as_marcas_da_ruÍna_neoliberal_ laura tavares

5/28/2018 AS_MARCAS_DA_RUNA_NEOLIBERAL_ laura tavares

1/13

AS MARCAS DA RUNA NEOLIBERAL SOBRE O SOCIAL1

(texto para debate Reformas da Polt!"a So"!al#

Laura Tavares Soares2

A ortodoxia neoliberal no se verifica apenas no campo do econmico. Infelizmente

no campo do social, tanto no mbito das idias como no terreno das polticas, o

neoliberalismo fez estragos e ainda continua hegemnico.

ode!se inclusive afirmar "ue o car#ter ortodoxo das idias e das propostas em torno

$s "uest%es sociais "ue nos afligem no mundo contemporneo manifesta!se ainda de

forma mais intensa do "ue no econmico.

& conservadorismo no social se expressa no retorno $ naturaliza'o da desigualdade

social ou $ aceita'o da exist(ncia do )fenmeno* da pobreza como inevit#vel.

+etrocedemos historicamente $ no'o de "ue o bem!estar social pertence ao mbito do

privado, ou sea, as pessoas, as famlias e as )comunidades* devem responsabilizar!se

pelos seus problemas sociais, tanto pelas causas como pelas solu'%es.

-ais ainda, alguns avan'os con"uistados no sculo , como o /stado de 0em

/star, so considerados )problemas*, sendo inclusive apontados como )causas* de

muitos dos nossos males. 1ob essa 2tica, foram os )gastos generosos* dos /stados de

0em /star "ue causaram os dficits fiscais dos pases "ue os adotaram3 e foram esses

/stados )paternalistas* "ue estimularam o desemprego e alimentaram a )pregui'a*,

impedindo uma )saud#vel* competitividade entre as pessoas.

4al como no econmico, a interven'o do /stado no social tambm vista como

pouco )recomend#vel*, devendo ser substituda por um tipo de )mercado* especial onde

cabe desde a grande seguradora financeira 5"ue passa a garantir previd(ncia social e

sa6de para os "ue podem pagar pelo seguro7 at o chamado )terceiro setor*, "ue

tambm inclui uma vasta gama de )atores* 5desde as antigas associa'%es comunit#rias

ou igreas, at as modernas &rganiza'%es 8o 9overnamentais de todo tipo7.

A mercantiliza'o dos servi'os sociais ! mesmo os essenciais como sa6de e

educa'o ! tambm vista como )natural*: as pessoas devem pagar pelos servi'os para

;??>7.Gorreio eletrnico: lauratsHuol.com.br
http://www.outrobrasil.net/http://www.outrobrasil.net/mailto:[email protected]://www.outrobrasil.net/mailto:[email protected]


2/13

"ue estes seam )valorizados*. -as e as pessoas "ue no podem pagar Gabe a elas

)comprovar* sua pobreza e, s2 ento, o /stado deve intervir prestando servi'os

)focalizados* aos comprovadamente pobres, devidamente )cadastrados* como tais.

A filantropia substitui o direito social. &s pobres substituem os cidados. A auda

individual substitui a solidariedade coletiva. & emergencial e o provis2rio substituem o

permanente. As micro!solu'%es #ad $oc% substituem as polticas p6blicas. & local

substitui o regional e o nacional. J o reinado do minimalismo no social para enfrentar a

globaliza'o no econmico. #lobali&a'(o s) para o *rande capital+ Do trabal$o e da

pobre&a, cada um -ue cuide do seu como puder+ De prefer.ncia com um /stado forte

para sustentar o sistema financeiro e falido para cuidar do social+%@.

As conse"K(ncias de um modelo inusto e desigual, mesmo para padr%es

capitalistas, so confundidas com as causas. Assim, )fenmenos* como a viol(ncia e,

depois do ;; de setembro norte!americano, o terrorismo, so vistos hoe como

respons#veis pela pobreza. A )corrup'o poltica* e a )ingovernabilidade* ustificam a

volta de regimes ou governos autorit#rios. A )incompet(ncia* dos pases devedores

punida com suspenso de crditos.

Aos pases perifricos so recomendadas polticas de )auste* = com abertura

indiscriminada, )rigor* fiscal e )reformas* = "ue no so adotadas pelos pases centrais

"ue comandam os 2rgos multilaterais proponentes e supostamente financiadores dessas

polticas. As conse"K(ncias ou os desajustessociais provocados por essas polticas so

considerados ou como inevit#veis ou inerentes a um processo em dire'o $

)modernidade*. 1e ditas conse"K(ncias tornam!se muito fortes a ponto de desestabilizar

o bom andamento desse processo, esses mesmos organismos se disp%em a audar,

financiando programas focalizados de )alvio* $ pobreza.

&ptamos tratar dessas conse"K(ncias sociais como desajustes em contraposi'o $

no'o de ajuste subacente $s polticas neoliberais como algo )necess#rio* para "ue os

pases #em desen!ol!imento% possam atingir uma suposta )estabilidade*, condi'o

para um futuro crescimento e, "ui'#, alguma distribui'o das )sobras* num futuro ainda

mais remoto. Griticamos a"ui o conceito de #transi'(o% tal como vem sendo

empregado pelos organismos internacionais, trazendo consigo uma falsa idia de

#e!olu'(o%em dire'o a uma situa'o supostamente melhor ou #mais a!an'ada% =

no'o tpica da matriz sociol2gica "ue sup%e a )moderni&a'(o por difus(o%.

@1oares, Daura 4avares. In: ref#cio ao livro )4erceiro 1etor e Luesto 1ocial na +eestrutura'o doGapital* de Garlos /duardo -ontaMo 5Gortez, >??>7.


3/13

Gomo contraponto a essa viso linear, possvel constatar o retrocessosocial de

parcelas crescentes da popula'o mundial frente $s polticas deliberadas de corte

neoliberal. 4rata!se de um processo "ue absolutamente no linear e "ue,

principalmente nas duas 6ltimas dcadas, apresenta fortes tra'os de retrocesso em dois

sentidos. & primeiro o de os avan'os do ponto de vista da prote'o social obtidos no

perodo p2s!guerra sofreram perdas consider#veis ou simplesmente foram eliminados. &

segundo diz respeito ao surgimento de um "uadro social "ue no deixa para tr#s as

antigas marcas do subdesenvolvimento e superp%e as novas situa'%es sociais de

precariedade e excluso provocadas pelas polticas de auste neoliberal. 1eriam essas

conse"K(ncias #naturais% ou #necessrias* a um suposto processo de evolu'o

1eriam as #dores do crescimento% Gertamente "ue no. & pre'o "ue vem sendo pago

pela maioria da popula'o no mundo em nome de uma suposta #moderni&a'(o%no

absolutamente necess#rio nem uma fatalidade.N

or outro lado, o termo )globaliza'o* tem ad"uirido conota'%es a!hist2ricas "ue

oscilam entre a idia de algo )intrinsecamente positivo* e a no'o de )agente do mal*,

numa polariza'o simplista "ue no contribui para o entendimento dos reais e

complexos processos "ue estamos vivendo. Gomo afirma 1usan 1trange, uma das

maiores especialistas inglesas no campo das rela'%es internacionais, a *lobali&a'(o

um termo "ue se refere #a tudo e -ual-uer coisa, da 0nternet ao $amb1r*uer% . &

economista Cohn 9albraith 5diga!se de passagem, um liberal convicto7, em entrevista no

ano de ;OOP, declarou "ue #a *lobali&a'(o n(o um conceito srio e -ue n)s, os

americanos, a in!entamos para dissimular nossa poltica de entrada econ2mica nos

outros pases, e para tornar respeit!eis os mo!imentos especulati!os de capital, -ue

sempre s(o causa de *ra!es problemas%+Q

4rata!se, portanto, de desmascarar a )inevitabilidade* desse processo dito de

)globaliza'o* e de denunciar o altssimo e desigual pre'o pago pelos povos dos pases

do sul, perifricos, dependentes ou do terceiro mundo.


4/13

anos P?. 4rata!se de uma crise global de um modelo social de acumula'o, cuas

tentativas de resolu'o t(m produzido transforma'%es estruturais "ue do lugar a um

modelo diferente ! denominado de neoliberal = "ue inclui 5por defini'o7 a

informalidade no trabalho, o desemprego, o subemprego, a desprote'o trabalhista e,

conse"Kentemente, uma )nova* pobreza. Ao contr#rio, portanto, do "ue se afirma, a

reprodu'o em condi'%es crticas de grandes parcelas da popula'o faz parte do

modelo, no impedindo a reprodu'o do capital. /ssas condi'%es no so uma

manifesta'o de "ue o sistema estaria )funcionando mal*, e sim a contra!face do

funcionamento correto de um novo modelo social de acumula'o.

As conse"K(ncias sociais do Auste 8eoliberal na Amrica Datina foram por n2s

denominadas deDesajuste SocialW, na medida em "ue tal auste no apenas agravou as

condi'%es sociais pr!existentes de desigualdade estrutural em nosso continente como

tambm provocou o surgimento de )novas* condi'%es de excluso social e

generaliza'o da precariedade e da inseguran'a em vastos setores sociais antes

)includos* a partir da sua inser'o no mercado de trabalho e dos mecanismos de

prote'o social construdos ao longo de dcadas.

A no'o de desajuste tambm dada pelo car#ter estrutural das mudan'as

provocadas. A idia de "ue as conse"K(ncias do auste neoliberal seriam apenas

transit2rias ou conunturais, torna!se cada vez mais distante da realidade. As mudan'as

sociais so muitas profundas, e suas possibilidades de reverso so diretamente

proporcionais ao grau de destrui'o provocado pelas polticas de auste, "ue no por

acaso so denominadas de )estruturais*. A velocidade da destrui'o tambm muito

maior do "ue o tempo de reconstru'o eXou de reverso de suas conse"K(ncias, como

veremos a seguir.

A primeira afirma'o diz respeito $ natureza e $ intensidade dos impactos sociais

nos diferentes pases segundo sua localiza'o central ou perifricaXdependente no

mundo capitalista. Isto significa "ue, se bem certo "ue o impacto negativo do ponto de

vista social foi generalizado = dando a idia de uma )globaliza'o da pobreza*! e "ue os

pases centrais ou mais ricos no escaparam dos efeitos do auste neoliberal, foram os

pases mais pobres da periferia os "ue mais sofreram.

&u sea, ao invs de promover uma )e"Kaliza'o* entre as regi%es e os pases do

mundo, subacente $ falsa )utopia global* por tr#s da *lobali&a'(o, o "ue se v( uma

amplia'o crescente das distncias e das desigualdades entre eles.WFer 1oares, >??;.


5/13

8os pases aonde as desigualdades no apresentam um car#ter estrutural,

tambm se verifica um distanciamento com o surgimento do "ue foi chamado de )novas

situa'%es de pobreza*, levando $"uilo "ue se tem chamado de )terceiro!mundiza'o* do

primeiro mundo. A"ui, o impacto das polticas neoliberais se manifesta de modo mais

intenso no chamado mundo do trabal$o atravs do surgimento do desemprego e

precariza'o das condi'%es de trabalho, gerando uma )excluso* de setores antes

includos.

Ao fazer um balan'o da situa'o atual da -uest(o social, um autor chamado

+obert Gastel constata tr(s situa'%es sntese "ue a caracterizam. A primeira seria a

desestabili&a'(o dos est!eis, "ue so os trabalhadores "ue ocupavam uma s2lida

posi'o na diviso do trabalho anterior e "ue so eetados dos circuitos produtivos. A

segunda a da instala'(o na precariedade,algo com "ue os pases mais pobres # se

encontram familiarizados, mas "ue uma relativa novidade na /uropa 5pelo menos nos

6ltimos cin"Kenta anos7 e "ue atinge com mais fre"K(ncia os ovens, "ue alternam

perodos de atividades, de desemprego, de trabalho tempor#rio e de auda social.

Binalmente a terceira constata'o, e a mais in"uietante do ponto de vista dos europeus,

"ue a redescoberta dos sobrantes, da"ueles "ue no t(m lugar na sociedade, dos "ue

no so integrados e talvez no seam )integr#veis*. /stas seriam as pessoas "ue

#foram in!alidadas pela no!a conjuntura econ2mica e social dos 1ltimos 34 anos%+P

8o outro extremo, "uando tratamos dos pases perifricos, aonde # existiam

desigualdades estruturais e hist2ricas, a distncia entre os mais ricos e os mais pobres

aumenta ainda mais, provocando uma polariza'o "ue tem levado a rupturas sociais

agudas e violentas. /sses pases ficaram com o )pior dos mundos*, agravando suas

situa'%es de pobreza e extrema misria, ao mesmo tempo em "ue se v(m frente ao

processo contemporneo de desfilia'(oda"ueles "ue pertenciam ao circuito do mercado

de trabalho, com algum grau de prote'o social. Assim, o "ue a )modernidade* nos

trouxe foi a superposi'o perversa de antigas situa'%es de desigualdade e misria com

uma )nova pobreza* causada pelo aumento massivo e inusitado do desemprego e pela

generaliza'o de situa'%es de precariedade e instabilidade no trabalho, aumentando o

contingente da"ueles "ue se tornaram )vulner#veis* do ponto de vista social pela

redu'o eXou aus(ncia de mecanismos de prote'o social.

PGastel, in: Gastel, YanderleZ e 0elfiore!YanderleZ, >???, p.>QQ. RGA14/D,+.3 YA8


6/13

A perversidade dessa combina'o se expressa no fato de "ue continuam sendo os

mais pobres ou os miser#veis 5a"ueles "ue constituem o "ue se chama de )n1cleos dura

de pobre&a%5 os "ue mais sofrem com essa situa'o de aumento da vulnerabilidade,

apesar dos chamados pobres )no!miser#veis* ou )no!indigentes* e os setores mdios

terem sofrido bruscas varia'%es da sua renda, gerando uma crescente )rotatividade* em

torno a situa'%es de pobreza.

1egundo estudo recente da G/ADVsobre o panorama social da Amrica Datina

e o Garibe, )percentuais crescentes da popula'(o declaram sentir6se submetidas a

condi'7es de risco, inse*uran'a e sem defesa%+ Gomo causas, a G/AD aponta )a

e!olu'(o do mercado de trabal$o8 o recuo da a'(o do /stado8 no!as formas

institucionais para o acesso aos ser!i'os sociais e a deteriora'(o das e9press7es

tradicionais de or*ani&a'(o social%+

/ssa combina'o explosiva de problemas sociais gera um "uadro de extrema

complexidade, cuas formas de enfrentamento se v(m agravadas pelo desmonte

adicional feito nas olticas 1ociais ou nos mecanismos existentes de rote'o 1ocial,

como veremos a seguir.

A partir do "uestionamento hegemnico da fun'o integradora do 4rabalho na

sociedade, trata!se de desmontar o sistema de prote'%es e garantias vinculadas ao

emprego e uma desestabiliza'o da ordem do trabal$o. /videntemente, essa

desmontagem tem trazido repercuss%es "ue vo muito alm do mundo do trabalho

propriamente dito, afetando e abalando diversos setores da vida social.

/sse desmonte faz parte das chamadas )reformas* "ue o neoliberalismo inclui

no pacote do auste. 8esse sentido, as +eformas 4rabalhistas assumem um car#ter

priorit#rio, suprimindo da Degisla'o do 4rabalho direitos con"uistados historicamente

pelos trabalhadores nos diferentes pases. & vnculo e a estabilidade no trabalho so

substitudos por #fle9ibili&a'(o% e#desre*ulamenta'(o%, deixando a merc( da )livre

negocia'o* entre patr%es e empregados as "uest%es relativas a contrato de trabalho,

sal#rios e demiss%es.

Ao mesmo tempo em "ue se desmonta a ordem do trabalho, a ideologia

neoliberal produz um retrocesso hist2rico no "ue diz respeito $ origem do bem6estar

social, "ue sai do terreno do coletivo e passa para o mbito do privado. ??; RG/AD. Panorama Social deAmrica Latina+ Santia*o de C$ile+ NAC0ON/S ;N0DAS, 344??>, p.N. &s negritos so da autora.


7/13

essa viso, caberia $s pessoas e $s comunidades encontrar suas pr2prias solu'%es para os

problemas sociais.

Gomo afirma 0ourdieu, o #retorno do indi!idualismo, espcie de profecia auto6

reali&ante -ue tende a destruir os fundamentos filos)ficos do =elfare state e, em

particular a no'(o de responsabilidade coleti!a >nos acidentes de trabal$o, na doen'a

ou na misria5, essa con-uista fundamental do pensamento social >e sociol)*ico5, +++ o

-ue permite #acusar a !tima%, 1nica respons!el por sua infelicidade, e l$e pre*ar a

#auto6ajuda%+++% ;?.


8/13

#pe-uenas $ist)rias%contadas em meio a um mar de dramas sociais = o "ue vemos a

perversidade das in6meras situa'%es das pessoas entregues $ sua pr2pria sorte.

Gomo feito o desenho desses programas &s /stados dos pases pobres

5sempre chamados de #em desen!ol!imento%7 devem contratar emprstimos externos,

implicando em muitos casos no aumento de suas dvidas, para implementar )pacotes*

"ue em sua maioria no apenas # esto prontos como imp%em uma srie de

)condicionalidades* para a utiliza'o )correta* dos recursos.

Luais so essas )condicionalidades* Lue os /stados no aumentem seu gasto

p6blico para no produzir )dficit fiscal*3 "ue ao invs de atuar diretamente atravs de

suas pr2prias redes, os governos devem estabelecer )parcerias* contratando servi'os

"ue passaro a ser prestados por institui'%es comunit#rias ou &89s3 os recursos e as

a'%es devem ser )focalizados* nos mais pobres3 os recursos devem ser priorizados nos

chamados )subsdios $ demanda* e no na amplia'o da oferta de servi'os p6blicos3 as

pessoas "ue trabalharo nesses programas devem ser preferencialmente )da pr2pria

comunidade*, estimulando!se sempre o )trabalho volunt#rio*3 o programa deve ser

encerrado no momento em "ue a pr2pria comunidade estea em condi'%es de se )auto!

sustentar*.

&utra caracterstica o car#ter transit)rio dos seus programas. /ssa

temporalidade limitada implica em "ue as suas a'%es no possuam uma continuidade no

tempo e no espa'o onde se realizam, fator determinante para o seu baixo impacto e

reduzida efetividade, gerando uma instabilidade "ue afeta aos supostos grupos

benefici#rios. Aliada $ habitual baixa cobertura desses programas = cuo car#ter

focalizado sup%e grupos mais )vulner#veis* = os seus resultados so pfios inclusive do

ponto de vista da suposta )mitiga'o* da pobreza a "ue se prop%em, "ue dir# de resolver

efetivamente os problemas geradores dessa mesma pobreza.

A substitui'o dos agentes p6blicos estatais por organiza'%es comunit#rias ou

no!governamentais outra caracterstica dos chamados )programas de alvio $

pobreza*. A invs de potencializarem as a'%es p6blicas governamentais, essas entidades

)societ#rias* substituem os 2rgos do governo sem "ue possuam nenhuma capacidade

profissional e tcnica para realizar a'%es no mbito social.


9/13

apesar de serem financiadas com recursos p6blicos, o car#ter p6blico de suas a'%es no

tem sido preservado, ocorrendo uma espcie de privatiza'o "ue pode ocorrer sob

diversas formas, como por exemplo no car#ter muitas vezes discricion#rio na escolha

dos benefici#rios dos programas ou mesmo de "uem vai executa!los. &s critrios de

acesso nem sempre so publicamente definidos nem muito menos socialmente

controlados. A forma de utiliza'o dos recursos p6blicos tampouco transparente. &

car#ter volunt#rio ou o contrato tempor#rio e prec#rio do trabalho nessas organiza'%es

no permite um vnculo duradouro necess#rio $ continuidade dos programas nem

tampouco uma profissionaliza'o necess#ria $ "ualidade de suas a'%es.

Gaberia perguntar, por outro lado, se isso tem sido garantido nos 2rgos p6blicos

do /stado em nossos pases. Infelizmente, fruto das pr2prias reformas neoliberais, os

critrios privados de gesto tambm penetraram no aparato estatal. 0aixo o argumento

da )moderniza'o do /stado*, foram introduzidos critrios empresariais de )custo!

beneficio* incompatveis com o car#ter p6blico e social dos servi'os e benefcios, com

mecanismos de )auto!financiamento* "ue permitem a dualidade no acesso aos servi'os

p6blicos atravs do pagamento direto 5como veremos a seguir7. &s funcion#rios

p6blicos tambm foram afetados pela )flexibiliza'o* "ue suprimiu a estabilidade e a

carreira nos servi'os p6blicos, ampliando de forma assustadora os mecanismos de

)terceiriza'o* na contrata'o de pessoal e atravs da compra de servi'os privados. Isso

gerou a "uebra do vnculo, da"uele "ue executa o servi'o p6blico, com o /stado e,

sobretudo, com a popula'o benefici#ria. &s )novos* trabalhadores do setor p6blico #

no possuem nenhum tipo de compromisso com a "ualidade e os resultados das suas

a'%es. Gomo eles pr2prios se sentem )desprotegidos*, no so capazes de brindar uma

prote'o $"ueles "ue dependem das suas a'%es, muitas vezes cruciais para a pr2pria

sobreviv(ncia, como o caso da sa6de. Gomo afirma 0ourdieu ;;, $"ueles "ue so

)en!iados ? lin$a de frente, para desempen$ar as fun'7es ditas #sociais% e suprir as

insufici.ncias mais intoler!eis da l)*ica do mercado% no lhes so dados os meios

para cumprir verdadeiramente a sua misso.

Gomo se pode constatar, mais uma vez se produz um efeito combinado e

per!erso dos mecanismos neoliberais. 1ob o argumento de "ue o /stado ineficiente,

corrupto e custa caro, se promovem )reformas* "ue na verdade desmontam o aparato

p6blico sem "ue os seus problemas reais tenham sido resolvidos. Ao invs de

evoluirmos para sistemas verdadeiramente p6blicos e universais "ue garantam os;;0ourdieu, op.cit., p.;;.


10/13

direitos essenciais de cidadania das parcelas maorit#rias da popula'o "ue no tem

condi'%es de incorporar!se via )mercado*, reduziu!se mais ainda a # debilitada

capacidade de interven'o do /stado no social. )O fr*il direito de cidadania -ue !in$a

sendo construdo a duras penas em muitos pases latino6americanos foi substitudo por

#atestados de pobre&a% -ue permitem o acesso a precrios e mal financiados ser!i'os

p1blicos+*;>

A outra marca das polticas sociais de corte neoliberal a substitui'o da

universalidade = base do direito de cidadania ! pela focaliza'o, traduzida pelo

direcionamento do gasto p6blico e dos servi'os sociais aos )comprovadamente pobres*.

A"ueles "ue no podem pagar t(m "ue comprovar sua )pobreza*, mesmo no acesso a

servi'os essenciais como os de sa6de p6blica] &u sea, em alguns pases, os governos

foram )mais realistas "ue o rei* na medida em "ue foram mais longe do "ue as pr2prias

recomenda'%es do 0anco -undial, "ue no caso da sa6de propunha um )pacote b#sico*

para os pobres "ue deveria ser assumido pelo /stado;@.

/videntemente v#rios problemas # foram identificados nessa estratgia. 8o af

de focalizar sobre a pobreza, esses programas acabaram por no incluir todos os

)antigos* pobres e deixaram de fora tambm os )novos* pobres. Alguns organismos

internacionais, como a G/AD14,reconhecem "ue as polticas p1blicasde focali&a'(o

do *asto social fizeram com "ue setores mdios e mdio6bai9os 5da baixa classe

mdia7, em situa'%es de crise ocupacional e de diminui'o da renda, se vissem for'ados

a pagar diretamente o custo desses servi'os. aralelamente, e de acordo $ sua

capacidade de pagamento, se viram afetados pela diminui'o da cobertura e da

"ualidade dos servi'os sociais, correndo inclusive o risco de serem totalmente privados

dos mesmos pela perda de renda derivada da perda de trabalho.

&utro problema a idia do )auto!financiamento*. /ssa idia parte de uma srie

de falsos pressupostos: "ue a 6nica forma de financiar os servi'os sociais seria atravs

do pagamento direto = ignorando as formas p6blicas e solid#rias de financiamento nos

regimes tribut#rios comprovadamente mais ustos3 "ue existiria uma )gratuidade* para

a"ueles "ue no podem pagar = ignorando "ue so ustamente os mais pobres "ue

proporcionalmente pagam mais impostos, tendo em vista o sistema indireto de

;>1oares, >??>, p.P>.;@Fer 0anco -undial, ;OO?. R0A8G& -8


11/13

tributa'o sobre os produtos3 e "ue esse sistema seria mais )barato* e economizaria

recursos p6blicos = ignorando o alto custo dos seguros privados !is6?6!isa sua baixa

cobertura e o alto pre'o pago pelos governos na transi'o e na manuten'o desse

sistema, atravs de subsdios e isen'%es fiscais.

/xemplo not2rio do alto custo dos sistemas privados de seguros na #rea da sa6de

o caso dos /stados nidos, "ue gasta ;N_ do seu I0 com esse setor deixando de fora

a pelo menos N?_ da sua popula'o3 en"uanto "ue o sistema ingl(s gasta cerca de W_

do seu I0 com um sistema p6blico universal de sa6de. & exemplo latino!americano do

"ue custou para os cofres p6blicos a transi'o do sistema p6blico de seguro social para

o sistema privado de capitaliza'o o chileno, "ue pagou algo em torno de >Q_ do seu

I0, bancado $ poca pelo Bundo do Gobre. Binalmente, o exemplo de isen'o fiscal na

sustenta'o do sistema privado de seguros!sa6de o brasileiro, "ue desconta

integralmente do imposto de renda das pessoas fsicas o pagamento por esses seguros.

Gonste "ue "uem paga imposto de renda no 0rasil e os "ue t(m acesso a esse tipo de

seguros so os assalariados com renda mdia e mdia!alta, e no os pobres.

Gom tudo isso, criou!se na Amrica Datina dois sistemas de prote'o social: um

privado, bem financiado, e "ue atende a uma minoria "ue pode pagar diretamente por

seus benefcios3 e outro p6blico, desfinanciado e desmontado, "ue atende $ maioria da

popula'o "ue no tem condi'%es de sustentar um pagamento direto. 8ote!se "ue

estamos falando da maioria da popula'o e no de um grupo reduzido de pobres

passvel de ser )focalizado*. -ais ainda, tal como vimos acima, todos os relat2rios

sociais demonstram "ue essa )maioria* tende a crescer com o not2rio empobrecimento

da classe mdia.

+estam ainda duas estratgias do ide#rio neoliberal para as polticas sociais: a

descentraliza'o e a privatiza'o, geralmente articuladas entre si. A respeito dos

processos de descentraliza'o da educa'o e da sa6de na Amrica Datina, recente

avalia'o da G/AD15 aponta "ue #na prtica se obser!am limitados a!an'os em

matria de efici.ncia social8 em matria de e-@idade, e9istem e!id.ncias de -ue a

descentrali&a'(o pode ter contribudo para ampliar as brec$as interterritoriais dos

indicadores educati!os e de sa1de8 e, ainda, -ue a descentrali&a'(o foi considerada

como importante fonte de corrup'(o e de perda de controle fiscal%16+

;QFer G/AD, ;OOV. RG/AD. La Descentrali&aci)n de la /ducaci)n la Salud+1antiago de Ghile:

8AGI&8/1 8I??>, pp.PP!PV.R1&A+/1, D.4. &s Gustos 1ociais do Auste 8eoliberal na Amrica Datina. >a.ed. 1o aulo: Gortez, >??> 5Gole'o Luest%es da 8ossa Jpoca3 v.PV7T


12/13

A privatiza'o dos servi'os sociais corresponde $ viso liberal do alto grau de

mercantili&a'(obens sociais, submetidas $ mesma l2gica privada de "ual"uer produ'o

de )bens* materiais e admitindo com tran"Kilidade o lucro. Gom isso, o peso da

produ'o!administra'o privada 5embora o financiamento sea p6blico7 dos fatores

sociais = educa'o, sa6de, aposentadorias, etc. = tende a ser maior do "ue o da p6blica.17. /sse processo de privatiza'o tem se observado de diversas maneiras: sea pela

contrata'o direta de servi'os privados sea pela pr2pria mercantiliza'o introduzida no

aparato p6blico 5tal como vimos acima7, atravs de )mecanismos de gesto* de natureza

privada e da possibilidade de cobran'a dos usu#rios pelos bens sociais.

Ao analisar os pases da Amrica Datina;V, es"uematizamos o impacto do auste

sobre as olticas 1ociais em tr(s modalidades. ma primeira e mais radical ! e "ue foi

pioneira e plenamente executada no Ghile do 9eneral inochet no incio dos anos V? =

foi a substitui'o total do aparato estatal de prote'o social pela privatiza'o irrestrita

das suas institui'%es. &s sistemas p6blicos e universais foram substitudos por seguros

privados, ligados ao capital financeiro, com um gigantesco subsdio de recursos

p6blicos por parte do /stado.

ma segunda modalidade foi o desmonte de polticas sociais pouco s2lidas,

onde os mecanismos de prote'o social eram fr#geis e no chegavam a constituir um

sistema de prote'o social. 8estes casos, foi mais f#cil eliminar os poucos direitos

sociais existentes3 introduzir a privatiza'o de bens e servi'os p6blicos3 e substituir o

aparato estatal de assist(ncia $ pobreza por organiza'%es no governamentais 5&89s7.

m dos casos paradigm#ticos dessa alternativa na Amrica Datina foi o eru.

Binalmente, uma terceira modalidade, da "ual o 0rasil pode ser citado como um

exemplo, foi a combina'o do desmonte de polticas sociais dirigidos aos mais pobres

ou )excludos* 5como a Assist(ncia 1ocial7 com )reformas* constitucionais "ue

reduziram direitos constitudos ao longo de dcadas e consagrados na Gonstitui'o de

;OVV ! tratando de desmontar um sistema previdenci#rio p6blico "ue no caso brasileiro

ainda o de maior cobertura populacional do continente. Alm disso, foram

introduzidos mecanismos "ue interromperam o processo de constru'o de uma

1eguridade 1ocial mais ampla e generosa, baseada nos direitos de cidadania e no dever

;PFer Daurell, ;OOQ, p.;QQ. RDA+/DD,A.G. 5org7. /stado e olticas 1ociais no neoliberalismo. 1o

aulo: Gortez, ;OOQT;VFer 1oares, >??;. R1&A+/1, D.4. Auste 8eoliberal e ??;T


13/13

do /stado, e "ue incorporava tr(s #reas sociais da maior relevncia: 1a6de, revid(ncia

e Assist(ncia 1ocial.

8este sentido, foram os diferentes sistemas de seguridade social existentes na

Amrica Datina os principais alvos das chamadas )reformas* neoliberais. A reforma da

revid(ncia ou do 1eguro 1ocial continua sendo )ponto de honra* de todos os acordos

"ue o B-I 5Bundo -onet#rio Internacional7 faz com os governos dos nossos pases. 8a

grande maioria deles # foram desmontados os antigos sistemas p6blicos de reparti'o =

de natureza coletiva e baseados na solidariedade inter!geracional = por sistemas

privados de capitaliza'o fundados na capacidade individual de contribui'o, for'ando

uma poupan'a "ue alimenta os interesses do capital financeiro.

/sse sistema de seguros privados tambm foi estendido para o setor 1a6de em

muitos pases, sempre contando com enormes subsdios p6blicos e com isen'o fiscal

para a"ueles filiados aos seguros.

/m ambos os casos, gera!se uma brutal dualidade no acesso entre a"ueles "ue

podem e os "ue no podem pagar diretamente por bens e servi'os p6blicos considerados

direitos b#sicos e essenciais nos sistemas de prote'o social, como o direito $ sa6de e o

direito $ prote'o na velhice e na invalidez.

/m todas as alternativas de reforma, os resultados foram dram#ticos do ponto de

vista social, e, como sempre, no se resolveram os antigos problemas to criticados no

/stado de 0em /star 5/07. 1e ao funcionar apenas como Se*uroo /0 reproduzia as

desigualdades existentes no mercado de trabalho, as alternativas neoliberais no apenas

ampliam as estruturas de desigualdade social como geram novas condi'%es de

desigualdade no acesso aos bens sociais.

as_marcas_da_ruÍna_neoliberal_ laura tavares

Documents