associativismo por pedro costa ferreira

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6 opinião Associativismo ponto T U R I S M O 3HGUR &RVWD )HUUHLUD (Presidente da direção da APAVT) A minha passagem da infância à juventude foi vivida na prodigiosa ilha das Flores/Açores e a verdade é que este período marcou de tal ma neira o meu crescimento, que hoje respondo, sempre que me perguntam de onde sou, com um “nasci em Lisboa, mas sou açoriano de coração”. Lembrome que quando, com 11 anos, regressei a Lis boa, era um adulto ao pé dos meus novos colegas de escola registei também, deste lado do mundo, muito PHQRV GLîFXOGDGHV HFRQÍPLFDV O facto de eu me sentir um adulto é fácil de explicar. Cresci em total liberdade quando chegava mais tarde a casa era porque tinha ido à pesca com um pescador qualquer que, depois da escola, tinha encontrado no FDLV ( TXDQGR VH FUHVFH FRP PDLV OLEHUGDGH îFDPRV adultos mais cedo. Tomamos resoluções mais cedo, es colhemos mais cedo, erramos mais cedo, percebemos mais cedo que ação e responsabilidade vêm quase sem pre juntas consequência logo a seguir. &UHVFHPRV PDLV FHGR O Mundo mudou muito, desde esses dias Portugal mu dou mais os Açores mudaram muito mais. A verdade é que poucos, hoje, mesmo nos Açores (e ain da bem), podem imaginar que nesse tempo a maioria dos alunos de escola ia descalça para a escola a grande maioria trabalhava com gado sempre que saía da esco la alguns vinham de calças de pijama, sempre que na véspera chovia muito (o único par de calças que tinham, îFDYD D VHFDU HP FDVDf ( SRUTXH DV GLîFXOGDGHV HUDP PXLWDV YLYÇDPRV WRGRV muito mais juntos. Independentemente de todas as diferenças, para além dos espaços pessoais, havia todo um campo de interes se comum, de defesa mútua, de vida em conjunto, que GHFRUULD GDV GLîFXOGDGHV GR GLD D GLD DWà GDV DJUXUDV climáticas. Mas se, nalguns aspetos, Portugal mudou muito desde então, noutros parece que recuámos muitíssimo, pare cendo que estamos bem menos preparados que um pe queno grupo de crianças a crescer na distante ilha dos Açores. Estou, naturalmente, a falar da nossa enorme GLîFXOGDGH HP HQFRQWUDU HVSDÁRV GH LQWHUHVVH FRPXP quando um mundo altamente concorrencial “pede” o contrário, mesmo quando uma sociedade e um merca do profundamente competitivos exigem exatamente o oposto. (VSDÁRV GH LQWHUHVVH FRPXP 8PD ERD GHïQLÁ½R GH DVVRFLDWLYLVPR 9LYHPRV HP FRQFRUUÄQFLD H HP FRQFRUUÄQFLD SRU GHî nição, uns ganham e outros perdem. Não tenho nada contra, naturalmente e se tivesse, não ganhava nada com isso… Porém, se todos se unirem em torno do que… os une, WRGRV îFDU½R PDLV IRUWHV WRGRV JDQKDU½R FDSDFLGDGH GH LQWHUYHQÁ½R QR PHUFDGR WRGRV FRQVHJXLU½R îFDU mais próximos do consumidor. Todos ganharão mais dinheiro. (P 3RUWXJDO D GLîFXOGDGH HP UHFRQKHFHUPRV HVWH HV paço comum é enorme. Tão grande que se manifesta até, ainda mais do que na falta de atitude associativa, no número de associações. Há meses o Ministro da Economia comparava áreas económicas comparáveis, Portugal e Bélgica, explicando que na Bélgica existiam cerca de 70 associações patronais e em Portugal aproxi madamente 700… No turismo, não estamos tão fora desta realidade, infe (P 3RUWXJDO D GLîFXOGDGH HP reconhecermos este espaço comum é enorme [...] que se manifesta até, ainda mais do que na falta de atitude associativa, no número de associações Associativismo As lições da ilha das Flores

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Artigo de opinião de Pedro Costa Ferreira, Presidente da direção da APAVT sobre o Associativismo, na 2ª edição da Ponto Turismo.

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Page 1: Associativismo por Pedro Costa Ferreira

6 opinião Associativismo pontoT U R I S M O

(Presidente da direção da APAVT)

A minha passagem da infância à juventude foi vivida na prodigiosa ilha das Flores/Açores e a verdade é que este período marcou de tal ma-­neira o meu crescimento, que hoje respondo,

sempre que me perguntam de onde sou, com um “nasci em Lisboa, mas sou açoriano de coração”.Lembro-­me que quando, com 11 anos, regressei a Lis-­boa, era um adulto ao pé dos meus novos colegas de escola;; registei também, deste lado do mundo, muito

O facto de eu me sentir um adulto é fácil de explicar. Cresci em total liberdade;; quando chegava mais tarde a casa era porque tinha ido à pesca com um pescador qualquer que, depois da escola, tinha encontrado no

adultos mais cedo. Tomamos resoluções mais cedo, es-­colhemos mais cedo, erramos mais cedo, percebemos mais cedo que ação e responsabilidade vêm quase sem-­pre juntas;; consequência logo a seguir.

O Mundo mudou muito, desde esses dias;; Portugal mu-­dou mais;; os Açores mudaram muito mais.A verdade é que poucos, hoje, mesmo nos Açores (e ain-­da bem), podem imaginar que nesse tempo a maioria dos alunos de escola ia descalça para a escola;; a grande maioria trabalhava com gado sempre que saía da esco-­la;; alguns vinham de calças de pijama, sempre que na

véspera chovia muito (o único par de calças que tinham,

muito mais juntos. Independentemente de todas as diferenças, para além dos espaços pessoais, havia todo um campo de interes-­se comum, de defesa mútua, de vida em conjunto, que

climáticas.Mas se, nalguns aspetos, Portugal mudou muito desde então, noutros parece que recuámos muitíssimo, pare-­cendo que estamos bem menos preparados que um pe-­queno grupo de crianças a crescer na distante ilha dos Açores. Estou, naturalmente, a falar da nossa enorme

quando um mundo altamente concorrencial “pede” o contrário, mesmo quando uma sociedade e um merca-­do profundamente competitivos exigem exatamente o oposto.

-­nição, uns ganham e outros perdem. Não tenho nada contra, naturalmente;; e se tivesse, não ganhava nada com isso…Porém, se todos se unirem em torno do que… os une,

mais próximos do consumidor. Todos ganharão mais dinheiro.

-­paço comum é enorme. Tão grande que se manifesta até, ainda mais do que na falta de atitude associativa, no número de associações. Há meses o Ministro da Economia comparava áreas económicas comparáveis, Portugal e Bélgica, explicando que na Bélgica existiam cerca de 70 associações patronais e em Portugal aproxi-­madamente 700…No turismo, não estamos tão fora desta realidade, infe-­

reconhecermos este espaço comum é enorme [...] que se manifesta até, ainda mais do que na falta de atitude associativa, no número de associações

Associativismo As lições da ilha das Flores

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7Associativismo opiniãopontoT U R I S M O

inclusive, na importância relativa das companhias de aviação em Portugal.A taxa XP é provavelmente o maior exemplo recente da importância da ação do associativismo nos mercados concorrenciais. Foi esta iniciativa da APAVT, baseada exatamente em preocupações de interesse comum, que permitiu um esquema de pricing absolutamente inova-­dor que deu resposta a todo um mercado, que nem por isso deixou de competir entre ele.Finalmente e em terceiro lugar, a publicação da nova lei do setor das agências de viagens constitui outro bom exemplo do trabalho de todo um setor em defesa de um espaço comum de atuação mais justo, independente-­mente das lutas competitivas.A verdade é que, para além de todos os benefícios pos-­teriores que se possam vir a introduzir (sem precipita-­ções, de acordo com a análise ponderada que vier a ser efetuada do modo como o mercado se relacionar nos próximos anos com este novo enquadramento legal),

-­tes associativos, se chegou a um estágio legal bem mais favorável que o anterior.Que favoreceu todos, principalmente os menos fortes.E assim, por ação da vida associativa, foi possível prote-­

legais que pendiam sobre todo o mercado.Provedor, XP, nova Lei do setor – três excelentes exem-­plos de união de esforços em torno de um interesse co-­mum, capaz de proteger todos de um constrangimento que a todos afetava, independentemente do espaço pró-­prio de atuação de cada um.Mas eu já tinha percebido esta lógica, há muito tempo, na ilha das Flores, onde recebi as primeiras e mais im-­portantes lições sobre associativismo.

lizmente;; por outro lado, vivemos momentos de espe-­

Por um lado, temos igualmente associações a mais, e aqui nem sequer é necessário ferir suscetibilidades enumerando-­as, tão claro é o espaço de atropelamento mútuo.Por outro, ao nível das agências de viagens, com todas

que ser compreendidas, não é fácil, neste contexto tão recessivo afastarmo-­nos das nossas agências para tra-­balharmos focados em causas comuns), temos vivido, ao longo de sessenta anos de existência do modelo as-­sociativo protagonizado pela APAVT, momentos de ine-­

Alguns destes momentos são bem recentes e devem ser destacados.

provedor do cliente.Ao contrário do que ainda hoje às vezes se lê, a ade-­são ao provedor não transforma, obviamente, agências de segunda classe em agências de primeira. Porém, e aqui reside o poder extraordinário do associativismo, dá uma óbvia e objetiva vantagem competitiva a quem adere, fruto de uma garantia acrescida de resolução

-­sumo.Mais recentemente e em segundo lugar, o processo que deu origem à taxa XP.Que grande história de pensamento “fora da box”, como tantos consultores que se limitam a fazer carreira den-­tro da box gostam de referir, pensamento que levado à

-­va uma série de parâmetros importantes do mercado, numa ação de tão largo espetro que causou alterações,

Nas Flores, independentemente de todas as diferenças, para além dos espaços pessoais, havia todo um campo de interesse comum, de