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JOO HENRIQUE MOURA DE CASTILHOS

ASPECTOS JURDICOS DA CRISE NUCLEAR DO IR

Centro Universitrio FEEVALE Instituto de Cincias Sociais Aplicadas - ICSA Curso de Direito Trabalho de Concluso de Curso

Professora Orientadora: Gabriela Mezzanotti

Novo Hamburgo, novembro de 11

JOO HENRIQUE MOURA DE CASTILHOS

ASPECTOS JURDICOS DA CRISE NUCLEAR DO IR

MONOGRAFIA

OBJETIVO: GRADUAO NO CURSO DE DIREITO

CENTRO UNIVERSITRIO FEEVALE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

ORIENTADORA: GABRIELA MEZZANOTTI

NOVO HAMBURGO, 20082

FOLHA DE APROVAO

JOO HENRIQUE MOURA DE CASTILHOS

ASPECTOS JURDICOS DA CRISE NUCLEAR DO IR

NOVO HAMBURGO, novembro de 11

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORANOME ASSINATURA INSTITUIO

3

Este trabalho dedicado a meus queridos pais, Joo Nunes de Castilhos e Jandira Moura de Castilhos, por terem me apoiado em todos os projetos em que ingressei, por mais estranhos que fossem; minha filha, Vitria Heck Castilhos, pelo sacrifcio do tempo que deixei de estar com ela; e minha esposa, Viviane Heck, pela parceria nessa luta.

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Um agradecimento, com muito carinho, minha incansvel professora orientadora, Gabriela Mezzanotti, pela pacincia, motivao, ateno e f nesse aluno e admirador.

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Agradeo FEEVALE pelo apoio recebido, minha irm, Nara Regina Moura de Castilhos, e aos meus queridos professores, que foram a luz que me guiou no escuro caminho que leva ao conhecimento.

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Resumo O uso da fora nos dias atuais est submetido a um regramento muito rgido. Esta deve ter sempre como base a Carta das Naes Unidas, sendo que os Estados s podero fazer uso da fora que no derive do direito legtima defesa se explicitamente e no implicitamente autorizados pelo Conselho de Segurana das Naes Unidas. O presente trabalho versa sobre o temor dos acidentes nucleares e de uma guerra atmica generalizada, com o conseqente extermnio da vida no planeta. Esse temor deu causa criao da Agncia Internacional de Energia Atmica, rgo responsvel por controlar tais atividades e relatar ao Conselho de Segurana das Naes Unidas possveis violaes das normas da ONU relativas a atividades nucleares. Ir e Estados Unidos tm estado envolvidos em conflitos desde a Revoluo Islmica em 1979. Embora tenha havido atos de agresso de ambas as partes, ainda no houve uma guerra entre ambos mas os fatos indicam que as chances tm aumentado. A guerra no Iraque tem exposto um ataque desafiador contra a coerncia das normas internacionais. Ela demonstra o uso de uma legitimidade alternativa, especfica, criada pelos EUA e que desafia o sistema legal internacional vigente. Por outro lado, o Ir recusa-se a cumprir as salvaguardas e condies para que seu programa nuclear venha a adequar-se aos princpios previstos pelo Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares e do Protocolo Adicional. Palavras-chave: Uso da Fora, Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares, Agncia Internacional de Energia Atmica, Direito Internacional Humanitrio.

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ABSTRACT The use of force nowadays has undergone a very rigid legislation. It must always have the Charter of the United Nations as a foundation, being that the States will only be able to make use of a force which doesnt outcome from the right to legitimate defense if explicitly and not implicitly authorized by the United Nations Security Council. This work treats about the fear of nuclear accidents and of a generalized atomic war, with the consequent termination of life on the planet. This fear gave rise to the creation of the International Atomic Energy Agency, body responsible for controlling such activities and reporting to the United Nations Security Council possible violations of United Nations rules related to nuclear activities. Iran and the United States of America have been involved in conflicts since the Islamic Revolution in 1979. Though there have been acts of aggression from both Parties, a war between them hasnt taken place yet, but the facts point that chances have grown. The war in Iraq has exposed the use of an alternate legitimacy, specific, created by the USA and that challenges the international legal system in force. On the order hand, Iran refuses to fulfill the safeguards and conditions for its nuclear program to come to meet the principles previewed by the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons and the Additional Protocol. Keywords: Use of Force, Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, International Atomic Energy Agency, Humanitarian International Law.

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Sumrio Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10 1. 1.1. 1.2. Os Limites Normativos do Uso da Fora Da Legitimao Limitao dos Conflitos Armados . . . . . . 13 A Regulamentao Internacional da Energia Nuclear . . . . 32

2. 2.1. 2.2.

O Caso Ir e seus Aspectos Jurdicos O Desenvolvimento do Conflito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Aspectos Jurdicos da Crise Nuclear do Ir . . . . . . . . . . . . 58

Consideraes finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

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INTRODUO

Este trabalho inicia analisando a atual postura da Comunidade Internacional em relao guerra. A agresso de um Estado contra outro passou a ter conseqncias bem mais gravosas que antes da criao da ONU. Ou seja, o uso da fora s aceito como ato de legtima defesa ou se apresentar a aprovao do Conselho de Segurana das Naes Unidas. No se enquadrando em algum destes itens, qualquer agresso armada ser repelida pela Comunidade Internacional atravs do prprio Conselho de Segurana das Naes Unidas. Mas, havendo a guerra, tem eficcia o jus in bello, a regulamentao da guerra, as limitaes durante a prtica dos atos de guerra, que chega a definir qual tipo de armamento poder ser usado por um pas em decorrncia dos objetivos que pretende alcanar em certo momento do conflito. Esta regulamentao se ope ao antigo jus ad bellum, que previa a possibilidade de um Estado tomar agresso armada contra outro por motivos polticos, econmicos, por represlia ou por simples expanso de territrios. Apesar desta extensa regulamentao, as guerras atuais tm se caracterizado pelo desrespeito a tais regras. O massacre da populao civil, o uso de armas proibidas, como armas qumicas, biolgicas e o 10

risco de um ataque nuclear, seja por um pas, seja por grupos terroristas, instiga o medo e a instabilidade poltica nas relaes internacionais. O uso da energia nuclear, o lanamento das bombas atmicas sobre Hiroshima e Nagasaki, e os milhares de acidentes ocorridos nas usinas atmicas por todo o mundo, levaram criao das normas da Agncia Internacional de Energia Atmica. Embora o lanamento destas bombas tenha causado muito temor, ele tambm despertou a humanidade para uma nova fonte de energia, que viria a ter usos muito proveitosos humanidade. A deciso do Ir de se tornar um pas que utiliza tecnologia nuclear como fonte para obter energia, entre outras aplicaes possveis, enfrenta forte oposio por parte de alguns pases, em especial dos Estados Unidos da Amrica do Norte. Os desdobramentos deste conflito iro configurar o futuro do Oriente Mdio no perodo entre cinco a dez anos, pois ele envolve outros atritos que vm ocorrendo h muito tempo. Diante desses fatos, o presente trabalho aborda alguns desses desafios, visando a contribuir para a busca incessante de solues a fim de incrementar o imprio do direito em detrimento do poder poltico e econmico. Realizado mediante pesquisa bibliogrfica, este trabalho parte da anlise do desenvolvimento do Direito de Guerra para um estudo especfico da regulamentao internacional da energia nuclear e a crise nuclear entre os Estados Unidos da Amrica e o Ir. Na primeira parte do trabalho, em seu primeiro captulo, so abordados os limites normativos do uso da fora, sendo analisados os pilares do direito internacional humanitrio e a legitimao dos conflitos armados, a partir da Carta das Naes Unidas.

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J no segundo captulo da primeira parte, analisada a regulamentao internacional da Energia Nuclear, a partir do estudo do Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares e do trabalho da Agncia Internacional de Energia Atmica no controle do comportamento dos Estados nesta matria. O desenvolvimento das tenses entre o Ir e os Estados Unidos da Amrica o tema do primeiro captulo da segunda parte deste trabalho, que analisa os fatos que tm levado ao temor de um conflito prximo entre estes dois Estados, embora no haja uma clara definio sobre de onde partiria tal agresso, pois vrios so os candidatos a desempenhar tal papel. Desde a Revoluo Islmica, a derrubada do X Rheza Pahlevi, apoiado pelos EUA, alm do caso dos refns da embaixada dos Estados Unidos no Ir, que durou mais de um ano; e uma fracassada invaso de foras especiais ao Ir, na tentativa de resgatar os refns, a discrdia com os EUA s tem aumentado. Outros fatos relevantes so os ataques deste pas a quatro plataformas de petrleo do Ir, destruindo-as completamente e matando os operrios que nelas operavam e a derrubada, por engano, de um avio comercial iraniano com 290 civis a bordo causada por um mssil lanado de um navio de guerra estadunidense estacionado no Golfo Prsico. Contudo, o que agrava realmente a situao de atrito entre Ir e EUA o programa nuclear iraniano. O simples fato de um pas, qualquer que seja, instalar usinas nucleares j motivo para que a Comunidade Internacional suspeite que ele pretenda fabricar armamento atmico. O motivo para esta desconfiana histrico: at hoje, com exceo do Brasil e outros poucos, a maioria dos pases que instalaram usinas nucleares passaram a ter, em alguns anos, armas atmicas. Finalmente, os reflexos jurdicos que todos estes eventos tm gerado so o assunto do segundo captulo da ltima parte deste

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trabalho, ainda que a Corte Internacional de Justia no tenha sido invocada por qualquer dos atores deste teatro poltico causador de tanto sofrimento, espera-se uma soluo pacfica, j que os precedentes havidos na guerra do Iraque levam a crer seriamente na possibilidade de um conflito com o Ir.

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1. Os Limites Normativos do Uso da Fora

1.1. Da Legitimao Limitao dos Conflitos Armados

Antes da constituio dos Estados como se conhece hoje, j havia ataques armados, noes de soberania e at guerras, embora no dentro dos princpios atuais. As cidades-Estado, os feudos, e mesmo os territrios brbaros, tinham bens, povo, lngua e, muitas vezes, uma rea de criao e cultivo, que tinham que defender ou, quando a populao crescia, expandir. Era exatamente quando se tratava de expandir o territrio que surgiam os conflitos, uma vez que, para tanto, era necessrio tirar novas reas do jugo de outros povos e traz-las para si. Aps o surgimento dos Estados, estas questes tornaram-se crticas.1 Durante a Antigidade e na maior parte da Idade Mdia, a guerra era um conflito armado entre toda a populao dos Estados beligerantes. Em tempo de guerra, todas as pessoas de um Estado1

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional pblico. So Paulo: Saraiva, 1991. p. 45.

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beligerante, quer armadas ou no, homens ou mulheres, adultos ou crianas, poderiam ser mortas ou escravizadas pelo outro beligerante. Gradualmente, uma prtica mais amena e criteriosa surgiu e, hoje, a vida e a liberdade das pessoas privadas dos Estados beligerantes, no pertencentes direta ou indiretamente s foras armadas, so protegidas pelo Direito Internacional.2 Quando dois ou mais Estados iniciam um conflito armado, comea a se estabelecer uma guerra. Para ser guerra, a agresso tem que ser entre Estados. Um conflito armado pode, claro, surgir entre as foras armadas de um Estado e um corpo de indivduos armados, mas isso no guerra. Uma guerra civil no precisa ser guerra desde o incio, e pode nunca tornar-se uma, no sentido tcnico do termo em Direito Internacional. Novamente, uma agresso armada entre um ou mais estados-membros de um Estado Federado e o prprio Estado Federado deve ser considerada guerra em Direito Internacional. Assim, a Guerra de Secesso dos Estados Unidos, entre os estados-membros do Norte e os do Sul em 1861-1865, foi guerra real. Guerra, em princpio, um conflito armado entre Estados atravs de suas foras armadas. 3 Nos Estados soberanos estabelecidos, criou-se a idia da Guerra Justa, que pode ser definida como aquela que tem como objetivo impor o direito. Esta doutrina foi aceita pelo Direito Internacional por sculos. A legitimidade da guerra deriva do servio que ela deve prestar sociedade internacional, e no apenas ao beligerante injustiado que a ela recorre. Ao declarar uma guerra justa contra o inimigo agressor, um povo transforma a violncia que legalmente emprega em instrumento de utilidade para a sociedade internacional. A guerra deixa de ser unicamente um elemento de busca do direito do beligerante; torna-se tambm uma arma de composio da ordem jurdica internacional. 4

2 3

Ibid. p. 205. th OPPENHEIM. L. International Law, a treatise. Vol. II. Disputes, war and neutrality. 7 ed. Longmans, Green and Co. London, New York and Toronto. p. 204. 4 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. Eduardo Bittar, Guilherme Assis de Almeida So Paulo: Atlas, 2001. p. 136.

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O Estado, para Kant5, a unidade poltica por excelncia, sendo um poder soberano, fundado num contrato originrio que o institui como poder supremo coercitivo que no reconhece acima de si seno a prpria vontade da qual ele a expresso. Com isso, depara-se com o grave problema da soberania. Os Estados ainda vivem em um regime jurdico provisrio; esto ainda no estado de natureza, que um estado de guerra. , portanto, um estado injusto e, por ser assim, os governos tm o dever de sair dele atravs da criao de um contrato social originrio, como o tratado por Hobbes6 em relao s pessoas. Deste modo, estaro obrigados a no se intrometerem nos problemas internos dos outros Estados e estaro protegidos contra os assaltos de um inimigo externo. Seria a criao de uma sociedade de iguais (societas

aequalium) com o pactum societatis e o pactum subjectionis.7Segundo Oppenheim, essas relaes dependem muito das causas da guerra, as quais repousam no fato de que o desenvolvimento da espcie humana tem estado intimamente conectado com o desenvolvimento nacional dos Estados. Um aumento constante da populao deve, se no controlado ou deliberadamente encorajado, no fim, forar um Estado para a necessidade de adquirir mais territrio. Se ele no puder ser adquirido por meios pacficos, a aquisio por conquista o que resta se o Direito Internacional fracassar em fornecer meios de mudana pacfica de acordo com a justia. A causa da unidade nacional e independncia, rivalidade entre dois ou mais Estados, o despertar da ambio nacional, a tentativa de espalhar credos religiosos ou polticos, o almejar de ricas colnias e fontes de novos materiais, recentemente o petrleo, o desejo de um Estado cercado de terra de ter uma costa martima, o esforo de um Estado at ento menor de tornarse uma potncia mundial e inumerveis outros fatores tm operado desde que a histria comeou a ser registrada para criar causas para a guerra, e da mesma forma fazem sua parte hoje. O direito guerra, para5 6

KANT, Immanuel. Paz Perptua. Porto Alegre: L&PM, 1989. P. 83. HOBBES, Thomas. O Leviat. Ed. Abril Cultural. Os Pensadores. So Paulo, 1979. 7 KANT, op. cit. p. 84.

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quaisquer propsitos, era uma prerrogativa de soberania nacional. Assim concebida, toda guerra era justa. 8 J no Pacto da Sociedade das Naes, de 1919, foi estabelecido que toda guerra ou ameaa de guerra, atinja diretamente ou no algum dos membros da sociedade, interessa a toda sociedade, e esta deve adotar as medidas apropriadas para salvaguardar eficazmente a paz das naes. Alm disso, declara que todo membro da sociedade tem o direito de chamar a ateno da Assemblia da ONU ou do Conselho de Segurana das Naes Unidas, a ttulo amistoso, para toda circunstncia suscetvel de atingir as relaes internacionais e que ameace perturbar a paz ou a boa harmonia entre as naes, da qual a paz depende.9 Mesmo com todas as tentativas de estabelecimento de uma paz mundial duradoura, a Primeira Guerra Mundial eclodiu marcando um retrocesso, principalmente em face da indiferena dos beligerantes s regras to penosamente elaboradas. Embora a Liga das Naes tenha dado ao direito internacional uma importncia que nunca tivera, o progresso no tocante s leis de guerra foi pequeno. Do ponto de vista positivo, o ponto mais alto foi alcanado em 1928, com a assinatura do tratado que passou a ser denominado Pacto Briand-Kellogg, pelo qual a guerra foi considerada um ilcito internacional. Este pacto mereceu algumas crticas por no haver coberto algumas das lacunas do Pacto da Liga das Naes que permitiam o recurso guerra, mas foi recebido com entusiasmo pela opinio pblica mundial, para a qual a guerra e todas as guerras havia sido considerada ilcita. Era o outlawry of war (proscrio da guerra), como se uma deciso semelhante pudesse efetivamente acabar com todas. Na verdade, o que se condenava era a guerra de agresso, permanecendo vlida a guerra defensiva. Os

8 9

OPPENHEIMER, op. cit. p. 223. BITTAR, op. cit. p. 86.

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acontecimentos de 1939 demonstraram que a simples declarao, por solene que fosse, no evitaria nova guerra.10 Ainda em relao ao Pacto Briand-Kellog, sustentou-se, na poca, que sua terminologia tornava seu mbito incerto, e as declaraes feitas pelos representantes dos mais altos signatrios indicavam que eles no consideravam que o pacto lhes retirasse o direito de recorrerem coao armada para a defesa de certos interesses fundamentais. Enfim, a coao armada tornou-se ilegtima, em princpio, como elemento de soberania do Estado. Agora, vale a regra inversa: o recurso guerra deve ser justificado pelo Direito Internacional, seno proibido. Em todo caso, o pacto forneceu uma das bases dos julgamentos dos tribunais militares internacionais que julgaram, no fim da Segunda Grande Guerra, os criminosos de guerra. 11 Quando ocorre uma guerra, importante frisar, embora parea evidente, produz-se uma alterao nas relaes diplomticas entre os pases envolvidos. Existem doutrinas que apoiam a idia de que o irromper de uma guerra ipso facto cancela todos os tratados previamente concludos entre os beligerantes, exceto aqueles concludos especialmente em funo dela. Entretanto, muitos autores modernos sobre Direito Internacional consideram que a guerra de forma alguma anula todos os tratados, ainda que a unanimidade sobre quais deles sejam ou no cancelados pela guerra no exista, assim como no h uma prtica uniforme dos pases. De qualquer forma, a maioria dos doutrinadores concorda que o estourar de uma guerra cancela todos os tratados polticos que no foram concludos com o objetivo de estabelecer uma condio permanente das coisas e dos quais s os pases beligerantes so partes como, por exemplo, tratados de aliana. Por outro lado, tambm bvio que os Tratados especialmente concludos para a guerra no so anulados tais como tratados em

10

SILVA, Geraldo Eullio do Nascimento e. Manual do Direito Internacional Pblico. 15 ed. Casella So Paulo: Saraiva, 2002. p. 473. 11 REUTER, Paul. Direito Internacional Pblico. Ed. Presena: Lisboa, 1995. p. 286.

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relao neutralizao de certas reas de territrios dos beligerantes. Tambm no so anulados aqueles que estabelecem uma condio permanente das coisas, incluindo direitos de propriedade adquiridos por nacionais, mas nada impede que a parte vitoriosa imponha, pelo tratado de paz, alteraes, ou mesmo dissolues destes.12 Os tratados dos quais mais de dois Estados, beligerantes e nobeligerantes, sejam partes, no so cancelados pelo irromper da guerra; o mesmo vlido sobre todos os tratados dos quais um grande nmero de Estados sejam partes como a Unio Postal Internacional mas os beligerantes podem suspender sua execuo, at o limite de seus interesses, caso as necessidades da guerra venham a compeli-los a faz-lo, o que realmente foi feito nas duas Grandes Guerras. Os Tratados de paz de 1947 com a Itlia, Romnia, Bulgria, Hungria e Finlndia contm provises detalhadas somente a respeito de tratados bilaterais. Eles especificam que cada aliado ou Potncia Associada dever notificar, dentro de perodo especificado, cada um dos cinco Estados envolvidos sobre qual dos tratados bilaterais obtidos antes da guerra ele deseja manter vigente ou qual restaurar uma forma de expresso que indica que, por sua natureza ou pela inteno das partes, alguns dos tratados bilaterais so automaticamente terminados como resultado da guerra, enquanto a operatividade de outros apenas suspensa. Ento, os tratados multilaterais no so referidos nos tratados de paz, e devese ter como certo que sua existncia continuada13 no foi considerada afetada pelo irromper da guerra.14

12 13

OPPENHEIM, op. cit. p. 96. Diferentemente de sua operao entre os beligerantes. A posio registrada da Comisso Judicial da Conferncia de Paz de Paris de 1946 foi que Tratados multilaterais entre beligerantes, especialmente aqueles de carter tcnico, no so afetados pelo irromper da guerra, conquanto trate-se de sua existncia e validade continuada. A distino entre tratados que criam direitos e os outros clara e altamente tnue. A maioria dos tratados bilaterais criadora de Direito, i.e., cria regras de conduta entre as partes. A esse respeito, eles diferem somente em grau em pequeno grau dos multilaterais. Em geral, enquanto a questo do efeito da guerra sobre os tratados est no presente estado de incerteza, seria adequado s cortes no reconhecerem o direito de um Estado agressor de extinguir ou suspender, para seu prprio benefcio e de seus nacionais, os termos de qualquer tratado aparentemente afetado pela guerra qual tenha sido lanado em violao de suas obrigaes. 14 DUPUY, Pierre-Marie. Droit International Public. Paris: Dalloz, 1995. p. 95.

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A guerra tem suas prprias ambigidades. s vezes, usada englobando todos os tipos de coero: econmica, poltica, psicolgica e fsica. O artigo 2 da Carta das Naes Unidas probe o uso e ameaa da fora armada, sejam eles diretos ou indiretos. Um exemplo de uso da fora armada de maneira indireta quando o Estado organiza, instiga, apoia ou participa de atos de guerra civil ou atos terroristas contra outro ou consente com atividades organizadas dentro do seu territrio dirigidas para a prtica de tais atos, quando estes envolvam a ameaa ou uso da fora. A ameaa de uso de fora militar, pelo dispositivo da Carta, tambm no permitida. Assim, um Estado no pode coagir outro a realizar determinada coisa, ou a aceitar uma imposio sob ameaa do uso de fora armada. Uma das formas mais tpicas dessa ameaa o ultimato, quando um Estado dirige-se a outro, impondo-lhe um tempo limite para que este aceite determinada demanda e informa-o de que, se rejeit-la, a guerra ser declarada, ou ocorrer um bloqueio naval, bombardeio, ocupao de um territrio e assim por diante.15 A Carta das Naes Unidas prev duas situaes: a agresso, isto , a guerra de agresso e as contra-medidas, que so de duas espcies: a legtima defesa individual ou coletiva e as medidas tomadas por iniciativa do Conselho de Segurana que envolvam o emprego da fora armada (art. 41 da Carta das Naes Unidas). A agresso ilegal; as contra-medidas, legais.16 Hoje, a agresso no ocorre da mesma forma que sessenta anos atrs, quando se analisavam as ameaas militares em um mundo com bombas atmicas de propriedade dos Estados. Reconheceu-se que essa nova classe de armas causaria uma destruio intolervel e, assim, os Estados Unidos da Amrica do Norte, especificamente, no mais agentariam esperar que um inimigo atacasse antes. Por grande parte do meio sculo que se seguiu, os Estados Unidos e seus aliados

15

BROWNLIE, Ian. Course on Public International Law. Recueil des Cours de lAcademie de Droit International. Paris , vol. 255, 1995. p. 115. 16 SILVA, op. cit. p. 475.

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confiaram no deterrence (bloqueio) e quando necessrio, nos conflitos limitados para evitar ataques tais como o de Pearl Harbor, que havia arrastado os Estados Unidos com relutncia para a Segunda Guerra Mundial.17 Entretanto, junto s regras, h outros institutos e princpios de Direito Internacional alm da agresso, palavra que no tem sido usada na linguagem do Conselho de Segurana da ONU. Convencionalmente, o termo uso da fora utilizado para designar exclusivamente o emprego e atos preparatrios de fora militar em todas as suas formas. No mais, apenas, uma questo de proibir a ameaa ou o uso da fora, uma vez que a violao da soberania alheia pode ocorrer na forma de intervenes nos assuntos internos da jurisdio dos outros Estados, mesmo que a ameaa ou o uso da fora no se caracterizem. O princpio da autodeterminao dos povos, o princpio da no-interveno nos assuntos internos de outros Estados falam de violaes que no se encaixam no conceito de ameaa ou uso da fora. Tambm se pode citar o princpio da igualdade soberana dos Estados, que diz respeito proteo esfera interna dos Estados.18 Contudo, chame-se uso da fora ou guerra, ela uma contenda entre dois ou mais Estados atravs de suas foras armadas para o propsito de sobrepujar um ao outro e impor as condies de paz que agradem ao vencedor. A guerra um fato reconhecido, mesmo que no declarada. Os escritores que, antes do Tratado Geral de Renncia Guerra, definiam guerra como o remdio legal de auto-ajuda para obter satisfao por um erro cometido por outro Estado, esqueciam que guerras eram patrocinadas por ambos os lados apenas por razes polticas. Eles confundiam uma causa de guerra possvel, mas no de todo necessria, com a concepo de guerra. Quando Estados so levados a uma guerra, ou deliberadamente a apoiam por razes17

SHULMAN, Mark R. The Proliferation Security Initiative and the Evolution of the Law on the Use of Force. Houston Journal of International Law. Vol. 28:3. 8/5/2006. P. 2. 18 TOMUSCHAT, International..., p. 207 in MEZZANOTTI, Gabriela. Direito, Guerra e Terror. So Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 45.

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polticas,

nenhum

ato

legalmente

reconhecido

de

auto-ajuda

desempenhado por ela, e as mesmas leis de guerra aplicam-se se as guerras forem apoiadas por conta de diferenas legais ou polticas.19 De qualquer forma, atos unilaterais de fora efetivados por um Estado contra outro sem uma declarao de guerra anterior podem ser uma causa para estourar uma guerra, mas eles mesmos no so uma; enquanto no so respondidos com atos hostis similares pelo outro lado, nem pelo menos por uma declarao do outro lado de que considera-os atos de guerra. Assim, ocorre que atos de fora desempenhados por um Estado contra outro por repreenso, ou durante um bloqueio pacfico em caso de uma interveno, no so necessariamente atos de iniciativa de guerra, e mesmo atos de fora perpetrados ilegalmente por um Estado contra outro por exemplo, ocupao de uma parte de seu territrio no so atos de guerra enquanto no forem respondidos com atos de fora do outro lado, ou no mnimo por uma declarao de que os considere atos de guerra.20 Em relao interveno, impe-se ter claro que, embora a esfera interna de cada Estado seja intocvel sob qualquer ponto de vista, seja proibida a ameaa ou uso da fora e o princpio da nointerveno seja uma imposio, a sistemtica de segurana coletiva da Carta das Naes Unidas admite hipteses de autorizao do uso da fora, especialmente a partir da atuao do Conselho de Segurana. No havendo unanimidade em relao ameaa da segurana e da paz internacionais, a Assemblia Geral pode se reunir em ocasies especiais. Os Estados-membros devem manter tropas treinadas e capazes de serem chamadas imediatamente. Alm disso, est previsto um sistema de sanes que possa evitar a ao de qualquer Estado tentado a cometer agresso ou, no o conseguindo, assegurar que o agressor tenha de se defrontar no unicamente com sua vtima, mas

19

HENKIN, Louis et al. International Law Cases and Materials. 3ed.Washington : West Publishing Co., 1998. p. 28. 20 OPPENHEIM, op. cit. p. 203.

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com toda a fora unida da comunidade internacional. O captulo VI da Carta das Naes Unidas obriga os Estados a resolverem suas controvrsias por meios pacficos ou submeterem-nas ao Conselho de Segurana, que tem a competncia de tomar providncias para obter uma soluo sem a necessidade de meios coercitivos, e o Captulo VII permite a adoo das medidas coercitivas pelo Conselho.21 Tais medidas podem ser precedidas pelo direito inerente de legtima defesa individual ou coletiva includo na Carta das Naes Unidas. A legtima defesa representa o emprego da fora por um Estado ilegalmente atacado por outro. Nos termos da Carta, o emprego da legtima defesa s cabvel no caso de ataque armado, ou de tentativa de ataque, e a ttulo transitrio, isto , at que o Conselho de Segurana tenha tomado as medidas cabveis. Talvez outra condio possa ser mencionada, a de que o emprego da violncia seja o nico recurso plausvel. A limitao da competncia do Estado no uso da legtima defesa se justifica dada a possibilidade de servir de pretexto a operaes que conduziro guerra.22 Hoje, ento, aps tantas declaraes, convenes e tratados, h uma melhora no tratamento dos oponentes beligerantes quando se trata de Estados em conflito. Entretanto, o mundo vive a beligerncia de um Estado contra milcias e organizaes no vinculadas a Estados, como no caso da guerra do Iraque, que iniciou sendo de Estado contra Estado e tornou-se um conflito de guerrilheiros e terroristas contra o exrcito dos EUA. Este conflito apresenta caractersticas dos antigos embates, em que no havia a tica estabelecida hoje, com alto nmero de perdas de vidas civis e desrespeito s mais bsicas normas de guerra. A natureza das ameaas que os Estados Unidos e seus aliados enfrentam mudou: agora, os inimigos no podem ser completamente detidos por no terem uma base fixa, serem de difcil localizao e terem

21

MEZZANOTTI, Gabriela. Direito, Guerra e Terror. Os novos Desafios do Direito Internacional Ps 11 de Setembro. So Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 52. 22 SILVA, op. cit. p. 476.

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ramificaes por todo o mundo. Enquanto a perspectiva desses agressores de obterem armas de destruio em massa expande dramaticamente a gama de ameaas catastrficas, os meios que a estrutura militar tem para evitar guerras no cresceu da mesma forma, e as populaes dos pases onde os conflitos ocorrem tm sofrido grande impacto. Calcula-se que o nmero de mortos entre a populao iraquiana desde o incio dos ataques da coalizo liderada pelos Estados Unidos da Amrica do Norte, em 2003, tenha alcanado, em maio de 2008, um milho.23 Com a proibio do recurso fora na Carta das Naes Unidas e com a abolio da guerra como instrumento de poltica nacional no Tratado Geral de Renncia Guerra, a posio legal hoje diferente. Como antes, o Direito Internacional no est preocupado com os mritos das controvrsias que do ensejo guerra. Para muitos propsitos legais, agora parece, novamente, possvel distinguir entre a guerra justa e a injusta ou legal e contrria lei sendo esta ltima iniciada por quebra de obrigaes da Carta das Naes Unidas e do Tratado de Renncia Guerra.24 Tambm se pode falar no modelo descentralizado de segurana, usado em geral de modo multilateral. Ele usado quando o Conselho de Segurana das Naes Unidas autoriza um grupo de Estados a agir em seu nome e constitudo pela comunho de foras de vrios Estados, de forma que sua fora coercitiva seja suficiente para combater usos ilegais de fora armada em casos de ameaa da paz e segurana internacionais. Tambm cabe frisar que ele distingue-se da legtima defesa coletiva e de pactos de defesa porque, atravs dele, ocorre a remoo de agressores ou de situaes que ameacem a paz e a segurana internacionais, enquanto que a defesa a tomada de aes

23

BRZEZINSKI, Zbignew and Robert M. Gates. Iran: Time for a New Approach. Council on Foreign Relations. New York, 2004. 24 Ibid. p. 224.

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defensivas. Desta forma, os arsenais envolvidos so mais potentes do que os usados em situaes defensivas.25 Como visto, a ameaa ou uso da fora proibido, conforme artigo 2 da Carta nas Naes Unidas. H duas hipteses de uso da fora, porm, que no constituem atos de agresso: o uso da fora em legtima defesa individual ou coletiva, e o uso da fora autorizado pelo Conselho de Segurana. Quando a Carta das Naes Unidas foi adotada, considerava-se que seria o fim das guerras. Neste diploma legal, est previsto que a ameaa ou uso da fora armada por Estados proibida. A prtica dos Estados, contudo, tem levantado uma srie de questes sobre o alcance e a eficcia desse dispositivo.26 O conceito de ingerncia o eixo destas questes. Na doutrina internacionalista, encontra-se a definio de que a ingerncia um dos elementos constitutivos da interveno. O ato de interveno s se caracteriza quando rene os elementos do estado de paz; ingerncia nos assuntos internos ou externos; forma compulsria desta ingerncia; finalidade de o autor da interveno impor a sua vontade e, finalmente, ausncia de consentimento de quem sofre a interveno. Por fim, a nica interveno vlida a empreendida sob os auspcios da ONU. Para esta organizao, a dcada de 2000 est sendo o cenrio de fatos desafiadores do Direito Internacional Pblico contemporneo. Livres da antiga amarra do contrapeso sovitico, os norte-americanos praticam uma poltica externa bem mais agressiva do ponto de vista da ingerncia em assuntos regionais, ou mesmo internos, de outras naes ao redor de todo o mundo. No que isto no fosse tambm observado durante a Guerra Fria, mas a ameaa externa comunista que lastreava as antigas manobras intervencionistas deste pas no pode mais ser usada como argumento. A nova postura de ingerncia internacional americana d-se

25 26

MEZZANOTTI, op. cit. p. 52. SCHACHTER, Oscar. International Law in Theory and Practice. Recueil des Cours de lAcademie de Droit International. Paris, v.178, 1982. p. 32.

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sobre fatos reais diferentes e alicera-se em argumentos tambm diferenciados.27 Um desses argumentos o da legtima defesa, e possvel aceitar sua premissa bsica como um direito individual e concluir que a legtima defesa coletiva adequada quando dois ou mais Estados atuam juntos para repelir uma agresso. Tambm se pode considerar a legtima defesa coletiva uma contradio, acreditando que o direito a ela s pode ser exercido pelo Estado atacado ou ameaado. Uma terceira posio sustenta que se somente um Estado atacado, o Estado que ir auxili-lo no atuar em legtima defesa coletiva, e sim defendendo o interesse internacional de paz e segurana. E, alm destas posies, pode-se destacar ainda o dever que os Estados tm de atuarem em legtima defesa com o intuito de auxiliar os demais, na busca da inalcanvel paz.28 Contudo, a guerra moderna no mais regulada pelo costume apenas, mas muito extensivamente pela lei regras firmes reconhecidas tanto pelos tratados internacionais quanto pelo costume geral. Essas regras convencionais e costumeiras no podem ser rejeitadas pela necessidade, a menos que estejam contornadas de tal forma a no se aplicarem a um caso de necessidade na auto-preservao.29 A legtima defesa engloba a doutrina da necessidade. Ela poder ser individual ou coletiva, sendo que nesta ltima devem ser observados os requisitos de que o Estado agredido se declare vtima e solicite auxlio a um terceiro Estado. Em caso de inobservncia de tais requisitos, o ato no se constitui em legtima defesa coletiva, mas em uma interveno contra a integridade territorial de um Estado. corrente a aceitao do princpio da no interveno, inclusive presente na Carta da ONU (art.27

CAMARGOS, Wladimyr Vinycius de Moraes. Os EUA e o Direito de Ingerncia. Uma Anlise luz do Direito Internacional Pblico. Elaborado em 09.2000. Disponvel em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1614 Acesso em 14/04/08. 28 SOUZA, Ielbo Marcus Lobo de. O conceito da agresso armada no Direito Internacional. Revista de Informao Legislativa, Braslia, n. 129, janeiro/maro 1996. p. 12. 29 OPPENHEIM, op. cit. p. 58.

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2, alnea 1), tendo em vista o resguardo do direito soberania e do direito igualdade jurdica entre as naes. A interveno individual no recebe guarida dentro do Direito Internacional. No mesmo sentido, por estar intrinsecamente vinculada ao conceito de interveno, a ingerncia nos assuntos internos tambm alvo de severas crticas, sobretudo quando exercida de forma individual e compulsria. O Direito de Ingerncia , no entanto, justificado atualmente pela causa remota de serem os fatos que levam sua necessidade mais importantes que princpios consagrados do Direito Internacional como o da soberania e o da no interveno. A ingerncia um fundamento inconcilivel com o princpio da soberania. Nenhuma nao possui mais soberania que outra para o Direito Internacional e, portanto, no possui a prerrogativa de intervir compulsoriamente em assuntos internos de outro povo. Sendo a ingerncia parte nuclear do conceito de interveno, o princpio da no interveno tambm abarca esta prtica, repudiando-a enquanto instrumento de Direito Internacional; contudo, faz-se mister citar, a ingerncia assunto intimamente ligado a uma certa nao: os EUA.30 Internamente, a opinio pblica estadunidense entende que a ingerncia defendida pela necessidade de reproduo do modelo republicano e "democrtico" de sua nao em todo o mundo, como se esta prtica se justificasse por uma misso messinica, um "Destino Manifesto" dos EUA presente desde sua independncia, atualmente rebatizado de "Nao Indispensvel". O mundo passa por uma poca de incertezas no campo da manuteno da paz e do relacionamento entre as potncias. Ao colocar em cheque a efetividade do Sistema das Naes Unidas e das normas de Direito Internacional, os EUA pem em risco a estabilidade de convivncia entre os diferentes pases. O direito de ingerncia nos assuntos internos de outras naes subjuga povos e princpios consagrados pela humanidade, abre uma brecha para que toda a construo que vem se dando h sculos de um sistema legal que

30

SOUTO MAIOR, Luiz A. P.. O Dever de "Ingerncia". Carta Internacional, n. 86, ano VIII,

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visa o relacionamento pacfico entre povos e naes, caia por terra. A continuidade desta prtica poder acarretar danos irreparveis paz mundial, e a ningum ela deveria interessar mais que ao prprio povo norte-americano. Contudo, irracionalmente, os rumos da Pax Americana parecem levar ao destino que outros imprios j tiveram.31 Sobre a legitimao do uso da fora em relao aos Estados, o fato que eles so soberanos e, por conseguinte, nenhuma autoridade central existe acima deles capaz de forar o cumprimento do Direito Internacional. A guerra no pode, sob as condies existentes, ser evitada sempre. O Direito Internacional reconhece este fato, mas, ao mesmo tempo, contm obrigaes que limitam o direito a recorrer guerra e fornece regulamentaes com as quais os beligerantes tm, costumeiramente ou por convenes especiais concordado em respeitar caso irrompa uma guerra entre eles. Desta forma, embora cessem as relaes pacficas entre os beligerantes havendo guerra, permanecem certas relaes legais e deveres mtuos. Assim concebida, a guerra no inconsistente com o Direito Internacional, mas uma condio regulada por ele.32 Em geral, as regras relativas conduo das hostilidades tm carter consuetudinrio, mas uma srie de convenes codificaram tais regras. Comeando pela Declarao de Paris de 16 de abril de 1956, relativa guerra martima, at as convenes de 1954, sobre a proteo do patrimnio cultural, passando pelos projetos da Conferncia sobre o direito humanitrio. o direito humanitrio que constitui a parte mais viva do direito dos conflitos armados; trata-se de todas as regras que tm por objeto, a despeito do empreendimento de destruio ao qual se reconduzem as hostilidades, poupar aos no combatentes as provaes que podem ser evitadas. Esse direito assenta em mecanismos especficos; por um lado a interveno de uma instituio original: aabr/2000. p. 3. 31 TRINDADE, Antnio Augusto Canado. O Esgotamento de Recursos Internos no Direito Internacional, Braslia, Edunb, 1984. p. 135. 32 OPPENHEIM, op. cit. p. 202.

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Cruz Vermelha internacional. Por outro, a substituio, pela aplicao do direito humanitrio, de um Estado neutro, a potncia protetora, a cada um dos beligerantes. A qualificao de direito humanitrio tem conseqncias prticas, pois as regras que fazem parte dele no deveriam ser suspensas por meio de represlias.33 O objetivo do Direito Internacional Humanitrio limitar o sofrimento causado pela guerra, protegendo e ajudando suas vtimas o mximo possvel. O Direito, assim, refere-se realidade de um conflito sem considerar as razes dele ou a legalidade do recurso fora. Ele regula apenas aqueles aspectos do conflito que forem de interesse humanitrio. Isto chamado de jus in bello (direito na guerra). Suas previses aplicam-se s partes beligerantes sem considerar as razes do conflito e nem se a causa de qualquer das partes justa. No caso de conflito armado internacional, freqentemente difcil determinar qual Estado culpado de violar a Carta das Naes Unidas. A aplicao do Direito Humanitrio no envolve a denncia de partes culpadas, pois isto tenderia a criar controvrsias e paralisar a implementao do Direito, pois cada adversrio alegaria ser vtima de agresso. Alm disso, o Direito Internacional Humanitrio foi criado para proteger vtimas da guerra e seus direitos fundamentais, no importando a que parte eles pertenam. por isso que o jus in bello deve permanecer independente do jus ad bellum e do jus contra bellum (direito do uso da fora na preveno da guerra).34 A respeito do interesse internacional de paz, foi submetido Corte Internacional de Justia um questionamento sobre a legitimidade do uso de armamentos nucleares, e a Corte considerou que unicamente em relao ao direito aplicvel em conflitos armados, e no em relao ao Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Polticos, que se deve dizer, como alegado por alguns proponentes da ilicitude do uso de armas nucleares, se as mortes provocadas pelo uso de certo tipo33 34

REUTER, op. cit. p. 6. Disponvel em: http://www.icrc.org/web/eng/siteeng0.nsf/html/5KZJJD. Acesso em 17/05/08.

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de arma durante um conflito armado devem ser consideradas como uma privao arbitrria da vida, contrria ao artigo 6 do Pacto.35 A Corte tambm ressaltou que a proibio do genocdio seria pertinente neste caso se fosse estabelecido que o recurso s armas nucleares comportasse efetivamente o elemento da intencionalidade, dirigido contra um grupo como tal, como exigido pelo artigo II da Conveno sobre Preveno e Represso do Crime de Genocdio. No entender da Corte, apenas seria possvel chegar a tal concluso depois de levadas em conta as circunstncias especficas de cada caso. luz do exposto, ela concluiu que o direito aplicvel mais diretamente questo era o relativo ao uso da fora, tal como consagrado pela Carta das Naes Unidas, e o direito aplicvel em conflitos armados, que regula a conduta das hostilidades, bem como todos os tratados concernentes especificamente s armas nucleares que a Corte possa determinar como sendo relevantes.36 A Corte observou tambm que, com vistas a aplicar corretamente ao caso o direito da Carta das Naes Unidas concernente ao uso da fora e o direito aplicvel aos conflitos armados, em particular o direito humanitrio, imperativo que sejam levadas em conta as caractersticas prprias das armas nucleares, e, em particular, seu poder destrutivo,35

Artigo 6: 1. O direito vida inerente pessoa humana. Este direito dever ser protegido pela Lei. Ningum poder ser arbitrariamente privado de sua vida. 2. Nos pases em que a pena de morte no tenha sido abolida, esta poder ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com a legislao vigente na poca em que o crime foi cometido e que no esteja em conflito com as disposies do presente Pacto, nem com a Conveno sobre a Preveno e a Represso do Crime de Genocdio. Poder-se- aplicar essa pena em decorrncia de uma sentena transitada em julgado e proferida por tribunal competente. 3. Quando a privao da vida constituir crime de genocdio, entende-se que nenhuma disposio do presente artigo autorizar qualquer Estado-parte no presente Pacto eximir-se, de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigaes que tenham assumido, em virtude das disposies da Conveno sobre a Preveno e Represso do Crime de Genocdio. 4. Qualquer condenado morte ter o direito de pedir indulto ou comutao da pena. A anistia, o indulto ou a comutao da pena podero ser concedidos em todos os casos. 5. Uma pena de morte no poder ser imposta em casos de crimes por pessoas menores de 18 anos, nem aplicada a mulheres em caso de gravidez. 6. No se poder invocar disposio alguma do presente artigo para retardar ou impedir a abolio da pena de morte por um Estado-parte no presente Pacto. 36 SOUTO MAIOR, op. cit. p. 23.

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sua capacidade de causar sofrimentos terrveis ao homem, bem como seu poder de causar danos s geraes futuras. Depois de examinar as disposies da Carta das Naes Unidas relativas ameaa ou uso da fora, a Corte voltou-se para o direito aplicvel em situaes de conflito armado. Tratou inicialmente da questo de saber se existem regras especficas em direito internacional regulando a licitude ou ilicitude do recurso s armas nucleares; examinou, ento, a questo que lhe foi colocada luz do direito aplicvel, isto , dos princpios e regras de direito humanitrio aplicveis em conflitos armados e do direito da neutralidade. Finalmente, a Corte observou os princpios cardinais contidos nos textos que formam o corpo do direito humanitrio. O primeiro princpio objetiva proteger a populao civil e os bens de carter civil e estabelece a distino entre combatentes e nocombatentes; os Estados nunca devem fazer dos civis objetos de ataque e nunca devem, conseqentemente, usar armas que sejam incapazes de distinguir entre alvos militares e civis. De acordo com o segundo princpio, proibido causar sofrimento desnecessrio aos combatentes; portanto, proibido utilizar armas que causem ou agravem inutilmente seu sofrimento. Aplicando-se o segundo princpio, os Estados no tm liberdade ilimitada para escolher as armas empregadas.37 Estes princpios comearam a se estabelecer atravs de vrios tratados gerais, concludos entre a maioria dos Estados aps 1850, relevantes questo dos Direitos Humanos, como a Conveno de Genebra, de agosto de 1864, para a melhoria das condies dos soldados feridos em exrcitos no campo de batalha; a Declarao de So Petesburgo, de dezembro de 1868, proibindo o uso, na guerra, de projteis abaixo de 400 gramas; as Declaraes de Haia sobre o uso de balas expansveis (dumdum); outra, tambm de Haia, sobre projteis que espalham gases asfixiantes ou danosos; as Convenes de Haia a respeito da condio de comerciantes inimigos no irromper das hostilidades; sobre a converso de mercadores em homens da guerra,

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LICITUDE DA AMEAA OU USO DE ARMAS NUCLEARES. Parecer Consultivo de 8 de

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entre outras. Outros protocolos, convenes ps-Primeira e Segunda Guerras Mundiais tratam do uso, na guerra, de gases asfixiantes, venenosos e outros; o tratamento de doentes e feridos e prisioneiros de guerra; uso de submarinos contra navios mercantes; melhoria das condies dos feridos, doentes e nufragos membros das Foras Armadas no mar; proteo dos civis em tempo de guerra.38 A Guerra da Crimia j despertara a humanidade para a preocupao que havia da parte dos telogos com a sorte dos prisioneiros de guerra, a se compenetrar da necessidade de ser feito algo de concreto. O resultado foi a Conveno da Cruz Vermelha 39 de Genebra, de 1864, que est em permanente estado de atualizao. A Segunda Conferncia da Paz de Haia, de 1907, marca o ponto mais alto na histria do direito de guerra, quando na capital dos Pases-Baixos foram assinadas diversas convenes tendentes a regulamentar as relaes entre os Estados em tempo de guerra.40 Para minorar o sofrimento tanto das pessoas no envolvidas diretamente em conflitos armados quanto das que fazem parte de exrcitos, surgiu o Direito Internacional Humanitrio no intuito de limitar a violncia na conduo dos conflitos armados, restringir o uso da fora finalidade do conflito, que s pode ser um: enfraquecer o potencial militar do oponente. Tambm visa a evitar que pessoas no envolvidas nas hostilidades, como civis, prisioneiros, ex-combatentes, feridos, etc., sejam atingidas. Implicitamente, esse conceito busca diferenciar combatentes e civis, evitando o sofrimento desnecessrio e fazer cumprir princpios como o da necessidade e o da proporcionalidade. Por outro lado, traz em si limitaes, pois no cobe o uso da violncia, no protege todas as pessoas envolvidas no conflito armado, no se

julho de 1996. Disponvel em www.cedin.com.br. Acesso em 27.04.2008. 38 OPPENHEIM, op. cit. p. 230. 39 1864, 22 de Agosto - Primeira Conveno de Genebra (para o melhoramento das condies de socorro aos militares feridos em combate). 1865, 11 de Fevereiro - constituda a Comisso Provisria de Socorros a Feridos e Doentes em Tempo de Guerra, e aprovados os seus Estatutos Provisrios. In Revista Unisntese. Editora Sntese, Porto Alegre, 2000. Captulo VII. - p. 85.

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relaciona causa do conflito, no impede o domnio de uma parte sobre a outra e pressupe que as partes tenham propsitos racionais.41 O tema da guerra e da paz entre Estados, que o tema tradicional do Direito Internacional, une-se indissoluvelmente situao dos indivduos, da vida humana e sua dignidade essencial, da liberdade poltica dos homens e dos povos e seu bem-estar material; e, definitivamente, o futuro do mundo, da paz e da segurana internacional dependem, tambm, da qualidade da vida humana dos indivduos que integram a humanidade. A dignidade humana esboou-se primeiramente nos direitos internos e projetou-se, agora, nas relaes internacionais. De acordo com uma publicao das Naes Unidas, chamada Direitos Humanos, Recompilao de Instrumentos Internacionais42, o nmero de convenes que tratam desse sistema chega a vinte e oito. Agregam-se a essa lista as recentes convenes contra a tortura e sobre os direitos da criana. Estes tratados tm suas normas auto-executveis, e reconhecem direitos aos indivduos que estiverem sob jurisdio do Estado.43 Em relao a esses indivduos, sejam refugiados ou pessoas deslocadas internamente, a prpria Carta das Naes Unidas j adianta que todos os seres humanos, sem distino alguma, devero gozar de direitos e liberdades fundamentais, como o direito vida e integridade pessoal, personalidade jurdica, direito a processo legal justo, liberdade religiosa, trabalho, propriedade, exercer uma profisso, entre outros. Esta necessidade de salvaguardar os direitos daqueles que, para proteger sua vida, integridade e liberdade, cruzam as fronteiras do pas em que residem habitualmente, ou abandonam seus lares, mas permanecem dentro das fronteiras do Estado de sua residncia, exige mais intensidade em situaes de conflitos armados internacionais ou

40 41

SILVA, op. cit. p. 472. MEZZANOTTI, op. cit. Pg. 64. 42 Disponvel em www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex46 . Acesso em 27.04.2008. 43 BRAGA, Fernando Urioste. Naturaleza Jurdica de la Proteccion Internacional de los Derechos Humanos. Ed. Fundacion de Cultura Universitria. 1 Ed. 1992: Montevidu.

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internos. So aplicveis aos refugiados seis categorias de normas: aquelas que protegem os feridos, enfermos, invlidos e ancios que, em caso algum, podem ser objeto de ataque, assim como as mulheres e crianas menores de quinze anos, rfos ou separados de suas famlias, que sero objeto de proteo e respeito particulares; normas de proteo geral contra males suprfluos ou sofrimentos desnecessrios; normas dirigidas criao de espaos protegidos por acordo das partes em contenda, como as relativas a zonas sanitrias, de segurana e neutras para colocar ao abrigo dos efeitos da guerra os feridos e enfermos, invlidos, ancios, mulheres grvidas e com filhos pequenos, crianas menores de quinze anos e pessoas no militares; normas de socorro em favor da populao civil; normas para facilitar a comunicao entre familiares, busca de familiares e reunio de famlias dispersas como conseqncia do conflito armado; por fim, normas que estabeleam um estatuto de proteo mnima em favor das pessoas que estejam em poder de uma parte em conflito, reconhecendo-se e protegendo-se os direitos fundamentais dessas pessoas e, em especial os referentes s garantias judiciais mais essenciais: sem distino alguma de carter desfavorvel em razo de sexo, raa, cor, religio, opinies polticas ou de outro gnero, origem nacional ou social, condio econmica ou quaisquer outros critrios anlogos.44 Todas essas garantias foram criadas em funo de que, pela prpria sobrevivncia, dependendo das circunstncias, h sempre uma fagulha de fraternidade ou filantropia que pode se expandir no peito de um homem e que o incita a ser til aos desventurados, vtimas indefesas de negaes inquas. a escurido que confere valia luz, pelo que se alude s violncias que se tem cometido pelos milnios. Foi ante a agressividade do homem no seio da sociedade que aconteceu o reflexo corretivo da positividade humanitria. Por outro lado, o concerto de uma paz mundial e perene seria uma paz de cemitrio que acarretaria seqelas perigosas com o fatal comprometimento da liberdade humana.

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IGLESIAS, Mara Teresa Ponte. Conflictos Armados, Refugiados y Desplazados Internos

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Poderia acontecer uma exagerada normatizao da vida, reduzindo todas as coisas a duas classes exclusivas: coisas no permitidas e coisas obrigatrias, estabelecendo um dilema de embarao e desconfortvel, mas as foras que moldaram a espcie humana no foram a violncia e a competio, e sim o instinto de boa paz e cooperao. A transformao de animais em humanos tem mais a ver com a cooperao que com o conflito. Se a agressividade do homem de ordem gentica programada ou mero costume, o certo que o homem um ser dotado de raciocnio pelo qual deve avaliar a natureza dos seus atos.45

em el Derecho Internacional Actual. Santiago, Chile: Trculo Edicins, 2000. 45 CARVALHO, Jlio Marino de. Os Direitos Humanos no Tempo e no Espao. Braslia, DF: Livraria e Editora Braslia Jurdica, 1998.

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1.2.

Regulamentao Internacional da Energia Nuclear

Na histria da humanidade, poucas datas so to importantes ou celebradas com tanta tristeza como o dia 6 de agosto. Na madrugada deste dia, o Enola Gay deixou a ilha de Tinian, no Pacfico, transportando a primeira bomba atmica. No havia registro de avies inimigos ou baterias antiareas. Pouco depois das 9h15, o capito lanou a bomba, que tinha o nome de cdigo Little Boy (rapazinho). Passados 15 segundos, explodia sobre Hiroshima antes de tocar no solo. Em 9 de agosto de 1945, foi a vez de outra cidade: Nagasaki. Estima-se que 78 mil pessoas morreram na hora ou poucas horas depois das exploses. Outras 130 mil morreram nos cinco anos subseqentes em funo de ferimentos e doenas causados pela exposio radiao. Assim, calcula-se que 200 mil pessoas teriam sido o custo pago pela passagem da humanidade para a Era Nuclear.46 A bomba atmica destrura tudo. O lanamento da bomba atmica foi realmente um acontecimento decisivo na histria mundial, alterou a natureza da guerra para sempre. Todos os conflitos futuros

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SATO, Cristiane A. Bomba Atmica Genshibakudan. www.culturajaponesa.com.br/htm/bombaatomica.html. Acesso em 24/04/08.

Disponvel

em

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seriam realizados com o conhecimento da destruio terrvel que uma bomba atmica podia provocar.47 O general Mac Arthur, que durante a guerra teve sob seu comando as tropas aliadas no oceano Pacfico, reconheceria, em 1960, que no havia nenhuma necessidade militar de empregar a bomba atmica em 1945. Tentando encobrir as reais finalidades do bombardeio atmico, Truman declarou, em 9 de agosto de 1945, que o golpe atmico foi assestado contra a base militar de Hiroshima com a finalidade de evitar vtimas entre a populao civil. Com o bombardeio atmico ao Japo, tambm se perseguia outro objetivo: intimidar a Unio Sovitica e outros Estados e, ao possuir o monoplio nuclear, impor o domnio dos Estados Unidos no mundo ps-guerra. Ao preparar o emprego de bombas, os dirigentes norte-americanos esperavam conseguir com isso uma Rssia mais dcil. amplamente conhecida a declarao de Truman a esse respeito: Se a bomba explodir, no que confio, terei, sem sombra de dvidas, um garrote para esses rapazes. Em relao a isso, no se pode dizer que os bombardeios atmicos no foram, em ltima instncia, atos dirigidos contra a Rssia. Realmente, as exploses atmicas em Hiroshima e Nagasaki no foram o acorde final da Segunda Guerra Mundial, mas sim as primeiras salvas do comeo da Guerra Fria.48 Aps o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo descobriu o uso da energia nuclear para outros fins que a criao das bombas e, logo, os problemas ambientais decorrentes do uso da energia nuclear assumiram uma dimenso internacional, pois certos episdios tm enorme repercusso fora do territrio onde se verificam devido sua amplitude ou gravidade, por mais que seus governos tentem diminuir seu impacto na opinio pblica internacional. Como exemplo de acidente de mbito internacional, pode-se citar o de Chernobyl, na Ucrnia, em 1986, ocasionando as primeiras mortes por radiao nuclear pela47

A PRIMEIRA Bomba Atmica. Disponvel http://corvobranco.tripod.com/ArtigosHT/ht_atom.htm Acesso em 24/04/08. 48 Disponvel em www.cecac.org.br. Acesso em 24/04/08

em

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exploso do reator nuclear e cujo material radioativo cruzou os oceanos e chegou at o Brasil.49 Outro grande problema ambiental nos ltimos anos o transporte e armazenamento do lixo atmico. Os resduos de alta radioatividade so envidraados e soldados em um continer de ao, e os de mdia e baixa radioatividade so misturados com betume, cimento ou material plstico e embalados em tonis. A eliminao do lixo nuclear tem duas etapas: a primeira a remessa para uma armazenagem intermediria at que perca sua meia-vida, e depois o Estado estabelece em que instalao ser o armazenamento final. A armazenagem

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PROTEO AO AMBIENTE, UMA PRIORIDADE ALEM. Direito Ambiental das Naes. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Volume 4. Abaixo uma pequena lista dos acidentes nucleares ocorridos entre 1972 e 1973: 9 de fevereiro de 1972 - Port de Bordeaux - Uma carga de Urnio cai do gancho ao ser descarregada. Rompe-se um vaso e o Urnio entra na canalizao da cidade. 8 de maro de 1972 - Indian Point - New York Estados Unidos da Amrica do Norte - A presso do circuito de refrigerao primria aumenta repentinamente 30%. Sbita alterao da presso de gua do rio Hudson mata 150.000 peixes. 12-17 de abril de 1972 - Wuergassen Alemanha - O reator Wuergassen perde 1.050 t de gua radiativa, que efluem pelo rio Weser. 27 de julho de 1972 - Surry - Virgnia Estados Unidos da Amrica do Norte - Durante a inspeo de vlvulas defeituosas, ocorre a exploso de uma delas, matando dois operrios. 11 de setembro de 1972 - Indian Point Estados Unidos da Amrica do Norte - Novas peas de ao so encontradas no circuito de refrigerao primria. Setembro de 1972 - Ginna Estados Unidos da Amrica do Norte - O reator sofre problemas de combustvel forando sua operao a capacidade reduzida. Outono de 1972 - Millstone I - Connecticut Estados Unidos da Amrica do Norte - Erro de ligao de tubulaes de refrigerao. A gua do mar penetra no circuito primrio de refrigerao. 20 de outubro de 1972 - Annecy Frana - Rompe-se um mdulo de grafita, provocando um incndio de Urnio. 30 de novembro de 1972 - Surry Estados Unidos da Amrica do Norte - O reator perde todo o lquido de refrigerao. 22 de dezembro de 1972 - Annecy Frana - Exploso e incndio de Urnio em forno da fbrica de elementos combustveis. 8 de dezembro de 1972 - Annecy Frana - Incndio na fbrica de combustveis nucleares. Janeiro de 1973 - Palissades - Mighigan Estados Unidos da Amrica do Norte - Vazamento de vapores radiativos, sete semanas de reparos. Janeiro de 1973 Chooz Blgica - Efluentes da central nuclear provocam elevada radiatividade no rio Mosa. 15 de janeiro de 1973 - Vernon - Vermont Estados Unidos da Amrica do Norte - O reator Vermont Yankee emite cem vezes mais radiatividade do que o limite de segurana permitido. Fevereiro de 1973 - Wuergassen Alemanha - Ruptura de tubos de refrigerao. 6 de maro de 1973 - Quad Cities Estados Unidos da Amrica do Norte - Exploso de Hidrognio. 17 de abril de 1973 - Millstone 1 - Connecticut Estados Unidos da Amrica do Norte - Inspetores descobrem inmeras fissuras nos sistemas de refrigerao. 27 de maio de 1973 - Turkey Point - Flrida Estados Unidos da Amrica do Norte - Treze incidentes observados em 10 meses. Um incndio ocorre na sala de controle. Os geradores diesel de emergncia entram em pane. Junho de 1973 Estados Unidos da Amrica do Norte - AEC (Atomic Energy Commission) anuncia a ocorrncia de 850 anormalidades na operao de reatores norte-americanos, observadas entre janeiro de 1972 e maio de 1973.

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realizada atravs da colocao do lixo atmico vrios metros abaixo do nvel da terra entre macios de sal ou formaes de ferro.50 O continer que serve para o transporte e armazenagem intermediria de elementos radioativos de reatores de energia nuclear chamado de CASTOR (Cask of Storage and Transport of Radioactive Material). O continer consiste de um corpo de ao fundido com paredes grossas e tampa dupla que deve reter os raios de alta radioatividade. carregado com elementos radioativos, j consumidos, dentro do recipiente de extino de energia nuclear. Depois, passa por um processo de limpeza para a descontaminao de resduos. Em seguida, feita uma verificao se possui raios radioativos e finalmente transportado para a instalao de armazenagem. Em 2005, saram, na Alemanha, vrios CASTOR para uma instalao de armazenagem e, quando chegaram ao destino, entre cada cinco, um estava externamente com um nvel de contaminao acima das normas estabelecidas.51 Estes so alguns temores do uso da energia nuclear em tempos de paz, mas na poca da Guerra Fria havia o medo do uso militar e, por isso, a Organizao das Naes Unidas liderou a criao do Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares. Pairava sobre a cabea de todos a possibilidade de aniquilao total da populao do planeta. O prembulo do Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares j fala na devastao que uma guerra nuclear traria a toda a humanidade e, em conseqncia, a necessidade de empreender todos os esforos para afastar o risco de tal guerra e de tomar medidas para resguardar a segurana dos povos. Na poca da criao do tratado, vrios pases praticavam experimentos que faziam uso de detonaes nucleares subterrneas. O tratado, mesmo assim, apoia a pesquisa, o desenvolvimento e outros esforos destinados a promover a aplicao, no mbito do sistema de salvaguardas da Agncia Internacional de50

LAWARE, Carlos de. O Lixo Nuclear. s/a. Editora Sntese, Porto Alegre, 2000. Captulo VII. p. 88. 51 CABANA, Roberto M. Lopez. Reparacin Limitada Del Dano em Matria de Acidentes. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Volume 16 1999. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrtico. p. 20.

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Energia Atmica, do princpio de salvaguardar o trnsito de materiais fonte e fsseis especiais. Sobre o trnsito de materiais fsseis, a ocorrncia da viagem do navio Akatsuki Maru, em 1992, da Frana ao Japo, carregando 1,7 toneladas de plutnio, foi o primeiro grande embarque de materiais nucleares a encontrar resistncia substancial de pases costeiros.52 Apesar do fato de a rota da viagem ter sido mantida secreta, muitos pases na rota potencial proibiram publicamente que o navio tomasse rota atravs de suas guas, incluindo Argentina, Chile, Portugal, frica do Sul e Malsia. As naes do Caribe adotaram, rapidamente, a Declarao sobre Embarques de Plutnio, proibindo a passagem de todos os carregamentos de materiais nucleares atravs do Mar do Caribe e tornando a regio uma zona desnuclearizada.53 Essa atitude teve o respaldo da Agncia Internacional de Energia Atmica, que uma organizao autnoma criada no seio das Naes Unidas, com sede em Viena, que visa a promover o uso pacfico da energia nuclear e o desencorajamento dos usos para fins militares de armas. Constitui um frum intergovernamental para a cooperao cientfica e tcnica do uso pacfico da tecnologia nuclear. Com a proliferao nuclear ocorrida na dcada de 1990, as tarefas da Agncia passaram a incluir as inspees e investigaes de suspeitas de violaes do Tratado de No-Proliferao Nuclear sob mandato das Naes Unidas; contudo, caso encontre indcios de uso militar em programas que inspeciona, apenas poder report-los ao Conselho de Segurana das Naes Unidas, que detm o direito exclusivo de medidas coercitivas. As Naes Unidas comprometem-se a apoiar o desenvolvimento, dentro de seu sistema de salvaguardas, de programas nucleares pacficos.54

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Plutonium Shipment Leaves France for Japan, N. Y. TIMES, Nov. 8, 1992, at 6. DIXON, David B. Transnational Shipments of Nuclear Materials by Sea: do Current Safeguards Provide Coastal States a Right to Deny Innocent Passage? Journal of Transnational Law & Policy. Vol. 16: 1. 27 p. Suffolk, Fall, 2006. 54 RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relaes Internacionais. 8 Ed. - So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 86.

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Conforme Kurt Rudolf Mirow, a energia nuclear nasceu sob o manto do segredo militar e, na realidade, quase irrelevante a linha divisria entre tecnologia nuclear para fins pacficos e militares. Quem quer que alcance um alto nvel de tecnologia civil est quase automaticamente no limiar da fabricao de armas nucleares, e essa simbiose trouxe vantagens apreciveis. Todos os problemas relacionados com o desenvolvimento da energia nuclear passaram a ser tratados em reunies fechadas. Tecnocratas, diplomatas e generais puderam, assim, dispor e manipular verbas gigantescas, sobre as quais, sob o pretexto do segredo militar, no mais precisavam prestar contas. O possvel aproveitamento militar da energia do tomo permitiu ainda criar, tanto no Brasil quanto em pases desenvolvidos, eficientes sistemas de represso policial e tachar opositores de traidores da ptria. Nem a energia hidrulica, nem a energia solar, ofereciam tais vantagens.55 Mas o Tratado de No-Proliferao Nuclear visualizou o fim de todas as armas nucleares, e at hoje os congressos e a criao de protocolos continuam visando tal objetivo. Ele previa que os Estados que no possussem armas nucleares at 1967 concordassem em no obtlas, e que Estados que as possussem concordassem em livrar-se delas com o tempo. Nos EUA, cada presidente de ambos os partidos mais importantes do pas desde Richard Nixon tem reafirmado essas obrigaes assumidas no tratado, mas alguns Estados no nucleares tm ficado cada vez mais cpticos sobre a sinceridade das potncias nucleares, pois sabido por todos que a fabricao destes armamentos no cessou.56 Os Estados Unidos da Amrica do Norte e o Ir assinaram este tratado que compromete as naes que dominam a tecnologia nuclear a

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MIROW, Kurt Rudolf. Loucura Nuclear. Ed. Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1979. p. 251. 56 SCHULTZ, George P., William J. Perry, Henry A. Kissinger and Sam Nunn. A World Free of Nuclear Weapons. Wall Street Journal. (Eastern edition). New York, N.Y.: January 4 2007. pg. A.15. ISSN: 00999660. Document ID ProQuest: 1189149711. Disponvel em:

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deix-la disposio de todas as partes do tratado. Afirmam as partes o princpio de que os benefcios das aplicaes pacficas da tecnologia nuclear inclusive quaisquer derivados tecnolgicos que obtenham as potncias nuclearmente armadas mediante o desenvolvimento de artefatos nucleares explosivos devem ser postos, para fins pacficos, disposio de todas as partes do tratado, sejam elas Estados nuclearmente armados ou no.57 O Tratado de No-Proliferao Nuclear fala sobre o intercmbio de informaes. Trata-se de um compromisso unilateral, pois, ao assinar, a nao assume a obrigao de fornec-las. Na promoo deste princpio, todas as partes tm o direito de participar do intercmbio mais amplo possvel de informaes cientficas e de contribuir, isoladamente ou em cooperao com outros Estados, para o desenvolvimento crescente das aplicaes da energia nuclear para fins pacficos.58 Ainda, esse mesmo Tratado de No-Proliferao Nuclear visa a promover a diminuio da tenso internacional e o fortalecimento da confiana entre os Estados de modo a facilitar a cessao da fabricao de armas nucleares, a liquidao de todos os estoques existentes e a eliminao dos arsenais nacionais de armas nucleares e dos meios de seu lanamento, consoante um Tratado de Desarmamento Geral e Completo, sob eficaz e estrito controle internacional.59 Como j foi abordado na Carta das Naes Unidas, os Estados devem se abster, em suas relaes internacionais, da ameaa ou do uso da fora contra a integridade territorial ou a independncia poltica de qualquer Estado ou agir de qualquer maneira contrria aos Propsitos das Naes Unidas, e que o estabelecimento e a manuteno da paz e segurana internacionais devem ser promovidos com o menor desvio possvel dos recursos humanos e econmicos mundiais para

http://proquest.umi.com/pqdweb?did=1189149711&sid=2&Fmt=2&clientId=53314&RQT=309&V Name=PQD Acesso em 11/04/08. 57 RANGEL, op. cit. p. 86. 58 Disponvel em http://www.onu-brasil.org.br/doc_armas_nucleares.php Acesso em 24/04/08 59 RANGEL, op. cit. p. 86.

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armamentos. Impossvel deixar de notar o quo enftica a Carta das Naes Unidas em relao ameaa ou uso da fora contra a

integridade territorial ou a independncia poltica de qualquer Estado,to comumente usadas hoje e que no causam qualquer impresso nos rgos internacionais, pois no h manifestao contrria aprecivel. 60 De acordo com o ex-secretrio de Estado dos Estados Unidos da Amrica do Norte, Henry Kissinger, o teste nuclear da Coria do Norte e a recusa do Ir em parar seu programa de enriquecimento de Urnio potencialmente at o grau de produzir armas ressaltam o fato de que o mundo est agora na iminncia de uma nova e perigosa era nuclear. Mais alarmantemente, a possibilidade de que terroristas venham a pr suas mos em armamentos nucleares crescente. Atualmente, na guerra travada no mundo pelos terroristas, as armas nucleares so o maior meio de devastao de massa, e grupos de terroristas com armas nucleares esto conceitualmente fora das fronteiras de uma estratgia de deteno e apresentam novos e difceis desafios segurana. 61 Mesmo assim, o princpio da no discriminao de pases que desejem utilizar a energia nuclear para fins pacficos est contido no artigo IV do Tratado de No-Proliferao Nuclear. Aqui temos a clara inteno, de parte das Naes Unidas, de que no s uma nao no venha a interferir nos assuntos, mas de que o direito de fazer uso de tal energia inalienvel. O Artigo IV 1 do Tratado afirma que nenhuma de suas disposies ser interpretada como afetando o direito inalienvel de todas as partes do tratado de pesquisarem, produzirem e utilizarem a energia nuclear para fins pacficos, sem discriminao, e em conformidade com os artigos I e II deste tratado.62 Alm disso, todas as partes do tratado comprometem-se a facilitar o mais amplo intercmbio possvel de equipamento, materiais e informao cientifica e tecnolgica sobre a utilizao pacfica da

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Disponvel em http://www.onu-brasil.org.br/doc_armas_nucleares.php Acesso em 13/04/08. SCHULTZ, op. cit. Acesso em 11/04/08. 62 RANGEL, op. cit. p. 87.

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energia nuclear e dele tm o direito de participar. As partes do tratado em condies de cooperar devero tambm faz-lo isolada ou juntamente com outros Estados ou Organizaes Internacionais com vistas a contribuir para o desenvolvimento crescente das aplicaes da energia nuclear para fins pacficos, especialmente nos territrios dos Estados no nuclearmente armados, partes do tratado, com a devida considerao pelas necessidades das regies do mundo em desenvolvimento. Os Estados no nuclearmente armados devem ter a devida considerao e o respeito, mesmo que uma nao no concorde com o uso da energia nuclear por parte da nao interessada.63 A devastao que uma guerra nuclear traria a toda a humanidade e, em conseqncia, a necessidade de empreender todos os esforos para afastar o risco de tal guerra e de tomar medidas para resguardar a segurana dos povos foi a motivao da criao do tratado. Abre aos Estados que tiverem status de guarda de segurana da estabilidade, paz e democracia, a possibilidade de, ao empreender todos os esforos para afastar o risco da guerra nuclear, abusar destes esforos. Fora a ameaa terrorista, a no ser que medidas urgentes sejam tomadas, os Estados Unidos da Amrica do Norte logo sero compelidos a entrar em uma nova era nuclear que ser mais precria, psicologicamente desorientadora e economicamente ainda mais custosa que a conteno da Guerra Fria. Novos Estados nucleares no tm o benefcio de anos de salvaguardas efetivadas passo a passo durante a Guerra Fria para evitar acidentes nucleares, maus julgamentos ou lanamentos desautorizados. Os Estados Unidos e a Unio Sovitica aprenderam com seus erros que eram menos do que fatais.64 Diz o texto do tratado que a proliferao de armas nucleares aumentaria consideravelmente o risco de uma guerra nuclear, e este um fundamento legal para justificar um possvel ataque a instalaes

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MINISTRIO das Relaes Exteriores. Tratado Sobre a No-Proliferao de Armas Nucleares. Disponvel em http://www.onu-brasil.org.br/doc_armas_nucleares.php Acesso em 13/04/08. 64 SCHULTZ, op. cit. Acesso em 14/04/08.

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suspeitas de serem produtoras de armamentos nucleares de parte de um pas que se sinta ameaado por elas. Aqui entra o outro lado da questo: a base legal dos pases que decidiram tornarem-se nucleares, por um ou outro motivo, como o caso do Ir, que no tem fontes hdricas de energia suficientes para alimentar o pas satisfatoriamente. A proposta do tratado de que haja uma expanso das aplicaes da energia nuclear, e tal fato realmente vem ocorrendo, pois hoje vemos um leque amplo de usos, inclusive na agricultura.65 O uso que o Ir vem fazendo da energia nuclear, pelo menos at o momento, no se tem provas de que no seja assim, tem sido pacfico e busca suprir as dificuldades que o pas tem em obter energia eltrica de outras formas. Contudo, tal como ocorreu no Iraque sobre as armas de destruio em massa, os inspetores da Agncia Internacional de Energia Atmica j fizeram todas as visitas necessrias para a verificao das instalaes iranianas, foram recebidos sem restries e nada encontraram de suspeito em relao produo de armamento nuclear, mas seus relatrios no tiveram respaldo e tm sido simplesmente desprezados. Cada Estado no-nuclearmente armado, pelo Tratado de No-Proliferao Nuclear, compromete-se a no receber a transferncia, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos; a no fabricar, ou por outros meios

adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares e ano procurar ou receber qualquer assistncia para a fabricao de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares. Moscou apoia o direito do Ir de utilizar a energia atmica para fins pacficos. O Ir e a Rssia conseguiram um acordo sobre um calendrio para o envio de combustvel nuclear para Bushehr. Teer quer que a disputa, devido a seu programa atmico, seja tratada apenas pela Agncia Internacional de Energia Atmica e no pelo Conselho de Segurana da Organizao

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MINISTRIO das Relaes Exteriores. cp. cit. Acesso em 15/04/08.

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das Naes Unidas, aparentemente para evitar mais rigor nas sanes ao Ir.66 Um dos fundamentos da argumentao da Administrao Bush para manter a guerra no Iraque e, provavelmente, para o incio de um conflito com o Ir, a Resoluo n. 808 (IX), da Organizao das Naes Unidas, que aprovou, por unanimidade, como um dos trs pontos de um programa coordenado de desarmamento, a proibio total do emprego e da fabricao de armas nucleares e de todos os tipos de armas de destruio em massa. O tratado tambm afirma que as zonas militarmente desnuclearizadas no constituem um fim em si mesmas, mas um meio para alcanar, em etapa ulterior, o desarmamento geral e completo.67 A Resoluo n. 2028 (XX) da Assemblia Geral das Naes Unidas estabeleceu o princpio a Carta de da um equilbrio aceitvel dos de responsabilidades e obrigaes mtuas para as potncias nucleares e no-nucleares. Tambm Organizao Estados Americanos assegurou como seu propsito essencial a paz e a segurana do hemisfrio. Este tratado, criado em 1967, ou seja, no seio da Guerra Fria, espelha o medo mundial das conseqncias de uma guerra nuclear e d o fundamento da histeria estabelecida contra o programa nuclear do Ir, especialmente da parte dos Estados Unidos da Amrica do Norte.6866

Ibid. Acesso em 15/04/08. (...) 3. As salvaguardas exigidas por este Artigo sero implementadas de modo que se cumpra o disposto no Artigo IV deste Tratado e se evite entravar o desenvolvimento econmico e tecnolgico das Partes ou a cooperao internacional no campo das atividades nucleares pacficas, inclusive no tocante ao intercmbio internacional de material nuclear e de equipamentos para o processamento, utilizao ou produo de material nuclear para fins pacficos, de conformidade com o disposto neste Artigo e com o princpio de salvaguardas enunciado no Prembulo deste Tratado. 67 Ibid. Acesso em 16/04/08. 68 BUSH, George W. State of The Union Address, maro de 2007: As Naes Unidas impuseram sanes ao Ir, e deixaram claro que o mundo no permitir ao regime em Teer adquirir armas nucleares. Com os outros membros do Quarteto as Naes Unidas, a Unio Europia e a Rssia estamos buscando a diplomacia para ajudar a trazer paz para a Terra Santa, e buscando o estabelecimento de um estado Palestino democrtico que viva lado a lado com Israel em paz e segurana. No Afeganisto, a OTAN tomou a liderana em destruir a ofensiva Talib e da al Qaeda a primeira vez que a Aliana destacou foras fora da rea do Atlntico Norte. Junto com nossos parceiros na China, Japo, Rssia e Coria do Sul, estamos

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O uso de armamentos nucleares no foi impedido mesmo com toda a regulamentao existente. O conflito armado ocorrido entre o movimento Hezbollah e Israel, que teve seu centro no Lbano em 2006, demonstra sintomas da ineficcia desses Tratados e Resolues e, principalmente, expe o descrdito e a impotncia da Organizao das Naes Unidas hoje, pois o tipo de arma que deixa traos de radiao e produz conseqncias letais posteriores ao seu lanamento no outro seno o nuclear. Ocorre que, em Khiam sul do Lbano, durante a guerra contra o Hezbollah, citada acima, foi lanada uma bomba, uma nova arma radioativa. Um relatrio especial foi elaborado por cientistas do laboratrio Harwell, do Lbano, devido deteco de radioatividade na cratera criada pela bomba israelense, que era do tipo Bunker Buster (estoura Bunker). As medies foram realizadas por dois professores de fsica libaneses - Mohammad Ali Kubaissi e Ibrahim Rachidi. Os dados 700 nanosieverts por hora apresentaram radioatividade muito maior do que a mdia na rea (Beirute 35 nSv/hr). Em 2 de novembro de 2007, outro laboratrio britnico, a Escola de Cincias Oceanogrficas, confirmou os resultados do laboratrio Harwell a cratera de Khiam contm urnio levemente enriquecido. O pesquisador Dai Williams acredita que esta uma nova classe de armas que utiliza urnio enriquecido no atravs de processos de fisso, mas atravs de novos processos fsicos mantidos em segredo h pelo menos 20 anos.69 O fsico Emilio del Giudice, do Instituto Nacional de Fsica Nuclear da Inglaterra, concluiu que h dois caminhos para explicar a origem do urnio enriquecido encontrado em Khiam. A primeira hiptese que este material j estivesse presente na estrutura das bombas, mas difcil explicar a exposio de um material que tanto perigoso quanto caro em funo da sua radioatividade incrementada manipulao do

perseguindo uma diplomacia intensiva para alcanar uma pennsula coreana livre de armas nucleares. Disponvel em http://proquest.umi.com/pqdweb?did=1231490241&sid=2&Fmt=3&clientId=53314&RQT=309&V Name=PQD, Acesso em 03.04.08 69 Disponvel em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=viewArticle&code=20061111&articleId=3813. Acesso em 14/04/08.

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pessoal militar do Exrcito israelense. E a segunda hiptese seria que o enriquecimento uma conseqncia do uso da bomba: esta possibilidade pouco compatvel com os efeitos conhecidos das armas nucleares convencionais e deve implicar que algum novo fenmeno nuclear pode ter sido utilizado.70 Mas o Conselho de Segurana no se manifestou em relao s denncias feitas pelo governo libans sobre tal armamento. Mantendo suas atenes no Ir, adotou sanes com vistas ao seu programa nuclear. Seguindo negociaes prolongadas, o Conselho de Segurana, em dezembro de 2006, unanimemente adotou a Resoluo 1737, uma resoluo obrigatria apoiada no captulo VII da Carta das Naes Unidas restringindo o comrcio do Ir em materiais nucleares sensveis e tecnologia e congelando os bens de dez empresas iranianas e doze indivduos alegadamente envolvidos com o programa de enriquecimento nuclear do Ir. Essa resoluo de sanes iniciais foi adotada na esteira da recusa do Ir de interromper suas atividades de enriquecimento, conforme exigido pelo Conselho em julho de 2006, na Resoluo 1696. 71 O Conselho de Segurana decidiu que o Ir deve suspender atividades nucleares sensveis, incluindo atividades relativas a enriquecimento e processamento, pesquisa associada, atividades de reprocessamento e desenvolvimento e o trabalho em todos projetos relacionados com gua pesada, incluindo a construo de um reator para este fim. A resoluo tambm exige que todos os Estados cessem o suprimento, venda ou transferncia ao Ir de equipamento e tecnologia que contribua com atividades relacionadas a enriquecimento, reprocessamento, ou gua pesada, ou ao desenvolvimento de sistemas de produo de armamento nuclear. As sanes incluram a proibio de viagens de pessoas envolvidas nos programas nucleares e

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POLLACK, Kenneth M. The Persian Puzzle. Random House, UCLA, Santa Barbara, 2004, p. 157. 71 JOHNSON, Daniel. Europes Problem About Iran. The Weekly Standard. Washington: Feb 26, 2007.Vol.12, Num. 23; pg. 10, 2 pgs. Disponvel em http://proquest.umi.com/pqdweb?did=1223554701&sid=2&Fmt=3&clientId=53314&RQT=309&V Name=PQD Acesso em 23/04/08.

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de msseis balsticos do Ir e outras medidas buscadas pelos Estados Unidos da Amrica do Norte, refletindo esforos vigorosos da Rssia de reduzir seu impacto. Entidades russas esto construindo um reator de gua leve em Bushehr, no sul do Ir, embora relatrios da imprensa sugiram que haja crescentes dificuldades financeiras ou outras entre o Ir e Rssia em relao ao projeto.72 O Ir respondeu desafiadoramente segunda resoluo de sanes, e oficiais iranianos snior indicaram que o Ir aceleraria suas atividades nucleares, apesar das exigncias do Conselho de Segurana. A Agncia Internacional de Energia Atmica relatou, em fevereiro de 2007, que o Ir estava expandindo seu programa de enriquecimento e estava operando ou a ponto de operar em torno de mil centrfugas. Em maro, o Conselho de Segurana respondeu com a Resoluo 1747, uma resoluo unnime impondo sanes econmicas adicionais. O texto era o produto de longas negociaes nas quais as propostas de sanes dos Estados Unidos da Amrica do Norte foram consideravelmente diludas para vencer o apoio chins e russo. As novas sanes congelam bens de 28 particulares iranianos ligados ao programa nuclear do Ir e probem todas as exportaes de armas iranianas ou materiais relacionados ao programa nuclear.73 O Ir terminou suspendendo parcialmente a cooperao com a Agncia Internacional de Energia Atmica em resposta s resolues do Conselho de Segurana. Lderes iranianos continuaram a denunciar as resolues do Conselho, e o Ir acelerou o avano de seu programa nuclear. Em abril de 2007, o presidente Mahmoud Ahmadinejad afirmou que o Ir tinha comeado o enriquecimento em escala industrial, uma alegao questionada por alguns observadores externos e especialistas nucleares. Mesmo assim, a Agncia Internacional de Energia Atmica

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Disponvel em http://www.tehrantimes.com/default.asp Acesso em 14/04/08. Disponvel em http://www.guardian.co.uk/ Acesso em 14/04/08.

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confirmou que o Ir estava enriquecendo urnio em mil e trezentas centrfugas.74 Com isso, j existem movimentos em direo a uma terceira resoluo. A Agncia Internacional de Energia Atmica relatou ao Conselho de Segurana que o Ir no tinha concordado com as exigncias do Conselho de interromper suas atividades de enriquecimento, levando os oficiais dos Estados Unidos da Amrica do Norte a comear a trabalhar concentrados em uma terceira resoluo de sanes. Entretanto, questionou-se a utilidade de esforos diplomticos contnuos, fazendo o diretor da Agncia Internacional de Energia Atmica a afirmar preocupao sobre a possibilidade de aes militares contra o Ir, e a Secretria de Estado dos EUA a afirmar o apoio da sua administrao a uma continuidade na diplomacia. O Ir concordara em retomar as visitas pelos inspetores da Agncia Internacional de Energia Atmica a algumas instalaes, e o diretor da Agncia Internacional de Energia Atmica indicou que as atividades de reprocessamento do Ir tiveram seu ritmo diminudo, embora as razes para isso no sejam conhecidas.75 Somente uma questo tem uma implicao direta sobre o Artigo 2 da Carta das Naes Unidas: a Agncia Internacional de Energia Atmica continua preocupada com a revelao de um documento encontrado no Ir que descreve os procedimentos para reduzir o gs de urnio a formas metlicas em pequenas quantidades e configurar o metal em formas hemisfricas. O propsito de tal procedimento provavelmente seria para uso militar. A agncia notou que, desde que o Ir adquiriu o documento, no final da dcada de 1990, no parece jamais ter usado qualquer dos procedimentos ali descritos. O ltimo relatrio menciona que, embora o Ir tenha autorizado a Agncia Internacional de

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Disponvel em http://www.cfr.org/publication/15067/how_irans_president_is_being_undercut.html?breadcrumb =%2Fbios%2F11622%2Fvali_r_nasr Acesso em 12/04/08. 75 LOGAN, Justin. War with Iran is not the answer. USA Today. New York: Mar 2007. Vol.135, N 2742; pg. 10, 6 p. ProQuest Document ID: 1234558781. Disponvel em:

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Energia Atmica a examinar o documento, ele continua a evitar dar uma cpia agncia, e ela agncia declarou que estar em posio de concluir que no haja materiais nucleares ou atividades nucleares militares no Ir somente aps obter uma compreenso plena do desenvolvimento e extenso do programa de centrfugas deste pas.76 Assim, a histria do programa de enriquecimento de material nuclear iraniano de crtica importncia para a manuteno da autoridade da agncia, que s pode continuar a trabalhar em direo a uma concluso se o Ir aplicar o Protocolo Adicional, que o principal instrumento internacional de controle nuclear e realizar os pedidos da agncia. A autoridade da Agncia de conduzir uma investigao do passado nuclear do Ir inseparvel de seu mandato expandido pelo Protocolo Adicional. Em outras palavras, o nico propsito tcnico da investigao permitir que a agncia fique numa posio de concluir, sob o Protocolo Adicional, que no existam atividades nucleares no declaradas no Ir.77 O Protocolo Adicional foi aplicado por todos os Estados assinantes; nele, as partes comprometem-se a fornecer Agncia Internacional de Energia Atmica informaes mais detalhadas do que as previstas no Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares, permitindo que ela tenha uma viso de conjunto de seus programas nucleares. Este protocolo autoriza a Agncia a inspecionar no apenas as instalaes em funcionamento, mas tambm os lugares no permitidos pelo tratado como reatores parados, centros de pesquisa ou usinas que fabricam produtos passveis de serem utilizados num programa nuclear. Com aviso prvio de duas a 24 horas, a Agncia Internacional de Energia Atmica tem acesso a todos os lugares declarados e eventualmente no declarados, realizando atividades de

http://proquest.umi.com/pqdweb?did=1234558781&sid=1&Fmt=3&clientId=53314&RQT=309&V Name=PQD Acesso em 14/05/08. 76 IAEA. Doc. GOV/2006/27, supra note 66, 3334. Disponvel em http://www.law.fsu.edu/Journals/transnational/vol16_1/Dixon.pdf. Acesso em 14/05/08.

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observao, colhendo amostras de gua, terra e ar para detectar eventuais traos de atividades clandestinas. Ainda previsto o fornecimento de vistos, a serem providenciados pelos signatrios, permitindo aos inspetores da agncia entradas e sadas mltiplas. A agncia analisa os relatrios contbeis dos materiais declarados, transmitidos pelos pases signatrios, e verifica, nas inspees locais, se esses relatrios correspondem aos materiais apresentados nas instalaes declaradas.78 O Tratado de No-Proliferao Nuclear foi ratificado pela maior parte dos pases do mundo, entre eles as cinco potncias nucleares reconhecidas (Estados Unidos, Reino Unido, Frana, Rssia, China). Entre os pases no signatrios do Tratado de No Proliferao Nuclear figuram a ndia e o Paquisto, pases que desenvolvem programas nucleares militares, Israel, que suspeito de ter atividades nucleares militares, e a Coria do