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Aspectos missionários urbanos de Paulo em Atos dos Apóstolos
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Autor: Luís André Bruneto Oliveira
Trabalho apresentado na Faculdade Teológica Sul Americana
(www.ftsa.com.br) em Londrina – 2003
RESUMO
O presente trabalho visa inteirar o leitor com as principais estratégias
missionárias urbanas de Paulo em Atos dos Apóstolos e depois refletir se essas
estratégias continuam ou não eficazes nos dias de hoje. Propus para isso dois
capítulos. O primeiro visa descrever toda a ação de Paulo e o que motivava o
apóstolo a fazer missão urbana. Dividi este capítulo em duas partes. A primeira
parte fala das suas motivações missionárias, ou seja, o que impulsionava o
apóstolo a sair pelas principais cidades da época plantando igrejas. A segunda
parte descreve suas estratégias de missão urbana de Paulo. Como num
exercício em sala de aula, relacionamos juntos com os demais alunos mais de
vinte motivações missionárias de Paulo, e seria impossível descrever todas as
estratégias em apenas vinte páginas, relacionei apenas cinco das que
considero mais importantes.
O segundo capítulo apresenta as reflexões do movimento missionário urbano
de Paulo. Também dividi esse capítulo em duas partes, seguindo o raciocínio
do primeiro capítulo. Na primeira subdivisão, procuro avaliar se as motivações
de Paulo são legítimas nos dias de hoje e como podemos fazer para que elas
continuem relevantes. No segundo plano, procurei avaliar se as estratégias que
Paulo usou podem ser eficazes na atualidade.
INTRODUÇÃO
A igreja se relaciona diretamente com a vida comunitária. Ela vive junto, ora e
atua em comum, onde cada um coopera para o bem de todos e através da
construção de uma sociedade cristã e justa se deduz qual é o sentido de ser
igreja. A missiologia está sempre presente, levando a comunidade eclesial a
atuar de modo a obedecer a ordem de seu Senhor, apontando o sentido de sua
existência. A força atual da igreja só será medida quando se puser em prática a
missiologia, com todos os elementos que ela supõe.
Deus decidiu precisar de homens e mulheres para realizar isso de proclamar
seu Filho. Por isso, os resgata, os chama, os vocaciona, os capacita e os
respalda para essa obra. Esse é o papel da igreja: através da ação polarizadora
do Espírito Santo levar as boas novas aos que ainda não ouviram. Ou seja,
precisamos conhecer a Deus e torná-lo conhecido.
Devemos para isso não medir esforços em aprender com Paulo em Atos dos
Apóstolos. Em primeiro plano, analisar profundamente o que motivava o
apóstolo a pregar o evangelho de cidade e cidade e as estratégias que ele
usou para fazer isso. E desta forma, num segundo momento, teremos uma
visão clara para ver se podemos ou não usar essas mesmas motivações e
estratégias para a transformação da sociedade vigente através da obra
redentora e conciliadora de Jesus Cristo, proclamado com profundidade
teológica e fervor missionário.
CAPÍTULO I
ANÁLISE DO MOVIMENTO MISSIONÁRIO URBANO DE PAULO
Ao enviar seu Filho ao mundo “para que todo o que Nele crê, não pereça, mas
tenha a vida eterna” (Jo 3:16), Deus-Pai inicia o processo de missão do Novo
Testamento. Jesus, o Verbo vivo, reage positivamente à decisão paterna,
esvaziando-se de si mesmo (Fl 2:7) e assumindo a forma humana, tornando-se
o principal missionário da Nova Aliança. Sua vida foi dedicada ao trabalho de
ensinar e discipular principalmente 12 homens para a visão missionária que
havia brotado no coração do Pai Celeste, sempre no poder do Espírito Santo.
A partir do evento Pentecostes, portanto, a reação dos discípulos a essa
vocação de evangelizar, ensinar e discipular o mundo é notória. Com a
primeira pregação de Pedro em At 2:14-36, surgiram os primeiros convertidos
à fé cristã, que subiu o número dos que criam a aproximadamente três mil
pessoas (At 2:41). A partir desse momento, a Comunidade começa organizar-
se, sob a direção dos Apóstolos, e contando com a “simpatia de todo o povo”
(At 2:47).
A Comunidade dos primeiros dias era bastante singular. Os neófitos,
juntamente com os seguidores mais antigos de Jesus, mostravam-se “assíduos
ao ensinamento dos apóstolos” (At 2:42 – BJ). Eles vendiam propriedades
privadas e depositavam o montante aos pés dos apóstolos, que empregavam o
mesmo à medida das necessidades dos membros da comunidade (At 2:45). A
palavra no original grego traz “κοινωνία”, expressão traduzida por associação,
comunhão, fraternidade, relacionamento íntimo .
Depois de participar do apedrejamento de Estevão, o primeiro mártir da igreja
cristã, Paulo juntamente com outros judeus de Jerusalém levantaram-se em
uma grande perseguição aos do “Caminho”. Impiedosamente, arrastava
homens e mulheres cristãs de seus lares e os encarcerava.
Contudo, os que foram dispersos continuavam a grande obra de expansão da
igreja. Filipe prega em Samaria e dado a conversão de muitas pessoas naquela
cidade, os apóstolos Pedro e João são enviados para lá pela igreja de
Jerusalém.
Paulo ainda continuava na trilha da perseguição e para tanto pediu cartas de
autorização ao sumo sacerdote para ir às sinagogas de Damasco, prender e
levar para Jerusalém os irmãos que se encontrassem por lá.
Mas, durante o caminho de Damasco ocorre o mais importante acontecimento
da história, do Pentecostes até ao dia de hoje .
Com a conversão de Paulo o movimento missionário ganhou força. Em Atos 13,
o Espírito Santo mostra claramente a missão que Paulo e Barnabé deveriam
desempenhar. Com o aval da igreja de Antioquia, os dois saem para a tarefa
missionária.
A partir daí Paulo passa para a história, então, como uma combinação de
teólogo profundo e missionário fervoroso .
Para analisar o movimento missionário do apóstolo Paulo precisamos
responder duas perguntas: o que motivou Paulo nessa tarefa e quais foram as
estratégias missionárias que ele usou.
1. Por Trás dos Bastidores – Análise das Motivações Missionárias de Paulo
Paulo estava motivado a evangelizar, plantar igrejas e organizar comunidades,
apesar de toda hostilidade e perseguição de seu povo. Era óbvio que algo o
movia. Podemos chamar isso de motivações missionárias de Paulo. A pergunta
que nos urge é: o que motivava Paulo a pensar em missão?
1.1. Paixão por Cristo
A primeira motivação de Paulo era proveniente de um sentimento levado a um
alto grau de intensidade, de um amor ardente, de uma inclinação afetiva, de
um afeto dominador, um entusiasmo muito vivo por Cristo e sua obra. Este
sentimento norteava o ministério de Paulo e o impelia para que levasse adiante
as Boas Novas. Podemos descobrir isso através do conteúdo de suas cartas.
Para Paulo, não existia nada no céu ou na terra que nos podia separar do amor
de Cristo, e por causa desse amor somos entregues à morte o dia todo (Rm
8:36-39). O que Deus preparou para esses que o amam é incomparável (1 Co
2:9).
A paixão do apóstolo pro Cristo era tão grande que ele chega a amaldiçoar
aqueles que não amam O amam (1 Co 16:22). Na carta de Gálatas (2:19-20)
Paulo declara que está morto para si mesmo (crucificado com Cristo), e que
Cristo vive nele.
Ainda, na carta aos filipenses (1:21-23) faz uma declaração impactante: o viver
para ele era Cristo, portanto se morresse ele lucraria, pois estaria com o
Senhor. Em 2 Tm 4:8, o apóstolo escreve a respeito da coroa que o espera, e
de todos aqueles que amam a vinda do Senhor.
Essa paixão, portanto, incitava o apóstolo a estar sempre no centro da vontade
daquele a quem pertencia seu coração.
1.2. Paixão pela igreja
Por diversas vezes vemos Paulo tomando as dores de Cristo pela igreja.
Podemos entender essa preocupação como um resultado do amor ardente de
Paulo por Cristo. O sentimento motivador de Cristo a se entregar pela igreja
era o mesmo que Paulo tinha por ele. A entrega, portanto era bilateral: Cristo
se entregou pela igreja, e Paulo se entregou por ele.
Na sua segunda carta aos coríntios (12:15) ele mostra que estava disposto a
gastar-se totalmente para o bem da igreja. Essa paixão o levava a não pensar
em si, mas demonstrava uma genuína solicitude sob aqueles que ele cuidava.
As suas epístolas às igrejas eram carregadas de uma preocupação abnegada
por tudo o que acontecia dentro dessas comunidades. Ele considerava-os seus
filhos, e por isso exortava quando era preciso. Um exemplo muito claro disso é
da igreja de Corinto. Essa comunidade foi fundada por Paulo durante a sua
segunda viagem missionária. O que gerou a composição de 1 Coríntios foram
uma resposta de uma carta enviada pelos próprios coríntios (7:1), e as notícias
perturbadoras à respeito da situação da igreja (1:11). Paulo trata dos
problemas que incluíam divisões na igreja, imoralidade, e perguntas a respeito
de diversas questões.
Alguns textos mostram a preocupação e a afeição de Paulo com as
comunidades cristãs provenientes de uma grande paixão: 2 Co 6:13; Ef 3:1; Fl
1:3-5, 4:1-4; Cl 1:3-10, 1 Ts 1:2-10, 5: 12-27; 2 Ts 1:11-12, 3:6-15.
1.3. Convicção do seu chamado
A terceira motivação missionária do apóstolo Paulo era a profunda convicção
de que ele fora chamado para ser apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de
Deus. Isso se expressa na maioria de suas epístolas, nas quais ele recorre à
autoridade de seu apostolado para confirmar seu ministério (Rm 1:1, 1 Co 1:1,
2 Co 1:1, Gl 1:1, Ef 1:1, Cl 1:1, 1 Tm 1:1, 2:7; 2 Tm 1:1, 1:11; Tt 1:1). Nas
epístolas de Filipenses e Filemom, escritas com Timóteo, Paulo se intitula servo
(Fl 1:1) e prisioneiro de Cristo Jesus (Fm 1).
Paulo se considerava um apóstolo como os outros doze que andaram com
Jesus durante os três anos e meio de seu ministério terreno. Essa autoridade
apostólica vinha do fato dele ter visto o Senhor Jesus em sua viagem a
Damasco (1 Co 9:1), e de ser um instrumento para levar o evangelho às
pessoas. Ele chega a defender seu apostolado na primeira carta aos Coríntios
(10, 11, 12).
Essa convicção de que fora chamado para pregar o evangelho impulsionava
Paulo a continuar seu trabalho mesmo diante das muitas pressões e
perseguições que sofria (Rm 1: 16-17; Fl 3:12-14; Cl 4:3; 1 Ts 2:2).
1.4. Necessidade das pessoas
Outra motivação missionária que constrangia Paulo era a visão que ele tinha
de que o mundo necessitava das Boas Novas. Em 1 Tm 2:4, ele diz que o
desejo de Deus é que todos as pessoas cheguem ao pleno conhecimento da
verdade; e esse era também um desejo do próprio Paulo.
Segundo Lopes , o alvo de Paulo era o mundo, os gentios, o remanescente fiel,
o maior número possível de eleitos, onde os pudesse encontrar. Essa visão,
impossível de ser medida em números, fazia parte da motivação de Paulo em
sair plantando igrejas ao longo de seu ministério.
Ele almejava ganhar o maior número de pessoas (1 Co 9:9), porque entendia a
real necessidade do mundo em conhecer a Deus. Em Atenas, ele chega a se
comover por ver as pessoas presas pelo pecado (At 17:16). Em Filipos, ele
liberta uma moça possessa de um espírito adivinhador, indignado com a
exploração que os donos dela realizavam (At 16:16-18). Isso mostra a grande
compaixão que ele tinha com as pessoas.
1.5. Convicções teológicas
Depois de sua conversão, Paulo se retirou para a Arábia por algum tempo (Gl
1:16-23). O motivo dessa viagem não aparece em seus escritos e nem em
Atos. Mas é possível que Paulo tenha se ausentado para poder pensar em
todas as implicações de seu encontro com o Cristo ressurreto na estrada de
Damasco . Talvez essa temporada tenha sido uma ocasião para Paulo ajustar
suas convicções teológicas judaicas com a revelação que recebera de Cristo.
Provavelmente foi nesse período que Paulo tenha sido arrebatado até o
terceiro céu, fato que ele menciona apenas uma vez para defender seu
ministério apostólico (2 Co 12:2).
Depois desses três anos, ele vai a Jerusalém conhecer o apóstolo Pedro e passa
quinze dias com ele. Após esse curto período, se dirige a Damasco e ali inicia
seu ministério de pregação das Boas Novas. O fato de Paulo pregar em
Damasco irritou tanto os judeus que ele teve que fugir para não ser morto,
descendo numa cesta pela muralha da cidade (At 9:25). O importante a notar é
que Paulo já voltou “preparado” para pregar o evangelho e assim o fez.
Para Lopes , o que movia toda a ação missionária paulina eram duas
convicções teológicas. A primeira é que Paulo tinha certeza que estava vivendo
os dias do cumprimento, os fins dos séculos (1 Co 10:11). Em segundo lugar,
era que as antigas promessas de Deus encontravam concretização histórica na
igreja de Cristo.
Desta forma, podemos concluir que suas motivações missionárias eram
carregadas de paixão por Cristo e pela igreja, eram baseadas na certeza de
seu chamado como apóstolo, estavam encharcadas com a visão divina acerca
da necessidade das pessoas e do mundo, e por fim, tinham como pano de
fundo suas convicções teológicas.
2. Estratégias Missionárias de Paulo: Análise das Viagens Missionárias
A partir de Atos 13, quando acontece seu comissionamento pessoal e de
Barnabé pela igreja de Antioquia, Paulo realiza três viagens missionárias
pregando em várias cidades importantes.
O objetivo desse tópico é analisar alguns princípios tocantes de suas
estratégias de missão nas cidades. A estratégia missionária de Paulo tinha
como base a sua própria experiência de conversão e regeneração. Sua
mensagem era a de reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo. Suas
pregações sempre tocavam no assunto de ser uma nova criatura em Cristo.
As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da igreja e iam de encontro
a sociedade daquela época: seus governos, instituições e religiões. Paulo
penetrou no mundo romano altamente urbanizado com estratégias em sua
mente.
2.1 Pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo
Uma marca peculiar da estratégia de missão de Paulo foi a pregação do
Evangelho no poder do Espírito Santo. Paulo estava disposto a levar o
evangelho por onde quer que fosse em toda sua integridade, embora fosse
condenado e perseguido por isso. Em Éfeso, ele abre o coração para os
presbíteros da igreja e revela as perseguições provenientes de anunciar e
ensinar o evangelho (At 20:17-38). Em Roma, quando estava preso por causa
da Nova Doutrina numa casa que alugara e esperando julgamento, não
cessava de pregar e ensinar (At 28:30-31).
Contudo, a base para Paulo fazer isso era o próprio Espírito Santo. O apóstolo
estava cheio do Espírito (At 13:9, 52; 19:2-6), e realizava toda obra no Seu
poder. Foi o próprio Espírito que o vocacionou para a tarefa missionária (At
13:2), o enviou (13:4), o capacitou (13:9), o sustentou (13:52). Deus, através
de seu Espírito, cuidava (At 20:23) e direcionava todo o ministério de Paulo,
guiando-o a ponto de dizer onde pregar ou não (At 16:6-7).
2.2. Plantação de igrejas
Paulo foi um plantador de novas igrejas. Entretanto, Paulo não plantou igrejas
por todo canto que passou, mas escolhia a dedo quais cidades valiam a pena
este investimento. Aparentemente, Paulo parecia não querer perder tempo
com cidades menos importantes. Ele escolhia cuidadosamente centros
estratégicos e planejava como seria a proclamação da mensagem de salvação.
Ele fez isso em cidades importantes como Listra, Antioquia da Pisídia , Filipos ,
Tessalônica , Atenas , Corinto , Éfeso e Roma, a principal cidade de todo
império.
O motivo dessa escolha, Jorge H. Barro explica bem:
Não há dúvida de que uma das estratégias da missão de Paulo era os centros
urbanos. Paulo escolhia as cidades mais urbanizadas, influentes e estratégicas
a partir das quais as boas novas do Reino poderiam se espalhar. As cidades
que Paulo entrou eram centros de administração romana, sob a influência
grega e judaica, além de serem importantes centros culturais, sociais e
comerciais. Quando passava pelos centros romanos, procurava proteção legal
do governo e ainda usava um modo de influenciá-los para a aceitação do
evangelho.
Segundo Nicodemus Lopes , Paulo centralizou suas atividades em importantes
centros urbanos, considerado por ele estratégicos. A cidade de Tessalônica
tornou-se a base missionária para a província da Macedônia; Corinto a base
para a província da Acaia; e Éfeso, a sua base para a Ásia proconsular.
2.3 Formação de Liderança
Contudo, Paulo não parou por aí. Além de fundar novas comunidades, ele não
deseja abandoná-las. Por isso ele trabalhava na formação de uma liderança
que poderia substituí-lo quando fosse embora. Como seu ministério era um
constante movimento, ele achou melhor discipular pessoas escolhidas por ele
mesmo para serem os líderes dessas comunidades na sua ausência.
À medida que Paulo pregava o evangelho e discipulava novos líderes locais
para a continuidade do trabalho, a comunidade local se fortalecia.
Exemplos assim são vistos com Priscila e Áquila, Timóteo, Silas, Barnabé e Tito,
todos preparados por Paulo que assumiram funções de dirigir diversas
comunidades pela Ásia e Europa.
É de se notar que os seus discípulos seguiram os seus passos nessa formação
de liderança. Priscila e Áquila tomaram Apolo consigo e expuseram o caminho
de Deus (At 18:23-26), que se tornou depois líder da igreja de Corinto (1 Co
3:3-6).
2.4 Contextualização missiológica
O que Jorge H. Barro chama de flexibilidade missiológica, prefiro chamar de
contextualização missiológica, entendendo essa ser, numa situação de
comunicação, características extralingüísticas que determinam a produção
lingüística, como, por exemplo, o grau de formalidade ou de intimidade entre
os falantes .
A estratégia missionária paulina era determinada pela necessidade e pelo
contexto local que o apóstolo se encontrava. Paulo precisava se contextualizar
com seus três públicos-alvo: judaico, romano e grego. É interessante notar que
enquanto estava na cidade, ele analisava o novo ambiente, procurando
descobrir elementos-chave que criariam pontes para a evangelização local.
Podemos notar isso em Antioquia da Pisídia, quando ele foi num sábado à
sinagoga, pressupondo-se que já estava observando a cidade há algum tempo
(At 13:14); em Filipos, quando permaneceu alguns dias inserido no contexto
local antes de ir num sábado à sinagoga para pregar (At 16:12-13); em Atenas,
enquanto esperava seus companheiros, investigava toda a cidade e se
revoltava com a idolatria, motivo que o impelia a pregar na sinagoga e na
praça (At 17:16). Depois essa investigação se tornou preciosa quando pregava
no Aerópago (At 17:22-23).
Paulo estabelecia também um contato conveniente com as sinagogas das
cidades onde passava. Como era conhecido pelo povo judeu como um aluno do
mestre Gamaliel e como a base do cristianismo é o judaísmo, Paulo utilizava
desses recursos para pregar a Palavra de Deus nas sinagogas dessas cidades,
persuadindo judeus e constituindo assim um elo entre a antiga e a nova
religião.
Paulo fixava essas pontes como uma forma de abrir as portas dos demais
segmentos da sociedade em que pregava, estabelecendo nas sinagogas
contatos com os líderes religiosos locais e também com pessoas de grande
influência na sociedade que ele estava inserido.
Entretanto, Paulo não ficava somente nas sinagogas. Como seu desejo ardente
era levar o evangelho a todas as pessoas possíveis, ele se dirigia a grandes
concentrações de pessoas para poder realizar sua obra. As estratégias de
Paulo ultrapassavam as paredes da sinagoga e iam de encontro à sociedade
daquela época.
Paulo pregou a mensagem de conversão e regeneração baseadas em sua
própria experiência nos lugares onde via necessidade e onde era convidado.
Em Antioquia da Pisídia, pregou primeiro na sinagoga dois sábados seguidos e
depois pregou fora dela para a multidão que afluía para ouvi-lo (At
13:14,44,49). Em Icônio, entrou na sinagoga e pregou ali durante muito tempo
(At 14:1,3). Em Listra e Derbe anunciavam o evangelho, provavelmente nas
ruas e nas casas daqueles que criam (At 14:6-8).
Já na segunda viagem missionária, quando chegam em Filipos, isso se
confirma, e Paulo vai num sábado a um lugar de oração perto de um rio, onde
haviam mulheres (At 16:13). Em Tessalônica pregou por três sábados na
sinagoga (At 17:1-4). Em Beréia, pregou na sinagoga também (At 17:10). Já em
Atenas, Paulo prega primeiro no Aerópago (At 17: 18ss.). Em Corinto pregava
na sinagoga todos os sábados (At 18:4).
Na terceira viagem missionária ele prega durante três meses na sinagoga de
Éfeso (At 19:8).
2.5 Retaguarda da igreja de Antioquia
Antioquia da Síria é a mais importante cidade da história primitiva do
cristianismo, depois de Jerusalém. Nessa cidade foi estabelecida a primeira
igreja gentílica (At 11:20-21), e foi ali também, que pela primeira vez, se
chamaram cristãos os discípulos de Jesus Cristo (At 11:26). A igreja foi fundada
por cristãos que tiveram que sair de Jerusalém após a morte de Estevão. Os
apóstolos, vendo que o trabalho prosperava naquele lugar, enviaram Barnabé
para ajudá-los (At 11:22).
Paulo, depois da fuga cinematográfica de Damasco (At 9:25), é enviado para
Jerusalém, Cesaréia de depois para Tarso. Barnabé, um dos primeiros de
Jerusalém a crer na conversão de Paulo, vai buscá-lo em Tarso e leva-o para
Antioquia para auxiliá-lo na tarefa de ensinar a igreja (At 11:25-26). Em Atos
13, há o comissionamento dos dois pela igreja para obra missionária.
Depois da primeira e segunda viagens missionárias, Paulo retorna à igreja que
o havia enviado pra relatar tudo o que tinha feito no tempo que ficou fora (At
14:26-27; 18:22-23). Já na terceira viagem missionária, Paulo é preso em
Jerusalém, mas podemos entender que assim como aconteceu com as duas
primeiras, seu desejo era de relatar aos irmãos o que havia acontecido nessa
viagem. Paulo considerava isso importante estratégia em seu ministério.
Sua ligação com a igreja de Antioquia era grande. A sua “casa” oferecia apoio
espiritual e moral (At 13:3). A questão financeira, muito embora não apareça
explicita dessa forma, provavelmente existia, pois o apóstolo viajava com o
aval da referida comunidade.
CAPÍTULO II
REFLEXÕES DO MOVIMENTO MISSIONÁRIO URBANO DE PAULO
Depois de toda essa carga de informações preciosas precisamos parar para
refletir como anda a ação missionária da igreja nos dias de hoje.
É notório que boa parte da igreja cristã não tem uma definição clara sobre
missão. O conceito é penumbroso em muitas comunidades. Persiste nos nossos
dias a visão romanceada das missões transculturais dos séculos XIX e XX. E
exatamente por essa falta de definição e compreensão a igreja padece em
realizar os mandamentos de seu Senhor.
De acordo com David J. Bosch , a palavra “missão” é entendida hoje como:
Referia-se a: (a) mandar missionários a um território designado, (b)as
atividades realizadas pelos missionários, (c) uma área geográfica receptora da
atividade missionária, (d) uma agência missionária, (e) o mundo não-cristão ou
“campo missionário”, ou (f) a sede pela qual os missionários trabalhavam em
seu lugar de atividade. Em um contexto ligeiramente distinto, o termo poderia
referi-se também a (g) uma congregação local sem pastor próprio, mas
dependente do apoio de uma igreja mais antiga e estabelecida, ou (h) uma
série de cultos especiais cujo propósito era aprofundar a fé cristã ou propagá-la
geralmente em um contexto nominalmente cristão.
Missão é muito mais que isso. Essa compreensão é de uma nocividade sem
igual. Ela extermina qualquer noção prática sobre missão, reduzindo todo o
conceito real. É preciso entender missão como a propagação da fé, a expansão
do Reino de Deus, a conversão das pessoas e a fundação de novas
comunidades .
E só a partir dessa compreensão real do conceito “missão” que a igreja pode
ser eficaz em sua tarefa. Não é fácil. Mudar velhos hábitos e conceitos nas
mentes das pessoas é mais difícil que construir sozinho um prédio. Contudo,
olhando para o ministério de Paulo, e vendo que ele mesmo enfrentou os
velhos hábitos e conceitos das pessoas (Gl 2:11-21), somos encorajados a
tentar mudá-los, para a sobrevivência de nossas comunidades.
1. Repensando as Motivações Missionárias Paulinas para hoje
Será que as mesmas motivações de Paulo serviriam para quem quer enfrentar
a grande tarefa missionária que temos hoje?
O mundo hoje se tornou urbano. No Brasil, 81,23% das pessoas estão morando
em áreas urbanas (IBGE – censo 2000). Nos Estados Unidos, esse contingente
já chegou a 90% da população. O número de mega-cidades (com mais de 10
milhões de habitantes) chegará à 26 até 2015, e nesse mesmo ano a ONU
alerta que cerca de 4 bilhões de pessoas morarão em conglomerados urbanos .
Numa reunião de pastores de uma determinada cidade, um deles indagou
porque o povo não ia à igreja. Sabemos que muitas respostas poderiam ser
dadas para essa pergunta. Mas creio que a principal razão é que não
atendemos as necessidades reais das pessoas. Nossa ação, como igreja, se
restringe à mensagens irrelevantes e alienantes.
Uma missão voltada para as necessidades das pessoas pode fazer muita
diferença. Ela deve-se desenvolver num ministério para as pessoas. No
episódio da transfiguração (Lc 9: 28-36), onde os discípulos queriam ficar na
montanha, o Mestre relembrou que é junto do povo que teriam que estar.
Devemos estar prontos ao mesmo tempo para orar no monte e depois descer
para junto do povo. Estar junto do povo nos faz ver a realidade que as pessoas
estão inseridas e descobrir quais são suas reais necessidades.
Existem três desafios que precisamos visualizar e analisar para realizar esta
“missão urbana para a realidade”. O primeiro é o pluralismo cultural
constitutivo da sociedade urbana contemporânea. O mundo urbano traz
pessoas dos mais diversos cantos e com culturas próprias, dentro até do
mesmo país. Isso faz com que a cidade se torne uma aglomeração de
diversificadas culturas, e conseqüentemente havendo um sincretismo cultural
próprio em cada comunidade.
O segundo desafio nasce do caráter multi-religioso e secular. As pessoas não
se importam mais com a “religião da família”, mas com aquilo que pode trazer
vantagens ou alívios pessoais. Na vida urbana, o importante é o bem estar,
mesmo que pra isso seja necessário abandonar alguns princípios herdados ou
aprendidos.
O terceiro desafio surge das tremendas desigualdades de que são objetos
muitos que vivem hoje nos espaços urbanos. Um desafio para vivermos na
cidade em paz, justiça e solidariedade, sem nenhum tipo de exclusão social,
econômica, religiosa, racial, cultural etc..
Diante dos desafios precisamos tomar posições certas para realizar uma
“missão urbana para a realidade”. A primeira posição é de uma pastoral
comunitária acompanhada de uma teologia transformadora da cultura. A
segunda posição é de uma pedagogia dessa teologia. Não adianta saber
somente os conteúdos dela, é necessário inculcá-las. Para isso é necessária
uma pedagogia que responda às necessidades das pessoas da cidade. Em
terceiro lugar é necessária uma práxis voltada para as pessoas, tendo como
sujeito primeiro a comunidade eclesial. Essa comunidade sarada e preparada
para apregoar as três posições acima se torna o agente de pastoral que o
mundo necessita.
É possível então pensarmos nas motivações missionárias de Paulo para realizar
essa tarefa? Será que essas motivações seriam relevantes diante das
dificuldades que encontramos no contexto que vivemos?
1.1 Paixão por Cristo?
Será possível falar em um amor abnegado, ardente e num entusiasmo grande
por Cristo nos dias de hoje? Creio que mais do que tudo hoje, a igreja precisa
resgatar esse primeiro amor por Cristo. Aliás, somos exortados pelo próprio
Cristo a isso (Ap 2:4-5).
Quando somos dominados por essa paixão por Cristo, somos levados a pensar
nas coisas lá do alto, a ver as coisas como Cristo via, a ter a mente de Cristo e
agir como Ele agia. O amor ardente por Jesus nos leva a ter um amor ardente
pelas pessoas. O mesmo amor que Cristo tinha. É desse amor ardente que
Paulo vivia (Gl 2:20). Suas ações eram movidas por Ele, e por isso Paulo
deixava de pensar em si mesmo para realizar a obra do que o havia
vocacionado (Fl 1:21-24).
Precisamos resgatar essa paixão por Jesus para podermos realizar a obra para
qual fomos chamados. Sem essa paixão, somos tentados a abandonar o barco
antes mesmo dele desatracar. Com os olhos fitos em Cristo, nossos anseios e
vontades são colocados de lado, e procuramos fazer a Sua Vontade, que é boa,
perfeita e agradável (Rm 12:2).
1.2 Paixão pela Igreja?
No dia da minha conversão, uma pessoa chegou até mim e disse em meu
ouvido: “este” – a igreja – “é o melhor lugar do mundo.” Como todo neófito
acreditei cegamente. Contudo, com o passar do tempo, e conhecendo mais
profundamente como funcionava a igreja, percebi que não era bem assim. As
decepções que sofri com as pessoas da igreja me levaram a pensar que a
mesma não era tudo aquilo que eu havia ouvido.
Até aprender que não existe instituição humana perfeita foram longos anos.
Estes anos foram difíceis, mas depois pude compreender que aquele meu
amigo estava dizendo a respeito da noiva de Cristo, da igreja universal e não
da instituição.
Reconheço o valor da instituição e até pertenço a uma, mas não quero falar
aqui do amor por ela. Deixo isso com outros apaixonados pela história. O que
realmente me interessa é o amor pela Noiva de Cristo.
Quando a paixão por Cristo toma nosso coração, somos tomados também pela
paixão por sua Noiva, seu Corpo. Cristo amou tanto a igreja que se entregou
por ela (Ef 5:2,25). Quando nos entregamos à paixão por Cristo, obviamente
nos entregamos à paixão pela igreja. Estamos dispostos a morrer tanto por um
quanto pelo outro.
Isso motivou Paulo. Ele compreendeu que amava a Cristo acima de todas as
coisas, e esse amor o levou a amar a igreja de uma forma imensurável. As
pessoas de nossas comunidades precisam viver esse amor ardente. Tanto por
Cristo quanto pela igreja.
1.3 Convicção do chamado?
Em todas as partes do mundo, as pessoas têm cada dia mais pensado em
religião. O último censo brasileiro afirma um crescimento dos evangélicos
espantoso, chegando a duas dezenas de milhões de pessoas, e para os mais
otimistas três dezenas. Por isso, dentro desse crescimento era de se esperar
que existissem vocações religiosas, mas o que se vê é uma grande carência
delas.
O meio católico romano não fica atrás. Observando grande deficiência na área
vocacional, a igreja romana resolveu investir pesado nessa área. O Papa João
Paulo II, escrevendo aos brasileiros envolvidos em despertar vocações relata a
preocupação da igreja romana nesse sentido:
Há um toque de despertar de homens e de mulheres para o transcendente,
que os chama a “participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o
Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação
para a sociedade” . Mesmo assim, permanece viva a preocupação da Igreja
pela carência de vocações sacerdotais e religiosas, que não acompanham as
necessidades do povo fiel em contínuo crescimento.
Poderíamos usar essa frase de João Paulo II, para expressar nossa preocupação
legítima com a carência de vocações que estamos vivendo. Há uma busca pelo
sagrado, mas uma necessidade de vocações.
E quando surge vocações? Como tratamos delas? A missionária Antonia
Leonora van der Meer passou por uma experiência bem interessante:
Fui convidada para falar sobre missões numa igreja bem viva e dinâmica. A
família que me hospedou não se cansava de ouvir minhas experiências
missionárias. Até que, de repente, a filha que estava para terminar o curso de
medicina começou a mostrar que estava seriamente considerando a
possibilidade de servir na obra missionária. O ambiente mudou totalmente:
“Isso seria uma loucura!”
Muitos cristãos ainda consideram o missionário basicamente um maluco. Como
é que uma pessoa de boa formação ou com responsabilidades dentro da
família abandona tudo e todos para embrenhar-se em alguma selva entre
povos tribais ou para confrontar situações de alto risco em países resistentes,
onde há falta de segurança e de confortos básicos? “Missionários solteiros,
tudo bem” (desde que não seja meu irmão ou minha filha), mas um casal com
filhos é o cúmulo do absurdo! É claro que Deus não pediria uma coisa dessas
para seus filhos!” É o pensamento de muitos.
É verdade. Não sei qual seria minha reação se minha filha me dissesse que
está se sentindo chamada por Deus para ser missionária na África, China ou
mesmo entre uma das tribos urbanas brasileiras hoje. Esse sentimento de
proteção, falta de confiança da igreja naqueles a quem Deus vocaciona e falta
de apoio tem minado muitas vocações. Nossa região eclesiástica tem passado
por um momento distinto. De cinco anos pra cá surgiram muitas vocações.
Todos aqueles que foram chamados tinham (ou têm) o desejo de serem
pastores ou pastoras. Mas devido à crise financeira que assola o país, não
temos como sustentar adequadamente cada seminarista. Oferecemos duas
alternativas: ou se espera mais um pouco para o envio à instituição teológica
ou se associe a uma igreja para que seu sustento seja complementado.
A segunda opção normalmente é a mais optada. Mas isso gera uma carga de
problemas. Um desses seminaristas, depois de quase dois anos estudando,
estava em dúvida quanto ao seu chamado. Conversando e orando, cheguei
com ele à causa do problema: financeira. O rapaz, que no início de seus
estudos tinha convicção de que fora chamado por Deus, agora estava com
seus ânimos arrefecidos depois de passar por várias situações delicadas na
área econômica.
São dois lados da moeda. Num, oramos para que Deus mande trabalhadores
para a sua seara. No outro, não cuidamos devidamente daqueles que Deus
manda.
1.4 Necessidade das pessoas?
Os tempos que estamos vivendo têm sido marcados por muitas dificuldades:
guerrilhas urbanas, violência sem controle, brutalidade, fome, miséria, drogas,
impunidade, corrupção, desamor, tragédias, desigualdade social, pais se
levantando contra filhos e filhos contra pais. A lista é imensa e parece não ter
fim.
Temos sentido hoje, mais do que nunca, que o mundo precisa de Deus. E Deus
decidiu precisar de servos. Somos seus servos para tentar levar a mensagem
das boas novas ao mundo que vivemos, pois só ela é capaz de transformar a
atual conjuntura. As necessidades das pessoas e de toda a criação de Deus,
deve nos impulsionar a levar essa mensagem de salvação e vida.
Alberto Antoniazzi nos diz que:
A questão é oferecer condições às pessoas de fazer uma experiência de Cristo.
Neste sentido, não basta reforçar a instituição ou dar mais publicidade à sua
mensagem. Deve-se levar à experiência salvífica, a qual só se realiza no
contexto da comunidade cristã, do povo de Deus.
Pois o encontro com o Cristo vivo se dá hoje, como no início, através do
encontro com seus discípulos. O encontro se dá na comunidade eclesial,
enquanto ela assume sua vocação de tornar visível o Reino de Cristo na
história. Jesus, o Cristo glorificado, está presente lá onde os seus discípulos se
reúnem em seu nome. Mas esta presença se torna exigência de que os
discípulos acolham como Ele acolheu, amem como Ele amou, sirvam como Ele
serviu, perdoem como Ele perdoou, curem as enfermidades do corpo e do
espírito como Ele curou, encontrem sua felicidade nas bem-aventuranças,
anunciem aos pobres e oprimidos o tempo da libertação e da graça, tempo de
graça que o próximo Jubileu do ano 2000 nos convida a tornar mais claramente
manifesto .
Precisamos investir na proclamação da mensagem de Cristo que vá de
encontro às necessidades das pessoas. Isso não significa mudar o conteúdo da
mensagem, mas mudar a forma de proclamá-la, a linguagem.
1.5 Convicções teológicas?
Por último, creio que uma das motivações que podemos aprender com Paulo é
sobre suas convicções teológicas. Curioso notar que Paulo não se deixava levar
pelos ventos doutrinários de sua época e combateu vários deles.
Uma das maiores dificuldades hoje em dia é que têm se adaptado a teologia à
realidade e não a linguagem. Isso é um sério problema. O apóstolo Paulo
exorta para que não cedermos a qualquer vento de doutrina (Ef 4:14). Quando
Paulo e Silas foram enviados a pregar em Beréia, aquelas pessoas que ouviram
a mensagem foram consideradas mais nobres que os tessalonicenses, porque
de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se
estas coisas eram assim (At 17:10-11).
Precisamos estar firmados em nossas convicções, adaptando a linguagem ao
contexto que estamos inseridos, para que a palavra proclamada possa, de fato,
transformar vidas.
2. Implicações para o Movimento Missionário Atual: Aprendendo com Paulo em
Atos dos Apóstolos
Será que, depois de quase dois mil anos, as estratégias missionárias de Paulo
podem ajudar o movimento missionário atual? É possível desenvolvermos
estratégias missionárias atuais baseadas nas estratégias de Paulo? Se possível,
como fazer?
Da mesma forma do capítulo anterior, quando olhamos para as motivações
paulinas, vamos nos reportar às mesmas estratégias de Paulo para tentar
responder essas perguntas.
2.1 Pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo
Porque será que a pregação atual não tem sido tão eficaz quanto nos dias da
igreja primitiva? Sei que existem várias respostas para essa pergunta, mas
quero me deter na pregação, pois, como invocarão aquele em quem não
creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não
há quem pregue? (Rm 10:14).
Sem o poder do Espírito Santo é impossível sermos eficazes na pregação do
Evangelho. Sem o Espírito, o que falamos se torna ensaio moral, discurso
político, desabafo de frustrações emocionais, parlatório.
O Espírito é aquele que nutre, que dá vida à mensagem. Através do Espírito é
que ela pode e consegue transformar corações de pedra em corações de carne
(Ez 36:26).
Na realidade, essa primeira estratégia missionária de Paulo, se podemos
chamar assim, era fruto de um íntimo relacionamento com Deus, demonstrado
em sua vida, na sobriedade de suas cartas, na seriedade de seu ministério e na
autoridade que ele possuía. Paulo procurava sempre estar no centro da
vontade de Deus, revelada a ele através do Espírito Santo.
Precisamos ver os dois fatos lado a lado: Escrituras e poder de Deus.
Quanto às Escrituras, somos tendentes a substituí-la por qualquer outra
sabedoria, pelas tradições. Mas, não podemos substituir a palavra de Deus por
nada. Precisamos nos deixar dominar pelo poder da palavra de Cristo. A
Palavra de Deus é articulada pelo Espírito Santo. O próprio Senhor Jesus a usou
para validar sua autoridade de Filho de Deus (Lc 4:17-19).
Quanto ao poder de Deus nós o conhecemos nas pequenas e nas grandes
coisas: na criação, na salvação, na vida. Deus é poder. Em várias ocasiões da
história, o ser humano quis mostrar que tinha mais poder que Deus: no Éden,
na Torre de Babel, no Titanic, no Zeppelin. Somos sustentados diariamente
pelo poder de Deus.
Conhecer as Escrituras sem o poder de Deus nos torna doutores da lei.
Conhecer o poder de Deus sem as Escrituras faze-nos cristãos superficiais.
Para pregarmos eficazmente o evangelho na atualidade é necessário haver
este equilíbrio: Escrituras e poder de Deus.
2.2. Plantação de Igrejas
Paulo tinha consciência da importância dos neo-conversos estarem em lugares
específicos para comungarem sua fé. Por isso, os organizava em igrejas, em
comunidades locais. O propósito de Paulo era promover os meios pelos quais
eles fossem edificados, instruídos, celebrassem a Ceia, cultuassem a Deus e se
envolvessem no próprio projeto de expansão do cristianismo.
Atualmente, a evangelização também é feita, mas é possível que o princípio de
Paulo não seja repetido. Não existe com tanto afinco a idéia de plantar novas
igrejas. Corre um estranho pensamento que uma igreja nova só é plantada
com pesados subsídios e de líderes de igrejas maiores. Por isso, ao invés de
sair plantando igrejas novas em todo canto da cidade, é melhor investir nas
reuniões nos lares, ou células. Não há o pesado investimento como haveria no
caso de plantar uma nova igreja; não precisa dos líderes, é só treinar os
crentes; o suposto problema da falta de comunhão entre os membros é
resolvido.
Mas só quem viveu nos dois lados sabe que existe muita diferença entre uma
igreja grande com células e uma igreja pequena. Meu objetivo não é criticar o
movimento de igrejas em células nem o crescimento das igrejas. Creio que a
primeira é uma boa idéia e a segunda é resultado da obediência ao
mandamento de Cristo.
O fato é que precisamos pensar em plantar novas igrejas como uma
importante estratégia missionária. Precisamos perder o medo de desmembrar
grandes igrejas em pequenas comunidades onde é possível viver com mais
afinco a comunhão e o aprendizado da Palavra.
2.3 Formação de Liderança
Uma das estratégias missionárias de Paulo era investir na formação de novas
lideranças. Nas igrejas que fundou Paulo procurou deixar uma liderança bem
estruturada – presbíteros – a quem encarregava do rebanho (At 14:21-23), e
depois de algum tempo voltava para supervisioná-los (At 15:36; 16:4-5; 18:23).
Nas estratégias missionárias modernas isso tem sido praticado com resultados
muito positivos. Entendeu-se que é melhor investir na formação de novos
líderes locais do que sustentar por anos um missionário na mesma função. O
que precisa, contudo, é olhar altruistamente essa nova liderança e empreender
mais em sua formação. De fato, não adianta somente suscitar a liderança, é
preciso que ela seja bem formada.
Paulo pensava nesse investimento na liderança, e por isso mesmo levava
consigo, num discipulado diário pessoas que seriam os líderes da igreja num
futuro próximo.
Uma das importantes estratégias missionárias é investir na liderança, para que
ela seja cada vez melhor preparada para propagar o Reino de Deus na terra.
2.4 Contextualização missiológica
Em 1974, durante o Congresso sobre a Evangelização Mundial, ocorrido em
Lausanne, Renné Padilha foi duramente criticado
porque disse que o evangelho que alguns missionários europeus e norte-
americanos exportaram foi um “cristianismo cultural”, uma mensagem cristã
distorcida pela cultura materialista e consumista do Ocidente. Foi doloroso
ouvi-lo dizer isto, mas naturalmente ele estava totalmente certo. Todos nós
precisamos sujeitar o nosso evangelho a um escrutínio mais crítico e, numa
situação transcultural, evangelistas visitantes precisam humildemente buscar
ajuda dos cristãos locais para discernir as distorções culturais de sua
mensagem.
Naturalmente, o apóstolo Paulo fazia isso. Ele tinha em mente quem seriam os
receptores de sua mensagem e sabia quais eram seus costumes culturais, e
adaptou a linguagem do evangelho às necessidades do povo a quem ele se
dirigia.
Hoje em dia fica difícil falar de cultura de um país. Existem costumes que são
comuns a todos os habitantes de uma nação, mas a maioria deles pertence a
uma outra subcultura, com suas características, linguagem, usos e costumes
próprios. Dentro de nosso país, por exemplo, as características culturais, os
fonemas, roupas, costumes mudam em 500 quilômetros.
É necessário, portanto, haver uma contextualização, ou seja, entender os
principais aspectos de uma cultura que queremos alcançar e adaptar-nos a ela,
procurando levar assim a mensagem do evangelho.
2.5 Retaguarda da igreja
O apóstolo dos gentios tinha a igreja de Antioquia como o seu suporte durante
suas viagens missionárias. Onde quer que Paulo fosse ele tinha o aval da igreja
e com certeza suas orações. Quando Paulo retornava para a igreja trazendo
seu relatório da viagem, era ouvido com muita expectativa e isso alegrava os
irmãos de Antioquia (At 14:26-27; 18:22-23).
Mas existe outra irresponsabilidade ou loucura injustificável e pecaminosa que
nossas igrejas têm praticado. Enviam o missionário com a bênção da igreja,
que se orgulha em divulgar que sustenta “X” missionários. Mas, de repente,
surge um projeto de construção ou outra necessidade urgente que demanda
toda a atenção.
Ora, o missionário é pessoa de fé. Deus cuida dele — e a igreja abandona seus
missionários no campo. Será que o pastor também não é homem de fé? Por
que, então, tal atitude inconseqüente? O missionário enfrenta dificuldades, às
vezes problemas de saúde, falta de recursos básicos, falta de explicações e
comunicação, dívidas. Como resultado, surge uma profunda crise. Às vezes
trata-se de uma pessoa que se adaptou bem ao campo, progrediu no estudo da
língua nacional, relacionou-se bem com os nacionais e acaba sendo derrotada
por esse abandono! Gostamos de falar em guerra espiritual, mas abandonamos
nossa tropa de elite, nossos comandos no campo de batalha, sem orientação,
sem recursos, às vezes feridos, sem qualquer cuidado! Nenhum exército
humano faria isso. Outra manifestação dessa inconsistência acontece no
momento em que o missionário põe os pés de volta no Brasil: Voltou do
campo? Deixou de ser missionário. Acabou o sustento! — um tremendo
contraste com empresas e governos, que enviam funcionários para servir em
outras culturas ou situações de risco, e sempre oferecem uma série de
compensações. Mas, no caso dos nossos missionários, se o sustento não acaba
por completo, geralmente diminui consideravelmente, afinal “o missionário é
uma pessoa simples, chamada para sofrer”…
(…) Uma igreja com coração missionário recebe bem seu missionário que vem
de férias e o ajuda a conseguir moradia, cuidados de saúde, apoio pastoral, um
lugar para descansar. Muitas igrejas ainda não têm essa visão. Assim, muitos
missionários voltam ainda mais arrebentados para o campo.
È preciso portanto que haja da igreja que envia seus missionários quer sejam
num outro país ou outra cultura, um apoio moral, financeiro, espiritual
adequado para que os que são enviados possam ser firmes, inabaláveis e
sempre abundantes na obra do Senhor (1 Co 15:58).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos perceber, tanto as motivações quanto as estratégias de missão
urbana de Paulo são de suma importância para a o início ou continuidade de
qualquer trabalho eclesial, e não só o que envolva missão urbana.
O que é preciso nos dias de hoje? Falta, em um primeiro momento, uma real
paixão por Cristo e por sua obra. Ao mesmo tempo em que vemos um mundo
carente de amor, a igreja padece na transmissão desse, porque não tem uma
experiência real e profunda com seu Noivo. O amor pela obra parece, muitas
vezes, superar o amor pelo Cristo ressurreto. Troca-se a fonte do amor pela
conseqüência desse.
E paixão pela igreja de Cristo? Paulo por muitas vezes tomou as dores de Cristo
pela igreja. Essa era uma preocupação do apóstolo resultado do grande amor
por Cristo. Paulo deu sua vida em prol da igreja porque se viu na obrigação de
seguir os passos de Jesus. Paulo era um verdadeiro interessado por tudo o que
acontecia dentro da igreja, onde quer que fosse. O que acontece atualmente é
que nos fechamos em “guetos” eclesiais, e o resto não é da minha conta.
Copiamos o que grandes igrejas têm de bom, desde o boletim até a
programação dos jovens, mas sequer olhamos para as necessidades uns dos
outros. Dia a dia a igreja de Cristo se torna mais sectarista e partidária: só
entra na minha igreja se batizar nas águas, de novo e por aí vai.
De um outro lado, dá-se mais importância para as programações da igreja do
que para a família. Nesse ponto, a igreja (entenda-se “quatro paredes”,
instituição) se torna uma pedra de tropeço para a família, ou como escutei num
desses dias: “venho pra igreja pra fugir do meu marido e dos meus filhos”.
As conversas dos líderes denominacionais, então se torna uma competição:
quantos membros sua igreja têm, quanto você ganha, quem vai pregar aonde,
quantos convites você recebeu, quantos doutores têm sua igreja e daí por
diante. Conversas assim nos deixa calejados e cada vez mais insensíveis aos
problemas das pessoas.
E o que a paixão pela igreja de Cristo tem a ver com isso tudo? Tem tudo a ver.
Quando somos verdadeiros apaixonados pela igreja, tomamos suas dores e
fazemos de tudo para tentar apresentá-la a Cristo da melhor maneira possível.
Nós nos tornamos instrumentos na mão do Mestre para operar na igreja a
plástica necessária para que ela seja sem mácula, ruga, ou coisa semelhante.
Acerca do chamado existem dois lados: os que verdadeiramente são
vocacionados e que estão na obra por causa de seu amor por Cristo e os
aventureiros, aqueles que estão buscando status dentro de um determinado
segmento na sociedade. Não sei se é capaz de existir status em ser servo,
escravo.
O chamado para a obra deve ser carregado de paixão também em realizar a
vontade daquele que o vocacionou. Essa paixão estimula, incita a continuar no
trabalho mesmo diante das dificuldades e perseguições. O próprio apóstolo
Paulo, escrevendo para um pastor nos garantiu que todos quantos querem
viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos (2 Tm 3:12). Será que
ele não falava da vocação? Com certeza que sim!
É preciso olhar as vocações que nascem com bons olhos e sem forçá-las
devemos rogar ao Senhor da Seara que manda mais e mais trabalhadores para
o seu campo, pois já está na hora da colheita. O mundo está necessitado de
homens e mulheres que façam a diferença, que estejam dispostos a
testemunharem viva e verdadeiramente Cristo. O mundo urbano, violento,
cinzento e com suas mazelas é alvo do amor de Deus. E como instrumentos
desse amor precisamos pedir ao Pai Celeste que nos ajude em nossa miopia
espiritual, para que enxerguemos as pessoas.
Por último, precisamos ser firmes naquilo que cremos. Nossas convicções
teológicas devem estar baseadas na Palavra de Deus que é nossa regra única e
infalível de fé e prática. Contudo, o que encontramos hoje são convicções
baseadas no tradicionalismo, no “eu acho”, nas pressuposições familiares e
nos interesses pessoais, e por isso vemos “avivamentos” sem frutos, ou seja,
só “bronze que soa” ou “címbalo que retine”.
Na realidade, falta firmeza doutrinária e teológica quando muitos são levados
principalmente pelo pragmatismo americanizado. A frase que está na mente de
tantos é: “se deu certo lá, vai dar aqui”. Logo no início de seu ensaio, Augustus
Nicodemus Lopes dá um exemplo que é possível uma igreja crescer sem que
isso tenha algo a ver com a doutrina bíblica correta.
Devemos sim, voltar nossos olhos para o Criador e sua Palavra, que pode nos
dar direções de como fazermos as coisas bem por aqui. O maior interessado
que a igreja esteja cheia de pessoas salvas e curadas é o próprio Deus.
Por fim, Assim como Paulo teve uma experiência no caminho de Damasco,
todos nós temos também, guardadas as proporções. Nossas experiências com
Deus servem de estímulo e nossos estudos servem de base a qualquer obra
que nos propomos a fazer.
As motivações legítimas e as estratégias de Paulo para que ele realizasse a
obra missionária também direciona nossos corações para a tarefa que nos é
proposta, mediante o mandato do Mestre.
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* o autor é Pastor da IPI de Pirapozinho – SP
Mestrando da FTSA