assédio sexual, assédio moral e dano moral na relação de emprego

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ASPECTOS DO ASSÉDIO SEXUAL, ASSÉDIO MORAL E DANO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO ÍNDICE 1. Introdução 2. Considerações gerais acerca da responsabilidade civil 2.1. Conceito e modalidades 2.2. Pressupostos da responsabilidade civil 3. Os sujeitos na responsabilidade civil 4. O dano moral 4.1. Conceito 4.2. Legislação Protetiva 5. O dano moral nas relações de trabalho 5.1. Na fase de pré-contratação 5.2. Na fase de execução do contrato 5.3. Na fase de extinção do contrato 5.4. Após a extinção do contrato 6. O assédio sexual 6.1. Introdução 6.2. Conceito e denominações 6.3. Elementos caracterizadores do assédio sexual 6.4. Espécies de assédio sexual 6.5. Formas de prevenção do assédio sexual nas relações de emprego 6.6. Conseqüências do assédio sexual nas relações de emprego

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ASPECTOS DO ASSDIO SEXUAL, ASSDIO MORAL E DANO MORAL NA RELAO DE EMPREGO

NDICE

1. Introduo

2. Consideraes gerais acerca da responsabilidade civil 2.1. Conceito e modalidades 2.2. Pressupostos da responsabilidade civil

3. Os sujeitos na responsabilidade civil

4. O dano moral 4.1. Conceito 4.2. Legislao Protetiva

5. O dano moral nas relaes de trabalho 5.1. Na fase de pr-contratao 5.2. Na fase de execuo do contrato 5.3. Na fase de extino do contrato 5.4. Aps a extino do contrato

6. O assdio sexual 6.1. Introduo 6.2. Conceito e denominaes 6.3. Elementos caracterizadores do assdio sexual 6.4. Espcies de assdio sexual 6.5. Formas de preveno do assdio sexual nas relaes de emprego 6.6. Conseqncias do assdio sexual nas relaes de emprego

7. O assdio moral 7.1. Introduo 7.2. Conceito e denominaes 7.3. Elementos caracterizadores do assdio moral 7.4. Espcies de assdio moral 7.5. Formas de preveno do assdio moral nas relaes de emprego 7.6. Conseqncias do assdio moral nas relaes de emprego

8. A ao de reparao por danos morais 8.1. Natureza jurdica da reparao do dano moral 8.2. A competncia para apreciao da ao de reparao por dano moral 8.3. A prescrio aplicvel ao dano moral na Justia do Trabalho 8.4. A cumulao do dano moral e material 8.5. A prova do dano moral 8.6. A liquidao do dano moral

9. Bibliografia

10. Sugestes para Leitura Complementar

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1. INTRODUO

A proteo moral da pessoa humana, atualmente, reconhecida em nosso ordenamento jurdico como um patrimnio imaterial inerente a todo indivduo sem distines de quaisquer naturezas. Contudo, este reconhecimento, que em termos histricos recente, foi fruto de acalorados debates que se travaram ao longo do sculo passado at a sua expressa incorporao na Constituio Federal de 1988.

A Constituio Federal a lei maior do Estado e fonte de inspirao de todo o sistema legislativo. A Constituio Federal de 1988 preceitua que o ser humano, desde a sua concepo, tem direitos fundamentais assegurados universalmente a todos, sem quaisquer discriminaes. Entre esses direitos esto as prerrogativas relativas sua personalidade (direito moral, honra, imagem e ao nome etc) que lhe so inerentes e a ele permanecem ligados indissoluvelmente. Atualmente, reconhece-se que a proteo moral do indivduo um importante fator de desenvolvimento social e que esta proteo prescinde, inclusive, de qualquer repercusso patrimonial, portanto, ainda que o dano causado seja exclusivamente moral, sem reflexos no patrimnio da vtima, dar ensejo sua reparao pecuniria. Por conseguinte, toda a sociedade deve fiel observncia a esses direitos e a sua violao enseja a interveno da tutela estatal para propiciar uma reparao.

As particularidades da relao de emprego, em razo da condio de hipossuficincia do empregado e do poder diretivo do empregador, podem criar um ambiente mais favorvel para que ocorram algumas transgresses que se constituam em atos atentatrios dignidade, intimidade, enfim, moral do empregado.

Os atos atentatrios moral do trabalhador no so uma criao recente na histria da humanidade. Eles sempre existiram, porm, em outras condies. O prprio trabalho humano apresentou-se sob diversas facetas ao longo da histria. As formas de trabalho escravo e servil conviveram com o trabalho livre, basicamente familiar e artesanal, desde a Antiguidade at a Idade Moderna. O trabalho assalariado, como conhecemos hoje, teve sua gnese no sculo XVIII na Inglaterra com a denominada Revoluo Industrial. Em todas essas modalidades de trabalho, ao longo da Histria, h relatos de maus tratos aos trabalhadores e das condies subumanas em que o trabalho era desenvolvido. As reivindicaes dos trabalhadores pela melhoria das condies gerais de trabalho passaram a ser uma constante ao longo dos sculos seguintes. No decorrer do sculo XX, as reivindicaes dos trabalhadores aliadas maior interveno do Estado na ordem econmica e social e o surgimento das modernas contemporneas de gesto empresarial geraram melhorias nas condies de trabalho, notadamente no concernente minimizao dos riscos decorrentes de doenas profissionais e de acidente do trabalho, a reduo da jornada de

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trabalho e tantas outras medidas protetivas que, paulatinamente, forma integrando-se legislao trabalhista no Brasil e no mundo.

Entre as garantias que foram se incorporando s relaes de trabalho no sculo passado, est a reparao do dano moral decorrente da relao de trabalho, que alm de ter o seu pleno reconhecimento na legislao, doutrina e jurisprudncias atuais, passaram a ter reconhecido como rgo competente para apreciao do seu pleito a Justia do Trabalho.

Recentemente, dois fenmenos que se enquadram neste rol de danos moral do trabalhador, o assdio moral e o assdio sexual, tm sido amplamente discutidos no apenas no Brasil, mas em vrios outros pases e so um dos focos primordiais da Organizao Internacional do Trabalho (OIT). Estes dois fenmenos no so recentes, mas na sociedade contempornea o combate a eles recebeu maior enfoque, embora no sejam de fcil caracterizao e comprovao. O assdio sexual foi, recentemente, incorporado ao Cdigo Penal Brasileiro. O assdio moral no tem ainda uma previso legal geral, apenas dispositivos pontuais, e so poucos os julgados a respeito.

importante destacar que o dano moral em geral e o assdio moral e sexual especificamente, entre tantas outras condutas atentatrias moral do indivduo, no so uma exclusividade das relaes de trabalho. Elas podem ocorrer em vrias outras formas de relaes sociais. Contudo, o enfoque aqui concedido ser estritamente no concerne s relaes de trabalho.

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2. CONSIDERAES GERAIS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. CONCEITOS E MODALIDADES

A responsabilidade civil a obrigao de reparar um prejuzo causado a outrem por um ato contrrio a ordem jurdica. O Cdigo Civil Brasileiro, em seu art. 927 preceitua que aquele que, por um ato ilcito, causar um dano a outrem, ficar obrigado a repar-lo. Este ato ilcito pode ter duas origens, a contratual e a extracontratual. O descumprimento de um contrato celebrado entre as partes gera a denominada de responsabilidade civil contratual. Uma afronta a um dever genrico de conduta imposto pela lei faz nascer uma responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

O ato contrrio aos ditames legais caracteriza-se, portanto, como um ato ilcito. No Cdigo Civil Brasileiro est previsto que comete um ato ilcito quele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia violar direito e causar dano a outrem, ainda que o dano seja exclusivamente moral (art. 186).

Tambm cometer o ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, exceder os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes (art. 187), que o que se denomina usualmente de abuso de direito. Portanto, considerando-se a responsabilidade civil no dano moral, a prtica de um ato atentatrio moral de outrem se constitui em um ato ilcito extracontratual e ocasionar conseqncias jurdicas e pecunirias a quem o praticou ou ao seu responsvel.

2.2. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.2.1. PRESSUPOSTOS OBRIGATRIOSComo regra, na responsabilidade civil extracontratual a vtima do ato atentatrio dever provar em juzo todos os seus elementos caracterizadores, quais sejam:

AO OU OMISSO DO OFENSOR: conduta positiva ou negativa do ofensor contrria lei. Na conduta negativa, configura-se apenas se o ofensor tinha o

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dever de agir, seja um dever decorrente de lei, de um contrato ou da circunstncia do fato, quando tenha sido o causador dela.

EXISTNCIA DE UM DANO: o dano leso a um interesse juridicamente protegido, ou seja, o interesse em questo deve ser legtimo. No se cogita da reparao civil por dano quando o interesse ilcito, como por exemplo, quando no h uma justa partilha dos bens frutos de um roubo entre ladres. O dano a medida da indenizao e esta o restabelecimento do equilbrio quebrado pelo ato ilcito. O dano deve ser certo (real e no hipottico), atual (existente quando da propositura da ao pela sua reparao) e subsistente (ainda no reparado).

NEXO

CAUSAL

ENTRE

A

CONDUTA

DO

AGENTE

E

O

DANO

OCASIONADO: necessria uma interligao (relao de causa e efeito) entre o dano e a conduta ilcita do ofensor.

2.2.2. PRESSUPOSTO EVENTUAL

No caso da responsabilidade subjetiva, h o pressuposto da culpa em sentido amplo. A CULPA EM SENTIDO AMPLO (LATU SENTU) DO OFENSOR PELO DANO OCASIONADO: a culpa em sentido amplo compreende dois conceitos jurdicos expressos no Cdigo Civil: o dolo e a culpa em sentido estrito (stricto sensu).

DOLO: ocorre quando o ofensor conhece o carter

ilcito do ato e o pratica voluntariamente. O ofensor tem conscincia do resultado que o seu ato pode ocasionar e deseja pratic-lo.

CULPA EM SENTIDO ESTRITO: (stricto sensu), h

um dever de conhecer o risco do dano e de evit-lo. Age culposamente quem tem conduta que no observa os padres de comportamentos medianos. As modalidades de culpa em sentido estrito so: imprudncia (prtica de um ato perigoso, com precipitao, ousadia), negligncia ( a omisso, a falta de ateno, precauo; deixar de prever o resultado que

6

poderia

ter

sido

previsto)

e

impercia

(ausncia

de

conhecimento tcnico para a prtica de determinado ato; a culpa profissional).

Como exceo regra da exigncia dos pressupostos acima elencados, h casos admitidos pela legislao civil brasileira em que se configura a responsabilidade civil ainda que no haja culpa em sentido amplo do agente causador do dano, o que se denomina de responsabilidade objetiva.

Nestes casos a lei exige apenas a existncia de um evento que cause um dano, no sendo questionada a existncia de culpa em nenhuma de suas modalidades. O Cdigo Civil prev que haver a obrigao de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para direitos de outrem (art. 927).

O fundamento da existncia da responsabilidade civil objetiva de que a explorao de determinadas atividades arriscadas, que trazem proveito econmico ao seu empreendedor, o submete aos riscos inerentes do negcio.

Como exemplo dos casos especificados em lei para a responsabilidade sem culpa, pode ser citado o transporte areo, atividades nucleares, a responsabilidade assim prevista no Cdigo de Defesa do Consumidor, na Lei de Imprensa, entre outros.

Acrescente-se,

por

fim,

que

tambm

caracterizar

a

responsabilidade civil sem culpa, a responsabilidade dos empresrios pelos produtos e servios que colocam em circulao, ainda que no envolvam atividade de consumo. (art. 931 do Cdigo Civil).

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3. OS SUJEITOS NA RESPONSABILIDADE CIVIL

A situao jurdica do empregado na relao de trabalho diferenciada das demais relaes civis. Nas relaes reguladas pelo Direito Civil (tais como compra, locao, mandato, casamento etc.), ordinariamente, h o pressuposto de igualdade entre as partes, contratado e contratante, devendo prevalecer a autonomia da vontade das partes. Uma exceo a este pressuposto na esfera civil a relao de consumo, para a qual h uma tutela especfica no Cdigo de Defesa do Consumidor.

Nas relaes de trabalho esta premissa da igualdade das partes no existe, pois que h reconhecidamente uma subordinao jurdica, dado o poder diretivo e disciplinar do empregador, e dependncia econmica do empregado em relao ao emprego. Da porque h toda uma legislao protetiva ao empregado no sentido de reequilibrar o contrato de trabalho.

Em

razo

desta

subordinao

jurdica

e

dependncia

econmica, na grande maioria dos casos, o empregador o principal agente causador do dano moral nas relaes de trabalho, conforme se infere dos relatos da doutrina e da jurisprudncia. Isto porque, os atos atentatrios moral do empregado se origem, na sua maioria, das pessoas que possuem poder de comando e deciso no ambiente laborativo. Contudo, o inverso tambm pode ocorrer, como ser ver mais adiante.

Via de regra, a responsabilidade pela reparao do dano causado daquele que praticou o ato ilcito, ou seja, aquele que praticou o ato responsvel pela sua reparao. Contudo, pode haver tambm uma responsabilidade por fato de outrem, quando uma terceira pessoa (fsica ou jurdica) que no causou o dano, mas est ligado ao causador direito do dano por uma relao jurdica de direito ou de fato ser responsabilizado pela sua reparao. o caso da responsabilidade dos pais sobre os filhos menores, dos tutores e curadores sobre os pupilos e curatelados, do empregador sobre os empregados no exerccio do trabalho e outros expressamente citados no art. 932 do Cdigo Civil. Esta responsabilidade sobre atos praticados por terceiros independe de culpa do responsvel (art. 933) e fundamenta-se no dever de controlar, de vigiar inerente s atividades citadas.

Entre as hipteses legalmente previstas no art. 933 do Cdigo Civil est a responsabilidade do empregador sobre as aes dos seus empregados praticadas no exerccio do trabalho ou em razo dele. Portanto, o empregador, ainda que no tenha cometido diretamente o ato atentatrio moral do empregado, ser responsabilizado pelo ato praticado pelo seu empregado contra um colega de trabalho.

8

No Direito do Trabalho a caracterizao de quem o empregador est contemplada no art. 2 da Consolidao das Leis do Trabalho, que estabelece que ser considerado empregador a empresa individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econmica, admite, assalaria e dirige a prestao de servios. E preceitua, ainda, que ser equiparado ao empregador, para os efeitos exclusivos da relao de emprego, os profissionais liberais, as instituies de beneficncia, as associaes recreativas ou outras instituies sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregado.

Portanto o empregador , em sntese, a pessoa fsica ou jurdica ou ente despersonificado (condomnio, esplios, massa falida) que contrata outra pessoa fsica a prestao de seus servios, efetuados com pessoalidade, onerosidade, no eventualidade e subordinao, de acordo com o previsto no art. 2 citado supracitado.

O conceito de empregado tambm nos dado pela Consolidao das Leis do Trabalho em seu art. 3, que considera empregado toda pessoa fsica que prestar servios de natureza no eventual a empregador, sob a dependncia deste e mediante salrio.

Em suma, na maioria dos casos, o sujeito ativo da responsabilidade civil o empregador, tanto na condio de responsvel por ato seu ou por ato de outrem e o sujeito passivo o empregado.

Contudo, o empregado tambm pode ser o sujeito ativo, quando o ato ilcito for praticado em face da empresa. O Superior Tribunal de Justia, atravs da Smula 227 , admitiu a possibilidade de que uma pessoa jurdica possa ser vtima de um dano moral. O debate em torno desta questo reside basicamente na interpretao do texto da Constituio Federal que determina em seu art. 5, inciso X que so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao.1

O

argumento

preponderante

que

embasa

a

tese

da

impossibilidade do pedido de indenizao por danos morais por uma pessoa jurdica, a de que esta no possui intimidade, vida privada ou honra, no estando, portanto, suscetvel violao destes patrimnios morais. Alm do que, no se poderia falar que uma conduta danosa possa gerar uma reparao moral. O dano sofrido pela empresa daria ensejo

1

Sumula 227 do STJ: A pessoa jurdica pode sofrer dano moral

9

apenas ao ressarcimento dos lucros cessantes advindos de eventuais prejuzos a imagem ou a marca.

Em

sentido

contrrio,

temos

a

tese

que

defende

a

possibilidade da existncia de um dano moral pessoa jurdica, pautando-se na interpretao abrangente do referido inciso da Constituio Federal. Em suma, interpretase que o conceito de "pessoa" citado genrico, no havendo, portanto, limitao que restringisse a proteo constitucional apenas s pessoas fsicas. Por conseguinte, qualquer limitao interpretativa representaria uma restrio ao alcance da norma constitucional. A ressalva seria a de que, para a pessoa jurdica, a proteo moral implica em salvaguardar apenas a sua imagem, j que os demais atributos, de fato, lhe faltam.

O art. 186 do Novo Cdigo Civil expressamente prev a reparao do dano moral. Contudo, a sua disposio a respeito no dirime a controvrsia sobre sua extenso pessoa jurdica, pois que conceitua genericamente a vtima do dano moral como "outrem".

Esta discusso tem importante reflexo no Direito do Trabalho, pois que se trata de aferir se tambm a empresa poder ser vtima de um dano moral levado a efeito por um empregado ou ex-empregado. Embora tal situao possa parecer inusitada, o fato em si no de todo improvvel. No raro, so veiculadas nos diversos meios de comunicao entrevistas bombsticas de ex-executivos de grandes empresas que fazem acusaes desabonadoras, comprometedoras da imagem da empresa. Modernamente se compreende que na imagem de uma empresa no est contemplado apenas o valor patrimonial da marca ou a fatia de mercado por ela alcanada, mas tambm valores subjetivos, como o nvel de satisfao e engajamento dos seus empregados em razo de atuarem numa empresa que goze de boa reputao na sociedade em geral e notadamente na comunidade em que vivem.

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4. O DANO MORAL

4..1.

CONCEITO

A moral do indivduo, como sntese de sua subjetividade, de sua honra, reputao, bom nome, um atributo essencial da vida em sociedade e, verdadeiramente, um dos traos marcantes do homem civilizado. Estes atributos constituem o que se denomina de direitos da personalidade, e que esto elencados no rol do art. 5 da Constituio Federal cuja regulamentao legal est prevista nos arts. 11 a 21 do Cdigo Civil Brasileiro. Esses so chamados de direitos essenciais, fundamentais do ser humano e que lhe permitem desenvolver a sua personalidade.

Em nosso ordenamento jurdico, os direitos da personalidade so outorgados a toda pessoa, indistintamente, no seu nascimento com vida. quando se considera que se inicia a personalidade jurdica, ou seja, quando uma pessoa se torna apta a adquirir direitos ou contrair obrigaes.

O dano toda diminuio dos bens jurdicos de uma pessoa em razo de um ato lesivo causado por outrem. H duas categorias jurdicas de dano, a primeira, caracterizada pelo ato lesivo ao patrimnio material, denominada de dano material ou patrimonial. A segunda, quando o ato lesivo atinge o patrimnio imaterial da pessoa, os seus direitos da personalidade (a honra, a liberdade, o nome, a imagens etc.) configurando-se em um dano moral. O dano moral, ou extrapatrimonial, origina para a vtima um prejuzo psquico ou moral, dores, angstias e frustraes e no passvel de mensurao econmica. O conceito de moral, neste caso, no se contrape ao conceito de fsico, e sim ao de patrimonial.

O dano moral seria, portanto, a privao ou diminuio dos bens precpuos na vida do homem, quais sejam, a paz, a liberdade individual, a integridade fsica, a honra, a reputao, causando-lhe sofrimento, dor, saudade etc. O dano moral pode causar um dano puramente moral, que seria a dor, o sofrimento ou pode, ainda, provocar um efeito patrimonial, como no caso de algum que atingido na sua integridade fsica permanece com uma cicatriz deformante que, alm do sofrimento, lhe prejudica na busca de um emprego.

11

4..2.

LEGISLAO PROTETIVA

A proteo estatal ao ser humano, mais do que ao trabalhador, tanto no seu aspecto fsico e patrimonial, quanto no seu aspecto subjetivo, relativo sua intimidade, privacidade, moral etc. so construes jurdicas recentes na Histria da humanidade. At o sculo XIX, no mundo ocidental, o trabalho escravo ainda era uma realidade. E, embora, j na Antiguidade tenha havido registros de normas que concediam uma proteo mnima aos trabalhadores, esta proteo no se estendia universalmente a todos.

No Brasil, o antigo Cdigo Civil de 1916, no que tange a reparao civil previa o dever de genrico de reparao pelo causador de um dano, no especificando, contudo, se a natureza deste dano seria apenas a material ou se contemplaria tambm o dano moral. Em artigos esparsos havia referncias a indenizaes por danos exclusivamente morais. Contudo, o legislador de 1916 tratou de forma cometida o assunto e deu-lhe um tratamento diferenciado no que concerne sua mensurao. Ora optou por computar a indenizao moral somente pela sua repercusso patrimonial (como no caso de morte, onde se considerava que o dano moral era inestimvel), ora o considerou ainda que sem esta repercusso e delegou ao juiz o arbitramento da reparao (como nos casos de violncia sexual ou ultraje ao pudor).

A jurisprudncia dominante na primeira metade sculo passado era pela negativa enftica do dano moral, ou quando muito, apenas o seu reconhecimento quando associado a uma repercusso patrimonial. O que no implica dizer que no se valorizasse a moral subjetiva, mas considera-se, sobretudo, a dificuldade de aferio da real existncia de um dano no patrimonial e na impropriedade tica, de acordo com os ditames da poca, de se pretender reparar pecuniariamente um dano moral.2

Nas ltimas dcadas do sculo XX, mais precisamente nos anos que antecederam a promulgao da Constituio de 1988, quando se inicia o perodo de abertura poltica aps os governos militares, a questo da preservao dos2

A este respeito digno de nota um trecho de uma deciso histrica do Supremo Tribunal Federal que negou a possibilidade de indenizao por dano puramente moral com base no Cdigo Civil de 1916: 'Nem sempre o dano moral ressarcvel, no somente por se no poder dar-lhe valor econmico por se no poder apreci-lo em dinheiro, como ainda porque essa insuficincia dos nossos recursos abre a parta a especulaes desonestas pelo manto nobilssimo de sentimentos afetivos(...)'. E nesse sentido consolidou-se a jurisprudncia da Excelsa Corte, considerando no ser indenizvel o dano moral em si mesmo(...)." In: CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. So Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 48.

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direitos fundamentais, da vida, da integridade fsica e moral e das liberdades individuais eram objetos e debates intensos em todas as camadas scias do pas. A tese da admissibilidade da indenizao por dano moral, neste perodo, comeou a encontrar respaldo na jurisprudncia, quando j se encontram decises favorveis ao seu reconhecimento mesmo antes da Constituio de 1988 .3

A proteo moral da pessoa no totalmente estranha ao Direito do Trabalho. A Consolidao das Leis do Trabalho, antes mesmo da Constituio Federal, j possua entre os seus dispositivos legais, determinaes acerca da proteo ao patrimnio imaterial do empregado e do empregador. Entre eles, os que caracterizam a justa causa tanto para o empregado quanto para o empregador4

e os que concedem proteo ao trabalho do menor, antes mesmo do5

Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069/90).

A Controvrsia acerca da possibilidade de reparao do dano moral estendeu-se at a promulgao da Constituio Federal de 1988, que extinguiu definitivamente o debate trazendo em seu bojo expressa previso a respeito.6

3

"Sempre atribumos mais valores s coisas materiais do que s coisas pessoais e de esprito. No se indenizam s ofensas pessoais, espirituais, e se indenizam os danos materiais. Quer dizer, uma honra e a boa fama do cidado. No se mediria a dor, esta no tem preo, indigno at cobrar (...). Tem-se que comear a colocar no pice de tudo no o patrimnio, mas os direitos fundamentais vida, integridade fsica, honra, boa fama, privacidade, direitos impostergveis da pessoa. O direito feito para a pessoa. No se concebe que se queira discutir ainda hoje se indenizvel ou no o chamado 'dano moral'!" Apelao Civil n 38.677 - 2 Cmara Civil - Porto Alegre - j. 29.10.81 - Desembargador Milton dos Santos-Martins. In: FLORINDO, Valdir. Dano Moral no Terreno das Relaes de Trabalho no Brasil. In: Revista LTr, vol. 65, n 06, junho de 2001, p. 675.4

Art. 482. Constituem justa causa para resciso do contrato de trabalho pelo empregador: (...). k) ato lesivo da honra ou boa fama praticado no servio contra qualquer pessoa, ou ofensas fsicas, nas mesmas condies, salvo em caso de legtima defesa, prpria ou de outrem. (grifo nosso) E ainda: Art. 483. O empregado poder considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenizao quando: (...) e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua famlia, ato lesivo da honra e boa fama. (grifo nosso)5

Art. 405. Ao menor no ser permitido o trabalho: (...) II - em locais ou servios prejudiciais sua moralidade. Art. 407. Verificado pela autoridade competente que o trabalho executado pelo menor prejudicial sua sade, ao seu desenvolvimento fsico ou sua moralidade, poder ela abrig-lo a abandonar o servio, devendo a respectiva empresa, quando for o caso, proporcionar ao menor todas as facilidades para mudar de funes. Art. 408. Ao responsvel legal do menor facultado pleitear a extino do contrato do contrato de trabalho, desde que o servio possa acarretar para ele prejuzos de ordem fsica ou moral.6

Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...)

13

A Constituio Federal prev, tambm, em seu artigo 1, no ttulo dos Princpios fundamentais, que a Repblica Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, a dignidade da pessoa humana. Assim, todos os demais dispositivos legais devero ser lidos luz deste preceito fundamental e com ele devem guardar harmonia. Neste sentido ratifica Jos Afonso da Silva:

A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputao que integram vida humana como dimenso imaterial. Ela e seus componentes so atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condio animal de pequena significao. Da por que o respeito integridade moral do indivduo assume feio de direito fundamental.

Embora, a expressa previso no texto constitucional houvesse encerrado a discusso acerca da possibilidade de reparao do dano moral, preciso ressaltar que poca da promulgao da Constituio j haviam outros dispositivos legais isolados que previam a reparabilidade do dano moral, entre eles a Lei de Imprensa (Lei n 5250/67, art. 49, I) e o Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes (Lei n. 4117/62, art. 84) . Aps a Constituio, outros dispositivos legais corroboraram o quanto previsto no texto constitucional, quais sejam, o Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.78/90. art. 6. VII) e o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/90, art. 17) .V assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alm de indenizao por dano material, moral e imagem. (...) X So inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao.7

7

8

9

10

Aquele que no exerccio da liberdade de manifestao de pensamento e de informao, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuzo a outrem, fica obrigado a reparar: I - os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, nmeros II e IV, no art. 18 e de calnia, difamao ou injria."8

Na estimao do dano moral, o Juiz ter em conta, notadamente, a posio social ou poltica do ofendido, a situao econmica do ofensor, a intensidade do nimo de ofender, a gravidade e repercusso da ofensa. 1 O montante da reparao ter o mnimo de 5 (cinco) e o mximo de 100 (cem) vezes o maior salriomnimo vigente no Pas. 2 O valor da indenizao ser elevado ao dobro quando comprovada a reincidncia do ofensor em ilcito contra a honra, seja por que meio for. 3 A mesma agravao ocorrer no caso de ser o ilcito contra a honra praticado no interesse de grupos econmicos ou visando a objetivos antinacionais.9

"So direitos bsicos do consumidor: VII - O acesso aos rgos judicirios e administrativos, com vistas preveno ou reparao de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteo jurdica, administrativa e tcnica dos necessitados.10

"O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade fsica, psquica e moral da criana e do adolescente, abrangendo a preservao da imagem da identidade, da autonomia, dos valores, idias e crenas, dos espaos e objetos pessoais. "

14

O Novo Cdigo Civil (Lei n. 10.406/2001) tambm concedeu inquestionvel proteo ao patrimnio imaterial do indivduo, porm, desta vez o fez expressa e inquestionvel em seu art. 186. .11

H que se ratificar que a reparao do ato lesivo causador do dano moral, objeto de proteo da Constituio e agora tambm do novo Cdigo Civil, no se refere exclusivamente ao dano causado moral do indivduo. O termo dano moral, conforme salientado anteriormente, refere-se ao patrimnio imaterial do indivduo (privacidade, intimidade, sentimento, a auto-estima e outros elementos da subjetividade humana) e no apenas a sua moral. Portanto, qualquer ato atentatrio a este patrimnio imaterial constitui-se em um dano moral (leia-se extrapatrimonial) suscetvel de reparao.

11

Art. 186. Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito. (grifo nosso)

15

5. O DANO MORAL NAS RELAES DE TRABALHOAs garantias constitucionais de proteo dignidade,

privacidade, imagem e moral do indivduo, enquanto normas emanadas da Constituio Federal, devem orientar todas as relaes entre os indivduos e, conseqentemente, no escaparia a esta regra a relao de emprego. O que nos permite considerar que estas garantias se incorporam implicitamente ao contrato de trabalho e que so uma limitao fundamental ao poder diretivo do empregador. Alm do que, preciso ressaltar que no contrato de emprego o objeto precpuo a fora de trabalho, no se estendendo aos limites subjetivos e pessoais do empregado.

Em consonncia com o que fora esclarecido anteriormente, so fartos na jurisprudncia e na doutrina os exemplos de prticas danosas moral do empregado, seja individual ou coletivamente. Embora, como dito anteriormente, a pessoa jurdica tambm possa ser vtima de dano moral, conforme, inclusive, smula emanada do Superior Tribunal de Justia. Contudo, na prtica, esta uma situao excepcional em termos quantitativos. Por conseguinte, as situaes a seguir exemplificadas referem-se aos danos cometidos em face do empregado pelo empregador.

A relao de trabalho abrange trs fases distintas, quais sejam: a pr-contratual (em que se iniciam as tratativas necessrias para a formalizao da contratao, tal como a seleo de candidatos aptos a ocuparem determinado posto de trabalho), a fase de execuo do contrato de trabalho (que aquela na qual as partes cumprem o quanto pactuado no contrato de trabalho) e, por fim, a de extino do contato de trabalho (que diz respeito s formalidades essenciais para o encerramento do contrato de trabalho). Alm destas, h ainda um quarto momento em que, embora no haja as tratativas que precedem formalizao de um contrato ou a prpria vigncia do contrato, pode-se dizer que h ainda uma situao jurdica decorrente dos princpios da boa-f e lealdade que orientam o contrato. Nesta situao, eventuais comportamentos danosos em relao a exempregado em razo do trabalho, tambm ensejaro a reparao por dano moral.

Os

exemplos

a

seguir

elencados

referem-se

a

atos

ensejadores de reparao por dano moral praticados nas quatro hipteses (momentos) acima elencadas.

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5.1. NA FASE DE PR-CONTRATAOA fase pr-contratual contempla a escolha ou seleo de um candidato para ao posto de trabalho disponibilizado. O procedimento corriqueiramente adotado consiste em buscar identificar aptides e habilidades que so consideradas essenciais para o bom desenvolvimento da atividade profissional objeto do contrato de trabalho que ser pactuado. A identificao do perfil do candidato passa normalmente por testes, entrevistas, questionrios e outros processos corriqueiramente adotados. Contudo, existem limites de bom senso e razoabilidade para que se proceda ao levantamento de informaes, sob pena de se caracterizar uma violao intimidade do trabalhador. Esta pode ocorrer, por exemplo, quando os dados aferidos nesta fase no guardam uma estreita relao com a atividade profissional a ser exercida.

A invaso da privacidade do entrevistado pode ser efetivada, inclusive, para dar ensejo outra prtica danosa, qual seja, a da discriminao em razo de sexo, estado civil, orientao sexual, raa, religio, entre tantas outras. A este respeito Lei n 9.029 de 1995, em seu artigo 1 estabelece a proibio de prticas discriminatrias para a seleo e/ ou permanncia do empregado no emprego, in verbis: "Fica proibida a adoo de qualquer prtica discriminatria e limitativa para efeito de acesso a relao de emprego, ou sua manuteno, por motivo de sexo, origem, raa, cor, estado civil, situao familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipteses de proteo ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7 da Constituio Federal.

Rompimento de tratativas pr-contratuais unilateralmente em circunstncias que gerem efetivos prejuzos ao empregado. O simples rompimento das tratativas prcontratuais injustificadamente por si s no gera o dano moral. O dano existir quando h uma previso de admisso comunicada pelo empregador e o empregado, diante desta situao, abandone o emprego anterior ou outra proposta de emprego de igual nvel.

H ainda as discriminaes contra os negros e deficientes fsicos. A ttulo de exemplificao da prtica discriminatria em razo de cor, notcia veiculada no site do Ministrio Pblico do Trabalho em 04.03.2004 informa sobre a abertura de trs procedimentos investigatrios acerca de prticas de discriminao de pessoas negras na Bahia. Em Salvador, apesar de 80% da populao ser negra, raras vezes os afro-brasileiros so encontrados em cargos de recepo e gerncia nos hotis, shoppings e restaurantes da cidade.

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Outra prtica comum em processo de seleo de empresas que publicam informes jornalsticos de vagas de trabalho de forma discriminatria, fazendo exigncias de idade, boa aparncia, cor, sexo e estado civil.

Como exemplo de prticas discriminatrias contra a mulher nesta fase cite-se a exigncia de atestado de esterilizao ou teste de gravidez.

5.2. NA FASE DE EXECUO DO CONTRATO

Durante a execuo do contrato de trabalho o empregado encontra-se subordinado juridicamente ao poder diretivo do empregador, pois cabe a ele, empregador, dirigir a prestao de servios de forma pessoal, com poder hierrquico e disciplinar, mediante a remunerao. Esta circunstncia o torna mais vulnervel a extrapolar os limites de sua autoridade e no so incomuns os exemplos de prticas atentatrias, entre elas as abaixo elencadas, alm do assdio moral e sexual que sero tratadas em captulos prprios.

Um exemplo corriqueiro a da revista pessoal praticada de forma vexatria. A revista pessoal no considerada em si um ato ilcito, pois estaria contemplada dentro do poder fiscalizatrio regular do empregador. considerada atentatria a revista pessoal que cause constrangimento e coloque o empregado em situao vexatria, ou seja, aquela em que no haja a divulgao prvia de sua ocorrncia, pormenorizando os motivos de sua realizao e os procedimentos que sero adotados, que no seja realizada por empregado do mesmo sexo ou em instalaes reservadas e cujo critrio de seleo no seja discriminatrio, com o uso de sorteio, por exemplo. De acordo com a jurisprudncia majoritria, as revistas pessoais so legtimas, salvo quando no observem os critrios necessrios para salvaguardar a honra e a intimidade do empregado, quando ento seriam vexatrias por atentarem contra a intimidade e a moral do indivduo, que so garantias fundamentais de todo pessoa e esto previstas na Constituio Federal. Contudo, cabe salientar, que h um entendimento, embora minoritrio, de que revista pessoal fere a honra e a intimidade do trabalhador, ainda que estejam convencionadas em acordo coletivo, pois as garantias constitucionais no podem ser sobrepujadas e porque o contrato de trabalho deve pressupor um mnimo de fidcia entre as partes.

Como meio fiscalizatrio alternativo revista pessoal, algumas empresas procedem instalao de equipamentos de filmagens nos banheiros de utilizao

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dos empregados, gerando um enorme constrangimento moral e social para quem necessite utiliz-los e ferindo o direito constitucional de privacidade.

Acusaes no comprovadas de furto que, em algumas vezes, so seguidas de coao ou castigos fsicos para confirmao do suposto delito ou de revista ntima feita de forma vexatria.

A despedida arbitrria de trabalhadores portadores do vrus da AIDS. A jurisprudncia tem entendido como um caso de discriminao que fere a dignidade da pessoa humana a despedida que seja feita em razo da doena, com claro contedo discriminatrio. A despedida no discriminatria no arbitrria, pois a legislao brasileira no reconhece estabilidade ao portador do HIV. A Organizao Internacional do Trabalho (OIT), de acordo com notcias veiculadas no prprio site do TST em 30.12.2004, coloca o Brasil entre os pases que mais discrimina os portadores de HIV e os deficientes fsicos e mentais nas relaes de trabalho. Esta discriminao se efetiva dificultando a sua admisso, demitindo-os ou designando-os para tarefas abaixo de suas potencialidades, com diferenas de salrio que chegam a 45%.

Em decorrncia de acidente de trabalho ou de doena profissional equiparada a acidente de trabalho.

Anotaes na carteira de trabalho do empregado, tais como a de faltas ao servio, inclusive quando j foi efetuada a punio ao mesmo com a perda do direito fruio das frias, pode ensejar tratamento discriminatrio ao empregado no mercado de trabalho. Ainda porque anotaes deste tipo no so autorizadas por lei ou por portarias do Ministrio do Trabalho. Tais anotaes podem demonstrar um objetivo incontestvel da empresa macular a identidade profissional do empregado.

Procedimentos discriminatrios em relao mulher como a prtica de algumas empresas de utilizarem critrios de promoo e remunerao diferentes para homens e para mulheres. Outra prtica registrada na jurisprudncia dos tribunais o tratamento degradante mulher em estado de gestao cuja demisso fora impedida pela apresentao do atestado de gravidez.

5.3. NA FASE DE EXTINO DO CONTRATO

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Desde a pactuao pr-contratual at a extino do contrato de trabalho a relao entre as partes deve se pautar pela observncia dos princpios norteadores das relaes jurdicas, entre eles o princpio da boa-f, da vedao prtica do abuso de direito e a estrita observncia das garantias constitucionais da personalidade, tais como a imagem, a dignidade, a moral e a no discriminao.

A mera resciso do contrato de trabalho sem justa causa por parte do empregador no prtica ensejadora de dano moral, pois que age este no exerccio regular de um direito. O dano moral poder se caracterizar em razo da forma como a resciso ser efetuada, se esta se mostrar degradante para o empregado ou se macular a sua imagem profissional, atravs de atitudes abusivas, humilhantes e com publicidade indevida.

Nesta situao, configura um abalo moral do empregado a despedida em que h acusao de desonestidade, como roubo, extravio ou fraude de qualquer natureza que no venha a ser comprovada. Notificar polcia a suspeita da ocorrncia de fatos desta natureza e solicitar as providncias cabveis, no constitui um ato ilcito. , em verdade, o exerccio de um direito do empregador, ainda que ao final haja a absolvio dos suspeitos, desde que no haja malcia ou m-f por parte do empregador e o fato em si tenha sido conduzido com a discrio necessria.

5.4. APS A EXTINO DO CONTRATO DE TRABALHO

Ao fim do contrato de trabalho, como o empregado no se encontra mais sob o poder diretivo do empregador, os casos de dano moral costumam estar mais relacionados a um abuso de poder visando restringir novas possibilidades de trabalho do empregado como forma de retaliao.

Um exemplo corriqueiro a divulgao da denominada "lista negra", que so as listas formadas pelas empresas, que divulgam entre si o seu contedo, de forma a evitar a futura contratao de um ex-empregado que haja acionado judicialmente a empresa em que trabalhou. Estas listas so listas de excluso e discriminao, que atentam no apenas moral individual dos trabalhadores discriminados, mas tambm organizao do trabalho, pois visam coibir o acesso legtimo s vias judiciais. Em razo da proliferao destas listas, em 2002, aps uma denncia do Procurador-Chefe do Ministrio Pblico do Trabalho, o Pleno do Tribunal Superior

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do Trabalho determinou a retirada da possibilidade de pesquisa de processos pelo nome da parte, como forma a coibir esta prtica discriminatria.

Outra hiptese ocorre quando, diante da solicitao de informaes acerca de exempregados, sejam feitos comentrios desabonadores e infundados que dificultem a sua reinsero no mercado de trabalho. Ao ser solicitada, a informao deve ser prestada acerca de fatos que se relacionam ao trabalho, como o tempo de durao do contrato de trabalho e se a despedida foi por justa causa ou no. Porm, se o fato dito de forma que sejam utilizados qualificativos na narrao, pode se configurar como ato atentatrio moral do ex-empregado, pois que a divulgao constrangedora de fato, ainda que verdico, enseja dano moral.

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6. O ASSDIO SEXUAL

6.1. INTRODUONo captulo antecedente foram abordadas diversas hipteses de atos atentatrios aos direitos da personalidade do indivduo no contexto da relao de trabalho, compreendida nesta no apenas o perodo de durao do vnculo, mas tambm o que antecede e que sucede a este. Estas hipteses configuram-se, conforme ficou esclarecido, em danos moral do empregado.

Alm das hipteses citadas, h inmeras outras. Tantas quantas a criatividade ou a morbidez do homem possa criar. Contudo, algumas hipteses tm, contemporaneamente, merecido destaque da doutrina e da jurisprudncia porque, embora no sejam fenmenos recentes, ganharam maior expresso ou tratamento legal especfico nos ltimos tempos. Este o caso do assdio sexual e tambm do assdio moral (este ltimo ser objeto de estudo no captulo posterior).

O assdio sexual est estritamente relacionado com a moral individual e coletiva que permeia as relaes humanas ao longo dos tempos. No se pode dizer que num determinado perodo histrico houvesse qualquer homogeneidade no que concerne conduta humana. As relaes humanas e os padres de comportamento variam em razo do tempo, da religio, da etnia, da cultura e de tantos outros fatores. Em razo disso, mesmo na atualidade o simples ato de cumprimentar as pessoas pode ser criar situaes embaraosas, pois a troca de beijos na face, por exemplo, pode ser uma prtica habitual em determinadas culturas e um ato de invaso de privacidade absolutamente repelido em outras.

Contudo, os padres legais de comportamento embasam-se na moral do indivduo mdio no contexto geogrfico, cultural e histrico em que se encontra. Este o elemento embasador para que sejam observados os limites nas relaes em geral, e nas relaes de trabalho, aqui consideradas. Tanto assim, que no contexto internacional tanto a caracterizao do assdio sexual quanto a penalidade aplicvel ao caso possuem solues especficas, como de resto acontece nos demais institutos do direito. A ttulo de exemplo, na Frana a Lei n 98-468 de 1998 estabelece pena de um ano de priso ou multa de 100.000 francos franceses como penalizao pela ocorrncia do assdio sexual. Em Portugal, a pena

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pode ser priso por at trs anos. Na Espanha, a pena pode variar de seis a doze fins de semana ou multa a ser estabelecida.12

Pesquisa acerca do assdio moral realizada pelo Sindicato das Secretrias do Estado de So Paulo (SINSESP) em 1996 demonstrou que 24,03% de um universo de 1.062 entrevistados j haviam sido vtimas de assdio sexual e que 38,53% conheciam algum que j tinha sido vtima de assdio sexual . Contudo, outra pesquisa realizada pela empresa Brasmarket em doze capitais brasileiras e publicada na Revista Veja em 1995 apresentou resultados mais preocupantes, pois demonstrou que 52% das trabalhadoras brasileiras j foram assediadas.14 13

6.2. CONCEITO E DENOMINAES

No Brasil, o conceito de assdio sexual derivado da Lei n 10.224, de 2001 que criminalizou a conduta acrescentando no Cdigo Penal Brasileiro o art. 216-A. Este artigo estabelece que constituir assdio sexual constranger algum com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condio de superior hierrquico ou ascendncia inerente ao exerccio de emprego, cargo ou funo.

O assdio sexual pressupe perseguir com insistncia, coagir, insinuar, molestar algum com objetivos de ordem sexual. A conduta ofensiva no pode ser permitida, consentida, pois neste caso, estaria descaracterizado o assdio. O assdio pode ser efetivado atravs de atos ou palavras de conotao sexual que afetem a dignidade do assediado.

A criminalizao do assdio sexual demonstrou em que termos o legislador brasileiro o compreendia. Isso porque, antes da tipificao, muito se discutiu se haveria o assdio apenas quando houvesse uma relao de poder e, conseqentemente, de subordinao entre o assediador e assediado ou no. No direito comparado h pases em que no adotaram a necessidade da relao de poder e outros que a indicaram como12

ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Assdio sexual no emprego. Represso penal e reparao civil. In: Revista do Advogado da Associao dos Advogados de So Paulo, ano XXII, n 66, Junho/ 2002, p. 41. 13 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O assdio sexual na relao de emprego . So Paulo: LTr, 2001, p. 99 1 100. 14 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assdio sexual: questes conceituais. In: Revista de Direito do Trabalho. n 103, ano 27, Julho-Setembro de 2001, p. 187.

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um agravante na ocorrncia do assdio sexual. No Brasil, segundo se infere da leitura do prprio dispositivo do Cdigo Penal, imprescindvel a relao de ascendncia entre o assediador e o assediado. Contudo, h divergncia doutrinria a respeito, podendo ser encontrados valorosos argumentos favorveis e contra a imprescindibilidade do atributo da ascendncia.

Contudo, ainda que admitamos, em linha com o Cdigo Penal, que o assdio sexual s ocorrer quando ficar configurada a relao de ascendncia, as condutas de natureza sexual praticadas por pessoas de mesmo nvel hierrquico dentro das empresas no estaro margem da represso penal e trabalhista. As condutas sexuais inoportunas cujo autor e vtima se encontrem no mesmo nvel hierrquico, embora no contempladas no tipo penal especfico, no escapam tipificao penal, pois podem, eventualmente, estar caracterizadas em outros tipos penais, quais sejam, constrangimento ilegal ou ameaa. Na esfera trabalhista a incontinncia de conduta ou mau procedimento so enquadrados como falta grave e do ensejo demisso por justa causa, assim como o assdio sexual. Estes comportamentos, embora no enquadrados no tipo penal assdio sexual, tambm daro ensejo reparao por dano moral.

A alterao legislativa tambm restringiu a caracterizao do assdio sexual relao de emprego, contudo, condutas abusivas podero ocorrer tambm em outras esferas das relaes humanas, tais como no meio acadmico, entre professores e alunos, no meio mdico, entre profissionais da sade e pacientes, entre outras. Tambm neste caso, embora no estejam caracterizadas como assdio sexual contemplado no Cdigo Penal, a conduta tambm poder eventualmente ser caracterizada como constrangimento ilegal ou ameaa e igualmente ensejar a reparao por dano moral.

Na

doutrina

internacional15

o

assdio

sexual

recebe

a

denominao de acoso sexual, em espanhol, harclement sexuel, em francs, sexual harassment, em ingls e molestie sessuali, em italiano.

6.3. SUJEITOS

Para que ocorra o assdio sexual necessrio que haja um autor do ato ilcito, o assediador ou assediante, e a vtima do cerco, que o assediado. Na maioria dos casos que chegam ao conhecimento pblico o autor do assdio um homem e a vtima uma mulher, contudo, est no a nica forma de manifestao do assdio. Ele15

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assdio sexual: questes conceituais. Op. Cit., p. 183.

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pode ocorrer por parte de uma mulher contra um homem e, inclusive, entre indivduos do mesmo sexo. O fato de a mulher ser habitualmente a maior vtima do assdio atribudo a uma conjuntura social na qual os homens ocupam a maioria dos cargos de comando.

6.4. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO ASSDIO SEXUAL

Os

elementos

identificadores

do

assdio

podem

ser

estabelecidos a partir de um padro mdio de comportamento, contudo, a conduta em si e a potencial reao que esta poder provocar na vtima so elementos subjetivos que, como realado anteriormente, podem variar em razo de fatores culturais, religiosos e outros. Portanto, o assdio sexual um conceito permeado de subjetividade, em que o afetado deve saber que atitudes lhe afetam ou no. Os elementos que o caracterizam no se referem ao ato em si, mas as condutas que o envolvem.

Os elementos que caracterizam o assdio sexual so: Que haja um comportamento com conotao sexual, que pode ser verbal ou fsico; Que este comportamento no seja desejado e, ao contrrio, rechaado pela vtima; Que tenha influncia negativamente nas condies de trabalho da vtima; Que o autor sabia ou deveria saber que tal comportamento ofensivo ou humilhante para a vtima; Que, em princpio, comporta uma discriminao em razo de sexo. E embora a vtima predominantemente seja mulher, poder tambm ser praticado contra um homem ou, ainda, contra pessoa do mesmo sexo; Que deve ser efetuado pelo prprio empregador ou por um superior hierrquico; Que o assdio pode ser praticado em benefcio prprio ou em favor de algum;

Como exemplo de condutas especficas de assdio sexual, a Costa Rica editou em 1995 a Lei n 7476 que em seu artigo 3 determina quais seriam estas condutas:

a) Requerimento de favores sexuais que impliquem a promessa de tratamento especial;

b) Ameaa, fsica ou moral, de danos ou castigos referentes situao atual ou futura de emprego ou de estudo de quem as receba, ou exigncia de uma conduta, cuja sujeio seja condio para o emprego ou estudo;

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c) Uso de palavras de natureza sexual, escritas ou verbais, que resultem hostis, humilhantes ou ofensivas e por condutas fsicas de natureza sexual, indesejadas ou ofensivas para quem as receba.

6.5. ESPCIES DE ASSDIO SEXUAL

A doutrina aponta duas formas de ocorrncia do assdio sexual, quais sejam:

O assdio sexual por intimidao: que se efetiva atravs da coao, do exerccio sobre a vontade da vtima para obrig-la a se submeter vontade do assediador, ou seja, h um abuso de autoridade que se manifesta atravs de ameaa de perda de benefcios ou at de demisso para que a vtima preste favores sexuais. Esta a forma mais comum de manifestao do assdio sexual.

O assdio sexual por chantagem: nesta hiptese h insinuaes de ordem sexual ou outras manifestaes da mesma ndole com o intuito de criar uma situao ofensiva, um ambiente de trabalho hostil e intolervel para a vtima. Esta situao tambm denominada de assdio sexual ambiental, pois o seu objetivo de criar uma situao hostil, de intimidao que venham a prejudicar a atuao profissional da vtima. Neste caso so utilizadas frases com conotao sexual, de duplo sentido, embaraosas ou humilhantes, insinuaes sexuais, exibio de material pornogrfico e outros.

De qualquer forma, esta uma classificao meramente doutrinria sem grandes repercusses prticas. Nas duas espcies fica caracterizado a conduta do assediador com finalidade sexual, utilizando-se para tanto da coao moral ou material, que no ambiente de trabalho se caracteriza por ameaas concernentes permanncia em cargo de confiana, a continuidade no emprego ou outras de natureza laboral.

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6.6. FORMAS

DE

PREVENO

DO

ASSDIO

SEXUAL

NAS

RELAES DE EMPREGO

O Cdigo Civil Brasileiro, como dito anteriormente, estabelece a responsabilidade do empregador pelos atos de seus empregados, ainda que o assediador seja uma pessoa sem qualquer poder de mando. Isto porque, como foi visto, compete ao empregador manter o ambiente de trabalho saudvel moral e fisicamente. Neste sentido, imprescindvel que sejam tomadas todas as medidas possveis de preveno e represso ao assdio moral.

As medidas de preveno ao assdio sexual no mbito das empresas envolvem a veiculao de informaes que efetivamente tragam um esclarecimento acerca do assunto, definindo o assdio sexual, as responsabilidades decorrentes e os meios de defesa das vtimas. Deve haver um procedimento interno que possibilite a denncia de sua ocorrncia e que esta, uma vez efetivada, seja apurada e que sejam tomadas as medidas corretivas cabveis. Durante a apurao deve se ter o cuidado para que no haja uma publicidade desnecessria em torno do caso para se evitar que outros danos intimidade da vtima, bem como deve ser evitada a ocorrncia de represlia por parte dos acusados, que via de regra, detm poder de mando e influncia.

Em razo das conseqncias danosas que o assdio sexual pode gerar para as empresas, muitas delas tem registrado em seus cdigos de tica ou regulamento regras de conduta que visam evitar a prtica de atos discriminatrios entre seus empregados, entre eles o prprio assdio sexual. A este respeito Rodolfo Pamplona Filho cita o caso do Cdigo de Consulta para os Colaboradores da empresa Siemens, que estabelece em seus item 4 e 6: Nenhum colaborador pode atuar de maneira discriminatria, especialmente quanto raa, religio, idade, sexo ou qualquer condio fsica. Assdio sexual proibido e Os colaboradores no devem se prevalecer inadequadamente de sua posio na empresa. No podem receber, permitir que outros recebam ou conceder a terceiros vantagens que extrapolem as polticas comerciais usuais.

Parte da doutrina trabalhista defende a tese de que a empresa que adota medidas claras e precisas contra o assdio sexual pode ter a sua responsabilidade mitigada nos tribunais. Por outro lado, falta desta medida caracterizaria a omisso do empregador no cumprimento de seu dever de garantir um ambiente de trabalho saudvel. Portanto, no resta dvidas de que o interesse primordial em combater

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o assdio sexual deve ser do empregador, utilizando-se de suas prerrogativas decorrentes do poder de comando e disciplinar.

6.7. CONSEQNCIAS DO ASSDIO SEXUAL NAS RELAES DE EMPREGO

6.7.1. Conseqncias gerais

A prtica do assdio

sexual no trabalho traz

srias

conseqncias para a vtima, para a empresa em que a prtica ocorreu e, como extenso, a todo o ambiente de trabalho que ter suas condies de normalidade degradadas. O assdio pode deteriorar o relacionamento entre os colegas de trabalho e a imagem da empresa perante o pblico e os seus clientes, alm do alto custo envolvido na sua reparao.

Para o assediado, no plano profissional, pode verificar-se uma alterao da conduta profissional da vtima, com a diminuio de rendimento e faltas ao trabalho numa tentativa de se esquivar do problema. No plano pessoal, podem ocorrer seqelas fsicas e psicolgicas, podendo vir a desenvolver depresso, ansiedade e outras manifestaes de carter psicossomtico. Alm do que, a divulgao, ainda que restrita do fato, gera uma situao vexatria para a vtima e pode at, dependendo das circunstncias, gerar tambm represlias e estigmatizaro da vtima.

6.7.2. Conseqncias jurdicas

Uma vez caracterizado o assdio sexual, a vtima poder requerer a resciso indireta do contrato com base no art. 483, alnea e da Consolidao das Leis do Trabalho, que estabelece que o empregado poder considerar rescindido o contrato de trabalho e pleitear a devida indenizao quando o empregador ou seus prepostos praticar contra ele ou algum de sua famlia, ato lesivo da honra e boa fama.

Concomitantemente, poder o empregado ajuizar a ao de reparao por danos morais e materiais para obter a reparao do assdio sexual sofrido no local de trabalho. A empresa empregadora, como j foi dito anteriormente,

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ser responsvel solidariamente com o empregado assediador pelos danos causados, sem prejuzo do direito de regresso contra os causadores do dano.

O empregado assediador poder ter seu contrato rescindido por justa causa em razo do previsto no art. 482, alnea b da Consolidao das Leis do Trabalho, que preceitua como uma das hipteses de justa causa a incontinncia de conduta ou o mau procedimento. A incontinncia de conduta caracteriza-se pela vida desregrada, pela perda da respeitabilidade e do bom conceito junto aos seus pares. O mau procedimento um conceito amplo que pode abarcar as hipteses em que um ato do empregado, pela sua gravidade, impede a continuao do vnculo laboral. Acrescente-se ainda a responsabilizao patrimonial do assediador em razo de ao de regresso que poder ser proposta pelo seu empregador para se ressarcir dos gastos que teve em razo de sua conduta.

Acrescente-se ainda que o assdio sexual, como foi dito acima crime tipificado no art. 216-A do Cdigo Penal, com pena prevista de deteno de um a dois anos. Este crime, a teor do disposto no art. 225 do Cdigo Penal, condiciona-se iniciativa da parte por se tratar de ao penal privada.

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7. O ASSDIO MORAL

7.1. INTRODUO

O assdio moral no um fenmeno apenas jurdico, mas tambm social, mdico e psicolgico. Ele pode ocorrer nas diversas relaes humanas, contudo o enfoque aqui presente relaciona-se estritamente ao assdio moral que ocorre no campo das relaes de trabalho.

Embora no seja um fenmeno recente, sua ocorrncia encontra-se em muitos casos atrelada ao contexto das relaes de trabalho contemporneas. Pesquisas realizadas na Europa entre o perodo de 1998 a 2000 nos permitem ter um panorama de sua incidncia na Europa: (...) segundo um relatrio recente da OIT, apresentado na Conferncia Internacional de Traumas do Trabalho (...) 53% dos empregados na GrBretanha disseram j ter sofrido ataques oriundos de um tal comportamento no local de trabalho, enquanto 78% declararam que j tinham sido testemunhas de uma tal situao. A Linha de Atendimento Nacional Britnica s denncias de assdio moral registrou 4.000 casos de assdio, dentre os 5.000 que pesquisou nos ltimos cinco anos. Mais de dois teros provenientes do setor pblico. Na Sucia, 10 a 15% dos suicdios cometidos tm origem em algum sofrimento por assdio moral. (...) Na Frana, 30% dos empregados declararam estar sofrendo assdio moral no trabalho e 37% disserem ter sido testemunhas do assdio moral de um colega. O fenmeno abrange tanto homens (31%) quanto mulheres (29%), e tanto gerentes (35%) quanto operrios (32%). E est presente da mesma forma nas empresas privadas (30%) e nas pblicas (29%)".16

Entre as causas apontadas para a ocorrncia do assdio moral est a hierarquia rgida na administrao das relaes humanas e de produo no ambiente de trabalho. Esta rigidez apontada como um fator que dificulta a comunicao e o dilogo franco entre os superiores hierrquicos e seus subordinados e entre os altos dirigentes das empresas e os empregados de baixo escalo. Em tais circunstncias, uma situao de assdio moral pode no ser denunciada por medo ou falta de confiana. A insegurana derivada da alta competitividade no ambiente de trabalho associada ao alto

16

SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendona. O Assdio Moral no Direito do Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho. n 103, ano 27, Julho-Setembro de 2001, p. 143.

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ndice de desemprego, tambm so apontados como causas da ocorrncia do assdio moral e da sujeio das vtimas a tais atos. Nesta condio, o empregado pode tentar sobrepor a sua autoridade ou demonstrao de eficincia em detrimento de outros colegas de trabalho. Pode, por outro lado, demonstrar uma atitude de submisso, por entender no se enquadrar no perfil do empregado competitivo, capaz, qualificado e criativo. Em suma, o recrudescimento do assdio moral nas relaes de trabalho pode estar associado s tendncias modernas de administrao das relaes de trabalho que propugnam por este fenmeno da competitividade associado a fatores histrico-econmicos contemporneos, tais como desemprego e rotatividade no emprego.

7.2. CONCEITO E DENOMINAES

Na doutrina internacional dois conceitos bastante elucidativos so apontados, quais sejam, o da francesa Marie-France Hirigoyen e do sueco Heinz Leymann, que se seguem respectivamente: O assdio moral no trabalho qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetio ou sistematizao, contra a dignidade ou integridade psquica ou fsica de uma pessoa, ameaando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

E A deliberada degradao das condies de trabalho atravs do estabelecimento de comunicaes no ticas (abusivas), que se caracterizam pela repetio, por longo perodo de tempo, de um comportamento hostil de um superior ou colega (s) contra um indivduo que apresenta, como reao, um quadro de misria fsica, psicolgica e social duradoura.17

Em Portugal o Projeto de Lei n 252/VIII esclarece o que se configura como uma degradao das condies de trabalho: Por degradao das condies fsicas e psquicas dos assalariados nos locais de trabalho entendem-se os comportamentos dolosos dos empregadores, conduzidos pela entidade patronal e/ ou seus representantes, sejam eles17

MENEZES, Cludio Armando C. de. Assdio Moral e seus efeitos jurdicos. In: Revista LTr, Vol. 67, n 063 Maro de 2003, p. 291.

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superiores hierrquicos, colegas e/ ou quaisquer pessoas com poder de facto para tal no local de trabalho.

O caracterizadores de tal situao:

referido

Projeto

exemplifica

quais

atos

seriam

Os actos e comportamentos relevantes para o objeto da presente lei caracteriza-se pelo contedo vexatrio e pela finalidade persecutria e/ ou isolamento, e traduzem-se em consideraes, insinuaes ou ameaas verbais e em atitudes que visem a desestabilizao psquica dos trabalhadores com o fim de provocarem o despedimento, a demisso forada, o prejuzo das perspectivas de progresso na carreira, o retirar injustiado de tarefas anteriormente atribudas, a penalizao do tratamento retributivo, o constrangimento ao exerccio de funes ou tarefas

desqualificantes para a categoria profissional do assalariado, a excluso da comunicao de informaes relevantes para a actividade do trabalhador, a desqualificao dos resultados j obtidos. Estes comportamentos revestem-se de um carter ainda mais gravoso quando envolvem desqualificao externa (para fora do local de trabalho) dos trabalhadores, atravs do fornecimento de informaes erradas sobre as suas funes e/ ou as suas categorias profissionais e de desconsideraes e insinuaes prejudiciais sua carreira profissional e ao seu bom nome.18

A Lei Municipal de So Paulo n 13.288/2001, conceitua o que o assdio moral no mbito da administrao pblica: Para fins do disposto nesta lei considera-se assdio moral todo tipo de ao, gesto ou palavra que atinja, pela sua repetio, a auto-estima e a segurana de um indivduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competncia, implicando em dano ao ambiente de trabalho, evoluo da carreira profissional ou estabilidade do vnculo empregatcio do funcionrio, tais como: marcar tarefas com prazos impossveis; passar algum de uma rea de responsabilidade para funes triviais; tomar crdito de idias de outros; ignorar ou excluir um funcionrio s se dirigindo a ele atravs de terceiros; sonegar informaes de uma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistncia; subestimar esforos.

Em razo de uma de suas manifestaes mais freqentes ser a de um superior hierrquico em relao ao seu subordinado, o assdio moral tambm 18

MENEZES, Cludio Armando C. de. Assdio Moral e seus efeitos jurdicos. In: Revista LTr, Vol. 67, n 063 Maro de 2003, p. 291.

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conceituado como um abuso de direito do empregador no exerccio do seu poder diretivo e disciplinar.

Vrias

so as

denominaes

apontadas

pela

doutrina

internacional para o assdio sexual. Na Frana, denominado harclemen moral; na Itlia, na Alemanha e nos pases escandinavos, mobbing; na Austrlia, bullying; e na GrBretanha e nos Estados Unidos, emotional abuse ou mistreatment.

7.3. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO ASSDIO MORAL

Os conflitos so inerentes a todas as relaes humanas e sua ocorrncia pode decorrer do confronto de valores, culturas ou opinies diferentes. A caracterizao e a prova da ocorrncia de um dano moral no tarefa fcil, posto que h elementos de subjetividade dentro de sua prpria conceituao. Quando se analisa o efeito provocado por determinada conduta ofensiva na vtima, deve-se considerar a sua moral individual, que fruto de uma determinada formao histrico-cultural. Contudo, para dirimir esta questo, o parmetro ser sempre aquele conceituado como o do homem mdio, ou seja, aquele compatvel com a moral mdia reconhecida pela sociedade presente. A moral e a honra protegidas como direitos fundamentais em nossa Constituio Federal, referem-se a boa imagem, a boa reputao, ao bom nome, a proteo aos valores internos, tais como convices religiosas, assim reconhecidos pela mdia da sociedade.

No se caracteriza como prtica de assdio moral a mera discusso entre pessoas que dividem o mesmo local de trabalho. Para a sua ocorrncia necessrio que a conduta praticada tenha durao, meios utilizados e finalidade que lhe so caracterizadores.

7.3.1. A durao

Quanto durao, no se pode dizer que um ato isolado, ainda que fruto de um destempero momentneo, seja uma prtica de assdio moral. O prprio termo assdio traz implcita a idia de repetio. O significado do termo assdio : Perseguir com insistncia; Insistncia importuna, junto de algum, com perguntas, propostas, pretenses, etc; Importunar, molestar, com perguntas ou pretenses

33

insistentes.

19

Portanto, o assdio pressupe uma insistncia, uma repetio de uma

conduta agressiva, ainda que, isoladamente, os atos sejam considerados pouco ofensivos. a repetio do ato que permite inferir que h, de fato, uma inteno inequvoca de prejudicar a vtima. A repetio no permite que uma conduta agressiva seja confundida com uma atitude destemperada, porm isolada.

7.3.2. Os meios utilizados

Em relao aos meios empregados no assdio moral, estes podem se exteriorizar atravs de palavras, gestos, escritos repetidos ou quaisquer outros meios, ostensivos ou dissimulados, que visem deliberadamente degradar as condies de trabalho da vtima de tais comportamentos. Embora, na prtica possa o assdio possa ocorrer por meio escrito, a facilidade de comprovao evita a sua ocorrncia por este meio, optando-se por agresses verbais ou outras mais sutis e de mais difcil comprovao.20

Marta Halfeld F. M. Schmidt, em obra j citada, condutas tpicas do assdio moral:

cita como

a) Desconsiderar a vtima; b) Isol-la; c) Impedi-la de se exprimir; d) Desacredit-la no seu trabalho; e) Acus-la de parania, se ela tenta se defender.

E ainda: Atitudes tais como gozaes sobre seu jeito de ser ou sobre seus pequenos defeitos (supostos ou reais), ataques sua vida privada (famlia, reputao), ridicularizaes, boatos (...), jogos de subtendidos que todos compreendem, mas contra os quais quase impossvel se defender, obrigao de desempenho de atividades claramente superiores ou inferiores sua capacidade, etc.

Um outro meio recorrente para tal prtica a de induzir a prpria vtima ao isolamento como forma de se proteger dos ataques sucessivos e,19

HOLANDA FERREIRA, Aurlio Buarque de. Dicionrio Aurlio Eletrnico Sculo XXI. Verso 3.0 Novembro de 1999. 20 SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendona. Op. Cit. p. 149.

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principalmente, quando h concorrncia ou omisso em relao a eles dos demais colegas de trabalho.

7.4. ESPCIES DE ASSDIO MORAL

A existncia do assdio moral foi estudada como fenmeno mdico e social pela primeira vez por um mdico sueco naturalizado alemo, o Dr. Heinz Leymann. Ele dividiu o assdio moral em trs categorias segundo os nveis de hierarquia existentes nas relaes de trabalho e uma quarta que seria a combinao entre elas. Estas categorias so:

a) Mobbing horizontal: nesta categoria a conduta abusiva direcionada a um empregado e praticado por outro ou outros de mesmo nvel hierrquico impulsionados por razes diversas que podem compreender entre elas, o cime por um desempenho profissional destacada ou por um salrio mais elevado.

b) Mobbing descendente: o assdio moral descendente mais freqente em razo do poder hierrquico do empregador ou de seus representantes. Nesta situao, h uma fragilidade pr-constituda reconhecida, inclusive, pela lei, que trata o empregado como o hipossuficiente na relao de trabalho. Neste caso, o superior hierrquico, embora tenha a possibilidade de rescindir o contrato de trabalho injustificadamente caso considere apropriado, pode utilizar-se do ardil do assdio moral para induzir o empregado a pedir demisso e, assim, no ser necessrio pagar-lhe as verbas legais.

c) Mobbing ascendente: uma modalidade menos recorrente em razo dos ndices de desemprego atualmente verificados. Ocorre quando um empregado ou vrios, embora em condio hierrquica inferior, se insurge contra um superior hierrquico com o intuito de intimid-lo e obrig-lo a tomar alguma deciso no desejada. Pode decorrer tanto de uma ambio por ocupar o cargo de destaque ou como forma de retaliao por uma substituio de chefia considerada inapropriada.

7.5. FORMAS DE PREVENO DO ASSDIO MORAL NAS RELAES DE EMPREGO

35

A legislao trabalhista brasileira, a Consolidao das Leis do Trabalho, remonta a 1943 e reflete as preocupaes da poca acerca das condies de segurana fsica do trabalhador, mas no contempla, em razo do contexto histrico em que se originou, uma ampla e efetiva proteo aos elementos subjetivos da personalidade do empregado, tais como a proteo a sua moral ou a sua sade psicolgica. Como vimos em captulo anterior, esta foi uma preocupao mais recente e que se consolidou com a Constituio Federal de 1988.

Contudo, h instrumentos dentro da CLT que podem ser utilizados para a preveno da prtica do assdio moral. Um destes instrumentos o Contrato Coletivo de Trabalho, onde pode sem convencionadas medidas que sero adotadas pelo empregador no sentido de se prevenir prtica de tais atos. A doutrina citada casos de CCT com este contedo que j foram pactuados na Europa: Grandes companhias, tais como a Volkswagen, na Alemanha, j possuem normas anti-mobbing, que probem, por exemplo, um empregado de espalhar boatos. As regras, adotadas desde 1996, possuem boa aceitao, inclusive na diretoria da empresa, mesmo porque a queda de 1% no absentesmo significou uma poupana de 50 milhes de dlares de ano, desde ento.21

No mbito do Poder Executivo h medidas de carter preventivo do assdio moral. A Portaria n 604 do Ministrio do Trabalho que instituiu o Programa para a implementao da Conveno 111, acerca da Promoo de Igualdade e Oportunidades e de Combate Discriminao em Matria de Emprego e Profisso. O art. 2 da referida Portaria previu que a competncia dos ncleos a serem institudos com esta finalidade nas Delegacias Regionais do Trabalho de propor estratgias e aes que visem eliminar a discriminao e o tratamento degradante e que protejam a dignidade da pessoa humana, em matria de trabalho (inciso II). E ainda a competncia para acolher denncias de prticas discriminatrias no trabalho, buscando solucion-las de acordo com os dispositivos legais e, quando for o caso, encaminh-las ao Ministrio Pblico do Trabalho (inciso VI).

7.6. CONSEQNCIAS DO ASSDIO MORAL NAS RELAES DE EMPREGO

21

SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendona. Op. Cit. P. 154.

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7.6.1. Conseqncias geraisVia de regra, o assdio moral causa na vtima um processo de destruio psicolgica, que se exterioriza pela baixa auto-estima, dificuldade de relacionamento social, falta de motivao e competitividade no Trabalho. Estudos realizados na Frana apontam casos de incapacidade temporria e at definitiva para o trabalho.

De uma forma geral, os efeitos do assdio moral apontados so: Endurecimento e esfriamento das relaes no ambiente de trabalho; Dificuldade para enfrentar as agresses e interagir em equipe; Isolamento e internalizao; Sentimento de pouca utilidade ou de fracasso; Falta de entusiasmo pelo trabalho; Falta de equilbrio quanto s manifestaes emocionais, por exemplo,

com crises de choro ou raiva; Diminuio da produtividade; Aumento do absentesmo; Demisso; Desemprego; Enfraquecimento da sade; Tenso nos relacionamentos afetivos; Suicdio.

A degradao das condies de trabalho traz conseqncias para toda a empresa e no somente para o empregado que foi vtima do assdio moral. No mbito da empresa podem ser elencados como conseqncias da prtica de assdio moral o aumento das ausncias ao trabalho, a reduo da produtividade, a baixa competitividade ou, por outro lado, a competitividade perniciosa e at o desvinculamento da empresa de empregados competentes e com potencial de crescimento de sua prpria carreira, bem como de auxilio no atingimento das metas institucionais. A ausncia, a desmotivao, a falta de criatividade, a insatisfao, o aumento da insegurana em relao ao trabalho podem trazer conseqncias negativas para o negcio, que so difceis de serem mensuradas isoladamente, mas que contribuem negativamente para o baixo desempenho geral dos trabalhadores e para a falta de identificao com os objetivos da empresa. H que se considerar tambm os custos sociais da decorrentes, que so a baixa estima profissional e a conseqente dificuldade de recolocao no mercado de trabalho, o prprio desemprego em si, os problemas familiares e sociais da decorrentes.

37

H autores, como a citada Marta Halfeld F. M. Schimidt, que sustentam inclusive que as doenas oriundas do assdio moral podem ser equiparadas ao acidente do trabalho: No Brasil, j se pode constatar o aparecimento de doenas oriundas do assdio moral, inclusive com apoio no ordenamento jurdico vigente. Com efeito, o art. 20 da Lei 8.213/91 equipara ao acidente de trabalho as doenas profissionais e as doenas do trabalho. E o Anexo II do Regulamento de Benefcios da Previdncia Social (Dec. 3.048/99), que disciplina o mencionado art. 20 da Lei 8213/91, estabelece que algumas doenas podem ser ocasionadas por agentes etiolgicos ou fatores de risco de natureza ocupacional. Assim que, por exemplo, um transtorno mental ou um comportamento devido ao uso do lcool pode ter sido ocasionado por condies difceis de trabalho ou p uma circunstncia relativa s condies de trabalho. Ou ento que algum transtorno neurtico especificado, incluindo neur ose profissional', pode ser oriundo da ameaa de perda de emprego, ou de um ritmo de trabalho penoso, ou de um desacordo com patro e colegas de trabalho (condies difceis de trabalho).22

7.6.2. Conseqncias jurdicas

Considerando as conseqncias do assdio moral em relao ao empregado, dentro dos limites da empresa e agindo com negociao podem ser tomadas algumas solues transitrias, tal como a transferncia do local de trabalho no caso em que o nvel de incompatibilidade tenha gerado uma impossibilidade de reconstruo das condies saudveis de trabalho.

Nos casos extremos em que a ruptura do contrato de trabalho se apresenta como a nica soluo, h por parte da vtima da agresso a possibilidade de pedido de resciso indireta com base no art. 483, alnea e da Consolidao das Leis do Trabalho, nos mesmos termos em que fora apresentado acima para a hiptese de assdio sexual. Tambm ser cabvel no assdio moral, semelhana do quanto exposto no caso de assdio sexual, a possibilidade de interposio contra o empregador da ao de reparao por danos morais.

As conseqncias para o empregador assediador tambm sero semelhantes quelas estabelecidas em epgrafe para a hiptese de assdio22

SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendona. Op. Cit. p. 150

38

sexual, qual seja, a possibilidade de o ofensor ter o seu contrato de trabalho rescindido por justa causa com fulcro no art. 482, alnea b da Consolidao das Leis do Trabalho e de ser responsabilizado pelos prejuzos causados em ao de regresso interposta pelo seu empregador poca dos fatos.

No incidir no caso do assdio moral a responsabilizao criminal, tendo em vista que no h tipificao penal para esta conduta, embora j tramitem projetos no Congresso Nacional com a finalidade de criminalizar esta conduta.

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8. A AO DE REPARAO POR DANOS MORAIS

8.1. DA REPARAO DO DANO MORAL

Na reparao do dano moral, no se cogita de propriamente indenizar um dano que tenha atingido a subjetividade do ofendido, tendo em vista que esta ofensa no pode ser mensurada. Trata-se, sim, de uma compensao pelo prejuzo sofrido, que no possibilitar ao ofendido retornar ao status quo ante, mas que pretende amenizar a dor sofrida. , enfim, uma reparao em pecnia com vista a produzir uma satisfao compensatria.

Em contrapartida, para o ofensor a reparao tem um carter didtico, j que pretende ser sancionadora e desestimular novas prticas em desacordo com a lei. Portanto, a reparao do dano moral tem natureza jurdica punitiva para o ofensor e compensatria para o ofendido.

Portanto, tcnicamente no se pode dizer que a reparao constitua-se em uma indenizao, pois que a indenizao est estritamente vinculada aos ressarcimentos dos prejuzos causados por descumprimento de uma obrigao contratual ou pela prtica de um ato ilcito. Como o valor compreendido na reparao do dano moral no visa eliminar as conseqncias e prejuzos causados vtima na esfera de seu patrimnio imaterial, mas apenas compens-la, no , propriamente, uma indenizao.

8.2.

A

COMPETNCIA

PARA

APRECIAO

DA

AO

DE

REPARAO POR DANO MORAL

A competncia para a apreciao do pedido de dano moral em razo da relao de trabalho foi, durante muito tempo, objeto de controvrsia. O embate doutrinrio e jurisprudencial versava sobre se a competncia para apreciao deste pedido seria da Justia do Trabalho ou da Justia Comum. Isto porque havia dois entendimentos divergentes sobre o assunto e durante muito tempo os pedidos foram apreciados tanto por uma, quanto pela outra, que reconheciam implicitamente sua competncia para tal. O cerne da discusso era, em sntese, que, de um lado, se o pedido da causa a reparao

40

de um dano moral, reparao esta de natureza eminentemente civil, a competncia para a sua apreciao seria, portanto, da Justia Comum. Em sentido contrrio, havia o entendimento de que a competncia era da Justia do Trabalho em razo da reparao do dano moral pretendida advir da relao de trabalho, em conformidade com o exposto no art. 114 da Constituio Federal, que estabelece que a competncia da Justia do Trabalho para conciliar e julgar os dissdios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores e outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho.

O Supremo Tribunal Federal, em deciso proferida em conflito de competncia, j havia decidido que, em se tratando de dano decorrente da relao de emprego, a competncia da Justia do Trabalho, ainda que a questo seja de direito civil . Este foi tambm o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho atravs de sua Orientao Jurisprudencial da SDI - n 327.23

Com o advento da Emenda Constitucional n 45, de 08 de dezembro de 2004, o tema foi pacificado, pois a competncia da Justia do Trabalho para apreciar o pedido de reparao por dano moral advindo da relao de trabalho passou a constar expressamente do texto constitucional. O art. 114 passou a ter a seguinte redao:

"Art.114. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta dos Municpios, do Distrito Federal, dos Estados e da Unio, e, na forma da lei, outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho, bem como os litgios que tenham origem no cumprimento de suas prprias sentenas, inclusive coletivas. VI as aes por dano moral ou patrimonial decorrentes da relao de trabalho.

Em suma, esta a regra geral para a aferio da competncia, qual seja, a de que os dissdios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho devem ser apreciadas na Justia do Trabalho. Contudo, esta regra comporta excees, como ocorre com as aes acidentrias que, embora originrias da relao de trabalho, tem como foro de apreciao a Justia Comum, em razo do disposto no art. 109, inciso I da Constituio Federal, ratificado pela Smula 501 do Supremo Tribunal Federal, conforme segue,

respectivamente:23

Vide Ac. STF Pleno MV Conflito de Jurisdio 6.959-6 Rel. Min. Seplveda Pertence J. 23.05.1990)

41

Art. 109. Aos juzes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a Unio, entidades autrquicas ou empresa pblica federal forem interessadas na condio de autoras, rs, assistentes ou oponentes, exceto as de falncia, as de acidente do trabalho e as sujeita Justia Eleitoral e Justia do Trabalho. Smula 501 do STF. Compete Justia Ordinria Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a Unio, suas Autarquias, Empresas Pblicas ou Sociedades de Economia Mista.

8.3. A PRESCRIO APLICVEL AO DANO MORAL NA JUSTIA DO TRABALHO

A prescrio extintiva, objeto da presente anlise, decorre da inrcia do detentor de um direito, ante o transcurso do tempo. Esta inrcia gera, portanto, a perda do direito de ao. Conceitualmente:

Prescrio a perda da ao atribuda a um direito, de toda a sua capacidade defensiva, em conseqncia do no uso delas, durante um determinado espao de tempo. No a falta de exerccio do direito, que lhe tira o vigor; o direito pode conservar-se inativo, por longo tempo, sem perder a sua eficcia. o no uso da ao que lhe atrofia a capacidade de reagir.24

O prazo prescricional para interposio da ao cujo pleito refere-se aos crditos oriundos da relao de emprego est previsto na Constituio Federal de 1988, no captulo sobre direitos sociais, e prev que so direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social a ao, quanto aos crditos resultantes das relaes de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos, at o limite de dois anos aps a extino do contrato de trabalho. (CF/ 1988, art. 7, inciso XXIX).

24

Clovis Bevilqua. Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. V. 2. p. 435.

42

Neste

sentido,

h

reiteradas

decises

nos

tribunais

25

assinalando que a prescrio aplicvel aos pedidos de indenizao por dano moral na Justia do Trabalho o estabelecido em sede constitucional, visto ser esta a regra aplicvel a esta jurisdio e em razo de se constituir crdito oriundo da relao de trabalho.

Em sentido contrrio, h o entendimento, refletido em algumas decises , de que para as aes de carter pessoal, ainda que apreciadas na Justia do Trabalho, aplica-se a prescrio prevista no Cdigo Civil em razo da matria ter natureza civil, com vrias decises a respeito. Na vigncia do atual Cdigo Civil o prazo prescricional para as aes de indenizao por dano moral de trs anos. O art. 205 do novo Cdigo Civil estabelece um novo regramento para os prazos prescricional, prevendo como regra geral o prazo de dez anos, quando a lei no houver estabelecido prazo menor. Este passou a ser o prazo mximo prescricional. Como exceo regra geral, prev o art. 206, 3, inciso V que a prescrio aplicvel pretenso da reparao civil de trs anos.26

Contudo, o entendimento dominante no Superior Tribunal do Trabalho, segundo o que relatou o Ministro Brito Pereira um acrdo paradigma proferido em abril do presente ano , de que a prescrio aplicvel no caso de dano moral em25

27

"Ao de danos morais. Prescrio. A prescrio para a ao de danos morais de dois anos da extino do contrato (Constituio Federal, art. 7, XIX). O prazo maior previsto no cdigo civil somente aplicvel na ausncia de norma especfica (CLT, arts. 8 e 769)."( TRT 2 Regio, RO 43074-2002-90202-00-6, 6 Turma,Rel. Rafael E. Pugliese Ribeiro, 04/07/2003) E ainda: "(...) se a postulao da indenizao por danos morais feita na Justia do Trabalho, sob o fundamento de que a leso decorreu da relao de trabalho, no h como pretender a aplicao do prazo prescricional de 20 anos, referente ao Direito Civil (CC, art. 177), quando o ordenamento jurdicotrabalhista possui prazo prescricional unificado de 2 anos, a contar da ocorrncia da leso (CF, art. 7, XXIX; CLT, art. 11) (...)" (TST, ROAR 39274-2002-900-03-00) SDI II. Rel. Ministro Ives Gandra Martins Filho, 12.11.2002).26

"Dano moral. Instituto de origem civilista. Prescrio - A responsabilidade civil por dano moral instituto conceitualmente civilista e diz respeito a ofensa lanada contra a pessoa que atinge um bem tambm pessoal, a honra. A ao, neste caso, tem carter eminentemente pessoal. No um direito que tem origem no contrato de trabalho (pagamento de salrios, aviso prvio, FGTS), mas tem sua origem ligada ao relacionamento das pessoas envolvidas. A existncia ou no do contrato de trabalho fator que diz respeito apenas competncia, o que resulta que em sendo tema civilista, aplicveis as regras das aes pessoais (art. 205 do C. Civil de 2002) prescrio. A aplicao pura e simples da prescrio bienal (CF, art. 7, XXIX, "a") desnatura o instituto, torna-o hbrido e imprime maus tratos ao regramento civil, impondo castigo ao hipossuficiente." (TRT 2 Regio, RO 4902702002-902-02-00-6, 6 Turma, Rel. Francisco Antonio de Oliveira, 06.06.2003) E ainda: " O direito de ao de indenizao por dano moral est sujeito prescrio do art. 177 do CCB, por se tratar de matria cuja natureza civil. Sentena que se reforma." (TRT 4 Regio - RO 01442.402/01-6 Ac. 2 T., 17.7.02 - Rel. Juza Belatrix Costa Prado)"27

RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL NA JUSTIA DO TRABALHO. PRESCRIO. A prescrio aplicvel, tratando-se de dano moral decorrente da relao de emprego, a prevista no art. 7, inc. XXIX,

43

decorrncia de relao de emprego a estipulada em sede da constitucional e no a do Cdigo Civil.

8.4. A CUMULAO DO DANO MORAL E MATERIAL

Quando da promulgao da Constituio Federal em 1988, o art. 5, inciso X expressamente assegurou o direito indenizao por danos materiais ou morais. At ento, como visto anteriormente, o foco da controvrsia mantinha-se sobre questo da admissibilidade do dano moral. A partir da muito se discutiu sobre a possibilidade de cumulao do dano moral com o dano material quando oriundo de um mesmo fato gerador.

Esta controvrsia nasceu da interpretao literal do citado art. 5, pela utilizao da conjuno alternativa "ou". Seguindo este raciocnio a possibilidade de cumulao da reparao dos danos patrimonial e extrapatrimonial seria mera construo doutrinria e jurisprudencial que prescindiria de amparo legal.

As discusses em torno da matria foram minimizadas em razo da Smula de n 37 do Superior Tribunal de Justia que decidiu que so cumulveis as indenizaes por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

Tal mudana de rumos da jurisprudncia tem seu fundamento precpuo em nosso texto constitucional a partir de uma interpretao contextual e teleolgica do mesmo. A Constituio Federal prev em seu artigo primeiro, no ttulo dos princpios fundamentais, que a Repblica Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, a dignidade da pessoa humana. Assim, todos os demais dispositivos legais devero ser lidos luz deste preceito fundamental e com ele deve guardar harmonia. Deste modo, uma vez configurado um ilcito que cause um dano no apenas material, mas tambm um dano moral, imprescindvel que se admita a cumulao das indenizaes no sentido de minorar o sofrimento da vtima, no caso em estudo, do trabalhador, no sentido de preservar a sua dignidade e personalidade.

O novo Cdigo Civil admite expressamente a reparao do dano exclusivamente moral, conforme o disposto no art. 186, encerrando definitivamente a j minorada polmica acerca de sua admissibilidade. Contudo, no fez expressa previso questo de sua cumulao com o dano material.

da Constituio da Repblica; e no a estipulada no Cdigo Civil. Recurso de Revista de que se conhece e a que se nega provimento. (TST 5 T - RR 518/2004-002-03-00.1 05/04/2005)

44

Contudo, a Constituio Federal e o novo Cdigo Civil ao admitirem expressamente a existncia dos dois institutos legais, inclusive isoladamente, proclama a independncia entre eles e desmorona definitivamente as bases de sustentao de qualquer argumento em contrrio. H que se considerar que, ainda que haja o mesmo fato gerador para dois pedidos, o efeito da ao ensejadora da reparao pode ser mltiplo. A morte de