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1 Assunto 03 – Dinâmica da matéria orgânica e de nutrientes 1. Origem e constituição da matéria orgânica do solo A matéria orgânica do solo é o produto da acumulação de resíduos de plantas e animais parcialmente decompostos e parcialmente ressintetizados. Esses materiais estão em estado ativo de decomposição, sendo submetidos ao ataque contínuo de microrganismos. Assim, grande parte tem caráter transitório e são continuamente renovados pela adição de resíduos animais e vegetais. A matéria orgânica é composta por C, O e H, sendo complementada por outros elementos: N, P e S, sendo os dois primeiros (C e N) os elementos de maior destaque, principalmente pela produção de energia devido a quebra de ligações dos compostos de carbono (C---H) e a síntese protéica. A fonte primária de matéria orgânica é a fotossíntese, através da equação básica: energia luminosa 6 CO 2 + 6H 2 6C(H 2 O) + 6O 2 plantas verdes (clorofila a) compostos orgânicos Os compostos orgânicos produzidos pela fotossíntese podem retornar diretamente ao solo na forma de resíduos culturais ou por animais e seus excrementos, após passarem pela cadeia alimentar dos seres heterotróficos em seus diversos estágios. Na incorporação ao solo de C, N, S, e P, estes resíduos precisam ser decompostos através de reações que dependem da atividade biológica essencialmente. O carbono orgânico total dos solos é igual ao originário da fração da matéria orgânica do solo e o inorgânico presente em minerais, como a dolomita e calcita, por exemplo.

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Assunto 03 – Dinâmica da matéria orgânica e de nutrientes 1. Origem e constituição da matéria orgânica do solo A matéria orgânica do solo é o produto da acumulação de resíduos de plantas e animais parcialmente decompostos e parcialmente ressintetizados.

Esses materiais estão em estado ativo de decomposição, sendo submetidos ao ataque contínuo de microrganismos. Assim, grande parte tem caráter transitório e são continuamente renovados pela adição de resíduos animais e vegetais. A matéria orgânica é composta por C, O e H, sendo complementada por outros elementos: N, P e S, sendo os dois primeiros (C e N) os elementos de maior destaque, principalmente pela produção de energia devido a quebra de ligações dos compostos de carbono (C---H) e a síntese protéica.

A fonte primária de matéria orgânica é a fotossíntese, através da equação básica: energia luminosa 6 CO2 + 6H2 6C(H2O) + 6O2

plantas verdes (clorofila a) compostos orgânicos

Os compostos orgânicos produzidos pela fotossíntese podem retornar diretamente ao solo na forma de resíduos culturais ou por animais e seus excrementos, após passarem pela cadeia alimentar dos seres heterotróficos em seus diversos estágios.

Na incorporação ao solo de C, N, S, e P, estes resíduos precisam ser decompostos através de reações que dependem da atividade biológica essencialmente.

O carbono orgânico total dos solos é igual ao originário da fração da matéria orgânica do solo e o inorgânico presente em minerais, como a dolomita e calcita, por exemplo.

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A maior parte do carbono orgânico que está no solo é aquela proveniente dos resíduos de plantas (parte aérea + raízes). Os tecidos das plantas apresentam, em média, 58% de C com base no peso seco. Estas proporções levam ao fator de 1,721 para a transformação dos teores de carbono orgânico e vice-versa.

Há uma variação muito grande dos teores de matéria orgânica nos

solos: de < 0,1%, nos solos desérticos, até 100% nos solos orgânicos. 2. Importância da matéria orgânica do solo A importância da matéria orgânica do solo pode ser estabelecida a partir da distribuição das quantidades de carbono nos diferentes reservatórios. Quadro 1. Quantidade de carbono em diferentes reservatórios da superfície

terrestre Reservatório Qtidade de C (x 1014 kg)

Superfície da terra CO2 atmosférico 7,0 Biomassa 4,8 H2O (rios, lagos...) 2,5 Mar 5,8 Matéria orgânica do solo 30 – 50 Profundidade de 16 km Detritos orgânicos marinhos 30 Carvão e petróleo 100 Carbono solúvel no fundo do mar 345 Sedimentos 200.000

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As pesquisas relativas a matéria orgânica, na sua grande maioria, referem-se a utilização de diferentes fontes, incorporação de adubos verdes e alguns de seus efeitos no solo, na grande maioria, a partir da avaliação do conteúdo total de carbono no solo.

Em adição aos aspectos quantitativo, as tendências atuais apontam que, com o uso de técnicas sofisticadas, a qualidade e a localização dos estoques de carbono são importantes nos estudos de dinâmica da matéria orgânica do solo. É necessário entender por que, sob diferentes condições de manejo, solos com o mesmo conteúdo de carbono orgânico, porém constituídos de compostos diferenciados e localizados em reservatórios diferentes apresentam também comportamentos diferentes.

A perda da matéria orgânica do solo é uma medida de degradação do ecossistema, podendo ser utilizada como critério para avaliação da sustentabilidade.

Como exemplo, têm-se os dados comparativos de carbono orgânico, em sistemas de cultivo intensivo e irrigado no município de São Benedito- CE (Figura 2), comprovando a perda de matéria orgânica e de nutrientes.

Figura 1. Vistas parciais das áreas de cultivo irrigado de olerícolas

(cenoura e beterraba) da Associação de Horticultores do Pivot Central e pastagem da Fazenda Amway Nutrilite, localizadas no município de São Benedito – CE.

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02468

10121416

0-2 2-5 5-10 10-15 15-20 20-30 30-50Profundidade, cm

CO

, g k

g-1

Pivot nativa Pastagem Pivot Past. nativa

Figura 2. Teores de carbono orgânico total das áreas sob cultivo irrigado de olerícolas (cenoura e beterraba) e pastagem da Fazenda Amway Nutrilite e sob vegetação nativa, pertencentes, respectivamente, à Associação de Horticultores do Pivot Central e Fazenda Amway Nutrilite Ltda, em diferentes profundidades de coleta, no município de São Benedito-CE.

Pelo gráfico e nas profundidades de 0-2 e 2-5 cm, há uma diferença

de 6% e 4%, respectivamente, entre os teores de carbono orgânico da condição sob vegetação nativa e pivot central. Considerando-se uma média de 5% (5g 100g de solo-1) de carbono orgânico em 1 hectare e a densidade do solo de 1,3 g cm-3, tem-se em 650 x 106 g de solo, tem-se uma perda de 32,5 t de carbono orgânico ha-1 e, conseqüentemente, 56,0 t de matéria orgânica ha-1 (32,5 x 1,728).

Na área de estudo, um pivot central com área total de 100 ha, teve-se

uma perda total de 3.250 t de carbono orgânico ou 5.603 t de matéria orgânica. Ao custo de R$300,00 t-1 de um composto orgânico comercial, a perda de 5% de carbono orgânico nos 5 cm superficiais da área considerada, significa a perda de R$1.680.900,00. A figura 2 apresenta também o comportamento dos teores de carbono orgânico na área sob pastagem comparativamente a nativa. É o mesmo? Explique as diferenças.

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3. Propriedades da matéria orgânica no solo Pode-se associar a matéria orgânica humificada às seguintes

propriedades e efeitos sobre o solo, sumarizadas no Quadro 2. Quadro 2. Propriedades gerais do húmus e efeitos associados do solo

Propriedades Observações Efeito no solo Cor A cor escura de muitos

solos é causada pela MO. Pode facilitar o aqueci mento.

Retenção de água

A MO pode reter até 20 vezes sua massa em água.

Previne a secagem e a redução de volume; aumenta a capacidade de retenção de água.

Combinação com minerais de argila

Cimenta as partículas do solo em unidades estruturais denominadas agregados.

Permite a troca de gases, estabiliza a estrutura e aumenta o armazenamento e permeabilidade de água no solo.

Quelação Forma complexos estáveis com Cu+2, Mn+2 e outros cátions polivalentes.

Melhora a disponibilidade de micronutrientes para as plantas.

Solubilidade na água

Insolubilidade da MO decorre de sua associação com a argila. Sais de cátions bivalentes e trivalentes com a MO são insolúveis. MO, isolada- mente, é parcialmente solúvel em água.

Pouca MO é perdida por lixiviação.

Ação tampão MO exibe ação tamponante em faixas levemente ácidas, neutras e alcalinas.

Ajuda a manter uma reação uniforme no solo.

Trocas de cátions Acidez total de frações de húmus isolada varia de 300 a 1400 cmol (+).Kg-1.

Pode aumentar a CTC do solo. De 20 a 70% da CTC de muitos solos(ex. oxissolos, molissolos) é causada pela MO.

Mineralização Decomposição de MO produz CO2, NH4

+,NO3, PO4

-3 e SO4-2.

Fonte de nutrientes para o crescimento das plantas.

Combinação com moléculas orgânicas

Afetam a bioatividade, a persistência e a biodegradabilidade dos pesticidas.

Modifica as taxas de aplicação dos pesticidas para um controle efetivo

Adaptado de Stevenson (1982), citado por Silva & Resck (1997).

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Uma das principais contribuições da matéria orgânica para os solos tropicais refere-se a CTC de solos tropicais, incluindo solos de cerrados, ressalta a participação da matéria orgânica nas propriedades químicas dos solos (Quadro 3). Quadro 3. Capacidade de troca catiônica (CTC) de alguns minerais de

argila e da matéria orgânica Material CTC(cmol(+).kg-1)

Caulinita 1-10 Mica 20-40 Vermiculita 120-150 Montmorilonita 80-120 Clorita 20-40 Matéria orgânica 100-300 Fonte: Bohn et al. (1979), citado por Silva & Resck (1997).

A contribuição para CTC do solo pela matéria orgânica tem como origem a ionização de grupos carboxílicos, enólicos e fenólicos, a partir do aumento do pH do meio.

A associação entre CTC e matéria orgânica pode ser responsável por até 75% da CTC dos solos no horizonte A, enquanto que no horizonte B está contribuição passa a ser de 35%.

A perda da matéria orgânica pode chegar a 70% do conteúdo inicial em solos de textura arenosa, como observado em solos do oeste baiano. 4. Componentes da matéria orgânica

A matéria orgânica do solo pode ser separada em dois componentes: vivo e morto.

O componente vivo corresponde a no máximo 4% do carbono

orgânico total, podendo ser dividido em: • Raízes de plantas (5 a 10% do carbono orgânico total); • Microrganismos ou fauna (15 a 50% do carbono orgânico

total); e • Microrganismos (60 a 80% do carbono orgânico total).

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O componente morto, por sua vez, corresponde a 96% do carbono orgânico total, sendo dividido em:

• Fração leve (matéria macrogânica) (10 a 30% do carbono orgânico total); e

• Fração pesada (húmus) (70 a 90% do carbono orgânico total), sendo composto de:

o Substâncias húmicas; e o Substâncias não húmicas.

A substâncias não húmicas são aquelas com características físicas e

químicas reconhecidas: carboidratos, proteínas, peptídeos, aminoácidos, gorduras, ceras, alcanos e ácidos orgânicos de baixo peso molecular. É atacada de forma relativamente rápida.

A maior porção da matéria orgânica, em grande parte dos solos e da água, consiste de substâncias húmicas, que apresentam as seguintes características: amorfa, coloração escura, hidrofílicas, ácidas, parcialmente aromáticas e compostas de substâncias orgânicas, quimicamente complexas, com peso molecular que varia de poucas centenas até milhares. É a matéria orgânica morta a grande responsável pelas propriedades gerais apresentadas no quadro 2. 5. Matéria macrorgânica

Este componente da matéria orgânica do solo provém diretamente da serrapilheira, consistindo, na sua maioria de resíduos de plantas em vários estágios de decomposição.

É também denominada fração leve, apresentando diâmetro < 2 mm, porém > 0,25 mm, apresentando densidade relativamente baixa, por volta de 1,0 g.cm-3, sendo obtida por flotação em líquidos com densidade de 1,2 a 2.0 g. cm3.

O estoque e a facilidade de decomposição varia com as características dos solos e o clima da região. Solos ácidos de regiões frias e secas tendem a acumular quantidades apreciáveis de matéria macrorgânica.

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A qualidade da serrapilheira, a aeração, mineralogia e os níveis de nutrientes do solo são fatores adicionais que afetam o conteúdo de matéria macrorgânica.

A quantidade da fração leve no solo varia bastante com as estações do ano, mantendo sua natureza lábil ou disponível.

E as regiões de solos relativamente férteis, temperaturas elevadas e

secas do semi-árido nordestino, qual será o acúmulo de matéria macrorgânica ? Qual será a participação do período chuvoso nos teores de matéria macrorgânica?

Em decorrência dessa característica, essa fração contribui significativamente para o reservatório de N disponível, especialmente se a relação C/N é baixa, como também para a perda de C durante o cultivo.

Trabalhos realizados em cinco solos argilosos tropicais, mostraram que a perda de C orgânico da fração leve foi de 2 a 11 vezes maior que a fração pesada (> 2 g.cm3).

A proteção física da matéria orgânica do solo, nessa situação, é provavelmente a explicação para essas diferenças nas taxas de perda.

Além da matéria macrorgânica, outras formas lábeis da matéria

orgânica do solo servem como fontes de nutrientes para as plantas.

Os próprios microrganismos e seus metabolizados podem servir como reservatórios de nutrientes em caso de redução do nível da biomassa do solo, como pode ocorrer, por exemplo, na conversão de pastagens para culturas anuais.

6. Matéria orgânica pesada: Húmus

A fração remanescente, após a separação da fração leve, é comumente chamada de húmus, consistindo de substâncias não húmicas e húmicas, sendo:

• Substâncias não húmicas (30% do carbono orgânico total): são classes de compostos orgânicos, muito bem definidos:

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o Compostos solúveis em éter (lipídios: graxas e gorduras), em etanol e água (aminoácidos, açúcares e ácidos orgânicos);

o Hemiceluloses: polissacarídeos solúveis em NaOH;

o Celuloses: polissacarídeos componentes da estrutura das plantas, constituídas por unidades polimerizadas de ß (1-4) D-glucose;

o Ligninas: polímeros de compostos aromáticos (p-hidroxi cinamil, coniferil, sinapil e outros álcoois), de alta resistência a degradação;

o Proteínas: seqüência de aproximadamente 20 aminoácidos, conectados por ligações peptídicas; e

o Nutrientes inorgânicos: elementos essenciais para a vida das plantas, Si, Al e contaminantes

o do solo e ar.

• Substâncias húmicas (60% do carbono orgânico total): São substâncias que apresentam alto peso molecular, polieletrólitos, muito acídico, amorfos de coloração amarela a preta e alta habilidade com outras moléculas orgânicas, sobretudo pelo alto peso conteúdo de oxigênio contido em grupos funcionais, tais como: - COOH (carboxílico), -OH (enólico – alifático) e C=O, em estruturas de vários tipos.

As substâncias húmicas são constituídas de moléculas complexas,

heterogêneas e polidispersas, modificadas química e biologicamente com pouca ou nenhuma característica dos compostos conhecidos.

A composição das substâncias húmicas é bastante variável não

havendo, portanto, um composto ou molécula única capaz de defini-lo. É o produto sintético resultante do trabalho da população microbiana nos restos orgânicos remanescentes.

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7. Fracionamento das substâncias húmicas

Quimicamente as substâncias húmicas podem ser separadas em três frações: ácidos fúlvicos (FAF) (solúvel em ácido e base); ácido húmico (FAH) (solúvel apenas em base) e humina (FH) (não é solúvel em meio ácido e básico).

Esta separação é simplesmente operacional e não há um limite entre

estas frações em termos de propriedades físico-químicas.

Algumas propriedades podem ser avaliadas quanto a sua tendência. Por exemplo, a fração ácidos fúlvicos tem tamanho molecular menor que a fração ácidos húmicos, o que lhes permite maior mobilidade.

Matéria orgânica do solo

Substâncias não húmicas

Substâncias húmicas

Fracionamento das substâncias húmicas com base na solubilidade Solúvel em base Solúvel em base Insolúvel em base Solúvel em ácido Insolúvel em ácido Insolúvel em ácido Fração ácidos fúlvicos Fração ácidos húmicos Fração humina

Peso molecular crescente

Conteúdo de carbono crescente Conteúdo de oxigênio decrescente

Acidez e CTC decrescentes Conteúdo de n crescente

Semelhança com lignina crescente Figura 3. Fracionamento da matéria orgânica e algumas propriedades dos

componentes. Fonte: Hayes & Swift (1978), citado por Vargas & Hungria (1997).

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O atributo mais importante na diferenciação das propriedades químicas da matéria orgânica é o conteúdo de grupos carboxílicos, que constitui a fonte principal de carga dos compostos que a formam. A relação entre os conteúdos percentuais de oxigênio e carbono (O/C) é maior na fração ácidos fúlvicos do que na fração ácidos húmicos, sendo, portanto, os primeiros mais oxidados que os segundos.

As substancias húmicas são consideradas as representantes da

fração mais estável da matéria orgânica do solo. Esta estabilidade é atribuída a heterogeneidade de sua estrutura química, bem como, à sua inacessibilidade dentro do agregado dos solos e às interações com cátions metálicos e minerais de argila.

Em muitos solos tropicais, os ácidos fúlvicos parecem ser o principal

componente das substâncias húmicas e, por isso, deve exercer um papel importante na ciclagem de nutrientes, agregação do solo e pedogênese.

Acredita-se que uma pequena porção de microorganismo no solo sobrevive utilizando substâncias húmicas como fonte de C e nutrientes, supridas de uma forma constante em pequenas quantidades.

As substâncias húmicas são os constituintes orgânicos mais bem distribuídos na Terra. Ocorrem não somente no solo, mas nas águas naturais, no esgoto, nas pilhas de compostos, sedimentos marinhos e lacustres, turfas, depósitos de carvão e outros. No solo estas substâncias são eletroquimicamente importantes devido as suas propriedades como trocadores de íons. A geração de carga na superfície dos colóides orgânicos é função exclusiva do pH do meio onde se encontram esses materiais, ou seja, toda a carga da matéria orgânica é dependente de pH.

Alterando o pH do solo, as cargas da superfície dos colóides alteram-se, podendo gerar resíduo negativo ou positivo, dependendo da relação entre o pH do meio e o ponto de carga zero (PCZ) dos compostos:

• Geração de cargas positivas a partir de radicais carboxílicos em meio ácido:

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-COOH + H+ -COOH+

• Geração de cargas positivas a partir de radicais carboxílicos

em meio básico:

-COOH + OH- -COO- +H2O Outra propriedade importante das substâncias húmicas é a sua

capacidade de tamponamento em larga faixa de pH, o que é considerável importância prática, uma vez que as plantas cresçam melhor dentro de faixas estreitas de pH.

A quantidade e o tipo de grupos funcionais da matéria orgânica do solo, bem como a interação entre eles determina o poder tampão do solo, ou seja, a sua capacidade de resistência a alterações de pH pela adição de ácido ou base. 8. Dinâmica da matéria orgânica

Os processos de transformação dos resíduos de plantas e animais (precursores da matéria orgânica) adicionados ao solo até a formação do húmus e, também, os processos de mineralização e imobilização, estão muito relacionados com a disponibilidade e qualidade dos materiais, ou seja, a sua composição.

Os componentes solúveis tornam-se rapidamente disponíveis como fonte de energia para os organismos do solo e as hemiceluloses são convertidas em massa microbiana.

Os componentes de resistência tais como a lignina, podem resistir ao solo por longo tempo, em especial, nos solos alagados.

Grande parte dos resíduos vegetais perde C na forma de CO2, antes

mesmo que ocorra a interação com o solo, o que reduz bastante o tempo de residência dos compostos no sistema.

Partes da matéria orgânica do solo podem ser mineralizadas

rapidamente e outras, provavelmente associadas a nutriente, podem demorar até 1000 anos ou mais para a sua reciclagem.

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Isso evidencia que algumas substâncias ou grupo de substâncias apresentam comportamentos diferenciados quanto ao potencial de mineralização dentro da matéria orgânica do solo.

Assim, ao invés de considerá-la apenas sob os aspectos químicos e funcionais, como os ácidos fúlvicos, húmicos e humina, a matéria orgânica do solo pode ser também alocada em compartimentos.

Tentativas têm sido apresentadas com objetivo de associar a existência dos componentes da matéria orgânica do solo com suas funções e atividades.

A compartimentalização da matéria orgânica do solo em reservatórios discretos e bem definidos é uma dessas possibilidades, porém não corresponde à situação real, pois as divisões são artificiais, enquanto o sistema natural funciona como um conjunto.

Conceitualmente, a compartimentalização tem vantagens, de aspectos práticos, os quais facilitam a aplicação de modelos matemáticos ao estudo da MO.

Realiza-se com o intuito de entender melhor os efeitos das alterações

internas e externas (manejo de solo, por exemplo) sobre a dinâmica do carbono no sistema.

Vários modelos têm sido descritos. O mais simples estabelece a separação em duas categorias: disponível (lábil) e a estável.

A fração disponível decompõe-se em questão de poucas semanas ou

meses, enquanto a estável pode persistir no solo por alguns anos ou décadas. Esta fração é constituída pela serrapilheira já decomposta, da fração leve na biomassa e substâncias não húmicas que não estão ligadas aos constituintes minerais.

A fração estável no solo inclui substâncias orgânicas e outras

macromoléculas intrinsecamente resistentes ao ataque microbiano ou inacessíveis, sendo química e fisicamente protegidas, seja pela adsorção na superfície dos minerais, ou pela disposição dentro da estrutura da argila e dos agregados.

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Destaca-se o modelo Century, que divide os reservatórios da seguinte forma:

• Ativo: constituído pela biomassa microbiana, apresentando alta taxa de reciclagem;

• Lento: composto de resíduos de serrapilheira > 0,25mm

(mantém macrorgânica), que não flutuam em água, contendo fragmentos de material orgânico resistente (lignina), com taxa de reciclagem intermediária;

• Passivo: corresponde aos constituintes da fração pesada

(densidade maior que 1,6g.cm-3), que podem apresentar proteção física e/ou química, com a menor taxa de reciclagem da matéria orgânica do solo.

A aplicação desses modelos pressupõe a utilização de alguns

conceitos e métodos operacionais para a caracterização das frações: matéria orgânica do solo, biomassa microbiana, matéria macrorgânica e a fração pesada. Para cada uma dessas frações tem-se um conjunto de metodologias propostas e em desenvolvimento. 9. Os reservatórios da matéria orgânica em solos tropicais

Poucos estudos têm sido dirigidos para medir o efeito do clima na distribuição de nutrientes entre os reservatórios da matéria orgânica.

As taxas de reciclagem dos reservatórios não protegidos (biomassa microbiana) e lábil são mais aceleradas em climas quentes e úmidos do que em regiões de climas frios e secos.

Uma perspectiva de persistência da matéria orgânica do solo em solos de regiões tropicais e de regiões temperadas é mostrada na figura 4. A continuidade das condições de alta umidade e temperatura resulta em decomposição mais rápida e completa dos materiais orgânicos dos reservatórios não protegidos.

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Figura 4. Influência da relação temperatura (T) e precipitação (P) sobre a

acumulação de carbono orgânico do solo.

Em solos tropicais, provavelmente o tamanho do reservatório protegido estruturalmente é relativamente menos sensível a umidade e temperatura, mas muito sensível à mineralogia e textura (está se falando de solos bastante intemperizados óxidos de Fe e Al).

Taxas aceleradas de reciclagem da matéria orgânica do solo não protegida, nos trópicos úmidos, são de grande importância para o manejo do solo.

A rápida liberação de nutrientes do reservatório da biomassa

microbiana pode ocasionar grandes perdas de nutrientes, praticamente se a vegetação é removida. Além disso, a perturbação física pelo preparo intensivo libera alguma porção de nutrientes do reservatório protegido estruturalmente.

A boa estrutura dos agregados dos solos das regiões úmidas sugere que o reservatório de carbono orgânico protegido estruturalmente, em condições naturais, é tão grande quanto nos solos de regiões temperadas. A remoção da proteção leva a perda de nutrientes bem mais rápida em solos tropicais.

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O preparo do solo, de fato, resulta em liberação rápida de N, P, S e C orgânico em solos dos trópicos úmidos. 10. O processo de decomposição

A decomposição é o processo de transformação dos resíduos vegetais e animais, via atividade biológica (meso e micro fauna e flora), em compostos mais refinados com pouca ou nenhuma semelhança com os materiais que lhes deram origem.

Os resíduos orgânicos, tão logo adicionados ao solo, são desintegrados por meios físicos e mecânicos pela ação dos componentes da macro e mesofauna e, a seguir, a microfauna completa este trabalho.

Ocorrendo condições adequadas de pH, umidade e temperatura, os

microrganismos iniciam o processo de decomposição, com rápida perda de substâncias prontamente disponíveis.

Os resíduos orgânicos fornecem grandes quantidades de C e energia para os microrganismo, aumentando a atividade biológica e melhorando a ecologia do solo.

A decomposição de resíduos de plantas e animais no solo constitui o processo biológico básico no qual o C é reciclado para a atmosfera como CO2, o N torna-se disponível como NH4

+ e o NO3- e outros elementos

associados, como o P, S e vários micronutrientes aparecem em formas assimiláveis pelas as plantas superiores.

Nesse processo, parte do C (de 10 a 70% do C do substrato podem ser utilizados pelos microrganismos para síntese de célula) é incorporada ao tecido microbiano (biomassa do solo) e parte é convertida em húmus estável. Ao mesmo tempo parte do húmus nativo é mineralizada.

O conteúdo total de matéria orgânica do solo, em conseqüência, é mantido em estado de equilíbrio, característico do solo e do sistema de manejo aplicado.

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Grande parte dos constituintes dos resíduos vegetais pertence à categoria dos carboidratos, alguns com função estrutural e outros de reserva, sendo:

• Celulose: 15 a 60% do peso seco; • Hemicelulose: 10 a 30% do peso seco; • Lignina: 5 a 30% do peso seco; • Proteína: 2 a 15% do peso seco;e • Substâncias solúveis (açúcares, aminoaçúcares, ácidos

orgânicos e aminoácidos): 10% do peso seco.

Os materiais solúveis são rapidamente removidos dos resíduos e facilmente utilizados pelos organismos do solo.

No quadro 4 estão os principais grupos de componentes de resíduos

de plantas, os grupos de enzimas envolvidos em suas transformações e os principais organismos que atuam no processo de decomposição. Quadro 4. Constituintes dos resíduos e seus agentes de degradação

Constituintes Enzima Microrganismo (agentes de composição) Carboidratos Amido Amilases Inúmeras bactérias e fungos.

Celulose Celulase Bactérias (Pseudomonas, Chromobacterium, Baci-llus,Clostridium, Streptomyces, Cytophaga); fungos (Trichoderma, Chaetomium e Penicillium)

Hemicelulose Pectinases Fungos e actinomicetos.

Lignina ________ Fungos do mofo branco, mofo marrom, actnomicetos e algumas bactérias

Compostos nitrogenados

Enzimas proteolíticas

Inúmeras bactérias (Streptomyces) e fungos (Penicillium)

Parede celular Quitinase e glucanases

Streptomyces, Pseudomonas, Bacillus e Clostridium

Fonte: Adaptado de Paul & Clark (1989), citado por Silva & Resck (1997).

Fungos e bactérias do solo consomem ativamente proteínas, amido e celulose, produzindo NH3, H2O, CO2, ácidos orgânicos e outras substâncias parcialmente oxidadas.

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Em seguida, produtos orgânicos intermediários e tecidos de biomassa recém-formados são atacados por grande variedade de microrganismo, produzindo nova biomassa e mais perda de C como o CO2. O estágio final do processo é caracterizado por uma decomposição gradual das partes mais resistentes das plantas, tais como lignina, em que os mais importantes microrganismos são os actinomicetos e os fungos.

A decomposição de plantas e animais, após a morte, não ocorre por completo até os produtos finais de mineralização, mas é acompanhada por nova formação de substâncias orgânicas, em muitos casos de natureza complexa (turfas, carvão mineral, óleo e substâncias húmicas do solo), possuindo maior resistência à decomposição do que a das substâncias originais. Muitos estudos indicam que grande parte da matéria orgânica do solo adicionada ao solo pode mineralizar-se ao longo do ano e menos de 20 a 30% transformam-se em substâncias húmicas. De 10 a 20% dos resíduos da parte aérea e 20 a 50% dos resíduos radiculares podem ser convertidos em húmus, sendo o restante transformado em CO2 .

O total de CO2 produzido pela respiração da população heterotrófica do solo atinge 63,9 x 109 t.ano-1. A este total adiciona-se o CO2 produzido pelas raízes das plantas, ou seja, 71,5 x 109 t.ano-1. A quantidade total de CO2, de origem biológica, formada pelo solo atinge 13,5 x 1010 t.ano-1, o que, de modo geral, corresponde ao requerimento total de plantas terrestres na terra, cerca de 8 x 1010 t de CO2.ano-1

Os processos de decomposição e formação de húmus (Figura 5) são complexos, compreendendo a participação de grande e diversificado grupo de microorganismos. De modo geral, esses processos são controlados pela biodiversidade das moléculas orgânicas sujeitas à catálise por enzimas, principalmente de origem microbiana. Fatores climáticos e edáficos atuam como controles imediatos sobre esses processos.

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Figura 5. Diagrama esquemático da decomposição da matéria orgânica e formação de substâncias húmicas.

As taxas de decomposição dependem da qualidade do material dos

resíduos incorporados e, também, de agentes modificadores que podem inibir ou acelerar a atividade dos microorganismos e/ou enzimas.

Alguns fatores determinantes da qualidade do material em relação à decomposição são: concentração de lignina, N e fenólicos totais. A relação lignina/nitrogênio (L/N) geralmente correlaciona-se bem com as taxas de decomposição de materiais lenhosos e folhas.

A lignina atua como agente protetor da celulose contra o ataque enzimático. Alguns materiais, como a parede celular de fungos é muito resistentes à decomposição e são muito importantes na formação do húmus.

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Com o desenvolvimento do processo de decomposição os materiais mais recalcitrantes da estrutura das plantas e os produtos microbianos passam a constituir a maior parte da massa residual intacta.

A acumulação da matéria orgânica do solo não é, portanto, simplesmente, uma função inversa da taxa de decomposição da serrapilheira, embora os dois processos estejam interligados pelos efeitos da qualidade do material.

As condições edáficas podem agir de modo diferenciado aos dois processos. Em condições inundadas, que inibem a decomposição, inibem também a formação de matéria orgânica do solo, favorecendo o acúmulo de materiais parcialmente decompostos. Ao contrário, a alta estabilização do C, a partir de fontes de rápida decomposição, pode ocorrer em argilas.

A decomposição e formação da matéria orgânica do solo e sua

transformação em húmus compreendem dois processos fundamentais.

• Mineralização: conversão de um elemento das formas orgânicas para a inorgânica: Celulose, hemicelulose e proteínas são bastante susceptíveis à decomposição microbiológica, sendo rapidamente utilizadas pela população microbiana. Uma parte é decomposta em CO2, H2O e NH3, etc. e a outra é incorporada à massa microbiana para formar o protoplasma e produtos metabólicos, alguns de estrutura altamente aromática (este é o caminho para formação do húmus). A mineralização bruta pode ser entendida como a transformação total obtida, e a mineralização líquida é a diferença entre a mineralização bruta e a quantidade incorporada na biomassa dos microrganismos.

• Imobilização: é a conversão de um elemento de formas

inorgânicas em orgânicas, via absorção pelos microrganismos e plantas, seguida da incorporação na biomassa.

Em algumas situações o processo de decomposição dentro do solo

pode inibir o crescimento de plantas devido à alta relação C/N dos

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materiais, o que requererá a imobilização do N do solo, causando a redução de sua disponibilidade para as plantas.

Neste caso, recomenda-se a aplicação de fertilizante mineral nitrogenado para ajustar a relação C/N.

A decomposição da matéria orgânica do solo parece ser função de

muitos fatores envolvendo sua quantidade no solo e o nível de atividade microbiano. Ambos podem ser afetados por fatores edáficos: textura, estrutura, capacidade de retenção e armazenamento de água, relação C/N/P/S, pH, potencial redox e nível de saturação por bases; climáticos: precipitação, temperatura do ar e do solo, umidade relativa, insolação e ventos; e antrópicos: manejo do solo, sistemas de cultivo e outros. 11. A liberação de nutrientes pela biomassa vegetal

Esta é uma das mais importantes contribuições (e também mais estudada) para a fertilidade do solo que é a capacidade da MO suprir nutrientes para as plantas, participando do processo de reciclagem de nutrientes no sistema solo-planta. A biomassa vegetal (parte aérea mais raízes) produzida por uma cultura (ou comunidade natural), ao final do seu ciclo, pode devolver ao solo parte do C-CO2 assimilado pelo processo fotossintético, parte do N assimilado simbioticamente e todos os nutrientes absorvidos pelas raízes.

Esta contribuição pode levar a considerável economia de fertilizante, sobretudo daqueles nutrientes que se acumulam nas partes vegetativas e não são removidos do sistema.

A reciclagem dos nutrientes inicia-se pela decomposição da biomassa de raízes e parte aérea. A liberação dos nutrientes, a partir dos resíduos vegetais depende da relação C/N:

• Materiais com alta relação C/N, como a palha de milho C/N = 64, sofrem decomposição mais lenta, produzindo coberturas mais permanentes no solo.

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• Materiais com baixa relação C/N, como a palha de soja C/N =15, decompõem-se mais rapidamente, liberando nutrientes, mas produzindo coberturas menos estáveis e pouco permanentes no solo.

Além da relação C/N, a liberação de nutrientes depende também da

sua função na planta e de fatores climáticos (temperatura e umidade) que controlam a taxa de decomposição.

Nutrientes que não fazem parte de compostos estruturais (por ex. o K) são prontamente liberados pelo processo de decomposição da biomassa, enquanto aquelas que fazem parte de estruturas têm liberação mais lenta (Ca, Mg, C, P, S e N). De modo geral, os nutrientes catiônicos são liberados com maior rapidez.

Em algumas situações a acumulação de certos nutrientes ocorre

preferencialmente nos grãos, enquanto que outros na parte vegetativa (colmos e folhas). Dados apresentados por Otutumi (2003) podem ser usados como exemplos para avaliar a exportação de nutrientes por diferentes culturas em sistemas agroecológicos desenvolvidos por agricultores familiares no município de Tauá-CE

É importante ressaltar que, em sistemas naturais, os processos de

liberação dos nutrientes da serrapilheira e de absorção destes pelas plantas, ocorrem em perfeita sincronia, resultando em alta eficiência de uso, o que explica a sobrevivência e o equilíbrio desses ecossistemas por tão longo tempo sem qualquer adição de fertilizantes. É o caso da floresta amazônica.

Nos agroecossistemas, esses processos são comumente separados

no tempo, resultando em baixa eficiência de uso. Esse é o caso do N, em que são perdidas quantidades excessivas por lixiviação, desnitrificação e volatilização em forma de amônia.

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Quadro 5. Teores de nutrientes em partes da planta das culturas pertencentes ao consórcio agroecológico do agricultor familiar José Eduardo (AFJE) no ano de 2001 no município de Tauá –CE

Agricultor Familiar José Eduardo (AFJE) MS K Ca Mg P C H N

Consórcio

/ Culturas

-------------------------------------------------Kg/ha---------------------------------------------

Raiz (R) 818,00 13,46 4,62 1,78 0,94 312,93 39,7404 0,34 Caule (C) 1623,13 56,66 14,86 4,27 1,67 584,44 70,47 1,17 Folhas (F) 590,63 13,80 14,83 2,07 1,59 217,74 29,01 0,25 Ramos (Ra) 1216,27 41,54 11,31 3,12 1,19 --- --- --- Casca (Ca) 1302,83 41,13 15,21 4,59 3,05 --- --- ---

Gergelim

Semente (S) 91* 1,05 1,07 0,26 0,75 47,90 6,77 3,39

Balanço parcial 1 165,54 59,75 15,57 7,70 1067,21 132,45 -1,62 Folhas (F) 1168,93 36,46 66,01 7,73 3,23 535,13 68,55 30,37 Ramos (Ra) 807,27 59,99 7,55 2,46 2,10 --- --- --- Caule (C) 548,03 26,13 6,33 3,28 1,14 357,80 46,34 11,15 Raiz (R) 281,40 7,06 2,89 1,02 0,65 137,57 18,51 3,43 Casca (Ca) 432,33 10,13 2,57 1,77 0,86 --- --- ---

Feijão

Grão (Gr) 106,00 * 0,00 0,16 0,24 0,88 46,47 6,51 3,70

Balanço parcial 2 119,51 80,05 12,48 5,39 984,03 126,89 41,25 Ramos 1200,57 18,91 13,20 2,14 3,19 --- --- --- Folhas 1811,87 29,87 25,63 5,09 4,76 1165,86 151,96 75,51 Caule 1139,47 14,66 6,69 1,56 2,50 555,51 76,30 14,60 Raiz 1060,87 12,30 4,70 1,46 2,47 527,24 72,09 13,47 Vagem 153,20 3,45 0,95 0,32 0,44 --- --- ---

Guandu

Grão 18,00 * 0,43 0,03 0,02 0,07 7,88 1,13 0,44

Balanço parcial 3 79,62 51,21 10,59 13,42 2256,50 301,47 104,02

Balanço total de nutrientes na área

364,66 191,02 38,64 26,51 4307,73 560,80 143,64

12. Efeitos do manejo do solo na dinâmica da matéria orgânica

O equilíbrio da matéria orgânica do solo é muito influenciado pelo manejo, imprimindo alterações nas diversas formas e reservatórios do C orgânico e na população microbiana.

A população, a diversidade das espécies e a atividade da fauna do solo são influenciadas pelas práticas agrícolas. As práticas que influenciam de forma negativa a fauna incluem desarmamento, aração, monocultura, uso indiscriminado de agrotóxicos e o fogo. As práticas que favorecem são a cobertura morta, plantio direto, culturas de proteção, sistemas agroflorestais, etc.

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Os dados de Lima (2001) mostram a influência do tipo de manejo sobre a macro e mesofauna do solo em sistemas agrícolas convencionais e alternativos, desenvolvidos por agricultores no município de Tauá-CE. Não só quanto ao número de indivíduos, mas também quanto ao número de famílias, é possível perceber que sistemas de cultivo múltiplo proporcionam condições para uma maior diversidade biológica nestes sistemas (Figura 6)

Figura 6. Densidades de macro e mesofauna do solo, em amostras coletadas nas profundidades de 0-10 cm, 10-20 cm e 20-30 cm, em áreas com cultivo de algodão orgânico e convencional, por agricultores no município de Tauá–CE (abril de 2000).

O fogo afeta a microflora do solo nos dois primeiros centímetros do solo. Quantitativamente a microflora reduz-se sobremaneira em parcelas queimadas. A recuperação da densidade da população fúngica pode atingir seu nível original um mês após a queima enquanto bactérias e actinomicetos podem durar 20 dias. Os teores de matéria orgânica do solo, NO3-N, e P disponíveis decrescem, enquanto NH4-N aumenta rapidamente após a queima.

O preparo convencional (PC) do solo (1 aração + 1 gradagem) provoca a destruição da estrutura de agregados, modificando a dinâmica da matéria orgânica do solo, o que se reflete na alteração do seu conteúdo total e de seus constituintes. O cultivo mínimo (CM) e o plantio direto (PD) mantêm a estrutura dos agregados, permitindo maior conservação e, até

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Áreas

Núm

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de in

diví

duos

por

m3

0 a 1010 a 2020 a 30

cm

cm

cm

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mesmo, incremento do teor de matéria orgânica do solo e de seus constituintes.

Os teores de C e N foram significativamente maiores em sistemas de PD comparativamente ao PC, o que pode ser conseqüência da maior quantidade de matéria orgânica mineralizada nas condições do PD em relação ao PC.

Amostras de solo sob PD mostraram-se enriquecidas em alguns componentes da matéria orgânica como carboidratos, os aminoácidos e os compostos alifáticos (parafinas) e empobrecidas em C aromático, quando comparadas a amostras sob PC. Os carboidratos hidrolisáveis em ácido e os extraídos em água quente foram, em média, 40% maior em solo sob PD do que sob PC. Nos cerrados, em sistemas monocultivos e de rotação milho e soja, com cinco métodos de preparo, a fração ácidos húmicos foi pouco alterada pelo sistema de manejo, enquanto a fração ácidos fúlvicos foi bastante afetada pelas técnicas de cultivo, as quais produziram intensa mineralização da matéria orgânica.

Os fluxos de C e N no solo variam de acordo com a espécie cultivada e afetam a produtividade das culturas. Avaliações em áreas de cultivo anual de sorgo granífero e pastagem permanente (Panicum maximum), em solos da Austrália, mostraram que o sistema sorgo, embora + produtivo, continha 18% menos N e 29% menos C. A reciclagem de N foi cerca de sete vezes mais rápida no sistema sorgo do que na pastagem.

A qualidade da matéria orgânica do solo está bem relacionada ao tipo da cultura predominante no sistema de cultivo.

Em um Argissolo Vermelho-Escuro no RS, a lignina da fração leve apresentou teores muito mais elevados em sistemas com predominância de leguminosas do que naquelas em que predominavam as gramíneas. Nestes sistemas (gramíneas) foram verificados teores mais elevados dos carboidratos estruturais, celuloses e hemicelulose. A razão fração ácidos húmicos/fração ácidos fúlvicos foi significativamente alta em sistemas de cultivos que envolvem adições de palha de trigo e arroz.

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A textura do solo afeta a dinâmica da matéria orgânica do solo, produzindo efeitos no conteúdo total de C e nas taxas de mineralização de C e N.

Em solos de cerrados do oeste baiano cultivados por cinco anos, estudaram o conteúdo de carbono orgânico em áreas cultivadas com soja em monocultura e preparo de grade pesada, por cinco anos, em três solos (Neossolo Quartzarênico, Latossolo Vermelho-Amarelo textura média e Latossolo Vermelho-Amarelo textura argilosa). A taxa de decréscimo de carbono orgânico (% ano-1) foi igual para os três solos. Entretanto, a perda foi mais intensa no Neossolo Quartzarênico, que registrou uma perda de 61% do conteúdo original de matéria orgânica do solo, enquanto que no Latossolo Vermelho-Amarelo textura argilosa essa perda foi de 29%.

As relações entre matéria orgânica do solo e a estabilidade de

agregados têm sido bastante estudadas, sobretudo, em solos de regiões temperadas.

O efeito da matéria orgânica do solo na agregação depende muito do sistema de manejo praticado. Em pastagens, os teores de carbono orgânico nas frações areia e silte foram 61% e 15% maiores, respectivamente, na área de pasto nativo do que sob cultivo de milho continuo por cinco anos.

A estabilidade em água de agregados > 1 mm foi 34% maior em solos com pastagem do que com milho. O aumento na estabilidade de agregados durante um período curto de pastagem é devido, principalmente, á produção de carboidratos ligantes produzidos pela grande biomassa microbiana presente na rizosfera da pastagem, quando a pastagem é arada, a biomassa microbiana decresce lentamente.

A presença e atividade da matéria orgânica do solo têm sido

associadas com alterações nas propriedades físicas (porosidade, retenção de água e estabilidade estrutural), químicas (pH, CTC, teores de N, P,S e micronutrientes), e biológicas (biomassa microbiana, consumo de O2) do solo.

Áreas trabalhadas por 12 e 50 anos com cana de açúcar, verificou-se decréscimos de 37 e 44% da matéria orgânica do solo na camada de 0-20cm.

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Em sistemas de cultivo com preparo de solo diferenciado e com variação de umidade, maior número de bactérias, consumo de O2 e mineralização de N foram encontrados nas condições de preparo reduzido de solo em relação àquelas com preparo de solo de alta intensidade de movimentação, diferenças estas atribuídas aos teores + elevados de matéria orgânica do solo e N total nos sistemas com preparo reduzido. 13. Referências Bibliográficas SILVA, J.E. & RESCK, D.V.S. Matéria orgânica do solo. In: VARGAS, M.A.T. & HUNGRIA, M. eds. Biologia dos solos de cerrados. Planaltina, EMBRAPA-CPAC, 1997. 467-524p. LIMA, H.V. Influência dos sistemas de cultivo orgânico e convencional de algodão sobre a qualidade do solo no município de Tauá-CE. Fortaleza, UFC, 2001. (Dissertação de Mestrado). OTUTUMI, A.T. Qualidade do solo em sistemas de cultivo agroecológico no município de Tauá - CE. 2003. Fortaleza, UFC, 2001. (Dissertação de Mestrado).