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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL Cristiano Costa de Carvalho ASSISTÊNCIA SOCIAL, SOCIEDADE CIVIL, GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA: desafios e possibilidades no controle social da política municipal de assistência social de Belo Horizonte. Belo Horizonte 2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO LOCAL

Cristiano Costa de Carvalho

ASSISTÊNCIA SOCIAL, SOCIEDADE CIVIL, GESTÃO

DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA: desafios e possibilidades no

controle social da política municipal de assistência social de Belo

Horizonte.

Belo Horizonte

2013

Cristiano Costa de Carvalho

ASSISTÊNCIA SOCIAL, SOCIEDADE CIVIL, GESTÃO

DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA: desafios e possibilidades no

controle social da política municipal de assistência social de Belo

Horizonte

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário Una, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Processos político-sociais: articulações interinstitucionais e desenvolvimento local. Orientadora: Profa. Dra. Wânia Maria de Araújo

Belo Horizonte

2013

C331a

Carvalho, Cristiano Costa de.

Assistência social, sociedade civil, gestão democrática e participativa: desafios e

possibilidades no controle social da política municipal de assistência social de Belo

Horizonte [manuscrito] / Cristiano Costa de Carvalho. – 2013.

222 f.: il.

Orientadora: Profa. Dra. Wânia Maria de Araújo.

Dissertação (mestrado) – Centro Universitário UNA, Programa de Pós- Graduação

em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.

Inclui bibliografia (f. 184-197/210-211) e apêndices.

1. Administração Pública - Brasil. 2. Política Social. 3. Sociedade Civil. 4. Controle

Social. I. Carvalho, Cristiano Costa de. II. Araújo, Wânia Maria de. III. Centro

Universitário UNA, Programa de Pós- Graduação em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local. IV. Título.

CDU: 364-73

Elaborada por Rodrigo de Oliveira Brainer – CRB6

Graduado em Biblioteconomia – ECI/UFMG

Penso que os conselheiros estão se dedicando, especialmente os

representantes da sociedade civil, que se sacrificam para estar aqui.

Temos um colega que trabalha como pedreiro, outra como lavadeira de

roupa, temos donas de casa, colegas que fazem faxina, e que às vezes

deixa de fazer uma diária naquele dia pra vim pra reunião do conselho,

vem aqui para participar, fazer política, participam de uma ou duas

comissões, além das plenárias. Essas pessoas, quando deixam de

trabalhar para vir para o CMAS, CLAS e CORAS, também deixam de levar

o alimento pra casa dela. Que lindo é ver uma pessoa deixar de tirar o

ganha-pão dela (já ganham tão pouco) e mesmo assim querem contribuir

com alguma coisa... Essa é a contribuição mais valorosa que uma pessoa

pode dar para o coletivo... (Hudson, conselheiro, representando o

segmento dos usuários da política de assistência social).

AGRADECIMENTOS

A construção desta dissertação representa a busca de formação

continuada para o meu exercício profissional. Passaram-se dois anos de dedicação,

um período marcante que certamente não se resume nesta produção, mas

fundamentalmente representa uma formação acadêmica, profissional e pessoal.

Neste momento, me disponho a agradecer àqueles que, de uma forma ou de outra,

me fortaleceram para seguir esta trajetória em busca de mais este objetivo, de

expressivo significado na minha história de vida.

A Deus, por tudo! “Diante das impossibilidades, acreditei. Nas

possibilidades, realizei. Nas dificuldades, busquei a superação e sigo em frente!”

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social,

Educação e Desenvolvimento Local, pela participação no meu processo de educar-

me.

À minha orientadora, Profa. Dra. Wânia Maria de Araújo, pela acolhida e

orientação em todas as etapas deste trabalho. Obrigado pelo carinho, compreensão,

incentivo e orientações que ficam para toda a vida profissional e pessoal.

À Profa. Dra. Andréa Márcia Santiago Lohmeyer Fuchs, que esteve

comigo da construção do projeto de pesquisa até a qualificação, com todo empenho,

competência teórica e clareza de seu compromisso ético-político que me causam

admiração.

À Profa. Dra. Matilde Meire Miranda Cadete, por aceitar o convite para

participar nas bancas de qualificação e final, pela leitura atenta e importantes

considerações, cujas sugestões contribuíram para a construção dos conhecimentos

aqui sistematizados.

À Profa. Dra. Viviane Souza, por aceitar o convite para participar na

banca de defesa, ritual que se torna ainda mais desafiante quando é socializado e

avaliado por expert da área, além da sensibilidade e competência política.

Ao Prof. Dr. Cláudio Márcio Magalhães, pelo carinho e significativas

contribuições nas aulas de pesquisa e conversas acerca do meu projeto.

Aos conselheiros representantes da sociedade civil participantes desta

pesquisa, pela recepção e disponibilidade de abrirem suas casas e espaços de

trabalho e compartilharem seus conhecimentos, experiências e vivências, cujas

contribuições são a essência deste trabalho.

À equipe da Secretaria Executiva do Conselho Municipal de Assistência

Social de Belo Horizonte, especialmente a Adryana Gangana Peres, André Henrique

de Paula, Daniella Lopes Coelho, Dilene Corrêa da Silveira Diniz, Edna Maria

Gomes Pinto, Fabiana Mariane de Oliveira, Francielly Ferreira Caetano, Maria de

Paula Santos Chagas, Marluce Alves Lima e Rosangela Maria do Couto Santos,

pela prontidão e apoio para que esta pesquisa se realizasse.

Aos colegas de mestrado, pelas certezas e incertezas, polêmicas,

reflexões, sugestões e indicações de leituras que contribuíram para que as ideias

iniciais adquirissem solidez, especialmente a Andrea Calaes de Andrade, Andrea de

Paula Brandão Martins, Djenane Alves Costa Pio, Flávia Andrade Almeida, Heloisa

Amaral Pimentel Pôssa, Isabel Cristina de Oliveira, Janaína Mara Soares Ferreira,

Laysa Maria Akeho, Liziane Vasconcelos Teixeira Lima, Meire Rafaela dos Santos

Gonçalves, Narjara Incalado Garajau, Natham Ribeiro Martins, Renata dos Reis Luiz

Barbosa, Sheilla Mara Piancó Pinto e Sther Mendes Cunha.

A José Ferreira da Crus e Renato Francisco dos Santos Paula, pelas

indicações de leituras.

Ao Centro Universitário Una, por meio do programa “De bem com a vida”,

pela bolsa de estudo, essencial para o fomento e investimento na qualificação do

corpo docente.

Agradeço à direção, aos coordenadores, funcionários e colegas do Centro

Universitário Una, em especial aos meus queridos colegas e amigos do corpo

docente do Curso de Serviço Social: Edna Alves de Oliveira, Fabrícia Cristina de

Castro Maciel, Narjara Incalado Garajau, Paula Rocha de Oliveira, Rutinéia Alves

Ferreira, Simone Gomes da Silva – e também a Camélia Vaz Penna, Kênia Augusta

Figueiredo e Reginaldo Guiraldelli, que não estão mais na Una, mas que eu não

poderia deixar de agradecer. Obrigado pelas trocas, que me ensinaram e me

ensinam muito, e pelo apoio, indispensáveis para a conclusão deste trabalho.

Aos alunos do Curso de Serviço Social da Una, que vêm me ensinando o

grande ofício de ser professor, obrigado pelo incentivo, pelo respeito e pelo carinho.

Às alunas que colaboraram na etapa de coleta dos dados para

caracterização do perfil dos representantes da sociedade civil: Marcelle Samara

Verçosa Ferreira, Paula Priscyla Maia Santos e Tamara Lorena da Silva Neves.

Tenho muito orgulho de vocês!

A todos os colegas e amigos eternos do Hospital das Clínicas da UFMG

agradeço pelo modelo de ética e compromisso com a saúde pública de qualidade.

O meu muito obrigado a Raciolina Moreira e Tânia Alves, por terem

colaborado com a beleza, estrutura física e ortográfica deste trabalho.

A todas as pessoas, amigos e familiares que, de uma forma ou de outra,

contribuíram para a realização do mestrado, compartilharam desta trajetória,

reclamaram minha ausência, me incentivaram e entendem meu esforço.

A todos que direta ou indiretamente contribuíram com este estudo, minha

gratidão.

A Edna Alves de Oliveira e Fabrícia Cristina de Castro Maciel, minhas

sinceras considerações, admiração, respeito e gratidão, pois, para além do

profissional, vocês, como pessoas, são exemplos de sensibilidade, ética e incentivo.

A Marisaura dos Santos Cardoso e Leonardo David Rosa Reis. Sem

palavras para agradecer a confiança em dividir os mesmos espaços (políticos e

profissionais) e sonhos, além da amizade construída ao longo dos últimos nove

anos. Sempre agradeço a Deus pela honra de conhecer e conviver com vocês.

Sem dúvida, ao longo deste percurso, contei com todos vocês. Além de

agradecer, registro minhas homenagens nas palavras de Guimarães Rosa: “Amigo

para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual para

o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e

todos os sacrifícios” (1995, p.119).

RESUMO Sendo a premissa da participação social entendida como o processo mediante o qual os diversos segmentos da sociedade tomam parte dos bens produzidos socialmente, o controle social é o espaço propício para a participação dos indivíduos a fim de contribuírem com a gestão, deliberando e fiscalizando as políticas públicas implementadas pelo Estado. O presente trabalho é estimulado pela reflexão sobre a participação e atuação da sociedade civil no âmbito do Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte - CMAS, considerando as dimensões política, operacional e ética, que parte do pressuposto de que a participação e o controle social são elementos essenciais para a garantia de uma gestão de políticas sociais pautada na democracia, transparência e universalização dos direitos. A busca pela compreensão de como os segmentos da sociedade civil atuam e participam no CMAS provocou vários questionamentos, tanto no que se refere ao papel de cada um dos segmentos representativos do Estado e da sociedade civil quanto em relação ao potencial do controle social exercido por meio dos conselheiros da política de assistência social de Belo Horizonte. Os problemas e as questões levantadas ao longo deste estudo em torno da participação dos conselheiros do CMAS trouxeram inquietações, sobretudo no sentido e no significado que os sujeitos da pesquisa atribuem ao papel de conselheiro, sua importância e as implicações que esse papel tem – não só para sua vida pessoal, mas para a vida política, a convivência com outros sujeitos políticos, os interesses diversos e antagônicos, bem como para a condução da própria política no município. Os procedimentos metodológicos que dirigiram a investigação contou com pesquisa empírica realizada com os conselheiros do CMAS, onde os dados coletados permitiram uma breve apreensão da realidade e da dinâmica desse conselho; a percepção dos conselheiros sobre a liderança e a capacidade organizativa, bem como a participação da sociedade civil no CMAS; a compreensão de como os processos de comunicação dinamizam e estabelecem as relações entre os segmentos representados no conselho e de como essas relações interferem nos processos de tomada de decisão. Além desses pontos, procurou-se problematizar o tema da formação de conselheiros para o fortalecimento do controle social. Partindo da premissa de que a “res-pública” interessa a todos, sem exceção, o controle social como espaço coletivo de participação popular exige uma cultura política participativa e consciente do compromisso social de todos os que integram esse lugar.

Palavras-chave: Controle social. Participação democrática. Sociedade Civil. Estado. Conselho Municipal de Assistência Social.

ABSTRACT This work is stimulated by the reflection of the participation and the performance of the civil society in the sphere of the Municipal Social Welfare of Belo Horizonte - CMAS, considering the political, operational and ethical dimensions. The work assumes that participation and the social control are essential elements to ensuring a management of social policies guided on democracy, transparency and universal rights. The problems and issues raised throughout this study, around the participation of counselors of CMAS brought concerns, especially in the sense and in the meaning that the subjects of the research attach to the role of the advisor, his importance and the implications that this position has, not only for your personal life, but the political life, the coexistence with other political subjects, the diverse interests and antagonistic as well as the conduct of politics in the city itself. Being the premise of social participation understood as the process by which the various segments of society take part of socially produced goods, social control is the space propitious to the participation of individuals to contribute to the management, acting and supervising the public policies implemented by the State. When it is understood that the 'res-public' is interested for everyone, with no exception, the social control, as a collective space for popular participation, requires a participatory political culture and aware of the social commitment of all who are part of this place. The search for understand of how civil society segments operate and participate in the CMAS, provoked many questions as the role of each of the segments representing the state and civil society, and in relation to the potential of social control exercised by the counselors of social welfare policy of BH. The methodological procedures that directed the research are characterized by a reflection on the data derived from bibliographic research in order that it can be presented a systematization of the existing studies which problematize the proposed theme. This systematization is the basic element for the study, not only theoretical-conceptual, but also for empirical research conducted with the counselors of the CMAS. The data collected in this study allowed to learn about reality and dynamics of this council; perception of the counselors on leadership, the organizational capacity as well as civil society participation in CMAS; understand how communication processes dynamizes and establish the relationships between the segments represented on the board, how they interfere in the processes of decision making. In addition to these points, we tried to discuss the issue of formation of counselors for social control. In this topic, they were able to comment and evaluate the formative processes that they have participated. Keywords: Social control. Democratic Participation. Civil Society. State. Municipal Social Welfare Council.

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Área de atuação da instituição em que trabalha/trabalhou - 2013

TABELA 2 - Dificuldades de participação em cursos de capacitação de conselheiros – 2013

TABELA 3 - Contribuições oferecidas pelos cursos de capacitação de conselheiros – 2013

TABELA 4 - Área de atuação da instituição em que trabalha/trabalhou – 2013

TABELA 5 - Dificuldades de participação em cursos de capacitação de conselheiros – 2013

TABELA 6 - Contribuições oferecidas pelos cursos de capacitação de conselheiros – 2013

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Número de reuniões das CLAS em 2011 por Regional de Belo Horizonte

QUADRO 2 - Relação dos entrevistados representantes dos segmentos da sociedade civil por Regional de Belo Horizonte

QUADRO 3 - Metodologia da análise de conteúdo

QUADRO 4 - Temas marcantes - 2013

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - Orçamento Geral da União de 2012, por Função. Executado até 31/12/2012 – Total: R$ 1,712 Trilhão (Auditoria cidadã da dívida)

GRÁFICO 2 - Nível de escolaridade por cor da pele – 2013

GRÁFICO 3 - Sexo por faixa etária – 2013

GRÁFICO 4 - Religião – 2013

GRÁFICO 5 - Inserção partidária por sexo – 2013

GRÁFICO 6 - Inserção em movimentos sociais – 2013

GRÁFICO 7 - Situação empregatícia – 2013

GRÁFICO 8 - Natureza da instituição empregadora – 2013

GRÁFICO 9 - Curso de capacitação de conselheiros – 2013

GRÁFICO 10 - Avaliação dos cursos de capacitação de conselheiros feita pelos respondentes - 2013

GRÁFICO 11 - Nível de escolaridade por cor da pele – 2013

GRÁFICO 12 - Sexo por faixa etária – 2013

GRÁFICO 13 - Religião – 2013

GRÁFICO 14 - Inserção partidária por sexo – 2013

GRÁFICO 15 - Inserção em movimentos sociais – 2013

GRÁFICO 16 - Situação empregatícia – 2013

GRÁFICO 17 - Natureza da instituição empregadora – 2013

GRÁFICO 18 - Curso de capacitação de conselheiros – 2013

GRÁFICO 19 - Avaliação dos cursos de capacitação de conselheiros feita pelos respondentes - 2013

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APTA - Associação dos Analistas de Políticas Públicas da Prefeitura

Municipal de Belo Horizonte

BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BPC - Benefício de Prestação Continuada

CAAE - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética

CEP - Comitê de Ética e Pesquisa

CF/88 - Constituição Federal de 1988

CIB - Comissões Intergestores Bipartite

CIT - Comissões Intergestores Tripartite

CLAS - Comissões Locais de Assistência Social

CMAS - Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte

CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social

CNSS - Conselho Nacional de Serviço Social

COMPOR - Conferência de Prioridades Orçamentárias

CORAS - Conselho Regional de Assistência Social

CRAS - Centros de Referência de Assistência Social

CREAS - Centros de Referências Especializados de Assistência Social

DOU - Diário Oficial da União

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

FMAS - Fundo Municipal de Assistência Social

FMI - Fundo Monetário Internacional

FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais

FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

GGPAS - Gerência de Gestão da Política de Assistência

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social

LBA - A Legião Brasileira de Assistência

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

LOS - Lei Orgânica da Saúde

MARE - Ministério da Administração e Reforma do Estado

NOB - Norma Operacional Básica

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OIT - Organização Internacional do Trabalho

OMC - Organização Mundial do Comércio

ONG - Organização Não Governamental

OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PBH - Prefeitura de Belo Horizonte

PIB - Produto Interno Bruto

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PR - Partido da República

PT - Partido dos Trabalhadores

PPAG - Plano Plurianual de Ação Governamental

RMAS - Rede Municipal de Assistência Social

SMAAS - Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social

SMDS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social

SUAS - Sistema Único de Assistência Social

TCLE - Termo de Livre Consentimento

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................. 16

2 ELEMENTOS CENTRAIS PARA UM CONCEITO DE ESTADO E

SOCIEDADE CIVIL: CONSTITUIÇÃO, COMPLEMENTARIDADES

E TENSÕES NO CAMPO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL ....................

23

2.1 Do conceito de Estado ao lócus de disputas ................................. 24

2.2 Sociedade Civil: entre a democratização do espaço público e a

disputa ideológica ...........................................................................

37

2.3 Cultura política: Estado, sociedade civil e assistência social ..... 49

3 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL: CAMPO DE DISPUTA ................ 63

3.1 Seguridade Social e sua variedade de conceitos ........................ 75

3.2 Reforma e Contrarreforma do Estado – fragilização das

políticas sociais e o mercado de trabalho em nome do capital

internacional .............................................................................

78

3.3 O contexto de dominação neoliberal: fomento a uma cultura de

crise e os rebatimentos nos direitos sociais .................................

82

4 DESDOBRAMENTOS DA DEMOCRACIA NA ATUALIDADE:

PARTICIPAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO

ESTADO BRASILEIRO E OS IMPACTOS NA POLÍTICA DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL ...............................................................

90

4.1 A combinação entre democracia representativa e democracia

participativa ...............................................................................

92

4.2 A participação no sistema democrático e suas contradições ..... 94

4.3 A descentralização e as contradições na realidade brasileira ..... 102

4.4 Contribuições da gestão social para a Política de Assistência

Social: dos desafios da descentralização à participação .............

109

5 METODOLOGIA, PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO ............. 118

5.1 Metodologia, procedimentos de investigação ............................. 118

5.1.1 Natureza da pesquisa e método ........................................................ 118

5.2 Procedimento de investigação e análise dos dados ..................... 120

5.2.1 Cenário de estudo – estrutura, funcionamento e breve histórico do

controle social da política de assistência social em Belo Horizonte ...

120

5.2.2 Cenário de estudo .......................................................................... 127

5.2.3 Delineamento da Pesquisa ............................................................ 130

5.2.4 Pesquisa documental ................................................................... 130

5.2.5 Pesquisa de campo ...................................................................... 131

5.2.6 Técnica adotada na pesquisa ........................................................ 131

5.2.7 Entrevista ..................................................................................... 131

5.2.7.1 Análise de dados ......................................................................... 133

5.2.8 Procedimentos Éticos ................................................................... 135

6 OS RESULTADOS DO ESTUDO ................................................... 137

6.1 Os sujeitos participantes da pesquisa ......................................... 137

6.2 Participação da sociedade civil no espaço público do controle social

no município de Belo Horizonte ....................................................

148

6.3 O papel da liderança e a capacidade organizativa dos segmentos

da sociedade civil ............................................................................

155

6.4 Correlações de força no controle social ......................................... 161

6.5 Tomadas de decisão no controle social ........................................ 166

6.6 Processos de comunicação nos espaços de controle social .......... 170

6.7 A formação de conselheiros para o controle social ........................ 174

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 178

REFERÊNCIAS ............................................................................. 184

APÊNDICE 1: Projeto de intervenção ............................................ 198

APÊNDICE 2: Termo de consentimento livre e esclarecido ......... 212

APÊNDICE 3: Roteiro estruturado de entrevista com

representantes da sociedade civil ..............................................

215

APÊNDICE 4: Instrumento de coleta de dados. Roteiro para

entrevista semiestruturada ..........................................................

220

ANEXO 1: Parecer consubstanciado do CEP .............................. 222

15

1 INTRODUÇÃO

Este estudo versa sobre o tema dos conselhos gestores no contexto do

controle social e tem como objetivo geral analisar a participação e atuação da

sociedade civil no âmbito do Conselho Municipal de Assistência Social de Belo

Horizonte - CMAS, considerando as dimensões política, operacional e ética.

Partiu-se do princípio de que a participação e o controle social são

essenciais na gestão das políticas sociais. Por ser um tema bastante instigante,

tendo em vista a complexidade e as contradições existentes, provocou vários

questionamentos, tanto no que se refere às mudanças no papel de cada um dos

segmentos representativos do Estado e da sociedade civil quanto em relação ao

potencial do controle social exercido por meio dos conselhos de assistência social, o

que os configura como mecanismos de mudanças reais na política de assistência

social brasileira e, consequentemente, nos serviços da rede socioassistencial,

fazendo desta mais uma política pública afiançadora de direitos sociais.

O controle social é uma diretriz da Política de Assistência Social e está

também traduzido na gestão do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, e

constituindo-se como objeto de estudo substancial para a reflexão sobre a relação

entre Estado e sociedade civil. Por se tratar de uma prática dialética que acompanha

as contradições, as lutas, as mudanças e os movimentos da sociedade, por

depender das diferentes formas de relação entre Estado e sociedade civil, o controle

social apresenta-se como um objeto revestido de relevância social. Pensando numa

dimensão jurídica, não há como formular e implementar a política de assistência

social atual no Brasil sem se levar em consideração o controle social. Pensando

numa dimensão prática – em que as legislações deveriam ser cumpridas – não há

como não questionar o que se considera como controle social.

Ao relacionar o tema da participação da sociedade civil no CMAS com os

eixos do programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local, partiu-se da compreensão de que a política de assistência

social – como política pública voltada para a ampliação da liberdade humana –

possui vinculação com a gestão social (CARVALHO, 1999), com processos

participativos (ABREU, 2008) e sociedade civil (SIMIONATTO, 2008) e (MONTAÑO,

2007) que, por vez, estão direcionados à inclusão social e inclusão política

(PATEMAN, 1992).

16

Direito social (assistência social), educação/participação e

desenvolvimento local são dimensões que não devem se restringir ao crescimento

econômico ou elevação do Produto Interno Bruto - PIB, mas sim visar à

democratização da administração pública e de fortalecimento da gestão social. No

entanto, a assistência social na sociedade brasileira é historicamente perpassada

por mediações que suprimem a noção de direitos sociais. A criação do SUAS vem

dar materialidade aos princípios da política, bem como organizar as ações e os

serviços socioassistenciais em todo o território nacional. Assim, o SUAS foi pensado

como um sistema que organiza a política de assistência de forma descentralizada

com participação dos três entes da Federação: União, estados e municípios, com a

participação da sociedade civil no controle social.

Campos (2009, p. 23) compreende o controle social “como um conjunto

de ações de naturezas sociopolíticas e técnico-operativas, desenvolvidas pela

sociedade civil, com vistas a exercer influências sobre as ações governamentais”.

Para o autor, esse processo envolve três dimensões: política (mobilização da

sociedade para influenciar a agenda governamental); técnica (fiscalização da gestão

de recursos e trabalhos governamentais) e ética (construção de novos valores,

fundados nos ideais de solidariedade, soberania e justiça social).

Os conselhos de políticas públicas são instrumentos que fortalecem a

gestão social, uma vez que a sociedade, ao legitimar esses espaços, também se

legitima como sujeito político e corresponsável pelas ações públicas, em favor do

bem público. Munida dessa prerrogativa, a sociedade civil deve ser potencializada

para exercer plenamente o controle das ações públicas do Estado.

Assim, entende-se que esse arranjo institucional é inovador na

democracia brasileira pelo seu caráter deliberativo, pelo fato de que a sociedade

controla e fiscaliza o poder executivo.

A constituição dos conselhos gestores das políticas sociais públicas nas

três esferas governamentais (Federal, Estadual/Distrital e Municipal) materializou as

diretrizes estabelecidas na normativa constitucional, tornando-se canal de

participação, formulação e deliberação sobre as políticas públicas. A dinâmica dessa

participação nesses espaços públicos (dos conselhos gestores) está

permanentemente marcada por determinações estruturais, lógicas de atuação,

concepções e projetos políticos distintos que se confrontam constantemente, tendo

em vista sua composição paritária de representantes da sociedade civil e do poder

público estatal (GOHN, 2008).

17

No âmbito municipal, em Belo Horizonte, a política de assistência social

tem como órgão de deliberação colegiada o Conselho Municipal de Assistência

Social - CMAS, criado por Lei Municipal n. 7099/96 (BELO HORIZONTE, 1996). No

que diz respeito às competências previstas no Art. 8º do CMAS-BH localizamos:

I - deliberar sobre a política municipal de assistência social; II - fixar diretrizes a serem observadas na elaboração do Plano Municipal de Assistência Social para o Município de Belo Horizonte, conforme deliberação da Conferência Municipal de Assistência Social; III - aprovar e assegurar a execução do Plano Municipal de Assistência Social; IV - normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública, privada, filantrópica e sem fins lucrativos de assistência social, em consonância com as determinações do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS; V - regular critérios de funcionamento das entidades e organizações de assistência social; VI - fixar normas e efetuar o registro de entidades e organizações não governamentais de assistência social no Município, obedecendo os critérios estabelecidos pelo CNAS; VII - efetuar a inscrição e aprovar os programas de assistência social das Organizações não Governamentais - ONGs e dos órgãos governamentais de assistência social; VIII - fiscalizar as entidades e organizações de assistência social, segundo os princípios e diretrizes da LOAS; IX - suspender temporariamente e/ou cancelar o registro das entidades e organizações assistenciais que incorrerem em irregularidades na aplicação dos recursos que lhes forem repassados pelos poderes públicos e pelo FMAS e não obedecerem aos princípios e diretrizes da LOAS e desta Lei; X - zelar pela efetivação do SMAS; XI - instituir e regulamentar o funcionamento dos CRAS e das CLAS; XII - articular-se com o Conselho Estadual e Nacional de Assistência Social, com as instâncias deliberativas do Município, bem como as demais organizações não governamentais, tendo em vista a organicidade entre a política de assistência social e as demais políticas setoriais para a integração das ações; XIII - deliberar sobre o FMAS; XIV - estabelecer diretrizes, apreciar e aprovar os programas anual e plurianual do FMAS; XV - definir critérios para repasse de recursos financeiros às entidades governamentais e não governamentais de assistência social; XVI - definir critérios e parâmetros de avaliação e gestão dos recursos, bem como do desempenho, impacto, eficácia e eficiência alcançados pelos programas e projetos aprovados; XVII - orientar e fiscalizar o FMAS, sem prejuízo da atuação dos demais órgãos institucionais de controle; XVIII - opinar, apreciar e aprovar a proposta orçamentária, emitindo parecer sobre o orçamento municipal destinado à assistência social; XIX - convocar ordinariamente, a cada dois anos, ou extraordinariamente, a qualquer tempo, sempre por maioria absoluta de seus membros, a Conferência Municipal de Assistência Social, com o objetivo de avaliar a situação da assistência social, propor e deliberar diretrizes para o aperfeiçoamento do SMAS; XX - incentivar a realização de estudos e pesquisas com vistas a identificar situações relevantes e mensurar a qualidade dos serviços na área, sugerindo medidas de prevenção, controle e avaliação; XXI - propor alterações nas estruturas do SMAS visando a sua adequação aos princípios e diretrizes da LOAS e da presente Lei;

18

XXII - divulgar no órgão de imprensa oficial e em outro jornal de grande circulação no Município suas resoluções e as contas do FMAS; XXIII - elaborar e aprovar seu Regimento Interno; XXIV - exercer outras atribuições que lhe forem delegadas por lei ou pelos órgãos responsáveis pela Coordenação da Política Nacional de Assistência Social; XXV - apresentar propostas para a regulamentação desta Lei (BELO HORIZONTE, 1996).

Do ponto de vista teórico, entende-se que a conquista dos direitos sociais

pela população brasileira e sua vinculação ao campo da assistência social

constituem base primordial para que se compreendam os limites e possibilidades

impostos à sua efetivação como uma política social pública. Nesse sentido, a política

de assistência social não pode reduzir-se à função de responder às questões

emergenciais relativas à pobreza. Deve, pois, estar inserida em um projeto de

desenvolvimento econômico e social, tanto nacional quanto local.

A ação original das alterações provocadas nas relações entre Estado e

sociedade civil a partir das diretrizes constitucionais e infraconstitucionais consiste

no processo de democratização da gestão pública, expressa na introdução do direito

de participação da sociedade civil, na formulação e no controle social de diversas

políticas públicas, o que tem se traduzido na criação de instituições vinculadas ao

Poder Executivo, nos três níveis da federação, como os conselhos, os comitês e as

comissões, dentre outros (CUNHA, 2009). O impacto dessa inovação tem provocado

mudanças no padrão de decisão das burocracias e dos gestores públicos.

É nessa lógica que o controle social tem como lócus privilegiado o campo

das políticas sociais, pois

A política social é uma das formas que o Estado usa para incorporar interesses da classe dominada. Portanto, o uso eficaz do controle social por parte da sociedade civil organizada pode ser tanto uma mediação para a incorporação de alguns destes interesses quanto para a vigilância e fiscalização dos meios utilizados no seu atendimento (SILVA, 2008, p. 252).

Nessa perspectiva, o tema do controle social merece uma permanente

vigilância, pois, apesar da criação e regulamentação de mecanismos específicos

para sua viabilização, a própria regulamentação desses mecanismos,

particularmente na política de assistência social, cria armadilhas que podem reforçar

a ocultação dos interesses classistas. Em outras palavras, a composição paritária1

entre o poder público e a sociedade civil nos conselhos de assistência social

1 A Política Nacional de Assistência Social - PNAS estabelece que a composição dos Conselhos de

Assistência Social seja constituída por 50% de representantes do segmento governamental e 50% de representantes do segmento não governamental (profissionais da área, das entidades prestadoras de serviços e de usuários) (BRASIL, 2004).

19

(Nacional, Estadual/Distrital e Municipal) engloba interesses distintos. Além disso, no

caso da representação da sociedade civil (não governamental), também se

evidencia essa multiplicidade de interesses distintos, já que sua composição nesses

conselhos é tripartite: usuários dos serviços de assistência social, entidades

prestadoras de serviço e trabalhadores da assistência social.

Assim sendo, a aposta na possibilidade de uma atuação entre o Estado e

a sociedade civil para a criação de espaços públicos não deve obscurecer suas

contradições, que são repletas de tensionamentos, pois o Estado e a sociedade civil

não são forças equivalentes, e a ação política de cada um está determinada por seu

projeto político. Os fatores que tentam explicar os conflitos dessa aproximação

podem estar configurados no grau de compartilhamento e responsabilidade dos

diversos sujeitos envolvidos no controle social (DAGNINO, 2002). Portanto, tais

projetos determinam a atuação de cada um dos sujeitos nas esferas do controle

social.

Não há dúvidas quanto à importância do controle social para o processo

de democratização da política social pública, nesse caso o da assistência social,

contudo é necessário analisar sua concretude e sua operacionalização em âmbito

municipal, observando sua efetividade a partir de seus principais atores – os

conselheiros de Assistência Social (SILVA, 2008).

Ao se falar de política e espaços políticos, na maioria das vezes se fala de

interesses e, consequentemente, do exercício de implementação de políticas que

viabilizam ou bloqueiam tais interesses. Assim, parafraseando Coutinho (2006b),

três questões importantes norteiam as reflexões sobre a política municipal de

assistência social que vão incidir diretamente no agir dos representantes nos

espaços de controle social dessa política: Como os interesses são representados?

De quem são os interesses representados? Qual a justificação para representar tais

interesses?

Para sustentar essa problematização, percorreram-se os aspectos

contraditórios e históricos da sociedade civil e do controle social na

contemporaneidade. A busca por esses processos sociais macroestruturais visa dar

subsídios para uma análise dialética entre eles e a microexperiência de controle

social, que foi objeto deste estudo.

Dessa forma, no capítulo 2 buscou-se compreender as disputas no âmbito

da constituição do Estado, as determinações e significados, bem como compreender

20

de que forma essas concepções dialogam diretamente com a constituição da

assistência social – ora como favor, ora como direito social na sociedade brasileira.

Na primeira parte, há uma sumária revisão crítica das concepções de Thomas

Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, somadas à interpretação de Marx,

no século XIX, e às perspectivas de John Maynard Keynes, Nicos Poulantzas, Louis

Althusser e Antônio Gramsci, no século XX. Além desses pensadores, acrescentam-

se no eixo de análise da formação e constituição da sociedade civil as contribuições

de Alexis de Tocqueville e Jürgen Habermas. Esse debate ganha sentido quando

problematizado com as grandes transformações societárias, principalmente no

contexto de instauração da política neoliberal no Estado brasileiro.

O capítulo 3 buscou suscitar a problemática em torno dos conceitos de

política social e seguridade social, bem como os contornos que as políticas sociais

têm tomado a partir dos parâmetros conceituais, institucionais e históricos do Estado

do Bem-Estar Social, que fortaleceu e expandiu o setor público para implementar e

gerir um complexo sistema de proteção social. Nesse sentido, apresentamos a

discussão de que um dos maiores avanços da Constituição Federal, em termos de

política social, foi a adoção do conceito de Seguridade Social, englobando, em um

mesmo sistema, as políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social. Outro

grande avanço foi a definição de um orçamento próprio para financiar seus gastos,

porém, ao mesmo tempo, há as implicações das desonerações tributárias

concedidas pelo governo brasileiro no contexto de crise do capital, destacando-se as

implicações no financiamento das políticas sociais no processo de reforma do

Estado, que foi introduzido a partir dos planos de ajuste estrutural consolidados em

vários países.

As políticas sociais, em especial a de Assistência Social, são as mais

prejudicadas com o desvio de recursos para compor o orçamento fiscal e para

honrar os juros da dívida pública. Por isso mesmo buscou-se compreender as

correspondências entre o processo de desmonte do Estado, as novas configurações

assumidas pelo modo de produção e reprodução da força de trabalho e as

mudanças ocorridas na economia mundial.

No capítulo 4, a análise recai sobre as dimensões da participação no

contexto de institucionalização e avanço da democracia participativa aliada à

democracia representativa problematizando quais são as principais dificuldades que

se apresentam para esse novo “desenho” em torno da participação, bem como os

21

limites estruturais que se apresentam para a disputa de projetos de sociedade.

Diante disso, na década de 1990, a novidade consiste na criação de políticas sociais

com diretrizes pautadas na descentralização da gestão e sua execução, bem como

na criação de espaços de participação popular visando estabelecer o controle social

democrático na relação do Estado com a sociedade. Porém, dadas as

características da formação sócio-histórica do Estado brasileiro, pautada na

dinâmica do modo de produção capitalista, partir-se-á do pressuposto de que o

desvelamento das políticas sociais acontece no contexto de relações complexas e

contraditórias. Por fim, porém não menos importante, é dado destaque à constituição

da Política de Assistência Social precisamente no ano de 2004 com a

institucionalização do Sistema Único de Assistência Social, uma vez que, entre as

políticas sociais que sustentam o tripé da seguridade social, a política de assistência

social tem a menor participação na distribuição dos recursos financeiros.

O capítulo 5 inicia com a apresentação do percurso metodológico deste

estudo, que se caracteriza por uma pesquisa do tipo qualitativo, orientada pelo

Método Dialético Critico, tendo, como categorias teóricas do método, transversais na

construção do estudo, a totalidade, a contradição e a historicidade, no sentido de

trazer à tona as múltiplas interfaces do fenômeno estudado.

A participação da sociedade civil no conselho, que está sendo objeto de

estudo, localiza-se no âmbito da política de assistência social no município de Belo

Horizonte. Nessa dinâmica, a representação da sociedade civil no Conselho

Municipal de Assistência Social - CMAS2 é composta por vinte membros – dentre

eles, nove são representantes de usuários dos serviços de assistência social, sendo

um de cada CORAS, três representantes de entidades prestadoras de serviços,

programas e projetos de assistência social, com atuação municipal, três

representantes de entidades de defesa dos direitos dos usuários de assistência

social, um representante do Conselho Municipal do Idoso, um representante do

Conselho Municipal dos Direitos Criança e Adolescente, um representante do

Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência e dois

representantes dos trabalhadores da área, sendo um representante dos

trabalhadores públicos municipais e um representante dos trabalhadores do setor

filantrópico e privado. Desse universo bastante plural, com mandado inicial em 2011

2 A composição do CMAS/BH é paritária: 40 membros titulares, sendo 20 representantes do poder

executivo e 20 representantes da sociedade civil.

22

e previsão de término em 2013, foi selecionada uma amostra de quinze

participantes. Essa amostra aconteceu de acordo com as possibilidades de

entrevista e contato com os representantes da sociedade civil, tendo sido respeitada

uma divisão quantitativamente igual entre os segmentos representados pela

sociedade civil (segmento de usuários, cinco sujeitos entrevistados; segmento de

trabalhadores, cinco sujeitos entrevistados e o segmento de entidade prestadora de

serviço também com cinco sujeitos entrevistados). Para a coleta dos dados, foram

utilizadas as técnicas de entrevista semiestruturada e observação e, como

instrumento, um formulário de questões abertas e fechadas. Para a análise e

interpretação dos dados qualitativos, usou-se a técnica da análise de conteúdo,

seguindo as orientações e etapas metodológicas de Bardin (1977).

O capítulo 6 está dividido em três partes: a primeira apresenta o percurso

metodológico adotado para a realização da pesquisa, a segunda faz breve

caracterização dos sujeitos entrevistados, com vistas a traçar o perfil sociopolítico e

cultural dos conselheiros representantes da sociedade civil. Na terceira, explicitam-

se as análises dos dados propriamente ditos, onde se busca articular essa

microexperiência com o contexto social que a produz e que, por sua vez, é

influenciado por ela. Dessa forma, a construção das análises, fundamentada pelas

categorias teóricas do método e explicativas da realidade, deu os seguintes

aspectos desse conselho gestor: participação da sociedade civil no espaço público

do controle social no município de Belo Horizonte; o papel da liderança e a

capacidade organizativa dos segmentos da sociedade civil; correlações de força no

controle social; tomadas de decisão no controle social; processos de comunicação

nos espaços de controle social e a formação de conselheiros para o controle social.

Por fim, é apresentado um projeto de intervenção sobre o espaço

pesquisado (Anexo 1), tendo como objetivo proporcionar formação continuada aos

conselheiros representantes da sociedade civil em torno das questões percebidas ao

longo da pesquisa, assumindo o lugar propositivo diante das dificuldades em torno

da produção e da reprodução da cultura política expressa nas relações sociais

dentro desse espaço; a participação no âmbito do processo decisório; os resultados

das ações do CMAS; e, ao final, os desafios que se apresentam frente ao seu

momento atual.

23

2 ELEMENTOS CENTRAIS PARA UM CONCEITO DE ESTADO E SOCIEDADE

CIVIL: CONSTITUIÇÃO, COMPLEMENTARIDADES E TENSÕES NO CAMPO

DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

O estudo dos processos históricos tem demonstrado que o Estado passou

por diversas configurações, o que torna necessário compreender como essas

transformações contribuíram ora para a ampliação, ora para restrição dos direitos

sociais e das políticas sociais. É a partir dessa perspectiva de análise que se

estruturará a reflexão em torno da relação entre Estado, sociedade civil3 e suas

implicações para a assistência social.

Para essa reflexão, resgatar-se-á a concepção de Estado e sociedade

civil a partir das elaborações dos filósofos do contrato social, nos séculos XVII e

XVIII: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, somados à

interpretação de Marx, no século XIX, e às perspectivas de John Maynard Keynes,

Nicos Poulantzas, Louis Althusser e Antônio Gramsci, no século XX. Acrescentaram-

se ao eixo sociedade civil contribuições de Alexis de Tocqueville e Jürgen

Habermas. Em seguida fez-se uma discussão sobre a instauração da política

neoliberal no Estado brasileiro.

Com base nessas considerações, são indicados alguns elementos da

relação entre Estado e Políticas Sociais, destacando-se o processo da construção

da Política de Assistência Social no Estado brasileiro e os projetos em disputa em

torno dessa construção.

O caminho analítico dos pressupostos essenciais definiu-se a partir de

discussões sobre os principais desafios e possíveis inovações na gestão de política

social, além da busca de uma categoria analítica que permitisse congregar os

demais pressupostos que indicam os contornos da gestão social, tais como

democratização, descentralização e universalização.

A compreensão do papel do Estado, articulada à reestruturação do capital

e às mudanças que recaem sobre o trabalho, necessita ser analisada sob a

3 Cabe aqui sinalizar que se trata de conceitos polissêmicos, estudados por diversas áreas do

conhecimento, além de relacionar-se com a construção de definições que dialogam com os diversos interesses de classe. Deste modo, ocupam um lugar de destaque na sociedade o que ocasionou e ocasiona disputas em torno da busca por definições no decorrer dos séculos XX e XXI. Em outras palavras, a ampliação dos interesses sobre esses pressupostos mostra sua importância, tanto para a dinâmica social quanto para os processos políticos estabelecidos no cenário sociopolítico.

24

perspectiva da organização social e do movimento mais amplo da sociedade

visando a uma nova correlação de forças no papel do Estado, a qual traduza a

capacidade e o poder de transformar as necessidades sociais em demandas

políticas (FLEURY, 1994). Consequentemente, deve contribuir para o processo de

elevação do papel do Estado e sua capacidade renovada na gestão do fundo público

gerando investimentos para o desenvolvimento social e, fundamentalmente, na

ampliação do financiamento das políticas sociais. Isso requer uma ampla

mobilização da sociedade, a qual reoriente práticas capazes de abrir novos

caminhos para enfrentar as desigualdades no campo econômico e social.

Por fim, buscar-se-á problematizar como os resultantes desses fatores se

traduzem no âmbito da sociedade civil e na cultura política, evidenciando os desafios

postos aos sujeitos coletivos.

2.1 Do conceito de Estado ao lócus de disputas

Conforme Pereira (2008), a definição de Estado é algo bastante

complexo, porém, “é preciso especificá-lo, isto é, qualificá-lo, porque, como fato

histórico, ele existe sob diferentes modalidades e configurações” (PEREIRA, 2008,

p.144), sendo caracterizado como fenômeno histórico e relacional. Pereira (2008)

relembra a definição de Hobbes ao contextualizar os Estados monárquicos, pois o

Estado, para os contratualistas, é pensado como elemento de mediação para a

civilização. Em Hobbes, temos o Estado soberano, imposto a partir da renúncia à

liberdade individual, a fim de garantir os direitos naturais e a vida em sociedade.

Para Locke, o poder político deveria estar na mão de corpos coletivos de homens e

ser efetivo na garantia da inviolabilidade dos direitos naturais, dentre estes, o direito

natural à propriedade privada (SOUZA, 2010).

Segundo essas análises, o controle era estabelecido mediante um

“contrato social” entre sociedade e Estado, porém cada um tinha uma compreensão

diferenciada sobre esse contrato:

Hobbes atribuiu ao Estado poder absoluto de controlar os membros da sociedade, os quais lhe entregariam sua liberdade e se tornariam voluntariamente seus ‘súditos’ para acabar com a guerra de todos contra todos e para garantir a segurança e a posse da propriedade. Locke limitou o poder do Estado à garantia dos direitos naturais, à vida, à liberdade e, principalmente, à propriedade. O ‘povo’ – que, para Locke, era a sociedade dos proprietários – mantém o controle sobre o poder supremo civil, que é o

25

legislativo, no sentido de que este cumpra o dever que lhe foi confiado: a defesa e a garantia da propriedade. Em toda a obra de Rousseau – O Contrato Social – perpassa a ideia do poder pertencente ao povo e/ou sob seu controle. O autor defendeu o governo republicano com legitimidade e sob controle do povo; considerava necessária uma grande vigilância em relação ao executivo, por sua tendência a agir contra a autoridade soberana (povo, vontade geral). Nesta perspectiva, o ‘controle social’ é do povo sobre o Estado para a garantia da soberania popular (CORREIA, 2004, p. 35).

Contemporaneamente, o núcleo central da filosofia liberal lockiana está

presente na constituição política da maior parte dos Estados Liberais.4 Tanto em

Hobbes quanto em Locke, resguardadas as devidas particularidades, Estado e

sociedade civil são assegurados a partir do pacto social. Por fim, para Rousseau, o

Estado é configurado como o poder residindo no povo, na cidadania; “[...] as noções

de soberania da sociedade civil, de um Estado a serviço da comunidade [...]

colocaram Rousseau na vanguarda do contratualismo” (SOUZA, 2010, p. 32).

Karl Marx, ao desenvolver a concepção de Estado, caracteriza-o como

“Estado burguês”. Segundo ele, o principal papel do Estado está na regulação das

relações de produção, sem extinguir a exploração do trabalho pelo capital, sendo

esse Estado uma instância não favorável ao trabalhador (SOUZA, 2010). Referindo-

se ao Estado no modo de produção capitalista, Marx afirma que este não torna os

indivíduos livres, mas apenas expressa e reproduz uma forma particular de

liberdade. Enfatiza ainda que “o Estado não pode eliminar a contradição do sistema

capitalista sem eliminar a si mesmo, uma vez que ele repousa sobre tal contradição”

(MARX, 2009; 112).

Ainda sobre o papel do Estado, Engels (1984) vai afirmar que essa

instituição surge para conter o antagonismo entres as classes sociais. Segundo o

autor,

O Estado surge da necessidade de conter o antagonismo das classes, porém, como surgiu em meio ao conflito destas classes, vai ser por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio deste Estado, se converte também em classe politicamente dominante (ENGELS, 1984, p. 193-194).

Conforme Pereira (2008), Gramsci se destaca no processo de

compreensão do Estado pautado no método marxista, dessa forma as formulações

gramscianas ganham contornos bem mais definidos a partir de 1917, quando

4 No século XIX, compondo o grupo de teóricos liberais, Smith defende o antiestatismo e, assim,

aposta na mão invisível do mercado como mecanismo natural de regulação das relações sociais, capaz de promover o bem-estar coletivo, ainda que não intencional. Aqui, tem-se o Estado mínimo, com apenas três funções: defesa militar, proteção das ofensas entre os indivíduos e o provimento de algumas obras públicas (BEHRING, 2006).

26

Gramsci experimenta maior aproximação com as discussões da tradição marxista,

sobretudo a partir de Lênin, e com a experiência da Revolução Russa, além de ter

vivenciado o desenvolvimento capitalista em suas fases concorrencial5 e

monopolista.6

Tudo isso levou Gramsci a perceber uma nova realidade, na qual a burguesia se metamorfoseava. Seus mecanismos de dominação se sofisticavam e requeriam estratégias verdadeiramente políticas e ideológicas, para além da mera coerção (PEREIRA, 2008, p. 157).

Dessa forma, Gramsci analisou a sociedade considerando a concepção

de Estado, sociedade civil e hegemonia, a partir das transformações no final século

XIX e nas três primeiras décadas do século XX no âmbito econômico e social.

Observa Gramsci que o desenvolvimento da sociedade capitalista ocasionara, além de novas determinações no âmbito da produção, a intensa complexificação das relações entre Estado e sociedade civil, mediante um crescente processo de socialização da política (SIMIONATTO, 2008, p. 14).

É a partir dessa reflexão que Gramsci elabora a teoria do Estado

“ampliado” no qual este é representado por uma supremacia, formado por duas

esferas. Desse modo, o pensador distingue que são elas a sociedade civil e a

sociedade política e designa precisamente o conjunto de aparelhos do Estado que

detêm e exercem o monopólio legal – ou, de fato, a violência – tratando-se assim de

aparelhos coercitivos do Estado (COUTINHO, 2006a).

Temos assim que o Estado em sentido amplo, enriquecido com novas determinações, comporta duas esferas principais: 1) a sociedade política (que Gramsci também chama de “Estado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”, formado pelo conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da violência e da execução das leis, mecanismos que se identificam como aparelhos de coerção sob controle

5 Segundo Netto e Braz (2007, p. 171-172), aproximadamente a partir dos anos 1780, configurava-se

o estágio capitalista denominado de concorrencial ou liberal, o qual dura por quase cem anos. Durante esse período histórico, o sistema capitalista consolidou-se “nos principais países da Europa Ocidental”, por meio da grande indústria moderna, causadora de uma “urbanização sem precedentes”, a qual propiciou a criação do “mercado mundial”. Assim, conforme apontam os referidos autores, os países capitalistas mais avançados, cuja hegemonia encontrava-se com a Inglaterra, buscaram “matérias brutas e primas” nos lugares mais longínquos da terra, como também encheram o mundo com suas mercadorias produzidas em larga escala. 6 Ainda Conforme Netto e Braz (2007, p. 178-179), tal situação, todavia, muda completamente com o

esgotamento do capitalismo concorrencial e o advento nas últimas três décadas do século XIX do capitalismo monopolista. Segundo Lênin (2005), uma das particularidades mais características do capitalismo está no enorme incremento da indústria e no processo de concentração da produção em empresas cada vez maiores. Mas o autor chama atenção para o fato de que o capitalismo só se transforma em imperialista quando chega a um grau muito elevado de seu desenvolvimento, quando cresce numa rapidez incomparavelmente maior. E o rápido desenvolvimento da economia dos países avançados reflete-se no crescimento do capital financeiro. Para esse autor, também são características desse período a formação dos cartéis e trusts e a transformação notável dos bancos que passam de modestos intermediários a monopolistas. O autor ainda elenca que as contradições do capitalismo se intensificam em sua etapa imperialista.

27

das burocracias executiva e policial-militar, ou seja, com o governo em sentido estrito; e 2) a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão de ideologias, compreendendo assim o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revista, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc. (COUTINHO, 2006a, p. 35).

Para Gramsci, o Estado detém o monopólio da violência e da coerção,

mas afirma que nenhum Estado sustenta-se por longos períodos apenas usando

dessa prerrogativa. O Estado faz valer seus interesses por meio de estratégias de

convencimento, persuasão e consentimento, utilizando-se para tal de aparelhos

privados da sociedade civil. Gramsci dizia que, nas sociedades ocidentais de

capitalismo avançado, as classes dominantes deveriam fazer concessões e utilizar

do consentimento dos dominados – para o que os aparelhos privados de hegemonia

são imprescindíveis.

Dessa forma, a sociedade política é marcada pelo uso da força – a partir

da coerção estatal, formada por um conjunto de aparelhos nos quais a classe

dominante detém e exerce seu monopólio legal, exercendo as funções de ditadura,

coerção e dominação e apresentando em sua base material os aparelhos coercitivos

e burocrático-executivos – enquanto a sociedade civil é formada por um conjunto de

instituições responsáveis pela representação de diferentes tipos de interesses,

simbolizados por diferentes grupos sociais empenhados e comprometidos com a

difusão de suas ideologias, obtendo assim as funções da hegemonia, consenso e

direção, por meio de aparelhos “privados” de hegemonia,7 porém tendo estes uma

finalidade pública.

Assim, o Estado ampliado representa a soma e a relação entre a

sociedade política e a sociedade civil, ou seja, é formado pela hegemonia

conquistada e, ao mesmo tempo, pela coerção e pelo consenso. Esse cenário de

correlações de forças composto por essas duas esferas pode servir para manter ou

transformar as relações sociais e uma determinada formação econômico-social, de

acordo com os interesses da classe hegemônica.

A hegemonia, como expressão de dominação, materializa-se como um

grupo capaz de construir e impor aos demais, mediante consenso, a sua direção

intelectual e moral. Gramsci analisa que o controle não se realiza por meio do

7 A palavra hegemonia vem do grego e significa dirigir, guiar, conduzir. Gramsci usa esse termo para

designar a conquista do consenso entre as classes, por oposição ao termo coerção, que designa o domínio pela força (PEREIRA, 2008, p, 158).

28

Estado ou da sociedade civil,8 mas das classes sociais.

Conforme Pereira (2008), a elaboração feita por Poulantzas complementa

a análise feita por Gramsci, pois aponta uma possível cisão entre frações da classe

dominante no bloco de poder do Estado/sociedade política, uma vez que “essas

frações burguesas em seu conjunto se situam, se bem que em graus cada vez mais

desiguais, no terreno da dominação política” e sofrerão as refrações do conflito de

classe, tanto na esfera econômica quanto na sociedade civil gerando atritos, cisões

e mesmo fissuras nas instituições da sociedade política.

Essa percepção de Estado desenvolvida por Poulantzas deve ser vista como o reencontro teórico de suas análises com a dialética e a história na abordagem do Estado. O Estado não pode ser concebido como um bloco sem fissuras, mas como arena de luta entre frações de classe, as quais podem, eventualmente, ocupar direta ou indiretamente ramos da burocracia e dos aparelhos institucionais. Temos não mais um Estado como abstração que flutua acima das classes, mas como aparato complexo transformado em objeto de luta das classes, cujas unidades institucionais constituem alvo da ação dos diversos grupos políticos e sociais em pugna (VASCONCELOS, 1988, p. 10).

As “fissuras” na estrutura do Estado, que possibilitam o processo de

ampliação dos direitos políticos, acabam por aumentar a participação dos

trabalhadores nas instâncias legais da sociedade política e especialmente nas

conquistas de direitos sociais. E são exatamente esses direitos sociais que podem

(e devem) rebater nas áreas de atrito em meio à correlação de forças entre as

classes, podendo representar junto ao direito político um elemento de radicalização

por parte das massas proletárias. Isto porque o direito social coloca o debate sobre

as condições de sobrevivência necessárias para a reprodução da força de trabalho,

sobretudo sob a concessão de políticas por parte do Estado, o qual terá de ceder a

um conjunto de demandas sociais que poderá interferir diretamente na distribuição

da riqueza socialmente produzida, visto que esta se localiza no cerne entre o que é

apropriado privadamente e o que será destinado a financiar as políticas sociais.

O tema de fracionamento do Estado está intimamente ligado à questão da sua autonomia relativa. Já percebemos que o Estado não pode ser visto simplesmente como instrumento direto ou imediato de uma classe (concepção instrumentalista ou maquiavélica), mas se desenvolve em um contexto de lutas tanto na sociedade civil quanto em seus próprios aparatos. Estes aparatos (Executivo nacional, regional e local, Legislativo, Judiciário, Exército, instituições de bem-estar, etc.), têm leis e regras diversificadas, e são ocupados por burocracias, com características e organização hierárquica também específicas. Assim, as políticas emanadas do Estado não podem responder diretamente apenas às demandas da acumulação,

8 Vale ressaltar que, para Gramsci, a sociedade civil não é sinônimo de bem, e o Estado, de mal – a

correlação de forças nos momentos concretos é que determina tal leitura.

29

visto que exigem sempre a formação ou manutenção do “bloco histórico” que envolva o acordo e/ou coerção entre todas essas forças e subsistemas institucionais fora e dentro do Estado, em um projeto hegemônico. Essa mediação intrínseca à estrutura do Estado é que constitui a sua autonomia relativa (VASCONCELOS, 1988, p. 11).

No final do século XIX e início do século XX, destacaram-se os efeitos

catastróficos da crise capitalista de 1929,9 que provocou o redirecionamento do

papel do Estado, associado à reestruturação do processo de acumulação capitalista,

tendo como sustentação teórica as concepções elaboradas por John Maynard

Keynes, que defendia a ideia de que o Estado teria o papel de restabelecer o

equilíbrio econômico e apontava que essa intervenção permitiria o incremento das

políticas sociais.

Dessa forma, no paradigma keynesiano,10 o Estado tem seu papel

interventor bem definido como promotor do desenvolvimento econômico e social e

assume o compromisso com os serviços sociais universais como estratégia de

desenvolvimento capitalista e com a garantia do pleno emprego. A partir daí, outros

mecanismos de proteção social se somam aos existentes, como os serviços no

campo da saúde e educação e na proteção ao trabalho, garantindo aos cidadãos

uma rede de segurança que os impeça de passar a situações de pobreza. Porém,

conforme assinala Pereira (2008),

Keynes advogava, pois – como um defensor que era do capitalismo – não a nacionalização ou a socialização dos meios de produção, mas a nacionalização ou a socialização do consumo, sob a égide de um capitalismo regulado (PAREIRA, 2008, p. 92).

Sendo o consumo a força motriz da produção, seria necessário obter o

máximo nível de emprego implicando, em última instância, garantir o interesse geral

da sociedade de produzir. O Estado passaria assim a adotar um conjunto de

medidas econômicas e sociais para garantir a demanda efetiva e evitar as crises

econômicas (PEREIRA, 2008).

O Fordismo, modo de produção em massa, encontrou expansão favorável

na intervenção reguladora do Keyneisanismo. Segundo Netto e Braz (2007, p. 195),

9 A crise é, nesse contexto, entendida como constitutiva do sistema capitalista e resultado do

esgotamento do padrão de acumulação ocasionado pela insuficiência da demanda efetiva. Assim, a crise de 1929, oriunda do esgotamento da produção em massa associada à liberdade de mercado, ocasionou falência, desemprego e miséria a um grande contingente da população mundial (NETTO; BRAZ, 2007). 10

Pereira fundamenta-se no conceito de Mishra sobre o Keynesianismo, sendo que este “[...] constitui o componente econômico do Estado de Bem-Estar, visto inclusive que serviu de suporte às políticas de seguridade social inauguradas por William Beveridge, na Grã-Bretanha, no segundo pós-guerra” (PEREIRA, 2008, p. 46).

30

“a proteção social assegurada pelo Estado possibilitou o consumo de massa

adequado à produção fordista”. Dessa forma, o “pacto” Keyneisiano/Fordista

significou a retomada do processo de acumulação capitalista no pós-1945. É nesse

contexto que as políticas sociais no âmbito do Estado se generalizam. Esse fato,

consequentemente, proporcionou melhorias nas condições e qualidade de vida dos

trabalhadores, harmonizando assim as lutas de classe (BEHRING; BOSCHETTI,

2008).

Esse período de retomada e estabilidade econômica terá duração de

aproximadamente 30 anos, nos denominados “anos de ouro” ou ainda “anos

dourados”, caracterizado pela forte presença na organização econômica e social e

na promoção do bem-estar social. O Estado Keyneisiano ou Estado Social – e ainda

Welfare State – difere-se do Estado Liberal principalmente em razão da

materialização das políticas sociais entendidas nesse contexto como mecanismo de

expansão e garantia do equilíbrio social e da acumulação de riqueza. “Resultou

desse conjunto de determinações a possibilidade político-econômica e histórica do

Walfare State” (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 89).

Para Behring (2006), “[...] tratava-se do retorno do Estado mediador

civilizador”, que seria questionado, na sequência, pelas elites político-econômicas, a

quem coube a defesa, ao final dos anos de 1970 e 1980, do Estado Neoliberal.

Em termos sintéticos, conforme Vasconcelos (1988), o keynesianismo

promoveu as seguintes mudanças no Estado:

a) uma modificação das fronteiras entre privado e público, dada a intervenção crescente do Estado nas esferas da produção, distribuição, circulação e reprodução social, promovendo uma maciça politização do social, na medida em que as lutas antes limitadas à esfera das relações privadas e mercantis vão cada vez mais dependentes do ciclo político do Estado;

b) uma modificação significativa dos padrões de reprodução social pelo processo crescente de socialização e coletivização do consumo, assumido pelo Estado, que provoca uma desproletarização parcial da classe trabalhadora, através das diversas formas de salário indireto independentes da venda da força de trabalho;

c) um deslocamento [...] de parte do conflito capital/trabalho para a lógica da cidadania e dos direitos sociais ou, na linguagem de Bowles e Gintis, uma proeminência do eixo distributivo na luta de classe, sendo o seu maior foco o Estado;

d) uma valorização gradativa mais crescente das prerrogativas e dos direitos da pessoa, sendo que até então o capitalismo se baseava fundamentalmente na defesa dos direitos da propriedade [...]. Isto implica a transposição de práticas políticas, baseadas nos direitos pessoais, para a esfera da produção capitalista, onde elas confrontam diretamente o poder do capital;

31

e) um reconhecimento público do poder sindical e contratual da classe trabalhadora, através da lógica de decisões tripartites (Estado, empresários e trabalhadores);

f) uma ratificação da eliminação gradativa, no discurso político corrente, das demandas socialistas revolucionárias baseadas na concepção anterior de que a classe operária, fora da institucionalização estatal, se confrontava com ele como um contra-Estado [...] (VASCONCELOS, 1988, p. 15).

Como se observa, a retomada da concepção liberal se faz presente

nesses preceitos, uma vez que as novas formas de regulação se apoiam na lógica

da máxima eficiência e produtividade, que posteriormente moldará o Estado. São os

resquícios da forte influência do estruturalismo e do positivismo, presentes nas

estratégias de planificação dos instrumentos de gestão e controle do Estado, que

marcaram o século XX e se expandiram ao período pós 2ª Guerra, oriundos do

modelo tecnicista do fordismo-taylorismo, muito bem trabalhados por Antônio

Gramsci, já na década de 1920, no seu “Americanismo e Fordismo”.

Com a divisão do trabalho e a aglomeração de trabalhadores no chão da

fábrica, sob o domínio do capital na organização do trabalho social, o processo de

cooperação se amplia, originando a força produtiva social do trabalho, que surge

historicamente a partir das relações capitalistas de produção.

Dessa forma, o Estado passa a responder às demandas do trabalho,

mediante concessão de direitos, desde que estes não afetassem a propriedade

privada dos meios de produção e não revelassem a contradição sobre a qual

repousava essa sociedade. Assim, as respostas sociais engendradas pelo Estado

para atender os conflitos sociais gerados pelo antagonismo entre as classes são no

sentido de tentar conciliar interesses contraditórios e contrapostos ao capital e ao

trabalho. Ao mesmo tempo em que se criam as condições propícias para que a

acumulação capitalista seja preservada, o Estado também ganha legitimidade

política ante outros protagonistas sociopolíticos (NETTO, 1992).

É somente nessas condições que “as sequelas da ‘questão social’

tornam-se [...] objeto de uma intervenção contínua e sistemática por parte do

Estado” (NETTO, 1992, p. 25), por meio de políticas sociais, cuja funcionalidade

essencial se expressa “nos processos referentes à preservação e ao controle da

força de trabalho – ocupada, mediante a regulamentação das relações

capitalistas/trabalhadores; lançada no exército industrial de reserva, através dos

sistemas de seguro social” (NETTO, 1992, p.25-27), para que, assim, sejam

asseguradas as condições propícias ao desenvolvimento monopolista. As políticas

32

sociais “públicas”, nesse momento, ganham relevância pelo seu caráter de

mediação entre as demandas sociais e as formas como estas são incorporadas,

processadas e institucionalizadas pelo aparelho governamental.

Diante das transformações, são notórias as expressivas mudanças no

mundo do trabalho, que intensifica a substituição da força humana por forças

naturais e tecnológicas, como também exige o abandono das tradicionais rotinas

baseadas no acúmulo de experiências para implantar a organização “científica do

trabalho”. Esses dois elementos – forças naturais desenvolvidas e novas tecnologias

e sistemas de máquinas, além da organização “científica” do trabalho – constituem

condições materiais da produção capitalista, inaugurando uma nova etapa

caracterizada pelo investimento na destreza da máquina cada vez mais

automatizada e substituindo habilidades manuais do trabalhador. Por outro lado, a

revolução informacional proporcionou capacidade à máquina de realizar operações

mentais e intelectivas (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).

Conforme BEHRING e BOSCHETTI (2008), outra característica dessa

etapa deve ser destacada:

A expansão do setor de serviços, das funções intermediárias, ou melhor, da esfera da reprodução, absorveu durante algum tempo parcela da mão de obra liberada. No entanto, também aí vislumbraremos limites importantes. Mandel ressalta a tendência da supercapitalização, ou seja, da industrialização da esfera da reprodução em setores que não produzem mais-valia diretamente, mas que indiretamente aumentam a massa de mais-valia. Trata-se de impregnar o processo social de relações tipicamente capitalistas, transformando os serviços em mercadorias. Dessa forma, houve um incremento tecnológico também na esfera da reprodução, visando acelerar o conjunto do processo capitalista de produção através do estímulo nas esferas da circulação e do consumo. Porém, esse setor, a partir de um certo período, também expulsa força de trabalho (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p. 90).

As mudanças tecnológicas e informacionais possibilitarão a etapa

expansionista do capitalismo, caracterizada por tendências progressivas e

regressivas. Progressivas, por atenderem significativas reivindicações históricas da

classe trabalhadora: ampliar níveis de emprego e implementar políticas sociais

redistributivas pelo Estado de Bem-Estar Social. Regressivas, na medida em que

essas conquistas da classe trabalhadora e a ampliação do Estado democrático se

viabilizam para manter e ampliar a exploração da força de trabalho humano sob

novos padrões de acumulação do capital, pela lei do valor, freando o movimento

revolucionário socialista e cooptando setores expressivos do movimento operário

para o pacto social-democrático que se torna hegemônico.

33

Diante disso, o Estado, na sua condição totalizadora, mesmo tendo à sua disposição parcela considerável do valor socialmente criado, na forma de impostos e contribuições que constituem o fundo público, e um controle maior dos elementos do processo produtivo e reprodutivo, perdeu gradualmente a efetividade prática de sua ação. Isso porque ele se deparou com a contraditória demanda pela extensão de sua regulação, por um lado, e com a pressão da supercapitalização fortalecida pela queda da taxa de lucros, por outro. Para o capital, a regulação estatal só faz sentido quando gera um aumento da taxa de lucros, intervindo como um pressuposto do capital em geral. Dentro disso é que se torna aceitável certa redistribuição horizontal e limitada na forma de salários indiretos, assegurados pelas políticas sociais. A demanda contraditória sobre o Estado, por sua vez, é a expressão da contradição interna do capitalismo entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p. 90 - 91).

Concomitante a este período, mudanças passam a ser operadas no modo

de produção capitalista, impulsionadas pela revolução informacional e tecnológica

que ocorre no mundo, sobretudo a partir de 1960. Essa revolução é evidenciada em

escala planetária crescente, atingindo as artes, a ciência, o mercado, a natureza, o

humano, a vida em sociedade e o Estado. BEHRING e BOSCHETTI (2008)

relacionam os limites da etapa ‘keynesiana/fordista’ para o pleno desenvolvimento

do capitalismo – dessa forma, o próximo passo será a “corrida aos superlucros”.11

Conforme Vasconcelos (1988, p. 18) “A crise fiscal do Estado das

décadas de 70/80 significa uma crise do keynesianismo e de sua forma de

intervenção estatal, e promove e/ou exacerba uma série de conflitos no campo das

políticas sociais”, ou seja, em uma das principais funções do Estado.

Em termos gerais, as consequências da crise fiscal do Estado nesse

contexto implicam que,

a) no plano teórico, reafirme a concepção mais complexa do Estado no capitalismo, centrada na sua autonomia relativa e na sua constituição contraditória e fragmentada. Isso se dá na medida em que, na atual crise, o próprio Estado capitalista, que na noção linear tradicional seria o guardião dos interesses do capital, se apresente como uma instância disfuncional e geradora de crise para a acumulação, ou na linguagem de Bowles e Gintis, como "lócus integral de produção de crise" [...];

b) a crise fiscal do Estado se constitui em um dos componentes básicos da crise global do capitalismo dos anos 70/80 e como tal, de acordo com Habermas, provoca uma crise de legitimidade geral no sistema. Essa crise não se coloca pela impossibilidade a priori do Estado em cumprir as tarefas e obrigações já assumidas, mas como diz Habermas, na "necessidade de que o Estado realize todas essas tarefas sem quebrar as condições funcionais de uma economia capitalista" (Habermas, 1983, p. 235 apud Vasconcelos, 1988, p. 19);

11

Sobre esse contexto, conforme Behring e Boschetti (200), a crise econômica que se iniciou nesse período indica as mudanças no mundo do trabalho, entendidas como parte do processo de reestruturação produtiva e como estratégia para a superação do modelo fordista/keynesiano, em favor da acumulação flexível e das mudanças na intervenção do Estado, marcadas pela crise do keynesianismo e pelo advento do neoliberalismo. Acrescentam-se a essa análise as repercussões da mundialização do capital sobre a economia e a política.

34

c) a crise fiscal [...], implique novos e sérios desequilíbrios econômicos e políticos. Faz emergir um processo de aumento da população excedente e da pobreza, e produz ou exacerba movimentos sociais de reação à exploração tributária, de servidores do Estado por melhores salários e condições de trabalho, e de clientes do Estado reivindicando uma maior e melhor cobertura de serviços sociais do Estado. A crise fiscal, nesse sentido, acaba por agudizar os conflitos no campo das políticas sociais (VASCONCELOS, 1988, p. 18-19).

Vasconcelos (1988), referenciando O'Connor (1977), destaca que a crise

fiscal constitui o resultado da contradição entre uma socialização de custos via

Estado e uma apropriação privada dos lucros, ou em seus próprios termos, na

"brecha estrutural entre despesas do Estado e suas rendas". O resultado inevitável é

a tendência para as despesas públicas crescerem mais rapidamente do que os

meios para financiá-las. As consequências podem ser assinaladas no seguinte

trecho:

Se, sob essas condições restritivas, o Estado não consegue manter os efeitos disfuncionais do processo econômico capitalista dentro dos limites que ainda podem ser aceitos pelo público de eleitores; e se não consegue tampouco diminuir o nível mínimo de aceitabilidade, então são inevitáveis fenômenos de deslegitimação. Essa se caracteriza, antes de mais nada, pelos sintomas de uma mais áspera luta distributiva, que se trava segundo as regras de uma relação a soma zero entre cota estatal, cota dos salários e taxa de lucro. A taxa de inflação, a crise financeira do Estado e o número dos desempregados – elementos substituíveis reciprocamente só de modo limitado – indicam o grau de falência diante da tarefa de garantir a estabilidade; a desagregação da política de reformas indica, ao contrário, a falência diante da tarefa de alterar estruturas indesejadas de criação de privilégios (Habermas, 1983, p. 237-238 apud Vasconcelos, 1988, 19 -20).

O enfraquecimento do padrão fordista/keynesiano, para Antunes (1999), é

uma “expressão fenomênica” da crise do capital em âmbito internacional, e não a

causa em si,12 sendo evidenciada no fracasso desse modelo, mas a sua raiz

encontra-se nos objetivos centrais do capitalismo, que é a maximização de lucro e

acumulação. Houve a manutenção do modo de produção capitalista, mas o padrão

de acumulação sofreu modificações, intensificando a exploração do trabalho a partir

de novos meios de extração de mais-valia, metamorfoseando o mundo do trabalho,

alterando suas relações e condições de realização e configurando o chamado

processo de reestruturação produtiva13 introduzindo a lógica toyotista.

Essas mudanças não tocam nos pilares fundamentais do capitalismo,

12

A crise do taylorismo e do fordismo apresentou traços mais nítidos na década de 1970. São eles: queda da taxa de lucro; o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista; hipertrofia da esfera financeira; maior concentração de capitais; privatizações e formas diferenciadas de precarização do trabalho (ANTUNES, 1999). 13

O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, por meio da constituição das formas de acumulação flexível, do dowsiinzing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico e dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde se destaca especialmente o “toyotismo”, o modelo japonês (ANTUNES, 1999. p. 47).

35

como a exploração e o trabalho alienado, embora sejam travestidas de maior

participação, flexibilidade e valorização por mérito individual. Tais processos em

curso não vêm se efetivando de forma homogênea no cenário mundial: muitos

países do terceiro mundo não chegaram a vivenciar o Estado de Bem Estar Social,

ou o Welfare State, e nem atingiram o auge no setor produtivo. Nesses casos, os

impactos da crise e das alternativas de solução ocorreram de forma mais sacrificada,

sem serem poupados da política neoliberal e das transformações do trabalho nos

diversos setores, tendo como consequência o agravamento da questão social e

mudanças nas formas de enfrentamento de suas expressões.

Nesse contexto, Viana (2007) evidencia que as condições históricas

favorecerão o desenvolvimento de uma modalidade de intervenção Estatal

denominada pluralismo de bem-estar, ou bem-estar misto (welfare pluralism ou

mix),14 etapa posterior às experiências surgidas na Europa no final dos anos 1970

como alternativa ao padrão de bem-estar keynesiano/fordista/beveridgiano, que

vigorou entre 1945 e 1975 nas sociedades capitalistas industrializadas do Ocidente.

O Estado redimensiona sua forma de intervenção, destacando uma

postura que se contrapõe ao pressuposto anterior. Dessa maneira, o conceito de

liberdade positiva com igualdade15 está em contraposição com a concepção

neoliberal de liberdade negativa, fundamentada na garantia de direitos individuais

(civis e políticos). Dessa contraposição surgem duas significativas diferenciações.

Uma refere-se à ênfase dada à dimensão plural ou mista, em detrimento da

dimensão pública assegurada pelo Estado pela materialização das políticas

públicas. A outra diz respeito à concepção de mínimos sociais, em detrimento da

satisfação de necessidades sociais básicas (VIANA, 2007).

Durante a década de 1980, o Brasil desenvolveu-se, de certa forma, em

contradição com os rumos tomados pelos polos irradiadores do capitalismo

14

Em tese, o pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto consiste em uma ação compartilhada entre as três esferas da sociedade moderna – Estado, mercado e instituições não governamentais e não mercantis da sociedade. No pluralismo neoliberal, são estabelecidas uma divisão de responsabilidades nas esferas do bem-estar e uma redistribuição de funções entre essas três esferas, com ênfase ao papel da sociedade civil, já que o mercado não tem vocação social e o Estado é destituído de seu papel de regulador das relações sociais (PEREIRA, 2008). 15

Define-se como liberdade positiva a possibilidade de os direitos de cidadania serem assegurados pelo Estado e afiançados constitucionalmente. Trata-se do reconhecimento do Estado como espaço de garantia de cidadania, das políticas públicas e dos direitos sociais. O conceito de igualdade só ganha significação pública quando vinculado ao conceito de liberdade positiva para todos e de justiça redistributiva, porque os direitos sociais, diferentemente dos direitos individuais (civis e políticos), constituem um decisivo nível de cidadania. O conceito de liberdade negativa, postulado pelos neoliberais, contrapõe-se ao de liberdade positiva. Rechaça o princípio da igualdade de condições de acesso e a capacidade interventiva e de regulação do Estado no âmbito das políticas públicas e dos direitos sociais (VIANA, 2007, p. 58).

36

internacional. Dos governos Ronald Reagan (EUA) e Margareth Tatcher (Reino

Unido) espraiaram-se pelo mundo políticas neoliberais buscando a superação da

crise capitalista originada nos anos de 1970. Dessa maneira, foram implantadas

ações como a retirada dos diretos dos trabalhadores e, por consequência, a

contenção do movimento sindical, o enfraquecimento do Estado de Bem-Estar

Social e a manutenção da máquina estatal forte na sua capacidade de controle das

finanças, com o respectivo enxugamento dos gastos sociais e repressão a quaisquer

formas de contestação a essas políticas (ANDERSON, 1995).

A onda neoliberal criou uma ideologia que se disseminou pelo mundo,

facilitada pela leniência e incorporação de seus valores pela social-democracia e

pela decadência e derrocada dos regimes do leste europeu (ANDERSON, 1995).

Tal pensamento, divulgado ad nauseum pelos arautos do centro norte atlântico de poder mundial e repetido por seus áulicos da periferia baseava-se na perspectiva teleológica da vitória do capitalismo e na necessidade de assunção, pelo conjunto da humanidade, daquele sistema como definitivo, incontestável (ANDERSON, 1995, p.10).

Além disso, ideias dissonantes, como projetos alternativos de sociedade

ou políticas sociais universais, foram tratadas como superadas pelo “moderno” e

“dinâmico” capital, em especial o financeiro, gerador de um “novo” e “ágil” mercado

mundial ao qual todos deveriam incorporar-se.

Diante da crise orgânica que se abateu a partir das décadas de 1970 a

1980, a realidade atual do capitalismo tem posto na ordem do dia a necessidade de

se reestruturar todo o seu padrão de acumulação. O que tem ocorrido na atualidade

é uma ampla e intensa busca do capital para reestruturar as condições gerais de

acumulação com o objetivo de recuperar as taxas de lucros (NETTO, 1992).

O papel tradicional do Estado foi sendo suplantado pelas exigências das

reformas da década de 1980 e pelas transformações impostas pela economia

globalizada. Houve inicialmente uma retração do Estado na provisão de políticas

sociais e foi reforçada pela mídia a imagem de sua ineficiência, associando os males

da crise à própria existência do Estado.

Nos anos de 1990 assiste-se a uma mudança no padrão de regulação

estatal. Essa mudança possibilitou um redirecionamento no papel do Estado,

influenciado pela política de ajuste neoliberal, como resposta ofensiva do capital à

crise estrutural do capitalismo mundial a partir dos anos 1970 e ao esgotamento do

modelo fordista-keynesiano.

37

Como podemos observar, nesse percurso o Estado se constitui como

uma instituição num contexto de correlações de forças entre os diversos agentes da

sociedade civil, sendo movido por valores ideológicos, éticos e culturais. O Estado é

assim uma instituição que organiza e institucionaliza os diversos interesses e

carências sociais. Dessa forma, fica impossível pensar, como comumente se faz, o

Estado e sociedade civil como duas instituições separadas e que assim as políticas

públicas se apresentariam como se constituíssem de outorgas de direitos atribuídos

à sociedade civil pela instituição estatal. Os direitos sociais e as políticas públicas e

sociais, porém se constituem, na verdade, de construções coletivas e sociais

(BONETI, p. 17, 2011).

2.2 Sociedade Civil: entre a democratização do espaço público e a disputa

ideológica

Como vimos anteriormente, os pressupostos que sustentam as

concepções e formas de definição do Estado são complexos. Nas palavras de Farias

(2001), temos o “Estado capitalista como uma totalidade concreta, complexa e

contraditória” e não diferente. Os pressupostos que sustentam as definições em

torno da sociedade civil também ganham os mesmos contornos, dados os interesses

e definições no campo ideológico e no contexto em que será aplicado.

Conforme Gohn (2008), os pressupostos em torno de sociedade civil

podem ser compreendidos como “[...] processo de privatização, implicando a

expansão do mercado e a limitação do Estado” (GOHN, 2008, p. 60), ou até mesmo

sobre os ‘liberais da corrente humanista, que atribuem como espaço da sociedade

civil o processo de aprofundamento da participação comunitária em projetos

públicos’ tendo como foco o aumento da ‘performance do governo e sua aceitação

pública’” (GOHN, 2008, p. 60). Outras definições, ainda conforme Gohn (2008),

representarão a sociedade civil como instância ou “sinônimo de civilidade”.

Recentemente observa-se no ocidente o crescimento da interpretação da sociedade

civil como “aperfeiçoamento dos processos deliberativos democráticos, para criar

mais espaço público” (GOHN, 2008, p. 60).

Ainda em Gohn (2008) encontramos que, historicamente, atribui-se a

Aristóteles a origem do conceito de sociedade civil: "koinonia polítike", expressão

38

traduzida para o latim como "societas civilis", correspondendo a uma "comunidade

pública ético-política", possuidora de um ethos compartilhado pelos membros que a

constituem. Gohn (2008) acrescenta que a separação sociedade civil e Estado só

vem acontecer na Idade Moderna, a partir dos escritos de Ferguson e Paine.

“Ferguson evidencia o fato de que o Estado não é uma extensão imediata da

sociedade (civil). Anos mais tarde, Paine amplia a concepção de Ferguson,

defendendo a limitação do poder estatal em nome da preservação da sociedade

civil” (COSTA, 1997, p. 3 apud GOHN, 2008, p. 62).

Na doutrina do jusnaturalismo,16 a exemplo de Hobbes e Locke, a

sociedade civil é entendida a partir da oposição à natureza. Para Hobbes, assim

como para Locke, a sociedade civil tem duplo aspecto: o de sociedade política e o

de sociedade civilizada. A sociedade civil é considerada por Hobbes e seus

seguidores como sendo a sociedade que se opõe à etapa primitiva da humanidade,

o estado selvagem. Não há aqui uma separação entre as expressões "sociedade

política" e "sociedade civilizada".

Tais indivíduos seriam naturalmente egoístas, defendendo seu próprio interesse e tenderiam permanentemente à violência, à luta de todos contra todos. O pacto entre os indivíduos exigia abrirem mão de sua violência 'natural', delegando unicamente ao Estado o poder, ou o controle da violência, agora legitimada, garantindo assim o direito à vida. Esse pacto não poderia ser rompido, pois o soberano doravante teria o direito de impô-lo contra qualquer ameaça (FONTES, 2013, n. p.).

Posteriormente, Rousseau vai tratar do tema da sociedade civil. Ele

afirma que a sociedade civil é fundada na propriedade e que tal condição é o motivo

principal das discórdias e desavenças entre os homens. Em sua obra “O Contrato

Social” aborda a questão já considerando que o homem não pode agir única e

exclusivamente conforme seus instintos e desejos particulares.

A passagem do estado de natureza ao estado civil produz no homem uma mudança muito significativa, substituindo, em sua conduta, o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. É somente então que, a voz do dever sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite, o homem, que até então só havia considerado a si mesmo, vê-se forçado a agir segundo outros princípios e a consultar a razão antes de escutar suas inclinações (ROUSSEAU, 2011, p. 37).

Gohn (2008), parafraseando Bobbio em estudos sobre Rousseau, afirma

que a sociedade civil é a sociedade civilizada, no sentido da não barbárie, mas sem

implicar, necessariamente, em sociedade política. Esta surgirá do contrato social e 16

Doutrina do direito natural, identificada pelo desenvolvimento das primeiras concepções sobre direitos sociais, civil e político. Defende a ideia de natureza humana e a existência de direitos inatos ao homem.

39

será uma recuperação do estado de natureza e uma superação da sociedade civil.

Ainda conforme Gohn, “E importante lembrar, que essa visão jusnaturalista do direito

natural deu bases à Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa”

(GOHN, 2008, p. 63).

De acordo com Gohn (2008), Hegel recebeu influências tanto de

Rousseau como principalmente de Kant ao abordar o tema da sociedade civil. Faz

crítica a Rousseau ao afirmar que não existe estado de natureza e estado civil, no

sentido de momentos sequenciais, e trata os dois momentos como sociedade pré-

estatal e sociedade estatal. Hegel (apud GOHN, 2008) afirma que a família é a

estrutura básica de satisfação primária e socialização dos indivíduos. Além da

família, contudo, ele propõe outras duas esferas da ação humana: a sociedade civil

e o Estado. A sociedade civil, para ele, é intermediária entre a família e o Estado.

Segundo esse autor, o que motiva a ação humana são os interesses individuais. A

sociedade civil é a esfera onde o homem busca suprir as suas necessidades e

satisfações individuais, e a maior expressão disso é o direito de propriedade, sendo

que a forma de suprir suas necessidades seria pelo trabalho.

Ocorre que o indivíduo não é capaz de produzir tudo o que necessita e

deseja, gerando uma interdependência. Hegel (apud GOHN, 2008) entende que

essa interdependência tem sua origem na divisão social do trabalho, que gera

vinculação de todos os indivíduos entre si. O Estado é voltado para o interesse

comum, para a vontade coletiva.

Conforme Gohn (2008), nessa concepção, a sociedade civil vai incorporar

tanto o sistema das necessidades (a esfera econômica) como o aparato jurídico, a

administração pública e a corporação, registrando com bastante clareza que

Hegel é o primeiro autor moderno a conferir centralidade à ideia de sociedade civil. Nem a família nem o Estado são capazes de esgotar a vida dos indivíduos nas sociedades modernas. Sociedade civil para Hegel implica simultaneamente determinações individualistas e a procura de um princípio ético que jamais poderia vir do mercado, mas sim das corporações (GOHN, 2008, p. 63).

No pensamento de Karl Marx, a sociedade civil não significa instituições

postas entre família e Estado, como foi concebida por Hegel. Conforme Gohn

(2008), esta será compreendida nas dimensões do sistema das necessidades, isto

é, a “economia capitalista da sociedade burguesa”. Para Marx, a base econômica

material modela tanto a religião e a filosofia quanto as formas de expressão cultural

40

e as instituições existentes. A sociedade civil envolve todo o conjunto da vida

comercial e industrial de um determinado grau de desenvolvimento. Ela congrega ao

mesmo tempo a luta de classes.

Também conforme Duriguetto (2007), é importante ressaltar que essa

contradição favorecerá o desenvolvimento crescente de organizações (sindicatos e

partidos operários de massa que ampliam enormemente a participação política das

classes subalternas) e conquistas (como o sufrágio universal) da sociedade civil no

terreno da política. Por outro lado, há também uma permanente luta pela expansão

de direitos sociais, que vão sendo progressivamente conquistados,17 impondo ao

Estado a incorporação também de outros interesses de classe, o que expressa a

possibilidade de, ainda que sob a dominação da ordem e do Estado capitalista, ter

lugar a formulação de políticas que respondam a demandas formuladas pelas

classes subalternas.

Em outras palavras, para Marx, a centralidade ontológica do trabalho é

que permite não identificar, como em Hegel, as corporações como partes da

sociedade civil. Esta corresponde à base material de produção e intercâmbio da vida

humana, a esfera econômica, sendo assim o momento infraestrutural. Dessa forma,

os outros complexos que compõem a totalidade social são momentos

superestruturais (com autonomia sempre relativa diante da base), que surgem para

cumprir funções sociais especificas, pois, a partir do desenvolvimento de

necessidades cada vez mais complexas ao longo da história humana, o ato do

trabalho demonstrou não possuir capacidade de responder a todas elas (NETTO,

1992).

Gramsci entra na história das ideias políticas como sendo o primeiro autor

17

Duriguetto (2007), baseando-se na periodização clássica marshalliana, diz que “poderíamos dizer que a segunda metade do século XIX e o século XX se caracteriza pela contínua expansão de direitos políticos e sociais. As classes subalternas sempre estiveram na vanguarda da luta pela conquista e ampliação desses direitos liberais democráticos. No plano especificamente político, conquistada a legalidade da organização sindical na Inglaterra (1824), multiplicam-se as organizações que serão catalisadas entre 1838 e meados da década seguinte, pelo primeiro movimento operário de massa, o movimento cartista. A luta pela extensão do sufrágio universal (e a fixação legal da jornada de trabalho) foram as principais bandeiras de luta desse movimento. Foram às lutas pelo sufrágio, pela criação de sindicatos e a formação de partidos políticos de massa (uma invenção das classes trabalhadoras, pois os partidos eram, no início do liberalismo, simples "correntes de opinião" de grupos parlamentares) que criaram as formas políticas democráticas que hoje coexistem (numa tensão entre integração e contradição) com as formas institucionais liberais oriundas das revoluções burguesas. No plano especificamente econômico e social, basta lembrar que, ao ser decretada a primeira medida sobre limitação da jornada de trabalho na Inglaterra em 1864, Marx afirmou que esta tinha sido a primeira vitória da economia política da classe operária sobre a economia política do capital” (MARX e ENGELS, 1864 apud DURIGUETTO, 2007, p. 53).

41

a compreender o espaço da sociedade civil como o espaço de organização da

cultura (GOHN, 2008). Para ele, a sociedade civil está na superestrutura social,18

onde as “relações de produção formam a estrutura econômica da sociedade, a base

real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política, e à qual

correspondem determinadas formas sociais de consciência social” (GRAMSCI, 1999,

p. 157 apud SIMIONATTO, 2008, p. 49). Gramsci, diferentemente de Hegel, não

reduz a sociedade civil ao nível da esfera dominada pelo direito de propriedade.

Para ele, “a sociedade civil não é uma zona neutra, nela os vários elementos da

sociedade não operam e competem em igualdade de condições, de forma

homogênea, independentemente das relações de força e poder”19 (SIMIONATTO,

2008, p. 49).

Na obra de Gramsci, o tratamento á sociedade civil não acontece de

forma separada da dimensão econômica (ou da esfera estrutural), mas se

encarregará de tratar, em uma perspectiva dialética, das novas determinações do

capitalismo e da necessidade de estratégias revolucionárias inovadoras, sintetizadas

na “guerra de posição” a ser tratada – primeiro, na sociedade civil e, depois, no seio

do próprio Estado (SIMIONATTO, 2008).

Conforme Duriguetto (2007), embora possamos encontrar indicações de

inovações nos fundamentos da teoria política marxiana, nas obras posteriores ao

Manifesto Comunista em torno da definição de sociedade civil, a mais importante

será a sistematização política elaborada por Antônio Gramsci:

O conceito de sociedade civil em Gramsci pertence, assim, ao momento da superestrutura, diferente da formulação marxiana, que identifica sociedade civil com infraestrutura econômica. Não obstante, segundo Coutinho, a alteração efetuada por Gramsci não implica na negação da centralidade descoberta por Marx da base material como fator ontológico primário da socialidade, como conclui equivocadamente Norberto Bobbio (1987, p. 32). Bobbio, ao fazer uma leitura liberal do conceito de sociedade civil em Gramsci, toma-o exclusivamente como esfera da superestrutura, como se Gramsci conferisse à esfera econômica um papel secundário. Para Gramsci, ao contrário, a produção e a reprodução da vida material continuam a ser o fator ontologicamente primário na explicação da história. Mas o elemento essencial que determina a especificidade e a novidade do seu conceito de sociedade civil está na sua contribuição para o

18

A análise das relações estrutura-superestrutura constitui, para Gramsci, o “problema crucial do materialismo histórico”. Para ele, a esfera da superestrutura não pode ser reduzida a uma concepção subjetivista “própria da filosofia moderna em sua forma mais completa e avançada, se foi dela e como de sua superação nasceu o materialismo histórico, o qual, na teoria das superestruturas, coloca em linguagem realista e historicista o que a filosofia tradicional expressava em forma especulativa” (GRAMSCI, 1999, p. 131 apud SIMIONATTO, 2008). 19

Característica da tese liberal assentada nos limites formais e jurídicos, impostos ao uso da força como recurso a ser utilizado pelo Estado, demarcando a zona-limite entre Estado e sociedade civil.

42

enriquecimento teórico-analítico do modo como a esfera econômica determina a produção e reprodução da superestrutura no contexto histórico em que se operou uma maior complexificação do Estado. Ou seja, a sociedade civil expressa a articulação dos interesses das classes pela inserção econômica, mas também pelas complexas mediações ideopolíticas e sócio institucionais (COUTINHO, 1992, p. 73). Assim "o conceito se refere, na realidade, ao problema do Estado: o conceito de 'sociedade civil' é o meio privilegiado através do qual Gramsci enriquece, com novas determinações, a teoria marxista do Estado" (COUTINHO, 2000a, p.2). (DURIGUETTO, 2007, p. 54-55).

Neste aspecto, as análises de Gramsci inovarão na compreensão em

torno da “guerra de posição”, uma vez que o elemento definidor da correlação de

forças no seio da sociedade civil acontece por meio da hegemonia. O espaço

principal para a disputa pela hegemonia é a sociedade civil, e se completa no plano

da sociedade política.

Em termos gramscianos, em contraposição à hegemonia dominante, as

classes subalternas devem se organizar visando à elaboração e construção de uma

cultura contra-hegemônica como sua principal estratégia. Hegemonia não está tão

somente na esfera da política como também na da economia, da cultura, da moral,

da ética e da concepção de mundo. É neste sentido, por exemplo, que as

manifestações artístico-culturais podem ser consideradas espaços de reflexão crítica

e de criação teórico-prática de uma concepção de mundo diversa da dominante,

suscitada pelo questionamento dos valores dominantes.

Trata-se, portanto, de elaborar uma concepção nova, que parta do senso comum, não para se manter presa ao senso comum, mas para criticá-lo, depurá-lo, unificá-lo e elevá-lo àquilo que Gramsci chama de bom senso, que é pra ele a visão crítica do mundo. Deve-se observar que, quando se fala da concepção cultural mais elevada como “bom senso”, é que se tem uma visão não aristocrática da cultura. É que se está orientando por uma profunda preocupação com o vínculo entre a cultura e as grandes massas

(e o modo de sentir dessas massas) (GRUPPI, 2000, p. 69).

A filosofia política de Gramsci destaca a importância da organização da

sociedade civil para a mudança da sociedade política, num plano onde há táticas e

estratégias denominadas guerra de posição e guerra de movimento. Trata-se de

organizar a sociedade civil para democratizar o Estado e seus aparelhos (a

sociedade política). Ela não se contrapõe ao Estado, mas é uma de suas partes

constitutivas, junto com a sociedade política. A sociedade civil é uma esfera do ser

social, diz Coutinho (1999 apud SIMIONATTO, 2008), uma arena privilegiada da luta

pela hegemonia e pela conquista do poder político.

Conforme Gohn (2008, p. 65) no final do século XX, para se compreender

o “papel da sociedade civil”, recuperaram-se as contribuições de um autor francês

43

que viveu na América, considerado fundamental na implantação do modelo de

democracia norte-americana: Alexis de Tocqueville.

Tocqueville ficou fascinado pelas redes cívicas americanas, nascidas espontaneamente, do que denominou como aspiração e desejo de pessoas livres. Ele descreve a sociedade civil como uma associação cívica: consiste numa legião de entidades assistenciais, de caridade, fraternais, ligas cívicas (muito comuns no seu tempo), associações religiosas, etc. (GOHN, 2008, p. 65).

Esse ressurgimento teve precursores nos próprios Estados Unidos, os

quais são considerados por muitos como os verdadeiros fundadores da sociedade

civil, em razão dos milhares de tipos de associações voluntárias que criaram:

religiosas, morais, de caráter geral e restritas, grandes e pequenas, todas

consideradas fundamentais para o funcionamento da democracia americana (GOHN,

2008).

Dessa forma, observamos em Tocqueville que as associações civis em

sociedades democráticas são enfatizadas há muito tempo e, ao realizarem sua

ação, incorporam, reforçam e difundem normas e valores da comunidade cívica.

Tocqueville (1998) destaca a importância dos grupos associativos na sociedade

americana, por representarem iniciativas sociais de mobilização e organização que

colocam no cenário social alternativas de ação política em defesa de interesses da

sociedade civil.

Como pensador liberal no século XIX, Tocqueville considerava que a

democracia e a sociedade civil são um fato irreversível, quando afirma que

a igualdade de condições, o fato de que os indivíduos sejam equalizados em suas condições materiais de vida e se sintam como iguais, isso é uma lei, um desígnio divino, é uma coisa que não podemos impedir que ocorra. Mas isso pode levar ao despotismo. Quando todos são equalizados, quando não há mais diferenças entre os homens, eles terminam por obedecer todos a um déspota e se forma a “tirania da maioria” (TOCQUEVILLE, 1998, p.194).

Como se pode perceber, Tocqueville (1998) acreditava que a igualdade

pode destruir a liberdade. Embora considerando que a democracia seja irreversível,

ela contém em si mesma algo negativo. Ele acreditava que a forma de impedir o

despotismo era, paralelamente, manter as liberdades e direitos individuais,

desenvolver o associativismo que impediria o poder déspota de se sobrepor aos

demais.

Em detrimento dessa teorização, o que se destaca são as razões pelas

quais Tocqueville (1998) considerava papel fundamental dos governos democráticos

44

fazer do ideal de igualdade um estandarte. Supõe-se que a construção de preceitos

morais necessários à coerção social seria uma dessas razões, pois, assim como os

legais, contribuem sobremaneira para a formatação da conduta individual e,

consequentemente, da preservação da ordem societária.

Nesse aspecto, a ideia de individualismo de Tocqueville (1998), no que se

refere à concepção de condutas valorativas e condutas reprovativas, traz uma

contribuição bastante significativa na argumentação. Se o individualismo leva a um

distanciamento entre os homens, proporcionado pela própria ideia de igualdade,

certamente os homens, ao se reconhecerem no outro, no seu semelhante, adotam

igualmente a mesma postura de isolamento, pressupondo que a conduta que

observa no seu igual é digna de aplauso e, portanto, passível de ser tomada como

sua própria conduta.

Ou seja, para Tocqueville (1998), Estado e sociedade civil, ao focalizar a

igualdade, partem do princípio de que os homens têm naturalmente necessidade de

aprovação de sua conduta pelo que percebem que os seus semelhantes a avaliam,

por isso a percepção do outro sobre a conduta individual assume importância central

como mecanismo de coerção, “mas os indivíduos desenvolvem a capacidade de

filtrar somente as paixões louváveis, e rejeitar as indesejáveis ou reprováveis, uma

vez que tendem a receber o repúdio da sociedade” (TOCQUEVILLE, 1998).

Dessa forma, em Tocqueville (1998), a sociedade civil era compreendida

como um guarda-chuva para a gama de instituições fora do Estado. Incluía o

mercado capitalista e suas instituições, mas também incluía o que ele denotava

como "religião voluntária (grupos protestantes), associações e organizações públicas

e privadas, todas as formas de relações sociais cooperativas que criavam vínculos

de fidelidade e confiança, opinião pública, instituições e direitos legais, e partidos

políticos" (TOCQUEVILLE, 1998). Como podemos observar, a discussão sobre a

sociedade civil, a partir da matriz filiada às origens de Tocqueville, parte de análises

do micro, do local, da comunidade e, nestas, olha as relações entre os indivíduos,

como se formam os grupos, como se comportam as lideranças. As estruturas

macrossociais não são priorizadas nas análises.

No entanto, Gohn (2008) destaca que o desenvolvimento do capitalismo

industrial no século XIX alterou profundamente a imagem do mercado capitalista,

que passou a ser visto como egoísta, uma força antissocial, danoso à sociedade e

às suas ações coletivas. Nesse contexto pleno de desenvolvimento capitalista, com

a introdução de novas tecnologias, a motivação exploradora se evidencia pela

45

mobilidade do capital para regiões que oferecem o barateamento da força de

trabalho. Esse procedimento possibilita, de um lado, maior lucratividade para a

empresa na produção de mercadorias sob o controle oligopólico mundializado e, de

outro, uma maior exploração e dominação da classe trabalhadora, mediante a

precarização, destruição e ausência de direitos e de sistema de proteção social.

Essas características e a resistência por parte dos movimentos sociais e

trabalhadores, bem como a produção das ciências sociais, distanciam a esfera do

mercado ao conceito de sociedade civil, contrapondo esse aspecto proposto na tese

de Tocqueville.

Não podemos deixar de citar, conforme apresentado anteriormente, que

em tempos capitalistas contemporâneos, quando ocorre uma complexificação maior

da sociedade, com destaque na redução maciça das intervenções do Estado,

principalmente no que se refere às políticas sociais, surge e intensifica o debate em

torno da desvinculação desse “Estado” de uma dita “sociedade civil”.20 Isso por que,

de acordo com Souza Filho (2001), as interpretações hegemônicas na

contemporaneidade – em sua grande maioria neoliberais – separam Estado e

sociedade civil e enfatizam a questão da organização da sociedade.

É nesse contexto, conforme Montaño (2007), que Jürgen Habermas

propõe um novo esquema interpretativo de análise das sociedades complexas

contemporâneas. Argumenta que o desenvolvimento capitalista não se sustenta

mais no controle da força de trabalho e na transformação dos recursos naturais para

o mercado, e essa transformação proporciona um deslocamento na origem dos

conflitos sociais, do sistema econômico-industrial para as áreas culturais, do plano

material para o plano simbólico. A ênfase na cultura é atribuída pelo autor às

transformações da sociedade na nova fase do capitalismo, em que prevalece a

dominação simbólica por meio do consumo do discurso produzido e difundido pelos

sistemas informativos e simbólicos, entre os quais, se sobressaem os meios de

comunicação de massa (MONTAÑO, 2007).

Para Habermas, o lugar transcendental onde se estende a

intersubjetividade, materialidade do ser social, é o mundo da vida em que, segundo

20

No Brasil nos anos 1990, observa-se, a construção do processo conhecido no campo da esquerda como ‘contrarreforma do Estado’, marcado por políticas de ajuste fiscal, que por consequência vêm acarretando o desmonte do Estado e das políticas sociais, cumprindo assim a tarefa de dar condições de infraestrutura aos capitais privado e financeiro. “As implicações da implementação das políticas neoliberais na realidade nacional foram o acirramento das desigualdades, da desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas e do agravamento da questão social” (DURIGUETTO, 2009, p. 54-55).

46

o autor, acontecem os processos de ação comunicativa, onde se permite, tanto ao

receptor quanto ao emissor, estabelecer acordos e consensos. Nesse “mundo da

vida”, linguagem e cultura são elementos fundamentais (MONTANO, 2007, p. 90).

Contrapondo, Mészáros (2004) destaca o falseamento do consenso

expresso na teoria da ação comunicativa de Habermas. Assim, difundem-se a

possibilidade e a pretensa concretização de um diálogo espontâneo e não

condicionado. Em outras palavras, cria-se uma ilusão da possibilidade de um diálogo

entre iguais, em uma mesma condição, o que na verdade escamoteia o jogo

instituído nas relações de poder. Em vez do possível consenso, há a imposição

unilateral das relações de poder dominante “que assume muitas vezes a

enganosamente não problemática forma de um intercâmbio comunicativo ‘produtor

de concordância’” (MÉSZÁROS, 2004, p. 79). A dinâmica da capacidade de

produção de concordâncias e consensos depende de como o sistema a incorpora ou

lhe concede espaço e de como essa concessão produz dividendos no processo

produtivo.

Essa visão entende que a sociedade civil seja “espaço de consenso, ou

seja, de pactuação entre sociedade civil e Estado”, em que nos espaços instituídos

no campo das políticas sociais, os “Conselhos são concebidos como espaço para

regular conflitos, pautado na concepção liberal de democracia, um espaço de

consenso subjetivo, fundamentado em Habermas”. Ainda de acordo com Souza

Filho (2001, p.102), a afirmação da hegemonia neoliberal tende a “debilitar os

espaços de representação coletiva e o controle social sobre o Estado, como previsto

constitucionalmente”.

Além da inspiração teórica habermasiana, que separa sociedade civil de

Estado, as teorias neoliberais se apropriaram também do conceito reformulado por

Habermas de “sociedade civil”, o que nada mais vem a fazer do que confirmar suas

pontuações de “mundo da vida” e “sistema”. O centro institucional para o autor

referenciado é formado por organizações livres, não estatais e não econômicas,

donde se amparam as estruturas de comunicação da esfera pública nos

componentes sociais do mundo da vida. “Sociedade civil” para Habermas é

composta então

[...] de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, pela esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos

47

capazes de solucionar problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro das esferas públicas (SOUZA FILHO, 2001, p. 103).

A motivação principal para desenvolver essa reflexão responde a uma

necessidade de melhor se compreender a sociedade civil no Brasil, a partir da

década de 1990.21 Nesse contexto, a sociedade civil tem se tornado o parceiro ideal

na execução do atendimento às necessidades da população no desenvolvimento

das políticas sociais. As parcerias do setor público com as entidades do dito

“Terceiro Setor”22 têm sido a saída encontrada mais viável. Essas entidades, muitas

vezes articuladas em rede, passam a assumir ações que deveriam ser executadas

pelo Estado.

No âmbito mais estrito dos estudos das organizações que emergem da

sociedade civil nesse período, Montaño (2007) também relaciona a emergência do

Terceiro Setor com os processos de reestruturação produtiva e com a reforma do

Estado, num contexto de consolidação das práticas inspiradas no neoliberalismo.

Nunca se falou tanto em social, solidariedade, responsabilidade social e

políticas sociais quanto nos dias atuais, e isso, exatamente em um momento político

em que o social se torna cada vez mais responsabilidade da “sociedade civil” –

como executora – e não do Estado. De acordo com Duriguetto (2007), a sociedade

civil é transformada hoje

[...] em meio, em instrumento para a operacionalização da atual estratégia do projeto neoliberal de desresponsabilização do Estado e do capital com as respostas à “questão social”, particularmente no que se refere às políticas sociais (DURIGUETTO, 2007, p. 174).

Montaño (2007, p. 53) critica o retalhamento da sociedade em setores

aparentemente autônomos e desvinculados e aponta que, numa visão bastante

reducionista, o "Primeiro Setor" é o Estado, responsável pela área da(s) política(s) e

em franca decadência, dada a sua inoperância e ineficácia; o "Segundo Setor"

refere-se à esfera mercantil, campo do econômico, esfera na qual são estabelecidas

21

Não podemos deixar de mencionar que todo o processo de mobilização e organização dos movimentos sociais na década de 1980 culminou com a instituição de mecanismos legais que possibilitaram a implantação de políticas públicas de corte social descentralizadas, com participação e controle da população, pelo menos no que se expressa na Constituição de 1988 e, posteriormente, na da Lei Orgânica da Saúde (LOS-1990), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA-1991), Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS-1993), Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-1996), Estatuto das Cidades (2001), dentre outros. 22

Conforme destaca Montaño (2007) o chamado “Terceiro Setor” engloba organizações não governamentais, governamentais, entidades sem fins lucrativos, privadas e associações voluntárias. O autor destaca a complexidade e debilidade do conceito “Terceiro Setor”, já que, para ele, esse é um conceito que mais confunde que esclarece, dada a sua complexidade.

48

as relações de compra e venda de mercadorias, bens e serviços e, por fim, o

"Terceiro Setor" é representado pela "sociedade civil", que seria o lócus de

reivindicação e defesa de tudo o que se refere ao "social".

Indicando "debilidades conceituais" na literatura existente sobre o tema,

Montaño (2007, p. 54-56) explicita, entre outros, os seguintes aspectos:

a identificação do Terceiro Setor com sociedade civil, na verdade,

inverte a visão que expressa ao transformá-lo em uma espécie de

"setor originário" – logo, "Primeiro Setor" – já que "historicamente, é a

sociedade que produz suas instituições, o Estado, o mercado etc.";

há uma imprecisão quanto à composição do campo, por vezes definido

como o conjunto de instituições privadas, não governamentais, sem

fins lucrativos, autogovernadas ou de associação voluntária, podendo-

se, de acordo com os teóricos nos quais se buscam referências, incluir

organizações formais ou informais, atividades individuais, sindicatos,

movimentos políticos, entre outros; sendo "um conceito que antes

confunde do que esclarece [grifado no original]".

Para Montaño (2007), as

chamadas organizações não governamentais (ONGs), quando hoje passam a ser financiadas por entidades, muitas destas de caráter governamental, por meio das parcerias, ou quando são contratadas pelo Estado (federal, estadual ou municipal), para desempenhar, de forma terceirizada, as funções a ele atribuídas, não parecem tão fiéis a seu dito caráter "não governamental" e à sua condição de autogovernada. Efetivamente, o Estado, ao estabelecer "parceria" com determinada ONG e não com outra, está certamente desenvolvendo uma tarefa seletiva, dentro e a partir da política governamental, o que leva tendencialmente à presença e permanência de certas ONGs e não outras, e determinados projetos e não outros – aqueles selecionados pelo(s) governo(s). [...] Assim, a dita "não governabilidade" e a "autogovernabilidade" dessas organizações encobre o fato de estarem integradas tendencialmente à política de governo. Querendo ou não (e sabendo ou não) estão fortemente condicionadas – a sua sobrevivência, seus projetos, seus recursos, sua abrangência e até suas prioridades – pela política governamental. Não tem autonomia que pretendem – nem prática, nem ideológica e muito menos financeira – dos governos (MONTAÑO, 2007, p. 57-58).

Neste sentido, Montaño (2007, p. 58) interpreta as isenções de impostos

dadas às empresas, a garantia de espaços na mídia e a construção de uma imagem

positiva junto ao mercado consumidor como vantagens auferidas por algumas

49

organizações do Terceiro Setor como comprovações de que elas têm "claro fim

lucrativo, ainda que indireto". Já o lucro direto é considerado "certo" em

organizações "pilantrópicas", nas quais "alguém bem relacionado monta uma ONG,

e daí consegue financiamento, a maior parte do qual se destina a seu salário como

gerente ou diretor".

Por fim, para o autor (2007), é necessário que a sociedade civil se

organize de fato e consiga exercer sua hegemonia, mas, para isso, é preciso

desenvolver a desconstrução de uma cultura ideológica, de inspiração

habermasiana, liberal, pois a sociedade está carregada de uma ideologia burguesa

que se adestra cada vez mais para a aceitação e naturalização das expressões da

questão social. Esse esboço pauta-se na concepção gramsciana de Estado e

sociedade civil, já que vislumbra as contradições e as possibilidades nesse processo

em prol das demandas coletivas. Segundo essa concepção teórica, o Estado não

está separado da sociedade civil, ao contrário, em seu sentido amplo é formado pela

sociedade política e sociedade civil, o que implica a hegemonia couraçada de

coerção (MONTÃNO, DURIGUETTO, 2010). Nesta direção, o Estado e a sociedade

civil compõem assim uma unidade orgânica.

2.3 Cultura política: Estado, sociedade civil e assistência social.

A partir das discussões sobre o contexto do Estado democrático e de

direito, este trabalho pretende aprofundar suas reflexões sobre os conceitos de

participação e controle social na problematização do seu objeto, destacando a

importância da participação das camadas populares como sujeitos ativos e

propositivos politicamente, aptos a participarem nos espaços decisórios das políticas

sociais, com vistas à criação de mecanismos legais e institucionais para solução das

demandas sociais. Pretende ressaltar ainda os desafios encontrados que fragilizam

a participação desses sujeitos em seus espaços. Por esse motivo, sua análise deve

buscar captar as dimensões políticas, econômicas e ideológicas dos fenômenos que

a expressam ou, em outros termos, apreender o processo social em sua totalidade

contraditória, reproduzindo o movimento da realidade em suas dimensões

universais, particulares e singulares.

Assim, para compreender o processo de constituição da cidadania

brasileira, Carvalho (2001, p. 219) afirma que a processualidade histórica na

50

construção da cidadania descrita por Marshall (1967), especialmente na Europa,

ocorreu de forma inversa no Brasil. Se lá as liberdades civis constituíram-se

primeiro, sendo a base para a expansão dos direitos políticos e sociais, em nossa

sociedade os direitos sociais foram implantados primeiro durante o período de

redução dos direitos civis e supressão dos direitos políticos, em um governo de

ditadura que se tornou popular. Ainda hoje no Brasil alguns direitos civis não estão

acessíveis a boa parte da população, o que, segundo expressão de Carvalho (2001),

coloca a pirâmide dos direitos invertida.

Quando Carvalho (2001) contextualiza a construção da cidadania no

Brasil, destaca que, na sociedade brasileira, ao longo dessa construção,

estabeleceram-se as relações de favor e dependência, conformando a política

brasileira à lógica do patrimonialismo, favoritismo e clientelismo. As classes

dominantes do país acostumaram-se a fazer do Estado brasileiro seu instrumento

econômico privado por excelência. Desse modo, o discurso (neo)liberal na

atualidade tem assombrosa recepção ao atribuir o título de modernidade ao que

existe de mais conservador e atrasado na sociedade brasileira: fazer do interesse

privado a medida de todas as coisas, obstruindo a esfera pública e anulando a

dimensão ética da vida social pela recusa das responsabilidades e obrigações do

Estado.23 É esse campo de contradições e ambiguidades sociais que precisa ser

considerado.

Conforme Cunha e Pinheiro (2009), os novos formatos de participação e

de deliberação criados na recente democracia brasileira enfrentam diversos desafios

para sua efetivação como espaços legítimos de debate e de decisão acerca do que

se constitui como interesse público nas diversas áreas de políticas públicas. Um

deles diz respeito à cultura política conservadora e autoritária que ainda se faz

presente em setores do Estado e da sociedade civil e que muitas vezes orienta as

relações que se estabelecem entre eles, convivendo com uma cultura democrático-

participativa que demanda novos olhares e novas práticas e gerando muitos pontos

de tensão entre atores com histórias, trajetórias e aspirações muito diferentes ente

si.

Sobre esse aspecto, Oliveira (2008) exemplifica situações do cotidiano

onde acontece a “negação e violação de direitos” que, devido aos traços da 23

A desigualdade que se encontra no processo de desenvolvimento do país tem sido uma das particularidades históricas: o moderno se constitui por meio do “arcaico”, recriando nossa herança histórica ao atualizar aspectos persistentes e, ao mesmo tempo, transformando-a no contexto (neo)liberal.

51

construção cultural e política brasileira, é vista de forma natural e/ou banalizada no

cotidiano:

Em nível local [...] podem ocorrer, por exemplo, no transporte escolar que uma prefeitura deixa de oferecer, ou oferece precariamente a um assentamento rural cuja população não tenha votado majoritariamente no candidato vitorioso na última eleição municipal. Outro exemplo pode ser buscado no uso clientelista que se faz da ambulância no transporte de pacientes no âmbito da política de saúde. Com frequência, a chamada ‘ambulancioterapia’’

24 se constitui no principal serviço de saúde. Em nível

nacional, muitas vezes, as emendas parlamentares ao orçamento federal também contribuem para alimentar este tipo de prática quando reforçam o favor, a tutela e o uso de recursos públicos para atender interesses privados, como é o caso da utilização de recursos destas emendas para beneficiar entidades assistenciais dos próprios parlamentares. São práticas que se reproduzem na contemporaneidade e como tal impedem a efetivação da dimensão pública e do direito no processo de execução das políticas sociais (OLIVEIRA, 2008, p. 113).

Oliveira (2008) ressalta que a relação social e política conservadora

presente nessas práticas não é uma exclusividade do processo de execução das

políticas sociais. É algo que conforma a cultura política brasileira e é inerente à

história política, econômica e social do país – conformando certa cultura política do

atraso (MARTINS, 1999 apud OLIVEIRA, 2008) – no sentido de que traços

conservadores da formação social brasileira se manifestam no presente, sejam de

forma sutil, escondida, sejam de forma transparente, com uma roupagem

contemporânea. O autor chama atenção para a importância da leitura de fatos e

acontecimentos "orientada pela necessidade de distinguir no contemporâneo a

presença viva e ativa de estruturas fundamentais do passado" (MARTINS, 1999

apud OLIVEIRA, 2008, p. 113).

Embora sejam recentes na cultura brasileira os avanços trazidos pela

CF/88 no que diz respeito à gestão das políticas sociais, as mudanças acontecem

de forma gradativa, provocando alterações nos mecanismos institucionais com o

objetivo de dar concretude ao direito constitucional à participação, entendida, assim,

como a intervenção efetiva da sociedade na formulação, implementação e controle

da política pública por meio da criação de conselhos de direitos (AVRITZER, 2011).

24

Conforme Oliveira (2008, p. 113) o termo é utilizado popularmente para designar o uso de ambulâncias e transporte de pacientes feito de forma clientelista por vereadores, deputados e/ou associações criadas por estes em muitos centros urbanos. Por esse mecanismo, oferecem o atendimento à população que necessita de ambulância e não o encontra no Sistema Único de Saúde, ao mesmo tempo em que usam a prestação desse serviço para manter uma clientela eleitoral. O termo também é usado para designar o não investimento de muitos municípios em serviços de atenção básica à saúde, substituindo-os pelo transporte de pacientes para as cidades de médio e grande porte mais próximas, independentemente do problema de saúde apresentado pelo usuário e da complexidade do seu estado de saúde. Também nesse caso a relação de favor se estabelece e o retorno em termos eleitorais é garantido.

52

Trata-se do alargamento da participação que tem como consequência a

noção de proteção social, por isso sua universalização exige superação de conceitos

arcaicos de assistência e a oposição entre a alternativa assistencial via seguros

sociais, vinculada ao trabalho e à cidadania e assentada em amplos padrões

civilizatórios da sociedade (SPOSATI, 2010).

A proteção social como direito de cidadania apresenta duas discussões

cruciais: a relação público/privado da proteção social; o alcance de um sistema

universal de proteção social, distinto entre as formas monetária e não monetária e

entre a cobertura do salário e da renda e as necessidades sociais. O grande desafio,

portanto, é que se superem essas dicotomias para o referendamento de um sistema

universal, promotor da cidadania e da emancipação do indivíduo. Por isso, tal

sistema não pode se restringir somente a ações protetivas via concessão de

benefícios ou oferecer serviços de cunho assistencialista residual. A principal

mudança contida na Constituição de 1988 foi a de referendar formas não monetárias

de proteção social, por meio de operações e serviços públicos de Saúde e

Assistência Social, na condução dos direitos sociais, além de unificar essas políticas

à Previdência Social, como componentes da Seguridade Social (SPOSATI, 2010).

A Assistência Social foi desenhada como uma política de benefícios e

serviços. “Um mix que não apresenta nem na Previdência nem na Saúde”

(SPOSATI, 2010, p. 19). Essa dimensão exige capacidade gerencial inédita para

que a Assistência Social se efetive segundo seus princípios e desenhos

constitucionais (SPOSATI, 2010).

A igualdade e a universalidade são parâmetros que estão no horizonte

dessa política, cujas ações estatais devem concorrer para essa finalidade. Observa-

se que a nova lógica, trazida com a Constituição para o desenho e a configuração

de um novo escopo da proteção social, não está mais centralizada na lógica

contributiva do seguro social, cujos serviços e benefícios são destinados a um

contingente populacional específico, os inseridos no mercado de trabalho. Os novos

princípios que norteiam a Seguridade Social não se restringem a esse conceito de

cidadania regulada, mas sim a todos os cidadãos brasileiros.

A Política de Assistência Social compõe o tripé da Seguridade Social. E

pelo fato de não ser contributiva, provoca resistências em sua aceitação como

política pública. Tais resistências dizem respeito à sua trajetória histórica e às

representações sobre a assistência como uma prática de segunda classe.

53

A Política de Assistência traz “a marca da benesse ou do favor

distribuídos pela sociedade solidária […] ela ganha uma marca conservadora […]

representa o resíduo de uma forma arcaica de relação na moderna sociedade de

mercado” (FALEIROS apud SPOSATI, 1995, p. 29). Por isso mesmo, para alguns

segmentos da sociedade, a Assistência Social sempre se mostrou como uma prática

fadada à condição de ação marginal e não como uma política. O tripé da Seguridade

Social traz em si uma dualidade que não foi superada, produz uma relação

hierárquica entre as políticas contributivas e não contributivas. Nessa relação, a

Política de Assistência gera resistências em sua implementação (SPOSATI, 2010).

A primeira delas diz respeito ao preconceito sobre essa política, devido a

seu atendimento a um estrato específico da sociedade: os carentes, os sem renda,

os espoliados, os subalternos e os pobres. Nesse caso, a Política de Assistência

Social está direcionada aos necessitados sociais e não para o atendimento de

necessidades sociais. Disso resulta outra questão, seu estatuto fundamental está

fundado na “não cidadania”. As ações socioassistenciais estão, segundo essa

perspectiva, direcionadas àqueles considerados apartados da sociedade (SPOSATI,

2010).

A Assistência Social, como política de atenção gratuita, em grande

medida, não é categorizada como política pública, embora seu financiamento seja

pelo mesmo orçamento financiador das outras políticas sociais (SPOSATI, 2010). A

relação público/privado, no âmbito da Política de Assistência, é recoberta por outra

categoria, a filantropia e/ou a benemerência. Os sujeitos sociais, nessa lógica, não

são cidadãos, nem consumidores, são destituídos dessa sociedade (apartados

sociais).

O paradigma é o da apartação para um novo lugar fundado na negatividade: o serviço para existir é não lucrativo e o usuário, para acessá-lo, deve mostrar que não tem renda ou não a tem suficientemente, transformando-se em carente ou hipossuficente e o serviço direcionado para necessitados e não para cidadãos (SPOSATI, 2010, p. 29).

A segunda resistência consiste no entendimento de que as ações da

Assistência Social são práticas, de cunho privado, e, por isso, a intervenção do

Estado é considerada uma intromissão no campo das ações tradicionais das

entidades sociais. Trata-se, nessa perspectiva, de uma ação privativa da sociedade

e não do Estado. Este, ao longo dos anos, tem-se omitido das responsabilidades de

prestar atenção direta nessa área e optado por subsidiar, isentar e conveniar as

ações das entidades sociais (SPOSATI, 2010).

54

A terceira questão diz respeito ao caráter político-ideológico, que

considera a Política de Assistência Social sob o paradigma da solidariedade

comunitária. Trata-se do entendimento de que o Estado é o fomentador das ações

da sociedade civil no campo dessa política. As discussões em torno da relação

público/privado, mediada pela filantropia, põe em xeque a discussão em torno da

universalização da Assistência Social. O papel do próprio Conselho Nacional de

Assistência Social – CNAS, que deveria consolidar a Política de Assistência Social,

a desfaz como sua responsabilidade e direito de cidadania ao emitir os certificados

que caracterizam organizações privadas de Educação, Saúde e Assistência Social

como filantrópicas ou benemerentes. Em suma, o CNAS contribui para a expansão e

cristalização de uma conotação de cunho privado, em detrimento do significado de

política pública, adquirida com a Constituição de 1988 (SPOSATI, 2010).

Havia, até a década de 1980, certa opacidade histórica na distinção entre

o público e o privado no campo socioassistencial. Por muitos anos não havia muita

clareza na relação entre os órgãos estatais e as formas organizadas da sociedade,

no desenvolvimento de programas sociais para atender a pobreza. O Estado

brasileiro manteve e continua mantendo um perfil de tênue compromisso com a

garantia dos direitos sociais. A extensão gradual do processo emancipatório da

política de Assistência Social, na prática, ainda se encontra muito distante de

alcançar a universalização dos acessos. Isso se deve, em parte, ao entendimento de

que a pobreza é um problema individual ou uma questão ética a ser trabalhada

pelas entidades sociais ou entidades da sociedade civil que agem no enfrentamento

dos problemas dos indivíduos, com a finalidade de “fazer o bem” para dirimir as

misérias humanas (SPOSATI, 1995).

No âmbito da prestação de serviços, a Assistência Social encontra forte

resistência à ação estatal. A Política Nacional de Assistência Social - PNAS criou o

Sistema Único da Assistência Social - SUAS e institucionalizou duas unidades

básicas de atendimento: os Centros de Referência de Assistência Social - CRAS e

os Centros de Referências Especializados de Assistência Social - CREAS. Esses

serviços inauguraram a universalização da proteção social em todos os municípios.

Todavia, muitos municípios optam por requisitar os serviços de entidades sociais

para gerirem os CRAS.

No âmbito dos benefícios, a natureza da resistência tem sido de outra

ordem. Há um entendimento de que os benefícios socioassistenciais, como o

Benefício de Prestação Continuada - BPC, visto como um grande passo para o

55

alargamento da proteção social no Brasil, representa, no entanto, o alargamento do

assistencialismo da proteção social. Outros discursos afirmam que é um meio de

fortalecer a previdência privada. Sob essa lógica, os benefícios socioassistenciais

estariam destinados aos mais pobres, e a consolidação e a expansão da Assistência

Social, no papel de política pública, se configuraria como uma ameaça à Previdência

Social. Mota (2009) já alertava para o fato de existir, nos discursos que defendem a

reforma da Seguridade, a propensão de um hiato da política social em torno de dois

polos: a privatização e o assistencialismo da proteção social, instituindo, ao mesmo

tempo, a figura do cidadão-consumidor e do cidadão-pobre; este último, objeto da

Assistência Social.

Além da contraditória relação que existe em torno de um sistema

previdenciário e assistencial, há uma confusão em torno do BPC, que muitas vezes

é confundido ora como benefício previdenciário ora como benefício da Assistência

Social, superpondo, assim, a lógica contributiva e a não contributiva do sistema de

proteção.

A rede de solidariedade da sociedade civil preenche largamente as

tarefas do Estado. Existe uma grande mobilização das entidades ao realizarem

esforços para efetivação da proteção social a todos os que delas necessitam, mas

sob a tutela do Estado, que destina parcos recursos a essas instituições. As

empresas inserem-se nessa rede, prestando serviços e benefícios, em busca de

isenção de impostos. A fluidez existente na relação entre o público e o privado

produz um mix de elementos que se mesclam, se confundem e se misturam entre

ações voluntárias de terceiros, mas com um caráter público via ações diretas do

Estado, provocando uma dualidade entre a Assistência Social pública e assistência

privada, entendida como benesse.

A Política de Assistência Social mantém uma íntima relação com a

filantropia, e a união duradoura e permanente consagrou-se no Estado brasileiro por

múltiplos mecanismos reguladores. Eles formatam-se oficialmente por meio de uma

aliança entre governo e entidades organizadas da sociedade civil. Nessa relação,

faz-se prevalecer o princípio da subsidiaridade. O Estado coloca-se como o último a

responder pelas atenções sociais, executando ações pontuais e emergenciais,

delegando às entidades organizadas da sociedade civil a maioria das

responsabilidades na área social (MESTRINER, 2010).

56

O Estado estabelece uma pretensa relação de parceria ou coprodução de

serviços e financiamento estatal, criando uma regulação e controle desse sistema.

As entidades sociais tornam-se parceiras do Estado na efetivação das políticas

sociais. No tocante à Política de Assistência Social, as áreas de atenção social

continuam a ser legitimadas com a intervenção do Estado, apenas como subsidiário

de recursos mínimos, para viabilização das ações dessas entidades. O acesso ao

fundo público, por meio de subvenções oficiais, possibilita que as atenções privadas

dessas entidades tornem-se públicas. É o julgamento do mérito dos conselhos que

definirá como públicas as atividades desenvolvidas pelas organizações

beneficentes.

O Estado brasileiro reafirma, estrategicamente, o princípio da subsidiaridade, fazendo-se apenas supletivo às iniciativas privadas, em detrimento de uma Política de Assistência Social pública garantidora de direitos de cidadania (MESTRINER, 2010, p. 39).

Ele cria mecanismos que formalizam sua parceria com as organizações

sociais, como convênios e certificações, possibilitando liberar-se de suas

responsabilidades sociais. O que vai ocorrer é uma diluição da compreensão da

assistência como direito social e de não afirmação da cidadania. “O reconhecimento

do cidadão é transferido para a organização sem fins lucrativos. É ela que vai se

apresentar perante o Estado para ser reconhecida, registrada e receber o caráter de

utilidade pública” (MESTRINER, 2010, p. 40). A organização passa a ser útil ao

Estado, por isso é certificada e subsidiada. Dessa forma, essas práticas movem-se

da esfera formal (ação estatal) para a informal (ações privadas), criando novas

categorias denominativas como o “não lucrativo”, em uma sociedade de mercado; o

“voluntariado”, na promoção da cidadania; a concessão de “utilidade pública”, para

as organizações que trabalham com os que são concebidos como “inúteis

produtivos” (MESTRINER, 2010, p. 40).

A Assistência Social caracteriza-se por iniciativas institucionalizadas de

organizações sem fins lucrativos, direcionadas para dificuldades específicas.

Quando pública, poderá ter ou não o estatuto de política social, mesmo que incida

na esfera pública. Mesmo com a dinâmica histórica e social, essa política foi tratada

como prática secundária, passível de ser tratada com sobras orçamentárias,

diferentemente das políticas públicas, que exigem responsabilidade, compromisso e

orçamento próprio (MESTRINER, 2010). A Assistência Social não era vista como

uma política social, porque não lhe eram exigidas sistematicidade e continuidade

57

das ações e previsibilidade de recursos e não se organizava em torno de decisões

que estivessem amparadas em informações consistentes e científicas (PEREIRA,

2001).

A Assistência Social era comumente identificada como um ato subjetivo,

de motivação moral, movida pela espontaneidade e boa vontade dos sujeitos.

Quando praticada pelos governos, passava a ser encarada como providência

administrativa emergencial, de pronto-atendimento, voltada para reparação de

carências gritantes da pobreza (PEREIRA, 2001). Isso explica porque essa política

era geralmente considerada medida de subsistência.

Longe de assumir um formato de política social, a assistência desenrolou-

se no Brasil por várias décadas como sendo auxílio, doação, tutela, benesse, favor,

sem superar um caráter imediatista, circunstancial, secundário, reforçando a

condição de pobreza nos mais pobres e intensificando a desigualdade social, uma

vez que operava de forma descontínua e em situações pontuais (MESTRINER,

2010).

Direcionada aos segmentos mais vulneráveis da população, essa política

não cumpriu a perspectiva cidadã de ruptura da subalternidade. Ao contrário,

reiterou a dependência, principalmente por ser uma política de alívio das demandas

sociais. Voltou-se às pequenas parcelas de indivíduos, de forma temporária e

emergencial. Mestriner (2010) enfatiza que essa política, ao adentrar na agenda

pública, sempre se fez de maneira dúbia, sendo reconhecida muito mais pelas ações

e iniciativas das entidades socioassistenciais do que como responsabilidade do

Estado. Este se voltou historicamente para a introdução de mecanismos de apoio a

entidades, as quais atendem diretamente as necessidades da população. Durante

quase 30 anos, foi a subvenção social atribuída pelo Estado o único mecanismo

estatal a alimentar a Política de Assistência Social, desenvolvida no setor privado.

O reconhecimento do Estado sobre as necessidades da população

permaneceu mediado pelas entidades sociais, sem que se tenha esclarecido e

tornados públicos os limites entre as duas esferas – pública e privada – constituindo

a relação entre o Estado e as organizações de filantropia, num campo nebuloso e

truncado.

A Legião Brasileira de Assistência - LBA foi o primeiro órgão de proteção

social de serviços socioassistenciais no Brasil que se utilizou de subvenções para

implementar o trabalho voluntário e influenciar a adoção de novas técnicas e

58

procedimentos, introduzindo novas concepções e metodologias no âmbito do serviço

social que era desenvolvido nessa entidade. O sistema conjugava ações estatais via

subvenções oficiais e ações do setor privado ganhando credibilidade na área da

Assistência Social. É importante destacar que a LBA foi o órgão que fez surgir a

relação entre a Assistência Social e o primeiro damismo no Brasil (MESTRINER,

2010).

O Conselho Nacional de Serviço Social - CNSS, hoje Conselho Nacional

de Assistência Social - CNAS, regulamentou no período do governo Kubitschek a

dedutibilidade de doações às instituições sociais, na tributação do imposto de renda

e na isenção da contribuição à Previdência Social, cujo objetivo era o de apoiar o

setor privado, especialmente aquelas instituições que desenvolviam atividades de

cunho filantrópico (MESTRINER, 2010).

Com essas estratégias, o Estado operou a questão social e a atuação da

Assistência Social, transferindo sua responsabilidade social para o setor de

filantropia. A intermediação do setor filantrópico dificultou, em grande medida, o

protagonismo das classes sociais no período da ditadura militar. As práticas do

Estado, nesse período, eram mais de ajustamento e enquadramento dos grupos

sociais, e as instituições de filantropia mediavam a relação entre o Estado e a

Sociedade, além de oferecer pouco trânsito de participação do público demandante

das ações socioassistenciais. Sendo assim, não havia condições de articulação dos

grupos e movimentos sociais para que houvesse uma ruptura com o paradigma

arcaico da Assistência Social e a possibilidade de criação de um novo modelo

socioassistencial (MESTRINER, 2010).

Ao longo da história brasileira, o modelo de proteção socioassistencial foi

adquirindo algumas especificidades, de acordo com as demandas sociais do

momento e as transformações que se operavam no âmbito sociopolítico. O modelo

de regulação do setor privado caracteriza as preferências do Estado, permitindo

definir a filantropia, de acordo com as necessidades e situações de cada período.

Nos anos de 1930, a filantropia tinha um caráter disciplinador; visava ao

enquadramento físico, moral e social dos pobres. Nos anos de 1940, desenrolou-se

o caráter educativo e profissionalizante do modelo socioassistencial. O sistema “S”

(SESI, SENAI, SESC, SENAC etc.) marcou o modelo socioassistencial desse

período, com associações entre instituições educativas e assistenciais. No período

da ditadura, os parlamentares passaram a arbitrar sobre a filantropia. A relação

59

entre o Executivo e o Legislativo trouxe o apadrinhamento para as indicações

políticas definidoras de quem merecia as subvenções e isenções oficiais. “Instala-se

uma nova e perversa forma de assistência pública, que é a filantropia de clientela,

filantropia do favor” (MESTRINER, 2010, p. 46). Nesse período, a LBA adquiriu um

novo aparato gerencial para Assistência Social, com a instituição da Fundação

Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM),25 fazendo relação entre assistência,

filantropia e repressão (MESTRINER, 2010, p. 46).

A transição democrática não afetou o caráter clientelístico da relação

entre o Estado e as entidades filantrópicas, pelo contrário, essa relação permaneceu

sob a custódia do governo parlamentar até os escândalos do orçamento da União.

A Assistência Social ganhou no governo José Sarney um novo espaço

com a criação da Secretaria do Ministério da Previdência e Assistência Social,

convivendo no âmbito dessa política uma dualidade com a LBA. No governo Collor,

criou-se o Ministério de Ação Social, que protagonizou com a LBA os escândalos

patrimonialistas, desvios de verbas etc. Nesse período, a filantropia e a Assistência

Social identificaram-se perversamente com a prática da corrupção e o favorecimento

patrimonial (MESTRINER, 2010).

Como tratado anteriormente, a Constituição de 1988, pela primeira vez na

história brasileira, conferiu à Assistência Social o estatuto de política pública, ao lado

da Saúde e da Previdência Social. Essa redefinição exigiu um conjunto de

alterações institucionais, além de estabelecer uma nova relação entre o Estado e a

sociedade. A Política de Assistência Social encontrou grandes dificuldades para

implementação da Lei Orgânica de Assistência Social. E, mesmo depois de ser

aprovada, teve que ocorrer um amplo movimento de revitalização e mobilização para

sua afirmação como política pública, que teve seu momento privilegiado com a

aprovação da Política Nacional de Assistência Social - PNAS, em 2004, e com a

Norma Operacional Básica que regula o Sistema Único de Assistência Social -

NOB/SUAS, de 2005 (MESTRINER, 2010).

25

A FUNABEM foi criada com objetivo de atribuir diretriz pedagógica e assistencial à questão do menor, até então tratada pelo viés policial/repressivo do Código de Menor de 1927. Crianças e adolescentes abandonados ou infratores passaram a ser de responsabilidade do Estado, devendo receber atenção e proteção por meio de uma política específica, que vai ser cunhada na uniformização e centralização do atendimento para os empobrecidos, carentes, abandonados e autores de ato infracional, fazendo reproduzir organismos similares nos Estados (FEBEMs) (MESTRINER, 2010).

60

Pela primeira vez, a Política de Assistência Social, no papel de política

pública e ação coletiva, adquiriu a função primordial de concretização de direitos

sociais demandados pela sociedade e previstos em leis, tendo como aplicabilidade e

operacionalidade programas, projetos, serviços e benefícios, sob a responsabilidade

do Estado e o controle da sociedade (PEREIRA, 2001). Todavia “a introdução da

Assistência Social como política da área da Seguridade Social, incorpora uma

inovação conceitual, mas também reitera as heranças históricas constitutivas da

cultura política brasileira” (COUTO, 2008, p. 162).

[...] a inserção constitucional da Assistência Social como política pública efetivadora de direitos sociais tem, então, seu embate com a filantropia tradicional, e o impasse na reformulação da relação Estado – organizações sem fins lucrativos, constituindo-se o que se poderá chamar de filantropia democratizadora (MESTRINER, 2010, p. 47).

Essa relação efetivou-se numa conjuntura de privatização das ações

estatais e a construção de um Estado mínimo, sob a égide da democracia e da

participação da sociedade, reproduzindo no presente as lógicas do passado. O

refilantropismo das políticas sociais foi transvertido na imagem de um Estado

racionalizado, desobrigado de seu dever social, pois se entendia que esse dever,

mais do que nunca, era uma obrigação do cidadão, da família, da comunidade e da

sociedade. Ele se responsabiliza apenas por questões extremas, num alto grau de

seletividade e focalização, dirigindo suas ações aos que se encontram na mais

extrema pobreza, por intermédio de uma ação humanitária, e não como uma política

dirigida pelo princípio da igualdade e da universalidade (MESTRINER, 2010).

Confrontam-se dois paradigmas no tocante à efetivação de uma política

pública de proteção socioassistencial. Um se enquadra nos preceitos constitucionais

de geração da responsabilidade pública e dever do Estado, na implementação de

uma política ampla e universalizante (MESTRINER, 2010), visando atender às

necessidades sociais, colocando-se como um contraponto à lógica da rentabilidade

econômica (PEREIRA, 2001). O outro reitera as velhas práticas socioassistenciais e,

“antes mesmo de conseguir a condição de direito público, enreda-se mais na sua

forma histórica de subsidiaridade, favor e voluntarismo” (MESTRINER, 2010 p. 48).

Dessa forma, destacamos as particularidades intrínsecas à prática

histórica da Política de Assistência Social que expressam as resistências

enfrentadas na conquista pelo seu reconhecimento como política social e sua

implementação como tal. Nesse contexto, as lutas do movimento dos trabalhadores

61

e usuários dessa política busca, em sua essência, intensificar a participação popular

como instrumento, pois é por meio dela que os sujeitos se sentem parte do processo

histórico. Segundo Bordenave (1994), a participação parte de alguns princípios, que

devem ser entendidos de forma ampla para melhor compreensão do processo

histórico dos sujeitos sociais como autores de sua própria história. O autor destaca

(1994) de forma objetiva o que seria participação:

[...] A participação é uma necessidade humana e, por conseguinte, constitui um direito das pessoas [...] justifica-se por si mesma, não por seus resultados [...] é um processo de desenvolvimento da consciência crítica e de aquisição de poder [...] leva à apropriação do desenvolvimento pelo povo [...] é algo que se aprende e aperfeiçoa [...] pode ser provocada e organizada, sem que isto signifique necessariamente manipulação [...] é facilitada com a organização, e a criação de fluxos de comunicação [...]. Devem ser respeitadas as diferenças individuais na forma de participar [...] pode resolver conflitos, mas também pode gerá-los [...]. Não se deve socializar a participação: ela não é panaceia nem é indispensável em todas as ocasiões [...]. (BORDENAVE, 1994, p.15).

Assim, com as transformações dos movimentos sociais, o Estado passou

a estabelecer relações com eles, pois a nova forma de relação entre Estado e

Movimentos Sociais no Brasil pós-88 levanta um conjunto de questões vinculadas à

formulação intencional de políticas, à questão da crise de governabilidade, ao

processo de tomada de decisões, à dinâmica dos movimentos sociais e suas

articulações e ações, bem como seu papel na transformação da sociedade.

Sobre os novos rumos sociopolíticos no Brasil, é importante destacar o

papel dos diversos sujeitos sociais a retomar a necessidade de amadurecimento da

modernidade, que construiu uma profunda articulação entre cidadania e democracia.

Nessa concepção, democracia é sinônimo de soberania popular, e é nesse contexto

(Brasil, no processo de redemocratização e dos anos 1990) que surge a concepção

dos novos movimentos sociais, conforme Dagnino (2002). Por isso, como menciona

Coutinho (1997, p. 145) sobre a cidadania reivindicada por esses sujeitos, “podemos

defini-la como a presença efetiva das condições sociais e institucionais que

possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo

e, em consequência, no controle da vida social”. Como adverte o autor, é

fundamental destacar que a cidadania é fruto da capacidade conquistada por alguns

indivíduos, em caso de uma verdadeira efetivação dela por todos os indivíduos, “de

apropriarem-se dos bens socialmente criados, de atualizarem em cada contexto

histórico as mais amplas potencialidades de realizações humanas abertas pela vida

social” Coutinho (1997, p. 145).

62

Daí, como alerta o mesmo autor (1997), a necessidade de sublinharmos a

expressão “historicamente” para destacar o fato de que soberania popular,

democracia e cidadania (expressões que, em última instância, designam a mesma

coisa) devem sempre ser pensadas como processos históricos aos quais são

atribuídas permanentemente novas e mais complexas determinações.26

Nos anos de 1990, o país passou por um complexo processo de

deslocamento da satisfação de necessidades da esfera pública para a esfera

privada, em detrimento das lutas e conquistas sociais, por meio de políticas

extensivas a todos. É exatamente o legado de direitos conquistados na década de

1980 que foi desmontado nos governos neoliberais, provocando evidente regressão

da cidadania, que tende a se reduzir às suas dimensões: civil e política, colocando

abaixo a cidadania social.

Conforme Behring e Boschetti (2008), os governos neoliberais formulam

políticas sociais que têm atendido a tendência geral de restrição e redução de

direitos, sobre o argumento da crise fiscal do Estado, transformando-as em ações

pontuais e compensatórias direcionadas aos efeitos mais perversos da crise, sem

que, de forma alguma, pretendam intervir na sua gênese, pois, se assim fosse,

estariam colocando em risco a existência do próprio capitalismo. Assim, prevalece o

trinômio articulado do ideário neoliberal para as políticas sociais, qual seja: a

privatização, a focalização e a descentralização de questões que estão presentes na

agenda do controle social e dos diversos sujeitos envolvidos nesse espaço.

Ao falar de cultura política no campo da política social, consideram-se, por

um lado, os traços conservadores e autoritários da formação social, cultural e

econômica brasileira que historicamente se reproduziram na execução das políticas

sociais e, por outro lado, a possibilidade de se forjar uma cultura de direitos a partir

das lutas por políticas sociais universais, como direito do cidadão e dever do Estado.

Esses são alguns dos papéis e desafios para a sociedade civil ao exercer controle

social na política de assistência social.

26

Sobre essa questão, ver em Coutinho (1997): “Cidadania não é dádiva, tampouco é algo definitivo, ela não vem de cima para baixo, mas é fruto de batalhas permanentes, travadas quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas. Por isso, sua conquista e ampliação implicam processos históricos de longa duração. Assim, não é casual que a ideologia hoje assumida pela burguesia propugne tão enfaticamente o fim dos direitos sociais, o desmonte do Welfare State” (Coutinho, 2007).

63

3 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL: CAMPO DE DISPUTA

Uma reflexão teórica sobre as políticas sociais para o presente estudo é

uma tarefa essencial, partindo do princípio de que a política social é um processo

complexo que passa por multideterminações, além de ser contraditório e

dinamicamente relacional. Segundo Pereira (2008), a menção que se faz à política

social, associada ao “conceito de políticas públicas, necessidades sociais e direitos

sociais” tem sido recorrente no debate intelectual sobre o tema. No contexto

neoliberal, discutir política como uma ação do Estado ativo e responsável em

garantir sua efetivação é considerado um debate arcaico, pois inviabiliza uma

compreensão mais condizente com a ideologia dominante sobre o tema, que reforça

a ideia da existência necessária de um Estado mínimo, além da compreensão de

que é responsabilidade da sociedade civil resolver os seus problemas sociais. Logo,

discutir política social é encarado como questão insustentável.

Das várias explicações para esse fato, interessam ao desenvolvimento

deste capítulo as questões em torno da imprecisão conceitual de política social,

conforme destaca Pereira (2008). Uma das complexidades dessa discussão é

referente à diferenciação necessária sobre o conceito de política pública. Essa

última remete à ideia da “coisa pública”, “coisa de todos para todos que compromete

a todos – inclusive a lei que está acima do Estado – no atendimento das demandas

e necessidades sociais” (PEREIRA, 2008, p. 173).

A política social, entretanto, é um conceito que qualifica de modo peculiar

a política pública, ou seja, o termo social traz um sentido ético e político para a ação

pública. Sendo assim, as políticas sociais implementadas devem direcionar-se para

buscar o bem-estar dos cidadãos. O acesso à saúde, à educação, à moradia, à

segurança alimentar, ao lazer e ao esporte, ao amparo às crianças, adolescentes,

jovens, adultos, idosos e portadores de deficiência, dentre outros, determina em

quais áreas as políticas públicas deverão atuar, em favor do bem-estar dos

cidadãos.

É a partir dessa perspectiva que se pretende, no presente capítulo,

suscitar a problemática em torno dos conceitos de política social e seguridade social,

bem como os contornos que as políticas sociais têm tomado, a partir dos parâmetros

conceituais, institucionais e históricos do Estado do Bem-Estar Social que fortaleceu

e expandiu o setor público para implementar e gerir um complexo sistema de

64

proteção social. O aprofundamento teórico a respeito da Política Social é

fundamental para que se compreendam as contradições que a cercam, permitindo

maior entendimento dos limites estruturais à sua efetivação como direito, a relação

contraditória que se estabelece quando está a serviço do capital e do trabalho e

como essas contradições repercutem no exercício da cidadania.

Para desenvolvimento do texto, serão retomados aspectos históricos da

trajetória das políticas sociais, trazendo distinções entre Política Social e Welfare

State. Concordando com Pereira (2008), elas não se constituíram em fenômenos

equivalentes ao Welfare State, surgido no fim do século XIX, conforme se pensava.

A autora destaca que elas têm um passado remoto, cujo início se deu com a

construção dos estados nacionais europeus nos séculos XV e XVI.

Entende-se que essa discussão é fundamental para o estudo em questão,

uma vez que o novo caráter conceitual assumido pelas políticas sociais trouxe vários

elementos necessários para ampliação e definição dos direitos sociais, além de

estabelecer os critérios para a definição do público-alvo a ser atendido via

programas, projetos, serviços e benefícios, a forma de gestão, a ampliação das

fontes de recursos etc. Todavia, no caso da política de assistência social, a própria

Constituição Federal, ao indicar suas diretrizes, limitou suas ações àqueles a quem

dela necessitarem, ou seja, a “proteção à maternidade, das crianças, dos idosos,

dos adolescentes e dos inválidos” (BOSCHETTI, 2006, p. 181). Em relação ao pobre

que está apto para o trabalho, a “Constituição reafirmou a clássica fórmula de

garantia da assistência via trabalho”. Com isso, não bastava ser pobre, mas tinha

que estar sem condições para o trabalho, para ser “merecedor” das ações e

benefícios da assistência (BOSCHETTI, 2006, p. 181).

Para Pereira (2008), as políticas sociais têm uma conotação mais

genérica, permitida em toda e qualquer ação que envolva a intervenção do Estado,

sendo ou não compartilhada por diversos atores sociais que estejam interessados

em corresponder a todo tipo de demandas sociais. Diferentemente, o Welfare State

é um fenômeno exclusivo do século XX, cuja origem não tem grandes relações com

as políticas sociais implementadas no fim do século XIX. Essas políticas teriam as

condicionantes da relação entre o Estado e a sociedade, determinadas por

mudanças estruturais e políticas geradoras de conflitos de interesses e conquistas

coletivas e de classes. Os diferentes interesses em torno de uma mesma questão

geram tensões e conflitos, e as correlações de forças existentes tendem a beneficiar

65

a classe que tem mais força e poder de influência. Em se tratando de política social,

a própria história encarregou-se de mostrar que ela tem procurado satisfazer algum

tipo de necessidade social, mas sem deixar de corresponder aos interesses da

classe que está no poder. Sendo assim, ela é legitimadora do controle do poder

político e social sobre a sociedade, mantenedora do status quo das classes

dominante e dominada, legitimando as prerrogativas da elite (PEREIRA, 2008). É

essa a característica da política social, herdada não da ordem social burguesa, mas

de todos os modos de produção em que haja exploração de uma classe sobre a

outra.

Pereira (2008) destaca ainda que a natureza das políticas sociais não

condiz com o enfoque evolucionista, cujo início se dá na caridade privada, passando

pela beneficência e assistência, culminando com uma prática evoluída associada ao

Welfare State no século XX.

No século XIX, as mudanças ocorridas na estrutura econômica, nos

sistemas políticos e sociais da época, exigiram a intervenção mais efetiva do Estado,

inaugurando uma nova época de proteção social, como o modelo alemão de

proteção social, criado por Otto Von Bismarck em 1880. Esse século foi marcado por

três grandes acontecimentos: a Revolução Industrial, a eclosão da democracia de

massas e a constituição de Estados nacionais, servindo de suporte para conformar

um novo perfil para o Estado e para as políticas sociais (PEREIRA, 2008).

A ampliação das funções do Estado trouxe mudanças significativas não

só para instituição de políticas mais efetivas, mas também ao papel do próprio

Estado, que, deixando de ser simples “guardião do quadro político, ou sustentador

do mecanismo produtivo para ser o centro de regulação do processo de

acumulação, da relação poupança-investimento que os instrumentos normais do

mercado não conseguiam mais controlar...” (PEREIRA, 2008. p. 35). Para que

ocorresse alguma melhoria nas condições de vida da população, seria necessário

um Estado com crescentes funções sociais, cujo avanço de técnicas para

implementação de ações capazes de corresponder às demandas e problemas da

sociedade exigisse a substituição de velhas práticas e teorias para conhecimentos

aplicados e mais sofisticados. A constituição de fundos públicos incrementou e

financiou as ações desses Estados, tendo em vista a emergência dos problemas

sociais que agravaram as condições de vida das classes subalternas.

66

A contribuição da democracia de massas para a conformação do Welfare

State estava associada à transformação de um Estado absolutista em Estado social

de direitos, numa época em que o direito ao voto constituía-se em privilégios das

elites. As organizações das grandes massas, neste período, muito além de

representar a superação ao Estado absolutista, ampliaram a participação das

classes populares e dos sindicatos, tornando mais efetiva a condição de cidadania.

Tudo isto repercutiu no seio do Estado e de suas políticas propiciando importantes

mudanças.

Behring (2008, p. 57) ressalta que existe uma ambiguidade entre a

concepção da burguesia liberal em relação ao papel Estado, que sempre esteve

presente como “parteiro do mundo capital”. O Welfare State tenta assegurar políticas

de mercado de trabalho, facilitando a redistribuição e a realocação de trabalho e

capital das empresas, estímulo ao consumo e programas de criação de novos

empregos, de habitação, subsídios e empréstimos para construção, benefícios e

serviços.

A intervenção do Estado via políticas sociais, segundo a lógica liberal,

adquire alguns contornos, como predomínio do individualismo, cujo indivíduo é o

sujeito de direito, que deve buscar seu autossustento e seu bem-estar, vendendo

sua força de trabalho. A liberdade e a competitividade são virtudes humanas

benéficas ao indivíduo, pois o estimulam a superar seus limites, decidir o que é

melhor e buscar esse objetivo. A pobreza é naturalizada como um fato oriundo da

imperfeição humana, ou seja, passa a ser compreendida como algo relativo à moral

e não como resultado do acesso desigual à riqueza socialmente produzida

(BEHRING, 2008).

Referindo-se à concepção de Malthus, Behring (2008) critica a ideia de

que as necessidades humanas sejam vistas como uma ferramenta de controle do

crescimento populacional. Na visão de Malthus, o Estado deve assumir um papel de

neutralidade, desenvolvendo ações que complementem as do mercado. É a ideia de

que as políticas incitam o ócio e a malandragem e, por isso devem ser paliativas,

com ações de cunho privado e caritativo, atendendo àqueles que não são capazes

de competir no mercado de trabalho.

As demandas do capital são constantemente confrontadas com as

necessidades básicas da população, por isso o eterno conflito de interesses

opostos, já que resulta da pressão simultânea de sujeitos distintos. Sendo assim, o

67

objetivo da política social, que é a satisfação das necessidades humanas, serve

também para promover a rentabilidade da economia e para a acumulação da

riqueza. Fica patente, com isso, que seu caráter positivo, em relação àqueles que

são seus legítimos demandatários, não é automático e, em seu intento, prevalece o

confronto de “forças poderosas” (PEREIRA, 2008).

Pereira (2008) enfatiza que a política social é uma “coisa viva e dinâmica”,

constituída por conflitos de interesses e de constante relação entre o Estado e a

sociedade. Logo, para sua formulação, requer observar os conceitos, as teorias e os

objetivos que inspiram as decisões e as escolhas daqueles que a formulam e a

gestam.

A ocorrência reiterada de resultados não condizentes com seus princípios

éticos e cívicos e com a melhoria das condições de vida das pessoas causa uma

conotação negativista da política social, ou seja, há uma mudança em seu

significado de bem-estar social, principalmente porque são associadas com ações

maléficas à sociedade, promovendo a ociosidade e atrapalhando o fluxo normal de

acumulação do capital (PEREIRA, 2008).

Rimlinger (1971), citado por Pereira (2008), assinala que

[...] as ideias liberais, ensaiadas desde o século XVIII dominaram no século XIX a política social no Ocidente. No cerne dessas ideias estavam os princípios da liberdade, da igualdade e da autoajuda [...] tributários da Revolução Francesa, os quais se impuseram ao pensamento econômico, social e político da época [...] tais princípios se apresentaram como a antítese do conceito de proteção social próprio da sociedade pré-industrial, calcado no paternalismo e no vínculo de dependência entre o pobre e o Estado. Isso [...] criou [...] um conflito entre o velho protecionismo social e as forças antiprotecionistas do liberalismo (RIMLINGER, 1971 apud PEREIRA, 2008, p. 34).

As novas necessidades produzidas pela industrialização crescente,

pauperizando grandes parcelas das sociedades, vêm promovendo o crescimento

das conquistas democráticas. Estados nacionais, percebendo essa emergência,

procuraram adotar medidas para controlar as oscilações na economia e os

movimentos de massa, porquanto têm em suas mãos o poder coercitivo de última

instância e de soberania, face aos indivíduos e grupos sob sua jurisdição. O

desenvolvimento do Estado do Bem-Estar nas sociedades capitalistas avançadas

reflete a dinâmica e a natureza contraditórias dessas sociedades. Esse Estado

torna-se um instrumento a serviço dos interesses capitalistas, correspondendo às

demandas da classe trabalhadora, mas sem perder o foco no objetivo primeiro que é

a manutenção do capital (PEREIRA, 2008).

68

Para aprofundar ainda mais essas questões, a teoria marxista oferece

contribuições para o entendimento da política social, legando um estudo bastante

significativo sobre o papel do Estado na promoção do bem-estar social. O Estado é

um agente dominador das relações sociais e um mantenedor da ordem estrutural da

sociedade. Ainda segundo ele, somente quando o Estado for superado e substituído

por uma sociedade sem classes, alcançar-se-á o bem-estar social. Isso demonstra

seu caráter revolucionário, que vê as reformas não como meios de transformação,

mas como mecanismos de manutenção do status quo – uma vez provocadas

algumas mudanças periféricas, não mexem na estrutura social capitalista (PEREIRA,

2008).

Para Marx (MARX; ENGELS, 2009), as reivindicações dos trabalhadores

contra o Estado, que podem criar medidas limitantes dos abusos nas relações entre

patrão e empregados, representam um passo inicial e significativo para explicitação

das contradições mais profundas do capitalismo. A seguridade social, sob esse

ponto de vista, só ocorrerá quando existir “propriedade coletiva dos meios de

produção”. O Estado é fundamental, pois deve criar barreiras para conter os

avanços do capital, de forma a proteger a classe trabalhadora de suas

consequências mais devastadoras (PEREIRA, 2008).

A dinâmica do Estado tem em seu interior as contradições de classe, cuja

máquina estatal serve amplamente aos interesses da classe dominante, mas sua

universalização exige que ele dê a devida atenção a toda a sociedade. “Assim como

ele ajuda a explorar os trabalhadores, tem de atender as suas reivindicações”

(PEREIRA, 2008, p. 123).

Ao aprofundar-se um pouco mais sobre as contradições em torno do

Estado de Bem-Estar Social, O´Connor (1977),27 citado por Pereira (2008), destaca

como as ações do Estado reforçam seu caráter contraditório. Isso significa que, ao

promover a acumulação visando ao crescimento econômico generalizado e

legitimando a exploração e a acumulação, o Estado cria as condições para a

harmonia social. Estas são funções mútuas e contraditórias, que exigem dele

levantar recursos para sustentar a estrutura do capital, possibilitando a apropriação

do excedente econômico pelos grupos privados.

Segundo Pereira (2008), há uma tendência de os gastos públicos

cresçam muito mais do que a capacidade para arrecadação de recursos, a fim de 27

O´CONNOR, James. USA: a crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

69

manter essa estrutura. Assim se dá a crise fiscal que tende a se exacerbar graças à

pressão dos vários interesses envolvidos no orçamento público, desde os

trabalhadores, os pobres e os desempregados até os empresários e as grandes

corporações industriais. O´Connor (1977 apud PEREIRA, 2008), conclui seu

pensamento ressaltando que as exigências políticas dos grupos supracitados fazem

das políticas de bem-estar social um arranjo do Estado a serviço da acumulação e

da estabilidade política e econômica. Além de essas políticas não afetarem a

estrutura social classista, oneram a classe trabalhadora para manter o sistema

político do Estado, que não consegue manter o equilíbrio fiscal – pelo contrário: gera

e aprofunda ainda mais a instabilidade nas finanças públicas e ameaça a própria

base produtiva.

A contribuição marxista para o entendimento das contradições em torno

da política social, como função de um Estado que prima, pelo menos em tese, pelo

bem-estar de toda a sociedade trouxe elementos para o aprofundamento dessa

pesquisa, pois possibilitou ampliar a compreensão das contradições em torno das

políticas sociais e de como a ideologia neoliberal distorce seu sentido primeiro. Sob

esse ponto de vista, o Estado seria, a partir das distorções feitas pelos discursos

neoliberais, um agente socialmente ativo e responsivo frente às demandas sociais,

porém em nome dos interesses capitalistas. Isso significa que as políticas sociais

são compreendidas a partir de uma conotação totalmente adversa de seu sentido

político, reforçada pela ideia de que são inviáveis ao bom andamento do mercado

(PEREIRA, 2008).

No tocante à construção de um processo democrático na América Latina

e no Brasil, existem grandes dilemas, cujas raízes estão na confluência de dois

projetos políticos distintos – um que é democrático e participativo e outro que é

neoliberal. O primeiro é democratizante, com participação da sociedade; e o

segundo sugere a participação da sociedade, tendo sua importância na construção

de um Estado mínimo que se isenta progressivamente de seu papel de garantidor

dos direitos, transferindo tal responsabilidade para a sociedade. Contudo, as ideias e

concepções de cada um desses projetos representam-se tanto no Estado quanto na

sociedade, como elementos de uma disputa. O Estado, nesse sentido, é um terreno

contraditório e complexo; é o lugar do confronto e do antagonismo entre os dois

projetos, mas há uma aposta na possibilidade de ação conjunta para o

aprofundamento democrático. Para esse intento, o próprio Estado avança na criação

70

de espaços democráticos e participativos para formulação e execução de políticas

públicas, como é o caso das políticas sociais setoriais no Brasil (DAGNINO, 2004).

Vale destacar que esses espaços não estão isentos das relações antagônicas e do

confronto de interesses distintos. Por essa razão, é fundamental aprofundar o estudo

sobre as políticas sociais, dando ênfase à sua imprecisão conceitual, uma vez que

nem sempre se tem claro o que o termo significa nem quais são suas

particularidades e características, cuja tendência é, segundo Pereira (2008), ser

empregado de forma genérica, sem a devida mediação teórica e conceitual.

Para este capítulo, destacaram-se o sentido e o significado que a referida

autora designa à política social, tendo como referência o bem-estar do cidadão,

“traduzido no acesso efetivo à saúde, à educação, à moradia, ao emprego, à

segurança alimentar, ao amparo à infância, à velhice e aos serviços sociais, dentre

outros” (PEREIRA, 2008, p. 170).

O diferencial no conceito de política social consiste na conotação do

termo social, o qual se expressa fundamentalmente como um “princípio para ação”.

Titmuss (1981), citado por Pereira (2008, p. 171), enfatiza que “a política social

refere-se a princípios que governam atuações dirigidas a fins, com o concurso de

meios, para promover mudanças, seja em situações, sistemas e práticas, seja em

condutas e comportamentos”. Destaca ainda que “[...] o caráter político e ético da

política social, [enfatizando que] o simples fato de estudar a pobreza já requer do

estudioso (da política social) compromisso com a sua erradicação” (PEREIRA, 2008,

p. 171).

A partir desses pressupostos, entende-se que a política social, como

política da ação, visa, mediante esforços organizados e pactuados, atender as

necessidades da população. Isso requer deliberação e decisão coletiva, regidas

pelos princípios de justiça social, amparados por leis impessoais e objetivas

(PEREIRA, 2008).

Enquanto a política social traz como significado fundante o princípio da

ação, o termo social qualifica seu sentido e exige uma tomada de decisões e

requerimentos indispensáveis à satisfação das demandas sociais. Diante disso tudo,

ressalta-se que o resultado da junção de política (princípio da ação) + social significa

muito mais do que uma junção entre os termos. É uma área de interesses e ações

que nem sempre promovem o bem-estar, contudo tem nesse fim o sentido fundante

do termo. Do contrário, como pontua Pereira (2008, p. 172), o termo social perderá

71

sua consistência, principalmente porque, para ser social, uma política “tem que lidar

com diferentes forças e agentes em disputa por oportunidades e recursos, sem

perder a sua contraditória irredutibilidade a um único domínio”. A autora ressalta,

entretanto, que existem outras concepções que identificam a política social como

uma mera regulação social e distribuição dos recursos entre os cidadãos, com vistas

a alcançar o seu bem-estar.

Ao contemplar todas as forças de agentes sociais, Estado e sociedade, a

política social configura-se como uma política (pública), exigindo a participação dos

atores citados, sob o controle da sociedade no planejamento e execução das ações

voltadas para atendimento das demandas sociais. Ela se refere à etimologia do

termo público, que se refere à “coisa pública”, do latim res (coisa), publica (de todos),

ou seja, “coisa de todos, para todos, que compromete a todos” no atendimento das

necessidades sociais (PEREIRA, 2008, p. 173).

A mesma autora pretende elucidar com essa explicação que, embora a

política seja regulada e provida pelo Estado, engloba demandas e escolhas

particulares, por isso deve ser controlada por toda a sociedade. Ainda mais: tem

uma dimensão e um escopo que ultrapassam os limites do Estado, dos interesses

coletivos, das corporações sociais e do indivíduo isolado, por isso a política social

(como gênero da política pública) tem uma identificação muito grande com os

princípios da universalidade e da totalidade. Além disso, toda política (pública)

compromete o Estado, seja em qualquer tipo de governo, e exige que a sociedade

aja, institucional e legalmente, em defesa da sua integridade lutando contra todo tipo

de “assédio de interesses particulares e partidários, clientelismos, cálculos contábeis

utilitaristas e azares da economia de mercado” (PEREIRA, 2008, p. 174).

Outro princípio que identifica a política é a “liberdade positiva”, como

condição básica para a participação política e cívica, como exercício da autonomia e

de crítica, ou seja, é a “prática responsável de direitos e deveres” (PEREIRA, 2008,

p. 174).

Plant (2002),28 citado por Pereira (2008), esclarece que esse princípio

está relacionado com a capacidade objetiva de ação dos cidadãos, exigindo que o

Estado e a sociedade ofereçam condições para tal, via políticas (públicas). Pereira

(2008) ainda destaca que esse tipo de liberdade difere do da “liberdade negativa”,

28

PLANT, Raymond. Can there be right to a basic income? 9th International Congress, Geneva,

September, 12th-14

th, 2002.

72

prezada pelos clássicos do liberalismo, os quais defendem que o indivíduo deve agir

livremente, sem coerção, sem interferências, sem o uso da força física e sem

qualquer ingerência por parte do Estado. Nesse caso, a liberdade está sendo mal

concebida, uma vez que essa concepção desconsidera os diferentes status quo, as

desigualdades sociais e a capacidade de cada indivíduo para agir, principalmente

porque ninguém pode, com seus próprios recursos, fazer tudo o que é livre para

fazer e também porque nem todos dispõem dos mesmos recursos. Nesse caso, as

políticas sociais deverão suprir esses indivíduos para que todos tenham igualdade

de condições, capacidade e possibilidade para agir (PEREIRA, 2008).

Pereira (2008) retoma as discussões sobre a diferença entre política

social e Estado do Bem-Estar ou Welfare State, uma vez que este tem uma

conotação histórica e institucional e a política social tem um significado mais amplo e

perpassa o Welfare State. O Estado do Bem-Estar é formado por um sistema

organizado político e administrativamente, e visa restringir as livres forças do

mercado.

O Welfare State não necessariamente garante, de fato, o bem-estar de

todos, especialmente dos mais necessitados. Behring e Boschetti (2007) destacam

que as primeiras iniciativas de políticas sociais são entendidas na relação entre

Estado liberal e o Estado social. Isso quer dizer que não existe uma polarização ou

ruptura entre um e outro Estado. Na verdade, houve mudanças profundas na

perspectiva do Estado, que “abrandou seus princípios liberais e incorporou

orientações social-democratas num novo contexto socioeconômico e da luta de

classes, assumindo um caráter mais social, com investimentos em políticas sociais”

(BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 63).

Portanto, não se trata de estabelecer um curso linear que demarque a

transição de um Estado liberal para o Estado Social. Trata-se de chamar atenção

para o fato de que há um reconhecimento de direitos sociais, mas sem colocar em

questão os fundamentos do capitalismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Na análise de Mészáros (2003 apud PANIAGO, 2007), descortinar o

“falso paraíso idílico” do Estado de Bem-Estar Social, conduzido pela experiência do

reformismo socialdemocrata, não implica uma negação da importância da luta

política para superação do capital, mas possibilita a identificação dos limites da ação

política. A incorporação institucional de alguns benefícios para a classe trabalhadora

e, portanto, um aumento dos “gastos sociais” só pôde ser efetivada porque estes

73

não representavam nenhuma ameaça para o capital. Ao contrário, convergiu,

plenamente, com os interesses do sistema, à medida que contribuiu tanto para a

desmobilização e adestramento das forças sindicais quanto para a potencialização

da massa consumidora.

A classe trabalhadora também foi determinante para a mudança da

natureza do Estado, pautada pela emancipação humana na socialização da riqueza

numa estrutura social que traz em seu bojo um novo projeto societário. A classe

trabalhadora alcançou grandes conquistas no campo dos direitos civis e políticos,

todavia não teve condições de romper com as estruturas capitalistas (BEHRING;

BOSCHETTI, 2007).

O surgimento das políticas sociais foi gradualmente diferenciando-se

entre os países conforme o movimento de pressão da classe trabalhadora, o grau de

desenvolvimento das forças produtivas e das correlações de força na esfera estatal

(BEHRING; BOSCHETTI, 2007). Cada país tem sua maneira de promover o bem-

estar e responde diferenciadamente ao conjunto de necessidades e riscos sociais.

Pereira (2008) destaca que o Estado do Bem-Estar Social, em seu

funcionamento, varia de um contexto nacional para outro, não há um único modelo

de Welfare State que possa servir como “paradigma geral”. Todavia, foram guiados

por três marcos orientadores, a saber: o receituário keynesiano29 de regulação

econômica e social, inaugurado nos anos de 1930; as medidas e ações políticas do

Relatório de Beveridge30 sobre a Seguridade Social, publicado em 1942 e a

formulação da teoria trifacetada da cidadania elaborada por Thomas Marshall31,

no fim dos anos de 1940 (PEREIRA, 2008).

Existem Estados de Bem-Estar Social que promovem satisfatórias

condições de Bem-Estar Social e outros que, apesar do nome, dos gastos e das

ações despendidas, não apresentam o mesmo desempenho, daí a necessidade de

29

Reporta-se, aqui, ao período marcado pelo modelo de acumulação taylorista/fordista e à era do Estado Keynesiano. 30

O Relatório Beveridge registra a necessidade de prover serviços de Seguridade Social aos cidadãos “desde o nascimento até a morte”, e de políticas que conduzissem ao progresso social mediante a cooperação do Estado e dos cidadãos. 31

A ampliação dos direitos, na perspectiva da teoria de Marshall, consiste em assegurar os direitos mínimos para todos, desde que não se coloque em xeque o padrão de acumulação capitalista, ou seja, a manutenção, produção e reprodução do capital. Para o autor, a cidadania, entendida como a garantia de direitos civis, políticos e sociais, é (e deve ser) compatível com a acumulação. É por isso que essa perspectiva de direitos e cidadania, implementada a partir da década de 1930, permitiu a expansão do Estado social no capitalismo, sobretudo a partir da década de 1940 até a década de 1970. Os direitos, sobretudo os sociais, foram uma forma de resposta à crise de 1929, tendo como parâmetro o fordismo/kaynesianismo (GOUGH, 1982).

74

se compreender, a partir das classificações existentes na literatura, a maneira como

esse tema é interpretado e tratado.

Para se entender porque países respondem de maneira diferenciada aos

problemas sociais que são, em grande medida, muito similares, Esping-Andersen

(1991), citado por Pereira (2008), enfatiza as relações conflituosas entre o Estado e

a Igreja, a forte presença e intervenção estatal e as relações de poder entre as

classes sociais como alguns dos motivos que levaram à instituição de diferentes

Estados de Bem-Estar Social. No entanto, essa assertiva não é suficiente para

responder totalmente a tal indagação, mas são determinantes estruturais, políticos,

históricos, econômicos e sociais que foram cruciais para a construção dos diversos

Welfares States, mostrando o quão é complexo o campo de estudo sobre essa

temática (PEREIRA, 2008).

As diversas tipologias existentes indicam a mais antiga e ainda útil

classificação dos tipos de bem-estar social. Titmus (1981), citado por Pereira (2008),

ressalta o quanto é essencial essa classificação para os diferentes modelos de

welfare state serem compreendidos. Ele identificou três principais categorias de

bem-estar:

Bem-Estar Social (social welfare) está relacionado ao colapso das velhas formas de proteção e ao surgimento de um sistema de provisão social, concebido como um direito social. Nesse padrão, a pobreza não é vista como um desvio da normalidade, mas como uma consequência direta do desenvolvimento industrial capitalista;

Bem-Estar fiscal (fiscal welfare) consiste num sistema que oferece subsídios sociais e isenções de tributos de contribuições, de pagamentos de taxas públicas, assim como os descontos em impostos progressivos. Trata-se de um tipo de financiamento indireto a determinados grupos, seja por renda insuficiente ou incapacidade ou como contrapartida pela prestação de serviços voluntários;

Bem-Estar ocupacional (occupational welfare) é um tipo de sistema de Bem-Estar que inclui prestações e benefícios ao trabalho formal, que podem ser na forma pecuniária, como as pensões para empregados e dependentes ou outros auxílios como creches, serviço na área da saúde, educação, funerária, despesas de viagem, tickets para alimentação etc. Esse sistema produz duas formas de prestação de serviços e benefícios: a primeira é destinada para os empregados, sobretudo os mais bem-colocados no mercado de trabalho, recebendo melhor assistência. A outra forma ampara, de maneira precária, os desempregados e os malcolocados no mercado de trabalho, os quais ficam á mercê da atenção residual ou da caridade privada (PEREIRA, 2008, p. 182-185).

Vê-se, a partir dessas três tipologias de bem-estar, formuladas por

Titmus, que os Estados de Bem-Estar Social são heterogêneos. Variam de um país

para outro e são mais ou menos generosos, conforme as particularidades de cada

75

uma de suas políticas. Além disso, os tipos de Estado de Bem-Estar Social revelam

suas dimensões e variáveis, como o nível de reconhecimento dos direitos sociais e a

orientação para o mercado e para o pleno emprego; a relação entre o Estado e o

mercado, a função do Welfare State como promotor das políticas sociais como

direito social. Essas variáveis servem de parâmetros para orientar as ações e

medidas dos diversos tipos de Estado de Bem-Estar Social. Há estados que

interferem em última instância, quando a família e o mercado não conseguem as

necessidades dos indivíduos; outros estão baseados no desenvolvimento e no

desempenho econômico, cujas necessidades sociais estão submetidas à lógica da

rentabilidade. O trabalhador será recompensado conforme o seu mérito (PEREIRA,

2008).

Há Estados de Bem-Estar Social que, sob o reconhecimento dos direitos

sociais e a orientação para o mercado e para o pleno emprego, farão intervenções

fortes ao combinarem políticas de pleno emprego e políticas sociais, como ocorreu

na Suécia. Outros farão intervenções brandas, destinando generosas provisões

sociais, mas que se destinam àqueles indivíduos que se encontram em situação de

desemprego. E ainda há aqueles modelos que se orientam para o pleno emprego

com escassa política de bem-estar, como ocorreu no Japão e na Suíça, e Estados

orientados para o mercado com parcos investimentos em políticas sociais, como é o

caso da Austrália, dos Estados Unidos e do Canadá. No que tange a essa gama de

modelos de Welfare State, destaca-se que não há um modelo puro de Estado do

Bem-Estar Social, os quais, desde os anos de 1940, vêm funcionando, isolados ou

associados em diferentes partes do mundo capitalista (PEREIRA, 2008).

3.1 Seguridade social e sua variedade de conceitos

O surgimento do conceito de Seguridade Social como um conjunto de

políticas sociais que asseguram proteção social e bem-estar a todos os cidadãos

representou um grande avanço com o Relatório Beveridge, na Inglaterra, em 1942.

As bases desse novo sistema estariam assentadas em programas de atendimento à

saúde e ao direito universal à educação sem condicionalidades, pela garantia do

emprego e de um programa de seguros sociais. O rompimento representado pela

inserção do conceito de Seguridade Social nas políticas públicas ocorre em vários

76

níveis: a proteção social torna-se um direito de cidadania a ser garantido pelo

Estado; desvincula-se o benefício da contribuição dos indivíduos, já que alguns

podem contribuir, mas todos terão direito de acesso, conforme suas necessidades;

implica um mecanismo de solidariedade e redistribuição entre as pessoas que

podem contribuir e aquelas que terão os custos de sua atenção pagos por toda a

sociedade, via impostos e contribuições, e introduz um princípio de justiça,

associando certo bem-estar como parte de um padrão civilizatório que define os

direitos humanos (FLEURY, 2007).

O significado de Seguridade Social muitas vezes é confundido com

Welfare State, seguro social, Estado Providência e políticas sociais, todavia

Boschetti (2003) salienta que a Seguridade Social é um elemento fundante do

Estado de Bem-Estar Social. Ela expressa a natureza da intervenção do Estado, por

isso não deve restringir-se ao conceito de seguro social ou de previdência social –

para utilizar uma expressão brasileira e que, por vezes, confunde-se com o de

Seguridade Social.

A imprecisão do conceito de Seguridade Social provoca polêmicas e

divergências, tanto em sua compreensão quanto à utilização do termo que expressa

e designa sua natureza frente às mais diversas realidades históricas, econômicas e

sociais (BOSCHETTI, 2003). Compreendida sob a lógica do seguro social, a

seguridade torna-se um mecanismo de “garantia compulsória de prestações, de

substituições de renda em momentos de riscos derivados da perda do trabalho

assalariado” (BOSCHETTI, 2003, p. 4). No entanto, sob a lógica do Estado do Bem-

Estar Social, a seguridade é compreendida como um conjunto de políticas de

proteção social, as quais incluem os seguros sociais, a assistência social aos pobres

e o atendimento à saúde.

Na Alemanha, o Sozioalstaat (Estado social), assegurava educação

universal, habitação e seguridade social, das quais essa última se restringia aos

benefícios como aposentadorias e pensões, saúde, seguro acidente de trabalho e

auxílio aos familiares. Como se percebe, o sistema alemão não era considerado

universal, uma vez que atendia apenas a categoria de trabalhadores e seus

familiares (BOSCHETTI, 2003).

O Welfare State anglo-saxão difere-se do alemão. O primeiro supera o

alemão com a incorporação do conceito de Seguridade Social, em seu sentido mais

abrangente. Visa ampliar as formas de atendimento das políticas sociais, cujos

77

princípios, apontados por Beveridge, determinam a responsabilidade do Estado na

manutenção das condições de vida do indivíduo, por meio de ações que priorizem a

regulação do mercado a fim de manter elevado o nível de emprego; administração e

execução de políticas sociais universais; universalidade dos serviços prestados por

essas políticas e a implantação de uma “rede de segurança de serviços de

assistência” (BOSCHETTI, 2003, p. 6).

Na literatura francesa, o conceito de Welfare State está relacionado com o

de État Providence (Estado Providência), fazendo referência à representação sobre

um Estado providencial, expressão forjada por liberais franceses que eram contra a

intervenção do Estado na economia.

O conceito francês de État Providence, em seu significado atual,

assemelha-se ao conceito de Estado de Bem-Estar Social da Inglaterra, uma vez

que, nesse modelo, o Estado passa a responsabilizar-se pela regulação do

mercado, objetivando dar respostas frente aos riscos pessoais e sociais. Todavia, o

Estado de Bem-estar Social francês – État Providence – diferencia-se do Welfare

State inglês por ter em sua definição um caráter emergencial – Providência – não

concebido sob a lógica de Seguridade Social como direito de cidadania. No entanto,

a Seguridade Social francesa resulta de um longo processo de transição de um

sistema de proteção assistencial para um sistema baseado na lógica do seguro,

tornando-se entre 1940 e 1970 um misto entre os modelos beveridgeano e

bismarckiano (BOSCHETTI, 2003).

À luz da compreensão sobre os diferentes tipos de Welfare State, Pereira

(2008) ressalta a complexidade do seu conceito, e Boschetti (2003) destaca que os

conceitos Welfare State, Seguridade Social, Estado Providência e Estado de Bem-

Estar Social confundem-se, primeiramente, porque não são sinônimos e são

tratados como se fossem. Além disso, não são suficientemente problematizados a

fim de clarificar suas definições e como expressam conceitos e significados

específicos e divergentes, cuja tradução pura e simples gera confusão na

explicitação do fenômeno (BOSCHETTI, 2003).

Pereira (2008) afirma e Boschetti (2003) confirma, com essa discussão,

que é imperioso compreenderem-se as políticas sociais como um produto da relação

contraditória e dialética entre as estruturas sociais sintonizadas com acontecimentos

históricos, ou seja, da relação entre o capital e o trabalho, entre o Estado e a

sociedade e entre o antagonismo e a reciprocidade que rege os direitos de

78

cidadania. Por isso é necessário levar a discussão sobre a política social para além

da mera concepção funcionalista, cujo conceito restringe-se a um processo linear. É

importante perceber a contraditoriedade desses conceitos em relação aos interesses

mais diversos.

Diante da complexidade desse quadro, torna-se claro que não é fácil

conceituar e definir esses conceitos. Existem tantas definições que se torna

imperioso fazê-las, não só sob parâmetros científicos, mas também éticos, cívicos e

políticos. A importância histórica dos conceitos estudados, forjados pelos

movimentos da sociedade e pelas múltiplas relações que compõem o processo de

construção conceitual, à luz dos determinantes históricos e sociais, permite deduzir

que esses são os maiores dificultadores da criação de uma definição mais precisa

do que seja cada um desses conceitos, ainda mais que são concebidos conforme as

ideologias, valores e perspectivas teóricas. Com isso, pressupõe-se que esses

conceitos não sejam neutros, mas tendenciados por lógicas, teorias, interesses e

correlações de forças existentes na sociedade (PEREIRA, 2008). Sobre isso,

Boschetti (2003) assevera:

[...] a precisão conceitual da Seguridade Social requer a superação das análises fragmentadas ou parcializadas das políticas que a compõem; a compreensão de suas propriedades internas, bem como de seu significado na conformação do Estado social [...] investigar os elementos que definem o caráter dos direitos, assim como o tipo de financiamento e forma de organização [...] são imprescindíveis para compreender a Seguridade Social (BOSCHETTI, 2003, p. 9).

3.2 Reforma e Contrarreforma do Estado – fragilização das políticas sociais e o

mercado de trabalho em nome do capital internacional

Este tópico destaca os processos de reforma do Estado que foram

introduzidos a partir dos planos de ajuste estrutural que se consolidaram em vários

países, datados especificamente na década de 1990. Ele ainda ressalta que o ajuste

neoliberal implica não só o comportamento e a posição de cada país no cenário

econômico mundial como também as políticas econômicas dos Estados nacionais

(BEHRING, 2008).

Com as mudanças ocorridas no mundo da produção e do trabalho, graças

à introdução de novas tecnologias, de novas condições impostas ao trabalhador, foi

possível criar uma nova racionalidade no modo de gerir o mundo trabalho. Todavia,

79

esse processo trouxe consequências drásticas para o trabalhador, que perde

gradativamente com a adoção de um modelo mais flexibilizado e precarizado das

relações trabalhistas (BEHRING, 2008).

A reestruturação empreendida no mundo do trabalho oferece regimes e

contratos mais flexíveis, provoca a queda dos salários, a subcontratação e o

desemprego, mas também cria uma dicotomia entre um grupo de trabalhadores

mais especializados que têm maior estabilidade, melhores salários e aqueles que

correspondem ao grupo da mão de obra menos especializada, menos valorizada, de

menor salário. Estes têm menos oportunidades de ascensão, menos direitos e uma

ameaça cada vez maior de perda de sua colocação no mercado de trabalho.

As transformações no mundo do trabalho e a insegurança generalizada

expressam como o capital envida esforços para aumentar sua produtividade,

intensificando os processos de exploração da classe trabalhadora, tendo em vista a

recuperação da rentabilidade perdida com a crise econômica que antecedeu o

período da década de 1990.

Em relação ao Estado, existem fortes repercussões no seu papel como

“agente promotor do bem-estar da sociedade, protetor da economia nacional e

regulador do mercado” (BEHRING, 2008, p. 58). Behring (2008, p. 58) destaca que a

retirada do Estado como agente regulador da economia, facilitou o processo de

[...] dissolução do coletivo e do público em nome da liberdade econômica e do individualismo, corte de benefícios, degradação dos serviços públicos, desregulamentação do mercado de trabalho e desapropriação dos direitos históricos dos trabalhadores [...] (BEHRING. 2008, p. 58).

Em linhas gerais, tem-se uma verdadeira contrarreforma do Estado

caracterizada por mudanças constitucionais sob o rótulo “pirata” de reformas, mas

que, na verdade, tem sido um sistemático desmonte da estrutura estatal, cujo

objetivo mais grave e profundo é atingir e fazer retroceder os direitos sociais, em

nome do grande capital e em detrimento do bem-estar social. Outra característica

marcante da contrarreforma do Estado é a restrição do fundo público ao puro reino

da economia, a intensificação da exploração da força de trabalho e “[...] é sobre isso

que se assentam as premissas neoliberais, que se tratam de menos Estado e mais

exercício pleno da cidadania numa sociedade civil que, por sua maturidade,

prescindira da tutela do Estado” (OLIVEIRA apud BEHRING, 2008, p. 16).

Essas medidas estão combinadas ao projeto de desregulamentação e

desestabilização das relações de trabalho. No âmbito das políticas sociais, tem-se a

80

diminuição das contribuições sociais para a Seguridade Social; em contrapartida,

aumenta-se o fluxo de capitais e incentivos fiscais ao capital estrangeiro, além dos

processos de privatização do Estado que, supostamente, representa o interesse

geral.

Com o investimento na redução dos gastos públicos, na função do Estado

em favor do mercado e acesso livre à sua expansão, as políticas sociais foram

definidas pelo discurso neoliberal como sendo “paternalistas”, “geradoras de

desequilíbrio”, gerando um custo excessivo para o Estado e, consequentemente,

para a sociedade. Se as políticas são tão onerosas, seria necessário que o Estado

fosse desobrigado desse papel, cabendo ao mercado ser seu veículo de acesso

(BEHRING, 2008). Aos Estados cabe, portanto, a adoção de medidas que os

adaptem à nova ordem mundial. Todavia, os custos dessas adaptações trouxeram

consequências graves para a sociedade em geral, que sofre com o aumento da

pobreza, seguida de uma “incapacidade” dos Estados, que optaram pelas

orientações dos órgãos multilaterais para resolver seus graves problemas sociais.

Entretanto, tais organismos reconhecem o preço que esses Estados estão pagando

por adotarem tal receituário. Já reconhecem, neste momento, que é necessária,

então, a adoção de medidas de combate à pobreza, com ações de cunho

compensatório e focalizado, ou seja, para as políticas sociais, a grande orientação é

a focalização das ações com a criação de fundos de emergências e État, a

mobilização da solidariedade individual e voluntária, com a intervenção

predominante de entidades filantrópicas, as quais deverão prestar serviços

assistenciais de atendimento àqueles que se encontram em condição de extrema

pobreza (BEHRING, 2008).

Vale também destacar que, com o surgimento do Terceiro Setor, a

sociedade assume um papel fundamental na implementação de ações assistenciais

para o combate à pobreza. As políticas sociais tornaram-se mercadorias rentáveis

para o capital, destinadas ao cidadão consumidor, àquele que pode pagar pelos

serviços prestados. Àqueles que não dispõem de recursos financeiros para solicitar

esses serviços, restam-lhes a caridade e a benevolência das entidades

assistencialistas que atuam mediante ações precárias, por conseguinte, incapazes

de reverter a situação de pobreza e de extrema pobreza que se encontram junto ás

grandes parcelas da sociedade, em nome de uma minoria elitizada que concentra

altos índices de riqueza. Nesse contexto, reedita-se o discurso solidário moralista e

81

conservador, resgatando a ideia de cada um “fazendo a sua parte” para redução da

pobreza, sem uma transformação nas fontes causadoras do problema.

Assim o conceito de sociedade civil é (re)significado como “Terceiro

Setor”,32 pautado num discurso que apela para a responsabilidade social das

empresas e dos indivíduos. Sobre o tema, Freire nos aponta a existência de “uma

disputa de significados com relação à sociedade civil... Daí a importância de

recuperarmos os sentidos estratégicos que este conceito possui” (FREIRE, 2006, p.

87).

O projeto neoliberal pretende não só promover o crescimento

incondicional do livre mercado mas também o desmonte dos mecanismos sociais de

regulação da produção e o retrocesso dos direitos sociais. Nesse caso, as

conquistas estabelecidas na Constituição de 1988 tornam-se ameaças aos avanços

neoliberais, sendo, portanto, objetos de acirradas disputas políticas e econômicas

(MOTA, 1995).

A reestruturação produtiva e a globalização configuram-se, em linhas

gerais, como as marcas elementares do neoliberalismo e, ao se instaurar uma

contrarreforma do Estado, pretender-se-á destruir os “efeitos nocivos” do Welfare

State para a economia.

A desmotivação, a concorrência desleal, a baixa produtividade, a burocratização, a sobrecarga de demandas e o excesso de expectativas, constituíram-se em perigos iminentes que travam o livre curso do mercado. O perigo está especialmente no impulso aos movimentos sociais em torno de suas demandas. E a conclusão é: mais mercado livre e menos Estado Social (BEHRING, 2008, p. 58).

Enfim, verifica-se que há nas condições de vida da classe trabalhadora

um conjunto de necessidades não satisfeitas, com seus direitos sociais e

trabalhistas violados todos os dias. Vive-se no limite da sobrevivência e por isso

busca-se nos serviços sociais públicos o atendimento de suas carências materiais

básicas. São sujeitos marcados pela retórica da exclusão social, ocultados em sua

origem de classe e submetidos aos processos históricos que efetivam a

superexploração do capital sobre o trabalho.

32

Parece que boa parte do fundo público é transferida para o “Terceiro Setor”, também sob pretexto de gestão participativa, parceria e controle social nos municípios, com tais aportes servindo como tentáculos da orientação hegemônica atual, e não como apoio para sua transformação (FREIRE, 2006).

82

3.3 O contexto de dominação neoliberal: fomento a uma cultura de crise e os

rebatimentos nos direitos sociais

Para que o neoliberalismo possa manter a ordem econômica e intensificar

o sistema de exploração e precarização da força de trabalho, além de empreender

medidas de redução e até a extinção dos direitos sociais, foi necessário constituir

uma ideologia que criasse uma falsa consciência de que o mercado era a única

solução para os problemas da sociedade. Suas estratégias visavam garantir um

consentimento amplo para evitar grandes radicalizações da luta de classe, no

entanto, para as expressões mais radicais desses movimentos, se fosse preciso,

aplicar-se-iam o isolamento político e a coerção violenta.

A mídia tornou-se um veículo poderoso para a divulgação e a

massificação das ideias e do pensamento neoliberais. Apresenta verdades

incontestáveis e aparentemente racionais, além de desqualificar todo e qualquer

argumento contrário. Outro mecanismo destacado refere-se às elites pensantes da

sociedade que formavam opiniões, elaboravam explicações científicas para os

dilemas sociais, numa perspectiva que correspondia à ideologia que se constituía e

se hegemonizava. Segundo Behring (2008), foi se constituindo o que elas

denominam de “pensamento único”, como um conjunto sistemático de ideias e

medidas difundidas pelos meios de comunicação de massa, com o apoio da classe

científica, que justificava e reforçava a necessidade de se implementarem reformas

direcionadas para o mercado (BEHRING, 2008).

Foi necessária uma adesão da sociedade às mudanças em curso, pois

estas eram imprescindíveis para se alcançar a solução dos problemas sociais e

projetar o país no cenário econômico internacional. Esses discursos tentavam

camuflar os efeitos negativos das contrarreformas que já estavam em andamento,

intensificando os processos de superexploração da força de trabalho, a pobreza e a

concentração de renda e de riqueza. Além disso, as relações entre pessoas foram

determinadas pela mercadoria e pela lei do consumo, o indivíduo passou a ser

considerado um cidadão pela capacidade de consumir bens e serviços (BEHRING,

2008).

Behring (2008) afirma a existência de uma cultura de crise, que se tornou

argumento muito disseminado para justificar as reformas neoliberais implementadas

83

no mundo do trabalho, no Estado e nas políticas sociais, as quais deveriam

conquistar a adesão da grande massa social. O discurso prossegue, afirmando que

os outros projetos sociais fracassaram.

A admissão de uma cultura de crise como mediadora desse processo de

mudanças na ordem estabelecida encontrou um terreno fértil e, ao mesmo tempo,

conflituoso, cujas análises ora defendiam as transformações orientadas pela política

neoliberal como sendo positivas para a economia e para a sociedade, ora

analisavam essas mudanças numa perspectiva diferente da primeira, levando-se em

conta as contradições inerentes à própria dinâmica do capital (MOTA, 1995).

As propostas de políticas macroeconômicas sugeridas e implementadas a

partir das orientações do Consenso de Washington33 imprimem uma direção política

de classes, inspirando ações e estratégias que correspondem aos interesses do

capital. Diante disso, a emergência desse novo sistema econômico mundial implica

a formação de uma cultura que subjuga os países periféricos ao capital

internacional. A função a ser desempenhada, portanto, consiste na fundação de uma

concepção “desterritorializada” das relações sociais para enfraquecer a atuação dos

Estados nacionais e criar vias de acesso para entrada do capital internacional nos

Estados territoriais (MOTA, 1995). A mesma autora, ao citar Przeworski (1991),

afirma que se trata de uma “estratégia que consolida a ideia de modernização como

sinônimo de internacionalização”. Segundo ela, os organismos internacionais

propõem um projeto estratégico de “transformar o nacional em internacional” (MOTA,

1995, p. 80).

Mota (1995) afirma que o projeto neoliberal é um instrumento

racionalizador, que ultrapassa os limites de um programa de ajustes econômicos,

mas que pretende construir uma nova racionalidade econômica, política, social e

cultural da ordem burguesa. Ele se expressa nos programas de desregulamentação

do Estado e do trabalho; abertura comercial e financeira para o capital; privatização

do setor público e redução do Estado, no tocante à cobertura dos riscos sociais.

Com isso e com o processo de desterritorialização e flexibilização do capital

33

Consenso de Washington é um conjunto de medidas, composto por dez regras básicas,

formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras, baseadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy. Tornou-se a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades (MOTA, 1995).

84

industrial e financeiro, determina-se a perda da autonomia dos poderes locais, “na

medida em que retira dos governos nacionais a possibilidade de administração

autônoma das tensões internas, fazendo surgir um terreno fértil para o crescimento

de disputas corporativas e conflitos regionais e setoriais” (MOTA, 1995, p. 81).

Lechner (1993), citado por Mota (1995, p. 81), salienta que existem dois

processos acelerados de globalização: um, de ordem estrutural e econômica, que

incide nos circuitos “produtivos”, “comerciais”, “financeiros” e “tecnológicos”; o outro

é a globalização do consumo, da cultura e, sobretudo, de um “consenso global”

sobre quadro normativo das ações políticas.

A mesma autora (1995), ao destacar o caso da América Latina, aponta a

imprescindibilidade de uma inserção competitiva no cenário econômico mundial.

Todavia, os países desse continente veem-se impossibilitados de administrar

autonomamente sua economia, ficando à margem do sistema capitalista mundial e

subordinados aos países centrais. A abertura comercial, industrial e financeira

acentua ainda mais as desigualdades sociais, não só internamente, em seus

territórios nacionais, mas também numa desigualdade entre as nações, tendo em

vista que existe um grau diferenciado de inserção de cada país nos processos de

globalização (MOTA, 1995).

Frente à situação em que se encontravam os países latino-americanos,

os organismos internacionais consideraram indispensável desenvolver estratégias

de crescimento econômico e estabilização da economia. Reforçavam que não havia

estabilização sustentada sem o crescimento econômico. Esse projeto deveria ser

abraçado como um novo modelo de desenvolvimento nacional cuja construção

deveria pautar-se num pacto entre trabalhadores, Estado e empresários. Para que

fosse concretizado realmente, era necessário dissolver as tentativas de formação de

uma cultura das classes trabalhadoras. O próprio Consenso de Washington

reconhecia a necessidade de se produzir um novo consenso entre as classes

sociais.

No Brasil, havia uma resistência às mudanças impostas pelos organismos

internacionais (BIRD, FMI, OMC, OIT, OCDE, etc.), uma vez que não foram capazes

de solucionar os problemas sociais do país e não satisfizeram os interesses das

classes sociais brasileiras. Além disso, tais medidas tornaram-se inexequíveis e

agravadoras do quadro de desigualdade social do país. Concluindo suas ideias,

Tavares (1993), citado por Mota (1995, p. 83), destaca que:

85

[...] não foi por essas razões paradigmáticas tão opostas ao espírito liberal-conservador das elites brasileiras que estas se opuseram ou resistiram tão tenazmente às reformas liberalizantes […] Na ausência de uma aliança entre si e com o sistema financeiro, os grupos econômicos privados têm recorrido sempre ao acesso privilegiado do Estado para defender seus interesses particulares [...] (TAVARES, 1993 apud MOTA, 1995, p. 83).

Impõe-se, portanto, uma socialização da cultura dos projetos de classe

como condição sine qua non34 para êxito do pacto social, em nome do progresso e

do crescimento econômico. No entanto, as ações da classe trabalhadora, por

intermédio dos sindicatos, movimentos sociais e populares e partidos

representativos dos trabalhadores permanecem firmes nas reivindicações salariais e

melhores condições de trabalho. Todavia, os trabalhadores podem estar “unidos” de

maneira simbólica em torno de um objetivo comum, como aumento de salários;

melhoria das condições de trabalho e garantia dos direitos trabalhistas, ou seja,

podem até defender esses ideais, mas não conseguem aglutinar práticas comuns

para alcançá-las (MOTA, 1995).

Do ponto de vista da burguesia, observou-se que os conflitos internos

entre as distintas classes sociais não permitiram a construção de um projeto

nacional e hegemônico, mas o surgimento de vários projetos setoriais, de grupos

distintos, os quais correspondiam a interesses particularizados e imediatos. Não

existia, portanto, um projeto de longo prazo e que correspondesse a um interesse

hegemônico capaz de aglutinar todos esses interesses (MOTA, 1995).

Segundo Mota (1995), o próprio Banco Mundial, em seu relatório,

desenvolveu um discurso que indicava a necessidade de se criar um novo

consenso, alegando que não havia como obter êxito econômico sem reformas

estruturais. Essas reformas deveriam ser implementadas para atenuar as condições

produzidas pelo próprio modelo. A adoção de projetos sociais, focalizados no

combate à pobreza com criação de redes de proteção social, sedimentaria na

sociedade uma nova metodologia de intervenção na questão social. A necessidade

era formular políticas de ajuste que dessem a devida importância às necessidades

dos pobres. Duas grandes estratégias estavam no roteiro do novo receituário para

atuarem nessa frente de ação:

a) criação de incentivos de mercado, de instituições, de políticas sociais,

34

Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão que se originou do termo legal em latim que pode ser traduzido como “sem a/o qual não pode deixar de ser”.

86

de infraestrutura e de tecnologias de combate à pobreza;

b) prestação de serviços sociais aos pobres e mercadorização dos

serviços para os trabalhadores de melhor renda (MOTA, 1995).

Essas medidas visavam proteger os pobres, a partir de uma combinação

criteriosa de medidas macroeconômicas, além de medidas que diminuíssem o

declínio do consumo privado. Acreditava-se que seria possível direcionar recursos

públicos para o investimento em ações e projetos que atenuassem as

consequências produzidas pelo modelo neoliberal no contexto de expansão da

macroeconomia. “Assim, tanto a questão social volta ao centro das discussões dos

organismos internacionais, como a própria concepção de Estado mínimo remete ao

que os analistas estão chamando de novo consenso” (MOTA, 1995, p. 85). No

interior desse consenso estava presente a necessidade de se implementarem

reformas sociais com o foco na pobreza. No entanto, ainda continua sendo objetivo

primeiro para o neoliberalismo o ajuste fiscal, acompanhado pela supressão de

sistemas de proteção de caráter universalizante para adoção de medidas

focalizadas na pobreza extrema.

A Seguridade Social se expressa no contexto dos movimentos mais

gerais, determinada pela crise econômica de 1980. Os mecanismos adotados para

seu enfrentamento sugerem que ela está condicionada aos movimentos econômicos

e políticos, definida segundo as determinações da macroeconomia: entendida não

só como parte do processo de reestruturação produtiva e adaptação ao novo modelo

econômico, como também sob a ótica das mudanças na intervenção do Estado. A

Seguridade Social tornou-se, portanto, objeto prioritário das mudanças e ajustes,

uma vez que ocupa um lugar central nas relações entre mercado, Estado e

sociedade, todavia o mercado dita as novas regras, redefine suas práticas e a

intervenção do Estado (MOTA, 1995).

Segundo o ideário neoliberal, a tendência é privatizar os programas de

previdência e saúde35 e ampliar os programas socioassistenciais para acompanhar o

redirecionamento das ações do Estado, que se desenvolvem a partir de ações

focalizadas e setorializadas. Uma questão de ordem intrínseca nesse debate é que a

Seguridade Social é fruto das tensões entre as reivindicações dos movimentos 35

Sobre esta questão cf. BRAVO; MENEZES (2012).

87

sociais e da classe trabalhadora, que exigia a implementação de políticas sociais

universais num contexto de intensas reformas na estrutura da sociedade capitalista.

A arquitetura planejada para a criação das políticas de proteção social permite que

sirvam a “dois senhores”: às reivindicações da classe trabalhadora e aos propósitos

de acumulação do capital. Como destaca Mota (1995), isso transforma o

atendimento delas em respostas políticas contraditórias.

Na passagem do capital concorrencial para a fase do capital monopolista,

as formas de proteção existentes consistiam na ajuda aos pobres, desocupados,

órfãos e à solidariedade mútua, sendo os embriões do que se constituiria no sistema

de proteção social. No entanto, a ajuda aos pobres estava condicionada apenas

àqueles que estavam incapacitados para o trabalho ou para prover seu sustento. A

relação entre a assistência e o trabalho assalariado era questão fundamental que

determinava quem eram os receptores das ações socioassistenciais. Ações mínimas

de assistência eram permitidas e necessárias para manter o nível de consumo e

para minimizar as sequelas sociais produzidas pelo capital (MOTA, 1995).

Diante desse percurso analítico sobre política social e a crise do modelo

capitalista na contemporaneidade, a tendência é de que as políticas sociais

brasileiras estejam sendo encaminhadas para a privatização e para o fim da

consolidação de sistemas com caráter universal, gratuito e público.

Sendo assim, o gráfico a seguir apresenta em uma única peça todas as

fontes e aplicações de recursos do Orçamento Geral da União e explicita o sentido

que o Estado dá às ‘necessidades sociais’ por meio dos gastos com as políticas

públicas e destaque ao privilégio da dívida, pois ela absorve quase a metade dos

recursos do orçamento federal, o que explica o fabuloso lucro auferido pelos bancos

aqui instalados, enquanto faltam recursos para as necessidades sociais básicas,

tornando nosso país um dos mais injustos do mundo.

88

GRÁFICO 1 - Orçamento Geral da União de 2012, por Função Executado até 31/12/2012 – Total: R$ 1,712 Trilhão (Auditoria cidadã da dívida)36

Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida (FATTORELLI; ÁVILA, 2012) Nota 1: as despesas com a dívida e as transferências a estados e municípios se incluem dentro da função “Encargos Especiais”. Nota 2: o gráfico não considera os restos a pagar de 2012, executados em 2013. Nota 3: observado o princípio da unicidade orçamentária.

A tendência geral do Estado brasileiro é a redução de direitos, baseando-

se no argumento de crise fiscal, transformando assim as políticas sociais em ações

pontuais e compensatórias, atendendo os maiores efeitos da crise. O trinômio do

ideário neoliberal para o campo das políticas sociais consiste na privatização,

focalização e descentralização, o que tende a alterar as responsabilidades da

federação, transferindo-as para o campo privado, ou setor público não estatal –

questão que impacta as condições para o desenvolvimento humano (sucateamento

das estruturas físicas e humanas do espaço público), uma vez que, na atual

36

A organização ‘Auditoria Cidadã da Dívida’ é um movimento nacional formado por intelectuais, auditores, pesquisadores, sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais que surgiu por meio do Plebiscito da Dívida Externa, realizado no Brasil em setembro de 2000 pela Campanha Jubileu Sul. Desde então mantém e atualiza o site: http://www.auditoriacidada.org.br, que instrumentaliza o debate popular em torno do fundo público e orçamento do Estado brasileiro.

89

conjuntura, ainda predomina o desequilíbrio entre a ampliação das demandas postas

no campo dos direitos sociais e os recursos disponíveis por parte das instituições,

ponto que traz consequências ao agudizar as expressões da questão social na

contemporaneidade.

Tornam-se nítidas a necessidade e a possibilidade de pensarmos e

agirmos no campo das políticas sociais, numa perspectiva articulada aos

movimentos sociais que tenha na sua gênese a superação do atual modo de

produção, e disputar a hegemonia, tanto do ponto de vista teórico quanto prático-

político, visando contribuir com a efetivação de perspectiva comprometida com a

universalização e aprofundamento de direitos.

90

4 DESDOBRAMENTOS DA DEMOCRACIA NA ATUALIDADE: PARTICIPAÇÃO E

DESCENTRALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO ESTADO BRASILEIRO E OS

IMPACTOS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Os anos 90 do século XX caracterizam-se na literatura histórica e

econômica brasileira como a década das grandes transformações conjunturais e

estruturais. No que diz respeito à redefinição da ação estatal, são marcantes nesse

período a positivação de legislações no campo social e a construção de sistemas de

proteção social tendo como base o texto Constitucional aprovado em 1988.37 A

novidade consiste na criação de políticas sociais com diretrizes pautadas na

descentralização da gestão e sua execução, bem como na criação de espaços de

participação popular, visando estabelecer o controle social democrático na relação

do Estado com a sociedade.

Dessa forma, no campo legal, começa a fazer parte da estrutura do

Estado a participação da sociedade civil, por meio dos conselhos gestores,

associações e movimentos sociais, entre outros. Por meio dessas instâncias, busca-

se favorecer o constante movimento de criação e ou ampliação de espaços de

participação da população na discussão e definição de políticas sociais. Nessa

perspectiva, Bobbio (2000) afirma que os conselhos gestores podem ser

considerados não só uma união de interesses comuns, mas também como espaços

de acolhimento, apoio mútuo e integração dos sujeitos. Eles permitem, de certo

modo, elevar a autoestima de seus participantes e auxiliá-los na compreensão das

dinâmicas sociais, garantindo-lhes a possibilidade de intervirem no controle das

políticas do Estado.

Ao tomar tais questões como ponto de partida, este capítulo trata

especificamente da participação e da descentralização, ambas reconhecidas como

marco legal na Constituição Federal de 1988. As duas direcionam o Estado nas três

esferas de governo a abrirem canais de participação e proporcionar à sociedade civil

o direito de participar do planejamento das políticas estatais e empreender o

37

É, no entanto, importante destacar, conforme Corletto (2010) e tratado anteriormente, que o formato predominante das políticas sociais na América Latina nos anos 1990 teve uma forte influência dos organismos internacionais, os quais insistiram na indicação de um padrão unívoco para as reformas na proteção social para os diversos países da região. Os princípios orientadores centrais foram a focalização, a descentralização e a privatização que, apesar de não terem conduzido aos formatos idênticos dos sistemas de proteção em todos os países, tiveram como preocupação central a focalização das ações no combate à pobreza.

91

exercício do controle social sobre as ações governamentais. Em tese, isso ocorre

mais facilmente no nível do território local, devido à aproximação das instâncias

governamentais das populações por meio dos processos de descentralização.

Neste sentido é que se propõe a discussão em torno da Política de

Assistência Social, como uma contribuição ao debate de uma gestão democrática,

descentralizada e participativa. Porém, dadas as características da formação sócio-

histórica do Estado brasileiro, pautada na dinâmica do modo de produção capitalista,

partir-se-á do pressuposto de que o desvelamento das políticas sociais aconteça no

contexto de relações complexas e contraditórias. Elas se constituem, por isso, como

processos e produtos da produção e reprodução da dinâmica capitalista, exigindo a

recusa de suposições simplificadoras e unilaterais de análise da realidade.

É nesse terreno que serão explicitadas as condições de construção da

Política de Assistência Social no município de Belo Horizonte. Também será

salientado que, nesse contexto, as Comissões Locais de Assistência Social surgem

com a intencionalidade de promover espaços coletivos de participação, por meio da

discussão acerca da política e do compartilhamento de problemas, valorizando as

demandas locais das populações que habitam o município.

A participação é concebida como uma necessidade de mobilização,

organização e reivindicação por parte de todos na tentativa de se assegurarem

direitos sociais. Como afirma Demo (2009, p. 23), ela “requer processos que

favoreçam a participação ativa, autônoma, representativa e corresponsável que

propiciem, de modo mais completo, o crescimento das pessoas ou das organizações

coletivas”.

Como podemos perceber, no entanto, é intrínseca ao modelo capitalista

de produção a existência de fatores dificultadores no que diz respeito à construção

de ações coletivas de caráter sociopolítico e transformador. Disso deriva o

permanente questionamento: é possível pensar no homem como sujeito em uma

sociedade que mantém a concentração de riqueza e poder? Decorre do mesmo

processo, e como uma forma de responder à questão, a importância da organização

da sociedade civil numa perspectiva democrática e educativa.

92

4.1 A combinação entre democracia representativa e democracia participativa

O processo democrático, bem como a gestão do Estado, sofreram ao

longo dos anos várias mudanças que permitiram a combinação entre dois sistemas:

o sistema democrático representativo e o sistema participativo. Para se compreender

essa combinação, faz-se necessário, primeiramente, entender o que eles

representam isoladamente.

A expressão democracia representativa “[...] significa genericamente que

as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade

inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por

pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 2000, p. 56). Isso quer dizer que a

população elege representantes, os quais tomarão as decisões que são de interesse

coletivo. Como em diversos outros países, isso ocorre no Brasil a partir da eleição

daqueles que a sociedade acredita estarem aptos a governar o país, o seu estado

ou o seu município em prol de uma melhoria coletiva de vida. A sociedade então

atribui aos eleitos o poder de representá-la em níveis municipal, estadual e federal, o

que vem ocorrendo, também, em nível local, no tocante às instancias de

participação e controle social.

Já em relação à democracia participativa, ainda segundo o mesmo autor,

esta não pode ser tratada no sentido próprio da palavra, mas no sentido de que “[...]

o indivíduo participa, ele mesmo, das deliberações que lhe dizem respeito. [Assim], é

preciso que entre os indivíduos deliberantes e a deliberação que lhes diz respeito

não exista nenhum intermediário” (BOBBIO, 2000, p. 64).

A participação, na perspectiva democrática, está associada ao modelo de

democracia participativa.38 Os adeptos dessa vertente afirmam que a desigualdade

socioeconômica impõe impeditivos para a participação, sendo esta a principal crítica

à perspectiva elitista, assim como à ideia de consumidor, como se a participação

estivesse associada às condições de consumo material e simbólico (SILVA, 2003).

Ainda assim, nesse modelo de democracia, os indivíduos podem participar do

processo de tomada de decisões no que concerne à condução das políticas

públicas, programas e projetos, fortalecendo, desta maneira, a participação da

sociedade na gestão pública. No entanto, Bobbio (2000) pondera que

38

Criada na Europa durante a década de 1960, a democracia participativa teve como principal condicionante as manifestações populares e sindicais em protesto contra os resultados do regime autoritário no Leste Europeu.

93

[...] democracia representativa e democracia direta não são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra), mas são dois sistemas que se podem integrar reciprocamente. Com uma fórmula sintética, pode-se dizer que num sistema de democracia integral as duas formas de democracia são ambas necessárias, mas não são consideradas em si mesmas, suficientes (BOBBIO, 2000, p. 65).

Por isso, busca-se a integração entre esses dois modelos de democracia,

tendo em vista que o modelo ainda predominante é o representativo. Quanto ao

modelo participativo, o que existe são formas de desenvolvimento deste por dentro

do sistema representativo. Para Bobbio (2000), não se pode falar, portanto, de

substituição de um modelo por outro, pois seria um equívoco, já que o que deve

ocorrer de fato é a ocupação, por parte de segmentos da sociedade, de espaços já

existentes e também de novos espaços, nos quais representantes da população

possam defender os interesses daqueles que os representam (BOBBIO, 2000).

Tendo isso em vista, o autor afirma que essa realidade conduz à

necessidade de aperfeiçoamento da democracia representativa a partir da

combinação com a vertente participativa. Desse modo, seria possível consolidar um

novo paradigma de democracia no cenário atual, abrindo espaço para que a

população possa participar de forma ativa em espaços que promovam debates

acerca da elaboração, implementação e acompanhamento de políticas públicas. Em

torno dessa necessidade, faz-se necessária, neste momento, uma breve discussão

acerca dessa participação no sistema democrático.

Silva (2003) destaca que a democracia participativa não rompe com a

visão de que a política seja restrita aos “especialistas” ou que as camadas populares

só podem participar se forem educadas para tanto, pois, caso contrário, podem

oferecer risco à hegemonia das classes dominantes. Por isso, a autora apresenta o

pensamento de Poulantzas (1973) e Callinicos (1992), os quais defendem a

construção de um socialismo democrático, e não apenas a melhoria do sistema

capitalista. Para tanto, Poulantzas considera fundamental combinar democracia

direta e representativa.

Conforme Silva (2003), os limites da junção da democracia participativa

com a representativa podem ser entendidos na medida em que ambas não rompem

com as amarras do sistema capitalista. No entanto, considera-se que o modelo da

democracia participativa contribui para o desenvolvimento da percepção de

cooperação, compromisso com as decisões e integração dos atores sociais, bem

como possibilita a formação de uma visão direcionada à defesa dos interesses

94

coletivos e das discussões sobre a política nacional. Trata-se, por isso, de uma

prática educativa (PATEMAN apud SILVA, 2003), já que permite também

compreender melhor a relação entre o público e o privado (HELD apud SILVA,

2003).

Além do mais, a junção dessas duas formas de democracia representa a

atual forma de organização do Estado brasileiro prevista na Constituição de 1988.

Cabe analisar como ambos os sistemas se organizam, atuam e interferem na

dinâmica da participação na construção, implementação e fiscalização das políticas

do Estado.

4.2 A participação no sistema democrático e suas contradições

A partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), a participação social

passou a ser valorizada e assegurada em lei, tanto no processo de decisão das

políticas públicas quanto no controle sobre as ações do Estado no que concerne à

implementação dessas políticas. Mesmo com todas as dificuldades inerentes ao

processo de participação, devido às mediações culturais, socioeconômicas e

ideopolíticas constitutivas do regime democrático no Brasil, essa foi uma conquista

da sociedade brasileira, resultante de intensas lutas históricas.

Para aprofundarmos nesse entendimento, em um primeiro momento faz-

se necessário compreender o campo simbólico que representa o aspecto inovador

da participação no Brasil e, posteriormente, localizar as contradições existentes,

finalizando com a compreensão acerca do campo de mediações possível nessa

relação.

No tocante à construção dos processos de participação, Silva et al (2005,

p.375) apontam três enunciados que objetivam potencializar a participação dos

atores sociais na formulação e implementação das políticas públicas, assim como no

controle sobre as ações do Estado. São elas:

a) a participação social promove transparência na deliberação e visibilidade das ações, democratizando o sistema decisório;

b) a participação social permite maior expressão e visibilidade das demandas sociais, provocando um avanço na promoção da igualdade e da equidade nas políticas públicas; e

c) a sociedade, por meio de inúmeros movimentos e formas de associativismo, permeia as ações estatais na defesa e alargamento de direitos, demanda ações e é capaz de executá-las no interesse público (SILVA; JACCOUD e BEGHIN, 2005, p. 375).

95

A participação social nos processos decisórios obteve maior destaque a

partir da década de 1980, com a determinação de uma gestão democrática e

participativa, e foi institucionalizada em nível nacional com a criação dos Conselhos.

Essas instâncias foram criadas com o objetivo de integrar a população nas decisões

relativas aos rumos das políticas sociais brasileiras. Vale destacar que, no processo

de constituição de uma esfera pública democrática para o debate e a deliberação, os

Conselhos incorporam, além dos movimentos sociais, vários outros grupos e

interesses presentes no debate público setorial (SILVA; JACCOUD, BEGHIN, 2005).

Ainda sobre participação, Pateman (1992) faz uma análise sobre

concepções democráticas, enfatizando a função educativa da participação no

processo democrático. A autora assevera que a democracia participativa, como

teoria, deve ser estudada profundamente até que se esgotem todos os meios

possíveis para seu entendimento e realização empírica, pois essa teoria não pode

ser descartada.

Para essa discussão, Pateman (1992) faz sua análise partindo de obras

de três teóricos que desenvolveram estudos sobre o tema. O primeiro deles é Jean

Jacques Rousseau, considerado, nas palavras da autora, o “teórico por excelência

da participação”. Ele defende a participação do cidadão no nível que concerne à

tomada de decisões. Para Rousseau,

[...] a participação é bem mais do que um complemento protetor de uma série de arranjos institucionais: ela também provoca um efeito psicológico sobre os que participam, assegurando uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos que interagem dentro delas (ROUSSEAU apud PATEMAN, 1992, p. 35).

Rosseau afirmava que, além de uma função política, a participação

exerce uma significativa influência psicológica sobre o indivíduo. No entanto, para o

teórico, a função principal da participação é a educativa, de tal forma que o cidadão,

nesse processo de aprendizagem, torna-se capacitado para intervir nos espaços de

tomada de decisões de forma coletiva, podendo essas decisões ser mais facilmente

aceitas pelos indivíduos.

O segundo teórico é John Stuart Mill, para o qual, assim como para

Rousseau, a função central da participação é educativa, mas de caráter cívico, pois

o indivíduo, ao ocupar-se de assuntos públicos, passa a considerar os interesses de

toda uma coletividade e não somente os seus assuntos particulares.

96

Tendo em vista essa participação, parafraseia-se Pateman (1992) na

abordagem dos assuntos públicos de Mill, quando este considera que é em nível

local que o indivíduo aprende democracia. Isso porque é dessa maneira que

[...] se cumpre o verdadeiro efeito educativo da participação, onde não apenas as questões tratadas afetam diretamente o indivíduo e sua vida cotidiana, mas onde também ele tem uma boa chance de, sendo eleito, servir no corpo administrativo local (MILL apud PATEMAN, 1992, p. 46).

Vale ressaltar ainda que, consoante Pateman (1992), o diferencial da

teoria de Stuart Mill está na abordagem educativa da participação referente à

indústria. Ou seja, assim como a participação no governo local, a participação no

“governo” do local de trabalho seria legítima para a administração dos interesses

coletivos.

Por fim, o terceiro e último teórico abordado por Pateman (1992) é George

Douglas Howard Cole. Esse estudioso, segundo a autora, assim como Rosseau e

Mill, também reconhece a participação como instrumento educativo, mas, para ele,

“[...] é a indústria que possui a chave que abrirá a porta para uma forma de governo

verdadeiramente democrática” (PATEMAN, 1992, p. 52).

Cole, conforme assinala Pateman (1992), pondera que o indivíduo, ao

participar do governo de seu local de trabalho, nesse caso a indústria, por meio de

organizações regulamentadas, estará exercendo a sua capacidade de autogovernar-

se. Dessa forma, ele preserva a sua liberdade e o direito de participar do processo

de tomada de decisões, desenvolvendo um espaço de efetiva democracia no sentido

amplo da palavra.

Pautados nas análises de Pateman (1992), pode-se compreender que,

por meio da ação participativa, tendo como base suas dimensões educativa e

pedagógica, os sujeitos apreendem e exercem o sentido de práxis. Podem se

constituir, por isso, como sujeitos conscientes e críticos (re)significando a si mesmos

e à sociedade, ampliando o sentido público e republicano da participação.

A partir dessas considerações expostas por Pateman (1992), por meio

das teorias de Rosseau, Mill e Cole, demonstra-se que a função central da

participação na teoria democrática participativa é de caráter educativo e que tal

teoria não é infundada, pois essa (educação) é a condição necessária para a

instituição de um governo democrático e a existência de uma sociedade

participativa, a qual deve estar constantemente capacitada para intervir nas decisões

de alcance coletivo que influenciarão sua própria vida.

97

Como contraponto a essa discussão sobre participação, pretende-se, a

partir daqui, dar destaque às contradições existentes na atualidade em torno desse

conceito – contradições que ganham cada vez mais expressão, tanto no campo

teórico quanto no campo empírico.

É importante destacar que as formas ideológicas – através das quais as

classes sociais buscam conquistar sua hegemonia para a conformação da

consciência social necessária aos processos socioeconômicos e políticos

adequados a seus interesses – enraízam-se e assumem capilaridade no conjunto

das relações sociais por meio de uma ampla variedade de mediações.

Como afirmado anteriormente, as estratégias participativas fazem parte

da construção das políticas sociais e agregam valor simbólico e, de forma equânime,

também constituem um dos canais pelos quais são difundidas as elaborações

ideológicas e construídos os consensos requeridos para a consolidação da relação

hegemônica.

Sabemos que a ideologia possui um papel fundamental no processo de

ajustamentos estruturais necessários às condições mutáveis de dominação – ou de

uma mudança hegemônica alternativa. Isto porque a viabilidade da reprodução

dessas condições – ou uma superação societária viável delas – não pode ser

alcançada na ausência de uma intervenção ativa de fatores ideológicos, destinados

ao alcance dos objetivos estratégicos assumidos (MÉSZÁROS, 2008).

Conforme já assinalado, o processo de restauração das bases do domínio

do capital em crise condiciona reconfigurações no âmbito da intervenção estatal

concernentes às políticas sociais. A ofensiva da hegemonia neoliberal no Brasil

apresenta suas implicações para as políticas sociais não apenas restringindo seu

âmbito de atuação e repassando para a esfera do mercado os mecanismos de

atendimento das necessidades das classes subalternas mas também readequando

suas modalidades de intervenção e os parâmetros ideopolíticos que os

fundamentam. Nesses termos, as estratégias participativas são alvos da investida

ideológica que busca consolidar, no âmbito da consciência social, uma concepção

de participação parametrada pelas exigências restritivas, individualizantes e

burocratizadas postas pelo horizonte hegemônico do mercado no atual estágio de

reprodução do capital.

De forma pontual, podemos sinalizar algumas direções assumidas no

campo ideológico, que ganham expressividade em torno da participação nos anos

98

80 e 90 do século XX e continuidade no século XXI (BRAGA, 2010; COUTINHO,

2010; OLIVEIRA, 2010; NETTO, 2005; PAIVA, 2006):

a absorção transformista das forças sociais antagônicas do aparato do

Estado, passivizando as classes e movimentos sociais;

a restrição das práticas políticas democráticas aos marcos

institucionais;

a transfiguração da luta contra a miséria e a desigualdade em um

problema de gestão das políticas públicas;

a instrumentalização da pobreza mediante sua transformação em

questão administrativa;

a gestão burocrática (e mesmo coercitiva) dos conflitos sociais;

os esforços para a garantia do superávit primário destinado ao

cumprimento das dívidas com o capital financeiro, repercutindo em

cortes nos gastos sociais diversos;

a privatização das políticas de saúde e previdência e a colonização da

assistência social por uma configuração focalizada e seletiva;

o reforço mais geral em políticas focalizadas, condicionadas à lógica da

rentabilidade do mercado;

a forte ênfase em programas de transferência de renda, em detrimento

de um sistema de proteção social público orientado para a

universalização;

a difusão de concepções de mundo, valores e expectativas marcadas

pela racionalidade integrista do capital, que mistifica as contradições

exponenciais vivenciadas pelas classes subalternas, fragmentando-as,

individualizando e psicologizando as expressões da “questão social”.

Nesse contexto, importa-nos destacar o conteúdo ideopolítco subjacente

à “pedagogia da participação” utilizada para conformar as subjetividades pessoais e

as identidades de classe à hegemonia social dominante.

Para Simionatto e Nogueira (2001), a participação na atual conjuntura

assume uma forma “capilarizada”, na qual os valores, como família, comunidade e

indivíduo, adquirem um sentido universalista abstrato, destituído de seu caráter

ontológico. Prevalecem, pois, a dimensão moralista e comunitária, assentada nos

deveres cívicos de “solidariedade”. Disso decorre a homogeneização das diferenças

99

de classe nos planos econômico, político e cultural, assumindo conteúdos acríticos,

vinculados a uma concepção de participação em associações organizativas voltadas

para a solução de carências mais imediatas, encobrindo as questões estruturais que

alicerçam a própria construção da pobreza.

Contrapondo a essa reflexão, é importante localizar a concepção de

pobreza como fenômeno complexo e multidimensional, colocando em relevo a sua

natureza estrutural. Nesses termos, a pobreza é concebida para além da

insuficiência de renda: é produto da exploração do trabalho; é resultado da

desigualdade na distribuição da riqueza socialmente produzida; é não acesso aos

serviços sociais básicos, à informação, ao trabalho e à renda digna; é não

participação social e política. 39

No tocante a esse último aspecto, Paiva (2006) identifica esquemas

político-pedagógicos estigmatizantes nas estratégias participantes, que pretendem

“ensinar”, “empoderar” e “capacitar” as famílias pobres a “cuidarem dos seus”,

devendo aproveitar “as oportunidades para saírem da pobreza”. As contrapartidas e

as ativações (ações dos técnicos) dos programas e projetos sociais revelam forte

conotação controladora das condutas e relações privadas.

Por outro lado, o discurso sobre a “participação dos pobres”, destinatários

dos programas sociais, reduz-se ao minimalismo das práticas sociais e aos débeis

mecanismos de representação política, secundarizando as concepções que

viabilizam o resgate da dimensão política da intervenção estatal e de um sistema de

proteção social orientado para a universalização.

Ainda sobre a participação no contexto conjuntural, a exemplo dos

programas de transferência de renda, estes passam a se transformar na principal

estratégia de política social para o enfrentamento da pobreza no país. Estabelecem

deveres morais a serem seguidos pelas famílias mediante o estabelecimento de

condicionalidades no campo da educação e da saúde, sem que ações abrangentes

e efetivas sejam assumidas para a melhoria desses serviços, ainda insuficientes e

de baixa qualidade.

Ademais, as ditas condicionalidades servem para disseminar um falso

moralismo, reproduzindo na sociedade visões conservadoras, representadas pela

ideia de que esses programas geram dependência e desestímulo ao trabalho,

39

Uma reflexão a respeito do debate sobre a pobreza, destacando suas questões teórico-conceituais, encontra-se em SILVA (2002).

100

precisando as famílias beneficiárias retribuir o benefício recebido e serem educadas

pelo cumprimento de responsabilidades.

Ainda conforme Abreu (apud Simionatto e Nogueira, 2001), também

nesse contexto encontramos o fortalecimento da “sociedade civil” – como exigência

para a participação. No entanto, permanece o distanciamento da construção de

vontades coletivas e da ideia de Estado-Nação articulada em torno de organizações

coletivas com uma clivagem de classe com projetos e interesses mais universais.

Volta-se para a construção de ações localizadas e pontuais de combate à pobreza,

num sentido instrumental/acessório, relacionado à maior eficácia dos projetos

financiados. Essa proposta revela a tendência para uma participação despolitizada

da sociedade civil, expressa em opiniões ou interesses individuais e particularistas,

podendo sinalizar para novas formas de corporativismo.

O discurso da participação aparece descaracterizado e reduzido a uma cooperação solidária entre cidadãos, mediada pelo Estado, ausente de sentido político e envolto em uma grande opacidade e maleabilidade. Estas características decorrem do alto grau de externalidade conferido à participação pelo Estado, que, no limite, remete seu conteúdo aos preceitos da democracia liberal. No plano econômico, a participação está, de um lado, articulada com as estratégias de hegemonia e, de outro, com as estratégias de acumulação, que, dominadas por esta última, têm fortalecido todas as funções do Estado que contribuem para o próprio fortalecimento do capitalismo global (SIMIONATTO e NOGUEIRA, 2001, p. 158).

Desse modo, segundo Abreu e Cardoso (2009), as estratégias de

participação são transfiguradas em colaboracionismo e solidariedade entre sujeitos

antagônicos no âmbito da produção e reprodução social. A hegemonia social

dominante redireciona as demandas de mobilização social e organização popular

para a legitimação pelas classes subalternas do atual padrão de política social

voltado para a mercantilização e a “refilantropização” do acesso às políticas sociais.

Essa investida ideopolítica debilita as iniciativas de lutas das classes

subalternas integradas às lutas sociais e à formação de uma vontade coletiva

nacional-popular em torno da constituição autônoma. Realiza, portanto, a captura da

subjetividade e a redimensiona para a lógica manipulatória do capital,

enfraquecendo a solidariedade no interior da classe e sua própria formação em si

(ABREU; CARDOSO, 2009).

Sobre esse aspecto, Silva e Mustafá (2011, p. 199) postulam que a

consciência de classe não se encontra necessariamente materializada em um

determinado instrumento organizativo construído pela classe, como sindicatos ou

partidos, por exemplo. Nem muito menos se manifesta na ação puramente

101

individual, mas no movimento contraditório de transição da dimensão meramente

particular/individual ao reconhecimento como pertencente ao gênero humano.

O ser social sob a ordem do capital é egoísta, individualista e vê o mundo

como uma rede de indivíduos em constante competição entre si, assim, na formação

de um grupo, o sentimento de pertencimento sinaliza para a negação do ser

capitalista (SILVA; MUSTAFÁ, 2011).

O reconhecimento como membro da classe é um momento de grande

importância, principalmente nos dias atuais de fragmentação e de enorme

complexidade da classe. Somente quando o trabalhador se identificar com os

demais, mesmo que estes exerçam outras atividades e/ou tenham uma

remuneração diferente, será possível identificar os mesmo interesses. Contudo, não

basta se ver como classe do capital: é necessário uma ação de classe. A classe

para si luta tendo como horizonte a transformação societária (SILVA; MUSTAFÁ,

2011).

Esse recurso à “pedagogia da participação”, utilizado pelo

desenvolvimentismo em outros contextos, é reatualizado como estratégia de

hegemonia social para a reversão da crise estrutural do capital sob a orientação do

projeto ideopolítico neoliberal. De acordo com Abreu (2008), no âmbito das

experiências do desenvolvimento – expressão da perspectiva de modernização

conservadora no continente latino-americano nos anos 1950 e 1960 – as estratégias

de dominação e controle social foram implementadas sob a forma de programas de

participação, atrelados, inicialmente, às propostas de desenvolvimento de

comunidade. Contemporaneamente, reatualizam-se atitudes, mecanismos,

instrumentos e rituais pedagógicos adequados à organização da cultura em

consonância com as mudanças operadas no campo econômico sob a égide do

padrão produtivo e de trabalho que está na base do Welfare State.

Conforme Abreu (2008), as atualizações da pedagogia da “participação”

na sociedade brasileira dimensionam-se pelos mecanismos de persuasão e coerção

no exercício do controle sobre as classes subalternas, mediante os quais a

responsabilização dos sujeitos individuais em relação ao alcance da integração e

promoção sociais reafirma-se como pedra de toque desse processo. Ainda segundo

a autora, a reatualização da pedagogia da “participação” no contexto atual articula-

se, desse modo, a uma noção de participação para a integração e promoção sociais

como mediação para o consentimento das classes subalternas e das demais classes

102

sociais às mudanças estruturais impostas pelo novo padrão de acumulação do

capital, visando à obtenção de um “novo” conformismo no âmbito da produção e

reprodução social (ABREU, 2008).

4.3 A descentralização e as contradições na realidade brasileira

Atualmente, o novo modelo de gestão baseado na descentralização

político-administrativa tem sido foco de debate no que se refere às políticas públicas.

Arretche (1997) nos alerta que, ao longo dos últimos anos, diferentes correntes de

orientação política têm articulado positivamente propostas de descentralização às

diversas expectativas de superação de problemas identificados nos estados e no

sistema político nacional.

O que chama atenção é o fato de que, ao mesmo tempo em que o país

nos anos 1990 entra num processo de agravamento das expressões da questão

social, também se coloca em prática um processo de reforma das funções do

Estado, com destaque para a descentralização dessas funções, especialmente no

campo social. A reprodução desse contexto, marcado pela exclusão social e

descentralização administrativa dos programas e políticas sociais, rebate

diretamente na organização da sociedade civil e na qualidade dos serviços públicos

prestados à população.

Dentre as ofensivas mais expressivas que se revelaram no Brasil nos

anos 1990, tem destaque a proposta do Ministro Bresser Pereira, no governo de

Fernando Henrique Cardoso – FHC a partir de 1995, consolidada no Plano Diretor

da Reforma do Aparelho do Estado. Para Bresser, a conjuntura que vinha sendo

experimentada no Brasil a partir do capitalismo mundial40 exigia mudanças na

atitude do governo no âmbito do incremento de privatizações, liberalização

comercial, disciplina fiscal e intervenção do Estado centrada no mercado, com áreas

estratégicas de atuação (BEHRING, 2008).

40

A mundialização da economia está ancorada nos grupos industriais transnacionais, resultantes de processos de fusões e aquisições de empresas em um contexto de desregulamentação e liberalização da economia. Esses grupos assumem formas cada vez mais concentradas e centralizadas do capital industrial e se encontram no centro da acumulação. As empresas industriais associam-se às instituições financeiras (bancos, companhias de seguros, fundos de pensão, sociedades financeiras de investimentos coletivos e fundos mútuos), que passam a comandar o conjunto de acumulação, configurando um modo específico de dominação social e política do capitalismo, com o suporte dos Estados Nacionais (IAMAMOTO, 2010, p. 108).

103

Essas mudanças serviram de argumentos para consolidar uma imagem

de eficiência e modernidade da gestão do Estado, pregando uma redefinição do seu

papel, que só poderia ser materializada em perspectivas identificadas com as

orientações dos organismos multilaterais em detrimento dos interesses da classe

trabalhadora.

A implantação desse modelo de gestão reconfigurado estabeleceu-se na

constituição do plano diretor da reforma do aparelho do Estado promovido pelo

Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE. Para Rezende (2008),

no plano da Reforma do Estado encaminhado ao Congresso Nacional em 23 de agosto de 1995, o Governo FHC partia do princípio de que as Funções do Estado deveriam ser de coordenar e financiar as políticas públicas e não de executá-las. Defendia que “nem tudo que é público é estatal” e afirmava que “devemos socializar com a iniciativa privada a responsabilidade de diminuir as mazelas provocadas pelo mercado”. Avaliava, ainda, que “se o Estado não deixar de ser produtor de serviços, ainda que na área de políticas públicas sociais, para ser agente estimulador, coordenador e financiador, ele não irá recuperar a poupança pública”. Àquele modelo de gestão do Estado, chamou de “administração gerenciada” (REZENDE, 2008, p. 25).

Esse modelo, conforme tratado no capítulo anterior, evidencia uma das

expressões da refuncionalização da ação estatal a partir das orientações neoliberais.

Suas diretrizes sinalizam para a lógica de mercado, para o desfinanciamento das

políticas sociais, privatizações, desregulamentações e flexibilizações de marcos

jurídicos e constitucionais.

A descentralização entra em pauta nos debates de ordem política

mundial, e especialmente na América Latina, associada aos movimentos de

redemocratização, processo iniciado a partir da década de 80 no contexto da crise

fiscal dos governos centralizados (AFFONSO, 2000). No caso do Brasil, a

descentralização aparece como anseio pela democratização do Estado, que vivia

anos de ditadura militar e centralização de poder. Como bem nos aponta Silveira et

al (2012),

a tese proposta na descentralização foi restaurar a federação, através do aumento do poder político e tributário das entidades subnacionais, e o de consolidar a democracia, por meio do empowerment das comunidades locais no processo decisório sobre políticas públicas (SILVEIRA; COSTA; OLIVEIRA, 2012, p. 1).

De forma a superar a crise fiscal do Estado e também como uma forma de

avanço democrático, a descentralização traz embutida uma ideia de

redemocratização do país. Esse princípio acabou produzindo o mito de que a

descentralização seria o elemento central e suficiente para garantir a

104

democratização e a participação popular na gestão de políticas públicas

(ARRETCHE, 1997).

Dessa forma, passa a ser recorrente a ideia de que a descentralização

seria condição básica para o aperfeiçoamento democrático, favorecendo o

desenvolvimento social e a eficácia das políticas públicas. Em outros termos,

descentralizar significaria maior democracia e eficiência governamental. O

pressuposto é que a descentralização seria condição fundamental para a efetivação

das políticas sociais e que tal princípio se tornaria suficiente para que os recursos

fossem alocados eficientemente.

De acordo com Arretche (1997, p. 127), “surge o mito de que formas

descentralizadas de prestação de serviços públicos seriam mais democráticas e

eficientes e ainda fortaleceriam e consolidariam uma democracia, elevando os níveis

de bem-estar da população”. Contudo, o princípio da descentralização por si só não

gera necessariamente maior eficácia dos serviços públicos, nem possibilita uma real

participação popular. De fato o sucesso do processo de descentralização deve

resultar da transferência organizada de autonomia fiscal e de gestão de políticas,

com devido apoio técnico e administrativo e atenção às particularidades regionais.

Ao mesmo tempo, tem importância fundamental a distribuição dos

espaços de poder, com vistas a propor, decidir e fiscalizar ações, e ainda, com

relevância para transparência nos processos decisórios e fortalecimento do controle

social, “que só ganha eficácia com a garantia efetiva da participação da população

organizada” (STEIN, 2012, p. 7).

Por isso, a descentralização não pode ser considerada um processo

homogêneo, especialmente em países como o Brasil, caracterizado por expressiva

heterogeneidade econômica e disparidades regionais, fruto das transformações

estruturais ocorridas na economia nas últimas décadas. Como apresentado

anteriormente, o processo de descentralização ocorreu no Brasil em um contexto de

crise econômica do Estado, momento em que a reestruturação do capital e o levante

neoliberal impõem contenção de gastos, seletividade e focalização para as políticas

sociais. As mudanças estruturais de ordem econômica que incorporaram a lógica

neoliberal, consubstanciada na reforma do Estado, sugerem medidas recessivas

para o financiamento de serviços públicos.

Mas ainda assim “há que se considerar que a descentralização deve ter

como objetivos a democratização do Estado e a busca de maior justiça social”

105

(LOBO apud STEIN, 2012, p.7). A descentralização pode contribuir para melhor

gestão dos recursos públicos, tanto no que se refere à distribuição do poder de

decidir e propor ações do âmbito do Estado para sociedade civil quanto no que diz

respeito à efetiva redistribuição de atribuições e encargos entre os entes federativos.

É fato que, para o princípio da descentralização cumprir sua função

democratizadora, ela não pode ocorrer sem a efetiva participação da população

organizada. Contudo, a descentralização, sob o ponto de vista administrativo,

atentando para o processo de transferência capacitada e qualificada de atribuições

entre os entes federados na gestão das políticas sociais é a essência desse

processo.

O pressuposto de análise aqui defendido é que deve existir um conjunto

explícito e eficiente de incentivos indispensáveis ao sucesso de um processo amplo

e abrangente de descentralização das políticas sociais. A partir desse pressuposto,

superam-se as expectativas que avaliavam ser condição “suficiente descentralizar

recursos e liberar as unidades subnacionais de governo das ‘amarras’ do governo

central” (ARRETCHE, 2000, p. 244).

Para tanto, é necessária uma série de estímulos que promovam o

protagonismo e fortalecimento dos entes federados e que, ao mesmo tempo,

acompanhem e capacitem essa forma de gestão. Em outros termos, são

necessárias ações capazes de soldar as bases do pacto federativo para que, desta

forma, os entes subnacionais possam desenvolver suas ações com autonomia e

eficácia.

Sobre este aspecto, Almeida e Alencar (2011) destacam que a lógica

neoliberal do Estado mínimo trouxe mudanças para o processo de trabalho das

políticas sociais públicas fazendo com que a organização do trabalho industrial

adentrasse o setor dos serviços – uma nova racionalidade administrativa baseada

no gerenciamento estatal dos serviços prestados com o objetivo de tornar o aparato

público mais ágil, eficaz e eficiente. Esse processo traz consequências:

Há de se ter atenção para o fato de que o setor estatal vem sendo atravessado por uma nova racionalidade administrativa, que envolve várias áreas do governo. O [...] setor de serviços, particularmente nos serviços sociais voltados para as demandas coletivas de reprodução social. E o setor serviços tende a estar impregnado da lógica de organização do trabalho dos parâmetros racionalizadores do trabalho na indústria. A perspectiva da “modernização” da gestão administrativa, a lógica da produtividade e da diminuição dos custos, tem impacto direto no aparato organizacional estatal responsável pelos serviços sociais. Tais alterações se expressam na forma

106

de conceber, definir, organizar e gerir as políticas sociais, assim como também nas relações e condições de trabalho dos profissionais envolvidos nos distintos processos de trabalho [...] trabalhador assalariado [...] sofre os mesmo constrangimentos do conjunto da classe trabalhadora, inclusive aqueles que são do setor estatal (ALMEIDA e ALENCAR, 2011, p. 106).

No decorrer da década de 1980, recuperaram-se as bases federativas do

Estado brasileiro. Naquele momento a autoridade política de governadores e

prefeitos expandiu-se significativamente, sobretudo com relação aos recursos

federais, mediante a redistribuição tributária. Ao mesmo tempo, o governo federal

delegou grande parte das funções de gestão das políticas sociais para os entes

subnacionais.

A partir de 1988, o Brasil “se tornou um caso peculiar de federação com

três esferas de governo” (ABRUCIO e FRANZESE, 2009, p. 31), sendo os

municípios considerados entes federativos, ao lado dos estados e da União, com

autonomia política, administrativa e financeira.

Esse modelo federativo implantado no país prevê formas de ação

conjunta entre as três esferas de governo, por meio de uma “parceria estabelecida e

regulada por um pacto, cujas conexões internas refletem um tipo especial de divisão

de poder, baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um” (ELAZAR

apud ABRUCIO e FILIPPIM, 2010, p. 216). O governo central e os governos

subnacionais são, então, independentes entre si e possuem significativa autonomia

decisória e capacidade de autofinaciamento para implementar suas políticas

públicas.

A Constituição Federal de 1988, portanto, redefiniu tanto as bases do

pacto federativo brasileiro quanto as diretrizes para as políticas sociais no país. Esse

modelo federativo, explicitado na nova Carta Constitucional, teve forte influência do

processo de redemocratização, em oposição ao período ditatorial, caracterizado pela

centralização de poder na esfera federal.

No entanto, como bem nos aponta Arretche (1999, p. 112), “nas

condições brasileiras, não é suficiente que a União se retire da cena para que, por

efeito das novas prerrogativas fiscais e políticas de estados e municípios, estes

passem a assumir de modo mais ou menos espontâneo competências de gestão”.

É preciso apreender que em países como o Brasil a desigualdade

socioeconômica, caracterizada ainda por expressivas disparidades de natureza

política e capacidade administrativa entre as unidades federativas, constitui-se como

um obstáculo à efetivação da descentralização e à coordenação intergovernamental

na gestão pública.

107

Arretche (2000) enfatiza que, se por força da recuperação das bases

federativas do Estado brasileiro, a União, os estados e os municípios passaram a

ser autônomos e independentes no plano político-institucional, no plano econômico,

social e administrativo o Brasil continua sendo estruturalmente um país marcado por

profundas desigualdades.

Neste sentido, nem sempre os governos subnacionais estão preparados

para assumir novos encargos advindos do processo de descentralização. O repasse

de poder aos estados e municípios não vem necessariamente acompanhado de

capacidade administrativa, recursos técnicos e humanos e conhecimento

especializado, fundamentais para efetivação do princípio da descentralização.

Dessa forma, a descentralização deve ser entendida como um processo

político que resulte em “transferência orgânica e organizada de autonomia fiscal e de

gestão de políticas públicas, o que diverge, portanto, da mera delegação de funções

administrativas” (ABRUCIO e FILIPPIM, 2010, p. 217). Caso contrário, esse

processo se caracterizará apenas como uma desconcentração das ações do

governo federal para com suas atribuições, sem que de fato haja avanços na

perspectiva da universalização e consolidação de direitos sociais no país.

Tendo em vista tais perspectivas, pode-se evitar o que Soares (2003)

denomina de “descentralização destrutiva”, na qual, por exemplo, o processo de

descentralização passa a não considerar a complexidade dos problemas de

determinadas regiões, o que pode até mesmo aumentar as disparidades entre elas.

O desafio, portanto, é evitar a fragmentação das ações e enfrentar tais

desigualdades, a fim de garantir o acesso da população às políticas sociais e

garantir que o princípio da descentralização possibilite a consolidação de direitos e a

construção de uma esfera pública democrática.

Sobre esse aspecto, Arretche (2000), em análise sobre os determinantes

da descentralização no Brasil, no livro “Estado federativo e políticas sociais”, reforça

a tese de Abrucio e Filippim (2010) e aponta que apenas descentralizar recursos não

possibilita o real processo de descentralização. É evidente que a escassez de

recursos, em tempos de corte em investimentos públicos, orientado pela lógica

neoliberal, compromete diretamente a efetivação da descentralização. “A

capacidade financeira e administrativa dos entes subnacionais, além de interferir na

própria decisão de assumir a gestão das políticas, pode determinar ainda a extensão

e qualidade dos serviços a serem prestados” (ARRETCHE, 2000, p. 242).

108

Por esse motivo, Arretche (2000, p. 244) ressalta a necessidade da

“existência de políticas deliberadas eficientemente desenhadas para obter adesão

dos governos locais”, ou seja, um conjunto explícito e eficiente de incentivos

indispensáveis ao sucesso de um processo amplo e abrangente de descentralização

das políticas sociais.

Sendo assim, a atuação dos níveis mais abrangentes de governo –

governo central e governo estadual – é estrategicamente importante na

coordenação, regulamentação e fiscalização das funções descentralizadas. “É

devido à debilidade fiscal e administrativa de uma grande proporção de municípios

em cada estado que a existência e natureza de estratégias federais e estaduais são

um requisito fundamental do processo de descentralização das políticas sociais”

(ARRETCHE, 2000, p. 247). O sucesso da descentralização, portanto, requer um

reordenamento expansivo destas instâncias de governo, o que exige

necessariamente seu fortalecimento.

Dessa forma, no processo de descentralização, o nível central tem

importância estratégica na direção, coordenação e formulação da gestão dos

serviços públicos, contudo Arretche (2000) destaca que o papel dos executivos

estaduais é decisivo para implementação eficiente das ações de transferência de

atribuições nas políticas sociais.

O Brasil é estruturalmente um país caracterizado pela existência de uma esmagadora maioria de municípios fracos, com pequeno porte populacional, densidade econômica pouco expressiva e significativa dependência de transferências fiscais. Neste caso, a ação dos governos estaduais contribui decisivamente para compensar adversidades à possibilidade técnica de gestão destas políticas, obstáculos estes de ordem econômica ou fiscal (ARRETCHE, 1999, p.133).

Para a autora, a possibilidade de descentralização efetiva das políticas

sociais requer necessariamente políticas ativas e continuadas por parte dos

governos estaduais para capacitarem seus municípios. Em pesquisa realizada em

diversos estados sobre os determinantes da descentralização, a autora afirma que,

no caso brasileiro, incentivos provenientes da ação dos executivos estaduais

influenciam diretamente no sucesso da descentralização.

Assim, caso os governos estaduais não estejam fortalecidos nesse

processo, o princípio da descentralização não terá possibilidade de se efetivar como

favorecedor de uma maior democratização das políticas sociais e, menos ainda, que

os serviços sociais sejam de fato universais, de direito do cidadão e de

responsabilidade do Estado.

109

Daí a importância de governos estaduais fortes e atuantes para que se

alcance efetivamente a descentralização das políticas sociais, especialmente para a

Política de Assistência Social, pois os desafios sinalizados ganham proporções

elevadas, uma vez que a assistência social sempre esteve permeada por ações

fragmentadas, focalizadas e emergenciais, relegadas a segundo plano pelos

governos, o que dificulta a plena realização de direitos.

4.4 Contribuições da gestão social para a Política de Assistência Social: dos

desafios da descentralização à participação

Os desafios para a descentralização e a participação democrática na

Política de Assistência Social são pontos de tensões que rebatem peremptoriamente

na maneira como os conselhos diretores realizam a participação nessa política.

A história tem mostrado como as ações do Estado na execução de

serviços estavam centradas na lógica do controle estatal sobre a sociedade, num

sentido coercitivo sobre a população (NETTO, 2001). No caso específico da Política

de Assistência Social, reforçava-se o seu caráter e gênese ancorados na ajuda, no

clientelismo e nas práticas assistencialistas em que o sujeito não se reconhecia (e

não era reconhecido) como detentor de direitos.

Nesse sentido, como vimos anteriormente nos capítulos 3 e 4, o legado

da assistência social é caracterizado por uma estrutura de ações fragmentadas,

promovidas por diferentes agências governamentais e instituições filantrópicas, de

maneira descontínua e desarticulada. Isso porque, até a década de 1980 a

assistência social no Brasil se configurou como não política, restringindo-se como

espaço de práticas voluntárias, espontâneas, dependentes da solidariedade da

sociedade civil, marcada por ações paliativas e pontuais (ALVES, 2008).

Como tratado anteriormente, no contexto brasileiro, em meio ao processo

de redemocratização política, foi nos anos de 1980 que movimentos sociais e de

trabalhadores insurgiram em busca da democratização do acesso aos bens e

serviços básicos como os alcançados pelos trabalhadores dos países centrais.

Houve, nesse sentido, um amplo processo de resistência e luta da sociedade civil

organizada em prol do reconhecimento dos direitos civis, políticos e sociais e pela

cidadania.

110

Esses movimentos criaram condições favoráveis para se pensar a

construção de uma “Constituição Cidadã”, com o objetivo de instituir um Estado

democrático de direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais. Atendendo essa demanda, a CF/88 passa pela primeira vez no país a

incluir um conjunto de direitos sociais, como os que compõem a Seguridade Social –

Saúde, Previdência e Assistência Social.

O novo texto constitucional trouxe, no plano jurídico, inovações

significativas ao instituir espaços de participação popular na formulação, gestão e

controle das políticas sociais, buscando garantir o exercício do controle social e a

construção de políticas que atendam os interesses da população. A participação

popular e a descentralização na gestão das políticas que compõem o tripé da

Seguridade Social (saúde, previdência social e assistência social) foram

regulamentadas no artigo 194 da CF/88 (BRASIL, 1988) e, posteriormente, melhor

detalhadas na Lei Orgânica das respectivas políticas (1990, 1991, 1993); no caso da

assistência social, por meio da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS em 1993

(BRASIL, 1993).41

Desde então vêm sendo instituídos canais de participação da sociedade

nas decisões do governo. Como parte desse processo, destaca-se a implantação

dos conselhos de políticas sociais, os quais se tornaram o principal mecanismo

institucional de participação da sociedade. Os conselhos contam com a presença de

vários segmentos como movimentos sociais, sindicatos e associações de moradores

para acompanhar as políticas sociais executadas e também deliberar sobre as

principais atividades e investimentos do governo.

A participação popular foi efetivada na LOAS (artigo 5, inciso II) (BRASIL,

1993) ao lado de duas outras diretrizes: a descentralização político-administrativa e

o comando único em cada esfera de governo. No documento, o controle social é

concebido como instrumento de efetivação da participação popular no processo de

gestão político-administrativo-financeira e técnico-operativa do Estado. Com caráter

democrático e descentralizado, o controle sobre o Estado é exercido pela sociedade

na garantia dos direitos fundamentais e dos princípios democráticos balizados nos

preceitos constitucionais.

41

De acordo com a Constituição em seu artigo 204, inciso II que assegura a descentralização político-administrativa e a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (BRASIL, 1988), a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), em seu artigo 5º, inciso II, garante a participação e a descentralização na Política de Assistência Social (BRASIL, 1993).

111

Foi com essa perspectiva que, em dezembro de 2003, ocorreu a IV

Conferência Nacional de Assistência Social a qual apontou como principal

deliberação a implantação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Esse

era um requisito essencial da Lei Orgânica da Assistência Social para dar

efetividade à assistência social como política pública. Foi aprovada também uma

agenda política para o reordenamento da gestão das ações descentralizadas e

participativas da Assistência Social no Brasil.

Nessa agenda, como prevê a Política Nacional da Assistência Social, está

configurada

a implantação do Sistema Único da Assistência Social, como modelo de gestão para todo o território nacional, que integra os três entes federativos, como prevista na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS – Lei no 8.742 de 7 de dezembro de 1993 (BRASIL, 2004).

A Política Nacional da Assistência Social42 trouxe como marco divisor a

busca da superação das práticas assistencialista e clientelista pelo exercício dos

direitos sociais. Os seus princípios, objetivos e diretrizes visam ao alcance da

totalidade social no modo de ver, de interpretar a realidade social e nos aportes

propostos para o balizamento da intervenção no âmbito da assistência social. Foi um

marco histórico que tratou de materializar o conteúdo da Assistência Social e

transformar as ações diretas, os pressupostos da Constituição Federal de 88 e da

Lei Orgânica, por meio de definições, de princípios e de diretrizes norteadores da

implementação da Política, cumprindo uma urgente e necessária agenda para a

cidadania no Brasil.

A Política Nacional de Assistência Social - PNAS, mantendo-se fiel aos

preceitos constitucionais e à Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, assume

entre as suas diretrizes a descentralização político-administrativa, o comando único

na execução da política, a participação da população e a primazia da

responsabilidade do Estado na sua condução política em todas as esferas de

governo.

Conforme a PNAS,43 a organização e a definição da gestão municipal

estão divididas em três níveis de habilitação no SUAS: inicial, básica e plena. A

gestão inicial está relacionada aos municípios que atendem os requisitos mínimos,

42

Aprovada pela resolução n. 145, de 15 de outubro de 2004, do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS e publicada no Diário Oficial da União de 28/10/2004 (BRASIL, 2004). 43

Para o presente estudo, nos interessa localizar as dimensões da gestão, descentralização e participação. Dada a complexidade que é o SUAS, faz-se necessário discorrer apenas sobre esses princípios.

112

como a existência e o funcionamento de Conselhos, Fundos e Planos Municipais de

Assistência Social, além da execução de ações de proteção social básica com

recursos próprios. No nível básico, o município assume, com autonomia, a gestão da

proteção social básica. No nível pleno, ele passa para a gestão total das ações

socioassistenciais.

Outro destaque na nova concepção da assistência social consiste na

implantação de instâncias de negociação e pactuação inspiradas no princípio da

descentralização contido na LOAS e regulamentado pela NOB/SUAS. Esses

espaços institucionais preveem a participação de gestores municipais, estaduais e

federais nas decisões sobre a Política de Assistência Social por meio das

Comissões Intergestores Tripartite e Bipartite (CIT e CIB). Esses novos espaços de

negociação intergovernamental são organizados em âmbito federal (CIT) e estadual

(CIB) e têm a intenção de garantir a negociação e o acordo entre os gestores

envolvidos, no sentido de concretizar a descentralização da Política de Assistência

Social e o comando único em cada esfera de governo.

Destaca-se que, a partir desse novo desenho norteador do processo de

descentralização na assistência social, é possível notar que o atual modelo de

sistema transfere não apenas recursos, mas a gestão da política, o que certamente

contribuirá para o fortalecimento dos entes subnacionais, reduzindo as chances de

decisões unilaterais do governo central.

Na conformação do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, os

conselhos e conferências são concebidos como espaços privilegiados onde se

efetivará essa participação:

Art. 18. As conferências têm o papel de avaliar a situação da assistência social, definir diretrizes para a política, verificar os avanços ocorridos num espaço de tempo determinado (artigo 18, inciso VI, LOAS).

Os conselhos têm como principais atribuições a deliberação e a fiscalização da execução da política e de seu financiamento, em consonância com as diretrizes propostas pela conferência; a aprovação do plano; a apreciação e aprovação da proposta orçamentária para a área e do plano de aplicação do fundo, com a definição dos critérios de partilha dos recursos, exercidos em cada instância em que estão estabelecidos. Os conselhos, ainda, normatizam, disciplinam, acompanham, avaliam e fiscalizam os serviços de assistência social, prestados pela rede socioassistencial, definindo os padrões de qualidade de atendimento, e estabelecendo os critérios para o repasse de recursos financeiros (BRASIL, 1993).

As alianças da sociedade civil com a representação governamental são

elemento fundamental para o estabelecimento de consensos, o que aponta para a

113

necessidade de definição de estratégias políticas a serem adotadas no processo de

correlação de forças.

A importância do controle social para a Política de Assistência Social está

assim bastante fundamentada. Faz-se necessário, no entanto, verificar sua

concretude e sua operacionalização em âmbito municipal, observando sua

efetividade a partir de seus principais atores – os conselheiros de Assistência Social.

Para isso, a composição paritária dos Conselhos de Assistência Social

(em âmbito nacional, estadual, municipal e do Distrito Federal) estabelece que sejam

constituídos por 50% de representantes do segmento governamental e 50% de

representantes do segmento não governamental (profissionais da área, das

entidades prestadoras de serviços e usuários da assistência social). Esta

representação não governamental tripartite, engloba indivíduos e grupos de

interesses distintos, sendo que

[...] dificulta a conquista da hegemonia e, muitas vezes, favorece a manutenção da subalternidade, possibilitando que seja cumprido formalmente o preceito da participação popular na gestão da política de assistência, sem que ocorra a participação dos usuários, que são os seus legítimos representantes (SILVA, 2001, p. 169).

A Norma Operacional Básica do SUAS/2012, ao apresentar o caráter

desse sistema, situa o controle social via participação como uma das dimensões

para planejar e executar a política de assistência social.

A participação social deve constituir-se em estratégia presente na gestão do SUAS, por meio da adoção de práticas e mecanismos que favoreçam o processo de planejamento e a execução da política de assistência social de modo democrático e participativo” (BRASIL, 2012, p. 33).

Neves (2012), ao se apropriar dos dados do IBGE (2009) sobre o perfil

dos Municípios Brasileiros, constata que o país conta hoje com 5.565 municípios. No

que se refere aos conselhos de Assistência social, quase todos os municípios

brasileiros (99,3%) possuíam Conselho Municipal de Assistência Social: em 2005,

eram 98,8%. Em relação à composição dos conselhos, houve o aumento dos não

paritários, entretanto, 58,0% detinham maior representação da sociedade civil em

2009. Sobre o caráter deles, registra-se um decréscimo na proporção de municípios

com conselhos deliberativos (de 94,8% em 2005 para 91,6% em 2009).

Dessa forma, Neves (2012) avalia que, de um lado, essa ampliação

institucional representa um avanço no fortalecimento da esfera pública e do controle

democrático, mas, por outro, torna-se o maior desafio para o fortalecimento das

políticas sociais públicas, frente à cultura privatista do Estado Brasileiro, pela

114

afirmação e consolidação da Seguridade social, em particular da Política de

Assistência Social.

De acordo com o CENSO/SUAS (BRASIL, 2010), o percentual de

conselhos municipais em relação à paridade corresponde a 96,7% e 3,3% não

paritários. E no que diz respeito à composição do conselho e tipo de representação,

constatou-se a paridade entre conselheiros representantes do governo e da

sociedade civil. Essa representação aparece especificamente como sendo

constituída de dois representantes de entidades de assistência social, um

representante de usuários e um representante das organizações ou entidades de

trabalhadores (BRASIL, 2010, p.110).

A nova NOB/2012 (BRASIL, 2012) reforça a compreensão da relevância

do reordenamento institucional dos entes federativos, como elemento fundamental

para a realização dos direitos socioassistenciais e do controle social:

Art. 115. São estratégias para o fortalecimento dos conselhos e das conferências de assistência social e a promoção da participação dos usuários: I - fixação das responsabilidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios para com o controle social; II - planejamento das ações do conselho de assistência social; III - participação dos conselhos e dos usuários no planejamento local, municipal, estadual, distrital, regional e nacional; IV - convocação periódica das conferências de assistência social; V - ampliação da participação popular; VI - valorização da participação dos trabalhadores do SUAS; VII - valorização da participação das entidades e organizações de assistência social (BRASIL, 2012).

No contexto de inovações no âmbito da política de assistência social, o

debate sobre a gestão territorial integra um conjunto de discussões no qual também

se encontram conceitos como poder local e planejamento de desenvolvimentos

locais. Desse modo, responde-se às exigências de reordenação do capital e de

implantação de um modo descentralizado de gestão, compatível com o movimento

de democratização de diferentes sociedades contemporâneas.

Com a desterritorialização do capital e o estabelecimento de um novo

padrão de produção, tornou-se imperativo o redimensionamento da relação

espaço/tempo/produção, tendo em vista a necessidade de se fabricarem em menos

tempo os produtos cuja circulação se destinasse a um espaço globalizado.

Modificou-se a relação entre os espaços local e global e alteraram-se os

procedimentos de gestão, inclusive a gestão de políticas sociais, solicitadas para

valorizar os territórios em que elas se desenvolvem.

115

A discussão e a vivência de ações orientadas para o desenvolvimento de

territórios, principalmente cidades e regiões, foram enfatizadas no Brasil na década

de 1990, tendo conquistado um significativo espaço na academia. Não foi a primeira

vez que se ressaltou essa forma de gestão de programas e projetos sociais.

Conforme a análise de Fischer (2002, p. 20), iniciativas semelhantes

puderam ser registradas nos trabalhos com comunidades nos anos 1960 e 1970,

com os movimentos populares nos anos 1970 e 1980 e, ainda com o boom que as

organizações não governamentais tiveram na década de 1990. Trata-se de um

conjunto de iniciativas que, ainda segundo Fischer, propõe a melhoria das condições

de vida e a democratização da sociedade local.

Tais iniciativas respondem, portanto, a uma forma diferenciada de gestão

das políticas sociais implementadas no Brasil. No campo da política de assistência

social, atribui-se ao gestor municipal a responsabilidade pelo planejamento, gestão,

monitoramento e avaliação. Ao Conselho cabe o controle social das ações, e à

União, a responsabilidade pela elaboração de diretrizes e garantir o financiamento

da referida política (SILVA, 2007). Entretanto, com base nesse traçado, pode-se

supor que a municipalização

aponte para uma nova visão de poder local, que não deve ser considerado como sinônimo de poder governamental, e sim resultado de uma combinação de forças que inclua, necessariamente a representação da sociedade civil, sendo assim, submetido ao controle social e por outras forças que podem ser instituídas pela população (SILVA, 2007, p.181).

É oportuno ressaltar que as modificações registradas nas diferentes

formas de execução das políticas sociais brasileiras são resultantes de duas fontes

de pressão. A primeira, originária de uma tendência mundial, em tempos de

neoliberalismo; a segunda, resultante de um movimento de democratização da

sociedade brasileira, com o esgotamento de um período de ditadura militar.

Sobre a primeira fonte de pressão, podemos afirmar que, nas duas

últimas décadas do século findo, registrou-se um severo avanço da tecnologia,

tendo como uma de suas expressões a instauração da era informacional,

caracterizada pelo expressivo desenvolvimento da informação e do conhecimento.

Na análise de Vieira e Vieira (2003, p.17), “a alta tecnologia contraiu o espaço-

tempo. As distâncias não contam mais. São pontos virtuais, subjetividades lógicas

no ciberespaço”. Esse processo implicou, também, o avanço que se operou nos

métodos de gestão.

116

A segunda fonte de pressão tem origem em importantes movimentos

sociais – anos 1980 e 1990 – atuantes em defesa de direitos nas áreas da saúde, da

educação, da habitação, da assistência social. Em todas essas áreas, registra-se a

exigência no sentido de se assegurar a descentralização e a participação popular,

sinais evidentes da proposta democrática em que se fundamenta o texto

constitucional de 1988.

Entende-se que as exigências colocadas não serão atingíveis se

assumida a gestão social como estratégia para assegurar a socialização do poder,

não mais restrito aos gestores estaduais e ao governo federal mas também

acessível aos gestores municipais e, principalmente, aos demandatários da política

de assistência social.

Neste trabalho, compreende-se gestão social conforme a definição de

Carvalho (1999). Segundo a autora, quando se fala em gestão social, refere-se à

gestão das ações sociais públicas, entendendo que a gestão do social é, em

realidade, a gestão das demandas e das necessidades dos cidadãos. Para

Carvalho, existem duas ordens de tensão que movimentam e formatam a gestão da

política social contemporânea: a) a tensão entre a eficiência e a equidade e, b) a

tensão entre a lógica da tutela ou compaixão e a lógica dos direitos. A autora afirma

que a gestão das políticas sociais deve atender as seguintes exigências: ser

compartilhada; ter como ênfase a ação local; garantir a articulação e

complementaridade entre as esferas de governo: União, estados e municípios; ter

gestão em rede e favorecer a flexibilização dos programas e serviços.

A gestão e a operacionalização da política de Assistência Social partem

da lógica do acesso aos direitos sociais, da atuação da rede socioassistencial.

Nesse sentido, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros

de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS) são unidades estatais

existentes num dado território e cumprem o papel de execução das ações do

Estado.

A divisão territorial para o acesso à Política de Assistência Social é uma

das conquistas de alcance da gestão social. No caso, a gestão social vincula-se à

gestão das ações sociais públicas. “A gestão do social é, em realidade, a gestão das

demandas e necessidades dos cidadãos. A política social, os programas sociais, os

projetos são canais e respostas a estas necessidades e demandas” (CARVALHO,

1999, p. 19).

117

Por implicar o inevitável partilhamento de poder, a gestão social passa a

ser a opção mais adequada às definições formais sobre a assistência social e, de

um modo mais amplo, às políticas sociais brasileiras, quando se propõem a

descentralização, a participação e o controle social como exigências e direitos da

população. Entretanto, na prática, defronta-se com importantes dificuldades

decorrentes de uma cultura de centralização de poder sedimentada no Brasil.

Mesmo com as limitações assinaladas, a descentralização representa

uma ameaça às práticas de gestão autoritárias, centralizadoras e clientelistas, na

medida em que coloca constrangimentos aos gestores, no caso, por exemplo, da

prestação de contas aos respectivos conselhos ou o partilhamento na definição das

prioridades da Política de Assistência Social (CAMPOS, 2005).

O controle social traz como novidade o protagonismo da sociedade civil,

sobretudo daqueles que são destinatários dos serviços da política municipal, para

decidir que rumos a política de assistência social deverá tomar para garantir os

direitos sociais. Assim, o objeto de pesquisa diz respeito à análise da participação da

sociedade civil no Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte e

suas contribuições no acompanhamento e fiscalização da política de assistência

social no município, nas respectivas regionais e sub-regionais.

Além disso, um dos grandes desafios que ainda persistem é o de

conhecer o perfil dos conselheiros, a representatividade, o funcionamento, a

estrutura dos conselhos, e também analisar as correlações de forças presentes

nesses espaços e a possibilidade de rompimento com os traços ainda existentes da

cultura autoritária e clientelista do Estado na elaboração, implantação e execução da

política de assistência social. Mesmo que o aparato legal garanta a participação da

sociedade civil no direcionamento da política de assistência social, ainda há muito a

questionar, desvelar, conhecer, aprofundar. É esse aspecto que será apresentado

nas próximas etapas deste estudo.

118

5 METODOLOGIA, PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO

Neste capítulo, busca-se apresentar a direção e o percurso de

investigação realizada. As etapas do estudo identificam, de forma conjugada, os

planos que se complementam nas fases de organização epistemológica e

cronológica da pesquisa para aproximação dos resultados que, a priori, perpassam

necessariamente o processo de planejamento, observância aos preceitos éticos

implícitos na dinâmica da coleta de dados, a exploração do material, a análise e

interpretação dos resultados com precisão científica.

Segue-se, no entanto, o intuito de apresentar o ciclo investigativo como

um todo, atribuindo visibilidade ao método, à metodologia, à natureza da pesquisa,

aos procedimentos técnicos para coleta e análise das informações, ao movimento e

às implicações objetivas e subjetivas implícitas no processo de aproximação das

particularidades do objeto em estudo, na acepção das questões e objetivos que

norteiam a fundamentam a pesquisa.

5.1 Metodologia, procedimentos de investigação

Os estudos de natureza científica devem se fundamentar na construção

de um instrumental metodológico condizente com a realidade pesquisada. Assim

sendo, é importante esclarecer a abordagem, os métodos científicos e as técnicas

de pesquisas empregadas nessa investigação, conforme serão apresentados na

sequência a seguir.

5.1.1 Natureza da pesquisa e método

A base da pesquisa desenvolvida neste estudo foi a pesquisa social

qualitativa, compreendida como uma maneira de fazer a inserção na realidade

humana e compreendê-la em profundidade.

Segundo Minayo (2008), a natureza da pesquisa qualitativa está centrada

no universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes e

corresponde ao espaço mais profundo das relações, dos processos e dos

fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

119

Falar em pesquisa qualitativa é discutir diferenciados modelos e técnicas

de pesquisas e maneiras de conhecer a relação sujeito-objeto. Nesse sentido,

buscou-se conhecer a complexidade da vida humana, intentando desvelar os

significados da vida social. Essa opção é reafirmada a partir da verificação de que a

maior parte das análises desenvolvidas acerca dos movimentos sociais e conselhos

de direitos é baseada em metodologias qualitativas. Acredita-se que as análises e

debates sobre as formas de participação são acrescidas de importantes conteúdos

quando também se dispõe de dados empíricos, dos quais o caso brasileiro e,

particularmente, as realidades municipais são especialmente carentes (LANDIM,

2005).

Dessa forma, a metodologia qualitativa, mais do que buscar traçar leis

gerais, busca compreender a dinâmica da realidade social, com a perspectiva de

conhecer, explorar e descrever a complexidade e contradições dos fenômenos e

relações sociais.

Essa aproximação dará o que Fuchs (2009, p. 34) define de apanhar a

dimensão intrinsecamente dinâmica da realidade objetiva e subjetiva, de forma a

combinar história e estrutura, sendo a realidade essencialmente contraditória. A

realidade é dada por condições objetivas (aquelas dadas externamente ao homem:

desigualdade social, necessidades materiais, ambiente físico, etc.) e condições

subjetivas (que dependem da capacidade de se construir historicamente, em parte,

no contexto das condições objetivas).

Para a análise qualitativa, o estudo apoiou-se nas categorias da dialética

histórica e estrutural, como categorias epistemológicas adotadas na captação e

compreensão da realidade estudada, pois o método dialético considera dois planos

de categoriais de análise: 1) como a dialética imagina a realidade (a ideia do conflito

social, totalidade, unidade de contrários, teoria e prática e condições objetivas e

subjetivas); 2) como imagina o conhecimento (os limites da ciência são os mesmos

da nossa capacidade de conhecer; introduzindo em toda argumentação a

impossibilidade de ser concluída; a dialética usa criticamente a formalização, tendo a

compreensão da incompletude). Essas aproximações é que possibilitam ao

pesquisador conhecer o objeto da pesquisa, de forma a reconstruir as condições

sociais e históricas de produção, circulação e recepção das práticas institucionais.

Nessa fase de análise, são agregadas as categorias básicas da dialética (histórica e

estrutural) como categorias epistemológicas que possibilitam aporte na

120

compreensão e captação da realidade, indo além da aparência e penetrando na

essência do fenômeno, buscando compreender as dimensões imediatas e mediatas

descobertas, construídas e reconstruídas.

Fuchs (2009, p. 22) denominará essas etapas de “complementaridade

entre a macrossociologia e a microssociologia”, de forma que possibilite a

“compreensão do fenômeno, realizando uma viagem do mais abstrato (complexo)

para o mais simples, retornando ao fenômeno inicial, porém agora com conteúdo

mais determinado (no sentido de concreto)”.

Por questão de método e opção da presente pesquisa, baseando-se nas

categorias da dialética histórica e estrutural, faz-se necessário apresentar o contexto

histórico da Política de Assistência Social, bem como suas características marcadas

por significativas mudanças. Desse modo, registraremos as principais alterações que

ocorreram entre os anos de 1993 a 2013 no que diz respeito à estrutura e

funcionamento das instituições de controle social sobre a política.

5.2 Procedimento de investigação e análise dos dados

Na sequencia, serão apresentados os principais aspectos do percurso

investigativo destacando-se o cenário de estudo, o delineamento da pesquisa, a

técnica nela adotada, a análise de dados e procedimentos éticos.

5.2.1 Cenário de estudo – estrutura, funcionamento e breve histórico do controle

social da política de assistência social em Belo Horizonte.44

Em 1993 é aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social,

regulamentação imprescindível para organização da Política de assistência social no

âmbito nacional, estadual e municipal.

Em 1994, em Belo Horizonte, o Movimento da Assistência Social,

investindo na mobilização da sociedade civil, organizou-se numa instância de

44

Os documentos que subsidiaram a construção do referente tópico são originários do acervo do Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte, a saber: Lei de Criação (1996), Regimento Interno (1996), Resoluções 01 a 07 (1997), Resoluções 01 a 40 (2006), Atas das reuniões ordinárias e extraordinárias de março a dezembro de 1997, Atas das reuniões ordinárias e extraordinárias de fevereiro a dezembro de 2012; Resolução n

o 027, de 17 de junho 2013 e

Resolução nº 009, de 01 de abril de 2013.

121

controle social denominada Fórum Municipal de Assistência Social. Essa

organização contava com a participação de usuários, trabalhadores da área,

técnicos da Secretaria Municipal de Assistência Social, representação de entidades

prestadoras de serviços e entidades de defesa dos direitos, representantes de

Movimentos Sociais e todos os atores e instâncias comprometidas com a

constituição da Assistência Social como Política Pública no município.

Esse coletivo, além de reuniões ordinárias mensais, realizou eventos

lúdicos e informativos sobre a LOAS (BRASIL, 1993) destacando a necessidade de

se estruturar e disciplinar o controle social no nível municipal. As assembleias

setoriais se estenderam ao movimento negro, moradores de rua, mulheres, pessoas

com deficiência, idosos, e os Cafés Sociais atingiram as administrações regionais e

as lideranças comunitárias.45 Esses eventos eram precedidos pela visita de uma

enorme boneca com as iniciais LOAS gravadas em seu corpo, simbolizando que a

lei era de carne e osso.

A vontade pública, como ingrediente absolutamente indispensável ao

processo da estruturação de políticas públicas na área da Assistência em Belo

Horizonte, foi fator altamente intensificado e reconhecido pela população,

principalmente no município a partir de 1993. O primeiro Governo da Frente Popular

Democrática chegou ao poder com apoio das entidades civis e movimentos sociais

organizados que concentravam esforços na área da assistência social na

perspectiva de ampliação dos direitos de cidadania da grande parcela da população

subalternizada. A participação popular era uma das principais diretrizes desse

governo, que foi formado também por militantes que participaram do movimento de

ruptura do regime militar e da reconstrução da democracia.46

45

Atividade desenvolvida pelo Movimento da Assistência Social com o objetivo de mobilizar e comunicar à sociedade a importância da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, publicada no Diário Oficial da União - DOU de 8 de dezembro de 1993, especialmente do capítulo III, que diz respeito à participação no controle da política pública. 46

Conforme Montenegro (2011, p. 228-229), no campo da política, Belo Horizonte tem, ao longo de sua história, se destacado pela forte presença de movimentos da sociedade civil frente ao poder local, a despeito da exclusão a que foram submetidos os estratos populares na origem da construção da cidade. À ação estatal elitista dos grupos dirigentes à frente do poder municipal se contrapõem os movimentos reivindicatórios e a pressão dos grupos populares por participação nas estruturas do poder institucional e pelo atendimento de suas demandas. A cidade foi sendo dotada no decorrer dessas lutas, de um capital social significativo que obrigou os governantes ao reconhecimento desses grupos e à busca de incorporá-los à gestão da cidade. As estratégias para isso variaram em face dos contextos histórico-políticos, dos grupos no poder e das relações estabelecidas com os grupos no exercício do poder. O Partido dos Trabalhadores, principal agremiação das coalizões analisadas, tem sua origem e história associada a parcelas desses movimentos, suas plataformas de gestão participativa reverberando essa imbricação. Ao assumir a Prefeitura em 1993, a frente conduzida por

122

A I Conferência Municipal de Assistência Social ocorreu nos dias dois e

três de setembro de 1995, com 898 delegados eleitos nas pré-conferências e 320

colaboradores e convidados. Discutiu-se e aprovou-se o Anteprojeto de lei que criou

o CMAS. Na oportunidade, esse projeto de lei foi discutido na Câmara Municipal,

onde a representação do movimento da Assistência Social esteve presente nas

discussões com os vereadores, apresentando explicações e justificativas para sua

aprovação.

Em 27 de maio de 1996 aprovou-se a Lei nº 7.099, que criava e

regulamentava os vários instrumentos de controle social – o Conselho Municipal, os

Conselhos Regionais, as Comissões Locais, o Plano Municipal e o Fundo Municipal

de Assistência Social.

Em outubro de 1996 foi criado o Conselho Municipal de Assistência Social

de Belo Horizonte - CMAS/BH, instância colegiada de caráter permanente,

composição paritária, participativa com poder normativo, deliberativo, controlador e

fiscalizador da política pública de Assistência Social em Belo Horizonte, constituída

por representação da Sociedade Civil, eleita em assembleias locais, regionais e

setoriais e representações do poder público indicadas pelo governo local.

É nessa instância, composta por quarenta membros titulares e quarenta

membros suplentes, representantes de governo, usuários dos serviços

socioassistenciais, representantes de entidades prestadoras de serviços, entidades

de defesa dos direitos e trabalhadores da área que discutem, planejam, deliberam e

fiscalizam a execução da política municipal de Assistência Social.

O CMAS/BH se estrutura da seguinte forma:

Plenário: instância de deliberação plena e conclusiva, configurada pela

reunião ordinária ou extraordinária dos membros do conselho;

Diretoria Executiva (paritária) Colegiada: composta de um

presidente, um secretário-geral, primeiro e segundos secretários, e

pelos coordenadores das comissões permanentes que irão discutir e

direcionar as atividades do Conselho;

esse partido, a organização da sociedade civil local, o conjunto de associações e entidades com forte capacidade de mobilização social e as experiências iniciadas de participação popular na gestão pública davam o substrato à implementação de mecanismos participativos de maior envergadura, como o Orçamento Participativo. A implementação desses mecanismos substanciou-se nesse contexto institucional. Isso não obscurece o mérito da experiência particular e partidária e os ganhos obtidos no tocante à inclusão da sociedade civil nos processos de tomada de decisão que ela significou.

123

Secretaria Executiva e estagiários: composta por funcionários

efetivos da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social -

SMAAS, que ficam encarregados de assessorar prestando suporte

técnico, jurídico, administrativo e operacional a todos os órgãos do

Conselho;

Comissões de Trabalho: composta por conselheiros, colaboradores,

um membro da Diretoria Executiva, um técnico da Secretaria Executiva

e estagiário. Podem ser permanentes (Normas, Política Financiamento,

Recursos Humanos e Acompanhamento de Conselhos Regionais de

Assistência Social - CRAS, Comissões Locais de Assistência Social -

CLAS, Igualdade Racial) ou provisórias (Comissão de Organização de

Conferências e Comissão Organizadora do Processo Eleitoral).

Ficou definido pelo regimento interno do CMAS que cada mandato da

diretoria executiva teria um ano, alternando na presidência membros da sociedade

civil e do Governo; já os conselheiros seriam eleitos por dois anos, e os intervalos

entre as conferências teriam a mesma duração, de modo que a eleição de

conselheiros ocorreria em anos pares e as conferências em anos ímpares. A

premissa é de que as conferências alimentem a participação nos conselhos de

direitos e de que estes se mobilizem para as conferências.

O primeiro Plano Municipal da Assistência foi apresentado ao CMAS em

agosto de 1996, inaugurando o controle social de fato – um novo modo de fazer

política, quando as ações previstas e planejadas eram apresentadas de forma

sistemática. A resolução do CMAS n° 003/96 deliberou que o gestor da política deve

prestar contas ao Conselho, trimestralmente, tanto dos recursos gerenciados pelos

Fundos Municipais da Assistência Social e da Criança e Adolescente quanto dos

recursos que são alocados em outros programas, projetos e ações e recursos

destinados a outras políticas afetas à Política de Assistência Social.

A II Conferência aconteceu em 27 e 28 de setembro de 1997, com o tema

“Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência – Construindo a Inclusão –

Universalizando os direitos”. O avanço do processo tinha como pressuposto a

formação das redes sociais com a descentralização dos serviços, para isto era

necessário conhecer a realidade local, tanto a demanda quanto os serviços

prestados. Esta Conferência também tratou da interface da política da assistência

124

com outras políticas setoriais, do controle social e financiamento. Antecedeu a

organização da Conferência a realização de diagnóstico pelas Administrações

Regionais, com auxílio dos Conselhos Regionais e Comissões Locais de Assistência

Social.

A III Conferência ocorreu em setembro de 1999 com o tema:

“Municipalização da Assistência Social em BH: avançar para Consolidar” e fez

abordagem setorial, discutiu as prioridades do Orçamento Participativo da Cidade e

elegeu os delegados para a Primeira Conferência de Prioridades Orçamentárias -

COMPOR; deliberou sobre a implementação pela Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social - SMDS de importantes programas voltados para o

atendimento à criança e adolescente em situação de risco e também sobre o

primeiro Seminário de Recursos Humanos para a política da assistência social da

Prefeitura de Belo Horizonte - PBH.

A IV Conferência, em 28 e 29 de julho de 2001, teve enfoque no controle

social, financiamento e gestão pública. Verificou-se que o Município destinava 3% de

seu orçamento e deliberou-se que passaria para 5% (sem aquiescência do

Município até 2005). O repasse do Governo Federal para a assistência era de 2,2%

do recurso da seguridade, havia também recursos provenientes de emendas

parlamentares diretamente enviados para as entidades à revelia dos Conselhos, que

deveriam fornecer declaração de impacto das ações a serem financiadas. A

resolução 012/01 do CMAS/BH pôs fim ao repasse dessas verbas carimbadas para

o FMAS, garantindo a autonomia e comando único do Município na gestão da

assistência social, já estabelecidos na resolução nº 006/98. Verificou-se que o

governo estadual destinou 0,05%, em 2000, o que representava 0,21% do

orçamento, sendo que 75% deste montante foram de transferências federais. Até

2001 os recursos da Loteria Estadual não estavam alocados no Fundo Estadual

como previsto na LOAS (BRASIL, 1993). Entretanto, o governo do estado já havia

avançado ao cortar recursos do tesouro para subvenções sociais dos deputados

estaduais, fechando portas para o clientelismo e barganhas políticas.

O controle social consolida-se à medida que se obtém a qualidade dos

serviços prestados, e para esse processo, várias medidas, fatos, eventos e atores

foram importantes. A Lei de Parcerias foi elaborada no bojo da construção do

Controle Social. Antes de 1994, a parceria estava desvinculada de planos,

programas e projetos comuns e se resumia em repasse de recursos – não se

125

preocupando com essa qualidade – não havia até então referências de custeio. Os

critérios do conveniamento eram pouco transparentes, clientelísticos, eleitoreiros, o

convênio se constituía na própria parceria e, algumas vezes, a atividade meio

despendia mais recursos que a atividade fim, por causa do desvio de recursos.

A partir de 2002 várias resoluções do CMAS trataram do remanejamento

de per capitas em razão da redução de metas das entidades – de julho a setembro

de 2003, 818 per capitas foram transferidas. Isso nos mostra também uma nova

política de convênios, que fará sobrepor os critérios técnicos aos critérios políticos.

Os recursos do remanejamento de per capitas contemplarão entidades localizadas

nas áreas do BH-Cidadania, indicando a convergência para a metodologia da

territorialidade. Com a resolução 027/2004, o CMAS-BH determina que o

remanejamento de recursos deverá ser feito para a mesma modalidade e programa

e, preferencialmente, para entidades da mesma região, o que revela embate de

forças dentro do Conselho, composto por membros das nove Administrações

Regionais e por representantes de diversas entidades. Assim a execução indireta

dos serviços trouxe à tona o problema de as entidades parceiras não estarem

localizadas nos territórios com maiores índices de miserabilidade.

A V Conferência da Assistência foi também a primeira conferência

conjunta da assistência e dos direitos da criança e adolescente. Ocorreu em junho

de 2003, com o tema “Viver sem violência é viver direitos. A LOAS é 10 no pacto

pela paz”. Os índices de criminalidade em ascensão, desde 1995, envolvendo

jovens, e a mobilização da sociedade civil em torno da questão motivaram esse

tema. A Secretaria Municipal de Assistência Social, por meio da Gerência de Gestão

da Política de Assistência - GGPAS propôs um sistema onde os serviços de

prevenção e proteção social seriam organizados com base local, regional e

municipal.

A VI Conferência, em setembro de 2005, propôs avaliar a política de

gestão, controle social, Recursos Humanos e financiamento, assim como

estabelecer estratégias e metas para implementação do SUAS. O consolidado das

propostas das pré-conferências e da conferência consta de 172 itens, o que

demonstra que a descentralização, já em processo avançado, ampliava a demanda

dos usuários e dos trabalhadores.

A resolução nº 21/05 aprovou o Pleito de Habilitação do Município na

Gestão Plena da Assistência Social, e a de nº 001/06 aprovou o Plano de Ação de

126

Cofinanciamento do Governo Federal para o SUAS-BH. Como se constata, o CMAS

passa a ter controle da aplicação dos recursos do repasse fundo a fundo, e em 2007

essa transferência é de 20 milhões de reais.

A VII Conferência em 2007 propôs avaliar a implementação do SUAS

através dos eixos de gestão, financiamento, controle social e recursos humanos.

Participaram das pré-conferências 1.553 pessoas, e da Conferência, 719, entre

delegados e convidados.

A VIII Conferência Municipal de Assistência Social em 2009 foi realizada

nos dias 16 e 17 de julho com o tema “Participação e Controle Social no SUAS”,

considerando de suma importância estabelecer estratégias de participação do

usuário nas Instâncias de Controle Social do SUAS. Dessa forma, nessa

oportunidade foram deliberadas propostas tendo como centralidade pensar o papel e

protagonismo dos usuários e seu lugar político no SUAS e os trabalhadores do

SUAS em relação ao Protagonismo do Usuário; Democratização da Gestão do

SUAS; Entidades de Assistência Social e o Vínculo SUAS; Bases para garantia do

Financiamento da Política de Assistência Social, Prestação de Contas e estratégias

de luta; Processo Histórico da Participação Popular no País, Trajetória e Significado

do Controle Social na Política de Assistência Social; CMAS e Sistema Único de

Assistência Social - SUAS.

A IX Conferência Municipal de Assistência Social em 2011 foi realizada

nos dias 29 e 30 de julho com o tema: “Consolidação do SUAS e a Valorização dos

seus Trabalhadores”. Nessa conferência foram avaliadas e propostas diretrizes para

o aprimoramento da gestão do SUAS, na perspectiva da valorização dos

trabalhadores e da qualificação dos serviços, programas, projetos e benefícios

executados por essa política. Também foram tratados aspectos referentes à

centralidade da Política Pública de Assistência Social no combate à extrema

pobreza, questão norteadora do “Programa Brasil Sem Miséria”, lançado pelo

Governo Federal. Simultaneamente à Conferência, aconteceu a “Mostra SUAS-BH”,

que consistiu na exposição de trabalhos das oficinas artístico-pedagógicas

realizadas nos equipamentos da Assistência Social, entidades conveniadas e

serviços, programas e projetos do Sistema Único de Assistência Social no Município.

Ocorreu também a solenidade de posse dos Conselheiros Municipais da Assistência

Social, eleitos durante as Pré-Conferências Regionais.

127

Por fim, esse percurso em torno do cenário e história do controle social

em Belo Horizonte demonstra o que o historiador Eric Hobsbawm (2008) define

como o grande desafio em torno do curso e das transformações humanas “contra

aqueles que a deformam sistematicamente com fins políticos e simultaneamente, de

modo mais geral, contra os relativistas e os pós-modernos que se recusam a admitir

que a história oferece essa possibilidade”. Compreender o passado significa

compreender a dimensão permanente da consciência humana, um componente

inevitável de todas as criações da humanidade.

É nessa construção e busca por ampliação e efetivação dos direitos

sociais que se chega ao ano de 2013, momento de desenvolvimento deste estudo e

ano de realização da X Conferência Municipal de Assistência Social com o tema: “A

gestão e o financiamento na efetivação do SUAS", que ocorreu nos dias 26 e 27 de

julho. A inovação dessa conferência consistiu na realização de pré-conferências

direcionadas por segmentos representativos da sociedade civil – pré-conferência

municipal de usuários do SUAS (13 de julho), no Centro Educacional Professor Artur

Versiani Veloso; pré-conferência Municipal de Entidades da Rede Socioassistencial

(15 de julho), no Centro Universitário Una e a pré-Conferência Municipal de

Trabalhadores do SUAS (02 de julho), também no Centro Universitário Una. O

objetivo central da X Conferência foi de avaliar a situação atual da Assistência Social

e propor novas diretrizes para o seu aperfeiçoamento, em especial os avanços do

Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Para isso serão desenvolvidos grupos

temáticos por eixos, a saber: 1. O cofinaciamento obrigatório da assistência social;

2. Gestão do SUAS: vigilância socioassistencial, processos de planejamento,

monitoramento e avaliação; 3. Gestão do trabalho; 4. Gestão dos serviços,

programas, projetos e dos benefícios do SUAS e 5. Regionalização.

5.2.2 Cenário de estudo

Na análise da dinâmica e do funcionamento do CMAS como espaço

público de caráter consultivo e fiscalizador da política municipal de assistência social

de Belo Horizonte, esta pesquisa optou pela escolha de um representante por

regional administrativa do município, conforme a organização e distribuição do

território. Essa divisão está definida na Lei municipal n. 10.231/11 (BELO

HORIZONTE, 2011). A partir dela foram decididos os critérios para a delimitação

128

geográfica e definição quantitativa do total de representantes da sociedade civil a

serem considerados neste trabalho.

A Rede Municipal de Assistência Social - RMAS de Belo Horizonte possui

atualmente 34 Centros de Referência de Assistência Social - CRAS, distribuídos nas

nove regionais: Barreiro, Venda Nova, Leste, Oeste, Noroeste, Centro-Sul, Norte,

Pampulha e Nordeste.

A escolha dos representantes por regionais foi por meio de consulta à

secretaria executiva do CMAS47 (indicação dos endereços). Essa informação foi

possível mediante consulta a documentos do CMAS (atas e relatórios), que

mencionaram no conteúdo a realização de reunião das CLAS. Logo em seguida foi

efetuado um levantamento do espaço onde foram realizadas as reuniões, tendo por

objetivo identificar a CLAS de referência e assim chegar à identificação de quais

CLAS possuem algum tipo de registro de atividade recente, e estas, por vez, foram

as escolhidas para amostra desta pesquisa, conforme quadro 2:

QUADRO 1 - Número de reuniões das CLAS em 2011 por Regional de Belo Horizonte

Regional

No de

reuniões em 2011

Local das reuniões por regional

CRAS escolhida para

pesquisa

Barreiro 3 CRAS Petrópolis (2) CRAS Independência (1)

CRAS Petrópolis

Centro-Sul 3 CRAS Vila Marçola (2) Santa Rita de Cássia (1)

CRAS Vila Marçola

Leste 4 CRAS Mariano de Abreu (3) CRAS Granja de Freitas (1)

CRAS Mariano de Abreu

Nordeste 5 CRAS Arthur de Sá (3) CRAS Conjunto Paulo VI (2).

CRAS Arthur de Sá

Noroeste 4 CRAS Califórnia (2) CRAS Coqueiral (1) CRAS Pedreira Prado Lopes (1

CRAS Califórnia

Norte 6 CRAS Zilah Spósito (4) CRAS Vila Biquinhas (2)

CRAS Zilah Spósito

Oeste 3 CRAS Havaí – Ventosa (2) Vista Alegre (1)

CRAS Havaí – Ventosa

Pampulha 4 CRAS Novo Ouro Preto (3) CRAS Confisco (1)

CRAS Novo Ouro Preto

Venda Nova 7 CRAS Apolônia (4) CRAS Mantiqueira (2) CRAS Leblon (1)

CRAS Apolônia

Fonte: Levantamento por meio de consulta à Secretaria Executiva do Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte e registro em ata do CMAS no ano de 2011, disponível no site: http://portal6.pbh.gov.br/dom/.

47

A Secretaria Executiva do CMAS-BH consiste de uma equipe de técnicos com objetivo de assessorar, prestar apoio técnico, jurídico, administrativo e operacional às atividades desenvolvidas pelo CMAS-BH e está subordinada, hierarquicamente, à Diretoria Executiva.

129

A utilização do território do CRAS como referência para o estudo de

participação é associada ao entendimento de que o controle social na política de

assistência precisa acontecer de forma contínua e próxima aos usuários dessa

política e que deve ser dialogado e articulado com a rede socioassistencial e com os

demais serviços locais. Essa é uma orientação técnica do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome e da Secretaria Nacional de Assistência

Social, adotada no município de Belo Horizonte pela Secretaria Municipal Adjunta de

Assistência Social - SMAAS e referenciada pelo Conselho Municipal de Assistência

Social - CMAS.

Essa opção foi pautada também na capilaridade da proteção social básica

e sua capacidade de referenciamento, além do fato de o Centro de Referência de

Assistência Social - CRAS localizar-se em áreas de vulnerabilidade social ou muito

próximo delas dar legitimidade e tornar esse equipamento público uma referência

para a população que vive no seu território de abrangência.

Também é nesse espaço que o controle social e participação ganham

expressividade, pois é comum que cada CLAS realize, de acordo com as suas

necessidades, o desenvolvimento de metodologias adequadas à cultura e às

singularidades dos modos de vida em cada território.

As CLAS constituem espaços públicos sujeitos a diversas mediações para

o debate sobre concepções de direitos, cidadania, política pública, universalidade,

equidade e qualidade na prestação de serviços da política de assistência social,

relação usuários-equipamentos, ações preventivas, demanda de serviços e recursos

para atendê-los e humanização do atendimento. Caracterizando-se como espaço de

constantes “arranjos” entre os segmentos nela representados, podem transformar

esse espaço em territórios bem demarcados, nos quais cada um dos segmentos

nele representados defendam seus interesses ou estabeleçam alianças de dois

contra um, ou seja, Secretaria e funcionários opondo resistência às demandas dos

usuários, ou Secretaria e usuários para “forçar” funcionários a mudar atitudes ou,

ainda, funcionários e usuários para pressionar a Secretaria pela melhoria na

estrutura dos serviços.

130

5.2.3 Delineamento da Pesquisa

A presente pesquisa pode ser identificada como exploratório-descritiva.

Exploratória, por ser um tema novo e por isso com pouco material bibliográfico e

estudos empíricos. De acordo com Oliveira (2008, p. 65), “esse tipo de pesquisa

desenvolve estudos que dão uma visão geral do fato ou fenômeno estudado. Em

regra geral, um estudo exploratório é realizado quando o tema escolhido é pouco

explorado, sendo difícil a formulação e operacionalização de hipóteses”. E também

será descritiva, por se estudarem grupos específicos de instâncias de Controle

Social, como constata Gil (1999, p. 44).

Como dito anteriormente, esta pesquisa “tem como objetivo primordial a

descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o

estabelecimento de relações entre variáveis. [...]. São incluídas nesse grupo as

pesquisas que têm por objetivo levantar as opiniões, atitudes e crenças de uma

população” (GIL, 2009). Para isso, foram levantados dados a respeito da

participação da sociedade civil no controle público da assistência social e,

sobretudo, se essa participação tem contribuído para o controle social da Política

Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte. Essas informações permitiram

identificar as implicações das práticas de gestão, conteúdo e método da participação

da sociedade civil organizada ao acompanhar e fiscalizar a atuação dos setores

públicos e privados na área de assistência social existentes na microrregião.

5.2.4 Pesquisa documental

Foram focalizados documentos que envolvem o controle social na política

de assistência social no município de Belo Horizonte e outros documentos

complementares – estes foram confiados ao pesquisador para constituir a presente

pesquisa. O pesquisador teve acesso aos seguintes documentos: registros já

existentes contendo informações sobre a estrutura e o funcionamento do conselho,

como a lei de sua criação, seu regimento interno, as pautas e as atas das reuniões,

bem como as listas de presenças nessas reuniões e as relações dos conselheiros,

dentre outros documentos que foram disponibilizados pelo conselho, como cartilhas,

folders, boletins etc. Para Gil (1999), alguns materiais usados para a pesquisa

131

documental se aproximam da pesquisa bibliográfica em Marconi e Lakatos (2005,

p.185):

A pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. [...], tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias, gravações etc. (GIL, 1999, p. 66).

Para Marconi e Lakatos (2005, p. 176) “a característica da pesquisa

documental é que a fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escrita ou

não, constituindo o que se denomina de fontes primárias. Estas podem ser feitas no

momento em que o fato ou fenômeno ocorre, ou depois”. Endossa May (2004): “os

documentos, lidos como a sedimentação das práticas sociais, têm o potencial [...] de

nos falar das aspirações e intenções dos períodos aos quais se referem e

descrevem lugares e relações sociais de uma época [...]” (MAY, 2004, p. 204).

5.2.5 Pesquisa de campo A pesquisa de campo atende as necessidades desta investigação, uma

vez que permitiu estudar a participação social e o controle social na política de

assistência social por meio da sociedade civil e das Comissões Locais, o que

constituiu a unidade de estudo. Marconi e Lakatos (2005) assim a definem:

Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimento acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. (MARCONI; LAKATOS, 2005, p. 188).

5.2.6 Técnica adotada na pesquisa

O instrumento de pesquisa utilizado para coletar os dados necessários à

análise da participação da sociedade civil foi a entrevista.

5.2.7 Entrevista

Foi aplicado um roteiro de entrevista semiestruturada que permitiu ao

pesquisado expressar livremente sua opinião e sentimentos, o que possibilitou ouvir

132

os integrantes e, especialmente, captar mediante a própria percepção e expressão

oral, a identificação da construção do processo de participação nas Comissões.

Permitiu também esclarecer e aprofundar os fatos, a partir dos sentimentos e

impressões a que os sujeitos fizerem referência e, assim, identificar os saberes de

que dispõem seus integrantes, como os constroem e os fazem circular nesse

espaço. Os autores Marconi e Lakatos (2005) a apresentam como entrevista

despadronizada ou não estruturada, em que “o entrevistador tem liberdade para

desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada. [...] Em

geral, as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma

conversação informal” (MARCONI e LAKATOS, 2005). Optou-se pela modalidade da

entrevista focalizada, que consiste em ser orientada por

[...] um roteiro de tópicos relativos ao problema que se vai estudar, e [em que] o entrevistador tem liberdade de fazer as perguntas que quiser: sonda razões e motivos, dá esclarecimentos, não obedecendo, a rigor, a uma estrutura formal (MARCONI; LAKATOS, 2005, p. 199).

Para a realização das entrevistas, alguns requisitos foram exigidos do

pesquisador, como planejamento da entrevista, conhecimento prévio do grupo

entrevistado, oportunidade da entrevista, condições favoráveis à sua realização,

preparação específica para garantir que se cumpram os seus objetivos na pesquisa

e, por fim, aprovação no comitê de ética em pesquisa, que aconteceu no dia

04/07/2013 sob o CAAE: 12216613.3.0000.5098.

Num primeiro momento, o pesquisador participou da reunião da

sociedade civil do CMAS. Na oportunidade foram coletadas informações dos

participantes para que no segundo momento fosse realizada uma entrevista com os

representantes da sociedade civil por meio de contato telefônico. Nesse momento, o

pesquisador definiu com o entrevistado o local, horário e data da entrevista nessa

etapa, e recebeu a colaboração da coordenadora da Comissão de

Acompanhamento de CRAS e CLAS48 e da secretaria executiva do CMAS.

Foram entrevistados 15 sujeitos, conforme descrição da tabela.

48

A Comissão de Acompanhamento de CRAS e CLAS, conforme regimento interno do CMAS, objetiva discutir estratégias de mobilização e acompanhamento das discussões dos conselhos regionais e comissões locais de assistência social e também acompanhar e fiscalizar o Benefício de Prestação Continuada, assim como discutir a viabilização de Assembleias Regionais e Conferências Municipais de Assistência Social (BELO HORIZONTE, 2011).

133

QUADRO 2 - Relação dos entrevistados representantes dos segmentos da sociedade civil por Regional de Belo Horizonte

Regional

Representantes

de usuários

Membros representantes de entidades prestadoras de serviços, programas e projetos de assistência

social.

Representantes de entidades

de defesa dos direitos dos usuários de assistência social.

Barreiro x x

Centro-Sul x x

Leste x x

Nordeste x x

Noroeste x x

Norte x

Oeste x

Pampulha x

Venda Nova x x

Total 5 5 5

Fonte: Elaboração própria.

5.2.7.1 Análise de dados

A análise de dados foi gerada mediante a organização dos dados

coletados nas entrevistas e sua posterior categorização. As categorias de análise

foram escolhidas tendo em vista os conceitos trabalhados pelos autores que

compõem o referencial teórico, além daqueles que foram encontrados no percurso

da coleta de dados empíricos.

O pesquisador utilizou a análise de conteúdo, que consistiu em um

conjunto de técnicas bastante variadas “usadas para representar o tratamento dos

dados de uma pesquisa qualitativa” (MINAYO, 2008, p. 199).

Em seguida, tratou os dados qualitativos à luz das categorias conceituais

gerais e explicativas da realidade. E, na sequencia, foi realizada a análise – juízo

analítico do pesquisador, que fez inferências sobre o conteúdo apresentado nas

falas dos pesquisados, bem como a interpretação desse conteúdo, tendo como base

a fundamentação teórica, que se caracteriza como uma busca permanente em todo

o percurso da pesquisa.

Essa análise também foi orientada pelo referencial epistemológico da

134

pesquisa, que, neste estudo, é o referencial dialético, histórico e estrutural. É essa

relação dos dados empíricos com a teoria que confere o caráter científico à

pesquisa, seja ela qualitativa ou quantitativa, e que rompe com a perspectiva de

neutralidade, o que não se traduz como senso comum, como pode ser observado no

quadro 3.

A pesquisa acadêmica como investigação e interpretação da realidade é

um trabalho de desvendamento do real, que exige fundamentalmente, nessa

perspectiva, uma razão crítica na organização dos princípios explicativos, na

articulação de categorias ontológicas e analíticas.

QUADRO 3 - Metodologia da análise de conteúdo

OS PASSOS DA ANÁLISE DE CONTEÚDO

Pré-análise

"E a fase de organização propriamente dita. Corresponde a um período de intuição, mas tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano analítico" (BARDIN, 1977, p. 95). É relevante salientar que essa etapa é composta pela escolha do corpus a ser analisado, ou seja, dos documentos. Posteriormente, são formuladas as hipóteses, bem como os indicadores que fundamentarão a interpretação final. Contudo, no caso da pesquisa em questão, é estruturada com um projeto anterior, que preconiza essas etapas. Ou seja, no planejamento da pesquisa, são determinados os documentos a serem analisados, que são aqui as entrevistas, bem como as observações, registradas em diário de campo do pesquisador. Os objetivos e as categorias (explicativas da realidade e do método) que irão fundamentar a interpretação já foram escolhidos. Entretanto, deve-se considerar a importância das categoriais que poderão emergir do conteúdo (empíricas), que não foram anteriormente problematizadas pelo pesquisador. Nesse sentido, destaca-se, nesse momento, a leitura flutuante como uma técnica importantíssima, pois essa aproximação permite identificar as unidades de registro (temas) e, a partir dessa seleção e do agrupamento, identificar as categorias empíricas, bem como apontar as primeiras impressões do texto.

Codificação

"[...] corresponde a uma transformação — efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão, susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto, que podem servir de índices" (BARDIN, 1977, p. 103).

Categorização

"A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos" (BARDIN, 1977, p. 117). A categorização, segundo Bardin (1977, p. 119), tem como objetivo "fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos". E essa passagem é defendia pela autora como sendo "[...] um processo que não introduz desvios no material, mas que dá a conhecer índices invisíveis, aos dados brutos" (BARDIN, 1977, p. 119). Mas, para que isso ocorra, a autora refere a distinção entre boas e más categorias; em seguida, destaca as seguintes características das boas categorias: exclusão mútua; homogeneidade; pertinência; objetividade e fidelidade; e produtividade.

135

QUADRO 3 - Metodologia da análise de conteúdo (continuação)

Inferência e interpretação

Bardin, ao fazer referência à inferência, destaca que "[...] a análise de conteúdo constitui um bom instrumento de indução para se investigarem as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de inferência ou indicadores, referências no texto), embora o inverso, precisar os efeitos a partir de fatores conhecidos, ainda esteja ao alcance das nossas capacidades" (BARDIN, 1977, p.137). Sendo assim, a inferência caracteriza-se como um processo de indução,

49 tendo como base a

decodificação das unidades de sentido e de códigos. A inferência está diretamente relacionada com a interpretação dos dados que, segundo Capaverde, tem como "[...] objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante a ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos" (BULLA, 2006). Sendo assim, pode-se afirmar que o método orienta a interpretação dos dados, assim como as categorias teóricas explicativas da realidade.

Fonte: GUIMARÃES, 2006.

5.2.8 Procedimentos Éticos

Quanto aos procedimentos éticos, entende-se que a ética é mais do que

uma questão de sigilo, é parte importante de uma pesquisa e deve ser considerada

desde o princípio da construção do projeto. Nesse sentido, o projeto de pesquisa da

presente dissertação foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Centro

Universitário Una e aprovado em 04/07/2013 sob as seguintes observações:

O projeto possui justificativa e relevância. Não há dúvidas quanto à pertinência e valor científico do estudo proposto. A metodologia parece ser adequada aos objetivos perseguidos. Quanto aos aspectos éticos, o projeto evidencia a necessidade do Termo de Livre Consentimento e este se encontra anexado. O TCLE atende ao disposto na legislação. Registra-se a presença dos compromissos exigidos do pesquisador e da instituição responsável, a garantia dos direitos fundamentais do sujeito de pesquisa. O modelo de questionário também se encontra em anexo, o que permite a análise de seu conteúdo e a verificação dos aspectos éticos. Observa-se ainda que o projeto apresenta orçamento e o cronograma de ação viáveis (Parecer consubstanciado do CEP).

Além desses aspectos, o projeto de pesquisa foi apresentado em plenária

ordinária do CMAS no dia 20/02/2013, e anteriormente foi apreciado e aprovado na

reunião do dia 06/12/12 da mesa diretora do CMAS, daí a aprovação do “Termo de

autorização para pesquisa no âmbito do conselho municipal de assistência social de

Belo Horizonte”. Tal percurso do pesquisador teve a finalidade de se criar referência

técnica e política no processo de construção da pesquisa. Além do mais, o CMAS

tem instituído um fluxo que define a entrada de projetos de pesquisa e o remete para

apresentação e aprovação pela mesa diretora do CMAS.

49

Segundo o material didático elaborado pela Professora Leonia Capaverde Bulla (2006), indução é "[...] a conclusão, a consequência extraída de um raciocínio lógico. Parte de dados particulares (fatos, experiências, enunciados empíricos) e, por meio de uma sequência de operações cognitivas, chega a leis, conceitos, vai da experiência à teoria" (HOUAISS apud BULLA, 2006).

136

Esse procedimento instituído no CMAS objetiva acompanhar os projetos

de pesquisa e salvaguardar a responsabilidade dos proponentes e participantes em

termos de conhecimento e de conduta política.

As entrevistas foram realizadas após esclarecimento e consentimento

assinado pelos envolvidos diretamente na pesquisa. É válido lembrar que, devido ao

conteúdo particular que perpassa os depoimentos, o anonimato dos sujeitos foi

garantido, sendo fictícios os nomes utilizados.

137

6 OS RESULTADOS DO ESTUDO No presente capítulo, o pesquisador guia-se pelo compromisso de dar

visibilidade aos resultados e análises das informações coletadas no processo de

investigação que viabilizaram este estudo, as quais consistem em conhecimentos

que expressam o contexto e o período em que se realiza a pesquisa. Trata-se,

portanto, de um processo de aproximação do objeto, que não deve ser

compreendido como imutável, mas sim um processo passível de ressignificações, de

acordo com o movimento e transformações da sociedade.

6.1 Os sujeitos participantes da pesquisa

Foram entrevistados 15 membros dos Conselhos Locais das nove

Regionais de Belo Horizonte. Destes, nove são mulheres, e seis são homens. Dos

respondentes, cinco se declaram brancos, três são pardos, e sete se declaram

negros. O gráfico a seguir mostra o nível de escolaridade por cor de pele.

GRÁFICO 11 – Nível de escolaridade por cor da pele – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Segundo o gráfico, dos 15 respondentes, sete (46,66%) possuem ensino

fundamental, quatro (26,66%) possuem o ensino médio completo e quatro (26,66%)

possuem o ensino superior completo. Dos que se declaram pretos, nenhum possui

3

0

2

1

0

2

3

4

0 0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

Da 1a a 4a série doensino fundamental

Ensino médio(Completo)

Ensino superior(completo)

Branco

Pardo

Preto

138

ensino superior completo, apenas dentre os pardos e os brancos dois indivíduos o

possuem. Destes, um pardo e um branco possuem pós-graduação. Dos que

possuem o ensino médio completo, todos são pretos. São quatro mulheres com

ensino fundamental e três homens. Elas estão em maior número no que diz respeito

à formação superior, três mulheres e dois homens. Dentre eles, uma mulher e um

homem possuem pós-graduação. Um destaque para a consideração de que, no

tocante aos representantes com formação em ensino médio completo, são dois

homens e duas mulheres na cor preta. Logo, não temos o registro de pessoas com

formação superior na cor preta.

Dos respondentes, uma pessoa possui dois cursos de graduação (Letras

e Ciências Sociais, além da pós-graduação em Desenvolvimento Social); uma se

formou em Teologia; uma em Serviço Social (com pós-graduação em nível de

mestrado em Administração Pública) e outra em Pedagogia e Direito.

O gráfico a seguir mostra os resultados por faixa etária:

GRÁFICO 12 – Sexo por faixa etária – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Segundo os dados, pode-se afirmar que, dos respondentes, mais de 70%

dos indivíduos estão acima dos 50 anos. Destes, mais da metade são homens. As

outras faixas etárias são compostas apenas por mulheres.

A seguir, os resultados referentes à quantidade de respondentes por

religião.

1

0

1

0

2

0

5

6

0

1

2

3

4

5

6

7

Feminino Masculino

18 anos

Entre 19 e 25 anos(inclusive)

Entre 26 e 33 anos(inclusive)

Entre 34 e 41 anos(inclusive)

Entre 42 e 49 anos(inclusive)

50 anos ou mais

139

GRÁFICO 13 – Religião – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Mais de 70% dos respondentes são católicos e protestantes. Um

respondente informou que é cristão, mas não sabe qual a sua Igreja, um é espírita, e

outro não tem religião. O gráfico a seguir mostra inserção partidária dos

respondentes por sexo.

GRÁFICO 14 – Inserção partidária por sexo – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Pelo gráfico, observa-se que a grande maioria dos respondentes, mais de

65% não participa de partido político. Das nove mulheres, apenas duas têm inserção

partidária. No caso dos homens, 50% estão inseridos em algum partido.

No gráfico a seguir, no que se refere à participação em movimentos

6

1

2

5

1

0

1

2

3

4

5

6

7

Católica

Cristã

Espírita

Protestante/Evangélica

Sem religião

2

3

7

3

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Feminino Masculino

Sim

Não

140

sociais, a realidade se mostra de forma diferente.

GRÁFICO 15 – Inserção em movimentos sociais – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Pelo gráfico, pode-se observar que a grande maioria dos respondentes,

mais de 70%, participa de movimentos sociais. É possível perceber que a

participação política dos respondentes ocorre muito mais no âmbito dos movimentos

sociais do que em organizações partidárias.

Em relação ao gráfico 4, o gráfico 5 mostra que as mulheres são muito

mais afetas à participação em movimentos sociais do que em partidos políticos.

Sobre a quantidade de organizações políticas por pessoa, quatro respondentes

afirmaram que participam de duas organizações; quatro participam apenas de uma

organização; duas pessoas participam em três organizações, e uma afirmou que

participa em mais de três organizações. Foi possível observar pelas respostas que

os conselhos de direitos são vistos como movimentos sociais, eles foram citados

várias vezes como movimento social. Segue a lista das organizações que

apareceram nas respostas dos entrevistados:

Orçamento participativo;

Associação de Moradores;

Comissão de Transporte Local;

Conselho Municipal da Saúde;

Gestão Compartilhada;

Habitação;

7

4

2 2

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Feminino Masculino

Sim

Não

141

Conselho Municipal de Assistência Social;

Conselho Distrital de Saúde;

Liderança Comunitária;

Conselho da Igreja Batista;

Associação Comunitária;

Movimento das Mulheres.

Foi perguntado se os entrevistados exercem alguma atividade

remunerada e se possuem ou não carteira assinada. O gráfico a seguir traz os

resultados.

GRÁFICO 16 – Situação empregatícia – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Os dados mostram que 40% já trabalharam e atualmente não trabalham,

mais de 20% trabalham com carteira assinada, e 20% trabalham sem carteira

assinada. Destes, um respondente disse que atua na área da Criança e

Adolescente, um disse que trabalha no comércio e um não respondeu à questão.

Uma pessoa está aposentada, mas trabalha por conta própria como marceneiro e

uma vive de renda. Pode-se observar que dos respondentes, mais de 50% (oito

pessoas) não ocupam suas horas em atividades laborativas provenientes de uma

jornada de trabalho estabelecida por entidade empregadora, dispondo, portanto, de

6

4

3

1 1

0

1

2

3

4

5

6

7

Já trabalhei,mas não estou

trabalhando

Trabalho, estouempregado com

carteira detrabalhoassinada

Trabalho, masnão tenhocarteira de

trabalhoassinada

Aposentado porinvalidez

Não trabalha,vive de renda

142

mais flexibilidade de tempo para a participação nos espaços políticos, uma vez que

são profissionais autônomos e têm condições de construírem sua agenda de

trabalho conciliando-a com uma intensa agenda política.

No que toca à natureza da instituição empregadora, o gráfico a seguir traz

os seguintes resultados:

GRÁFICO 17 – Natureza da instituição empregadora – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Conforme esses dados, mais de 45% dos respondentes trabalham ou já

trabalharam em instituição privada; 13,33% dos respondentes trabalham ou já

trabalharam em instituição filantrópica; 13,33% são donos do seu empreendimento;

20% trabalham e/ou trabalharam em repartição pública municipal, e mais de 6%, em

Terceiro Setor (ONG).

A tabela a seguir mostra a área de atuação da instituição em que

trabalham/trabalharam, segundo os respondentes:

2

7

2

3

1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Privadafilantrópica

Privadalucrativa

Própria PúblicaMunicipal

Terceiro Setor

143

Área de atuação No

%

Assistência Social 2 13,33

Criança e adolescente 3 20,00

Educação 2 13,33

Comércio 3 20,00

Habitação 1 6,67

Mineração 1 6,67

Indústria 1 6,67

Outros 2 13,33

Total 15 100,00

TABELA 4 – Área de atuação da instituição em que trabalha/trabalhou – 2013 Fonte: Pesquisa própria.

Segundo os resultados, três respondentes atuaram na área da Criança e

adolescente e três no Comércio; dois atuaram/atuam na Assistência Social,

Educação e Outros; um atua/atuou na Habitação, Mineração e na Indústria. É

possível observar que as políticas sociais são/foram área de atuação profissional

para mais de 50% dos respondentes. Mais de 30% atuam/atuaram no setor privado

e menos de 20% marcaram a opção Outros.

No que toca à jornada semanal de trabalho, dois respondentes disseram

que possuem uma jornada de até 30 horas; nove trabalham entre 40 e 45 horas

semanais; três dos respondentes trabalham 50 horas ou mais, por semana e um

respondente não informou sua jornada de trabalho.

Dentre os cargos ocupados, são três pessoas com cargo de coordenação,

dentre estes um respondente acumula cargo de analista de políticas públicas; uma

pessoa não concluiu o ensino superior, todos eles têm uma jornada de 40 horas

semanais ou mais, com contrato de trabalho por tempo indeterminado. Além desses

profissionais, a pesquisa mostrou que existem dois proprietários de

empreendimento, e que ambos possuem ensino fundamental completo, um deles

144

possui uma jornada de trabalho com mais de 40 horas semanais. Além desses

grupos, um respondente mencionou ser assistente social que atua em uma

instituição filantrópica, possui carteira assinada e uma jornada de 22 horas

semanais; sete respondentes disseram que atuam em cargos de execução. A

jornada semanal de trabalho destes está na média de 40 horas semanais, com

contrato de trabalho por tempo indeterminado. Dentre eles, apenas um respondente

disse que assumia outra função, destacando o cargo de diretor de sindicato como

mais uma profissão que exerce; um respondente mencionou que é voluntário e outro

disse que possui mais de uma função, mas não informou qual seria esta; um

respondente disse que é trabalhador autônomo e outro não respondeu à questão.

Dos respondentes, 40% (6) possuem um a dez anos de trabalho. Mais de

25% (4) dedicaram-se mais de 20 anos em atividades laborativas; 20% (3), entre 11

e 20 anos; mais de 6% (1) estão atuando a menos de um ano no mercado de

trabalho e uma pessoa não respondeu à questão.

Foi perguntado aos entrevistados se eles fizeram algum curso de

capacitação para conselheiros, o gráfico a seguir mostra os resultados:

GRÁFICO 18 – Curso de capacitação de conselheiros – 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Os resultados mostram que mais de 70% já fizeram curso de capacitação

para conselheiros. Sobre a carga horária desses cursos, 3 respondentes

mencionaram que fizeram curso com até 20 horas semanais; 3 realizaram curso com

mais de 45 horas semanais e 5 realizaram curso de capacitação com carga horária

entre 21 e 40 horas.

11

4

Fez

Não fez

145

Desses respondentes, cinco fizeram curso de capacitação há um ano;

dois realizaram curso este ano; dois há cinco anos; um disse que participou em

vários anos; outro, há mais de dez anos.

Dentre as dificuldades apresentadas à participação em cursos de

capacitação de conselheiros, a tabela 2 mostra as respostas que mais apareceram.

Dificuldades apresentadas No

Duplicidade de agenda 2

Falta de compreensão das informações 1

Falta de dinheiro 2

Falta de oportunidade 1

Falta de tempo 2

Falta de transporte 1

Não houve dificuldade 2

Não respondeu 7

Total geral 18

TABELA 5 – Dificuldades de participação em cursos de capacitação de conselheiros50

– 2013 Fonte: Pesquisa própria.

Conforme esses resultados, sete pessoas não responderam à questão;

falta de dinheiro e falta de tempo foram marcadas por dois conselheiros cada uma;

dois respondentes destacaram que não houve dificuldade. As outras dificuldades

obtiveram uma resposta cada uma. É importante ressaltar que uma pessoa destacou

que teve quatro das dificuldades apresentadas:

Falta de tempo

Falta de transporte

Falta de dinheiro

Duplicidade de agenda

Todavia, ressalta-se que, pelo número de conselheiros que participaram

e/ou participam de cursos de capacitação, as dificuldades encontradas não se

tornaram obstáculos para a grande maioria deles. 50

Os entrevistados puderam escolher mais de uma opção de resposta.

146

Quanto à avaliação que fizeram dos cursos de capacitação de

conselheiros dos quais participaram, o gráfico a seguir mostra os resultados:

GRÁFICO 19 – Avaliação dos cursos de capacitação de conselheiros feita pelos respondentes - 2013

Fonte: Pesquisa própria.

Os resultados mostram que todos os quesitos foram bem avaliados. Os

quesitos “Informações trabalhadas no curso” e “Estrutura do curso” não obtiveram

nenhuma avaliação regular ou ruim. Os quesitos “Linguagem utilizada”, “Resultados

alcançados” e “Metodologia” são os que mais obtiveram conceito “ótimo”; mais de

20% dos respondentes que participaram de curso de capacitação de conselheiros

avaliaram-nos desta forma.

O quesito “Parâmetros técnico e operativo do controle social” não obteve

nenhum conceito “ótimo”, todavia mais de 65% o avaliaram com conceito “muito

bom” e “bom”. O quesito “Parâmetros intelectuais, ético e político” foi o que obteve

índice menor em matéria de avaliação positiva. Pouco mais de 60% o avaliaram

positivamente. Esses dados revelam que os cursos de capacitação de conselheiros

ofertados conseguiram satisfazer as expectativas dos respondentes.

Quanto aos temas que marcaram sua formação, destacam-se as

seguintes discussões:

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Estrutura do Curso

Metodologia

Resultados alcançados

Linguagem utilizada

Informações trabalhadas no curso

Parâmetros técnico e operativo do…

Parâmetros analíticos sobre a política…

Parâmetros intelectuais, ético e político

ÓTIMO MUITO BOM BOM REGULAR PÉSSIMO NÃO SOUBE RESPONDER

147

QUADRO 4 – Temas marcantes - 2013

TEMAS MAIS MARCANTES No

Política de Assistência Social com ênfase na Legisação (LOAS, NOB, PNAS e SUAS), Organização e Financiamento

4

Papel e a responsabilidade do controle social 2

Política de Saúde 2

Temas atuais relevantes 1

Não gostou do curso de capacitação oferecido por uma instituição 1

Experiência de um projeto específico existente na Europa, semelhante ao implementado em Belo Horizonte.

1

Total de respostas 11

Fonte: Pesquisa própria.

É nítido que o tema da Política de Assistência Social é recorrente nos

cursos de capacitação de conselheiros, além destes, os temas referentes ao

controle social e ao papel dos conselheiros tem lócus privilegiado nos espaços de

formação.

Dentre as contribuições que os cursos puderam oferecer aos

conselheiros, a tabela a seguir destaca as seguintes respostas apresentadas pelos

respondentes:51

CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOS CONSELHEIROS No

Aumentou meus conhecimentos, adquiri mais informações, tenho mais preparo. 10

Melhorei minha autoestima, minha satisfação pessoal. 7

Mudou minha forma de agir/intervir nas reuniões do CMAS. 5

Permaneceu a dificuldade de atuação como Conselheiro a partir das informações que recebi na Capacitação.

2

Tive reconhecimento junto aos meus pares. 3

Total de respostas 27

TABELA 6 – Contribuições oferecidas pelos cursos de capacitação de conselheiros – 2013. Fonte: Pesquisa própria.

51

Os entrevistados puderam escolher mais de uma opção de resposta.

148

Segundo a tabela, e considerando-se o número daqueles que

confirmaram sua participação em cursos de capacitação para conselheiros (11

pessoas que realizaram esses cursos), pode-se observar que destes, 90% disseram

que os cursos contribuíram para aumentar os conhecimentos, para aquisição de

mais informações, o que possibilitou mais preparo para serem conselheiros. Mais de

60% destacaram que os cursos serviram para melhora da autoestima e para

satisfação pessoal. Cerca de 45% disseram que os cursos contribuíram para

mudança de postura nas reuniões do CMAS, agora mais ativa e interventiva. Menos

de 20% alegaram que as dificuldades de atuação como conselheiro permaneceram,

e quase 30% destacaram que foi possível obter conhecimento junto a seus pares.

Sobre a participação dos entrevistados em comissões temáticas do

CMAS, 14 disseram que participam e um não participa. Entretanto, quando foram

perguntados sobre quais as comissões de que participavam, as respostas foram

bem diversas. Alguns entrevistados conseguiram identificar as comissões do CMAS,

outros entrevistados não conseguiram responder de qual comissão participa, mas

destacaram que participam do CMAS e/ou outros conselhos de direitos, como CMS

etc. Além disso, alguns entrevistados disseram que participam em mais de uma

comissão temática. Um entrevistado não soube informar, e um não respondeu á

questão. Dos 15 entrevistados, oito informaram que são conselheiros, mas não

informaram em qual comissão temática participam; quatro entrevistados disseram

que participam em apenas uma comissão Temática (dois na Comissão de Recursos

Humanos e dois na Comissão de Política de Assistência Social); já um entrevistado

disse que participa na Comissão Temática de Financiamento da Assistência Social;

um entrevistado não soube responder, e outro não respondeu à questão.

6.2 Participação da sociedade civil no espaço público do controle social no

município de Belo Horizonte

Nos espaços públicos de controle social, os indivíduos participam do

processo de tomada de decisões para a construção dos rumos que as políticas

tomarão com vistas à garantia dos direitos sociais, contribuindo significativamente

para efetivação de programas, projetos e serviços socioassistenciais, fortalecendo,

149

desta maneira, a participação da sociedade na gestão pública.

Tendo em vista a problematização da forma como ocorre a representação

dos segmentos da sociedade civil no espaço público do controle social da política de

assistência, vale resgatar a discussão de Silva (2003) sobre as contribuições da

democracia participativa para a efetivação da cidadania, para o exercício da

cooperação e compromisso nos processos decisórios, bem como a integração entre

os atores sociais envolvidos, para fortalecer uma direção política em defesa dos

interesses da população. Para os entrevistados, a participação no controle social é

fundamental, tendo em vista que podem contribuir na consolidação de políticas

efetivas para melhoria das condições de vida da população. O envolvimento prévio

com as questões ligadas às demandas sociais e à própria política de assistência

social impulsionou-os à participação nos espaços de controle social,

Já tinha certa experiência de trabalho comunitário, então resolvi voltar de novo porque a primeira comissão foi de transporte, por necessidade da mobilidade urbana e da necessidade de atender as pessoas especiais. Então isso tudo envolve um trabalho muito grande com a assistência social, aí depois que já estava bem trabalhado o transporte, iniciamos o trabalho de levar pras vilas e favelas o micro-ônibus, porque o ônibus comum não comportaria nas ruas da comunidade. [...] foi através da Regional que tive conhecimento dos conselhos, daí comecei a participar. Isso foi na época da entrada do Patrus para prefeitura, ele nos chamou e falou que íamos ter muitas mudanças na cidade e que ia precisar de colaboração de lideranças pra ajudar no trabalho que seria um trabalho muito grande, que a cidade tava precisando de transporte, saúde e tudo isso seria um trabalho social muito grande então foi daí que eu comecei a participar [...] (Roberta – segmento dos usuários).

Fiquei sabendo, logo que eu cheguei, fiquei sabendo em 1994, que já havia mudanças na política da assistência que eu tava escolhendo pra trabalhar como concursada, recém-nomeada. Fui me integrando das mudanças que já estavam acontecendo. A participação no conselho veio um pouco depois, mas informações eu tive antes. Eu devo ter começado a participar, não foi bem no inicio dele, foi depois de 1996 que a gente começou a participar. [...] (Sandra – segmento dos trabalhadores).

Na verdade, eu já sou trabalhadora há muitos anos na política de assistência social, e saber dos espaços de controle é uma condição básica pra qualquer trabalhador da política. De que forma que o usuário participa, de que forma que o trabalhador pode se envolver na política. Pode participar no sentido de avaliar as entidades, então isso faz parte mesmo do processo de trabalho. Você precisa saber dos espaços de controle

(Fernanda – segmento dos trabalhadores).

É importante ressaltar que a participação nos espaços de controle social

para vários dos entrevistados chegou-lhes como demanda das instituições

empregadoras para representarem-nas nesses espaços.

Comecei a participar do CMAS como representante de entidade, mas além do CMAS, a entidade também prioriza participar das reuniões da CORAS e CLAS [...] (Alex - segmento das entidades)

150

Conheço esse espaço porque eu trabalho na área social há trinta anos, então venho acompanhando todos esses processos ao longo desses trinta anos, através das atividades de ONGs, associações que eu participei (Caio - segmento das entidades).

Desde adolescente eu acompanho alguns movimentos sociais de base e participo das atividades da minha comunidade, mas do CMAS tenho participado por demanda do meu trabalho. Trabalho em uma instituição socioassistencial de atendimento a crianças e adolescentes de seis a quinze anos (Jéssica - segmento das entidades).

É possível identificar ainda outros motivos que levaram essas pessoas a

representarem seus segmentos, seja no Conselho Municipal da Política de

Assistência Social, seja nas comissões regionais e locais. Essas representações

estão marcadas por peculiaridades próprias: das especificidades de cada segmento

e de cada pessoa, da dinâmica interna e das relações estabelecidas nos espaços de

controle social, bem como do momento histórico que contextualiza esse processo.

Pelos depoimentos, pode-se perceber como estes interferem nas formas de

representação.

[...]. Eu pessoalmente costumo falar que eu sou teimosa. Nós que somos teimosos ainda temos esse grupo que não deixa a peteca cair. Acho que é um desaforo pra quem é cidadã, como moradora, como ser humano, a gente não pode fazer só para gente. Tem que fazer para outros que ainda não têm (Roberta – segmento dos usuários).

O quê que estava sendo a prioridade no Brasil? Eu te falo isso porque eu participei muito, cada vez que ele vinha a Belo Horizonte mandava trazer para nós o que tinha sido colhido nas pesquisas. Um levantamento, principalmente em cima da criança e do adolescente, da violência sexual e ele passou a observar, foi observado que não tinha assistência social cobrindo esse público-alvo. A pobreza tava muito grande no Brasil ainda. A falta de saneamento básico, muita gente passando fome. Precisava-se trabalhar melhor a assistência social. Daí fomos montando as reuniões com Lula, organizando os projetos e quando ele ganhou, no ano seguinte, ele montou então o plano SUAS. [...] (Roberta – segmento dos usuários).

Um dos grandes desafios da participação dos segmentos da sociedade

civil nos espaços de controle social está relacionado à inaceitável condição de

subalternidade desses segmentos, gerando os entraves de uma efetiva e autônoma

afirmação como sujeitos capazes e conscientes do seu papel, das contradições e

sutilezas existentes nesses espaços.

Nesse sentido, eu acho que minha contribuição é mais ou menos por aí, tento mobilizar os trabalhadores, tento trazer as informações para dentro da secretaria [Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social], socializar essas informações, tento mostrar a importância do trabalhador ficar antenado no que tá acontecendo no conselho (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

[...] eu penso assim, se você está em uma administração democrática, ela deveria criar estratégias pra qualificar as pessoas para participação, seja através de assembleias, comunidades, fóruns. Eu acho que tinha que criar

151

estratégias se estamos em uma administração democrática, e aí entendendo que o trabalhador é um gestor também [...] (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

A partir desses depoimentos, fica claro que a garantia da participação da

sociedade civil depende da construção de processos que favoreçam a participação

ativa e autônoma da representatividade dos diversos segmentos que, com

corresponsabilidade e consciência das implicações, desafios e contradições, se

enfrentarão nos campos políticos. Para se lidar com essas questões, é preciso

disseminar o conhecimento em torno dos processos de produção de políticas

públicas, abrangendo não só o sentido da participação popular e sua importância

para fortalecimento da democracia, como identificar as disputas e o jogo político que

são desencadeados.

Vários são os fatores que estão em jogo no controle social, é preciso

compreender como eles contribuem na configuração desse espaço. Os motivos que

levaram esses sujeitos a participarem nessas arenas permitem vislumbrar o que está

no imaginário dessas pessoas, seja pela sua trajetória histórica ou pelo significado e

importância que dão à permanência nesses espaços contribuindo em maior ou

menor grau à efetivação da política de assistência.

[...] eu tinha muita esperança de melhorar a qualidade de vida do povo nas favelas [...] não entrava na minha cabeça ver aquela pobreza, aquela miséria e saber que o povo tão rico [...] que tinha condições de acabar com aquilo, aí eu me empenhava mais ainda [...] cada reunião que eu ia, que eu ouvia uma proposta, [...] a gente vai pra conferência e lá a gente vê o Brasil inteiro [...] hoje a gente vai nas favelas. Como é gratificante vê que o povo tem água encanada, tem acessibilidade, tem ônibus, mas tudo foi uma luta nossa [...] (Roberta – segmento dos usuários).

O meu vínculo é a minha opção pela política da assistência social que é o lugar do meu trabalho. Eu tenho envolvimento, eu acredito que eu tenha compromisso suficiente para estar nisso. Então esse vínculo é o que me coloca nesse lugar. De estar no conselho, de estar agindo em função da política de assistência social (Sandra – segmento dos trabalhadores).

Outros motivos são determinantes para a decisão sobre a participação

nos espaços de controle social. Observa-se que o vínculo profissional na política de

assistência social também insere as pessoas nesse lugar. “Eu acho que nesse

sentido eu contribuo, no sentido de trazer também os anseios dos trabalhadores da

secretaria para dentro do conselho” (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

Além deste, existem outros motivos bastante peculiares como o

apresentado a seguir,

Tudo começou quando eu sofri um AVC e fui pra cadeira de rodas e fiquei impossibilitado de aposentar porque não tinha tempo suficiente e INSS pago

152

e nem tava trabalhando fichado na época, aí uma pessoa quis me aposentar, me ajudar porque eu era o provedor da casa e minha esposa não trabalhava fora porque nós tínhamos criança pequena, eu é que trabalhava, mas quando eu caí na cadeira de rodas não podia trabalhar, minha profissão é estofador, faço trabalhos manuais. Fui no INSS [Instituto Nacional de Seguridade Social] e me colocaram no BPC [Benefício de Prestação Continuada], na primeira vez perícia mandou eu voltar a trabalhar, mesmo na cadeira de rodas mandou eu trabalhar, disse que eu não tinha direito, mesmo sem renda e com o lado esquerdo todo paralisado, ou seja, minha família ia morrer de fome na época se não fosse a Igreja porque eu sou evangélico, a Igreja tava dando alimentação pra mim, minha esposa, meus filhos, pra minha casa. Aí eu recorri, entrei de novo, outra perícia, aí na segunda perícia que foi aprovada pra mim receber o BPC, e através disso, o CRAS me descobriu por ser beneficiário do BPC. O CRAS foi fazer uma visita em minha casa e descobriu meu potencial e me convidou para fazer parte de um grupo da terceira idade porque nessa altura eu ficava sozinho em casa, minha esposa saía, meus filhos iam para a escola e eu ficava sozinho em casa.Com cinquenta anos de idade eu fui convidado a participar de um grupo da terceira idade que na época foi uma assistente social que achou que iria me ajudar, dessa forma, comecei a participar do grupo de terceira idade com cinquenta anos que na época não era exigido sessenta anos e eu fui e comecei a participar do grupo da terceira idade, mas como eu sou uma pessoa que não fico calada e nem quieto acabei presidente do grupo da terceira idade do Grupo Renascer que é o maior grupo de terceira idade da região norte de Belo Horizonte. Ao todo somos cento e cinquenta membros idosos. Logo através do grupo eu comecei a participar das CLAS fui eleito pra ir representar a CLAS na Comissão Regional de Assistência Social que hoje é CORAS, nesse movimento fui eleito para representar os usuários da regional norte no Conselho Municipal de Assistência Social. Fiquei dois anos no CMAS, fui reeleito de novo e agora está vencendo meu mandado, nesse período fui vice-presidente do conselho e esse ano fui convidado pela sociedade civil pra assumir o cargo de presidente do CMAS [...] eu digo que minha trajetória na assistência social foi assim... mas até então eu não sabia o que era assistência social (Hudson – segmento dos usuários).

O depoimento apresentado pelo usuário Hudson destaca como foi a sua

experiência com a política de assistência social, a qual se deu pelo acesso ao BPC e

o acompanhamento feito pelo CRAS. A partir de então, ele desenvolveu suas

habilidades políticas, atuando nos mais diversos lugares, grupos e movimentos,

culminando com a participação nas CLAS, na CORAS e, como representante dos

usuários no CMAS, ocupa atualmente cadeira de presidente da instituição.

Eu participo por olhar as demandas sociais, por ser evangélico e diácono da Igreja Assembleia de Deus. Busco ter esclarecimento, levar isso para Igreja, pois como sabemos, a Igreja Evangélica não se comprometeu com políticas públicas e perdemos muito terreno com isso, hoje inclusive sou muito partidário também do PR [Partido da República] porque é um partido que abrange e abraça a causa evangélica, sempre trabalhei com o pastor Carlos Henrique do PR, hoje ele é deputado, antes era vereador, sempre apoiamos ele no bairro, então o pastor Carlos Henrique me levou pro PR, não sou filiado, mas ao mesmo tempo sou próximo do PT, não sou filiado a ninguém, mas gosto desses dois partidos PR e PT. O PR por ser evangélico, e o PT por ser das políticas públicas. Então, o que vem sendo demandado de mim, enquanto liderança é a participação popular, hoje, a gente vê tanta injustiça nesse país... Que a gente tem que fazer alguma coisa em busca de melhorar a situação daqueles que menos voz tem, não sabe onde reclamar

153

os seus direitos. Eu aprendi quando vim para assistência social que não devemos ser humilhados, veja meu exemplo, quando um homem que trabalhou a vida inteira na hora que caiu doente na cadeira de roda, com o lado esquerdo todo paralisado, o INSS falou que eu não tinha direito de aposentar e foi a assistência social que estendeu a mão pra mim. Então como eu senti na pele a minha situação eu vejo na pele os meus irmãos que tem necessidade, esse é meu ideal (Hudson – segmento dos usuários).

A trajetória política desse usuário possui um traço religioso muito forte, ele

considera importante sua presença no Conselho Municipal de Assistência Social,

pois contribui para o desenvolvimento dos processos e para reinserção das Igrejas

Evangélicas no controle social, uma vez que acredita que essas instituições são

também importantes nesse lugar. A sua proximidade com os partidos políticos pode

ter sido outro fator que o ajudou a fazer a escolha pela participação política.

A constituição de uma esfera pública democrática para o debate e a

deliberação em torno das políticas públicas depende da efetivação do diálogo

permanente entre os diversos atores e dos acordos legítimos em favor do interesse

público, visando à solução de problemas e ao atendimento de necessidades e

demandas apresentadas pela sociedade.

A experiência nos Conselhos de Políticas Públicas insere os sujeitos num

processo, ao mesmo tempo dinâmico e contraditório, quando se trata de políticas

públicas. Isso porque a relação entre sociedade civil e Estado adquiriu, em tese,

novos contornos e novos conteúdos. Essa relação não ocorre isenta de conflitos, e

nesse espaço de disputa as diferentes forças sociais compõem o desenho

determinando não só a forma e a intensidade da participação como também, de

certa forma, o contorno das políticas públicas no cenário brasileiro. Para dar conta

das complexidades, esses espaços têm exigido uma participação mais ativa e

efetiva por parte da sociedade civil.

O controle social, para mim, é participar de uma forma ativa dos acontecimentos, a tudo que tá relacionado ao que é público, o que eu tô chamando de acontecimento? Planejamento, estratégias do planejamento, a gestão, a prestação de conta, a definição de orçamento em uma área ou outra. Você se envolver com tudo isso e avaliar se tá de acordo com que aquele grupo que você representa defende. Então isso pra mim é controle social. Agora se você me pergunta se esse controle social é efetivo eu vou te dizer que ele é frágil, por quê? Porque o trabalhador ou qualquer conselheiro não participa do primeiro momento, que é você ter uma proposta, planejamento anual. Você não participa. Você discute, mas você não pode definir ou influenciar ao ponto de modificar a questão orçamentária, e também, você não consegue influenciar ou modificar o planejamento da secretaria. Fomentar a participação das pessoas, a discussão, acho que alimenta aí a democracia, mas a finalidade dele mesmo é fazer com que a política de assistência social cresça no município, e impedir que o município contribua para o retrocesso da política. Então ele

154

tem que contribuir pra o crescimento da política, pra política avançar, progredir e impedir o retrocesso. Na verdade esse espaço democrático, essa democracia representativa no conselho tem fragilidades. Uma delas é que cada grupo que tá ali tem interesses. Então a sociedade civil representada pelas entidades, vota muito com o governo. Ela tá muito junto com o governo, por quê? Porque o governo ele flexibiliza cobrança em relação às entidades. Elas ficam mais tranquilas, (por isto) eles tão junto, governo e sociedade civil, segmento entidades. Em relação ao trabalhador, o governo ele não quer a participação do trabalhador, claro que tudo implícito, mas não quer, não quer um trabalhador que critica que posiciona, que fale algo que não seja do interesse e o próprio conselho, ele quer o conselho só pra manter (Fernanda - segmento dos trabalhadores).

A participação ativa entre os diversos sujeitos requer uma relação de

confiança na construção dos processos políticos e do diálogo permanente entre os

envolvidos. O depoimento a seguir ressalta a importância de bases confiáveis de

participação capazes de agregar esses sujeitos. A tomada de consciência implica no

reconhecimento dos distintos papéis, seja da gestão, seja de outros segmentos, das

demandas e propostas que apresentam, do conhecimento técnico ou da experiência

política de cada um. O estabelecimento dos pactos é fundamental para a construção

de relações mais horizontais, a despeito das diferenças e dos interesses de cada

segmento. A deliberação e o controle impõem aos Conselhos de Políticas Públicas

um importante papel na construção e consolidação de uma democracia participativa,

exigindo um esforço maior para a construção de relações mais democráticas em

detrimento de relações elitistas e autoritárias, herdadas da própria condição social,

histórica e cultural do país:

[...] é essa estratégia nossa de ir construindo a confiança de um segmento com o outro, aí que vem os pactos. A gente conseguiu estabelecer construir essa relação de confiança e não só isso, a argumentação, os instrumentos de defesa ou de resistência estão mais elaborados. Tudo isso que provocou essa horizontalidade, porque não só os trabalhadores e usuários estão juntos, mas também o gestor. Ele toma consciência de algumas coisas que não deveriam ser daquela forma e mudar. A gente não exclui o gestor. Ele não tá em cima mandando que a gente aprove. Nós estamos juntos para aprovar o melhor pra política (Sandra – segmento dos trabalhadores).

As relações de confiança entre os atores não se efetivam sem a

existência de barreiras que dificultam a consolidação de relações de confiança e

horizontais. O depoimento a seguir expressa algumas dessas dificuldades.

[...] Legitimar então as representantes do governo, as conselheiras só querem legitimar o que o governo quer. Então as relações são muito de interesse, a maioria das pessoas vota com o governo, dificilmente se você fizer um levantamento no conselho de assistência social, você vai observar que tudo que o governo trouxe foi aprovado na plenária. [...] As relações são de acordo com o interesse, mas é uma relação de submissão, eu acho, usuário, trabalhador, sociedade civil (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

155

A entrevistada não é muito otimista ao destacar como as relações são

estabelecidas, principalmente nos momentos de decisão. Ela afirma que existe um

alto índice de aprovação das propostas trazidas pelo segmento do poder público e,

para ela, essas relações se efetivam pelo interesse e pela lógica da submissão dos

segmentos da sociedade civil em relação ao gestor.

Sandra (ver depoimento anterior) traz à tona discussões em torno do

pacto e da confiança. Para a conselheira, esses pontos devem ser observados e são

importantes no processo democrático. Já o que a conselheira Fernanda apresenta

instiga a reflexão sobre como os pactos são construídos no CMAS. Ao que parece, a

força do Estado interfere nos processos decisórios e como a sua capacidade de

influenciar e conseguir a adesão dos conselheiros tem produzido consensos em seu

benefício. É bem verdade que nos processos democráticos as correlações de forças

se moldam e se articulam em favor dos interesses e do jogo político que está sendo

executado, favorecendo um ou outro segmento. A forma como o cenário político está

posto, os atores ali presentes, bem como a força política que possuem vão com

certeza determinar como os processos decisórios serão conduzidos.

6.3 O papel da liderança e a capacidade organizativa dos segmentos da

sociedade civil

As categorias controle social e participação ganharam densidade na

recente história do país, no contexto das mudanças institucionais, econômicas e

culturais resultantes da agenda dos movimentos sociais e políticos, nos quais

diversos sujeitos e organizações políticas se engajaram na transição do regime

militar nos anos 1970 para a democratização do país nos anos 1980.

Dessa forma, podemos dizer que o reconhecimento da participação

popular é resultado dos processos de institucionalização de demandas sociais

combinadas ao esforço de implementação de outros formatos e desenhos de

políticas públicas, especialmente no contexto da abertura política, em que houve a

formalização desse mecanismo, o qual se deu com a promulgação da Constituição

Federal de 1988, abrindo espaços para o exercício do controle social em instâncias,

como conselhos, conferências, plebiscitos, fóruns, iniciativas populares e referendos.

156

Pedro Demo (2009, p. 44) define que “a participação é em essência

autopromoção e existe enquanto conquista processual. Devemos entender que

existe uma tendência histórica a dominação”. As relações sociais efetivam-se em

bases conservadoras e hierárquicas. No campo da política, as decisões eram

tomadas de cima para baixo, não havia uma experiência que fosse legitimamente

democrática. Ainda nesse sentido, o autor afirma que “é peculiar ao fenômeno do

poder que haja um lado minoritário que comande e outro majoritário que seja

comandado. Não existe algo preexistente, como se fora um espaço onde

predominasse naturalmente a participação”. Se isto encontrarmos, não foi porque

preexistia, mas porque se conquistou.

Ainda nesse sentido, por se tratar de conquista, Demo (2009) advoga que

é necessário cuidar da “qualidade política” dos sujeitos envolvidos na representação

dos espaços democráticos. Para Demo (2009),

Um líder dotado de qualidade política significa que tem consciência histórica e crítica de que pobreza é opressão, de que é mister produzir saídas próprias, mesmo que pequenas, de que é fundamental organizar-se para enfrentar com competências a questão, de que é importante aprender dos erros e acertos. Qualidade política nos líderes significa, ademais, entenderem-se como serviço à base, no sentido democrático de que o centro nada tem de seu, que não tenha sido delegado de baixo para cima (DEMO, 2009, p. 156).

Esse autor considera necessário problematizar a qualidade política que

acontece por meio da participação efetiva, no “sentido de que a alma da associação

são os membros. Deles se originam a legitimidade, bem como a qualidade do

movimento. O centro só pode ter a qualidade que a base lhe confere, não o

contrário”.

Dessa forma, foi perguntado se os conselheiros desenvolvem o papel de

liderança em suas respectivas comunidades e/ou instituições. Obtivemos as

seguintes respostas que sintetizam o que apareceu com frequência:

[...] prefiro trabalhar do jeito que eu trabalho. [...] Eu nunca gosto de falar assim que eu sou uma líder [...] acho assim [...] uma responsabilidade muito grande [...] as pessoas me procuram muito [...] porque já sabe [...] que eu busco, procuro encontrar solução, mas sem briga [...] porque geralmente quem é liderança comunitária é o presidente de associação [...] eles acham que mandam, são autoritários e ao invés de ajudar as pessoas na comunidade [...] só aparecem na hora de eleição [...] depois eles viram candidatos e esquecem da comunidades [...], então eu prefiro trabalhar do jeito que eu trabalho [...] se é transporte eu levo transporte, se é da saúde eu vou pra saúde, se é um problema de remédio eu procuro encaminhar [...] A casa do fulano tá caindo [...] eu vou no lugar certo [...] então meu trabalho como líder é nesse sentido (Roberta, segmento dos usuários).

157

Esse depoimento mostra um perfil de liderança. À primeira vista, a

entrevistada não se reconhece como uma líder, mas é uma pessoa que se coloca a

serviço da comunidade. Ela considera que as verdadeiras lideranças estão nas

associações comunitárias, mas seus comportamentos são autoritários e

descomprometidos com a comunidade. A entrevistada relaciona a posição de

liderança ao cargo em associação, e não àquele perfil que independe do cargo, mas

sim do próprio reconhecimento das pessoas. Os problemas sociais são resolvidos

de formas residuais, ou seja, são “tratados” e dirigidos de forma segmentada e

fragmentada, fugindo da compreensão em torno da totalidade social. Essa forma de

compreender o lugar da liderança compromete o processo de politização da

participação, o que Paiva (2006) denomina de “esquemas político-pedagógicos

estigmatizantes nas estratégias participantes”, que pretendem “ensinar”,

“empoderar” e “capacitar” as famílias pobres a “cuidarem dos seus”. São formas de

enfrentamento da pobreza constituídas pelo senso comum, ou em concepções bem

conservadoras com intenção de tratar as formas de enfrentamento à pobreza como

processo individualizante, pautado pelo fracasso na socialização, educação e

cuidados de seus membros.

Chama atenção a negação às práticas “eleitoreiras” desenvolvidas por

líderes comunitários como forma de obtenção de apoio político, baseadas em trocas

de favores e vínculo direto entre líder e grupos sociais. Pelo que se observa no

depoimento, a entrevistada repudia essas práticas.

Eu sou indicada pelo fórum dos trabalhadores, sou da diretoria da APTA [Associação dos Analistas de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte]. [...] Acho que primeiro é levar a defesa do trabalhador na política de assistência social, de que forma? Primeiro entender que o trabalhador é extremamente importante no controle da política. Então no sentido de está no conselho discutindo a política e fiscalizando o que acontece em relação a política no conselho. Esse no meu entendimento é a primeira atribuição. A segunda atribuição é a defesa do trabalhador qualificado mesmo, no sentido de lutar pelo concurso público, lutar que eu falo assim, quando esses eventos surgem na plenária, você defender a realização do concurso público, impedir contratação. É qualificação do trabalhador, qualificação permanente. Isso na minha avaliação, essas são as principais atribuições. A terceira, [...] mas não tô colocando hierarquicamente como mais importante, a mobilização dos trabalhadores. Como é que acontece isso? Você fazer a discussão no conselho e devolver isso na secretaria no fórum, criar essa discussão na secretaria e levar pro conselho. Criar essa articulação, o que acontece no conselho e o que vem acontecendo na secretaria [Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social] (Sandra, segmento dos trabalhadores).

Também é presente o papel de liderança que busca dialogar com o

segmento que representa, porém destaca-se tratar de segmento de trabalhadores

158

atuantes na política, que possuem nível superior, organizados em torno de uma

instituição – no caso a Associação dos Analistas de Políticas Públicas da Prefeitura

Municipal de Belo Horizonte - APTA. A representante desse segmento é

trabalhadora em equipamento da política de assistência social e faz parte da

diretoria da APTA. Conforme podemos perceber, existe um fluxo instituído entre o

fórum dos trabalhadores e a representante dos trabalhadores no CMAS: “a gente faz

um encontro mensal, no horário do almoço. A gente divulga, manda e-mail para

todas as pessoas que já participaram e colocaram seus e-mails e passa em todos os

andares da secretaria convidando as pessoas”.

Outra questão apresentada pela representante são os interesses dos

trabalhadores, muitas vezes pautados nos aspectos trabalhistas e pouco

problematizados em torno da política, conforme podemos observar:

Se a temática [da reunião] diz respeito a algum anseio pessoal, as pessoas vão, se a temática não tem nada haver para A ou B, aquela pessoa não vai, por exemplo, nós tivemos um momento que nós tivemos uma participação de mais de oitenta pessoas no espaço do fórum, por quê? Porque nós estávamos discutindo a questão do trabalhador terceirizado, equiparação salarial do terceirizado. Então a gente enchia o auditório. Quando surgiu o concurso público esvaziou. Não existe ainda em relação aos trabalhadores da política de assistência social uma consciência política da força que a gente tem enquanto trabalhador, fica muito à mercê da temática muito

individualizada (Fernanda, segmento dos trabalhadores).

Essa questão vem sendo alvo de diversos estudos no âmbito das

Ciências Sociais. Conforme Braga (2010); Coutinho (2010); Oliveira (2010); Netto

(2005) e Paiva (2006), essas são características da ofensiva da hegemonia

neoliberal pautada na mudança de valores e sentidos em torno da participação que

aqui passa a ser tratada no âmbito da readequação das modalidades de intervenção

e os parâmetros ideopolíticos que os fundamentam. Nesses termos, as estratégias

participantes são alvos da investida ideológica, que consiste em consolidar, no

âmbito da consciência social, uma concepção de participação paramentada pelas

exigências restritivas, individualizantes e burocratizadas postas pelo horizonte

hegemônico do mercado no atual estágio de reprodução do capital.

Sim, o que acontece é que eu tenho um grupo de trabalho na entidade. Por ser representante de instituição, acontece que o meu posicionamento é delineado pela minha superintendente. Tenho colegas também da mesma instituição com representação em outros conselhos, então tem momentos que eu sou orientado a me abster, é verdade, tem momentos que eu gostaria de falar não, bater o pé. Tem momentos que o nosso grupo de trabalho entendeu que como representante da entidade tenho que me abster como tem momentos que eu tenho que levantar bandeiras em defesa da entidade (Alex – segmento das entidades).

159

Ainda no que diz respeito à dimensão organizativa das entidades

prestadoras de serviço, aparece a tendência corporativista, conotada pelo não

diálogo em torno dos aspectos que dizem respeito ao desenvolvimento da política

pública e do seu caráter universal, mas que se resguarda de defender os seus

interesses, conforme analisa Sposati (2010).

Por essa razão, as entidades, teoricamente, possuem algumas limitações

e fragilidades para fazerem ampla defesa dos processos políticos que estão sendo

construídos, tendo em vista divergências em torno de interesses – principalmente

por haver divergência na forma de execução de programas, projetos e serviços

socioassistenciais, pois Ongs, OSCIPs, OS e instituições filantrópicas52 advogam

liberdade na condução da prestação de ações socioassistenciais, algumas vezes

contrariando os princípios e diretrizes do SUAS – no caso do CMAS, dependendo da

pauta, as entidades distanciam-se do posicionamento dos trabalhadores e usuários

e se juntam aos representantes do governo, conforme podemos conferir no relato

abaixo:

A prefeitura não consegue executar o financiamento por diversos motivos [...] o grande desafio é tentar fazer com que as verbas e recursos que vem chegando [recursos oriundos da União e Estado] a gente consiga colocar em prática [...] as entidades entram nessa dinâmica para isso, ajudar o poder público, e ao mesmo tempo tem gente que é contra, fala mau da gente que representa entidade. Mesmo assim, diante dessa situação, a gente ainda presta o serviço. Poderia ser público né?! Mas o público não consegue montar, não consegue fazer de um dia pra noite, instituir locais de atendimento e até mesmo cuidar da organização orçamentária. Então eles usam a gente como estepe e a gente recebe muita crítica depois né?! Mas enfim, eu tô defendendo, tô fazendo uma defesa da minha causa. Tirando isso o que tem chegado e tem sido apresentado no conselho, existe uma boa vontade tanto do poder público e da sociedade civil. A gente tem tentado se esforçar pra fazer de fato virar política pública. Uma mudança significativa consiste na mudança do gestor da assistência social, anterior era muito distante, ela nem atendia a gente, ausente, desconhecia a cidade. Agora temos um novo gestor, recente a entrada dele, mas já vem sinalizando mudanças, já teve reunião com a gente, e está aberto ao diálogo (Alex – segmento das entidades).

Reiteramos que iniciativas isoladas pouco contribuem para as demandas

coletivas tão presentes nesse espaço, por outro lado, a representação de entidades

assume direcionamento bastante plural, com posicionamentos pautados no

interesse, conforme podemos observar: “Defendemos [...] a bandeira da entidade, do

trabalhador, do usuário e outras contrárias ao gestor. A gente faz, aprova, abaixa a

cabeça, aceita, mas em função de uma orientação de um grupo de trabalho que eu

tenho. Isso é lícito, não é ilícito” (Alex – segmento das entidades entidade).

52

Cf. Lei 12.101 de 27/11/09 – Entidades Beneficentes de assistência social e procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social (BRASIL, 2009).

160

Dado o pluralismo existente entre as entidades, outra forma de

posicionamento pode ilustrar a parceria da prefeitura de Belo Horizonte com a rede

conveniada para a execução dos serviços socioassistenciais:

A instituição incentiva o desenvolvimento do protagonismo dos usuários, isso se dá ao contribuir no fortalecimento da Comissão Local de Assistência Social, especificamente lá no Lagoa, que ainda não tá tão fortalecida, dessa forma estamos articulados com a equipe do Centro de Referência de Assistência Social e estamos promovendo discussões sobre as questões da comunidade, mas a título de comunidade local, estava tudo muito parado, se comparar com outros momentos em que havia grande participação, hoje, vamos dizer, assim... Está meio adormecido, mas aos poucos, com essas mobilizações e com o trabalho em rede, temos percebido a volta da população preocupada com questões comunitárias (Jéssica – segmento das entidades).

Notório o trabalho desenvolvido pela instituição, dado o seu caráter

educativo e de articulação com o equipamento de proteção social básica em busca

de estratégias que fortaleçam o protagonismo dos usuários. Esse tipo de ação tende

a fortalecer a gestão social em âmbito local, mas ainda é preciso compreender as

condições e intencionalidade do incentivo ao “protagonismo dos usuários” haja vista

a necessidade de desenvolver nos territórios sujeitos que dialoguem com a sua

realidade e, nesse sentido, fortaleçam a dimensão da cidadania, da politização e a

formação de lideranças (ABREU e CARDOSO, 2009).

Sobre esse aspecto, faz-se necessário remeter as contribuições de

Montaño (2007) quando destaca que na área social, a privatização, ou transferência

das ações do poder público para iniciativa privada, deu-se pela fragmentação e

focalização das políticas públicas, por meio do estímulo à prestação de serviços de

caráter público, associativo e não estatal pelas chamadas Organizações Não

Governamentais (ONGs) em contraposição à garantia de direitos universais.

A política de assistência social efetivou-se por meio da fragmentação,

com ações focalizadas destinadas às pessoas com extrema pobreza. Efetivamente

ocorreu a fragmentação e focalização da assistência social por meio da prestação

de serviços de caráter público, associativo e não estatal, não lucrativo de ONGs ou

empresas “socialmente responsáveis”, em detrimento da garantia de direitos

universais.

Sobre o tema, Montaño (2007) nos alerta que a capacidade de inovação

política e controle social demonstrada nos anos 1980 pelas ONGs, articulando redes

de movimentos sociais na luta por direitos, fiscalizando/denunciando a ação do bloco

no poder, foi absorvida na década seguinte no sentido de contribuir para o consenso

em torno do projeto societário atual.

161

Como se pode observar, foi localizada uma grande quantidade de

concepções em torno do papel da liderança ou, em outras palavras, o papel de

interlocutor do representante da sociedade civil com a base que a legitima, porém

destaca-se que esse conjunto de percepções diz respeito a uma amostra, outras

concepções podem existir no âmbito do CMAS, mas para a presente pesquisa essas

foram as percepções encontradas.

6.4 Correlações de força no controle social

Outra questão apresentada foi em torno das relações sociais no âmbito

do controle social. Essa pergunta vai de encontro à constatação de Raichelis

(2011), quando afirma que os conselhos são concebidos como instância deliberativa

e compostos paritariamente entre governo e sociedade civil e, por se tratar de

espaço de natureza democrática, toda ação deve pautar-se pela publicização de

forma a dar visibilidade aos interesses coletivos (por vezes, contraditórios) e

viabilizar a construção de consensos, a partir do estímulo ao debate público. O

depoimento a seguir ilustra como o conselheiro compreende as instâncias de

controle social:

Tenho acompanhado a sociedade civil e os órgãos governamentais e especialmente os representantes dos trabalhadores e vejo que todos tem tido condições iguais nesse espaço, isso tem sido mediado, acredito que em alguns momentos nem tanto dentro do ideal. Como você sabe, existem relações de poder e saber, mas vejo o esforço que o conselho tem feito pra que as discussões sejam realizadas sempre dentro do possível [...] tem melhorado muito a título de questão de sobreposição de poderes, percebo que dentro do conselho da assistência social de Belo Horizonte isso tem melhorado muito (Jéssica – segmento de entidades).

Percebe-se um esforço do conselho para garantir que não haja uma

sobreposição de poderes, mas, como a entrevistada destaca, existe uma relação de

“poder e saber” nesse espaço, o que, do ponto de vista político, pode trazer

implicações no processo de tomada de decisões. O depoimento de Alex também

ressalta que existe um esforço para garantir que as reuniões sejam democráticas

sem sobreposições de poder ou de saber:

Existe democracia sim, existe democracia a partir de quando tem participação né?! Nem todo mundo tá aqui presente fala, a gente percebe que existe um ou outro querendo manipular em função de um item, de um interesse que quer acrescentar, então a gente percebe, mas zelamos que as coisas devem ser discutidas, no momento apropriado, de forma a esclarecer né?! Existem momentos de participação livre e democrática, mas

162

como existem momentos de manipulação, isso é normal, óbvio, pessoas que chegam com falas generalizadas, com falas prontas, mas acho que isso faz parte né?! Existem algumas interpretações equivocadas, tanto do poder público, quanto da sociedade civil né?! Decisões que são tomadas quase que no apagão, que a pessoa esquece o que ela tá representando e usa ali seus dez, vinte anos de militância com arrogância, aí a pessoa vem e te atropela para atender os seus interesses. É desrespeitoso, ofende a gente, isso acontece (Alex – segmento de entidades).

Nesse sentido, por se tratar de interesses distintos que podem se

contrapor, é natural que haja disputas no processo final da correlações de forças. É

natural que algumas propostas sejam consensualizadas, e interesses específicos

consigam a adesão da maioria, seja pelo desconhecimento ou ausência de debate

em torno do conteúdo ou mesmo pelo cansaço dos participantes nas reuniões da

plenária. No processo de observação, constatou-se a prática do “apagar das luzes”

em poucos momentos, mas esta acontece de forma sutil, especialmente quando a

plenária se estende após as 18h. Alguns conselheiros se sentem vencidos pelo

cansaço ou mesmo pelo discurso que pressiona uma decisão repentina por causa

do avançar das horas e da necessidade do cumprimento da pauta. Nesses casos,

não sobra muito tempo para se discutir mais a fundo o conteúdo das propostas.

Também é importante destacar que o cenário político, do ponto de vista da

democracia, ainda possui entraves que dificultam a consolidação de processos

democráticos.

O depoimento a seguir também tenta ilustrar como as relações são

estabelecidas nas reuniões e nas plenárias e como as pessoas se posicionam

nesses espaços.

Eu vejo muita gente que é muito arredia, a gente vê aqui na plenária tem pessoas que entram mudas e saem caladas, mas tem pessoas que eu não sei se eles acham que não vale a pena ou se é porque estão cansados, de vez em quando eu e outra companheira questionamos isso. Por exemplo, sempre são as mesmas pessoas que estão ali atentas pra contrapor alguma coisa [...] eles fazem as coisas na secretaria, mandam para plenária aprovar, aí de vez em quando, nós dos Recursos Humanos [...] passamos a não aprovar, a não deliberar sem antes uma prestação de conta pra nós. [...] eu vejo a plenária assim, muito maleável. [...] Eu tô vendo as meninas, parece que elas tão trabalhando meio que receosas [...] quem vai quem não vai [...] as concursadas que tão chegando [...] eu não sei também se um pouco de receio, mas eu sempre tive um bom relacionamento, porque eu tenho essa liberdade de falar, mesmo que a pessoa não goste, eu falo, eu questiono, [...] comigo não tem isso não, é pra questionar, é pra levar um retorno pro cidadão. Então porque não questionar? (Roberta – segmento de usuários).

Percebe-se que os segmentos pactuam-se para fortalecimento de alguns

posicionamentos. O pacto entre os segmentos dos trabalhadores e dos usuários

163

está bem fortalecido. Já a relação com o poder público não atingiu a mesma solidez.

Existe uma relação de respeito pelo segmento, mas suas propostas são

questionadas e criticadas constantemente. A entrevistada ressalta ainda que o

comportamento das pessoas varia do arredio à indiferença. Entretanto, muitos

conselheiros conseguem acompanhar atentamente as discussões, questionar e

sugerir proposições. Enfim, o fato é que nos momentos de debate e de decisões,

segundo a entrevistada, tem predominado certa apatia e maleabilidade por parte de

alguns conselheiros.

O depoimento da entrevistada ilustra essa situação, mas ressalta que as

relações com as entidades também são respeitosas. Os segmentos dos

trabalhadores e dos usuários não pactuam com os representantes das entidades. Já

as relações do segmento das entidades com o Estado são mais sólidas e

consensuais.

As relações usuário e trabalhador é uma relação, hoje, bem melhor construída que no passado. É como que se nós tivéssemos um pacto. Nós estamos com o usuário e os usuários estão com os trabalhadores, perceber dentro desse processo de escolhas sempre há essa relação que eu entendo que seja um pacto que esteja sendo construído. Trabalhamos pelo usuário e o usuário quer o trabalhador por ali. Então nós fazemos esse pacto. Com relação ao gestor, nós temos uma posição muito crítica, mas é crítica construtiva, trabalhador usuário com relação às entidade. Hoje as coisas são menos tensas. Conflito vai haver sempre, mas tem menos tensão, porque a gente cobrava e cobra muito da entidade. A relação que ela tem, embora seja da sociedade civil, [...] é tão direta que ela tem com o gestor, e às vezes dá ideia de subserviência, mas isso tem algumas mudanças nesse campo aí entendeu? Muita gente ainda percebe alguma dificuldade nessa relação de confiança. A relação de confiança melhor estabelecida é entre o usuário e o trabalhado,r com certeza. A relação com o gestor, a gente tem sim, uma relação de confiar na proposta que vem, mas nós a devolvemos com a nossa crítica construtiva, geralmente ela é uma crítica construtiva

(Sandra – segmento dos trabalhadores).

Esse depoimento dá uma amostra de como as correlações estão

estabelecidas dentro dos conselhos, como os quatro segmentos ali representados

constroem suas alianças. É provável que os projetos dos segmentos dos

trabalhadores consigam coadunar-se com os interesses dos usuários. Ambos os

segmentos, ao que parece, possuem concepções bem semelhantes sobre a política

de assistência social como um direito social. No depoimento a seguir, é possível

observar alguns limites e possibilidades para o controle social nos conselhos e

comissões da política de assistência:

Uma barreira pela ausência de informação e conhecimento técnico para você opinar. Não é simples ser conselheiro como a gente pensa. Você precisa de ter informação. Você tem que conhecer detalhadamente o

164

planejamento da secretaria [Secretaria Municipal de Assistência Social], conhecer detalhadamente as necessidades da cidade, como que é feito o planejamento, o orçamento para execução daquele planejamento daquele plano de trabalho e você não tem essa informação. Outra coisa que também é difícil que eu vejo, além da ausência de informação é a mobilização da sociedade civil nesse sentido, porque nós temos uma reunião toda terça feira uma vez por mês então essa reunião participam os trabalhadores que tão no conselho, representante de entidade, representante de usuário nessa reunião é ali que a gente discute. A gente se prepara para conhecer a pauta para a plenária, se prepara para participar dessa plenária. O objetivo é estar munido de informação no sentido de votar a favor ou contra determinada pauta, determinado item da pauta e nessa reunião a gente percebe o desnível de informação e a dificuldade das pessoas se munirem de informações mesmo de ter uma capacitação mais política pra tomar uma decisão em prol do coletivo. Então ela não tá contra A ou B. O que ela não vai saber pra sair essa discussão mais coletiva. Ela fica muito na questão pessoal... “ai não quero falar porque não quero magoar o fulano” a outra pessoa. Esse preparo pra plenária é muito difícil, muita gente vota com o grupo, então eu acho que o grande desafio nosso no controle social é a qualificação para participação (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

Os processos de tomada de decisão exigem conhecimento prévio dos

assuntos que serão discutidos nos encontros, e esse conhecimento minucioso das

pautas impacta nos momentos de tomada de decisão. A ausência de informações e

conhecimentos contribui para fragilizar a participação dos conselheiros. A

entrevistada destaca que temas como orçamento e planejamento, por exemplo,

ainda são de pouco domínio dos conselheiros. Além disso, tem-se a dificuldade de

mobilização principalmente por parte dos segmentos da sociedade civil. Os desafios

existentes e estratégias desenvolvidas no CMAS expressam aquilo que Abreu e

Cardoso (2009) analisam sobre a relação entre o direito e a cidadania. Ambos são

colocados num campo de disputas de interesses que na sociedade capitalista

sempre serão interesses contraditórios. O campo de possibilidades está colocado a

partir da movimentação dos sujeitos históricos, ou seja, a capacidade de

organização e mobilização da população na defesa dos seus interesses por um lado

e, de outro, o conjunto das estratégias de organização da classe dominante para

manutenção, preservação e desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Outras tendências também aparecem no CMAS, inclusive a negação de

existência de conflitos, conforme podemos perceber no relato a seguir:

A gente vive em uma democracia, no CMAS temos representação de três segmentos, usuário, trabalhador e entidades, esses compõem a sociedade civil, do outro lado, temos o governo de Belo Horizonte, falamos a mesma língua, não existe polêmica, quando existe uma coisa que vai contra, a gente senta e conversa, não brigamos, discutimos a proposta, isso que é importante. Não existe disputa, não existe divergências a gente senta e procura a melhor condição de resolver o assunto em questão (Hudson – segmento de usuários).

165

O usuário Hudson tem uma visão diferente dos demais. Para esse

conselheiro, as relações não são tensas, não existem polêmicas, disputas ou

divergências. As propostas são discutidas sem polêmicas. As alianças da sociedade

civil com a representação governamental são um elemento fundamental para o

estabelecimento de consensos, mas para isto é necessário construir estratégias

para o fortalecimento das alianças. É natural que existam conflitos nesses espaços,

mas ao mesmo tempo, no processo democrático, o conflito é necessário, dado que

nem sempre será possível conciliar as agendas e interesses na tomada de decisões.

Outro aspecto detectado são as influências externas às instâncias de

controle social, conforme podemos perceber no relato:

Sou muito contente com o CMAS, na relação dos conselheiros vejo as pessoas se tratarem com respeito [...] e pra mim isso realmente é muito gratificante, mas [...] Infelizmente não deveria ter disputa, porque algumas pessoas levam para o lado partidário e o conselho tem que ser apartidário, penso que no momento que eu entro da porta pra dentro eu não vou pra provocar alguma situação ou alguma demanda em beneficio do meu candidato ou do meu partido, tudo que eu trouxer de demanda deve ser de onde eu moro, que vai ser pro bem da minha região que eu moro que é Venda Nova e por outro lado por Belo Horizonte. Existem certas disputas partidárias dentro do conselho, creio que isso é uma tendência para acabar, porque está chegando novos conselheiros com outra mentalidade. A tomada de decisão é muito relativa né? Relativo porque depende muito dá situação, depende muito do momento, depende muito da demanda que tá sendo julgada ou está sendo analisada então pode vir de cima pra baixo porque o formato brasileiro ainda é assim, a ideia imperialista baseada que quem tá em cima manda e não pede porque ele foi ensinado assim, quem tá em embaixo tem que atender a ordem de quem tá em cima, mas devagar ele vai acabar, é um processo muito lento... mas graças a Deus estamos no século vinte um e tem que mudar a maneira de pensar (Bruno – segmento de usuários).

As influências dos partidos, segundo esse entrevistado, não trazem

benefícios para as instâncias do controle social, uma vez que os interesses de

partido podem se sobrepor aos interesses da política. Ele considera que os

processos de tomada de decisão vêm de cima para baixo. Nesse aspecto, a visão

desse entrevistado é bem diferente da visão de Hudson, pois ele percebe que,

mesmo com essas contradições, é possível fazer um debate mais horizontal para se

chegar ao consenso.

Pereira (2008, p. 107), pautada no pensamento de Gramsci, apresenta a

concepção em torno da necessidade de a classe trabalhadora atingir sua

hegemonia, para isso, no entanto, é necessário que a vontade coletiva seja colocada

para a classe dirigente. Conforme Gramsci, na construção da hegemonia, destaca-

se o papel do partido político e, nesse sentido, ele cumpre o importante papel de

166

porta-voz da sociedade, encaminhando as questões e demandas trazidas pela

população, além de contribuir para a uma revolução cultural e para o

desenvolvimento de uma nova cultura. Segundo Montaño e Duriguetto (2010, p.

248), os partidos [...] “têm por vezes o objetivo ou a função de ser um complemento

das lutas de classes dos movimentos clássicos (somando-se a essas lutas), e outras

vezes são vistos como alternativos aos movimentos de classe tradicionais e aos

partidos políticos de esquerda (substituindo tais lutas)”, mas ao certo, traços da

cultura política tentam influenciar as ações políticas e espaço do controle social por

ações assistencialistas ainda permeadas pelo coronelismo/paternalismo.

O depoimento de Carlos sintetiza muito bem a concepção do que se

entende por controle social, principalmente em relação ao diálogo com os agentes

externos, como partidos e movimentos sociais. Ainda nesse aspecto, tendo em vista

as relações sociais no âmbito do controle social, outro depoimento fecha o que vem

a ser esse espaço: “Vejo a disputa com muita naturalidade, tem que haver o embate

[...] é por isso que é necessário que haja controle social” (Carlos – segmento de

usuários).

6.5 Tomadas de decisão no controle social

Para que o controle social de fato ocorra, e para um bom desempenho

dessas atribuições e responsabilidades dos conselheiros, que são agentes públicos,

faz-se necessário um conjunto de conhecimentos e habilidades específicas. Tendo

isso em vista, foi perguntado aos conselheiros: “Como são tomadas as

decisões?”. Tal pergunta parte do pressuposto de que os conselheiros no exercício

de suas atribuições necessitam de informações que subsidiem a tomada de

decisões e que de fato possam interferir nos rumos do controle social.

O processo de tomada de decisões pode ser considerado a etapa mais

tensa do controle social, existindo a necessidade de que toda decisão deva passar

por dois vieses: o primeiro, de análise técnica, uma vez que o que foi decidido em

tese deve ser “realizada por meio de estudos específicos que procurem analisar

aspectos como relevância, eficiência, efetividade, resultados, impactos ou a

sustentabilidade de programas e políticas, de acordo com aquilo que foi definido em

seus objetivos” (VAITSMAN; PAES-SOUZA, 2008), bem como no viés político, ao se

167

pautar nos princípios universalizantes da política pública, daí o seu caráter político.

Nesse sentido, alguns desses aspectos podem ser percebidos no relato da

entrevistada:

Nos primeiros tempos o conselho era mais pacífico. Ele acabava se submetendo a propostas de gestoras sem muita análise, porque era o momento que a pessoas estavam experimentando o conselho. Hoje a sociedade civil é ativa dentro do conselho, não só os trabalhadores, como os usuários, as entidades, as que mais participavam nesse primeiro momento eram as entidades, que a política de assistência foi construída a partir dessa história da filantropia. As entidades estavam nesse meio, elas tinham participação muito próxima do gestor, porque elas inclusive dependiam de financiamento do gestor, aí nós fomos mudando esse modo de participação. A gente interfere, intervém, questiona, nos unimos para fazer análises, e eu entendo que há uma responsabilidade muito grande nesse processo que está sendo construído, especialmente do trabalhador e do usuário, então a gente tem isso como se fosse um pacto. Toda vez nós estamos muito ligados, nós trabalhadores estamos bem ligados, bem atentos, bem na escuta do usuário (Sandra – segmento de trabalhadores).

Como podemos perceber nesse relato, existe o esforço dos trabalhadores

e usuários para desvendar as dimensões técnicas do controle social, bem como de

delinear os aspectos políticos em torno da tomada de decisões, ou seja, existe a

intencionalidade de romper com a cultura hierarquizada, conforme podemos localizar

em outro depoimento:

O gestor apresenta uma proposta, geralmente é assim. Nós discutimos sobre a proposta do gestor, deliberamos e falamos de financiamento nos planos orçamentários no PPAG [Plano Plurianual de Ação Governamental], nas conferências. É um conselho que delibera sobre a política, então essa é a grande importância que ele tem. Ele não é um conselho que é consultado por política. Ele delibera sobre ela. O principal desafio é pensar a definição da ação e etc. Está também responsável pelo controle social da execução da política pública da assistência social. [...] (Fernanda – segmento de trabalhadores).

Naturalmente, a tomada de decisões pode criar conflitos, nesse sentido,

um dos princípios para o fortalecimento da democracia participativa é o “controle

democrático”, ou seja, a ampliação da participação da sociedade civil nas decisões

públicas e, ao mesmo tempo, a busca para que esses sujeitos tenham subsídios

para compreensão da matéria que está sendo discutida, planejamento e

organização diante da tomada de decisões. No caso de Belo Horizonte, é bastante

singular a organização dos segmentos representativos de usuários e trabalhadores,

mesmo assim, apresentam-se alguns problemas, conforme podemos identificar:

Existem decisões que já foram tomadas e elas vão atrás da chancela do conselho entendeu? Então são situações diferentes, existem situações onde elas já tão predefinidas. Então elas vão até o conselho e buscam a chancela do conselho, se você não for hábil suficiente para perceber isso acaba se envolvendo no outro processo, que é o de não participar, mas fingir que tá

168

ali participando, entendeu? Então assim, existem questões que são pertinentes, são colocadas de forma bastante pertinentes, são apresentadas, quando há uma dúvida são respondidas, tentam ser sanadas para que o conselho possa acatar aquilo ou não (Caio – segmento de entidades).

Esse depoimento reforça a hipótese de que a postura pouco democrática

do Estado tem dificultado o efetivo controle social da política pública, bem como a

real participação da população nos espaços de decisões políticas no âmbito da

gestão pública. Trata-se de uma tradição histórica contrária à radicalização da

democracia. Segundo Nogueira (1998), o próprio Estado deixou de contribuir para a

autoorganização da sociedade, priorizando uma cultura política antidemocrática.

Essa cultura pressupunha um espaço público regulado pelo Estado, mesmo que

ocupado pela sociedade civil, de forma a levar o país a conviver com “baixas taxas

de predisposição democrática e instituições representativas pouco operantes”

(NOGUEIRA, 1998, p. 222).

Outro relato mostra como esse processo é operacionalizado no cotidiano:

Normalmente as decisões são tomadas dentro das comissões, mas existem articulações paralelas, existem, elas existem sim, certo ou errado, feito da maneira adequada ou não, mas existe, porém é nas comissões que acontece as disputas, quando é trazido pra plenária isso já tá bem mais resolvido lá. Os atores que participam do conselho estão muito esclarecidos nesse sentido e não permitem que na hora das decisões, na hora dos encaminhamentos esses poderes individuais se sobressaem. No momento da plenária sempre existe muito questionamento (Jéssica – segmento de entidades).

No processo democrático, é esperado que aconteçam a negociação e

administração dos conflitos de interesses, bem como o desenvolvimento das

deliberações políticas e da ocupação dos espaços públicos, pois é dessa forma que

se abre um campo de possibilidades para a superação de posturas autoritárias e

para viabilizar uma gestão pública democrática.

Nesse contexto político, o debate sobre o orçamento público ganha maior

visibilidade, conforme podemos localizar no relato do entrevistado:

Temos problemas que são visíveis, não basta vim aqui pra participar. O representante do governo vem aqui com a proposta do orçamento já definido, definido lá [...] na Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social] e o conselho simplesmente protocola, discute muito pouco, ou quase nada em torno dessa matéria, possivelmente pelo fato de que a maior parte dos conselheiros representantes da sociedade civil não detém esse conhecimento, orçamento é um negócio complexo (Alex – segmento de entidades).

No que se refere às decisões do orçamento público, este não pode ser

objeto de debate restrito, mas deve ser submetido ao olhar de todos os

169

interessados, garantindo a sua dimensão política, na medida em que o projeto de

interesse coletivo ganha maior visibilidade.

Conforme Anhucci e Suguihiro (2013, p. 145), a falta de conhecimento e a

ausência de informações sobre o ciclo orçamentário, as fontes e a alocação dos

recursos financeiros têm sido apresentadas como um dos fatores que dificultam o

debate político sobre o assunto. Há ainda, grande resistência por parte dos gestores

públicos em disponibilizar as informações, principalmente vinculadas aos recursos

públicos.

Ainda sobre as formas como são tomadas as decisões, uma das

entrevistadas acrescenta:

[...] Não chega a ser uma grande mobilização, eu acho que vai muito mais na negociação, porque mobilizar talvez fosse, você convidar mais pessoas, querer que mais pessoas estivessem naquela plenária, que aquela discussão fosse uma discussão forte, interessante com muitas ideias contrapondo. Isso não acontece muito. [...] a gente não discute questão de conteúdo, fica muito a desejar a mobilização e o conteúdo, como mobilizar para participação no conselho? Porque no conselho não acontece essas discussões, onde nós vamos discutir as coisas que são importantes pro conselho? Não acontece isso, nós vamos lá só pra votar (Fernanda – segmento de trabalhadores).

Essa afirmativa recai sobre a complexidade em que vêm se tornando os

espaços democráticos que, por vez, trazem características da formação social

brasileira em não se apropriar dos espaços públicos. Essas características são, em

parte, fruto de uma estrutura social e política que historicamente limitou o acesso da

população às decisões políticas. No entanto, na contemporaneidade, esse aspecto

traz questionamentos em torno da capilaridade dos conselhos como espaços que

objetivam democratizar a coisa pública, pois o não reconhecimento do espaço dos

conselhos como instâncias de participação, formulação, deliberação, monitoramento

e, fundamentalmente, do exercício de controle social sobre o Estado, na definição e

alocação de recursos financeiros investidos em políticas sociais, compromete a

construção da perspectiva democratizante do Estado brasileiro.

Dadas essas características, ainda o depoimento a seguir ilustra as

dificuldades em torno da construção de uma cultura participativa pautada em

critérios técnicos e políticos:

A gente parlamenta, a gente conversa, eu digo por que eu não concordo e digo por que eu concordo. Aprendi que o que é bom pra mim muitas das vezes não é bom para meu irmão, então cabe ao meu coração decidir, o meu modo de pensar é assim. Se eu não tenho estudo, o meu coração receberá a orientação do Espírito Santo. Pra mim é a primeira coisa, se meu coração diz que sim e o Espírito Santo diz que sim, eu vou julgar (Hudson – segmento de usuário).

170

Conforme exposto, mesmo no contexto da construção do Estado laico,

ainda persiste na cultura a influência dos valores religiosos nos espaços

democráticos, principalmente os valores de Igrejas com orientação pautada no

cristianismo. Isso implica a tomada de decisão, tendo em vista a formação religiosa

do conselheiro, remetendo também à percepção do poder que a Igreja tem em

influenciar a vida das pessoas em diversos aspectos por meio de sua teoria e pelo

uso da fé.

Espera-se, porém, que o conselheiro, como agente público, tenha

discernimento no processo de tomada de decisões e que o seu conteúdo subjetivo

não sobressaia ao agir político.

Situações como essa demonstram a necessidade de se proporcionar na

formação dos conselheiros – na modalidade de cursos para conselheiros – um

arcabouço teórico-metodológico que permita ao sujeito adquirir alternativas de

intervenção que não se limitem às práticas cristalizadas pela dimensão da fé.

6.6 Processos de comunicação nos espaços de controle social

As novas formas de relacionamento entre Estado/sociedade, configurada

através dos canais institucionais de participação como espaço de decisão e de

negociação de interesses, na gestão da política de assistência social exigem

estabelecimento de estratégias de comunicação das informações bem eficientes. A

comunicação entre os conselheiros é fundamental para o diálogo democrático, sem

imposição de vontades de interesses particularistas. Os conselheiros podem

produzir possíveis consensos do que é relevante comunicar e informar, como

também, no que diz respeito ao como se comunicar e se informar adequadamente.

Foi solicitado aos entrevistados que falassem se são ouvidos ou não nas reuniões e

plenárias.

Em alguns momentos sim, em outros não, por algumas pessoas, mas isso muito mais na marra. Agora eu vejo que o conselho tem uma fragilidade em relação aos conselheiros mesmo. Quem tem mais informação acaba sendo mais ouvido dentro do conselho. Como a gente tem pouca gente com informação, principalmente na área da sociedade civil, então aqueles que têm mais informação são mais ouvidos. Eu não posso reclamar. Eu acho que as pessoas me ouvem. A gente consegue se organizar em pequenos grupos e levar determinadas questões mais fechadas pra as plenárias. No momento que a pessoa se coloca, em geral as pessoas são ouvidas, elas têm um espaço para se colocarem, mas o que você vai fazer com o que ela trouxe que é a grande questão. Ela traz a questão, é registrado em ata e fica por isso mesmo. Eu acho que você não consegue encaminhar o que as pessoas trazem na plenária (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

171

A entrevistada identifica que existe uma fragilidade por parte dos

conselheiros, pois quem dispõe de mais recurso argumentativo consegue uma

adesão maior em relação aos que dele não dispõem. Esses conselheiros tornam-se

referência, são ouvidos, seus argumentos em grande medida contribuem para a

tomada de decisão. A entrevistada localiza esta fragilidade nos segmentos da

sociedade civil. O depoimento a seguir reafirma a mesma fragilidade desses

segmentos.

Percebo, que o usuário no campo do conhecimento técnico e da legislação normalmente possui fragilidades, e por isso, às vezes a gente percebe que o usuário fica sem um entendimento, daí não consegue fazer uma defesa qualificada [...] (Alex – segmento das entidades).

Nas discussões, prevalece a posição da maioria, segundo os

entrevistados, todavia reconhecem a existência de artifícios que manipulam ou que

obstaculizam o direito à manifestação, contribuindo para a promoção de consensos

entre os conselheiros. O diálogo aberto às diversas formas de pensar é fundamental

para estabelecimento de um espaço plural e democrático. A necessidade de se

produzir consensos é uma estratégia muito utilizada por aqueles segmentos que

necessitam implementar seus projetos e conseguir a adesão da maioria. A

existência do uso de práticas manipuladoras, seja pela coação, seja pela produção

de consensos para fins particulares, é um retrocesso às conquistas de espaços

democráticos, segundo o depoimento do conselheiro Carlos, representante dos

usuários:

O que que prevalece é sempre a maioria, e a maioria eu acredito que está voltada pra coletividade, pra sociedade. Se não fosse assim, a gente não teria interesse de participar, às vezes tentam manipular a gente, alguns acham que não temos o direito de se manifestar e que tem que concordar com tudo que é imposto, isso não é uma democracia, é ditadura, mas a maioria prevalece (Carlos – segmento dos usuários).

O depoimento a seguir revela a existência de uma orientação prévia para

abstenção do posicionamento, tendo em vista a conjuntura. Quando é oportuno

manifestar-se e quando é necessário calar-se. Em outras palavras, assim como a

omissão e o silêncio são sinônimos da pouca informação ou baixa capacidade de

argumentação de alguns conselheiros, é medida estratégica utilizada por outros.

Sim, o que acontece é que eu tenho um grupo de trabalho na entidade. Por ser representante de instituição, acontece que o meu posicionamento é delineado pela minha superintendente. Tenho colegas também da mesma instituição com representação em outros conselhos, então tem momentos que eu sou orientado a me abster, é verdade, tem momentos que eu gostaria de falar não, bater o pé. Tem momentos que o nosso grupo de

172

trabalho entendeu que como representante da entidade tenho que me abster como tem momentos que eu tenho que levantar bandeiras em defesa da entidade, do trabalhador, do usuário e em outras contrarias ao gestor. A gente faz, aprova, abaixa a cabeça, aceita, mas em função de uma orientação de um grupo de trabalho que eu tenho. Isso é lícito, não é ilícito. [...] (Alex - segmento das entidades)

O jogo político no controle social depende de como ali funcionam os

núcleos de poder e de que maneira ocorrem as interações entre as representações.

Nesse sentido, o que se pretende problematizar é a relação do poder na dinâmica

interna dos conselhos e como os processos de comunicação podem contribuir para

a reiteração de modelos antidemocráticos de participação ou para o fortalecimento

de uma democracia verdadeiramente participativa. A visão dos conselhos como

instâncias inócuas, homologatórias de convênios de entidades, pode moldar os

processos comunicacionais, com vistas à reiteração de uma ordem, ou ela pode ser

emancipatória e democrática e, nesse caso, busca processos que estejam em

consonância com esses pressupostos para implementar mudanças.

A comunicação, como instrumento de reiteração ou de transformação,

expressa como as relações se estabelecem para qual projeto que se queira produzir

hegemonia e o consenso da maioria. Os conselhos são arenas de embates entre

diferentes forças que nem sempre conseguem separar claramente o interesse

público da política de grupos específicos. As discrepâncias materiais e simbólicas da

sociedade se reproduzem nos conselhos, comissões regionais e locais e podem

reiterar a verticalidade do poder, dificultando a comunicação entre seus membros. O

depoimento a seguir tenta explicitar essas questões em torno da comunicação como

mecanismo de poder e as estratégias adotadas pelos segmentos da sociedade civil

para superá-las no âmbito da comunicação.

Acredito que sim, como representante de trabalhadora, acho que as pessoas tem o trabalhador como referência. E nós trabalhadores entendemos como é essa referência. Nos associamos aos usuários que também é uma referência muito importante. Essa associação é importante, e como os demais segmentos, no que tá bom e no que deve acontecer a gente tá sempre junto. Então eu acho que esse envolvimento, essa participação tem sido respeitada, tem sido ouvida, é bem respeitada e a partir dela surgem várias reflexões, tem pessoas que tem uma capacidade de discussão, de argumentação muito importante dentro do conselho [...] (Sandra – segmento dos trabalhadores).

Destaca-se, com este depoimento, que as assimetrias sociais e

simbólicas, ou seja, o grau de informações, experiências e de conhecimentos dos

diversos atores tem forte impacto nos processos comunicacionais do conselho,

tendo em vista a origem social, as capacidades e habilidades dos conselheiros, os

173

diferentes interesses dos quais são porta-vozes e a maneira como entendem o

controle social. Dentro do princípio de que nenhuma prática social ou política esteja

isenta de processos comunicacionais permeados pela existência ou ausência de

informações, esses definidores de comportamentos conseguem aglutinar pessoas

em torno dos consensos. A participação de cada conselheiro será proporcional

apenas àquilo que se coloca dentro do seu horizonte social, quer delimitando ou

potencializando sua atuação e a sua forma de comunicação.

[...]. (As outras pessoas) nem sempre (são ouvidas). Eu acho que a pessoa que não participa muito, ou não tem muito interesse, ela fica até sem saber se ouve ou se não ouve, porque muitas pessoas vêm só por interesse e outras ficam apáticas, então uma pessoa que não se pronuncia e vai pronunciar (ela) até duvida, não dá devida importância (Roberta – segmento dos usuários).

Na tentativa de identificar fatores que impedem o desenvolvimento dos

processos de comunicação nos espaços dos conselhos, foi perguntado aos

entrevistados como eles ficam sabendo das reuniões e plenárias agendadas

previamente. Pelas respostas, pode-se observar que esse contato é permanente e

ocorre de várias formas, seja por correspondência, e-mail ou telefone. A grande

maioria dos conselheiros é coerente nesse sentido, todavia falhas são apontadas

por um dos entrevistados, que destaca a falta de acesso à memória das reuniões,

bem como apresentação dos textos resoluções de maneira mais organizada. Mesmo

com avanço da tecnologia, que deveria facilitar o acesso dos conselheiros às

informações, ainda se encontram dificuldades para atingirem seus destinatários.

O chamamento das reuniões do CMAS acontece por telefone e mensagem eletrônica, quase não falha. A única comparação a fazer é com o CNAS [Conselho Nacional de Assistência Social] que lá, após as plenárias, imediatamente recebemos uma memória da reunião, o texto de resolução, bem organizado, no outro dia tá no seu e-mail. No meu caso né, chega pra gente e imediatamente começo a repassar pra nossa rede (Alex – segmento das entidades)

É importante ressaltar que existe o esforço de alguns membros dos

conselhos para acessarem a pauta com antecedência, com vistas à aquisição do

conhecimento do que será discutido nas reuniões e plenárias. Esta é uma estratégia

adotada cotidianamente pelos segmentos dos usuários com o apoio dos

conselheiros do segmento de trabalhadores. As reuniões antecipadas para os

devidos esclarecimentos fortalecem o posicionamento mais afinado desses

segmentos.

174

O acesso às informações, às decisões discutidas em reuniões e

plenárias, às pautas antecipadas é uma das medidas para o rompimento de

processos assimétricos de comunicação que privilegiam grupos específicos. O

acesso à informação e a promoção do diálogo são elementos constitutivos do

processo comunicacional, que pode ser manipulado e modificado para fins

específicos garantindo a realização de projetos particulares ou também para

produzir o compartilhamento de sentidos, fazendo com que tudo que vem a público

possa ser democratizado sem privilégios de poucos, mas em favor do debate aberto,

horizontal e plural.

Impossibilitada a comunicação, em razão das assimetrias no acesso às

informações, predomina uma situação de não comunicação ou comunicação parcial,

em que a reciprocidade de atos e palavras tenha pouca consistência e aderência.

6.7 A formação de conselheiros para o controle social

Os conselhos de políticas públicas são importantes instâncias para a

materialização do princípio constitucional de gestão democrática e participativa. O

direito à participação é condição fundamental para o exercício da cidadania,

cabendo ao Estado proporcionar as condições necessárias para a plena efetivação

desse exercício.

Os depoimentos apresentados a seguir têm a intenção de ilustrar a

importância dos processos formativos para os entrevistados, em relação à formação

de uma cultura política e participativa dos integrantes do conselho de assistência

social, das CORAS e das CLAS.

Uma das questões relevantes para esse debate diz respeito à forma como

os entrevistados compreendem a importância da formação política para uma tomada

de consciência como sujeitos políticos. Qual a contribuição que os processos

formativos podem oferecer para construção e para o fortalecimento de uma cultura

política e qualificação da participação dos conselheiros nos fóruns, conselhos e

comissões?

[...], eu penso que em relação ao conselho, em relação ao controle social, o grande problema é a ausência de qualificação política. Os conselhos são uma necessidade, um mecanismo de controle importante, mas ele perde e muito na sua importância porque as pessoas que estão lá, não estão qualificadas politicamente pra fazer o controle social (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

175

Essa entrevistada destaca que a grande fragilidade dos conselheiros está

na ausência de formação política mais qualificada. A falta de informação sobre a

importância desses espaços contribui para a não percepção, inclusive do papel do

conselheiro. Ela afirma que as capacitações de conselheiros em que já participou

apresentaram fragilidades, uma vez que não conseguiram contemplar conteúdos

mais políticos, prendendo-se a questões meramente técnicas.

O curso é meramente técnico, ele não discute politicamente o rumo da política de assistência social e os estrangulamentos. Eu tive oportunidade de passar por todos, eu falo com muita propriedade. Faço a crítica com muita propriedade. Você discute o que a política, pra que a política é formada, pra que a política serve, mas você não discute as questões que são extremamente importantes para a política. Que rumo que a política tá tomando, quais questões estão envolvidas nessa política, em relação à ampliação dos direitos sociais (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

Além disso, segundo a entrevistada, questões como o orçamento e

formas de sua ampliação, as implicações para implementação das políticas públicas

na perspectiva da ampliação e garantia dos direitos sociais, a importância da

interlocução entre as mais diversas políticas, os conteúdos éticos e políticos,

deveriam ser, mas de um modo geral não são, contemplados em cursos de

capacitação – a ênfase é dada à dimensão técnica do conselheiro.

A gente precisa de saber que a (assistência social) está amarrada à política econômica, política de saúde. Essas questões elas não saem nas capacitações (Fernanda – segmento dos trabalhadores).

Sandra já considera que as experiências vivenciadas em outros espaços

de militância constituem o diferencial da participação do conselheiro, porém ela

ressalta que a formação permanente dos conselheiros é essencial, tendo em vista

as especificidades e a complexidade desses espaços. Destaca ainda que não há

uma formação consistente no âmbito da política de assistência e que os cursos

oferecidos são frágeis e segmentados, contribuindo em grande medida para uma

formação conformista sem grandes problematizações ou contrassensos.

A luta educa com certeza claro que tem o conteúdo de pensamentos de teorias que ajudam muito, mas às vezes você pega essa teoria, tem que fazer uma transformação na hora que você vai lidar com ela. Na verdade eu posso dizer que estar junto do seu coletivo se capacitando para atuar, é fundamental. Tanto para atuar naquela política pública como para atuar como ser político. Só que ela é uma construção, que até hoje, apesar da gente tá vivendo uma democracia, ela é uma ameaça. [...]. Nós não temos um plano de capacitação consistente na assistência. A gente tem batalhado com ele, mas ele é pontual segmentado. [...] será que ali tem conteúdo que trabalhe as questões sociais, que trabalhe a dimensão política desse ser político que é o trabalhador. Não tem. Ele vai lá conhecer uma estrutura que funciona, um sistema que já é dado pronto para ele adequar-se. Aquela ideia que ele vem para se adequar, e não o sistema adequar-se a uma

176

proposta nova que surge aí nesse grupo. Isso que eu percebo com que a gente faz a nossa formação, certo? Ela é falha, algumas pessoas saem puxando isso no seu próprio caminho. [...] É preferível evitar do que abrir uma grande discussão, aprofundar problemas (Sandra – segmento dos trabalhadores).

Caio, representante das entidades, corrobora o depoimento de Sandra e

destaca que a experiência de cada sujeito é importante, entretanto ela não é

suficiente para captar a complexidade da realidade dos conselhos. Embora ele não

tenha frisado a importância das discussões em torno da dimensão política nos

processos formativos, destaca que há problemas a serem compreendidos na relação

entre Estado e sociedade civil, e que os cursos em que já participou não

conseguiram contemplar este debate.

Quando a gente fala em formação, penso que cada um ali traz uma experiência que é importante para o conselho, mas existe a necessidade de uma visão técnica, exige formação. Percebo que no CMAS sempre é informado a oferta de cursos do gênero, o problema é que esses cursos só estão aparecendo agora na reta final do mandato, deveria aparecer no início. [...] Também vejo problema em torno do conteúdo dos cursos, não vou dizer de todos, porque participei de poucos, mas dos poucos que participei achei frustrante, pois havia expectativa de iria me dar algum nível de informação e não deu. [...] Esses problemas [formativos] implicam diretamente na relação entre Estado e sociedade civil, uma vez que a participação da sociedade civil no conselho e bem diferente da participação do governo, primeiro porque a sociedade civil é voluntária, exige boa vontade, mas ao mesmo tempo, acho que a sociedade civil ainda tá se preparando, tomando consciência do que foi assumir esse papel, por isso que muitas vezes o governo acaba invadindo esse espaço que fica aberto

(Caio – segmento das entidades).

Discutir o caráter educativo e pedagógico da ação participativa traz

consigo a criação de um novo sentido para desempenho de uma nova práxis

política. Os processos formativos são fundamentais para ressignificar os sujeitos e

sua prática política, seus princípios e valores concernentes a uma práxis mais

coerente voltada para o fortalecimento dos espaços democráticos. Com base em

propostas educativas, os espaços de controle social podem contribuir para a criação

de uma consciência crítica e ampliação do sentido público da participação com

vistas à universalização das políticas sociais, bem como para rompimento de

práticas antidemocráticas que servem apenas aos interesses privados.

No controle social, duas lógicas (uma mais democrática e outra menos

democrática) coexistem e determinam os posicionamentos, as relações sociais e a

consciência política, que podem se materializar sob uma ou outra lógica. Em outras

palavras, a cultura política emergente, pautada em pressupostos mais democráticos,

pode influenciar e determinar os processos decisórios, entretanto a não

177

consolidação desses pressupostos nas instâncias do controle social podem também

promover as condições favoráveis para reiteração do que está posto.

Como sujeitos políticos e ativos, seja Estado, seja a sociedade civil e seus

segmentos, todos devem compreender que a constituição de um estado democrático

de direito é questão central para se consolidarem os princípios genuinamente

republicanos. Entretanto, essa responsabilidade não é prerrogativa exclusiva de um

ou outro segmento, mas é papel de todos e depende de cada segmento,

movimentos sociais e setores da sociedade, bem como o próprio poder público no

cumprimento da sua parcela de responsabilidade. Uma sociedade participativa,

capacitada para intervir nas decisões de alcance coletivo é condição essencial para

a consolidação desse estado democrático. Neste sentido, parte-se do pressuposto

de que uma formação de conselheiros deve ser capaz de problematizar as

complexidades dos diversos espaços de controle social e aprofundar sobre a forma

como as determinações mais gerais da sociedade impactam nos processos

decisórios e na dinâmica interna, bem como de contribuir para o desenvolvimento

das habilidades políticas dos conselheiros para que possam identificar e saber lidar

com os jogos de interesses, as correlações de forças, os diversos atores políticos, as

fragilidades e potencialidades que esses espaços possam ter.

178

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve por objetivo geral analisar como se expressa a

participação e a atuação da sociedade civil no âmbito do Conselho Municipal de

Assistência Social de Belo Horizonte - CMAS considerando as dimensões política,

operacional e ética. Ao finalizar este estudo, aprofundando um tema que não se

esgota em si, mas que instiga à continuidade da investigação em torno do assunto,

realizou-se o processo de pesquisa e construção desta dissertação, sob o

reconhecimento de que a participação e controle das ações do Estado pela

sociedade civil são resultado de um amplo processo de mobilização e participação

social de diferentes sujeitos da sociedade civil. Esse contexto sociopolítico de

redemocratização que foi (e ainda é) permeado por lutas e resistências, avanços e

recuos na defesa e garantia de direitos de cidadania, restabeleceu o Estado

democrático de direito e trouxe no plano formal-legal e político-institucional

inovações significativas.

No campo dos direitos sociais, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL,

1988) passou a reconhecer a assistência social como direito legalmente constituído

e, por meio de seus marcos regulatórios – Lei Orgânica de Assistência Social -

LOAS, de 1993 (BRASIL, 1993) e a Política Nacional de Assistência Social - PNAS,

de 2004 (BRASIL, 2004) – foi elevada ao estatuto de política pública.

Também trouxe como inovação no campo da ordem social as diretrizes

da participação social e descentralização político-administrativa que asseguraram a

instituição de espaços de participação popular na formulação, deliberação e controle

social das políticas sociais públicas.53

Embora a participação não seja algo recente nessa política, o marco de

inovação para a implantação do Sistema Único de Assistência Social – quando o

Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS aprovou a Norma Operacional

Básica do SUAS – estabeleceu um conjunto de regras que disciplinam a

operacionalização da Assistência Social e a transição do antigo para o novo modelo.

O Sistema Único de Assistência Social prevê um modelo de gestão

descentralizado e participativo, regulando e organizando as ações socioassistenciais

53

A participação popular e a descentralização na gestão das políticas que compõem o tripé da Seguridade Social (Saúde, Previdência Social e Assistência Social) foram regulamentadas no artigo 194 da CF/88 e, posteriormente, melhor detalhadas na Lei Orgânica das respectivas políticas (1990, 1991, 1993).

179

em todo país e, nesse contexto, além do estabelecimento dos níveis de proteção, o

SUAS deixa claro suas bases de referência. Entre elas, destacamos o papel do

controle social em fazer o acompanhamento da estrutura e funcionamento dos

programas, projetos, benefícios e serviços da política de assistência social.

Dessa forma, a participação ganha novos contornos ao se alinhar na

dimensão do controle social. A institucionalização desses espaços acontece,

principalmente, por meio dos conselhos e conferências, e estas tornaram-se

obrigatórias para a execução das políticas sociais.

É importante, porém, destacar que ainda existe um movimento que anda

na contramão da democracia, uma vez que no Brasil pós-anos 1980 intensifica-se o

acompanhamento às tendências de retrações dos investimentos públicos,

precarização dos serviços socioassistenciais e, atualmente, criminalização da

pobreza e dos movimentos sociais.

Dessa forma, no campo da pesquisa, o desafio consiste em desvelar as

contradições ideológicas e políticas e, ao mesmo tempo, localizar as possibilidades

em torno da construção de um Estado democrático atravessado por diversos

sujeitos, não isento das contradições e conflitos de interesses. Esse é o cenário em

que está inserido o Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS, que constitui

uma importante base de referência no processo de consolidação da participação

popular no controle social da política municipal de assistência social em Belo

Horizonte.

Esse processo exige uma participação qualificada da sociedade civil na

defesa, garantia e ampliação dos direitos sociais. Dessa forma, são exigidos que

esses sujeitos busquem por uma fundamentação teórica que não trabalhe o controle

social apenas como uma prática ou questão meramente técnica, mas que

compreendam todos os seus aspectos – político, ético, simbólico, o campo das

relações, as correlações de força existentes, os interesses e o jogos políticos e sua

própria dinâmica interna e burocrática.

É relevante destacar as considerações de Karl Marx e Engels (2009)

sobre a ordem social moderna, pautada no reconhecimento de que o Estado, do

ponto de vista da manutenção da sociedade burguesa, é uma instituição que tem

como função manter a ordem e os interesses de uma classe elitista. Este se torna

um espaço de luta de classes, permeado de contradições e forças políticas

antagônicas, na medida em que representam de forma desigual interesses do capital

180

e as conquistas históricas da classe trabalhadora e segmentos subalternos da

sociedade.

Outro aspecto relevante é o fato de que a concepção de sociedade civil

que tem prevalecido no debate contemporâneo é de inspiração liberal, ou seja, da

negação do conflito e das contradições que a atravessam. Nesse sentido, o controle

social passa a ser pensado como espaço de formação de consenso em torno da

agenda da gestão pública do Estado.

Dessa forma, é necessário trazer para o debate as contradições e

complexidades inerentes à sociedade civil, uma vez que ela também não é

homogênea, é fragmentária. As lutas sociais travadas nos espaços de controle

social não são da sociedade civil contra o Estado, não é esta a questão, mas é

necessário identificá-las e compreender a complexidade e o que está implícito e

explícito nos espaços políticos. Compreender que são contraditórios, porque

refletem as relações sociais da própria sociedade, refletem as correlações

hegemônicas e contra-hegemônicas existentes no contexto social. É o que sinaliza

Correia (2004) quando destaca que a sociedade civil deve ser compreendida como

totalidade social, com seu potencial transformador, pois nela também se processa a

organização dos movimentos sociais que representam não só os interesses das

classes subalternas na busca da “direção político-ideológica” mas também pelos

movimentos que vão à contramão desse processo.

O desafio de contribuir com o debate sobre democracia, participação e

gestão social na contemporaneidade oportunizou que se fizesse um enfrentamento

das próprias idealizações em torno dessas temáticas elaboradas quando da

elaboração deste estudo. Revisitar a história dessa experiência permitiu

compreender que o controle social não é um instrumento que, por si só, garanta

novas relações societárias fundamentadas em uma cultura política democrática e

participativa, mas é também o lócus para se pensar a representação como princípio

democrático e autônomo, por isso acredita-se que as ideias defendidas pelo

conselheiro devem ser coerentes com o segmento que o escolheu.

A representatividade do conselheiro, isto é, o reconhecimento e

legitimidade de suas representações, é um elemento importante, pois implica o

comprometimento dos conselheiros com as suas organizações de origem, a

realização de debates, consultas, repasse de informações, prestação de contas do

desempenho do mandato, consulta sobre as deliberações, articulação entre

181

representantes e representados para a construção da agenda de políticas sociais,

bem como a consolidação de compromissos políticos e éticos.

Os espaços de controle social são conquistas alcançadas com muitas

lutas, não isentos de contradições, mas repletos de conflitos e pontos de tensão. É

certo que nos conselhos, conferências, fóruns e comissões de políticas públicas

ainda persistem velhos ranços da cultura política brasileira, mas, mesmo com essas

marcas de um passado político que ainda persiste, a ferramenta da participação e

do controle social, compreendido como condição da gestão pública, tem exigido

tanto do Estado quanto da sociedade civil a adoção de um novo modelo de relação

entre os sujeitos políticos. A ampliação do espaço público de participação social tem

sua mais significativa expressão nos conselhos de políticas públicas, como lócus da

democracia.

Os depoimentos dos conselheiros foram decisivos para se compreender o

quanto esses espaços, longe de serem a mais perfeita experiência democrática que

já existiu, talvez seja o mais próximo do ideal de democracia que se pretende

alcançar. Não se pode, entretanto, perder de vista o quanto esses espaços ainda

precisam avançar em matéria de participação. Os desafios que ainda estão postos

mostram que tanto o Estado quanto a sociedade civil devem contribuir para

potencializar práticas democráticas de modo a influenciar as decisões políticas.

É preciso compreender as dinâmicas dos conselhos e de outras

instâncias do controle social e, tratando-se do objeto deste estudo, deve-se

considerar o que já foi possível alcançar. Em Belo Horizonte, com relação à política

de assistência social, várias propostas que foram feitas em nível municipal e que

têm consonância com a orientação nacional conseguiram alcançar bons resultados

para a efetivação da política na capital mineira, assim pensam os entrevistados.

Outro avanço é o fato de que o Conselho Municipal de Assistência Social

de Belo Horizonte está participando diretamente das discussões em torno do Plano

Municipal da política de assistência e seus afins, como o planejamento, o

diagnóstico, o financiamento, a consistência de determinados serviços, ações,

planos de capacitação permanente de trabalhadores da política de assistência

social, etc. São temáticas que já compõem a pauta do conselho. Cabe aos

conselheiros buscarem formação e capacitação para darem conta dessa discussão.

Assim pensam os entrevistados.

182

Na história das políticas sociais no país, o controle social se apresenta

como maior instrumento de defesa da cidadania, o que significa a sociedade

participando na luta pela democracia, qualidade de vida e defesa de uma política

pública transparente, com ações de acompanhamento e fiscalização por parte da

sociedade civil, tendo em vista a garantia do acesso aos serviços socioassistenciais

oferecidos por uma política que seja universal e afiançadora dos direitos sociais.

Foi possível observar nas entrevistas a percepção dos conselheiros

quanto ao seu papel e sua importância no controle social, porém alguns acreditam

que ainda é necessário mais esclarecimento sobre a questão. As relações sociais e

políticas, questão amplamente debatidas pelos entrevistados, vêm mostrar como a

prática do diálogo entre os diversos segmentos do Estado e da sociedade civil traz

resultados positivos. Segundo Fernanda, uma das entrevistadas, representante do

segmento de trabalhadores, as discussões com o gestor têm sido mais abertas e

profícuas.

Entretanto, os conselheiros têm plena consciência de que a luta não

findou e existem ainda alguns desafios que precisam ser encarados e superados.

Um deles diz respeito à própria força política do conselho. A entrevistada Fernanda

acha que é preciso fortalecer essa instância politicamente para que ela consiga

exigir ações eficazes do poder público e também dar mais visibilidade às demandas

que este traz em favor da política de assistência social, para que todos tenham

conhecimento da realidade, de tudo que já se produziu sobre e no CMAS, o que já

foi possível avançar e conquistar, o que ainda precisa ser construído e o que já foi

superado.

Alguns apontamentos necessitam ser observados, frutos da leitura das

informações coletadas nas entrevistas, à luz de todo o referencial teórico trabalhado

neste estudo.

O primeiro apontamento é a ideia muito disseminada de que os espaços

de controle social foram cooptados pelo Estado e por isso precisam ser

abandonados pelos movimentos sociais. Na verdade, essa questão bastante

delicada não pode ser ignorada nos debates internos do conselho, deve-se

problematizar sobre a participação dos movimentos sociais e da própria sociedade

para desconstruir essa falsa concepção. É preciso compreender que esses espaços

não são mecanismos acima da sociedade nem são instâncias isoladas imunes aos

conflitos de interesses, cooptação e disputas da direção da política social,

articuladas a projetos societários, mesmo que isto não esteja explicitado.

183

O segundo apontamento é que se defendem os conselhos como únicos

espaços de luta para a conquista de mais poder dentro do Estado. Embora não

sendo tratados amplamente por todos os entrevistados, muitos deles ressaltam

como é importante trazer a sociedade para as discussões, fortalecer outros espaços

de participação e fomentar o debate político com toda a sociedade civil.

Tendo em vista esses pontos, é possível delinear algumas proposições

que podem ser potencializadas e materializadas para o fortalecimento do controle

social da política de assistência no município de Belo Horizonte, quais sejam:

respeito à autonomia e independência dos movimentos sociais perante

a gestão, além do fortalecimento de sua capacidade de mobilização e

participação social, com a criação de mecanismos alternativos para a

discussão de movimentos sociais, como o de mulheres, movimentos

que atuam na defesa do idoso, da criança e do adolescente, juventude

etc., tendo-se em vista que a efetivação do controle social pela

sociedade está para além da atuação dos segmentos sociais no

espaço institucional dos conselhos e requer a articulação das forças

políticas que representam os interesses das classes subalternas em

torno de um projeto para a sociedade, que tenha como horizonte o

rompimento com a sociabilidade do capital;

permanente diálogo entre as instâncias do controle social da política de

assistência em âmbito municipal, estadual e federal, por meio dos

próprios conselhos, fóruns, comissões etc. para construção de agendas

conjuntas, com propósitos comuns;

solidificação de uma agenda de lutas em torno de políticas sociais

universais, com assistência de qualidade que atenda as demandas da

sociedade.

O controle social é a esfera pública pautada pelo debate democrático pela

interação entre o Estado e a sociedade, e esse diálogo não se efetiva pelo

consenso, mas na diversidade de ideias, de interesses e de posicionamentos. É

nesses espaços que os indivíduos interagem uns com os outros, debatem as

decisões tomadas pelos gestores, apresentam demandas e discutem o caráter

moral, cívico e político das ações que impactarão positiva ou negativamente sobre a

vida das pessoas; daí o seu caráter inovador e ao mesmo tempo desafiante no

processo de construção da democracia como valor universal.

184

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APÊNDICE 1 – PROJETO DE INTERVENÇÃO CAPACITAÇÃO DE CONSELHEIROS MUNICIPAIS E AGENTES SOCIAIS NO CONTROLE SOCIAL DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 - CF/88 (BRASIL, 1988), conhecida como

“Constituição Cidadã”, é resultado de um amplo processo de mobilização e

participação social de diferentes sujeitos, entre eles a sociedade civil. Esse contexto

sociopolítico de redemocratização que foi (e ainda é) permeado por lutas e

resistências de avanços e recuos na defesa e garantia de direitos de cidadania

restabeleceu o Estado democrático de direito e trouxe no plano formal-legal e

político-institucional inovações significativas.

No campo dos direitos sociais, a CF/88 (BRASIL, 1988) passou a

reconhecer a assistência social como direito legalmente constituído e, por meio de

seus marcos regulatórios – Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, de 1993

(BRASIL, 1993) e a Política Nacional de Assistência Social - PNAS, de 2004

(BRASIL, 2004) – foi elevada ao estatuto de política pública.

Ela também trouxe como inovação no campo da ordem social as diretrizes

da participação social e descentralização político-administrativa, que asseguraram a

instituição de espaços de participação popular na formulação, deliberação e controle

social das políticas sociais públicas.54

A constituição dos conselhos gestores das políticas sociais públicas nas três

esferas governamentais (Federal, Estadual/Distrital e Municipal) materializou as

diretrizes estabelecidas na normativa constitucional, tornando-se canal de

participação, formulação e deliberação sobre as políticas públicas. A dinâmica dessa

participação nesses espaços públicos (dos conselhos gestores) está

permanentemente marcada por determinações estruturais, lógicas de atuação,

concepções e projetos políticos distintos que se confrontam constantemente, tendo

em vista sua composição paritária de representantes da sociedade civil e do poder

público estatal (GOHN, 2008).

54

A participação popular e a descentralização na gestão das políticas que compõem o tripé da Seguridade Social (Saúde, Previdência Social e Assistência Social) foram regulamentadas no artigo 194 da CF/88 e, posteriormente, melhor detalhadas na Lei Orgânica das respectivas políticas (1990, 1991, 1993).

199

No âmbito municipal, em Belo Horizonte, a política de assistência social tem

como órgão de deliberação colegiada o Conselho Municipal de Assistência Social -

CMAS, criado por Lei Municipal no 7099/96 (BELO HORIZONTE, 1996). Além da

competência de deliberar sobre a política municipal de assistência social, compete

ao órgão instituir e regulamentar o funcionamento das Comissões Locais de

Assistência Social - CLAS,55 “instâncias de caráter consultivo que têm a mesma

função de sugerir diretrizes, acompanhar e fiscalizar a implantação da política de

assistência social nas respectivas localidades” (BELO HORIZONTE, 1996 - artigo

18).

A representação da sociedade civil no Conselho Municipal de Assistência

Social - CMAS56 é composta por 20 membros, dentre eles nove são representantes

de usuários dos serviços de assistência social, sendo um de cada CORAS.

Essas Comissões, que seguem a divisão territorial administrativa das nove

regionais de Belo Horizonte, são compostas por representantes dos usuários dos

serviços de assistência social residentes na área de abrangência da administração

regional, o representante de cada Comissão Local de Assistência Social - CLAS e o

representante governamental da respectiva administração regional.

É certo que o caráter deliberativo está no CMAS-BH, porém os CLAS

formam um mecanismo estratégico importante que permite à sociedade civil – mais

especificamente aos usuários dos serviços da assistência social – participar

ativamente da definição e alocação dos recursos da política pública de assistência

social. Além disso, cabe a cada CLAS o papel de representante dos interesses da

coletividade, sendo necessária constante articulação e fluxo de comunicação com

outras CLAS e também com as Comissões Regionais de Assistência Social - CRAS

para que seja divulgado e discutido o que foi deliberado durante as atividades do

CMAS.

O controle social traz como novidade o protagonismo da sociedade civil,

sobretudo daqueles que são destinatários dos serviços da política municipal, para

decidir que rumos a política de assistência social deverá tomar no sentido de

55

Além dos CRAS, ou como é popularmente conhecido: CORAS, o CMAS é responsável também pela criação, regulamentação e funcionamento das Comissões Locais de Assistência Social - CLAS, instâncias sub-regionais, de caráter também consultivo, que “têm como função propor políticas e acompanhar a implantação das que forem aprovadas, nas respectivas regionais”. Todos são integrantes do Sistema Municipal de Assistência Social - SMAS (BELO HORIZONTE, 1996). 56

A composição do CMAS/BH é paritária, 40 membros titulares, sendo 20 representantes do poder executivo e 20 representantes da sociedade civil.

200

garantir os direitos sociais. Assim, o presente objeto de intervenção objetiva

apresentar uma proposta metodológica para capacitação de agentes públicos

municipais de Controle Social da Política de Assistência Social, em atendimento a

uma demanda histórica dos conselhos municipais em todo o Brasil, manifestada em

várias Conferências de Assistência Social. A especificidade desta capacitação será

na abordagem que acontecerá junto às Comissões Locais de Assistência Social -

CLAS como forma de incentivar contribuições no acompanhamento e fiscalização da

política de assistência social no município, nas respectivas regionais e sub-

regionais.

Por fim, é importante destacar que o presente projeto trata-se apenas de um

esboço em torno do conteúdo e estratégias para futuro desenvolvimento do curso de

capacitação de conselheiros municipais no controle social da política de assistência

social. Dessa forma, não tem por objetivo apresentar detalhamento em torno do

financiamento e procedimentos operacionais, mas sim de apresentar o conjunto das

ideias geradas após análise das entrevistas e pesquisa desenvolvida para a

dissertação denominada: “ASSISTÊNCIA SOCIAL, SOCIEDADE CIVIL, GESTÃO

DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA: desafios e possibilidades no controle

social da política municipal de assistência social de Belo Horizonte”.

A presente proposição objetiva desenvolver um curso de formação de

conselheiros e agentes sociais vinculados à área da assistência social em âmbito

local por meio das Comissões Locais e Regionais (CLAS/CORAS) com a

perspectiva pedagógica pautada na metodologia vivencial (exercício da cidadania),

dialógica (construção coletiva), reflexiva (pesquisa e reflexão), proativa

(protagonismo) e metacognitiva (pensar e repensar o que sabemos e como

sabemos) desenvolvendo competências pessoais e sociais.

Para o desenvolvimento, busca-se análise crítica ou o ensino do pensar

criticamente em torno do conteúdo programático proposto para potencializar uma

ação reflexiva em torno do controle social. Nesse processo, a referência é pautada

na construção de referências e materiais didático/pedagógicos, numa perspectiva

ético-política, uma vez que estrategicamente busca fazer o enfrentamento da

racionalidade instrumental e valorizar a racionalidade crítica como fundamento para

a formação emancipatória.

Busca-se observar as especificidades do campo da gestão e do controle

social e seus desdobramentos no território do município de Belo Horizonte,

organizando uma rede de colegiado educador na formação de conselheiros e

agentes sociais, compostos por Comissões Locais/Regional, Conselho Municipal de

201

Assistência Social, Gestor, instituições formadoras de recursos humanos na área da

assistência social, entidades e organizações do movimento popular.

JUSTIFICATIVA E METODOLOGIA

Partimos do princípio de que a participação e o controle social são

instrumentos substanciais na gestão das políticas sociais, mas a realidade nos

impõe questionamentos quanto às mudanças relativas às bases de relação entre

Estado e sociedade civil. Quanto ao potencial do controle social exercido por meio

dos conselhos de assistência social, o que os configura como mecanismos de

mudanças reais na política de assistência social brasileira e, consequentemente, nos

serviços da rede socioassistencial e na política de assistência social como política

afiançadora de direitos sociais, para acompanhamento dessas mudanças, faz-se

necessária a formação continuada dos diversos sujeitos envolvidos nessa dinâmica.

O controle social é uma diretriz da Política de Assistência Social e está

também traduzido na gestão do Sistema Único de Assistência Social - SUAS,

constituindo-se como objeto de reflexões substanciais para a reflexão sobre a

relação entre Estado e sociedade civil. Por se tratar de uma prática dialética que

acompanha as contradições, as lutas, as mudanças e os movimentos da sociedade,

por depender das diferentes formas de relação entre Estado e sociedade civil, o

controle social apresenta-se como um objeto revestido de relevância social.

Pensando numa dimensão jurídica, não há como formular e implementar a política

de assistência social atualmente no Brasil sem se levar em consideração o controle

social. Pensando numa dimensão prática – em que as legislações deveriam ser

cumpridas – não há como não questionar o que se considera como controle social.

Nesse contexto, o papel da extensão universitária é inequívoco. Ela tem

possibilidade de fomentar uma relação de bilateralidade com o conselho municipal

de assistência social numa lógica de interação entre os conhecimentos acadêmicos

produzidos no interior da universidade e o saber popular construído em anos de

lutas pela democratização das relações sociais de poder no Brasil.

O desenvolvimento de atividades a partir da capacitação de conselheiros

municipais no controle social da política de assistência social deverá procurar

oferecer meios e instrumentos aos atores sociais e agentes institucionais para que

202

possam melhor compreender a realidade sobre a qual atuam e deliberam. A

indissociabilidade ensino-pesquisa- extensão e a interdisciplinaridade são princípios

expressos que estruturam essa proposta, reafirmando a extensão como um

processo acadêmico que possibilite aos estudantes universitários a aproximação

com temas e questões sociais relevantes para sua formação acadêmica e cidadã e

para ações de transformação da realidade social.

O desenvolvimento do presente projeto se dará por meio da coordenação de

extensão do curso de Serviço Social do Centro Universitário Una, tendo como

referência os princípios do curso e da área de Serviço Social: reconhecimento da

liberdade como valor ético central, defesa dos direitos humanos, ampliação,

fortalecimento e consolidação da democracia e da cidadania, equidade, justiça

social, respeito à diversidade, garantia do pluralismo de pensamento e articulação

de grupos e movimentos em prol da participação política para defesa e ampliação

dos direitos.

Atualmente, nessa unidade de ensino superior, vêm sendo desenvolvidos

diversos projetos de extensão universitária, porém, no momento faz-se necessário

destacar os projetos denominados “Liga Acadêmica de Serviço Social” e “Comissões

Locais de Assistência Social em Belo Horizonte (MG): esfera pública, participação

popular e gestão democrática”, já em andamento, que possuem uma construção

metodológica, bem como dados e informações relevantes que contribuirão de forma

direta para o desenvolvimento do presente curso.

Nesse sentido, o projeto se apresenta como uma possibilidade de reflexão,

formação e ação sobre o controle social, buscando outros ângulos, com um olhar

mais aprofundado, refinado e pautado pela teoria social. Essa busca pelo

conhecimento deverá retornar para uma prática mais fortalecida, com novos

elementos para a atuação, pois “[...] o que mais nos encanta na teoria e no método

marxiano é exatamente a profundidade da pesquisa intrinsecamente relacionada e

direcionada para a realidade social e para as ações concretas com vistas à sua

transformação por investigações compromissadas com os temas e sujeitos

envolvidos nos estudos” (PRATES, 2004, p. 126).

Direito social, educação e desenvolvimento local são dimensões que não

devem se restringir ao crescimento econômico ou elevação do Produto Interno Bruto

- PIB, mas sim visar à democratização da administração pública e de fortalecimento

da gestão social. No entanto, a assistência social na sociedade brasileira é

203

historicamente perpassada por mediações que suprimem a noção de direitos

sociais. Essa característica tem a possibilidade de ser superada com a

implementação do SUAS, que veio dar materialidade e organicidade aos preceitos

constitucionais contidos nos artigos 203 e 204.57 Assim, o SUAS se caracteriza por

ser pensado como um sistema descentralizado e participativo, entendendo-se a

política de assistência social como política afiançadora de direitos sociais.

Na perspectiva de pensar o controle social associado à gestão social,

Campos (2009, p. 23) compreende controle social “como um conjunto de ações de

naturezas sociopolíticas e técnico-operativas, desenvolvidas pela sociedade civil,

com vistas a exercer influências sobre as ações governamentais”. Para o autor, esse

processo envolve três dimensões: política (mobilização da sociedade para

influenciar a agenda governamental); técnica (fiscalização da gestão de recursos e

trabalhos governamentais) e ética (construção de novos valores, fundados nos

ideais de solidariedade, soberania e justiça social).

Ao compreender a dinâmica das CLAS e sua relação com a política pública

municipal de assistência social, nos filiamos à perspectiva de constituição e

fortalecimento da gestão social e do espaço público democrático em que a iniciativa

da sociedade civil e a capacidade de exercer maior controle sobre as ações do

Estado passam a constituir uma premissa.

Assim, entendemos que esse arranjo institucional é inovador na democracia

brasileira e que se deve manter seu caráter deliberativo, pois permite controle e

fiscalização do poder executivo e do exercício político da participação popular.

Nessa perspectiva, o presente curso está sendo pensado de acordo com as

reais necessidades postas na conjuntura, tendo em vista os desdobramentos

sociopolíticos e necessidades no campo técnico-operativo que atravessam a

sociedade de forma geral, mas que apresentam características e singularidades do

contexto das Comissões Locais de Assistência Social de Belo Horizonte.

Dessa forma, foram pensados os espaços onde poderá desenvolver de

forma estratégica a capacitação de conselheiros municipais no controle social da

política de assistência social, conforme o quadro abaixo:

57

A Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS (BRASIL, 1993) - ratificou e regulamentou os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, assegurando a primazia da responsabilidade do Estado na gestão, financiamento e execução da política de Assistência Social (BRASIL, 1993).

204

QUADRO 1 - Relação das CLAS estratégicas por regional em Belo Horizonte para o desenvolvimento do curso de capacitação de conselheiros municipais no controle social da política de assistência social

Regional Espaço público

de referência Espaço de referencia para realização de reuniões

Barreiro CRAS Petrópolis Rua 281, n

o 491, bairro Petrópolis

CEP: 30.666-515

Centro-Sul CRAS Vila Marçola Rua Engenheiro Lucas Júlio de Proença, n

o 73, bairro

Serra - CEP 30.220-350

Leste CRAS Mariano de Abreu Rua 5 de Janeiro, s/n. bairro Mariano de Abreu - CEP : 31050-340

Nordeste CRAS Arthur de Sá

Rua Professor Geraldo Fontes, no 30, bairro União -

CEP: 31.170-540

Noroeste CRAS Califórnia Rua das Cítaras, n

o 26, bairro Conjunto Califórnia I -

CEP: 30.850-540

Norte CRAS Zilah Spósito Rua Coquillos, n

o 75, bairro Zilah Spósito - CEP:

31.787-060

Oeste CRAS Havaí – Ventosa Rua Costa do Marfim, n

o 480,

bairro Havaí - CEP: 30.575.000

Pampulha CRAS Novo Ouro Preto Rua Nízia Torres, s/n. bairro Engenho Nogueira - CEP: 31.170-190

Venda Nova

CRAS Apolônia

Rua Visconde de Itaboraí, no 304,

bairro Jardim Leblon - CEP: 31.540-490

Fonte: Levantamento por meio de consulta à secretaria executiva do Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte. Elaboração própria.

Os critérios definidos para a delimitação geográfica e definição quantitativa

do total de CLAS selecionadas para o desenvolvimento do curso serão detalhados a

seguir.

A Rede Municipal de Assistência Social - RMAS de Belo Horizonte possui

atualmente 34 Centros de Referência de Assistência Social - CRAS distribuídos nas

nove regionais: Barreiro, Venda Nova, Leste, Oeste, Noroeste, Centro-Sul, Norte,

Pampulha e Nordeste.

A escolha das CLAS por regionais foi por meio de consulta à secretaria

executiva do CMAS58 (indicação dos endereços) e pela necessidade de localização

de espaços físicos onde as CLAS realizaram reuniões no ano de 2011. Essa

informação foi possível mediante consulta a documentos do CMAS (atas e

relatórios) que mencionaram no conteúdo a realização de reunião de CLAS; logo em

seguida foi realizado um levantamento do espaço onde foram realizadas as

58

A Secretaria Executiva do CMAS-BH consiste de uma equipe de técnicos com objetivo de assessorar, prestar apoio técnico, jurídico, administrativo e operacional nas atividades desenvolvidas pelo CMAS-BH e está subordinada, hierarquicamente, à Diretoria Executiva.

205

reuniões, tendo por objetivo identificar a CLAS de referência e assim chegar à

identificação de quais CLAS possuem algum tipo de registro de atividade recente, e

estas, por vez, foram as escolhidas para amostra desta pesquisa, conforme quadro.

QUADRO 2 - Número de reuniões das CLAS em 2011 por Regional de Belo Horizonte

Regional № de reuniões

em 2011 Local das reuniões por regional CRAS escolhida para pesquisa

Barreiro 3 CRAS Petrópolis (2) CRAS Independência (1)

CRAS Petrópolis

Centro-Sul 3 CRAS Vila Marçola (2) Santa Rita de Cássia (1)

CRAS Vila Marçola

Leste 4 CRAS Mariano de Abreu (3) CRAS Granja de Freitas (1)

CRAS Mariano de Abreu

Nordeste 5 CRAS Arthur de Sá (3) CRAS Conjunto Paulo VI (2)

CRAS Arthur de Sá

Noroeste 4 CRAS Califórnia (2) CRAS Coqueiral (1) CRAS Pedreira Prado Lopes (1)

CRAS Califórnia

Norte 6 CRAS Zilah Spósito (4) CRAS Vila Biquinhas (2)

CRAS Zilah Spósito

Oeste 3 CRAS Havaí – Ventosa (2) Vista Alegre (1)

CRAS Havaí – Ventosa

Pampulha 4 CRAS Novo Ouro Preto (3) CRAS Confisco (1)

CRAS Novo Ouro Preto

Venda Nova 7 CRAS Apolônia (4) CRAS Mantiqueira (2) CRAS Leblon (1)

CRAS Apolônia

Fonte: Levantamento por meio de consulta à Secretaria Executiva do Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte e registro em ata do CMAS no ano de 2011, disponível no site: http://portal6.pbh.gov.br/dom/.

A utilização do território do CRAS como referência para o curso de

capacitação de conselheiros municipais no controle social da política de assistência

social é associada ao entendimento de que o controle social na política de

assistência deve acontecer de forma contínua e próxima aos usuários dessa política,

que seja dialogada e articulada com a rede socioassistencial e com os demais

serviços locais. Essa é uma orientação técnica do Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome e da Secretaria Nacional de Assistência Social, adotada

no município de Belo Horizonte pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência

206

Social - SMAAS e referenciada pelo Conselho Municipal de Assistência Social -

CMAS.

Essa opção está pautada também na capilaridade da proteção social básica,

e sua capacidade de referenciamento, além de o fato do Centro de Referência de

Assistência Social - CRAS localizar-se em áreas de vulnerabilidade social ou muito

próximo delas dar legitimidade e tornar esse equipamento público uma referência

para a população que vive no seu território de abrangência.

Também é nesse espaço que o controle social e participação ganham

expressividade, pois é comum que cada CLAS realize, de acordo com as suas

necessidades, o desenvolvimento de metodologias adequadas à cultura e às

singularidades dos modos de vida em cada território.

As CLAS constituem-se espaços públicos sujeitos a diversas mediações

para o debate sobre concepções de direitos, cidadania, política pública,

universalidade, equidade e qualidade na prestação de serviços da política de

assistência social, relação usuários-equipamentos, ações preventivas, demanda de

serviços e recursos para atendê-los e humanização do atendimento. Caracterizando-

se espaço de constantes “arranjos” entre os segmentos nela representados, podem

transformar esse espaço em territórios bem demarcados, nos quais cada um dos

segmentos nele representados defendam seus interesses ou estabeleçam alianças

de dois contra um, ou seja, Secretaria e funcionários opondo resistência às

demandas dos usuários, ou Secretaria e usuários para “forçar” funcionários a mudar

atitudes, ou ainda funcionários e usuários para pressionar a Secretaria pela melhoria

na estrutura dos serviços.

Dessa forma, apresenta-se o quadro síntese da estrutura do projeto:

QUADRO 3 - Quadro síntese da estrutura do projeto

QUADRO SÍNTESE DA ESTRUTURA DO PROJETO

Título Capacitação de conselheiros municipais e agentes sociais no controle social da

política de assistência social.

Propositor

Centro Universitário Una, Curso de Serviço Social, coordenação de extensão

universitária.

207

QUADRO 3 - Quadro síntese da estrutura do projeto (continuação)

Executores

Centro Universitário Una, por meio do Curso de Serviço Social; instituições de

ensino superior do município de Belo Horizonte e região metropolitana; Conselho

Municipal de Assistência Social - CMAS; Secretaria Municipal Adjunta de

Assistência Social -SMAAS.

Recursos

Para o desenvolvimento do presente projeto, pretende-se pleitear recursos do

Fundo Estadual e Municipal de Assistência Social, tendo por base a Política

Nacional de Educação Permanente do SUAS (já aprovada pelo CNAS e

aguardando publicação no DOU).

Abrangência dos participantes

Nove regionais do município de Belo Horizonte.

Carga horária 70h.

Fundamentos

O trabalho educativo que embasa a proposta do curso de capacitação fundamenta-

se numa pedagogia participativa e problematizadora, fundamentada na relação

dialógica-dialética, que é a forma mais adequada de todos aprenderem juntos.

Essa pedagogia pressupõe a dinâmica ação-reflexão-ação, ou seja, reconhece e

valoriza as tomadas de decisão dos agentes. A pedagogia problematizadora

aponta como proposta metodológica o conjunto de ações (teórico-práticas) que

possibilitem aos agentes o desenvolvimento de suas múltiplas dimensões, ou seja,

a dimensão cognitiva (o saber), a dimensão metodológica (o saber fazer), a

dimensão ético-profissional (o saber ser), a dimensão afetivo-social (o saber

relacionar-se) e a dimensão espiritual (o saber transcender em função do outro).

Objetivo geral

Implementar, mediante parceria com as instituições de Ensino Superior e poder

público municipal, o processo de formação de Conselheiros Municipais de

Assistência social, visando ao desempenho adequado de seu papel, na

formulação, controle e gestão da política municipal de Assistência Social.

Objetivos específicos

Desenvolver com os participantes das Comissões Locais de Assistência

Social os conhecimentos necessários ao exercício de suas funções, de forma

a contribuir para a efetividade do controle social da política de assistência

social;

tornar os participantes capazes de refletirem crítica e sistematicamente sobre

a adequação de sua atuação como sujeitos envolvidos no controle e

acompanhamento das ações do conselho municipal de assistência social aos

princípios e parâmetros sociopolíticos e técnico-operativos;

propiciar aos participantes a compreensão da importância e das

possibilidades de articulação dos conselhos de assistência social com as

demais instâncias e instrumentos de controle social das políticas públicas.

208

QUADRO 3 - Quadro síntese da estrutura do projeto (continuação)

Metodologia

A metodologia é, portanto, vivencial (exercício da cidadania), dialógica (construção

coletiva), reflexiva (pesquisa e reflexão), proativa (protagonismo) e metacognitiva

(pensar e repensar o que sabemos e como sabemos), desenvolvendo

competências pessoais e sociais.

A capacitação permanente está sendo desenvolvida por meio da integração de

todos os segmentos que atuam na rede socioassistencial, mas que possuem

interface com as Comissões Locais e Regionais de Assistência Social, na

perspectiva de formação de equipes Interdisciplinares e interinstitucionais, visando

garantir uma ação permanente de capacitação que atinja um nível desejável de

qualidade nos serviços oferecidos por toda a rede de atendimento instalada no

estado.

O curso terá seu início demarcado com uma capacitação de coordenadores

regionais, responsáveis pelo acompanhamento da capacitação nas nove regiões

do município. A capacitação será realizada pela comissão organizadora e equipe

estruturante do projeto denominada “Colegiado Educador” (composta por

professores, pesquisadores e agentes sociais). Considera-se a concepção de

coletivos educadores de Sorrentino e Ferraro Júnior (2005, p.59) definida como a

união de pessoas que trazem o apoio de suas instituições para um processo de

atuação educacional em um território. O papel de um Coletivo Educador é

promover a articulação de políticas públicas, reflexões críticas, aprofundamento

conceitual, instrumentalização para a ação, proatividade dos seus participantes e

articulação institucional, visando à continuidade e sinergia de processos de

aprendizagem de forma permanente no território estipulado.

Para que esses princípios pedagógicos se concretizem no processo formativo, a

escolha dos agentes educadores e facilitadores é um aspecto de grande

relevância. Dessa forma, o educador/facilitador necessita compor um perfil com

base em alguns princípios, quais sejam:

experiência em mobilização, trabalhos com comunidade, organizações da comunidade, conselhos;

experiência profissional em educação e educação popular; experiência com mobilização, assessoria de organizações ou movimentos

sociais e Conselhos de assistência social; experiência profissional na gestão em projetos e/ou acompanhamento de

planos ou projetos experiência com facilitação de grupos experiência em elaboração, execução e acompanhamento de projetos de

capacitação; experiência em coordenação pedagógica. experiência com formação de profissionais, lideranças, conselheiros e outros; experiência com manejo de metodologias participativas e problematizadora; experiência em participação em ações do controle social (conferências,

conselho, plenárias); habilidade com negociação de conflitos; experiência com formação de profissionais, lideranças e outros.

209

QUADRO 3 - Quadro síntese da estrutura do projeto (continuação)

Conteúdo programático

1. Contexto histórico-conjuntural

Análise histórico-conjuntural do Brasil, Belo Horizonte e da Assistência Social;

Estado, sociedade civil, democracia e participação;

Reforma do Estado e políticas públicas;

Políticas públicas de assistência social e os movimentos sociais na busca; pela

efetivação de direitos e cidadania;

Sistema Único de Assistência Social e políticas atuais;

As políticas públicas de assistência social em MG e em Belo Horizonte.

2. A rede socioassistencial: integralidade e intersetorialidade

Sistema descentralizado e participativo de assistência social nas instâncias

executiva, propositiva, deliberativa e de pactuação, reordenamento institucional,

papel das três esferas de governo;

Conceitos de cidadania, inclusão e direitos sociais;

Intersetorialidade e assistência social;

Assistência social, desenvolvimento e políticas públicas;

Organização da atenção no SUAS;

Educação popular e estratégias de mobilização e comunicação no território.

3. Estrutura e gestão do SUAS

Política pública de Assistência Social, Constituição Federal de 1988, LOAS,

Norma Operacional Básica;

Legislação do SUAS;

Organização do SUAS;

Mecanismos de Controle Social no SUAS;

Planejamento e gestão;

Orçamento e Financiamento;

Participação e Controle Social.

4. Organização, participação social, popular, controle social e gestão

participativa

Concepções e fundamentos sobre participação social, popular e controle social;

Formas e mecanismos de participação popular e controle social;

Informação e comunicação para o controle social;

Estruturação de redes e socioeconomia solidária.

5. Direitos e controle social, pesquisa e produção de conhecimento

Direitos Humanos: as singularidades de gênero, raça, etnia e sexo;

Participação popular, pesquisa e produção de conhecimento (pesquisa ação no

território);

Política de Assistência Social e suas interfaces: Política Nacional de Integração

da Pessoa Portadora de Deficiência, Política Nacional do Idoso, ECA, parcerias

e intersetorialidade.

6. Metodologia, processos educativos e desenvolvimento de habilidades

Concepções metodológicas;

Educação popular e formação de conselheiros e agentes sociais;

Metodologia de análise da realidade;

Metodologia de construção coletiva do conhecimento na formação de

conselheiros da assistência social;

Trabalho em equipe;

Negociação e mediação de conflitos;

Papel, perfil e habilidades de educadores e de conselheiros;

A cultura e os diversos espaços de escuta e produção de saberes;

Papel dos conselheiros frente ao SUAS: democracia e controle social, Conselho

de Assistência Social e Espaço Público.

Público-alvo

População participante nos espaços das Comissões Locais e Regionais de

Assistência Social (CLAS/CORAS); Conselheiros, gestores, técnicos de Assistência

Social.

210

REFERÊNCIAS

BELO HORIZONTE. Lei n. 7.099 de 27 de maio de 1996. Dispõe sobre a política de assistência social no município e dá outras providências. Belo Horizonte, Diário Oficial do Município, 1996. BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Governo. Lei n. 10.231, de 19 de julho de 2011. Dispõe sobre a circunscrição das regiões administrativas do Município. Belo Horizonte, Diário Oficial do Município, 20 jul. 2011. BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Políticas Sociais – CMAS. Resolução n. 48 de 18 de setembro de 2010. Aprova a orientação para o funcionamento do Conselho Regional de Assistência Social (CORAS) e Comissão Local de Assistência Social (CLAS) no município de Belo Horizonte. Belo Horizonte, Diário Oficial do Município, 2010. BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 8 dez. 1993. BRASIL. Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução CNAS nº 4, de 13 de março de 2013. Institui a Política Nacional de Educação Permanente do Sistema Único da Assistência Social – PNEP/SUAS. BRASIL. Constituição Federal. Rio de Janeiro: Esplanada, 2002. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica NOB/SUAS: construindo as bases para a implantação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, DF: [s. n.], 2005. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Brasília: Conselho Nacional de Assistência Social, 2004. CAMPOS, Edval Bernardino. Assistência social: do descontrole ao controle social. In: Serviço Social & Sociedade, n. 88. São Paulo: Cortez, 2006. CAMPOS, Edval Bernardino. O protagonismo do usuário da Assistência Social na implementação e controle social do SUAS. In: CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Caderno de textos: subsídios para debates: participação e controle social do SUAS/ Conselho Nacional de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília: CNAS, MDS, 2009. FORTALEZA. Conselho Municipal de Saúde. Subprojeto I: mobilização dos colegiados de educadores para organização do processo de capacitação de conselheiros e lideranças (s/d). Mimeo.

211

GOHN, Maria da Glória. O protagonismo da sociedade civil. Movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. LUIZ, Danuta Cantoia. Emancipação e Serviço Social: a potencialidade da prática profissional. Ponta Grossa, PR, Editora UEPG, 2011. PRATES, Jane Cruz. Planejamento da Pesquisa Social. Temporalis, ano IV, n. 7, 2004. SORRENTINO, Marcos e FERRARO JUNIOR, Luiz Antônio. Coletivos educadores. In. BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Encontro e caminhos: formação de educadoras (es) ambientais e coletivos educadores. v.1. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005 (pág. 59-69).

212

APÊNDICE 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado como voluntário a participar da pesquisa

“ASSISTÊNCIA SOCIAL, SOCIEDADE CIVIL, GESTÃO DEMOCRÁTICA E

PARTICIPATIVA: desafios e possibilidades no controle social da política municipal

de assistência social de Belo Horizonte”.

A JUSTIFICATIVA, OS OBJETIVOS E OS PROCEDIMENTOS: o motivo que

nos leva a desenvolver a presente pesquisa, de natureza exploratório-descritiva, é

analisar como tem sido a participação e a atuação da sociedade civil junto ao

Conselho Municipal de Assistência Social e das Comissões Locais de Assistência

Social - CLAS do município de Belo Horizonte (MG). A pesquisa se justifica dada a

relevância e necessidade de se compreender como acontece a participação popular

e a gestão democrática no âmbito da política de assistência social e, dessa forma,

sentiu-se a necessidade de buscar aprofundamento empírico que possibilitasse

compreender e problematizar a questão do controle social nos conselhos gestores

de política pública. O objetivo deste projeto é analisar como tem sido a participação

e atuação da sociedade civil nas Comissões Locais de Assistência Social - CLAS,

considerando as dimensões política, operacional e ética e, sobretudo, conhecer os

projetos e modelos de política e gestão defendidos nas CLAS e CMAS. Os

procedimentos de coleta de dados serão da seguinte forma: para a pesquisa, de

natureza quanti e qualitativa, os pesquisadores pretendem utilizar entrevistas

semiestruturadas abordadas junto aos representantes da sociedade civil que têm

vinculação direta com o controle social no âmbito das CLAS/CMAS-BH. Será

realizado um primeiro contato por telefone convidando o entrevistado para coleta de

dados que caracterizarão os participantes e agendamento de entrevista a ser

realizada em um único momento, em local, data e horário conforme a disponibilidade

do entrevistado.

DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: os desconfortos e riscos que

você poderá sentir estão relacionados às perguntas que podem trazer à tona

sentimentos referentes à sua participação nos espaços em questão, porém a

gravação das atividades poderá ser encerrada caso você ache necessário. Poderá

haver também um desconforto por você ter suas vivências relatadas, mas enfatiza-

213

se o caráter confidencial dos registros. Espera-se que, como resultado deste estudo,

sejam apreendidos aspectos positivos e negativos desenvolvidos no âmbito do

controle social na política de assistência social no município de Belo Horizonte,

contribuindo assim para o desenvolvimento de práticas e ações democráticas,

conforme previsto no marco legal da política pública.

GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E

GARANTIA DE SIGILO: você será esclarecido sobre a pesquisa em qualquer

aspecto que desejar. Você é livre para recusar-se a participar, retirar seu

consentimento ou interromper a participação a qualquer momento. A sua

participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar qualquer

penalidade ou perda de benefícios.

Os pesquisadores irão tratar a sua identidade com padrões profissionais de

sigilo. Os resultados da pesquisa serão enviados para você e permanecerão

confidenciais. Seu nome ou o material que indique a sua participação não serão

liberados sem a sua permissão. Você não será identificado em nenhuma publicação

que possa resultar deste estudo. Uma cópia deste consentimento informado será

arquivada no Curso de mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento

Local e outra será fornecida a você.

CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO POR

EVENTUAIS DANOS: a participação no estudo não acarretará custos para você e

não será disponível nenhuma compensação financeira adicional; dessa forma você

não terá nenhum gasto com a sua participação no estudo e também não receberá

pagamento por ela.

DECLARAÇÃO DO PARTICIPANTE OU DO RESPONSÁVEL PELO

PARTICIPANTE:

Eu, ________________________________________________ fui informado

dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas

dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações e mudar

minha decisão se assim o desejar. A professora orientadora Wânia Maria de Araújo

e o pesquisador Cristiano Costa de Carvalho certificam-me de que todos os dados

desta pesquisa serão confidenciais.

Também sei que, caso existam gastos adicionais, estes serão absorvidos pelo

orçamento da pesquisa. Em caso de dúvidas poderei chamar o pesquisador Cristiano

214

Costa de Carvalho, Tel. (31) 9382-8585 (E-mail: [email protected])

e/ou a professora orientadora Wânia Maria de Araújo, Tel. (31) 9158-6321 (E-mail:

[email protected]) ou o Comitê de Ética em Pesquisa do Centro

Universitário Una, situado na Rua Guajajaras, 175, 4° andar – Centro, Belo

Horizonte – MG, CEP: 30180 -100, Tel. (31) 3508-9136 / 3508-9108.

Declaro que concordo em participar deste estudo. Recebi uma cópia deste

termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e

esclarecer as minhas dúvidas.

Nome Assinatura do Participante Data

Nome Assinatura do Pesquisador Data

215

APÊNDICE 3

ROTEIRO ESTRUTURADO DE ENTREVISTA COM REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL

Responsável pela entrevista (nome): ________________________

Dia: ______________________

Hora: __________________

Nome do entrevistado:_________________________________

PERFIL

1. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

2. Idade

( ) 18 anos.

( ) Entre 19 e 25 anos (inclusive).

( ) Entre 26 e 33 anos (inclusive).

( ) Entre 34 e 41 anos (inclusive).

( ) Entre 42 e 49 anos (inclusive).

( ) 50 anos ou mais.

3. Como você se autodefine (considera)

( ) Branco.

( ) Pardo.

( ) Preto.

( ) Amarelo.

( ) Indígena.

4. Assinale a alternativa que identifica a sua escolaridade

( ) Não estudou.

( ) Da 1ª à 4ª série do ensino fundamental (antigo primário).

( ) Da 5ª à 8ª série do ensino fundamental (antigo ginásio).

( ) Ensino médio (antigo 2º grau) incompleto.

216

( ) Ensino médio completo.

( ) Ensino superior incompleto. Qual curso? _______________________

( ) Ensino superior completo. Qual curso? _______________________

( ) Pós-graduação. Qual curso? _______________________

( ) Não sei.

5. Qual a sua religião?

( ) Católica.

( ) Protestante ou Evangélica.

( ) Espírita.

( ) Umbanda

( ) Candomblé.

( ) Outra. Qual? ______________________

( ) Sem religião.

6. É militante em algum partido político? ( ) sim ( ) não. Em caso positivo,

Qual?___________

7. É militante em algum movimento social? ( ) sim ( ) não. Em caso positivo,

qual?___________

8. Você trabalha ou já trabalhou ganhando algum salário ou rendimento?

( ) Trabalho, estou empregado com carteira de trabalho assinada.

( ) Trabalho, mas não tenho carteira de trabalho assinada.

( ) Trabalho por conta própria, não tenho carteira de trabalho assinada.

( ) Já trabalhei, mas não estou trabalhando.

( ) Nunca trabalhei.

( ) Nunca trabalhei, mas estou procurando trabalho.

9. Natureza da instituição empregadora:

Privada: ( ) Lucrativa ( ) Filantrópica

Terceiro Setor: ( ) ONG ( ) OSCIP

Pública: ( ) Pública municipal ( ) Pública estadual ( ) Pública federal

Outra ( ) Especificar: ___________________________________

217

10. Área de atuação na instituição

( ) criança e adolescente

( ) emprego e renda

( ) saúde

( ) assistência social

( ) previdência

( ) educação

( ) esporte e lazer

( ) habitação

( ) sociojurídico

( ) família

( ) recursos humanos

( ) deficientes

( ) meio ambiente

( ) assessoria

( ) ensino e pesquisa

( ) comércio

( ) outra

Especificar: _________________________________________________

11. Cargo ocupado na Instituição: _________________________

12. Tipo de vínculo empregatício:

( ) contrato por tempo indeterminado ( ) contrato por tempo determinado

( ) servidor estável ( ) outro. Especificar:____________________________

12.1 Possui outro vínculo empregatício ( ) não ( ) sim

Especificar: _________________________________________

13. Jornada de trabalho semanal: ____________________________

14. Tempo de atuação profissional na instituição: ______________________

15. Atualmente você participa de alguma comissão do CMAS? Qual? _______

16. Como você avalia a sua participação? ____________________________

218

CAPACITAÇÕES

18. Você já realizou algum curso destinado à capacitação de conselheiros?

( ) Sim ( ) Não

Em caso positivo:

18.1. explicite quando: ___________________

18.2. carga horária: ______________________

18.3. conteúdos trabalhados (o que mais chamou atenção, do que você se lembra):

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

_______________________________________________________

18.4. Quem (instituição) propôs a capacitação: __________________________

Em caso negativo:

Quais os motivos da não realização de curso de capacitação?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________

19. Como você avalia o conhecimento adquirido nos cursos de capacitação para conselheiros que você tenha participado? (PODE MARCAR MAIS DE UMA OPÇÃO.) ( ) Aumentou meus conhecimentos, adquiri mais informações, tenho mais preparo.

( ) Melhorei minha autoestima, minha satisfação pessoal.

( ) Tive reconhecimento junto aos meus pares.

( ) Tive condições de propor a criação e ou atualização de alguma legislação e

instrumento de organização/funcionamento/estruturação do CMAS.

( ) Mudou na forma de agir/intervir nas reuniões do CMAS.

( ) Permaneceu a dificuldade de atuação como Conselheiro a partir das informações

que recebi na Capacitação;

( ) Não mudou nada.

20. Como você avalia os seguintes aspectos dos cursos que realizou?

Avalie de acordo com as siglas: O - ÓTIMO, MB - MUITO BOM, B - BOM, R -

REGULAR, P - PÉSSIMO.

Estrutura do curso ( )

219

Metodologia ( )

Resultados alcançados ( )

Linguagem utilizada ( )

Informações trabalhadas no curso ( )

Parâmetros técnico e operativo do controle social ( )

Parâmetros analíticos sobre a política pública ( )

Parâmetros intelectuais, éticos e políticos da função de conselheiro ( )

21. Existem dificuldades para sua participação em cursos de capacitação? Sim, ou

não, quais?

( ) Falta de tempo (horário das reuniões não são adequados à minha

disponibilidade).

( ) Falta de transporte.

( ) Falta de dinheiro.

( ) Atividades pessoais.

( ) Frustração com o processo de representação.

( ) Formalmente o conteúdo dos cursos são repetitivos.

( ) Falta de entrosamento com os demais representantes da sociedade civil.

( ) Informações e convites que não chegam até você.

( ) Dificuldade de passar para a comunidade as informações.

( ) Falta de compreensão das informações.

( ) Falta de informação sobre seu papel.

( ) Duplicidade de agenda.

Faça uma avaliação do que você aprendeu e como você aplicou este aprendizado.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

220

APÊNDICE 4

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Data:____/____/____

Nome do entrevistado:_________________________________________________

Endereço:___________________________________________________________

Telefones: ______________________________

1. Como ficou sabendo da existência dos espaços de controle social da

assistência social?

2. Você foi indicado ou eleito para participar do CMAS?

3. Você tem um "papel" de liderança (na instituição/movimento social ou

comunitário)? Que atribuições você tem? Qual o seu papel e atribuições?

4. Quais foram os interesses (públicos e privados) que motivavam a sua

participação nas reuniões da CLAS?

5. Como você fica sabendo das reuniões da CMAS/CLAS? (Instrumentos de

mobilização.)

6. Qual seu entendimento sobre controle social?

7. Qual a finalidade que você atribui a CLAS/CMAS? (Se tinha a função de

controle social.)

8. Como são estabelecidas as relações sociais (disputa/solidariedade, poder

autoritário/descentralizado, hierarquizadas/horizontais) nas reuniões das

CMAS?

9. Como são tomadas as decisões durante e fora das reuniões da CMAS?

10. Surgem conflitos na CMAS? Se sim, como são resolvidos?

11. Como você avalia os resultados (negativos e positivos) da CMAS?

12. Quais coisas não têm conseguido resolver? Por quê?

221

13. Quais coisas conseguiram resolver por meio da CMAS?

14. Como avalia a participação dos diversos sujeitos nas CMAS?

15. Que importância tem, para você, participar da CMAS?

16. Como você avalia a sua participação?

17. Para você, o que é necessário para a formação do conselheiro?

18. Você se sente ouvido na comissão? E as outras pessoas, acha que são

ouvidas?

19. Há alguma questão que não perguntei, mas que você gostaria de falar?

222

ANEXO 1