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ASCÂNIO MMM . AS MEDIDAS DOS CORPOS CURADORIA DE [CURATED BY] PAULO MIYADA

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ASCÂNIO MMM . AS MEDIDAS DOS CORPOS CuRADORIA DE [CuRAtED by] PAulO MIyADA

Piramidal 12.4, 1991-1993alumínio e parafusos [aluminum and screws]edição [edition]: única [unique]520 X 205 X 142 cmfoto [photo]: Edouard Fraipont

vista da exposição [exhibition view]foto [photo]: Edouard Fraipont

vista da exposição [exhibition view]foto [photo]: Edouard Fraipont

vista da exposição [exhibition view]foto [photo]: Edouard Fraipont

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Caixa 1, 1968madeira pintada [painted wood]47 x 47 x 47 cm

Caixa 2, 1969madeira pintada [painted wood]63 x 63 x 63 cm

Caixa 3, 1969madeira pintada [painted wood]edição [edition]: 3/557 x 57 x 57 cm

Caixa 4, 1969madeira pintada [painted wood]58 x 58 x 50 cm

triângulo projetado, 1968madeira pintada[painted wood]150 x 100 x 10 cm

triangulares 1, 1969-2010madeira pintada [painted wood]edição [edition]: 2/5167 x 56 x 12 cm

Relevo 2, 1972madeira pintada e natural[painted and natural wood]172 x 172 x 12 cm

Cubo 2, 1973alumínio anodizado[anodized aluminum]15 x 15 x 15 cm

Múltiplo 24, 1976madeira pintada[painted wood]135 x 20 x 15,5 cm

Escultura 2, 1976madeira pintada [painted wood]edição [edition]: 1/3400 x 100 x 100 cm

Módulo 8 (Múltiplo 10), 1971-1977madeira pintada [painted wood]edição [edition]: 14/15102 x 51 x 89 cm

Formação 20, 1979madeira natural [natural wood]edição [edition]: 1/2253 x 59 x 63 cm

livro-arquitetura 10 (maquete), 1983madeira e tecido[wood and fabric]1,5 x 46 x 15 cm

livro-Arquitetura 1 (maquete), 1983cartão e tecido[cardboard and fabric]10,5 x 13 x 13 cm fechado [closed]

Fitangular Ipê 1, 1985madeira natural [natural wood]edição [edition]: 1/387 x 220 x 2 cm

Gramixinga 1, 1986madeira natural [natural wood]edição [edition]: 2/3173 x 60 x 21 cm

Piramidal 12.4, 1991-1993alumínio e parafusos [aluminum and screws]edição [edition]: única [unique]520 X 205 X 142 cm

losangular 3, 2001madeira pintada [painted wood]edição [edition]: 2/343 x 210 x 8,5 cm

Qualas 1, 2004alumínio, argolas e parafusos [aluminum, rings and screws]edição [edition]: 1/5176 x 87 x 5 cm

Qualas 13, 2010alumínio e argolas [aluminum and rings]edição [edition]: 1/20160 x 55 x 15 cm variáveis [variable]

Quasos 14, 2016alumínio e parafusos [aluminum and screws]edição [edition]: 1/5131 x 108 x 72 cm

Qualas 14, 2016alumínio e argolas [aluminum and rings]edição [edition]: única [unique]393 x 400 x 350 cm

Estudo, 1970Ripas de madeira50 x 19,5 cm

Módulo 8.3, 1971Ripas de madeiraEdição: 54/6026 x 53 x 49 cm

Múltiplo 49 (Módulo 5), 1970madeira pintadaEdição: 3/5041 x 45 x 28 cm

Múltiplo 35 (Escultura 5), 1975madeira pintadaEdição: 14/4041 x 79 x 50 cm

1. Medidas de harmonia

Existe um deficit da crítica e da história da arte brasileira com a obra de Ascânio MMM, algo já parcialmente reparado graças ao extraordinário esforço de Paulo Herkenhoff em sua recente publicação Ascânio MMM: Poética da Razão1. Em suas mais de 400 páginas, esse ensaio sublinha as passagens fundamentais na formação do artista e no desenvolvimento de sua obra e ainda tece uma notável reflexão centrífuga, que abrange inúmeros artistas, movimentos e conceitos. tendo crescido em uma pequena vila no litoral norte português, estudado arte na Escola Nacional de belas Artes (ENbA) e arquitetura na universidade Federal do Rio de Janeiro (uFRJ)2, tendo ademais integrado o metiê reunido no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro na década de 1960 e convivido com parte substancial dos artistas cariocas, Ascânio traça uma trajetória repleta de pistas que o crítico anota enquanto monta um texto expansivo, que articula a reflexão sobre sua obra com inúmeros tópicos da história da arte contemporânea no brasil. Em sua abertura, o texto acaba por complementar a tendência dos processos criativos de Ascânio, por natureza convergentes, centrípetos, sintéticos.

Nessa escrita, portanto, além da patente relação do artista com as vanguardas concretas e neoconcretas em sua primeira e segunda geração, a discussão dos seus processos se expande para os fundamentos da arquitetura e da matemática. Para isso, Herkenhoff mobiliza aproximações com arquitetos como Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) e Mies van der Rohe (1886-1969), pensadores como Gottlob Frege (1848-1925), Martin Heidegger (1889-1976) e Alain badiou (1937) e muitos outros, incluindo Fernando Pessoa (1888-1935, sob o heterônimo Álvaro de Campos):

O binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.O que há é pouca gente para dar por isso.óóóó – óóóóóó óóó – óóóóóóó óóóóóóóó(O vento lá fora.)3

Apenas este poema já seria suficiente para guiar uma nova visita crítica à obra de Ascânio, mas há outra referência no ensaio que deve antes ser retomada e expandida, por sua extrema fertilidade: o livro Modulor, obra de maturidade do arquiteto franco-suíço le Corbusier (1887-1965). O primeiro volume desse estudo

ASCANIO MMMAS MEDIDAS DOS CORPOS

publicado em duas partes, em 1948 e 1955, tinha como subtítulo “uma medida harmônica à escala humana universalmente aplicável à arquitetura e à mecânica”4, donde se pode imaginar que seja uma ótima referência para discutir o sofisticado jogo de escalas e espacialidades da produção de Ascânio MMM. Não obstante, para poder refletir a partir do Modulor são necessárias algumas ressalvas, já que esse talvez seja, entre os documentos mais citados da arquitetura moderna, um dos menos lidos e mais incompreendidos.

Nos discursos contemporâneos, o mote mais recorrente de quem menciona o tratado corbusiano é corroborar a crítica ao esquematismo dogmático do chamado “Estilo Internacional” e sua indiferença à diversidade dos povos, culturas e corpos. Para esse argumento, a escala humana estilizada que aparece na capa da publicação é uma evidência de que o desejo de forma, razão e cálculo funcional e puro do modernismo arquitetônico leva invariavelmente à substituição das idiossincrasias de pessoas reais por autoritários modelos idealizados, coloniais e pré-fabricados. Mais ainda, a altura arbitrada como referência de escala do Modulor costuma ser tratada como signo de um elitismo étnico e ideológico. todas essas críticas, que podem ser pertinentes no contexto geral de instrumentalização da arquitetura moderna no período pós-guerra, parecem ignorar o efetivo conteúdo desse livro e suas sutilezas.

De linhagem humanista, o texto do Modulor lida prioritariamente com um problema prático e uma ambição poética. O problema prático, que poderia ser resolvido de várias maneiras, é a incompatibilidade entre o sistema métrico e as medidas de pé-polegada; além de criarem problemas de conversão, as duas lógicas mostram-se incompletas, pois a primeira, arbitrária e abstrata, perde qualquer relação com a escala do corpo humano, e a segunda, historicamente ligada ao homem e seu corpo, oferece inúmeros desafios práticos ao cálculo. A solução de Corbusier passa por criar uma escala nova, compatível com os dois sistemas, de ágil manuseio e sentido antropocêntrico.

1. São Paulo: bEI Comunicação, 2012.2. Nascido em Fão, Portugal, em 1941, o artista mudou-se para o Rio de Janeiro em 1959. Estudou na ENbA nos anos de 1963 e 1964, tendo se graduado na FAu-uFRJ entre 1965 e 1969.3. Essa introdução pelos argumentos e abordagens do texto de Paulo Herkenhoff faz-se necessária para referenciar um estudo que desde sua publicação abre novos horizontes de possibilidade de entendimento da obra desse artista no âmbito da história da arte brasileira.4. tradução livre do original “une mesure harmonique à l’échelle humaine applicable universellement à l’architecture et à la mécanique”.

Até aí, poderia tratar-se de considerações de um ambicioso engenheiro ou matemático5. O sentido maior do trabalho, no entanto, está em sua ambição poética.le Corbusier admira o desenvolvimento humano da notação dos sons em escalas musicais. Entende que elas não apenas administram a impossibilidade de registrar de forma estática o fenômeno temporal e contínuo do som, mas o fazem tendo em conta o espectro sensível da acústica humana e organizando uma série de relações de proporção que se provaram, ao longo dos séculos, tão flexíveis quanto harmônicas. Segundo parâmetros de proporção geométrica dentro do campo sonoro, a notação escalonada carrega em si mesma certa consistência matemática, correlações com fenômenos naturais concretos e, ainda, princípios de harmonia compositiva de fácil cognição e aplicação. O arquiteto admira esse sistema construído pelo homem, aplicável à natureza, racional, flexível e, ainda, poeticamente afinado. Ele sonha, então, com a possibilidade de criar um equivalente para a medição do espaço: uma escala harmônica adequada à escala do homem. Para isso, estuda modos de aplicar a secular razão áurea às medidas e espaços, criando patamares de medidas encadeadas segundo uma proporção comum, historicamente associada ao equilíbrio de formas da natureza e do homem.

Se tal advento fosse possível, a compatibilidade entre peças, espaços e materiais da arquitetura seria universal e diminuiria desperdícios. Mais ainda, mesmo o mais inexperiente dos arquitetos partiria sempre de medidas proporcionais e harmônicas – da mesma forma que todo compositor conta com os fundamentos da composição na própria escala musical. Ainda assim, como le Corbusier dedicou-se longamente a demonstrar, o espaço para o improviso e a invenção se manteria, pois infinitas possibilidades de composição criativa seriam possíveis. Não se tratava de impor uma medida única para o corpo humano, nem sequer de padronizar a forma e o estilo arquitetônico, mas sim de estabelecer princípios lógicos e esteticamente coerentes para um novo estágio de difusão da linguagem arquitetônica.

Pois bem, como esses princípios quase soterrados pela apropriação crítica da ferramenta do arquiteto franco-suíço podem nos ajudar a criar intimidade com a obra do artista luso-brasileiro Ascânio MMM?

uma das características que primeiramente se apresentam ao observador mais atento das obras de Ascânio é que, embora sua aparência seja facilmente compreendida em contiguidade com o legado das vanguardas concreta e neoconcreta, existe uma enorme discrepância em sua relação com a ordem e a razão matemática.

Ainda que os discursos pioneiros do concretismo brasileiro venham muitas vezes embebidos do elogio à cristalina lógica do cálculo da matemática e da engenharia, são raríssimos os exemplos dessa vanguarda que tenham efetivamente se atido a tal clareza e à precisão. É bom lembrar que nem toda geometria é coesa e precisa em sua tradução numérica: há retângulos e ortogonalidades que estão mais próximos do intuitivo trato compositivo do que de qualquer sistema ordenado e reconstituível. A razão da engenharia comparece nas abstrações geométricas da década de 1950 mais como alegoria do que como práxis6.

Para Ascânio MMM as coisas são diferentes. Ele efetivamente pratica o cálculo de progressões aritméticas e geométricas, planeja deslocamentos angulares, lida com trigonometrias e encontra linhas tangentes. Praticamente todas as suas obras desde meados da década de 1960 podem ser reconstituídas como fórmulas matemáticas enxutas e cristalinas. Fenômenos concretos, suas esculturas e relevos possuem correspondentes no território da lógica abstrata. Por mais sinuosas as curvas que desenhem no ar, por mais surpreendentes suas topologias, mantêm sempre a legibilidade das razões numéricas que fundamentam a invenção e a construção efetiva de cada peça.

Não se trata da tensão limítrofe entre número e traço livre, invenção e modelo, forma e cálculo. Em Ascânio – como no Modulor corbusiano – esses binômios possuem relação de parentesco, não de antinomia. Podemos tomar como exemplo os relevos triângulo Projetado (1968) e Múltiplo 24 (1976), duas das peças que recebem o público que adentra esta exposição; o que é que as constitui? São ripas de madeira dispostas segundo padrões rítmicos calculáveis. Na primeira, ripas perpendiculares ao plano da parede são fixadas duas a duas em ângulo reto e, então, posicionadas em intervalos progressivamente maiores em razões diferentes no eixo vertical e horizontal, delineando uma curvatura tênue no cerne de uma malha ortogonal. Na segunda, as ripas de madeira, paralelas à parede, posicionam-se em leque em torno de um único ponto de torção, segundo uma razão angular constante, e são interrompidas por diagonais losangulares agudas que definem uma linha de corte que dá contorno verticalizado a uma forma de princípio nuclear.

5. De fato, le Corbusier produziu esse estudo visando apresentá-lo à Associação Nacional Francesa para Estandardização (AFNOR); acreditava estar atuando como arquiteto ao abordar um problema de escala global.6. Os exemplos são inúmeros. Pode-se verificar enorme parcela de arbítrio intuitivo sem lastro geométrico na produção concreta de Waldemar Cordeiro (1925-1973), por exemplo, a despeito de seu discurso. também Ivan Serpa (1923-1973), para tomar outro exemplo icônico, quase nunca é programático em suas abstrações geométricas. Em seu ensaio, Herkenhoff faz comentário similar sobre os relevos brancos de Sérgio Camargo (1930-1990). Dentre as exceções estão os escultores Amilcar de Castro (1920-2002) e Franz Weissmann (1911-2005).

Decifradas em palavras ou equações, as peças podem soar abstratas ou frias, justamente o contrário do que são: presentes e concretas. Essa paralaxe é equivalente ao que se experimenta lendo sobre composição musical, quando a precisão das palavras e das razões harmônicas ajuda a traduzir o fenômeno, mas não substitui o maravilhamento do ouvinte. Não seria esse o horizonte de Corbusier? uma composição espacial exuberante como criação e experiência, que carregasse razões matemáticas em seu cerne, sem reduzir-se a elas? O manuseio do número que extravasa sua abstração e demonstra – como fazem a natureza e o matemático avançado – as infinitas possibilidades de forma, ordem, estrutura e movimento guardadas em seu interior.

Nas esculturas brancas, verticais e espiraladas de Ascânio MMM, como Escultura 2 (1976), o empilhamento de ripas gradativamente torcidas em ângulos calculados em torno de eixos verticais leva esse raciocínio ao limite da surpresa e da sensorialidade (e da sensualidade). Nelas, transpiram associações possíveis a razões harmônicas consagradas como a tremulação das ondas sonoras, a razão áurea representada no Modulor e a voluta associada à atitude barroca. tais associações atestam o quão longe vai a poesia do cálculo em Ascânio, que alcança tamanha exuberância na sugestão de movimento espacial que fica a um passo de sublimar sua simplicidade lógica.

Não obstante, a maior prova da integridade do cerne matemático de sua obra está em sua presença mais singela: nas intrigantes Caixas (1968-1969), aqui reunidas logo à entrada da exposição. Obras abertas à participação, as Caixas são recipientes modulares em que uma mesma geometria se repete em escalas sucessivamente reduzidas, uma dentro da outra. Como bonecas russas reveladas, elas se abrem ao olhar e, também, ao manuseio do público, que aproveita as diferenças intervaladas de escala entre os módulos para redefinir alinhamentos e distâncias. No jogar lúdico com as peças, muitas jogadas e arranjos são possíveis, com um sem-fim de pequenos desvios e desalinhamentos à disposição do público. Ainda assim, a abertura das peças não pode ser confundida com passividade. Elas possuem estrutura e caráter, de tal modo que, não importa o que o participador faça, a conformação final sempre mantém certa integridade. Isso, a parcela íntegra no jogo de variações, decorre justamente da razão entre as espessuras e tamanhos das peças que garante o ritmo da composição a todo momento.

As caixas são, portanto, como “medidas harmônicas à escala humana aplicáveis à composição”. Não à toa, foram usadas pelo próprio artista como modelo para a criação de uma parcela de seus relevos brancos. Assim como o público, Ascânio brincou com as caixas e nelas encontrou ritmos e dinamismos visuais que

consolidou em peças como triângulos 1 (1968-2009), que cristaliza um dos arranjos possíveis da Caixa 3 (1969). Seria impreciso presumir que a lógica matemática funciona como molde restrito: ela na verdade é a estrutura consistente de um jogo aberto a inúmeras possibilidades que o artista tem depurado ao longo de suas décadas de produção.

2. Estrutura, construção e saber fazer

Estrutura, pois. Mesmo quando sua topologia visível se torce em volutas sinuosas, a escultura de Ascânio MMM reflete uma mesma precisão estrutural que, claro, começa pela lógica matemática, abrangendo também sua materialidade concreta. Seja como legado de seus estudos arquitetônicos no Rio de Janeiro, seja como rememoração da fabricação de navios em sua cidade natal, ou ainda como manifestação física dos princípios da geometria, o fato é que transparece o apego a algumas lógicas construtivas recorrentes.

Na arte brasileira, convencionou-se ampliar o termo “construtivo” até abarcar todo desejo de estruturação abstrato-geométrica das formas. Por ser um dos pilares da historiografia local, o termo tende a ser aplicado com um ou outro ajuste a todo artista direta ou indiretamente ligado às vanguardas concretas e neoconcretas no país e, como se trata de conjunto muito diverso, acaba alargando em demasia o seu significado. Em Ascânio, portanto, cabe precisar em que sentido o conceito se aplica.

Podemos então falar de construção da mesma maneira como falam os arquitetos modernos: sintaxe em que cada forma decorre diretamente, sem ornamentos ou disfarces, de um modo de medir os materiais e estruturá-los entre si, vencendo a gravidade como corpo autoportante no espaço físico vivenciado pelo homem. De fato, nada sobra na escultura ascaniana que não esteja “trabalhando”: são formas em suspensão, materiais em equilíbrio, pontos de apoio e estruturas – mais especificamente, os recursos fundamentais de toda a poética (construtiva) de Ascânio são o eixo e o módulo arquitetônico.

7. Em cada peça, os módulos têm sempre o mesmo perfil (altura por largura) e costumam ter o mesmo comprimento – com exceção das vezes em que um “corte” diagonal altera seus comprimentos, como no já mencionado Múltiplo 24, mas mesmo nesses casos a aparência é de que as ripas poderiam ter sido originalmente idênticas e apenas posteriormente alteradas. Outra exceção são as ripas que, além de módulo, são também “eixo” transversal entre duas colunas paralelas; nesses casos, a ripa assume comprimento dobrado.8. “Nas esculturas brancas de madeira, eixos de aço polido com rosca nos dois extremos e porcas. Nas esculturas acima de 150 cm, a bitola é 1/2” (meia polegada), abaixo deste tamanho uso eixos de 3/16”, 1/4” ou 3/8”. Nos relevos brancos 3/8” ou 1/2”. Nas esculturas em espaços públicos, uso o tubo de aço inoxidável de 1” a 3” (2,54 a 7,62 cm), com porca nos extremos. A bitola é determinada pelo tamanho da escultura”. E-mail enviado pelo artista ao autor em 16 de junho de 2016.

Novamente, suas esculturas brancas são paradigmáticas. Seus módulos são explícitos: ripas de madeira (ou de metal, em obras preparadas para espaços exteriores) que tendem a ter a mesma espessura e comprimento7. A relação entre esses módulos também é muito clara: empilhamento ou justaposição com deslocamentos sucessivos em torno de um eixo que em geral não é apenas virtual, mas também concreto. Os eixos verticais, horizontais ou diagonais são efetivamente estruturados por peças metálicas que “amarram” a peça de ponta a ponta8. O caráter direto e pragmático dessas soluções talvez fosse improvável por um raciocínio que partisse puramente da genealogia da escultura ocidental, mas é totalmente plausível em uma abordagem arquitetural do objeto escultórico/espacial.

Se existe, como diz Herkenhoff, um “inconsciente arquitetônico” que atravessa a obra de Ascânio e a liga subliminarmente ao humanismo do modernismo pós-guerras de Corbusier, de Candilis (1913-1995) & Josic (1921-2011) e do brasileiro Affonso Eduardo Reidy, há também um consciente recurso à razão arquitetônica e ao seu “saber fazer” na lida constante e insistente com os materiais no interior do ateliê. E isso não se restringe às esculturas brancas, antes se fundamenta ali e se expande e confirma nas explorações de outros acabamentos e materiais.

Dessa maneira, o emprego da madeira nos seus Fitangulares decorre diretamente da exploração de faixas modulares justapostas e seccionadas em cortes angulares evidentes. Em Fitangular Ipê 1 (1985), por exemplo, o contraste entre linhas mais e menos claras torna mais explícitos os cortes e angulações decorrentes, que transformam o paralelismo horizontal em uma oscilação de diagonais dinâmicas. Nas esculturas feitas em madeira aparente, a lógica modular se mantém, embora apoiada em concepções alternativas de empilhamento. Nas Piramidais e nas obras batizadas com nomes tupis das madeiras empregadas, a fatura opera por soma direta, empilhamento literal que enfatiza a diferença entre lateral e topo dos módulos em cada face das esculturas. Já nas Formações, o eixo vertical persiste, mas libera-se da solução retilínea para experimentar soluções que remetem a anéis ou portais. Assim, ambas as famílias escultóricas enfatizam a fisicalidade específica de seus materiais e, ao driblarem a simetria que em geral decorre do eixo único centralizado, marcam diferenças a cada ponto de vista.

Nesta mostra, Formação 20 (1979) é um caso limite, que chega a confundir quem a conhece apenas por fotografias: é preciso considerável dose de imaginação espacial para perceber como aparências tão diversas de uma topologia supostamente simples podem decorrer da mesma forma observada de diferentes ângulos – a

imagem se transforma conforme o espectador se desloca. Já Gramixinga 1 (1986), também incluída na exposição, subverte o sentido usual de justaposição das ripas, posicionadas lateralmente em ângulo próximo ao vertical – o ritmo das diagonais remete às angulações bidimensionais das Fitangulares, mas é o volume da peça resultante que lhe permite ganhar as proporções de um pilar e sustentar o próprio peso sobre o solo, ademais criando um sutil desemparelhamento entre suas metades que sugere a iminência do movimento.

O sentido construtivo da trajetória de Ascânio se confirma nas peças em alumínio que começou a produzir no início dos anos 1990. A família das Piramidais que, como já mencionado, inclui experimentos em madeira aparente, demonstra exatamente a importância do emprego estrutural dos materiais para sua pesquisa plástica.

Embora nas Piramidais o princípio básico nas peças metálicas seja exatamente o mesmo empregado nas de madeira – a justaposição lateral de perfis ortogonais em sólidos angulosos –, as diferenças ultrapassam em muito as discrepâncias óbvias de cor e brilho. Com sua ótima relação entre massa e resistência, o perfil de alumínio permite às esculturas alcançarem escala monumental, além de possuírem especial durabilidade.

tal durabilidade habilita essas peças a enfrentarem o desafio dos espaços públicos, como no caso de Piramidal 12.4 (1991-1993), versão anterior da obra instalada em Fão, Portugal, aqui posicionada no espaço externo da galeria. Com seus 5,20 metros de altura e pouco mais de 400 quilos, a forma de verticalidade acentuada responde à altura da fachada e ao gabarito das construções do entorno, como pontuação que dialoga com as preexistências do espaço urbano. Mesmo mais alta que os pedestres, a peça evita interromper a horizontalidade que a cerca. Apesar da escala arquitetônica, é surpreendentemente leve e de rápida montagem. A despeito da opacidade reflexiva do metal de suas peças, permite que os olhares a atravessem em sua desconcertante transparência. Assim, pelo uso sagaz dos materiais estruturados por um critério construtivo coerente, o artista realiza uma obra que é ao mesmo tempo marco e passagem, monólito e janela, corpo e espaço.

9. E-mail enviado pelo artista ao autor em 16 de junho de 2016.

3. Um corpo, outro e ainda outro

Ainda que este ensaio trace um percurso lógico que se inicia pelas razões de proporção e avança pelo sentido construtivo e arquitetônico da estruturação material das esculturas de Ascânio, é preciso lembrar que o real desenvolvimento de sua obra muitas vezes burla a linearidade entre ideia, forma e realização. É que, a despeito de tanta familiaridade com o que é do número, do cálculo e da estrutura, sua obra evita a separação polarizada tão comum para os arquitetos, que colocam projeto e desenho de um lado e canteiro e objeto do outro, como dois campos segregados pela divisão do trabalho entre quem pensa e quem faz. Aqui, vale citar todo um trecho do depoimento do artista:

Na minha obra há uma questão importante. todos os trabalhos são executados no meu atelier, o percurso PROJEtO / ObJEtO é realizado no meu atelier. Eu projeto e construo a obra, determino o perfil do alumínio, que chega ao atelier em barras de 6 metros. O alumínio é um material usado na indústria, especialmente na construção civil. A manipulação do material, a descoberta de novas potencialidades do material – tanto na madeira quanto no alumínio, no cortar, no furar etc. – tem sido muito importante na pesquisa e descobertas de novos caminhos. Os Quasos, minha pesquisa de hoje, só foi possível no meu dia a dia no atelier. Com certeza eu não chegaria a eles sem esse embate diário.9

De fato, a precisão lógica de Ascânio e sua clareza estrutural apenas podem existir corporificadas pela lida direta com a matéria no fazer cotidiano. Assim, há um embate corporal que – mesmo em elipse no acabamento preciso das obras – é fundamental para seu fazer criativo. Como o próprio artista enfatiza, sua produção recente com segmentos estreitos de perfis metálicos articulados em superfícies e volumes diversos só foi possível pela insistência na observação de um material que já se acumulava no ateliê como resíduo do trabalho e que ganhou propriedades plásticas muito específicas com o emprego de distintas maneiras de amarração. O mesmo amontoado de finos recortes de perfis metálicos (entre quadros e aros) pode virar diferentes superfícies se estes forem tomados como módulos de uma malha ortogonal não plana. Noutras palavras, os perfis de alumínio de 2” x 2” cortados em centenas de seções de 1 cm de comprimento podem ser fixados uns aos outros por furos em suas laterais, formando uma espécie de colcha; e se essa fixação não for simplesmente rígida e ortogonal (como é a aparafusagem das esculturas Piramidais e dos relevos Estrutura), então criam-se planos “moles” ou

moldáveis.

Assim são as famílias dos Flexos e Qualas que Ascânio desenvolve desde 2003. Nos primeiros, as peças são associadas por pedaços de arame torcidos, como fazem os pedreiros com as “armaduras” metálicas no interior das vigas de concreto; na segunda, as mesmas peças são associadas com argolas pequenas, como aros das antigas cotas de malha medievais. Em ambos os casos, os requadros quadrados se somam em superfícies sinuosas e curvas, mas nos Flexos o movimento aparece congelado pela resistência elástica do arame que sustenta certo arranjo, enquanto nas Qualas a gravidade (e eventualmente o público) atua continuamente moldando a forma em inúmeros arranjos possíveis que atuam tanto no plano visual quanto no tátil.

Mais recentemente, o artista iniciou ainda outra família, dos Quasos (desde 2014), em que a ligação entre os módulos é feita por parafusos de comprimentos diferentes, gerando complexas superfícies topológicas em um jogo de negociação do peso das peças com a gravidade. Vejam-se, nesta exposição, a peça de transição Qualas 1 (2004), a delicada Qualas 13 (2010), a massiva Qualas 11 (2008) e a inédita Quasos 14 (2016). Em todo esse conjunto transparecem indícios do trabalho do corpo que corta, aparafusa, torce, amarra e joga com o peso e a resistência dos materiais.

Este não é, porém, o único corpo em cena. Algo ainda pouco discutido na obra de Ascânio MMM é a qualidade corpórea de suas obras. Mesmo estritamente desprovidas de figuração, uma grande parcela delas – em especial suas esculturas – orbitam em torno da escala do corpo humano, espectador sempre considerado nas decisões do artista. A seleção de obras de diversos períodos e materiais reunidos na exposição Ascânio MMM: As medidas dos corpos responde a uma série de objetivos: demonstrar, por metonímia, a complexidade da trajetória do artista desde a década de 1960 até hoje; criar uma espacialidade complexa que escapa das associações lineares por série ou período em um conjunto de temporalidades transversais; e explorar o caráter corpóreo, quase de personagem, de sua produção escultórica.

Percorrer o espaço da galeria será como caminhar entre obras que são também figuras de densidade e sinuosidade particular, com certa postura, porte e movimento únicos dentre a soma de volumes e, por que não, sugestivas de alguma atitude personalíssima. Assim, reunidos, os volumes enfatizam seus estados e propriedades em um só espaço de encontro.

Mais ainda, nos extremos da exposição evidencia-se que tudo isso propicia uma sequência de oportunidades ao corpo do espectador, que completa com a medida de sua escala e a espontaneidade de seu movimento a fisicalidade das obras decidida pelo artista. Ainda do lado de fora da galeria, a Piramidal 12.4 responde com opacidade ou transparência de acordo com a posição do visitante em movimento; em seguida, as Caixas pedem pelo toque e improviso de quem entra na sala, logo depois o emaranhado monumental de Qualas 14 se impõe como volume repleto de tilintar acústico e visual, com proporções arquitetônicas e a gradual revelação dos objetos que recobre parcialmente; segue-se então uma série de esculturas de acentuada verticalidade, corpos eretos em repouso ou iminência de ação, e, então, na última parede, Quasos 14 conjuga uma forma protuberante agitada e vazada com o deslimite do espelho que traz para dentro de si o duplo da sala inteira e, consequentemente, o duplo do corpo do visitante que termina por se ver assimilado como parte das equações de medida e harmonia no espaço propostas pela obra do artista.

Assim, voltamos ao princípio, à confabulação sobre uma “medida harmônica à escala humana universalmente aplicável”. Nas sinfonias espaciais deste artista, essa possibilidade visionária estará sempre atrelada à poética dos corpos em movimento e da reciprocidade entre obra e espectador, mediada pelo saber medir e saber fazer concretizado em escultura.

O que o deficit de atenção para com Ascânio pode desperdiçar é precisamente a clareza dessa resolução que sabe convergir tantos dos anseios de três ou quatro gerações de artistas e arquitetos que atravessaram o século XX em busca de uma nova espacialidade generosa, provocativa e sensível aos anseios de uma humanidade crescentemente desapegada dos símbolos de dominação, segregação e diferença. Nos atuais tempos de recrudescimento de diferenças incomunicáveis, enfatizar esse legado tornou-se um ato de esperança.

Paulo Miyadajulho de 2016

1. Harmonious proportions

brazilian art critique and art history has given Ascânio MMM’s oeuvre short shrift. However, this omission has now been partly remedied by the extraordinary efforts of Paulo Herkenhoff’s recent Ascânio MMM: Poética da Razão1, a publication of over 400 pages highlighting crucial aspects of the artist’s background and the development of his art work, together with a remarkable centrifugal reflection relating it to many other artists, movements and concepts. Raised in a small village on the northern coast of Portugal, Ascânio went on to study art at Escola Nacional de belas Artes and architecture at universidade Federal do Rio de Janeiro2 before becoming well acquainted with many local artists and integrating the milieu around Rio de Janeiro’s Museu de Arte Moderna in the 1960s. Hence, the trajectory from which Herkenhoff takes many pointers for an extensive critique of this oeuvre that touches on many aspects of the history of contemporary art in brazil to ultimately complement the centripetal tendency of Ascânio’s creative processes and their convergent, centripetal and synthetic nature.

In his writings, therefore, besides addressing the artist’s obvious relationship with the first and second generations of the brazilian Concrete and Neo-concrete avant-gardes, Herkenhoff`s investigation into Ascânio’s practice extends to include fundamentals of architecture and mathematics. Furthermore, it brings in architects such as Affonso Eduardo Reidy and Mies van der Rohe, philosophers Gottlob Frege, Martin Heiddeger and Alain badiou and many others, including verses by Fernando Pessoa (aka Álvaro Campos), paraphrased thus:

Newton’s binomial is as elegant as the Venus de Milobut there are only a few people who take heed of this.Oooo - OOOOOOOOO - OoOoOoOoOoOoOoO(the wind out there).3

this poem alone would suffice to guide a revisited critique of Ascânio’s oeuvre, but there is another extremely fertile reference in Herkenhoff`s essay that must be taken up and expanded in relation to le Modulor, a book written by the Swiss-French architect le Corbusier in his later period. the title of the first of its two volumes (1948 and 1955)—the Modulor: A Harmonious Measure to the Human Scale universally applicable to Architecture and Mechanics4 — suggests a fine point of

ASCANIO MMMbODIly MEASuRES

reference for a discussion of the sophisticated interplay of scale and spatiality in Ascânio MMM’s production. However, certain provisos apply to any critique based on le Modulor: despite perhaps being one of the most widely quoted documents in modern architecture, it is also one of the least read and most misunderstood.

Contemporary discourse around this aspect of Corbusier’s work harps on the alleged dogmatic-schematic approach of the International Style and its indifference to the diversity of peoples, cultures and bodies. this argument has it that the stylized human proportions on the cover of the Modulor shows that architectural modernism’s aspiration of functional and pure form, reasoning and calculation will invariably lead to the idiosyncrasies of real people being replaced by prefabricated, colonial, authoritarian and idealized models. Moreover, the arbitrary height designated for the Modulor scale is usually seen as a sign of ethnic and ideological elitism. All these criticisms may be pertinent in the general context of the post-war instrumentalization of modern architecture, but they apparently ignore the actual content of the book and its subtleties.

Originating from a humanist tradition, the Modulor primarily poses a practical problem and a poetic ambition. the practical problem, which could be solved in many different ways, concerns the clash between the metric system and the Imperial system of inches and feet. In addition to creating a conversion problem, both are incomplete: the former is arbitrary and abstract, bearing no relation to the proportions of the human body; the latter was historically based on the body but poses numerous practical challenges for calculations. Corbusier’s solution was to create a new scale that would be compatible with both systems while being nimble in use and anthropocentrically meaningful.

As far as the above is concerned, it might be the notions of an ambitious engineer or a mathematician. yet, the more profound sense of this work is in its poetic ambition.5

1. São Paulo: bEI Comunicação, 20122. Ascânio was born in Fão, Portugal, in 1941. He moved to Rio de Janeiro in 1959, enrolled at ENbA from 1963 to 1964 and earned a degree at FAu-uFRJ from 1965 to 1969.3. this introduction to Paulo Herkenhoff’s arguments and approaches is required as reference for a study whose publication offered new perspectives for comprehension of this artist’s oeuvre in the context of brazilian art history.4. le Corbusier, Peter de Francia and Anna bostock (trans.). Cambridge: Harvard university Press, 1954.5. le Corbusier conducted this study in the hope he would contribute it to the French National Association for Standardization (AFNOR). He believed his role as an architect was to address a global problem.

the annotation of sounds in musical scales struck le Corbusier as one of humanity’s admirable feats. Scores dealt with the impossibility of statically recording the ongoing temporal phenomenon of sound, covered the sensory spectrum of human hearing and organized a series of proportional relationships over the centuries that have proved to be both flexible and harmonious. According to parameters of geometric proportion within the domain of sound, the scaled notation involves a certain mathematical consistency, correlations with specific natural phenomena, and easily recognized and applied principles of compositional harmony. In his awe of this rational and flexible manmade system applicable to nature, and still poetically attuned, le Corbusier dreamed of creating an equivalent means of measuring space: a harmonious scale based on human proportions. to this end, he examined ways of applying the secular golden ratio to measures and spaces, thus creating levels of measures linked by means of a common proportion historically associated with equilibrium in the forms of Nature and Man.

If this were possible, architectural components, materials and spaces would be universally commensurate, thus reducing waste. Moreover, even the most inexperienced of architects would always work from well-proportioned and harmonious measures – just as every composer takes the basics of composition from the musical scale itself. Furthermore, as le Corbusier showed at great length, there would still be room for improvisation and invention since the potential for creative composition would be unlimited. It was not a matter of imposing a single proportion for the human body, or even of standardizing architectural form and style, but of recognizing logically and aesthetically consistent principles for a new stage in the diffusion of architectural language.

these principles have been all but buried by the way in which critics have appropriated the Swiss-French architect’s proposal. In what way, therefore, could they be of use in terms of a close reading of the work of the Portuguese-brazilian artist Ascânio MMM?

One of the most striking features of his works for attentive observers is that although their appearance is easily understood alongside the legacy of brazil’s Concrete and Neo-concrete avant-garde, they are very different to the latter in terms of their relationship with mathematical rationale and order.

Although the early discourses of the Concrete movement in brazil were often imbued with praise of the crystal-clear logic of math calculations and engineering, members of this avant-garde were very rarely bound by such clarity and precision. A point to bear in mind in this respect is that not all geometry is coherent and

precise in its numerical translation: there are rectangles and orthogonalities that are more like intuitive compositional tracts than well-ordered replicable systems, while geometric abstractions of the 1950s referred to the rationale of engineering as allegory rather than praxis.6

Ascânio MMM takes a different approach in that he does actually calculate arithmetic and geometric progressions, just as he plans angular displacements, resorts to trigonometry and locates tangents. Practically all his works since the mid-1960s may be reconstructed as uncluttered mathematical formulas. His Concrete sculptures and reliefs do correspond to phenomena in the domain of abstract logic. However sinuous his curves drawn in the air, however unexpected his topologies, he always retains the legibility of the numerical rationales underpinning the invention and actual construction of each piece.

It is not a question of borderline tension between number and freely drawn line, invention and model, or form and calculation. For Ascânio – as for le Corbusier’s Modulor – these dichotomies involve kinship relations rather than antinomy. take for example the reliefs triângulo Projetado [Projected triangle] (1968) and Múltiplo 24 [Multiple 24] (1976), two of the first pieces that greet visitors near the exhibition entrance. they are made of wooden slats arranged in calculable rhythmic patterns. the first piece features slats perpendicular to the wall set in pairs at right angles and positioned at gradually longer intervals at different ratios on the vertical and horizontal axes, outlining a tenuous curvature at the core of an orthogonal grid. the other piece features slats parallel to the wall arranged in a fan shape around a single fulcrum following a constant angular ratio, and interrupted by acute diagonal lozenges defining a cut-off line, thus lending a vertical silhouette to a core-principle form.

Once decoded into words or equations, the pieces described above may sound abstract or cold, whereas they are in fact actual and concrete. there is a parallax effect, like reading about musical composition: the precision of words and harmonious ratios helps translate the phenomenon, but this is no substitute for the wonder of listening. Would le Corbusier be pursuing a similar aim? An exuberant spatial composition as creation and experience charged with mathematical ratios at core, but not reduced to the latter? the way numbers are used takes a work beyond its abstraction and shows – as does nature and advanced mathematics – the infinite possibilities of form, order, structure and movement held within it.

6. Numerous examples show intuitive choices unrelated to any geometric basis in the concrete production of Waldemar Cordeiro (1925-1973), to take one example, despite his discourse. Ivan Serpa (1923-1973) too, another iconic example, was hardly ever programmatic in his geometric abstractions. Herkenhoff`s essay includes a similar comment concerning the white reliefs by Sérgio Camargo (1930-1990). Exceptions have included the sculptors Amilcar de Castro (1920-2002) and Franz Weissmann (1911-2005).

In his Esculturas brancas [White sculptures] series, Ascânio MMM takes this rationale to the limits of surprise and sensority (sensuality too), using vertical white spirals in Escultura 2 (1976). In these works, wooden slats are stacked at gradually more acute angles calculated around vertical axes, thus emanating possible associations with harmonious ratios enshrined as the undulation of sound waves, the golden mean of le Modulor or the volute associated with baroque. these associations demonstrate the extent to which Ascânio’s poetics of calculation reaches such exuberance in its suggestion of spatial motion is on the verge of sublimating its logical simplicity.

However, the clearest proof of the integrity of the mathematical core of his work is found in its most singular instance: the intriguing Caixas [boxes] (1968-9), which in this case have been placed right by the entrance to the exhibition. Intended to prompt participation, these pieces are modular containers in which the same geometry is repeated on successively smaller scales, one inside the other. like the nested Russian dolls, visitors may look inside and handle them, using the differences between modules to reset alignments and distances. Visitors may play with the pieces to move or rearrange them in endless small deviations and realignments. However, the fact that Ascânio’s pieces may be opened does not indicate or mean a passive role on their part. these pieces do have their own structure and character, so no matter what a participant does, the final shape or line-up will always retain a certain integrity. therefore, the full range of variations follows precisely the ratio between the thickness and sizes of the pieces so that the composition’s rhythm is ensured at any particular time.

therefore, his boxes are like “human-scale harmonious proportions applicable to composition”. Not by chance, Ascânio also used them as models for some of his white reliefs. like exhibition visitors, the artist played with the boxes and found the visual rhythms and dynamics consolidated in pieces such as triângulos 1 [triangles 1] (1968-2009), which crystallizes or ‘fixes’ one of the several possible arrangements of Caixa 3 [box 3] (1969). It would be wrong to assume that mathematical logic operates as a restrictive template. Rather, it informs a consistent structure for the game of endless possibilities that Ascânio has refined over his several decades of art production.

2. Structure, construction and expertise

Structure, then. Even when the visible topology of Ascânio’s sculpture is twisted into sinuous volutes, it reflects the same structural precision that starts from mathematical logic and takes in its concrete materiality. be it as a legacy from

his architectural studies in Rio de Janeiro or remembrance of the boats built in his hometown, or yet a physical manifestation of the principles of geometry, the fact is that the artist’s attachment to certain recurring constructivist logic is apparent.

In brazilian art, the term “constructivist” has conventionally been broadened to include any intention of abstract-geometric ordering of forms. As one of the pillars of local historiography, the term tends to be applied with the appropriate tweaking to any artist directly or indirectly associated with the brazilian Concrete and Neo-concrete avant-gardes. Since they were very diverse groupings, the meaning of “constructive” has been overextended, so the sense in which this concept is applied to Ascânio’s work should be spelled out.

We can interpret the term “constructive” in the same way as modern architects: a syntax that has each form arising directly, free of decor or disguise, from a way of measuring materials and arranging them together while challenging gravity like a self-supporting body in physical space inhabited by Man. In effect, there is no excess in Ascânio’s sculpture; everything in his work is “on to something”: there are forms in suspension, materials in equilibrium, points of support and structures – more specifically, axes and modules provide the basic resources for all of the artist’s (constructivist) poetics.

His white sculptures too are paradigmatic with their explicit modules: slats made from wood (or metal in the case of pieces for outdoor spaces) that tend to be of the same thickness and length7. Relations between these modules are very straightforward: the pieces are stacked or juxtaposed at successively altered distances around an axis that is usually not only virtual but material too. Vertical, horizontal or diagonal axes are effectively structured by metallic components that “fasten” the piece end-to-end8. the immediately pragmatic character of these solutions might seem improbable from the angle of reasoning based on the genealogy of Western sculpture alone, but it is entirely plausible for an architectural approach to the sculptural / spatial object.

7. In each of the pieces, the modules have the same profile (height and width) and usually the same length too – except those in which a diagonal “section” alters their lengths, such as the above-mentioned Múltiplo 24. However, even in these cases the appearance of the slats is such that they might well have been identical originally to be altered only later. Other exceptions include the slats that are not only modules but also transversal axes between two parallel columns, in which case the slat length is doubled.8. “In the white wooden sculptures, there are polished steel axes with screw-threaded ends. Sculptures over 150 cm use 1/2” (half-inch) gauge while smaller ones use 3/16”, 1/4 “or 3/8” exes, and white reliefs 3/8 “or 1/2”. the public-space sculptures use stainless steel pipe diameters 1” to 3” (2.54 to 7.62 cm), with nuts screwed on each end. Gauge depends on the sculpture’s size.” (E-mail of June 16, 2016 from the artist to the author)

Herkenhoff claims there is an “architectural subconscious” permeating Ascânio’s oeuvre and subliminally relating to the humanisms of the postwar modernisms of Corbusier, Candilis (1913-1995) & Josic (1921-2011) and the brazilian Affonso Eduardo Reidy. If that is so, there is also a conscious use of the architectural rationale and its expertise in Ascânio’s constant insistence on crafting his materials in his own studio. this approach is not restricted to his white sculptures, but is rather based in them, to expand and be confirmed in his explorations of other finishings and materials.

Hence, his use of wood for Fitangulares follows directly from his exploring modular strips juxtaposed and cross-sectioned by apparent angular cuts. take Fitangular Ipe 1 (1985), for example: the contrast between darker and lighter lines brings out the resulting cutoffs and angulations that transform horizontal parallelism into oscillating dynamic diagonals.

His apparent-wood sculptures retain modular logic although supported by alternative stacking or heaping concepts. For Piramidais and other works given the tupi names for the woods used, his practice involves direct additions – literally stacking – that emphasize the difference between the sides and tops of modules on each facet of a sculpture. In turn, a vertical axis persists in Formações but, in this instance, it is freed from a rectilinear solution to experiment with solutions that refer to rings or portals. both sculptural families thus emphasize the physicality of their specific materials. by evading the symmetry that usually goes with one single centralized axis, there are marked differences from each viewing angle.

In this exhibition, Formação 20 (1979) is a borderline case that may even mislead visitors who have only seen it in photographs. A considerable dose of spatial imagination is needed to see how such diverse appearances from supposedly one single topology may arise similarly when viewed from different angles – the image is transformed as the viewer moves. On the other hand, Gramixinga 1 (1986), also on display, subverts the usual sense of juxtaposed slats positioned laterally at a near-vertical angle – the rhythm of the diagonals recalls the two-dimensional angles of Fitangulares. However, the volume of the resulting piece takes on the proportions of a pillar sustaining its own weight on the ground, while also creating a subtle mismatch between its halves that hints at the imminence of motion.

the constructive trend of Ascânio’s trajectory has been confirmed by the apparent-aluminum pieces he started producing in the 1990s. As mentioned above, his Piramidais family of sculptures includes experimental wooden pieces precisely showing the importance of the structural use of materials for his plastic-visual investigation. Although the basic principle of the metal pieces of the Piramidais

series is the same as for wooden pieces – lateral juxtaposition of orthogonal profiles in solid angled forms – the differences go far beyond the obvious ones of color and gloss. Given their favorable weight-to-strength ratio, Ascânio’s aluminum-profile sculptures may reach monumental proportions while retaining their specially enduring properties.

thanks to such durability, these pieces tackle the challenge of public spaces, as in the case of Piramidal 12.4 (1991-93), a previous version of a work previously installed in Fão, Portugal, which for this exhibition has been placed outside the gallery. the accentuated verticality of this 5.20-meter tall form weighing just over 400 kilograms corresponds to the heights of the facade and the surrounding buildings, like punctuation in a dialog with pre-existing features of urban space. Although higher than pedestrians, the piece shies away from interrupting the horizontality of its surroundings. Despite its architectural proportions, it is surprisingly light and quickly assembled. Even with the reflective metal opacity of its component parts, it allows gazes to meet in its disconcerting transparency. Ascânio’s wise use of materials structured by a coherent constructive criterion produced a work that is landmark and landscape, monolith and window, body and space.

3. A body, one more and yet another

Although this essay moves along a logical pathway starting from the ratios of proportion and advances through the constructive and architectural sense of material structuring in Ascânio’s sculptures, a point to bear in mind is that the real development of his work often blurs linear boundaries between idea, form and rendition. Despite such familiarity with number, calculation and structure, his oeuvre eschews the polarized separation typical of architects who keep design-project in one place and job-site-object in another, as if there were two domains segregated by a division of labor between thinkers and makers.Ascânio’s own words deserve special mention here:

“An important aspect of my oeuvre is that my pieces are all made at my own studio. the journey from DESIGN to ObJECt takes place there. I design and assemble everything myself: I order the aluminum profiles, which are delivered to the studio as 6-meter bars. It is the same aluminum used in industry, especially construction. Handling materials and discovering their new potentialities – whether wood or aluminum, cutting or drilling etc. – has been very important to me as a means of investigating materials and discovering new ways of using them. My current Quasos project was only possible through day-to-day work at the studio. I would not have reached this far but for this daily struggle [with materials].” 9

9. E-mail of June 16, 2016 from the artist to the author.

Ascânio’s logical precision and structural clarity owe their existence to his directly handling materials in the course of day-to-day practice. So, there is this bodily contact that is critical for his creative practice, even at the ellipse stage of precise finishing for a work. As he himself points out, recent production using narrow segments of articulated metal profiles on various surfaces and volumes was only possible because he had been insistently observing leftovers heaped in the studio that proceeded to take on very specific plastic properties when he adopted different ways of fastening them.

the same heap of cutouts from thin metal profiles (frames and hoops) may be made into different surfaces if they are taken as modules of a non-planar orthogonal grid. In other words, these 2 “x 2” aluminum profiles cut into hundreds of 1 cm-wide sections may be fastened to each other by drilling along their sides forming a kind of quilt. If this fastening is not simply rigid and orthogonal (as are the bolt fasteners on the Piramidais sculptures and Estrutura reliefs), then “soft” or malleable planes are created.

Hence the Flexos and Qualas families Ascânio has been developing since 2003. the former has pieces joined by pieces of wire twisted in the same way builders use wire or rebar in concrete beams; the latter have the same pieces associated with small hoops of the type medieval chain-mail was made from. In both cases, squares combine on winding curved surfaces, but Flexos seems to have its motion frozen by the elastic strength of the wire that secures it into a certain arrangement, while gravity (and perhaps the visiting public too) is continuously shaping the form of Qualas into many possible arrangements acting on both visual and tactile levels.

More recently, since 2014, Ascânio has been working on yet another Quasos family in which modules are connected by screws of different lengths, generating complex topological surfaces in a play of negotiation between the weights of pieces and gravity. this exhibition includes the transitional piece Qualas 1 (2004), the sensitive Qualas 13 (2010), the massive Qualas 11 (2008) and the very different Quasus 14 (2016). throughout this whole group are signs left by bodily toil as he cuts, screws, twists, fastens and plays with the weight and strength of materials. However, this is not the only body on stage. An aspect of his oeuvre that has hardly been discussed is the bodily quality of his works. Although strictly free from figuration, many of them – particularly the sculptures – turn on the proportion of the human body as a viewer constantly factored into Ascânio’s decisions. the selection of works from different periods and materials brought together for the exhibition Ascânio MMM: As medidas dos corpos [Ascânio MMM: bodily Measures] meets a number of objectives. In particular, it deploys metonymy to show the

complexity of his artistic career from the 1960s to the present day; creates a complex spatiality that eschews linear associations by series or period in a set of transverse temporalities; and explores the bodily quality – almost that of a character – of his sculptural production.

Perusing the gallery space is like walking between works that are also figures of particular density and sinuosity, with a certain unique posture, bearing and motion among the assembled volumes that hint at some extremely personable attitude, as well they might. together their volumes give emphasis to their states and properties in one single meeting place.

At the beginning and end of the exhibition, all this clearly prompts a sequence of opportunities for the viewer’s body, whose proportions and spontaneity of movement complement the physicality of the works determined by the artist. Even outside the gallery, Piramidal 12.4 responds to a visitor’s movements by becoming opaque or transparent; then Caixas invites visitors entering the room to touch and improvise. Next, the monumental entanglement of Qualas 14 predominates as volume full of acoustic and visual titillation of architectural proportions, gradual revealing partly covered light and objects. then, there follows a series of accentuated vertical sculptures, erect bodies in repose or poised for action. Finally, on the last wall, Quasos 14 combines a hollowed, agitated form protruding onto the edge of a mirror that engulfs a reflection of the entire room and consequently of the visitor’s body too, which is eventually assimilated as part of the equations of proportion and harmony in space posed by Ascânio’s oeuvre.

thus, we are back at the beginning, the confabulation around a “harmonious measure to the universally applicable human scale.” Ascânio’s spatial symphonies show that this visionary possibility will always be linked to the poetics of bodies in motion and reciprocity between work and viewer, mediated by knowledge of proportion and expertise materialized in sculpture.

the short shrift given to Ascânio’s work may incur precisely the loss of clarity of this resolution capable of bringing together many of the dreams of three or four generations of 20th-century artists and architects pursuing a new generous and provocative spatiality. this spatiality would be sensitive to the needs of a humanity evermore alienated from icons of domination, segregation and difference. In the current period of recrudescence of incommunicable differences, to accentuate this legacy is an act of hope.

Paulo MiyadaJuly 2016