as teorias de carl rogers aplicadas ao ensino superior de música

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Este artigo pretende relatar um experimento realizado no âmbito do ensino superior de música. O principal referencial teórico que norteou desenvolvimento desta pesquisa foram as teorias desenvolvidas pelo psicólogo estadunidense Carl Rogers, mais especificamente as que se referem à psicologia existencial humanista. Segundo Rogers o professor não deve assumir para si a responsabilidade de ensinar diretamente o aluno, podendo ser apenas um facilitador da sua aprendizagem. Sendo assim, os encontros com os alunos foram realizados buscando-se privilegiar uma postura prática, ativa e responsável por parte do alunado. Processos de autocrítica e de autoavaliação também foram muito motivados, e substituíram as formais avaliações externas sempre possível. Os resultados desta pesquisa demonstraram que os alunos, mesmo que de distintas formas, alcançaram vivências significativas nos conteúdos abordados. Os alunos desenvolveram uma postura mais ativa, tornando-se responsáveis pela sua própria aprendizagem. Uma das principais hipóteses que inspirarão esta investigação é a de que as teorias de Carl Rogers pudessem de alguma forma serem úteis para quebrar os paradigmas presentes no ensino superior de música, que ainda hoje é centrada na figura do professor e na transmissão dos conteúdos. Gostaríamos ainda de enfatizar a real necessidade da área de educação musical se dedicar com maior afinco ao estudo das questões referentes ao ensino superior de música, além de dialogar com outras áreas do conhecimento em educação, com por exemplo, a psicologia da educação. Os cursos de licenciatura em música deviam ser mais estudos pela educação musical, tendo em vista que nesses cursos são formados os educadores responsáveis por lecionar música nos demais níveis de ensino.

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As teorias de Carl Rogers aplicadas ao ensino superior de msicaRogrio CarvalhoUniversidade Estadual do Maranho - [email protected]: Este artigo pretende relatar um experimento realizado no mbito do ensino superior de msica. O principal referencial terico que norteou desenvolvimento desta pesquisa foram as teorias desenvolvidas pelo psiclogo estadunidense Carl Rogers, mais especificamente as que se referem psicologia existencial humanista. Segundo Rogers o professor no deve assumir para si a responsabilidade de ensinar diretamente o aluno, podendo ser apenas um facilitador da sua aprendizagem. Sendo assim, os encontros com os alunos foram realizados buscando-se privilegiar uma postura prtica, ativa e responsvel por parte do alunado. Processos de autocrtica e de autoavaliao tambm foram muito motivados, e substituram as formais avaliaes externas sempre possvel. Os resultados desta pesquisa demonstraram que os alunos, mesmo que de distintas formas, alcanaram vivncias significativas nos contedos abordados. Os alunos desenvolveram uma postura mais ativa, tornando-se responsveis pela sua prpria aprendizagem. Uma das principais hipteses que inspiraro esta investigao a de que as teorias de Carl Rogers pudessem de alguma forma serem teis para quebrar os paradigmas presentes no ensino superior de msica, que ainda hoje centrada na figura do professor e na transmisso dos contedos. Gostaramos ainda de enfatizar a real necessidade da rea de educao musical se dedicar com maior afinco ao estudo das questes referentes ao ensino superior de msica, alm de dialogar com outras reas do conhecimento em educao, com por exemplo, a psicologia da educao. Os cursos de licenciatura em msica deviam ser mais estudos pela educao musical, tendo em vista que nesses cursos so formados os educadores responsveis por lecionar msica nos demais nveis de ensino.

Palavras-chave: Carl Rogers. Aprendizagem significativa. Ensino superior de msica.The Theories of Carl Rogers Applied to Higher Education Music

Abstract: This article aims to describe an experiment conducted in higher music education. The main theoretical framework that guided the development of this research were the theories developed by the American psychologist Carl Rogers, specifically those relating to the humanistic existential psychology. According to Rogers the teacher should not take upon itself the responsibility to teach students directly, and can only be a facilitator of their learning. Thus, meetings were held with students seeking to favor a practical, active and responsible attitude on the part of the students. Self-criticism and self-evaluation processes were also very motivated, and replaced the formal external evaluations whenever possible. The results of this research showed that students, even if in different ways, achieved significant experiences in the content covered. The students developed a more active role, becoming responsible for their own learning. One of the main hypotheses that inspire this research is that the theories of Carl Rogers could in some way be useful to break the paradigms present in higher music education, which today is the figure of the teacher and transmitting the contents. We would also like to emphasize the real need in the area of music education to devote most diligently to the study of issues related to higher education in music, and dialogue with other areas of knowledge in education, with for example, the psychology of education. The undergraduate programs in music should be more studies for musical education, considering that these courses are trained educators responsible for teaching music in other levels of education.Keywords: Carl Rogers. Meaningful learning. Higher education in music.1. IntroduoEste texto objetiva relatar um experimento realizada no ensino superior de msica. Mais especificamente na disciplina de Laboratrio de Produo Musical, uma disciplina do 8 perodo do curso de licenciatura em msica da Universidade Estadual do Maranho UEMA.

Segundo a ementa da disciplina, o objetivo geral da mesma : Aplicao das tcnicas e tecnologias envolvidas no processo de produo musical com nfase para a produo de material pedaggico a serem desenvolvidos para utilizao e divulgao da msica em seus aspectos institucionais pblicos e privados.

No decorrer do semestre aplicamos no desenvolvimento da disciplina, algumas teorias que foram cunhadas pelo psiclogo estadunidense Carl Ransom Rogers (1902-1987). Carl Rogers se tornou mundialmente conhecido pela sua contribuio psicologia existencial humanista em contraponto a psicologia comportamentalista de Skinner.

Apesar de serem bastante escassas as publicaes na rea da educao musical que dialogam com a psicologia da educao, encontramos alguns poucos autores que fizeram uso dos pressupostos de Rogers em seus textos. Entre estes podemos citar: Arajo (2008); Galizia (2011); Glaser e Oliveira (2008); Glaser e Fonterrada (2006); Louro, Rapso e Carneiro (2008); Louro (2008); e, Vieira (2008).

Esperamos que os resultados alcanados por este experimento possam vir a levantar questionamentos e suscitar reflexes importantes e extremamente necessrias para o ensino de msica na universidade. Acreditamos que os dados coletados e analisados possam ser uteis aos docentes de msica do nvel superior, possibilitando a estes oportunizar aos seus alunos uma aprendizagem mais significativa, autonomia e crtica, baseada nos princpios da corrente humanista.

2. Os pressupostos de Carl RogersSegundo Mizukami (2003), Rogers cunhou e desenvolveu vrios conceitos, entre eles, o conceito da aprendizagem centrada no aluno. Esse conceito surgiu a partir dos seus estudos psicolgicos sobre personalidade e conduta humanos. A autora comenta que estes estudos de Rogers culminaram na teoria centrada na pessoa. Segundo nos relata Glaser e Fonterrada (2006) tal abordagem psicolgica no coloca o terapeuta no lugar de conselheiro do paciente. As autoras completam argumentando que o papel do terapeuta e o de desenvolver um ambiente facilitador para que o paciente auto-descubra-se. Glaser e Fontarrada concluem que tal ambiente deva ser honesto, acolhedor, e principalmente de aceite.

Desta forma Rogers aponta para a aplicao dessa teoria na educao. O autor propem ento, que as relaes entre docentes e discentes sejam baseadas nos mesmos modelos psicolgicos existentes entre o terapeuta e o paciente.

Carls Rogers no s clinicou, como tambm lecionou. Durante o perodo que atuou como professor, Rogers pode identificar alguns princpios que certos docentes tinham e transmitiam a respeito do ensino. Abaixo vamos enumerar alguns dos pressupostos identificados por Rogers, no seu tempo, mas que ainda hoje podem ser encontrados em inmeros docentes universitrios:

O professor no deve confiar ao aluno a responsabilidade da autoaprendizagem. Se faz necessrio que o professor aponte o contedo, e que o estudante tenha a sua aprendizagem dirigida e controlada.

As provas formais ainda so as mais eficientes tcnicas para a avaliao da aprendizagem discente;

O ato de se avaliar e a aprendizagem ainda se confundem. Isso faz, que o alunado se detenha mais em passar nas provas, do que em aprender realmente;

O ensino sinnimo de aprendizagem, isto , o contedo ensinado pelo docente tende a ser compreendido como mateira aprendido pelo discente;

Aprender apenas memorizar conhecimentos, assim como encher uma jarra vazia com vrios lquidos;

O professor o detentor da verdade. Apenas o seu ponto de vista aceitvel;

So totalmente privilegiados os aparatos e rigores dos mtodos cientficos;

Reprovar alunos considerado um eficiente mtodo de ensino;

Segundo Justo (1978): O aluno tratado mais como objeto manipulvel do que como pessoa. (JUSTO, 1978: 107-108). O autor comenta que Rogers considera que as: (...) atitudes so mais importantes e decisivas do que os mtodos e as tcnicas. (ROGERS In JUSTO, 1978: 108). A ideia principal de Rogers (1974) se resume na hiptese de que o professor no tem a capacidade de ensinar diretamente o aluno, pode sim, ser to somente, um facilitador da aprendizagem deste. Segundo Justo (1978), Rogers passa ento a formular alguns dos pressupostos que ele acreditava que serviriam como norteadores do processo de aprendizagem dos discentes.

No primeiro pressuposto, Rogers afirma que todos ns possumos um potencial natural para aprender. Desta forma, o autor enxerga o ser humano como possuidor de uma curiosidade natural, que o faz buscar o aprendizado, mesmo que isso exija esforo e cause sofrimento.

Um outro pressuposto que segundo Rogers deveria nortear os processos de aprendizagem dos alunos, o que o autor chama de aprendizagem significativa. Segundo Rogers a aprendizagem significativa acontece quando o discente compreende a importncia de um determinado contedo para a sua formao. Segundo o autor, essa descoberta desperta no aluno mais interesse pela matria, e por sua vez este se esforar mais durante o processo de aprendizagem para aprend-la. Segundo Rogers: Uma aprendizagem que mais que uma acumulao de fatos. uma aprendizagem que provoca uma modificao, quer seja no comportamento do indivduo, na orientao da ao futura que escolhe ou nas suas atitudes e na sua personalidade. uma aprendizagem penetrante, que no se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existncia. (ROGERS, 1987: 258)

Ainda sobre a aprendizagem significativa, Rogers enfatiza que esta adquirida na maior parte do tempo pela prtica. Segundo Galizia (2011): Com isso, Rogers defende um contato direto entre os estudantes e problemas de toda classe: sociais, filosficos, literrios, etc. Isso acarretaria em uma maior significao do aprendizado por parte dos alunos. (GALIZIA, 2011: 451).

Segundo Rogers, a aprendizagem pode ser facilitada quando o aluno participa de forma ativa e responsvel do processo de aprendizagem. O autor salienta que os alunos devem ter uma postura ativa e participativa. Estudando os problemas que os preocupam e desafiam, escolhendo a forma e o ritmo de seu estudo (GALIZIA, 2011). Rogers acredita que dessa forma os estudantes possam mobilizar os seus prprios recursos para sua aprendizagem. Essa forma de aprendizagem, voluntria e engajada, com bases na sensibilidade e na inteligncia, seria segundo Rogers, mais duradoura e de maior profundidade para os alunos.

Rogers comenta que aspectos como a autonomia, a criatividade e a autoconfiana podem ser desenvolvidas quando os processos de autocrtica e de autoavaliao tem privilegio em contraponto as formais avaliaes externas, concebidas por outras pessoas. Segundo o autor, tais processos desenvolvem no aluno uma postura crtica e reflexiva em relao a si mesmo. Rogers diz que o aluno deve ser capaz de julgar e avaliar o seu prprio processo de aprendizagem, de forma a poder fazer correes significativas sempre que necessrio for.

Galizia ao comenta o pensamento de Rogers diz: (...) o autor considera que a aprendizagem socialmente mais til no mundo moderno consiste em aprender o processo da aprendizagem, a permanente abertura experincia e a assimilao do processo da mudana. (GALIZIA, 2011: 451). Em suma, Rogers defende e valoriza o ato de aprender a aprender, em detrimento ao ato de simplesmente acumular contedos que so externos ao aluno.

Acreditamos que as terias de Carl Rogers sobre os processos de aprendizagem se aplicam ao ensino superior e, mais especificamente, no ensino superior de msica. Neste trabalho a aplicao dos princpios de Rogers se deu em uma nica disciplina, conforme citado anteriormente. Contudo, justo enfatizar que o destaque na autoridade do professor, a transferncia de conhecimento e a avaliao externa so prticas legitimadas em grande parte das instituies de ensino superior do Brasil.

Um estudo etnogrfico feito Galizia (2007), demostrou que ainda hoje o formato de ensino adotado por boa parte dos docentes universitrios de msica se baseia no paradigma tradicional, segundo Ruiz (2003) entendido como diretivo. Galizia (2007) explica que o paradigma tradicional e focado na mera transmisso de conhecimentos e na figura do professor. Louro (2004) concorda com o exposto, e corrobora ao reconhecer nas entrevistas para a sua tese de doutorado e na reviso da bibliogrfica, que existe a adoo de um modelo conservatrio de msica no ensino superior de msica. Segundo Galizia (2011), nos mesmos moldes descritos por Freire. A autora explica:Freire define o termo modelo conservatrio para aqueles cursos de msica onde a nfase est na teoria musical e na tcnica virtuosstica, focando geralmente a msica europeia erudita. Esse modelo despreza radicalmente a msica popular e o ensino informal, alm de no levar em considerao a experincia anterior do aluno, seu contato com a msica do cotidiano ou suas pretenses particulares, mas apenas o conhecimento e as exigncias do professor. importante ressaltar que a palavra conservatrio aqui utilizada para designar um modelo de ensino, e no uma instituio de ensino, que pode ou no adotar esse modelo. (GALIZIA, 2011: 452)

Segundo Louro (2004), esse modelo gera, entre outros aspectos, muita tenso entre o curso de msica e a outra parte da academia, isto , entre o departamento de msica e os outros departamentos da universidade.

Justo (1978) outro autor que critica a forma como esse modelo tem sido mantido, quando chama a ateno para que no obstante as novas tendncias da educao moderna, a atualizao dos conhecimentos, o desenvolvimento dos materiais didticos, entre muitas outras inovaes, a metodologia de ensino tende a ser a mesma. Ou seja, aulas expositivas centradas na autoridade do docente, onde o s o professor fala, as vezes de forma improvisada, enquanto os alunos sentados em silncio absorvem o contedo exposto.

Sendo assim, ns concordamos com Tardif (2002) quando este observa a urgente necessidade das pesquisas na rea de educao musical tambm focarem a sua ateno no ensino superior de msica. Segundo Tarfif, se faz necessrio questionarmos os princpios fundamentais desse modelo, de forma a recicl-lo, readequando-o ao momento atual da sociedade ps-moderna. O autor comenta que:

Na universidade, temos com muita frequncia a iluso de que no temos prticas de ensino, que ns mesmos no somos profissionais do ensino ou que nossas prticas de ensino no constituem objetos legtimos para pesquisa. Esse erro faz com que evitemos os questionamentos sobre os fundamentos de nossas prticas pedaggicas, em particular nossos postulados implcitos sobre a natureza dos saberes relativos ao ensino. (TARDIF, 2002: 276). 3. A disciplina: laboratrio de produo musicalA disciplina de Laboratrio de Produo Musical foi planejada, executada e avaliada a partir dos pressupostos que acreditamos, devam nortear o processo de aprendizagem de alunos, em consonncia com os princpios de Carl Rogers. de fundamental importncia ressalvar que esses pressupostos se referem de forma primordial, a postura do docente e as atitudes dos discentes, e no a metodologias, mtodos ou tcnicas de ensino aprendizagem propriamente ditas. Sendo assim, compreendemos que basear a prtica do ensino da msica na teoria da aprendizagem centrada no aluno no requer necessariamente, novas ou distintas metodologias de ensino, mas sim, uma mudana, talvez radical, na conduta do professor para com os seus alunos, e destes, em relao a disciplina e aos encontros.

A partir dessa perspectiva, o docente deve buscar proporcionar um ambiente favorvel para que os alunos possam alcanar uma aprendizagem significativa ao trmino da disciplina. Como vimos anteriormente, este um dos pressupostos fundamentais de Rogers. Entretanto, logo no primeiro encontro, uma hiptese surgiu, sendo esta totalmente confirmada ao final da cadeira. A hiptese foi: Ns professores podemos esperar que todos os alunos alcancem uma aprendizagem significativa?.Talvez para alguns docentes esta afirmao possa parecer obvia. Contudo, por mais simples que parea ser, ela requer grandes mudanas por parte dos professores universitrios, e tambm por parte das universidades.

Podemos constatar, a partir da nossa experincia como docente de nvel superior em msica, que ambos, tanto os docentes com as universidades ainda hoje, esperam que todos os discentes de uma mesma turma apresentem resultados semelhantes no que se refere ao aprendizado. Segundo Galizia (2011): Para que o professor possa diferenciar as particularidades de cada aluno em relao sua aprendizagem, separando este fato de uma no-aprendizagem do contedo (que deve ser evitada), necessrio, portanto, repensar o modelo de avaliao da disciplina. (GALIZIA, 2011: 453).

Sendo assim, tomamos como fundamento a ideia de que a autonomia, a criatividade e a autoconfiana so desenvolvidas quando a autocrtica e a autoavaliao tem privilegio em detrimento das formais avaliaes externas, bem como defende Rogers. Nessa perspectiva foram feitas durante a disciplina, 2 autoavaliaes pelos discentes, e apenas 1 pelo docente no final do perodo. As autoavaliaes foram feitas por escrito e entregues ao professor. Os alunos tiveram um prazo de uma semana para realizarem as suas avaliaes. Para tanto, o professor redigiu enunciados contendo os objetivos daquelas aulas (cinco aulas), e mais trs perguntas que deveriam nortear o discente em seu processo autoavaliativo. Os questionamentos feitos aos alunos foram os seguintes:

1. Qual ou quais dos contedos estudados voc acha que aprendeu de verdade?

2. No caso de voc no ter aprendido algum contedo. Qual foi o motivo? Seria alguma ao que voc no deveria ou deveria ter feito? Ou alguma ao que o professor deveria ou no deveria ter adotado? Ou algum outro fator?

3. Se voc aprendeu todos os contedos estudados, voc aprendeu 100% do que precisava e sua nota 10,0. Se aprendeu metade, aprendeu 50%, e a sua nota 5,0 e assim por diante. Qual ento a sua nota?

importante ressaltar aqui, que nem sempre as autoavaliaes apresentaram resultados satisfatrios. De forma geral, os discentes, em sua grande parcela, no eram capazes de explicar de forma textual o motivo pelo qual achavam que tinham aprenderam ou no determinado contedo. Alm disso, foram observadas incoerncias entre os textos avaliativos e as notas atribudas. Possivelmente isso se deu tendo em vista a preocupao dos discentes com sua aprovao ao final na disciplina. Apesar de termos definido o conceito de aprendizagem significativa no enunciado da autoavaliao, devemos considerar que o docente deve discutir de forma detalhada os critrios de avaliao com seus alunos.

Contudo, foi possvel observar um resultado positivo ao final da disciplina. Mais da metade da mdia final da disciplina estava sob a responsabilidade do aluno. Os discentes que no foram aprovados na disciplina, por sua vez, no questionaram a sua reprovao. Alguns deles, inclusive, chegando a reconhecer sua culpa (termo usado por eles) na no aprovao. Dessa forma, podemos dizer que foi obtido um aumento significativo na responsabilizao do aluno para com o seu prprio processo de aprendizagem, no moldes defendidos por Rogers.

Podemos dizer que esta mudana na responsabilizao dos alunos ocorreu, tambm, porque eles participaram de forma responsvel e ativa no processo de aprendizagem, como bem explica Rogers.

Na perspectiva de fundir este pressuposto de Rogers com um outro princpio dele, de que boa parte da aprendizagem significativa adquirida por atravs da prtica, grande parte da cadeira foi planejada de forma que os prprios alunos construssem a aula, restando ao professor a funo de intermediador dos debates que aconteciam.

Para isso, os discentes eram organizados em grupos de trabalho. Cada grupo ficavam responsvel por compor uma pea musical aplicando um determinado procedimento composicional estudado em aula.

A cada encontro semanal, era acrescentado um novo procedimento, e todos os grupos trabalhavam a nova tcnica de forma autnoma e independente. Ao trmino do semestre, todos os alunos haviam trabalhado de forma prtica todos os assuntos do programa. Acreditamos que, alm de aumentar a responsabilidade do aluno pelo seu prprio aprendizado, esta rotina tambm propiciou o aumento na aprendizagem significativa dos alunos. Pois toda aula, os alunos participavam ativamente na construo seu conhecimento sob um determinado procedimento composicional. Essa prtica de pesquisa, e a busca do conhecimento, terminavam por gerar muita curiosidade sobre outras questes que surgiam durante as atividades prticas. Isso fazia com que os alunos cobrassem os colegas que no realizavam efetivamente sua parte na atividade.

Gostaramos ainda de ressaltar que, foi por meio das atividades prticas que os prprios alunos preparavam suas peas e a executavam para o grupo. Ao final das apresentaes, eram discutidos os processos de criao das obras por todos os discentes. Dessa forma, acreditamos termos conseguido alcanar um outro pressuposto de Rogers. Segundo o autor a aprendizagem significativa ocorre quando o aluno percebe a relevncia da matria de estudo para seus objetivos (ROGERS, 1974). As atividades prticas propostas em sala de aula eram sempre condizentes com perfil profissional dos alunos. Em suma, se o aluno fosse violonista, por exemplo, a atividade planejada se voltaria para esse instrumento. Aps a composio e a execuo das peas, a turma passava para a discusso de como se deu o processo de composio, procurando sempre entender os limites e possibilidades de aplicao criativa daquele procedimento composicional para a realidade deles. Em cada aula, diferentes procedimentos foram experimentadas, o que enriqueceu bastante a experincia prtica em sala de aula.

No final do perodo, a ltima e nica avaliao feita pelo docente tinha o objetivo responder a seguinte uma questo: O discente teria capacidade de compor msica utilizando-se dos procedimentos estudas na cadeira?. Para responder essa questo devemos pensar em uma situao cotidiana na qual eles precisariam desempenhar a funo de compositores.

Os discentes tinham que escolher, dentre outros fatores, que procedimentos composicionais utilizariam para construir suas peas a partir das tcnicas estudadas na disciplina. Tambm, tinham que explicar porque escolheram um determinado procedimento para trabalhar em determinado de outro. Na verdade, o que foi avaliado pelo professor, foi a coerncia entre o objetivo definido a partir do procedimento escolhido, e o resultado prtico na composio da pea, isto evidenciaria o domnio das tcnicas utilizadas.

Os alunos foram consultados pelo professor sobre algumas decises a respeito da ltima avaliao. Se esta seria em grupo ou individual, se havia consulta ao material didtico ou no. Decidiu-se ento, aps um breve debate coletivo, que a avaliao seria feita em grupo ou individualmente, e com consulta ao material didtico.

relevante enfatizar que a discusso sobre a avaliao ser feita individualmente ou em grupo foi deveras interessante. Alguns discentes que escolheram a avaliao individual alegaram que o docente, em geral, planejam seu programa de forma individual, e sendo assim, a avaliao deveria se aproximar dessa realidade cotidiana. J aqueles que escolheram a avaliao em grupo, alegaram que por meio da interao, haveriam maiores possibilidades de aprendizado dos contedos. A soluo encontrada pelo docente foi de deixar livre a escolha pelo tipo de prova. Isso foi um fator que demonstrou uma maior responsabilidade dos alunos pelo seu processo de aprendizagem. Pois em momento algum essa escolha foi tomada no intuito de simplificar ou facilitar a avaliao.

4. Consideraes finaisNeste artigo focamos em uma disciplina chamada Laboratrio de Produo Musical, de um curso de msica licenciatura, que fez uso dos pressupostos que devem nortear o processo de aprendizagem dos alunos formulados segundo Carl Rogers. A partir dessa experincia, podemos destacar dois pontos principais.

Primeiramente, foi possvel perceber que os alunos, na sua maior parte, foram capazes de desenvolver uma aprendizagem significativa, em comum acordo com a definio de Rogers para este conceito.

Somos levados a crer que isso se deu pelo fato dos alunos terem constatado a importncia do estudo desses contedos para a realizao de seus objetivos. Isto tambm acarretou maior interesse e esforo deles durante o processo de aprendizagem. Vale ressaltar, ainda, que a aprendizagem significativa no uniforme. Foi por meio da nica avaliao feita pelo docente que foi possvel constatar que cada um dos alunos desenvolveu uma aprendizagem diferenciada em relao aos outros e tambm aos assuntos trabalhados, contudo, de forma significativa.

Em segundo lugar, podemos dizer que esta aprendizagem significativa s pode ter sido alcanada por atravs das atividades prticas de composio em sala de aula, que estiveram sob responsabilidade dos prprios alunos. Assim sendo, eles participaram ativamente sendo responsveis por seu prprio processo de aprendizagem, o que ajudou a alcanar este objetivo, to defendido por Rogers. Esse aspecto, unido ao fato de terem sidos privilegiados os processos de autocrtica e de autoavaliao, em detrimento das avaliaes externas, contribuiro de forma significativa para o aumento na responsabilizao do aluno pelo seu processo de aprendizagem. Fatores que ao fim da disciplina, fizeram com que nenhuma nota ou reprovao se tornassem motivo de crtica ou de questionamento.

Finalmente, o docente que lecionou a disciplina citada, pode observar que no se pode ensinar diretamente uma outra pessoa, mais sim, lhe facilitar a aprendizagem. Pode considerar tambm que os alunos tm um natural potencial para aprender. Como afirma Rogers, o ser humano naturalmente curioso e busca o aprendizado mesmo que esse exija esforos e sofrimentos (ROGERS, 1974). Fato, o experimento realizado nos permite relatar que os alunos se mantiveram concentrados e motivados durante a disciplina. Buscaram construir seu prprio aprendizado, tornando-o significativo, encarando o processo de forma ldica e natural.

As teorias de Carl Rogers, principalmente o princpio da aprendizagem centrada no aluno, podem se tornar um princpio fundamental para quebrar o paradigma tradicional de ensino que ainda hoje impera nas aulas de msica nas universidades brasileiras. Onde o enfoque na simples transmisso de contedos e na autoridade do professor ainda legitimada. Compreendemos que no momento atual a rea de educao musical tem discutido, a mbito nacional, o ensino obrigatrio de msica na educao bsica. Todavia, no podemos, nem devemos perder de vista que os educadores musicais que atuaro como professores neste nvel de ensino so formados nas licenciaturas de msica. Sendo assim, reatamos a necessidade das pesquisas em educao musical voltarem os seus olhares tambm para o ensino superior de msica.

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