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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
MAYARA STEPHANY ANDRADE DE SOUZA
ASPECTOS CULTURAIS E SOCIAIS DA LEGENDAGEM NA SÉRIE “FRIENDS”
ENGENHEIRO COELHO 2012
MAYARA STEPHANY ANDRADE DE SOUZA
ASPECTOS CULTURAIS E SOCIAIS DA LEGENDAGEM NA
SÉRIE “FRIENDS”
Trabalho de conclusão do curso de
bacharelado em Tradutor e Intérprete, do Centro Universitário Adventista de São Paulo, sob a orientação da Profª Drª Ana
Maria de Moura Schäffer.
ENGENHEIRO COELHO 2012
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,
do curso de Tradutor e Intérprete, aprovado em 26 de novembro de 2012.
____________________________________________________________ Orientadora: Profª Drª Ana Maria Schäffer
____________________________________________________________
Segundo Leitor: Profº Drº Milton Luiz Torres
Dedico o meu trabalho a minha mãe Claudia Andrade da Cruz porque ela não mediu esforços para me incentivar a continuar em busca dos meus sonhos, e mesmo quando tudo parecia inalcançável, ela estava ali falando
“falta pouco agora May”. Obrigada por tudo minha lindona que eu amo!
Mayara Stephany A. de Souza
AGRADECIMENTOS
Ao meu bondoso Deus por me conceder a oportunidade de estudar e colocar
dentro de mim a vontade de querer aprender;
À minha família porque mesmo distante nunca deixou eu me sentir sozinha;
Ao meu namorado Nathan Jorge Francisco, porque apesar de toda a correria dos últimos dias esteve do meu lado me transmitindo calma;
À minha orientadora Ana Schäffer, pelos conselhos, paciência e dedicação;
Aos meus amigos pelo imenso carinho durante esses anos.
“As pessoas que vencem neste mundo são as que
procuram as circunstâncias de que precisam e, quando não as encontram, as criam”.
Bernard Shaw
RESUMO
Traduzir humor tem sido, sem dúvida, um grande desafio para o profissional da área
de tradução. Pensando nesses desafios, as perguntas que nortearam a pesquisa foram: como traduzir sem perder a piada?; expressões corporais ajudam na tradução?; o que fazer para tornar a tradução do humor simples e divertida?. Por gostarmos muito de siticoms, escolhemos o tema tradução do humor em séries
televisivas, dando especial ênfase à tradução para legendagem, cujo foco de análise foi um episódio do Seriado FRIENDS, da primeira temporada, que mesmo sendo
mundialmente conhecido por seu humor crítico e despojado, apresenta pontos que nos chamam atenção por requererem mais que o domínio das línguas envolvidas. Ao fazermos uma análise comparativa de fragmentos escolhidos, os objetivos que
nortearam tal análise foram: identificar as estratégias de tradução adotadas por legendistas para traduzir aspectos gestuais, faciais, marcas de oralidade na legendagem do episódio selecionado e analisar os efeitos de humor das soluções
propostas pelo/a tradutor/a, ao tentar fazer a tradução de tais aspectos. Os autores que serviram como condutores teóricos da tradução para legendagem no Brasil foram: Rosas (2003), Barros da Silva (2006) e Liberatti (2011). Os resultados
apontaram que nem sempre quem traduziu os fragmentos selecionados levou em conta os elementos extralinguísticos. Desde modo, as estratégias empregadas, embora tenham primado pela oralidade para alcançar os efeitos de sentido
humorísticos, não consideraram os gestos, trejeitos e expressões faciais, elementos que vão além do texto escrito.
Palavras-chave: Legendagem; Aspectos culturais e sociais; Tradução de humor; Seriado Friends.
ABSTRACT
Humor translating has been undoubtedly a great challenge to those who translate.
Thinking about such challenge, the questions which guided the research were: how can we translate without losing the joke? Do bodily expressions really help in translation? What to do to make the comedy translation simple and fun? Once we
appreciate sitcoms a lot, the theme chosen was humor translation from television series, giving special emphasis to subtitle translation, whose analytical focus was one episode of the first season of FRIENDS that, even being known worldwide for its
stripped and critical humor, presents some points that draw attention, for they require more than the language domain of the translator. By doing a comparative analysis of the selected fragments, the objectives that guided the analysis were to identify the
translation strategies adopted by the subtitler to translate the gestural and facial aspects, and the orality marks in the selected episode subtitling, besides analyzing the proposed solutions by the translator to reach the humor effects, while he was
trying to translate such aspects. The authors who have served as theoretical conductors for subtitling translation in Brazil were Rosas (2003), Barros da Silva (2006), and Liberatti (2011). The research results indicated that those who translated
the selected fragments didn’t consider the extra linguistic aspects. So the used strategies, even though they had priorized the orality to reach the humor effects, they did not take into account the gestures, face expressions, aspects that go beyond
written text.
Keywords: Subtitling; Cultural and social aspects; Humor translation; Friends Sitcom.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10
2. UMA BREVE HISTÓRIA DA LEGENDAGEM NO BRASIL.................................... 13
3. COMO TRADUZIR PARA LEGENDAS, SEM PERDER A PIADA ........................ 15
3.1 Sugestões quanto ao procedimento da legendagem ........................................ 16
3.2 Gestos provocadores de risos: Tradução para Legendagem ........................ 18
4. ANÁLISE DO EPISÓDIO ......................................................................................... 21
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................44
10
1 INTRODUÇÃO
Traduzir humor tem sido, sem dúvida, um grande desafio para o profissional
da área de tradução. Perguntas que nos fazemos ao pensar em traduzir o humor,
são do tipo: como traduzir sem perder a piada?; expressões corporais ajudam na
tradução?; o que fazer para tornar a tradução do humor simples e divertida?. Por
gostarmos muito de séries televisivas como siticoms, temos tentado responder a
essas perguntas, de forma mais acadêmica. Enquanto estudante de tradução e
interpretação, nos propusemos a desenvolver um estudo envolvendo a temática da
tradução para legendagem. Para isso, foi feita a seleção de um episódio de
FRIENDS, que mesmo sendo mundialmente conhecido por seu humor crítico e
despojado, fizemos algumas observações que poderão ser usadas como
complemento por quem faz tradução para humor, permitindo assim, que o desafio
seja algo prazeroso para o/a tradutor/a.
Por isso, um dos objetivos da pesquisa foi analisar as escolhas feitas pelos
legendistas e os efeitos de humor das soluções propostas pelo/a tradutor/a, ao
tentar fazer a tradução para legendagem de aspectos culturais, como as escolhas de
palavras, expressões e gírias; também comentaremos sobre os aspectos gestuais,
faciais, marcas de oralidade na legendagem do episódio selecionado fazendo
ligação entre os gestos e o que eles querem expressar de fato e as legendas
escolhidas pelos tradutores. Como falamos acima, a motivação inicial da pesquisa é
o interesse pessoal nesse tipo de tradução; no entanto, a motivação acadêmica e
social parte da consciência da importância deste tipo de pesquisa para auxiliar na
reflexão sobre as tomadas de decisão de quem traduz este gênero textual, levando
aqueles que leem a aprimorar as estratégias para melhor traduzir legendas. Como
declara Possenti (apud BARROS DA SILVA, 2006), as piadas são interessantes
para os estudiosos porque praticamente só há piadas sobre temas controversos; ele
complementa dizendo “que as piadas operam fortemente como estereótipos e são
sempre veículos de um discurso proibido, subterrâneo, não oficial, que não se
manifestaria, talvez, por meio de outras formas de coletas de dados, como
entrevistas”.
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Embora os estudos na área de tradução do humor ainda sejam incipientes no
Brasil, a academia tem se interessado por esta área, nas últimas décadas, de modo
que o estudo que se apresenta aqui tem por finalidade contribuir com esta área, ao
promover a análise de algumas legendas selecionadas da série FRIENDS, cujo
siticom foi criado por Davis Crane e Marta Kauffman e exibido entre o período de 22
de setembro de 1994 e 6 de maio de 2004, com um total de 238 episódios, contando
especiais e programas-piloto.
No Brasil, o programa estreou em 6 de fevereiro de 1996. Na série predomina
o humor crítico-social do cotidiano norte-americano. Os personagens são singulares,
cada um com suas manias, qualidades e defeitos que prendem o telespectador que
assiste a dez temporadas sem parar. Estima-se que 51 milhões de pessoas
acompanharam o encerramento da série. Um sucesso mundial como FRIENDS
exigiu, sem dúvida, a fidelidade do tradutor em transmitir cada piada, sátira, gafes,
mantendo sempre o senso crítico e promovendo a gargalhada no público-alvo.
Remetemos a Raskin (apud ROSAS, 2003), um dos autores conceituados em
relação à teoria do humor verbal. Para Raskin, o humor ainda enfrenta problemas
em termos de reconhecimento e credibilidade enquanto disciplina acadêmica que,
segundo o autor, são entraves "típicos de campos interdisciplinares, aqui
provavelmente agravados pela crença ampla e talvez inconsciente de que nada
agradável, divertido, seja um assunto respeitável para um campo acadêmico". No
entanto, pensando nos desafios do profissional da área de tradução do humor
discutiremos algumas estratégias que podem ser viáveis para os legendistas que
trabalham com este tipo de material. Sabemos que algumas traduções de textos
humorísticos podem ser discutidas e reavaliadas. Esta pesquisa se propõe a
repensar sobre a tradução de humor e apresentá-la como um constante desafio ao
tradutor profissional.
A pesquisa foi desenvolvida no UNASP, campus de Engenheiro Coelho,
motivada pelas aulas de Tradução de Humor e aperfeiçoadas por atividades
realizadas em sala de aula, a partir do treinamento com o programa Subtitle
Workshop. A metodologia segue o tipo de pesquisa analítico-comparativa, pois
analisamos um episódio de FRIENDS, previamente selecionado e observamos os
principais aspectos extratextuais (gestos, caretas, marcas de oralidade) presentes
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nesse episódio e suas respectivas traduções para o português, em dois meses
nosso objetivo foi identificar as tomadas de decisão dos legendistas ao traduzirem
do inglês para o português do Brasil bem como as adaptações interculturais
presentes nas legendas e os gestos e o que eles nos expressam.
A pesquisa está organizada em quatro partes: esta introdução, seguida da
metodologia; no primeiro capítulo, apresentamos uma breve história da legendagem
no Brasil e como ela vem se destacando no meio televisivo; no segundo capítulo,
procuramos desenvolver técnicas de como traduzir para o humor sem perder a
piada; no terceiro, trazemos os gestos provocadores de riso e a influência que eles
causam na legendagem; no quarto, analisamos alguns gestos e o que eles querem
expressar, seguidas das respectivas traduções escolhidas pelos legendistas e, por
fim, as considerações finais.
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2 BREVE HISTÓRIA DA LEGENDAGEM NO BRASIL
Este capítulo remete a uma breve história de como o nosso país reagiu ao
processo de legendagem e como esse processo ainda precisa ser desenvolvido
para que as legendas se tornem cada vez mais úteis para o telespectador.
Para introduzir o assunto, vamos voltar a 1895, ano em que a arte
cinematográfica teve seu início por influência dos irmãos Lumière em Paris. Em
menos de um ano vários cinemas foram abertos na Europa e nos Estados Unidos;
Em 1915 os filmes já tinham sua capital de indústria próspera, Hollywood. Até então
o cinema mudo era a grande atração e em 1924 o diretor D.W.Griffith declarou que
nunca haveria filmes falados. Em 1927 o som gravado entrou nas telas de cinema
contradizendo as previsões de Griffith e cinco anos depois as cores chegaram ao
cinema e o público começou a ficar cada vez mais exigente com relação à qualidade
dos filmes.
Entre os anos 1930 e 1950, o cinema americano teve grande repercussão. A
Europa, no entanto, não fez parte desse momento devido à crise econômica que a
Segunda Guerra Mundial gerou. Após a guerra, o domínio da área cinematográfica
pelos americanos preocupou os europeus, que criaram quotas de importação
visando proteger a indústria local. A dublagem chegou a ser imposta por Mussolini
por meio de lei, e os filmes que não tivessem versões dubladas não poderiam ser
exibidos em seu país. Além disso, de acordo com Silva (apud MILIANI, 2010), foi
determinado que dos 80 filmes que podiam ser distribuídos na Espanha pelos
americanos, 68 deveriam ser dublados e apenas 12 legendados.
Nessa época, o tradutor ainda tinha recursos muito precários, mas foi neste
período que o Brasil começou a desenvolver a técnica da dublagem. O filme em
formato de desenho, “Branca de Neve e os Sete Anões”, lançado em 1938, no Rio
de Janeiro, foi o marco inicial da dublagem brasileira. No fim da década de 1970,
buscou-se amplificar os programas de televisão ao maior número de espectadores;
com isso, a legenda alcançou um ponto importante na história.
Hoje no Brasil, temos duas técnicas de legendagem muito usadas, seguindo
os estudos estabelecidos pelas academias desde a década de 1990; elas são
classificadas como: legenda fechada que é definida pela escrita em letras brancas
sobre tarjas pretas e fica a critério do telespectador usar ou não o decodificador de
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legendas inserido no controle remoto; e a legenda aberta, que é aquela sobreposta à
imagem antes da exibição e que não depende de um decodificador para ser
acionada; pode ser de cor amarela ou branca e ainda ser centralizada e alinhada na
tela ou do lado esquerdo ou do direito. Segundo Barros da Silva (2006), no Brasil, o
uso de softwares no processo de legendagem ainda não é muito comum, visto que o
processo de legendagem é feito nas empresas que produzem os filmes. Araújo
(apud BARROS DA SILVA, 2006) descreve o processo das distribuidoras de filmes,
da seguinte forma:
O distribuidor passa a fita matriz para o laboratório, que contrata o tradutor. A marcação é feita mentalmente com o auxílio de um microcomputador, do programa “Word” e do TCR. O legendador entrega sua tradução para o “marcador” e depois para o “operador”. Entre os dois últimos estágios do processo, a tradução é revisada.
Não podemos tratar o processo de legendagem apenas como um texto
escrito, pois legendar implica, além de usar o instrumento da escrita, a observação
de situações e trejeitos corporais que darão ao trabalho final de quem legenda o
completo vislumbre do material transmitido. É sobre este aspecto que discutiremos
no próximo capítulo.
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3 COMO TRADUZIR PARA LEGENDAS, SEM PERDER A PIADA?
Este capítulo traz algumas considerações sobre como traduzir textos
humorísticos sem perder os efeitos de humor neles presentes. Para isto, é
importante que se diferencie a tradução de textos humorísticos, em geral, da
tradução para legendagem.
Traduzir qualquer material de humor tem sido algo desafiador por parte de
quem traduz, uma vez que, segundo Zabalbeascoa (apud LIBERATTI, 2011), a
tarefa exige muito mais do que simplesmente transpor de um idioma para o outro,
pois quem traduz precisa ter em mente aspectos diversos; entre eles, os culturais, os
gestuais, o público a que o material se destina, além do fato de que deve lidar com a
censura que muitas vezes obriga a omitir ou abrandar críticas, substituir palavras
agressivas e minimizar vocábulos obscenos, prejudicando a atividade quando se
trata de uma tradução de metáforas humorísticas.
Seria o caso de se recorrer ao uso de paráfrases, pois este recurso nos
permite dizer em outras palavras o que foi dito. Segundo Attardo (apud LIBERATTI,
2011), na paráfrase as palavras são modificadas, mas a ideia do texto original é
confirmada no novo texto que, neste caso, ocorre para atualizar e/ou reafirmar o que
foi dito no texto referente. Assim, a paráfrase pode vir a ser um recurso que ajude a
dizer de forma engraçada o que não teria graça nenhuma, caso fosse traduzido
literalmente. Um exemplo do que acabamos de dizer são as traduções propostas por
Marta Rosas (2002) quando ela sugere que a tradução da piada “How does a
spoiledrich girl change a light bulb? – She says, daddy I want a new apartment” seja:
—“ Como que uma garota rica e mimada troca uma lâmpada? – Ela diz: Papai,
quero um apartamento novo”. Esta tradução daria uma boa piada, mas Rosas usa
ainda outra versão mais recomendável, que seria: “Como é que uma patricinha troca
uma lâmpada? – Pedindo a papai um apartamento novo”.
Attardo (apud LIBERATTI, 2011) ainda diz que diferentes culturas possuem
diferentes alvos, ou seja, estereótipos para seu humor, sendo que cada grupo alvo é
definido por meio de características particulares; por exemplo, os italianos
considerados sujos e violentos do ponto de vista dos norte-americanos são alvo de
piadas dos americanos. No Brasil, o estereótipo da loira burra, tem rendido muitas
piadas, nem sempre politicamente corretas, diga-se de passagem; o habitante de
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Portugal, considerado no Brasil intelectualmente inferior, sendo alvo de piadas do
tipo: “Quantos portugueses são necessários para lavar um carro? – Dois: um para
movimentar o carro para frente e para trás, e outro para segurar a esponja”.
Percebe-se que toda piada tem seu tema, tem seu alvo, e elas remetem
geralmente a um grupo específico de forma nem sempre tão sutil e com uma grande
dose de ironia, expressando de forma crítica o que muitas vezes é ignorado se for
dito seriamente. Apesar de toda piada ser composta por uma situação, algumas
delas não levarão em conta a situação, e outras se prenderão mais a ela, fato que
leva quem traduz a perceber que, se a situação na língua-fonte não gera nenhum
riso ao ser reproduzida na língua-alvo, a melhor solução é substituir a situação-fonte
por uma realidade na cultura alvo que tenham efeitos humorísticos.
3.1 Sugestões quanto ao procedimento da legendagem
Neste subtópico faremos alguns apontamentos que os legendistas de textos
humorísticos podem estar utilizando como um suporte complementar. São métodos
auxiliares que proporcionarão aos tradutores de humor um melhor aproveitamento
do texto e que também foram adotados pelos pesquisadores no decorrer das
análises que serão observadas ao longo da pesquisa.
No caso da legendagem, uma proposta que apresentamos é que, de
preferência se assista ao material antes de fazer a tradução para legendagem, se
analise o que poderia ser adaptado para a cultura-alvo de forma que, no nosso
contexto atual, possa provocar risos. Outro fator importante é a observação dos
elementos extratextuais, pois eles também são essenciais na tradução para
legendas de humor. Referimo-nos aqui ao elemento gestual, aos trejeitos do falante
e às caretas; muitas vezes estes elementos expressam mais o efeito humorístico
que as palavras, auxiliando o tradutor, caso não consiga o efeito na escrita da
legenda, o que pode implicar no sucesso da próxima fala, quando o tradutor de
legenda, a partir dos gestos do falante, poderá fazer uma piada bem sucedida.
Além disto, não podemos esquecer que os tradutores de legendas são
limitados a algumas normas que já são fixas: por exemplo, a legenda exige síntese,
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isto é, há um número limitado de caracteres na tela, dependendo do programa que
se está usando para fazer a legendagem: o Systime, por exemplo, permite apenas
trinta caracteres, contando pontos e espaços; o Subtitle Workshop permite o máximo
de trinta e dois. O humor também precisa de síntese: quanto melhor o tradutor
captar a mensagem, menor será a legenda, pois ela enfocará a parte mais crítica, e
maior será o efeito de humor produzido.
É importante também que os tradutores de legendas não se prendam a
legendas maiores que duas linhas, pois o que passa disto fica cansativo e difícil para
ler, já que as legendas muitas vezes permanecem na tela um segundo, ou quando
muito, seis segundos, além de o telespectador perder as imagens provocadoras de
humor, caso se detenha a ler legendas.
Como foi mencionado, os gestos e caretas muitas vezes dizem por si só
facilitando assim o trabalho do legendista. Quem traduz para humor precisa estar
atento a estas façanhas de deixar que o telespectador crie uma fala baseando-se
nos gestos dos personagens, pois quando isto acontece o riso é quase que
incontrolável. Mas, os tradutores de legenda precisam estar atentos para não
perderem detalhes importantes da fala; mesmo com gestos auxiliares, às vezes, a
intervenção da legenda auxilia nos gestos perdidos pelo telespectador enquanto ele
se focava na leitura do texto.
Com relação aos trocadilhos, a tradutora e legendista de comédias desde
2003, Sylbeth Soriano, declarou em uma matéria sobre os processos de
legendagem de séries para o jornal o globo que no início a tradução é complicada e
que a linguagem só começa a ficar mais fácil no decorrer da série, quando ela já
conhece os personagens, e depois, o que é mais difícil de fazer é brincar com os
trocadilhos, para esta profissional, às vezes, é preciso fazer algumas adaptações. O
ideal seria que o legendista conseguisse traduzi-los, mas caso contrário, outra saída
seria encontrar uma forma rápida de manter o humor com alguma situação do
contexto atual da cultura-alvo. Os detalhes do vídeo devem ser identificados e para
isso, seria interessante assistir ao vídeo, primeiramente sem o áudio para melhor
percepção desses pormenores. Atente para “linguagem do povo”, pois a tradução do
humor não exige uma linguagem rebuscada e quanto mais se parecer com o
público-alvo, mais divertida se tornará, pois as pessoas têm o costume de dizer:
“Nossa, parece que ouvi fulano/cicrano falando agora!” “Uau, ela (e) se parece
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comigo!” — e isso sem dúvida, principalmente, em se tratando de siticoms, que é o
caso da nossa pesquisa, faz com que o telespectador se associe ao personagem e o
humor se torne inesquecível a ponto de o telespectador querer imitar os trejeitos e
falas do seu personagem favorito.
Por fim, o último ponto observado no decorrer da pesquisa: é que o legendista
precisa buscar a naturalidade ao reescrever a frase, primeiramente, de modo
mental, em seguida repeti-la na frente do espelho, usando gestos, da forma que ele
mesmo falaria se estivesse no lugar do personagem; esta é uma forma autêntica de
transmitir o humor situacional ao telespectador.
No próximo subtópico, daremos ênfase aos gestos presentes nas legendas
devido à importância dos mesmos para o sucesso do processo de tradução para
legendagem.
3.2 Gestos provocadores de risos: tradução para legendagem
Este subtópico nos ajuda a compreender o quanto quem legenda pode
usufruir de gestos. Além disso, muitas vezes a legenda pode ser um complemento
para situações em que os trejeitos nem sempre dizem o que deveria ser dito,
facilitando o trabalho de quem legenda textos humorísticos.
Possenti (apud BARROS DA SILVA, 2006) diz que é comum ouvir dizer que o
humor é cultural e que piadas são culturais e, por isto, a tradução para legendagem
é difícil. Concordamos com Possenti nessa declaração, pois, nas análises tivemos
dificuldades de entender algumas piadas americanas que se referiam ao cotidiano
americano que, culturalmente falando, é muito diferente do nosso. Inserir este tipo
de piada no contexto brasileiro de forma que provoque risos, sem causar nem um
tipo de polêmica, é um dos desafios a que o profissional de tradução do humor
precisa estar atento. É sobre esta questão que nos referimos na introdução quando
mencionamos a respeito dos desafios enfrentados pelos legendistas de textos
humorísticos.
Em uma representação como o siticom FRIENDS, por exemplo, é quase
inevitável o uso das expressões faciais transmitidas pelos atores; estes aspectos
nos inserem nas emoções que envolvem o personagem. O tom da voz e a
enunciação também são vitais. Por meio deles, podemos imaginar a próxima cena a
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ser exibida, mesmo que gerem mistérios ao telespectador, fazendo com que ele se
prenda à série de tal forma que os trejeitos utilizados pelos personagens principais
façam parte do seu cotidiano. O grande segredo da comicidade é a relação da
linguagem e da criatividade: a linguagem porque pode ser traduzível de uma língua
para outra; enquanto a criatividade é em muitos casos intraduzível, permitindo que o
telespectador protagonize as cenas e abuse de gestos e bordões que caracterizam
seus personagens principais.
Raskin (apud BARROS DA SILVA, 2006) diz que os tradutores de legendas
humorísticas precisam estar atentos à quantidade de informações que as situações
e as piadas exigem. É necessário dizer apenas o que for relevante para a cultura-
alvo; além disso, as adaptações culturais precisam ser observadas para que a piada
seja traduzida de maneira eficiente.
Já para Bergson (apud BARROS DA SILVA, 2006) o riso é provocado pela
inteligência e não está ligada com aspectos sentimentais; neste caso, podemos dizer
que a emoção é que vai ao encontro do riso no qual está ligada a inteligência.
Bergson ainda diz que os aspectos gestuais nos fazem rir na medida em que fogem
da reflexão que deveria orientar cada ação a ser realizada pelo ser humano. Um
exemplo disto é quando rimos de algum pedestre que acabou de levar um banho de
lama por algum motorista na rua; rimos porque não imaginamos a reação daquele
pedestre e rimos também por causa da distração dele em não perceber que um
carro estava se aproximando dele próximo a uma poça de lama.
As expressões humorísticas giram em torno de situações reais ou
imaginárias, mas consideramos que os gestos e as situações são os elementos que
proporcionam todo o efeito humorístico, permitindo o entendimento e o riso nos
siticoms, mesmo quando quem traduz para legendagem não transcreve a piada da
forma mais cômica. Os trejeitos nos remetem muitas vezes a alguém que
conhecemos e esta relação personagem-real nos faz criar a comicidade que está
por trás de cada texto humorístico e o riso é consequência do hábito humano de rir
das coisas que a ele se relacionam.
Um macaco, por exemplo, pode provocar riso em uma determinada pessoa
por fazer lembrar alguém conhecido. Bergson (apud BARROS DA SILVA, 2006)
afirma ainda que o riso não se provoca sozinho, necessita de um meio social. Por
fim, é relevante ressaltar que os gestos são essenciais quando se tratam de
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traduções humorísticas. Por meio de caras e bocas podemos dizer milhões de
coisas e exprimir diversas atitudes, seguidas dos trejeitos e do ambiente situacional,
eles formam a comicidade que muitas vezes a legenda não consegue provocar.
Quem traduz para legenda humorística tem esta grande ferramenta a sua
disposição, pois elementos como gestos e trejeitos além de ajudarem a desenvolver
um material eficaz, permitem a exclusão da escrita em situações carregadas de
gestos, ficando a decisão de traduzir sob a responsabilidade do telespectador que
poderá criar a fala e entrar no contexto, ao traduzir ou não a legenda para provocar
o riso. São aspectos que devem ser decididos por quem traduz, os quais se forem
bem adaptados culturalmente, surtirão o efeito de humor de modo satisfatório para o
telespectador.
No próximo capítulo, trazemos a análise dos episódios selecionados para esta
pesquisa.
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4 ANÁLISE DO EPISÓDIO SELECIONADO
Neste capítulo analisamos os aspectos gestuais dos personagens e como as
expressões faciais disseram muitas coisas sem o personagem falar uma só palavra,
e ainda observamos os aspectos culturais como: expressões e gírias adotados pelos
legendistas. Apresentamos a tradução já feita para o seriado e, em seguida,
classificamos as legendas sugeridas por nós como “Texto Sugerido” (TS). Fizemos
uma análise das legendas escolhidas pelos legendistas comparando com a fala do
texto original e analisamos ainda, os gestos e caretas e suas respectivas falas
implícitas.
Abaixo apresentamos os textos em inglês e suas respectivas traduções,
comentando em seguida o que poderia ter sido observado como elemento
extratextual e por fim adaptando para cultura-alvo o Texto Sugerido. A escolha deste
episódio se justifica porque observamos que mesmo os legendista tomando o
cuidado para fazer uma tradução adequada, em algumas cenas que selecionamos,
a legenda ficou confusa no que diz respeito ao aspecto cultural e em outras cenas
propomos que o leitor observe que mesmo sem a fala do personagem os gestos
fazem com que o leitor/telespectador imagine o que o personagem está sentindo ou
pensando, e estes são os elementos da pesquisa que fazem com que o
leitor/telespectador se envolva na série além de ajudar os legendistas a
reformularem frases posteriores. Observemos as situações propostas:
Episódio 20: 1ª Temporada
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JOEY+ROSS: Oh, yeah. Yeah. Let her dangle.
O legendista optou por usar a palavra “balançar”, o que culturalmente falando
aqui no Brasil não seria uma palavra comum para se referir a uma pessoa sobre
quem você quer saber se gosta de você de verdade. Os gestos dos personagens
nos dão a entender que houve um apoio por parte do grupo por mais machista que a
situação parecia ser; e as mãos de Chandler mostram o quão seguro ele parece
estar em seu argumento. No entanto, numa tentativa de aproximar a legenda mais
naturalmente da nossa realidade, sugerimos a seguinte tradução para a mesma
legenda:
TS: Deixa ela correr atrás.
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Esta é a cena em que o personagem Chandler ignora a ideia feminina de que
os homens precisam tomar a iniciativa depois do primeiro encontro; os gestos já dão
a entender que as personagens estão decepcionadas e desgostosas com o
machismo que a cena apresenta. Por isto, podemos imaginar falas como: “Meu pai,
como os homens são infantis”; ou, “Que cabecinha pequena essa de vocês
homens”; ou então: “Não acredito que ouvi uma coisa desta”.
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MONICA: I can't believe my parents are actually pressuring me to find one of
you people.
As mãos da personagem demonstram o questionamento revoltante
expressado pela mesma; quando o legendista sugere “achar um como vocês
rapazes” não soa um texto natural, uma vez que o público a que se destina a série
são jovens e, na cultura brasileira, a palavra jovem é mais comum do que rapazes.
O texto simples que poderia causar um efeito de riso sem parecer muito formal ou
com traços muito óbvios de tradução seria:
TS: Eu não acredito que meus pais estão me pressionando pra namorar idiotas
como vocês.
Neste quadro, tanto o gesto quanto a face de Chandler expressam a sua
preocupação, o que ajuda o telespectador/leitor a entender o quanto ele está com
medo. Os telespectadores familiarizados com o seriado sabem que esta é a
expressão usada pelo personagem para se proteger da rejeição, o que faz com que
mais uma vez, os telespectadores/leitores criem uma fala para o personagem.
Frases que criamos por Chandler foram do tipo “Não posso ligar, está cedo demais”
ou “Ela vai me dar um fora” ou ainda “Vou esperar pra ver se ela toma alguma
iniciativa”.
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CHANDLER: No, interestingly enough her leaf blower picked up.
O rosto irônico do personagem Chandler permite que o legendista brinque
com as palavras; a palavra escolhida pelo legendista foi “soprador de folhas”,
provocando riso pelos gestos que foram feitos pelo personagem e pela percepção
do telespectador ao perceber que Chandler estava sendo irônico ao se referir a um
soprador de folhas. Soaria uma tradução mais leve e natural, se pegássemos
palavras comuns, afinal, um “soprador de folhas” para o público brasileiro não é um
objeto tão utilizado e para que o contraste fosse bem perceptível seria interessante
colocar objetos do dia-dia como o que sugerimos logo abaixo:
TS: Não, interessante que quem atendeu foi o ventilador.
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CHANDLER: Oh, no no no no. Last time I left a spontaneous message I ended
up using the phrase 'Yes indeedy-o'.
O personagem ao franzir a testa contradiz o que disse a respeito da
mensagem espontânea, e o telespectador no momento percebe que este detalhe
revela o quanto ele estava inseguro nesta situação. O legendista poderia ter
brincado mais com as palavras, usado um termo de duplo sentido ou algo bem sem
sentido como “sim, beleza amiga”. A palavra usada no inglês terminou na vogal “o”
então outra sugestão seria procurar palavras que tivessem o mesmo final. Bem
como:
TS: Não, não, não, não. A última vez que eu deixei uma mensagem espontânea
na secretária eu terminei dizendo “sim de fato-o”.
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RACHEL: Then we took a walk down to Bendall's, and I told him not to, but he
got me a little bottle of Chanel...
Os trejeitos demonstrados pela personagem Rachel pertencem a alguém que
está tentando se autossurpreender; ela provoca ainda uma expressão de surpresa
no personagem Ross, levando o legendista a optar pela frase “eu disse a ele para
não fazer”; é muito mais prático dizer: “eu disse a ele que eu não queria” ou “eu
disse a ele que não era necessário”; sugerimos o seguinte:
TS: Depois nós caminhamos até o Bendall´s, e eu disse que não precisava,
mas ele quis me dar um perfume Chanel...
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Nesta cena, o legendista dispensou mais uma vez a tradução pelo simples
fato das expressões faciais dizerem o que os personagens estavam possivelmente
sentindo: Chadler, à esquerda, raiva; Ross, à direita, ciúmes. Não é difícil para o
telespectador da série perceber o que os gestos querem dizer. Quem faz a tradução
para legenda precisa estar atento a estes elementos; isto é, perceber quando cabe
ou não uma legenda e, se os gestos estão de acordo com a situação.
CHANDLER: Hey, I've been honing!
Neste quadro, o rosto do personagem Chandler (sua careta) demonstra
incompreensão por parte dos amigos e não foi necessário usar uma legenda para
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entender seu semblante de decepção. No entanto, o legendista usou a palavra
“afiando”, o que não está errado, afinal, usamos o verbo “afiar” quando estamos nos
referindo a falar em público, ser bom em oratória, dialética e persuasão (dizemos:
estar afiado; com a língua afiada); entendemos que, nesse contexto humorístico,
este verbo não seria o mais adequado porque, quando o falamos, ele já nos remete
a amolar (faca) que é tornar algo mais cortante e que não caberia no contexto.
Sugerimos um verbo mais corriqueiro como é o caso de “aperfeiçoando”:
TS: Ei, eu estava aperfeiçoando o texto!
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CHANDLER: Oh, uh… I want her to think I might be in a restaurant. y'know? I
might have some kind of life, like I haven't been sitting around here honing for
the past few hours.
A primeira impressão de Chandler é se surpreender com a curiosidade de
Ross. Como o leitor pode perceber, Chandler fica nervoso ao ter que explicar sua
rotina. O legendista ao escolher a expressão “tipo de vida” deixou o texto carregado,
sem espontaneidade. A expressão poderia provocar o mesmo efeito de sentido do
texto original se fosse dita com linguagem mais coloquial como: “uma vida bacana”;
“um estilo de vida legal; ou “uma rotina agitada”:
TS: Oh, Uh… Eu quero que ela pense que estou em um restaurante, sabe? E
que eu tenho um estilo de vida legal e que não fico aqui sentado por horas
aperfeiçoando isto.
BARRY: Well, if you want, I'll just- I'll just break it off with her.
O personagem Barry demonstra sua indecisão por meio de braços abertos e
testa franzida. Se observasse bem os trejeitos do personagem, o legendista poderia
ter sido mais objetivo na legenda. Sugerimos para esta legenda as seguintes opções
de tradução: “Se você quiser eu dou um fim nisso tudo” ou “se você quiser eu coloco
um ponto final nessa história”; a mais usada culturalmente por nós seria:
TS: Bem, se você quiser eu termino tudo com ela.
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Os trejeitos dos personagens denunciam que algo incomum está
acontecendo, devido ao fato de que dentistas não atendem seus pacientes desta
maneira; isto traz um quadro engraçado e que facilita o trabalho do legendista na
cena seguinte, por exemplo:
Completamente chocado, o olhar surpreso e curioso do garoto é o maior
provocador de riso na cena. Ficamos pensando por ele “O que está acontecendo
aqui?” ou “Vocês estavam se beijando?” ou ainda “Vocês acham que eu sou cego?”.
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A careta da personagem Rachel expõe seu grau de insatisfação pela
presença do garoto. Com esta careta podemos imaginar falas para personagem que
giram em torno da falta de educação do menino em entrar na sala sem bater a porta
ou achar o menino um pivete curioso ou ainda ficar irritada por ele ter atrapalhado o
clima de romance. Perceba que as caretas e gestos não precisam de intervenção de
fala e muito menos de traduções, pois é o telespectador que cria as falas.
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Aqui nesta cena, o nervosismo e a decepção são claramente perceptíveis
pelo telespectador, Chandler desliga o telefone logo após Danielle ter atendido.
Chandler constata que ela viu as outras ligações dele e simplesmente não quis
retornar deixando-o frustrado e então permanece firme em seu argumento machista
de que o homem precisa deixar a mulher sentir falta. Mas uma vez os trejeitos estão
facilitando o trabalho do legendista que não precisa se esforçar para ressaltar a
decepção de Chandler.
MONICA: Y'see, this is where you'd use that 'hello' word we talked about.
Friends tem um jeito irônico e divertido de se expressar e a forma séria que a
personagem Monica adverte seu amigo é o que causa todo o efeito de riso. O
legendista usou a frase “está é a deixa”; é uma boa a tradução, mas trazendo para o
público mais despojado como o nosso, poderíamos usar algo mais informal como:
TS: Essa é a parte onde você fala “ALÔ” nós já aprendemos isto.
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A personagem Monica demonstra espanto com seus olhos arregalados e sua
boca semi-aberta. Os gestos mais uma vez colocaram palavras na boca dos
telespectadores. Expressões como esta poderiam nos fazer gritar coisas como:
“Como você pode fazer isto” ou “O quê? não estou acreditando”. Mesmo sem assistir
ao episódio, o leitor percebe que é um rosto espantado. Isto justifica o nosso
pressuposto da importância dos trejeitos e gestos, como fontes ricas de informação
e de humor nesse tipo de programa, o que contribui para que os responsáveis pelas
legendas tenham mais subsídios para fazerem o seu trabalho.
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Na cena acima, a personagem Rachel através de sua expressão facial
demonstra medo, fazendo com que o telespectador imagine o que deve estar do
outro lado da linha, e cabe ao legendista entrar neste suspense permitindo por
alguns segundos que a criatividade do telespectador seja acionada de forma que
quem esteja assistindo crie as próximas falas.
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Neste caso aqui, a posição do personagem (sua postura) é de alguém que
está incomodado, insatisfeito com a situação em que se encontra; a aflição de
Chandler já é o provocador de riso. Podemos quase ouvi-lo dizer: “Por que ela não
liga?” ou “Por que ela está me ignorando?” ou ainda “Será que ela conheceu outra
pessoa?”. Os trejeitos permitem que a imaginação do telespectador flua de tal forma
que ele tome as dores do personagem.
Se observarmos a careta feita pelo personagem, sabemos que é de alguém
que acaba de mentir para ver se consegue algo em troca. Uma sugestão para a
legenda que faria o texto ficar mais parecido com a cara do personagem seria:
“desliguei sem querer meu telefone” ou “meu telefone estava sem sinal”.
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No quadro, os trejeitos do personagem são de felicidade por ter sido bem
sucedido na mentira anterior; a dança que só o telespectador tem oportunidade de
ver é a prova de satisfação intensa por meio de gesto. O legendista optou por
traduzir a música inventada pelo personagem, uma coisa positiva e que só faz
sentido quando o legendista percebe que faz parte do contexto do episódio. Neste
caso, mais uma vez os trejeitos da dança roubaram toda a cena, e provocariam riso
mesmo se o legendista não tivesse optado pela tradução da música.
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A expressão de tédio que Rachel demonstra ao participar de uma conversa
tensa é visível para todos. Ao deixar o espaço sem informação, o telespectador sem
dificuldade pode deduzir que Rachel estava tensa, apesar de entediada, provocando
um efeito cômico possível unicamente pela postura (trejeito) da personagem.
Aqui, a personagem Mindy tem uma expressão de dúvida, facilitando mais
uma vez o trabalho do legendista que deixou a critério do telespectador a surpresa
das cenas seguintes.
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MINDY: Basically, we think you're a horrible human being, and bad things
should happen to you.
Os gestos e as caretas demonstram desprezo e deboche por parte das
personagens o que ajuda o legendista a entender a fala sutilmente irônica de Mindy
(à direita). Achamos mais adequado fugir mais uma vez da tradução ao pé da letra e
trazer para a cultura alvo a tradução mais próxima da nossa realidade. As propostas
seriam: “Na verdade estamos aqui pra mostrar que odiamos você e que desejamos
o seu mal”/ “Viemos apenas para te dizer o quanto detestamos você e como
queremos que você se dê muito mal”/ “Basicamente, achamos que você é o pior
homem do mundo e nós vamos acabar com sua vida”; por fim sugerimos a seguinte
tradução:
TS: Basicamente, achamos que você é um imbecil e coisas muito ruins
deveriam acontecer na sua vida.
Mais um forte traço caricatural que expressa arrependimento e/ou culpa por
parte do personagem Barry e que foi muito bem traduzido pelo legendista. No
entanto, outra sugestão de tradução seria: “Por favor, me desculpe, eu sei que sou
um idiota, eu sinto muito por tudo isto”; é praticamente o mesmo texto, passa a
mesma ideia, mas aparentemente soa mais natural.
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RACHEL: Please! During that second time you couldn't have picked her out of
a lineup!
A personagem faz uma careta de arrependimento de ter vivido tal situação. O
legendista optou por usar a palavra “preparação”, mas para tentar dar mais detalhes,
sugerimos algo menos formal:
TS: Ah! por favor! Você deveria ter escolhido ela pra passar a noite com você
pela segunda vez!
MONICA: Yeah, there you go!
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Expressão de satisfação dos personagens ao ouvirem Chandler mencionar
sobre um possível segundo encontro, mas a legenda escolhida para “there you go”
talvez não tenha transmitido o efeito adequado para nossa cultura, portanto,
sugerimos:
R: Opa, agora vai!
Ao selecionarmos as cenas acima para discutirmos sobre a presença de
gestos, caretas e trejeitos e ligá-los às legendas, tínhamos em mente ressaltar aos
legendistas de humor estes suportes gestuais que muitas vezes facilitam, mas que
podem passar despercebidos algumas vezes ou simplesmente podem, na visão do
legendista, não ser algo essencial. Pelas análises que foram feitas, percebemos que
a presença das expressões faciais nos ajudaram a criar frases e elas nos ajudaram
a formular frases implícitas e mais naturais, quando só tínhamos as expressões.
Além disso, eles serviram de ferramentas auxiliares quanto tínhamos legendas,
proporcionando que tivéssemos outras ideias de tradução no decorrer do siticom. A
análise dos gestos serviu para ratificar o que a pesquisa se propôs a fazer desde o
início; isto é, mostrar os elementos extratextuais como suporte e ainda ajudar o
legendista na escolha das palavras, sugerindo aos legendistas de humor que frases
com a linguagem mais simples, ou seja, a linguagem do povo, serão sempre uma
boa opção a que se recorrer, quando se trata de tradução de humor.
Entendemos que os profissionais da legendagem se empenharam na
tradução da legenda de Friends; nossa proposta teve o objetivo de discutir mais que
criticar ou achar que as sugestões dadas são a resposta final de alguma coisa. No
entanto, apesar de sucinta, a análise nos permitiu perceber que a tradução do humor
pode ser mais prática e mais centralizada na oralidade, o que pode trazer mais
naturalidade ao texto legendado. Outra coisa, quando estamos atentos ao contexto
da cultura-alvo, as expressões linguísticas mais comuns emergem, os gestos,
trejeitos e expressões corporais e o que eles implicam na comunicação e no
ambiente situacional de cada cena passam a ser elementos de informação
relevantes para o legendista, que pode se apoiar nesses aspectos para atender com
mais fluidez o público-alvo, provocando, sem dificuldade, o efeito humorístico
desejado.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando nos propusemos a fazer uma pesquisa como esta, tínhamos como
ponto de partida o gosto por siticoms humorísticos. Queríamos nos aprofundar na
ideia de provocar risos com poucas legendas, apenas nos focando nos trejeitos e
caretas. Daí que, entre os objetivos do trabalho, um foi analisar as escolhas
adotadas pelos legendistas do seriado Friends para traduzir aspectos gestuais,
faciais e marcas de oralidade na legenda, além também de buscarmos analisar os
efeitos de humor das soluções propostas por quem traduziu, ao tentar fazer a
tradução para legendagem desses aspectos extratextuais e mostrar os gestos com
suas falas implícitas.
Ao fazermos a pesquisa e análise, sugerimos passos que o tradutor para
legendas de humor deveria observar, como por exemplo, assistir ao vídeo sem o
áudio para perceber os gestos e trejeitos de cada personagem e, em cada situação,
tentar identificar onde e quando os elementos extratextuais dispensavam a legenda.
Com isso em mente, selecionamos algumas cenas do seriado Friends tanto para
discutir as legendas propostas pelos legendistas como para sugerir as nossas
legendas, a partir da observação de tais elementos.
À medida que a análise se desdobrava, notamos que mesmo com todos os
elementos gestuais, o legendista deixou marcas de tradução que na cultura-alvo
soaram artificiais, embora tenham provocado o riso. Isto, de alguma forma, ratificou
o pressuposto de nossa pesquisa de que os trejeitos e caretas de cada personagem
muitas vezes são mais responsáveis pelo humor que as próprias palavras, o que
tornou desnecessária em algumas cenas a legenda. Esta percepção não anulou a
importância de quem traduziu o siticom, pelo contrário, apontou a necessidade de
que os profissionais dessa área estejam mais atentos aos aspectos extratextuais,
como o movimento corporal, as caretas e os trejeitos, e se valham deles como
aliados estratégicos para o sucesso na tradução do humor. Tal observação teve por
finalidade contribuir com os tradutores desse gênero textual para tenham mais
facilidade de expor as piadas para cultura-alvo, sem correr o risco de perder a piada,
forçando o riso.
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Como pesquisadores e tradutores, percebemos ao longo do trabalho que o
conhecimento linguístico da língua-alvo e da cultura nem sempre são suficientes,
quando se trata de uma tradução para humor e isto faz com que esta tradução
divertida se torne um desafio por parte de quem traduz.
Como já mencionamos, a motivação inicial da nossa pesquisa foi o interesse
pessoal na tradução de humor e a nossa motivação acadêmica teve por base a
conscientização da importância deste tipo de pesquisa para auxiliar nas decisões
que o tradutor deve tomar diante desse gênero textual, e permitir ainda que os
futuros tradutores de humor aprimorem as estratégias analisadas para uma tradução
de legenda humorística cada vez mais divertida e satisfatória.
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