astronomia da Índia antiga

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Astronomia e Matemática Durante o período védico, que durou aproximadamente do século XV a.C. até o século XI d.C., fez-se alguma observação do céu, e o universo foi dividido em três regiões distintas (a Terra, o firmamento estrelado e o céu), cada qual submetida, por sua vez, a três subdivisões. A trajetória do Sol foi descrita, provavelmente, como fizeram os chineses, observando-se as estrelas que estavam ao sul à meia-noite e, portanto, em oposição ao Sol, ao passo que também se observava a Lua e se elaboravam calendários com base nos movimentos desses dois astros. Parece ter havido duas formas de calcular o mês: uma contando de lua nova a lua nova, a outra, de lua cheia a lua cheia. Então, por volta de 1000 a.C., passou-se a usar um ano de 360 dias, dividido em 12 meses de 27 ou 28 dias: isso levando-se em consideração que devem ter observado essa trajetória da Lua contra o fundo formado pelas estrelas (27, 32 dias). Na verdade, 12 x 27 dá um total que é 36 dias menor que o ano de 360 dias, mas se o cálculo é feito entre duas luas cheias (ou novas), seria mais apropriado um mês de 30 dias, correspondendo ao período de 360 dias. Os hinos védicos dão os dois valores (27 e 28), mas parece que o período foi sendo alterado com o passar dos anos, pois em 100 a.C. um texto védico "a respeito das luminárias" refere-se também ao mês "teórico" de 30 dias. Mesmo assim, isso daria um calendário 5,25 dias mais curto que o ano solar, e os hindus vedas tinham dois métodos para lidar com ele: ou adicionar um mês extra a intervalos regulares ou somar cinco ou seis dias a um ou mais meses. Tentaram ambos, e por fim adotaram a primeira alternativa. Ao que tudo indica, os planetas não exerciam muita atração sobre os hindus, mas há algo intrigante a respeito deles. Cinco plane- tas brilhantes são visíveis a olho nu, mas os hindus imaginavam que havia ainda dois outros "corpos", Rahu e Ketu, que introduziram como responsáveis pelos eclipses solares. Uma vez

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Astronomia e Matemtica

Durante o perodo vdico, que durou aproximadamente do sculo XV a.C. at o sculo XI d.C., fez-se alguma observao do cu, e o universo foi dividido em

trs regies distintas (a Terra, o firmamento estrelado e o cu), cada qual submetida, por sua vez, a trs subdivises. A trajetria do Sol foi descrita,

provavelmente, como fizeram os chineses, observando-se as estrelas que estavam ao sul meia-noite e, portanto, em oposio ao Sol, ao passo que tambm

se observava a Lua e se elaboravam calendrios com base nos movimentos desses dois astros.

Parece ter havido duas formas de calcular o ms: uma contando de lua nova a lua nova, a outra, de lua cheia a lua cheia. Ento, por volta de 1000 a.C.,

passou-se a usar um ano de 360 dias, dividido em 12 meses de 27 ou 28 dias: isso levando-se em considerao que devem ter observado essa trajetria da

Lua contra o fundo formado pelas estrelas (27, 32 dias). Na verdade, 12 x 27 d um total que 36 dias menor que o ano de 360 dias, mas se o clculo

feito entre duas luas cheias (ou novas), seria mais apropriado um ms de 30 dias, correspondendo ao perodo de 360 dias. Os hinos vdicos do os dois valores

(27 e 28), mas parece que o perodo foi sendo alterado com o passar dos anos, pois em 100 a.C. um texto vdico "a respeito das luminrias" refere-se tambm

ao ms "terico" de 30 dias. Mesmo assim, isso daria um calendrio 5,25 dias mais curto que o ano solar, e os hindus vedas tinham dois mtodos para lidar

com ele: ou adicionar um ms extra a intervalos regulares ou somar cinco ou seis dias a um ou mais meses. Tentaram ambos, e por fim adotaram a primeira

alternativa.

Ao que tudo indica, os planetas no exerciam muita atrao sobre os hindus, mas h algo intrigante a respeito deles. Cinco plane- tas brilhantes so visveis

a olho nu, mas os hindus imaginavam que havia ainda dois outros "corpos", Rahu e Ketu, que introduziram como responsveis pelos eclipses solares. Uma vez

que tais eclipses s ocorrem quando o Sol est em um ponto em que sua rbita aparente (a eclptica) cruza a rbita da Lua, considerava-se que Rahu e Ketu

se localizavam, presumivelmente, nesses pontos, embora o significado preciso dos termos seja difcil de determinar, de vez que a palavra "Ketu" tambm

utilizada para se referir a fenmenos incomuns como cometas e meteoros.

As estrelas igualmente no encantavam os astrnomos da ndia antiga, eles no preparavam catlogos de estrelas, como fizeram gregos e chineses, e parecem

ter encarado as estrelas apenas como um guia para os movimentos do Sol e da Lua, dos quais precisavam, naturalmente, para a confeco do calendrio. Assim,

as estrelas que despertavam seu interesse eram as que se localizavam ao longo da eclptica, e estas eles dividiram em 28 naksatras, cada qual com o comprimento

de cerca de 13 graus. Entretanto, apesar dessa concepo utilitria, reconheciam alguns grupos de estrelas e batizaram algumas das estrelas mais brilhantes

- por exemplo, as Pliades, Castor e Plux, Antares, Vega e Espiga.

Os pontos de vista mencionados at agora foram modificados pelos jainistas. Eram os seguidores do jainismo, religio fundada no sculo VI a.C. por Vardamana

Maavira, como protesto contra o antigo ritual ortodoxo vdico. Tinha por finalidade o aperfeioamento da natureza humana, principalmente por meio de uma

vida monstica e asctica, rejeitava a idia de um deus criador e pregava que no se deveria ferir qualquer criatura viva. Religio dualista, via a realidade

constituda de duas entidades e, na astronomia, seus seguidores pensavam em dois sis, duas luas e dois conjuntos de naksatras; segundo essa crena, nosso

planeta era visto como uma srie de anis concntricos constitudos de terra, separados por anis concntricos de oceanos. O crculo mais interior, ou

Jambudvipa, era dividido em quatro quartos, tendo ao centro a sagrada montanha Mero; a ndia era o quarto mais ao sul, e considerava-se que o Sol, a Lua

e as estrelas seguiam trajetos circulares em torno da montanha Mero, como ponto piv, e moviam-se paralelamente Terra. Teoricamente, o Sol devia prover

a luz do dia a cada quarto, sucessivamente, mas, uma vez que o dia durava 12 horas, ele s podia cobrir dois dos quartos a cada 24 horas. Por essa razo,

eram necessrios dois sis, duas luas e dois conjuntos de estrelas.

Para que no se imagine que toda a astronomia indiana antiga tenha sido, de certo modo, vaga e imprecisa, e que o clculo do calendrio era tudo o que

interessava aos seus astrnomos, deve-se enfatizar que eles manifestaram interesse em aplicar medidas e mtodos numricos ao cu. No fim do sculo V a.C.,

quando a dinastia persa dos Aquemnidas controlava o noroeste da ndia, a astronomia e a literatura mesopotmicas fluram para o pas. No sculo II d.C.,

houve um influxo da astrologia grega e, mais tarde, chegaram outros materiais astronmicos gregos (alexandrinos) , isso fornecendo tabelas de posies

planetrias para serem desenhadas e uma teoria planetria grega para ser trabalhada, enquanto se faziam tentativas de medir os tamanhos e as distncias

tanto do Sol quanto da Lua. Essa concepo mais matemtica desenvolveu-se fortemente do sculo VI em diante, e sua personagem mais importante parece ter

sido Ariabata I, que nasceu em 476 e trabalhou na regio de Parma. ( conhecido como Ariabata I para que possamos distingui-lo de outro astrnomo, Ariabata

II, que viveu no fim do sculo X e princpio do sculo XI.) As tentativas de Ariabata I de fazer suas medidas parecem ter sido baseadas nos mtodos de

Hiparco e eram, presumivelmente, derivadas do Almagesto. Os valores que ele obteve no eram muito diferentes, sendo um pouco grandes para a Lua, mas muito

menores para o Sol - na verdade bastante pequenos, na ordem de quase 28 vezes -, e at algumas medidas feitas mais tarde por Bascara II, que nasceu cerca

de seiscentos anos depois de Ariabata, ainda apresentavam erros; de fato, no eram to exatos quanto os de Ariabata em relao Lua, embora seus erros

com respeito ao Sol tenham sido apenas dezenove vezes menores. Novamente, o esquema de Ptolomeu para o movimento planetrio foi adotado durante os primeiros

sculos depois que o Almagesto foi escrito, embora Ariabata I tenha lanado a idia de uma Terra em rotao.

Os instrumentos de observao usados pelos astrnomos hindus eram aqueles utilizados em toda a Antiguidade: o gnmon, os crculos e meios crculos para

se achar as distncias dos corpos celestes acima do horizonte e ao longo da eclptica, a esfera armilar e os relgios de gua - embora eles tenham adotado

o astrolbio e os instrumentos gigantes, construdos em alvenaria, que herdaram, mais tarde, dos astrnomos muulmanos. Nas tcnicas de observao, por-

tanto, no apresentaram grandes inovaes; na verdade, os belos e famosos observatrios equipados com instrumentos de alvenaria construdos em Deli e Jaipur,

sob a orientao de Jai Singh, no sculo XVIII, eram, at certo ponto, anacrnicos. Eles seguiram uma tradio com mais de trs sculos de existncia e

no acompanharam as medies celestes europias que usavam telescpios, as quais ofereciam maior preciso do que as obtidas com instrumentos de alvenaria,

por maiores que fossem.

Outro aspecto da astronomia hindu que merece pelo menos breve meno foi sua preocupao com os ciclos de longa durao. Um deles era o mahayuga, um perodo

de 4 320 000 anos; quatro vezes 1 080000, o menor nmero de anos que contm um nmero inteiro de dias civis,

supondo-se que o ano tenha a durao de 365,25874 dias. (Isso se aproxima do nmero moderno de 365,25964 dias para o ano medido do ponto da rbita terrestre

mais prximo do Sol e retomando ao mesmo ponto). Mais tarde, Ariabata I usou o valor de 1 728000 para o que conhecido como a Idade

de Ouro, 1296000 anos para a Idade de Prata, enquanto a metade e um quarto da Idade de Ouro dava como resultado outros ciclos. Considerava-se

que o ltimo desses perodos, 432000 anos - a Idade de Ferro -, teria comeado a 17 ou 18 de fevereiro de 3102 a.C., quando os planetas estavam todos em

conjuno (juntos no cu); esse perodo era visto como um ciclo ao fim do qual os planetas estariam novamente em conjuno.

Os budistas tambm usavam ciclos longos de tempo, indicando perodos para a destruio e o renascimento cclicos do universo. Concebiam tambm uma pluralidade

de universos, cada qual construdo no padro do babilnico: a Terra circundada por um oceano alm do qual havia uma cadeia de montanhas que suportavam

o cu. Mas, quer os ciclos fossem budistas ou hindus, envolviam nmeros muito grandes, e sua escrita e manuseio eram um dos requisitos que o astrnomo

indiano exigia da matemtica.

A matemtica indiana era, em grande medida, numrica e algbrica, tal como a chinesa, embora se tenha feito algum trabalho em geometria, principalmente

sobre os volumes de vrios slidos. No princpio, a matemtica indiana era puramente prtica; pesos e medidas eram regularizados em Mohenjo-Daro, e presumivelmente

todas as cidades da cultura de Harappa tinham semelhante - se no a mesma - padronizao. Os primeiros numerais escritos que usaram foram traos verticais

reunidos em grupos, mas essas "varetas de contagem" no pareciam apresentar uma mudana sistemtica nas dezenas, embora a contagem em dezenas tenha sido

certamente adotada pelos hindus vdicos. Eles tinham palavras especficas para nmeros muito grandes - at 1012 ou 1 milho de milhes -, dando aos mltiplos

maiores do que isso mais de uma palavra, tal como acabamos de fazer ao descrever 1012. Entretanto, jainistas e budistas usavam nmeros ainda maiores, e

termos especiais eram encontrados para 1029 e 1053, pois estes nmeros estavam ligados ao renascimento cclico do universo.

Mais uma vez como os chineses, os hindus pareciam no ter dificuldades com nmeros irracionais, e calculavam as razes quadradas de 2 e 3 com certo nmero

de casas decimais; estavam, naturalmente, bem cientes de que seus valores no eram exatos. Os matemticos hindus tambm conheciam a relao entre a diagonal

do quadrado e seus lados; em outras palavras, estavam familiarizados com a relao pitagrica entre os lados do tringulo retngulo. Afirma-se tambm que

conheciam os binmios e os coeficientes que surgiam e eram capazes de escrev-Ios, usando slabas curtas e longas, desde o sculo III a.C. Diz-se tambm

que desde essa poca conheciam o tringulo de Pascal, mas no parece haver qualquer texto que mostre isso diagramaticamente, e assim o pioneirismo em relao

ao tringulo - se no tambm no reconhecimento do padro dos coeficientes - ainda pertence aos chineses.

Da mesma forma que a astronomia hindu, sua matemtica tambm conheceu grande progresso nos sculos VI e subseqentes. Como dissemos no captulo anterior,

por volta dessa poca os hindus tinham um sinal para o zero, embora provavelmente no o tenham inventado, realmente. Foi introduzi da a notao do valor

decimal, e os nmeros snscritos tomaram uma forma muito conveniente, prxima do nosso modo atual de escrever nmeros. Os numerais hindus foram adotados

na matemtica muulmana por AI Khwarizmi, no sculo IX d.C., e trezentos anos depois penetraram na Europa, quando Adelardo de Bath comeou a traduzir trabalhos

rabes para o latim; foi por essa razo que se tornaram conhecidos como numerais arbicos, embora sua origem tenha sido, realmente, hindu. Uma srie de

notveis matemticos trabalhou durante esse tempo, especialmente Ariabata I e Bramagupta, que viveu um sculo depois dele. Ariabata calculou o valor de

7T at a quarta casa decimal e preparou tabelas de cordas e arcos do crculo para linhas inclinadas sobre outras de diferentes graus. Elas eram teis particularmente

nos clculos astronmicos, embora, com o posterior desenvolvimento da trigonometria pelos rabes, viessem a ser substitudas por valores mais convenientes,

como senos, co-senos e tangentes, empregadas ainda hoje. Ariabata e seus sucessores tambm se ocuparam das relaes entre tringulos traados em uma esfera,

mais do que em uma superfcie plana, e chegaram perto da trigonometria esfrica.

Bramagupta produziu uma quantidade considervel de trabalhos matemticos, e talvez seja o mais conhecido de todos os matemticos hindus. Seus principais

estudos so as regras para encontrar o volume do prisma, para calcular figuras de quatro lados inscritas e circunscritas em crculos e, acima de tudo,

sua soma de sries. Em relao ltima, preparou regras para achar os totais das somas de nmeros quadrados e cbicos e a soma de qualquer nmero de termos

de uma progresso aritmtica simples em que o primeiro termo seja 1 (por exemplo, uma progresso como 1,2,3,4,5.. .). Assim, no importa o nmero de termos,

Bramagupta elaborou a frmula para se calcular o valor caso se conheam o primeiro e o ltimo termos, e a diferena entre um termo e o seguinte.

Os matemticos hindus tinham uma inclinao pelos nmeros, mais que pelas formas, pela aritmtica e pela lgebra, mais que pela geometria, e a astronomia

hindu preocupava-se principalmente com os resultados prticos do trabalho terico de seus astrnomos. Necessitava-se de tabelas para determinar o calendrio

e para a astrologia. Com tal objetivo, no seria, talvez, motivo de surpresa que no se tenha feito qualquer descoberta deslumbrante. O que se fez foi

com- pilar e modificar o conhecimento astronmico recebido de outras civilizaes e, no momento oportuno, pass-lo para o islamismo, onde lhe foi dado

um uso significativo.

in Ronan, C. Histria Ilustrada da Cincia de Cambridge. Rio de janeiro: Zahar, 1986.

Astronomia da ndia antiga

http://indologia.blogspot.com/2008/04/astronomia-e-matemtica.html