aspectos da prática musical em conjunto juciane araldi
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Aspectos da Prática Musical em Conjunto: Um Relato de Experiência1
Vania Malagutti Fialho2
Juciane Araldi3
Polyana Demori4
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Resumo: Este texto tem como objetivo descrever as experiências pedagógico-musicais das disciplinas de “prática de conjunto I” e “prática de conjunto II” do curso de graduação em Música da Universidade Estadual de Maringá (UEM). No texto são abordados aspectos que fundamentam a prática de conjunto bem como as especificidades metodológicas e objetivos pedagógico-musicais de cada uma das disciplinas. Ambas caracterizam-se como um espaço que proporciona uma diversidade de experiências musicais, contribuindo para a formação e atuação musical do acadêmico em música. Palavras-chave: prática musical; metodologia; ensino superior.
Introdução
Este texto tem como objetivo descrever as experiências pedagógico-musicais das
disciplinas de “prática de conjunto I” e “prática de conjunto II” do curso de graduação em
1 Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina – 2007. 2 Vania Malagutti Fialho: Mestre em Música – Educação Musical – na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do curso de Graduação em Música da Universidade Estadual do Paraná (UEM). Integrante de grupos de extensão e também grupos de pesquisa. Desenvolve pesquisa com a temática juventude e mídia na perspectiva da sociologia da educação musical. [email protected] 3 Juciane Araldi: Mestre em Música – Educação Musical – na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do curso de Graduação em Música da Universidade Estadual do Paraná (UEM). Integrante do grupo de pesquisa Educação Musical e cotidiano (UFRGS) e de projetos de extensão (UEM). [email protected] 4 Polyana Demori: Especialista em Música Popular Brasileira pela FAP (2005), Graduada pela UEL em Licenciatura em Música (2003), é professora do Curso de Graduação em Música da Universidade Estadual de Maringá. Trabalha ainda na área de regência coral e performance vocal – solo e grupo, desenvolvendo arranjos vocais para trabalhos ao vivo e em estúdio. [email protected]
Música da Universidade Estadual de Maringá (UEM). O curso de música existe desde 2002
e possui duas habilitações: licenciatura em educação musical e bacharelado em
instrumento. Essas disciplinas são componentes obrigatórios na grade curricular do curso,
sendo que a “prática de conjunto I” contempla as duas habilitações e a “prática de conjunto
II” contempla somente a licenciatura.
Estas disciplinas têm como ementas, respectivamente “Princípios de interpretação
musical e elaboração de arranjos. Equilíbrio de sonoridade e timbre entre componentes de
grupos instrumentais e vocais” e “Metodologia de atuação em grupos musicais de
diferentes faixas etárias e formação instrumental/vocal. Técnicas de Interpretação em
grupo. Equilíbrio de Sonoridade e timbre entre grupos instrumentais e vocais. Prática
musical fundamentada na criação, apreciação e execução musical” 5.
O nome – “prática de conjunto” – sugere um momento de prática musical. Por este
motivo, muitas vezes, o aluno espera um espaço onde apenas irá tocar seu instrumento ou
cantar. Para fundamentar e desenvolver esse momento, além da execução, utilizamos a
apreciação – auditiva e/ou visual – e a criação – arranjos e releituras. A audição é essencial
na formação do músico, apresenta-se como base e inspiração para que ele vivencie sua
prática de execução musical de forma ampla, explorando novos materiais e novas idéias.
Constitui ainda subsídios para o momento da criação, quando a experiência dos alunos é
valorizada enquanto recriações sobre a obra original – visto que lidamos com formações
instrumentais/vocais geralmente diferenciadas das referências originais do repertório.
Beineke (2003) ao discutir sobre a prática musical em conjunto na educação básica,
salienta que “relacionada à concepção de que a aula de música tem como foco a prática
musical dos alunos está a idéia de que o sujeito precisa se relacionar ativamente com a
música de diferentes maneiras – tocando e cantando, ouvindo e analisando, e compondo”
(BEINEKE, 2003, p. 87)
A estruturação das aulas de música no tripé - apreciação, execução, composição -
faz parte de uma abordagem contemporânea de educação musical, estudada e praticada por
muitos educadores. Segundo Hentschke e Del Ben (2003) “as atividades de composição,
execução e apreciação são aquelas que propiciam um envolvimento direto com a música,
5 Dados obtidos do Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Música da UEM.
possibilitando a construção do conhecimento musical pela ação do próprio indivíduo”
(HENTSCHKE; DEL BEN, 2003, p. 180).
Além das outras disciplinas tidas como “práticas” no currículo do curso, a “prática
de conjunto” é particularmente importante por seu caráter de grupo. A valorização da
prática “justifica-se pela constatação de que, freqüentemente, professores de música
especializam-se em disciplinas teóricas e afastam-se do fazer musical, permanecendo
totalmente desvinculados de práticas instrumentais” (JOLLY, et al, 2006). Somando a isto,
o trabalho em conjunto auxilia no processo de humanização e formação geral do indivíduo.
A execução em grupo, as improvisações e criações em equipe ajudam no desenvolvimento
da concentração e conscientização, autoconfiança e senso crítico, sem deixar de lado a
importância de estar subordinado a interesses pessoais comuns ao grupo.
Especificidades da “Prática de Conjunto I”
A disciplina de “prática de conjunto I” – como já mencionado anteriormente – é
obrigatória para as duas habilitações do curso, licenciatura e bacharelado. Isso implica em
ter como alunos, acadêmicos com diferentes formações musicais, bem como com objetivos
de formação específicos.
Na habilitação licenciatura em educação musical admite-se alunos que possuem
formação musical tanto no popular quanto no erudito, enquanto que na habilitação
bacharelado admite-se alunos com formação e objetivos músico-profissionais relacionados
à música erudita. Essa característica implica em o curso disponibilizar dois professores para
ministrar a disciplina, um com formação e atuação em educação musical, e, portanto, da
área de licenciatura, e outro do bacharelado.
Nesse sentido a disciplina adquire um caráter misto, onde há uma integração efetiva
das duas habilitações, tanto por parte dos professores quanto por parte dos alunos.
Concretiza-se na formação de variados grupos musicais, compostos desde duos até grupos
com oito a dez alunos em média, onde há uma diversidade de estilos e práticas musicais. Os
grupos são formados por iniciativa dos próprios alunos e, eventualmente, com sugestão dos
professores, a partir de afinidades e também de convites.
Normalmente cada aluno participa de no mínimo dois grupos musicais distintos por
bimestre. É comum haver uma diversidade musical na turma que contempla MPB e
músicas eruditas de diferentes períodos históricos, bem como erudito brasileiro. A
diversidade de combinações instrumentais também se destaca, formando grupos com
texturas musicais peculiares. Isso contribui para a ampliação da experiência musical em
conjunto, alargando a concepção de música e a atuação musical de ambas as habilitações.
Cada aula é organizada, normalmente, para que toda a turma tenha um momento
coletivo e outro onde cada grupo desenvolve seus ensaios. No coletivo é desenvolvida a
atividade de apreciação musical gravada (CD ou DVD) e/ou um ensaio aberto de um dos
grupos musicais. Neste último abrem-se espaços para sugestões e comentários de toda a
turma sobre a execução musical apresentada. No ensaio aberto é solicitada ao grupo uma
apresentação do contexto da música, bem como análise musical da obra, salientando
estruturas formais e harmônicas.
Posterior a este momento coletivo os grupos se reúnem em salas separadas para
ensaios e pesquisas das músicas em estudo. Esses ensaios são auxiliados pelos professores
que visitam cada grupo contribuindo com sugestões e informações musicais.
Nessa disciplina ficam evidentes as trocas de conhecimento musical e a
cumplicidade que se constrói tocando em conjunto. Nitidamente há uma integração entre as
habilitações, que se concretiza em uma ampliação de experiências musicais coletivas.
Especificidades da “Prática de Conjunto II”
O segundo ano da disciplina prática de conjunto é oferecido apenas aos alunos da
licenciatura. Essa divisão permite que sejam trabalhadas especificidades pedagógico
musicais necessárias ao futuro educador musical, principalmente no que diz respeito à
atuação em turmas numerosas e heterogêneas. Assim, a ênfase da disciplina passa a contar,
com a prática de atuação pedagógica, além da prática musical. A metodologia, conforme
referida anteriormente, possibilita a apreciação musical, a execução de peças para grupos
mistos e a elaboração de arranjos.
A apreciação musical prevê o diálogo sobre a possibilidade de trabalho com a
formação vocal/instrumental apreciada em grupos de diferentes formações. A escolha das
músicas a serem apreciadas é determinada pelo próprio grupo, onde cada aluno tem a tarefa
de trazer alguma música que seja executada em conjunto. Essa prática tem contribuído para
a execução e os arranjos produzidos em sala.
A execução de peças em conjunto tem privilegiado principalmente a voz, a
percussão corporal, e a utilização de instrumentos de percussão. A escolha por essa
instrumentação fundamenta-se na realidade escolar, que normalmente não conta com
instrumentos musicais disponíveis para as aulas de música. O trabalho com percussão
corporal tem sido o tema que mais sobressaiu no grupo, sendo um elemento bastante
explorado nos arranjos produzidos pela turma.
No que se refere aos arranjos, estão voltados tanto para a execução de peças onde já
estão prontos, como, por exemplo, os dos livros “Arranjos de músicas folclóricas”
(SOUZA, 2005) e “Palavras que Cantam” (SOUZA, 2006), quanto para as músicas trazidas
pelos acadêmicos.
Essa prática de ouvir a música trazida pelos colegas de turma, recai também em uma
temática de bastante relevância no fazer musical em conjunto, que é a escolha do repertório.
Assim, partimos de uma concepção contemporânea de educação musical, que tem buscado
conhecer cada vez mais o universo musical dos alunos e suas formas de se relacionarem
com a música, para assim promover um diálogo entre as músicas por eles vivenciadas e as
músicas que vivenciamos enquanto professores.
Sobre essa escolha para a prática de conjunto, os autores Pinto e Passos (2005),
ressaltam elementos importantes a se considerar. No trabalho relatado por estes autores, a
escolha de repertório levava em conta:
1. Músicas “arranjáveis” - músicas que pudessem ser transcritas ou arranjadas, de tal modo que “funcionassem” para a formação instrumental do grupo, eram selecionadas pelos professores. Evitou-se encontrar obras prontas para o grupo, pois elas provavelmente seriam raras. 2. Repertório “do gosto” dos alunos - dentro da sala de aula buscava-se descobrir, através de pergunta e observação, as preferências de audição e execução dos alunos. 3. Repertório tecnicamente acessível - os professores de instrumento dos alunos foram abordados buscando esclarecimento sobre o repertório dos alunos, bem como o nível técnico em que se encontravam, procurando também o conhecimento sobre o que podia ser ou não escrito, isto é,
questões específicas dos instrumentos em relação ao nível técnico do aluno. (PINTO; PASSOS, 2005, p. 2 – 3).
No primeiro semestre de trabalho a escolha de repertório bem como formação
instrumental vocal tem tido ênfase na utilização de instrumentos recicláveis, percussão
corporal, e um arranjo específico com copos e latas, partindo de atividades já existentes.
Assim, o nível técnico desse laboratório tem se concentrado na iniciação musical
propriamente dita, cujas primeiras noções sobre ritmo, andamento, compasso,
acompanhamento, instrumentação, são inseridas por meio das atividades musicais em
conjunto.
Além das atividades de apreciação, execução e arranjos mencionadas, os alunos
devem ao longo do ano, elaborar propostas de atuação pedagógica, seja com as atividades
já desenvolvidas em sala, ou com novas atividades por ele propostas, prevendo número de
alunos para cada grupo, tempo de desenvolvimento e resultados esperados. Esta prática
permite que os alunos, ao realizarem a prática das atividades, já questionem sobre sua real
aplicação em grandes grupos de alunos.
Como alguns acadêmicos já trabalham em escolas na cidade, eles têm trazido
experiências já realizadas, e também alguns resultados da importância desse
questionamento para cada atividade.
Acreditamos que esse formato de trabalho se constitui em um importante laboratório
onde os alunos podem, por meio das atividades práticas realizadas, estar se preparando
também para a disciplina de Estágio Supervisionado I, que terão no próximo ano do curso.
Referências
BEINEKE, Viviane. O ensino de flauta doce na educação fundamental. In: HENTSCHKE, Liane; DEL BEN, Luciana. Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, 2003. p. 86-100. JOLLY, Ilza Zenker Lemme; GOHN, Daniel; JOLY, Maria Carolina Leme. A prática da performance no curso de Licenciatura em Música da UFSCar. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 15., 2006, João Pessoa. Anais... João Pessoa: ABEM, 2006. p. 126–134.
PINTO, Leonardo Bernardes Margutti; PASSOS, Luís Otávio Teixeira. Elaboração de repertório para prática de conjunto: relato de experiência. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 14., 2005, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ABEM, 2005. p. 1–7. HENTSCHKE, Liane; DEL BEN, Luciana. Aula de música: do planejamento e avaliação à prática educativa. In: HENTSCHKE, Liane; DEL BEN, Luciana. Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, 2003. p. 176-189. SOUZA, Jusamara. Caminhos para a construção de uma outra didática da música. In: SOUZA, Jusamara (Org.). Música, Cotidiano e Educação. Porto Alegre: PPG-Música/UFRGS, 2000. p. 173–185. SOUZA, Jusamara (Org.). Palavras que cantam. Coleção Músicas. Porto Alegre: Sulina, 2006. SOUZA, Jusamara (Org.). Arranjos de Músicas Folclóricas. Coleção Músicas. Porto Alegre: Sulina, 2005.