sobresua aplicação em caso de inadimplênciaquanto às relações com a FazendaNacional, já que, segundo alegam,haveria violação a princípio basilar a serobservado nos reajustes fiscais, qualseja, o da legalidade tributária.

O SELIC foi criado pelaResolução n. 1.124/86, do ConselhoMonetário Nacional. A sua definição foidada pelo Banco Central através dascirculares n. 2868/99 e 2900/99,rendimento definido pela taxa médiaajustada dos financiamentos diáriosapurados no Sistema Especial deLiquidação e Custódia, calculado sobreo valor nominal e pago no resgate dotítulo.

A embargante aduz que o SELICnão foi criado por lei, não podendo, poristo, ser aplicado aos contribuintes, sob

pena de violar o artigo 150 daConstituição Federal. As suasalegações são as mesmas utilizadaspela corrente que insiste em impugnara constitucionalidade do SELIC,reportando-se ao princípio da legalidadetributária, inserto em referido dispositivoconstitucional, in verbis:

Art. 150 Sem prejuízo de outrasgarantias asseguradas aocontribuinte, é vedado à União,aos Estados, ao Distrito Federale aos Municípios:I. exigir ou aumentar tributo semlei que o estabeleça.

Extrai-se do texto constitucionalque à lei ordinária, apenas e tão-somente, é dada a possibilidade decriação ou aumento de tributos.

No entanto, o SELIC não seconfigura como espécie de tributo, umavez que não se trata de imposto, taxaou contribuição de melhoria, conformedisposição contida no artigo 5º doCódigo Tributário Nacional. E, assim osendo, o SELIC está excluído daabrangência do princípio da legalidadetributária.

Poder-se-ia questionar que oSELIC encontra-se no conceito de taxa,o que também não pode prevalecer, ateor do que dispõe o artigo 77 do CTN,in verbis:

As taxas cobradas pela União,pelos Estados, pelo DistritoFederal ou pelos Municípios, noâmbito de suas respectivasatribuições, têm como fatogerador o exercício regular dopoder de polícia, ou a utilização,efetiva ou potencial, de serviçopúblico específico e divisível,prestado ao contribuinte ou postoà sua disposição.

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Esclareça-se que,diferentemente dos impostos, cujacaracterística marcante é adesvinculação da receita a umafinalidade determinada, a taxa é o tributovinculado por excelência, sendo devidopelo contribuinte em caso decontraprestação por parte do enteestatal que a instituiu.

A própria Constituição Federal,em seu artigo 145, inciso II, conceitua ataxa como espécie do gênero tributo eratifica, de forma clara e transparente,a sua vinculação a uma contraprestaçãode serviço público ou em decorrênciado poder de polícia, inexistindo outrasmodalidades de taxa em nosso Estado(lato sensu).

Ademais, ainda que fossepossível enquadrar o SELIC nodispositivo acima, continuaria nãohavendo violação ao princípio dalegalidade, já que há regulaçãoexpressa para sua utilização no âmbitofiscal.

Outro argumento que carece derespaldo é a alegação de que o SELICmajora o tributo, por modificar sua basede cálculo, conforme apregoa o § 1º doartigo 97 do CTN. No entanto, a simplesleitura do § 2º do mesmo dispositivolegal esclarece que:

Não constitui majoração detributo, para os fins do dispositivono inciso II deste artigo, aatualização do valor monetárioda respectiva base de cálculo.

Denota-se que os juros ecorreção monetária tentam resgatar osvalores que deveriam ter sido pagos emépoca própria, se adimplida a obrigaçãotributária por parte do agente ativo.Prejudicados os valores pelo decursotemporal, em decorrência exclusiva damora do contribuinte inadimplente,

torna-se necessário resguardar o direitodo Estado de receber os respectivosvalores devidamente atualizados.

Portanto, a oscilação dopercentual aplicado ao SELIC não seconfigura em majoração de tributo, massimples ressarcimento de valores,trazendo para os dias atuais a intençãodo legislador de 1966.

b) Aplicação das Leis n. 9.065/95e 9.250/95 - Confronto com o artigo 146da CF - Recurso Especial n. 215.881/PRdo Superior Tribunal de Justiça -Natureza remuneratória do índiceSELIC

Não assiste razão aoembargante quanto à violação depreceito constitucional constante doartigo 146 da Constituição Federal, emface da implementação das Leis n.9.065/95 e 9.250/95, senão vejamos.

Ressalte-se que a Lei n. 9.065/95 apenas trouxe nova redação a certosdispositivos da Lei n. 8.981/95. Dispõeo § 4º do artigo 39 da Lei n. 9.250/95, inverbis:

A partir de 1º de janeiro de 1996,a compensação ou restituiçãoserá acrescida de jurosequivalentes à taxa referencialdo Sistema Especial deLiquidação e de Custódia -SELIC para títulos federais,acumulada mensalmente,calculados a partir da data dopagamento indevido ou a maioraté o mês anterior ao dacompensação ou restituição e de1% relativamente ao mês em queestiver sendo efetuada.

Inexiste suporte jurídico para aalegação de que o índice SELIC deveriaser adotado, apenas, nas hipóteses de

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compensações e restituições aocontribuinte. No entendimento destejuízo, a sua aplicação também se dá na“via contrária”, ou seja, no ressarcimentodo erário público.

O embargante cita comoargumento a seu favor o voto do MinistroDOMINGOS FRANCIULLI NETO, doSTJ, no Recurso Especial n. 215.881/PR, que discorda da aplicação do índiceSELIC em face do confronto com o § 1ºdo artigo 161 do CTN, que prevê outracorreção. Diga-se que o ilustre jurista,ao que se pode perceber, tem sidonaquela Corte o mais ardente defensorda ilegalidade de aplicação da SELICcomo índice de correção a favor doFisco.

No entanto, a transcrição do votoda Subprocuradora Geral da República,YEDDA DE LOURDES PEREIRA, nomesmo recurso, traduz, de formaconcisa, a opinião dominante dedoutrinadores e jurisprudência, in verbis:

A inconstitucionalidadedo § 4º do artigo 39 da Lei 9.250,de 26.12.1995, que enseja aaplicação da Taxa Selic àcompensação ou restituição detributos seria, em resumo, formale material. Tenta-se aplicar osprincípios que regem os tributosà Taxa Selic, como se ela fossedessa espécie.

Tributo, a toda evidência,são impostos, taxas econtribuição de melhoria, decompetência concorrente daUnião, Estados e Municípios,com iniciativa privativa doPresidente da República,Governadores e Prefeitos (arts.24, I, e 145, § 1º, da CF). Taxade juro é índice que tem suacriação sem o rigorismo exigidopara os tributos, com respeito

rígido apenas aos princípios dalegalidade e anterioridade.

Se os dispositivos, aodisporem sobre a competência einiciativa para criação de tributos,não condicionaram a atividadelegislativa à lei complementar,deixando-a à legislação ordinária,como fazer tal exigência para afixação de taxa de juros?

A resposta é dada peloartigo 146 da Constituição,quando discrimina as hipótesesde exigência obrigatória de leicomplementar.

Estas hipóteses se limitama:- dispor sobre conflitos decompetência;- limitações constitucionais aopoder de tributar;- normas gerais em matéria delegislação tributária.

Em relação ao últimoitem, estabelece o que deveintegrar as normas gerais emmatéria de legislação tributária e,em nenhum momento,condicionou a criação detributos, de índices inflacionáriosou de juros à lei complementar.

Roque Carraza, com suaautoridade, ao falar sobre criaçãode tributos, oportunamentedeclarou:

Para afugentarmos, desdejá, possíveis dúvidas, ébom dizermos que criarum tributo é descreverabstratamente suahipótese de incidência,seu sujeito ativo, seusujeito passivo, sua basede cálculo e sua alíquota.Em súmula: é editar,pormenorizadamente, a

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norma jurídica tributária.Esta norma, por injunçãodo princípio da legalidade,repitamos, há que sersempre veiculada pormeio da lei ordinária.

Juros são apenas osfrutos acessórios da utilização doprincipal, que é o capital alheio,e a este se agregam (arts. 59 e60 CC, 293 CPC e Súmula 254STF). Pontes de Miranda, aoabordar os juros, afirmou:

Dois elementos conceituaisdos juros são o valor daprestação, feita ou a serrecebida, e o tempo emque permanece a dívida.Daí o cálculo percentualou outro cálculo adequadosobre o valor da dívida,para certo trato de tempo.É o fruto civil do crédito.No plano econômico,renda do capital.

Como se pode constatar,o critério de fixação de juros élivre, podendo fugir ao cálculopercentual.

A sapiência de seusesclarecimentos vai de encontro aopensamento dominante que, nos casosde compensação e restituição detributos em favor do contribuinte, o Fiscoobserva esta verdadeira “indenização”,no entanto, quando ocorre a viacontrária, por que haveria ilicitude emressarcir ao Estado a obrigaçãotributária não satisfeita em épocaprópria? Acresça-se que o Estado/Fiscoestá sujeito às mesmas arbitrariedadesda política econômica, da mesma formaque o contribuinte individual.

Ademais, a legislação obriga queo Estado restitua os valores devidos aocontribuinte, devidamente corrigidospela taxa SELIC, não se podendo exigirtratamento desigual quando ocontribuinte é o devedor, sob pena deviolação ao princípio da isonomia.Corroborando a posição adotada poreste juízo, as seguintes decisões, in

verbis:

TRIBUTÁRIO. AGRAVOREGIMENTAL. AGRAVO DEINSTRUMENTO. DÉBITOFISCAL. JUROS DE MORA.APLICAÇÃO DA TAXA SELIC.LEI N. 9.250/95.PRECEDENTES. 1. Ajurisprudência da Primeira Seçãopacificou-se no sentido de quesão devidos juros da taxa SELICem compensação de tributos emutatis mutandis, nos cálculosdos débitos dos contribuintespara com a Fazenda PúblicaEstadual e Federal. 2. Aliás,raciocínio diverso importariatratamento anti-isonômico,porquanto a Fazenda restariaobrigada a reembolsar oscontribuintes por esta taxa SELIC,ao passo que, no desembolso oscidadãos exonerar-se-iam dessecritério, gerando desequilíbrionas receitas fazendárias. 3.Destarte, “Não se conhece derecurso especial peladivergência, quando a orientaçãodo Tribunal se firmou no mesmosentido da decisão recorrida.”Súmula 83/STJ. 4. Agravoregimental improvido.(Agravo Regimental no Agravo deInstrumento n. 2004/0073404-3,Relator: Ministro Luiz Fux, 1ªTurma, data do julgamento16.08.2005, DJ 12.09.2005, p. 211)

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TRIBUTÁRIO. EMBARGOS ÀEXECUÇÃO FISCAL. MASSAFALIDA. EXIGÊNCIA DOENCARGO LEGAL DO DL1.025/69. TAXA SELIC.POSSIBILIDADE. 1. Nasexecuções fiscais propostas pelaUnião, o acréscimo legalinstituído pelo DL 1.025/69 ésempre devido, substituindo, nosembargos, os honoráriosadvocatícios (Súmula 168/TFR),e destinando-se ainda a custearas despesas associadas àarrecadação da dívida ativafederal, nos termos do art. 3º daLei 7.711/88. 2. É legítima autilização da taxa SELIC comoíndice de correção monetária e dejuros de mora, na atualização doscréditos tributários. Precedentes:AGRESP 671494/RS, 1ª Turma,Min. Luiz Fux, DJ de 28.03.2005;RESP 547283/MG, 2ª Turma, Min.João Otávio Noronha, DJ de01.02.2005. 3. Recurso especiala que se nega provimento.(REsp 641193-PR; RecursoEspecial 2004/0023774-2,Ministro Teori Albino Zavascki(1124), 1ª Turma, data do

julgamento 18.08.2005, DJ05.09.2005 p. 228)

c) Anatocismo

A utilização do índice SELIC, aocontrário das alegações contidas nospresentes embargos, não constituicobrança de juros sobre juros. Legítimaé a utilização deste índice para aatualização dos débitos perante a UniãoFederal, conforme recentes decisões doSuperior Tribunal de Justiça, acimatranscritas.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, nos termos dafundamentação supra, a Vara doTrabalho de Araguari resolve julgarIMPROCEDENTES os EMBARGOS ÀEXECUÇÃO DE DÍVIDA ATIVAapresentados pela executada SANTALÚCIA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DECARNES LTDA.

Custas processuais no importede R$44,26, de responsabilidade daexecutada, nos termos do inciso V doartigo 789-A da CLT, conforme previsãocontida na IN 27/2005 do TST. Intimem-se as partes. Nada mais.