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AS SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO Este trabalho tem por escopo abordar as chamadas sanções políticas no âmbito do Direito Tributário, ou seja, as hipóteses de restrições de liberdade que o Estado impõe aos contribuintes. As denominadas sanções são nada mais do que meios oblíquos para forçar a satisfação de um débito tributário. Estas medidas se revestem de extrema coercitividade, desrespeitando princípios essenciais protegidos pela Carta Magna, como o principio da livre atividade (artigo 5º, XIII), principio da ampla defesa, princípios da Administração Pública (artigo 37, caput - princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), do contraditório e do devido processo legal. Na concepção social de Estado democrático de Direito, ainda que a Fazenda figure como parte privilegiada na relação tributária, não podemos ignorar a significância formal do ato de recolhimento de impostos. Há de se observar que, ao constituir-se como tal, o próprio Estado necessariamente assegura a existência de uma supremacia do Interesse Público, assim como a vinculação desta supremacia aos limites estabelecidos em lei, por um ordenamento jurídico que compreenda além dos direitos públicos essenciais aos seus indivíduos, a estruturação e o poder de fazer ou não fazer do Poder Estatal. Este ordenamento, chamado no caso brasileiro de Constituição Federal, demonstra positivamente o alcance da preeminência pública, e deve conduzir, sempre, as decisões particulares de conflitos que adentram o mundo jurídico. Neste contexto, podemos indagar, por exemplo, a (in)validade destas restrições ou as suas consequências. Ou ainda, como e quando se justificam, e sob quais argumentos. Por conseguinte, para a compreensão da matéria, será realizado um estudo comparativo, dedutivo e exemplificativo, sob a ótica do judiciário brasileiro, especialmente o Supremo Tribunal Federal, e da regulação imposta pela Magna Carta no sistema jurídico brasileiro. É essencial que se faça uma distinção entre aquelas imposições que o Estado comina aos contribuintes para assegurar o cumprimento de medidas necessárias ao bem comum daquelas que restringem a liberdade dos cidadãos apenas para arrecadar de forma mais célere, desrespeitando o procedimento legal previsto. Palavras-chave: Sanções políticas. Direito Tributário. Inconstitucionalidade das restrições de liberdade. Restrições à atividade econômica. Limitações do Poder Público.

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AS SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Este trabalho tem por escopo abordar as chamadas sanções políticas no âmbito

do Direito Tributário, ou seja, as hipóteses de restrições de liberdade que o Estado impõe

aos contribuintes. As denominadas sanções são nada mais do que meios oblíquos para

forçar a satisfação de um débito tributário. Estas medidas se revestem de extrema

coercitividade, desrespeitando princípios essenciais protegidos pela Carta Magna, como

o principio da livre atividade (artigo 5º, XIII), principio da ampla defesa, princípios da

Administração Pública (artigo 37, caput - princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência), do contraditório e do devido processo legal. Na

concepção social de Estado democrático de Direito, ainda que a Fazenda figure como

parte privilegiada na relação tributária, não podemos ignorar a significância formal do ato

de recolhimento de impostos. Há de se observar que, ao constituir-se como tal, o próprio

Estado necessariamente assegura a existência de uma supremacia do Interesse Público,

assim como a vinculação desta supremacia aos limites estabelecidos em lei, por um

ordenamento jurídico que compreenda além dos direitos públicos essenciais aos seus

indivíduos, a estruturação e o poder de fazer ou não fazer do Poder Estatal. Este

ordenamento, chamado no caso brasileiro de Constituição Federal, demonstra

positivamente o alcance da preeminência pública, e deve conduzir, sempre, as decisões

particulares de conflitos que adentram o mundo jurídico. Neste contexto, podemos

indagar, por exemplo, a (in)validade destas restrições ou as suas consequências. Ou

ainda, como e quando se justificam, e sob quais argumentos. Por conseguinte, para a

compreensão da matéria, será realizado um estudo comparativo, dedutivo e

exemplificativo, sob a ótica do judiciário brasileiro, especialmente o Supremo Tribunal

Federal, e da regulação imposta pela Magna Carta no sistema jurídico brasileiro. É

essencial que se faça uma distinção entre aquelas imposições que o Estado comina aos

contribuintes para assegurar o cumprimento de medidas necessárias ao bem comum

daquelas que restringem a liberdade dos cidadãos apenas para arrecadar de forma mais

célere, desrespeitando o procedimento legal previsto.

Palavras-chave: Sanções políticas. Direito Tributário. Inconstitucionalidade

das restrições de liberdade. Restrições à atividade econômica. Limitações do Poder

Público.

1 INTRODUÇÃO

As sanções políticas são formas enviesadas de cobrança que se vale a

Administração pública para forçar o adimplemento de débitos. Apesar de

evidentemente inconstitucionais, estas restrições adotam as mais variadas formas e

são comumente utilizadas pelos agentes administrativos. Ainda que tenham como

embasamento a tentativa de arrecadar mais, e de forma mais célere, o Executivo

não vê incomodo algum em restringir os Direitos Fundamentais constitucionalmente

consagrados, como por exemplo, o devido processo legal, em nome destas

limitações desproporcionais.

Neste aspecto, faz-se necessária uma visão detalhada do conceito destas

medidas repressivas, tratando de avistar o que as diferencia das demais atitudes,

isto é, porque as Sanções Políticas são consideradas injustas. É notório que o

Estado goza de um poder coercitivo, que é essencial a sua função regulatória na

sociedade, assim como os direitos, mesmo os fundamentais, não são absolutos. Por

isso, trataremos de refletir em quais oportunidades as atitudes restritivas da

administração são incompatíveis com a noção do Estado Democrático de direito.

Para tanto, será realizado um estudo comparativo, onde serão apresentadas

as Sanções Políticas, a visão doutrinária a respeito destas, e a forma como a

jurisprudência decide nos casos em que são aplicadas. Seguidamente, serão

distinguidas as hipóteses em que o executivo adota outras práticas que também

limitam os direitos dos contribuintes, contudo motivado na intenção de proteger os

verdadeiros interesses comuns. Ao final, serão expostas as conclusões a respeito de

ambas, e os limites que identificam a ocorrência de uma ou outra.

Assim, sem pretensão exaustiva, este artigo trata de definir as Sanções

Políticas no Direito Tributário, tornando conhecido este tema. Não é possível que

numa sociedade democrática como a que vivemos ações como estas permaneçam

camufladas, seja pelo alegado Interesse Comum da Administração, seja pela

ignorância daqueles que são ameaçados.

2 SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO

2.1 CONCEITO

As sanções políticas têm uma abordagem difusa no âmbito jurídico tributário.

A maioria dos autores que as citam, utilizam o conceito de Hugo de Brito Machado1

“restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo

ao pagamento de tributo”.

Ives Gandra da Silva Martins2 contextualiza estas sanções quando as define

como resquícios da ditadura Vargas, visto que a Administração aspira, através da

impossibilidade dos demais de com ela transacionar, forçá-los a acordarem os

supostos débitos tributários. Nesse sentido, Rôla3 também afirma que as sanções

políticas no direito tributário são “certas medidas cavilosas, não previstas na lei, mas

empregadas, usual e abusivamente como coação para forçar a arrecadação

pretendida, quase sempre indevida”. O mesmo autor ainda complementa o seu

conceito quando considera que as sanções são “uma forma ilegal de a

Administração tributária coagir o contribuinte para forçá-lo a pagar tributos, muitas

vezes indevidos, revelando-se por meio de restrições e/ou proibições de certos atos,

exigidos arbitrariamente”

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal encontramos outras tantas

variáveis deste conceito, (v. g.):

• Punições não-pecuniárias desproporcionais como forma de coagir o contribuinte ao pagamento do crédito tributário;

• Normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário;

• Restrições não razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos;

1 Sanções Políticas no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 30, p. 46, mar. 1998 2 MARTINS, Ives Gandra da Silva. 1935. Da Sanção Tributária. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p.36 3 RÔLA, José Alberto. Direitos fundamentais e certidões Negativas, p.473. In: MACHADO, Hugo de Brito (org.). Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007

• Formas oblíquas para a cobrança de tributos, assim execução política; ações que culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividades legítimas; etc.

Finalmente, Ruy Barbosa Nogueira4 as identifica como “injunções obliquas

que coagem o contribuinte antes da própria manifestação judicial, o que corresponde

a sancionar o direito da Fazenda Federal, apenas presumido e ainda não

reconhecido em Juízo”.

Em outras palavras, as referidas imposições são as atitudes que permitem à

Fazenda ignorar os procedimentos de cobrança instituídos em Lei, para valer-se de

estratégias oblíquas, obrigando o contribuinte ao pagamento de tributos sem permitir

eventual discussão acerca da legalidade do débito.

2.2 CARACTERÍSTICAS

É curiosa a nomenclatura adotada no meio jurídico para estas restrições.

Sanção tributária propriamente dita seria a prestação pecuniária compulsória

instituída em lei ou contrato em favor de particular ou do Estado, tendo por causa o

descumprimento de um dever legal ou contratual. O mestre Sávio Carmona de Lima5

quando trata da responsabilidade do Estado em decorrência destas restrições,

define:

Muitas vezes, a Administração tributária extravasa os limites que a Constituição Federal lhe concede, e chega a impedir o pleno desenvolvimento das atividades empresariais de contribuintes, os quais, por algum infortúnio, encontram-se devedores para com as respectivas Fazendas Públicas. E esses agentes públicos, lançando mão de instrumentos malévolos, chegam a impedir o próprio desenvolvimento da atividade empresarial, sendo estes instrumentos considerados como inconstitucionais em face das disposições contidas na Magna Carta.

4 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: IBDT, 1976. p. 175. 5 LIMA, Sávio Carmona de. A Responsabilidade Civil do Estado em Razão dos Danos Decorrentes das Sanções Políticas Inconstitucionais. São Paulo: Repertório IOB de Jurisprudência, 2006. p. 158

Câmara6 avança na discussão quando afirma:

(...) em regra, se não impedem o exercício e desenvolvimento das práticas rotineiras e produtivas que o empresário habitualmente exercita, embaraça, dificulta e muitas vezes impõem restrições manifestamente injustificáveis que, com o intuito de fomentar a arrecadação de tributos, acaba por reduzi-la ao desestimular, impedir, ou tornar menor o exercício da atividade empresarial.

Paulo de Barros Carvalho7 as menciona no capítulo que trata de sanções

tributárias:

Todavia, acerca dessa medida sancionatória, consistente na retenção de bens para forçar o recolhimento de tributo ou de multa, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, entendo que “é inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercitivo para pagamento de tributos” (Súmula 323).

Em sua obra, Ives Gandra8 cita o livro que ele mesmo coordena de Roberto V.

Calvo (Caderno de Pesquisas Tributárias nº. 4), o qual divide as sanções políticas

como Sanções Penais Lato Sensu, e descreve-as como sanções administrativas,

explicando que elas pertencem ao ramo do “direito administrativo penal tributário: a

competência para legislar pertence à ordem parcial de governo que detém o poder

de tributar”, diferenciando-as da multa, se referindo às espécies.

Em relação às espécies, poderíamos citar uma infinidade de exemplos. Neste

ponto, a doutrina e a jurisprudência são claras ao destacar a existência de uma

variedade enorme destes meios que se caracterizam como sanções políticas, a

saber:

Exemplos não faltam: proibição de emissão de notas fiscais, proibição de acesso a certidões negativas, vedação à distribuição de lucros a pessoas jurídicas com débito “não garantido” perante o fisco, negativização do nome dos contribuintes através do protesto de certidões de dívida ativa, inscrições em órgãos de restrição ao crédito, etc.9

6 CÂMARA, Aristóteles de Queiroz. Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte. In: MACHADO, Hugo de Brito (org.). Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007. p. 128. 7 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário – 19 ed. rev.São Paulo: Saraiva, 2007, p.552-3. 8 MARTINS, Ives Gandra da Silva. 1935. Da Sanção Tributária. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 39. 9 ELIAS, Eduardo Arrieiro. A liberdade como prerrogativa fundamental dos contribuintes e as limitações ao poder de polícia fiscal. In: Revista Bonijuris, ano XVIII, n. 513, p. 10, ago. 2006.

São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.10 Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimentos e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas os exemplos mais conspícuos.11

Machado12 conclui dizendo que “É uma prática reiterada, que a cada dia

ganha novas formas e se faz mais intensa, não obstante seja flagrantemente

inconstitucional, como já tivemos oportunidade de demonstrar”. Logo, as sanções

políticas são reincidentemente utilizadas no âmbito da Administração Pública pela

praticidade que significam.

No mais, como bem explica a Professora Germana de Oliveira Moraes, é

preciso questionar se as medidas previstas para o descumprimento das normas

guardam compatibilidade com o sistema constitucional tributário, designadamente

com os princípios constitucionais e, em especial, com o principio da

proporcionalidade. Em relação a este, pelo qual se observa a preocupação em

limitar a atuação estatal às diretrizes constitucionais, temos que estas restrições de

direito são conflitantes com o sistema tributário constitucional. Tal princípio se baseia

em três dimensões: adequação, necessidade e proporcionalidade (em sentido

estrito): “pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado;

exigível, por alcançar o menor prejuízo possível, e finalmente, proporcional em

sentido estrito, se as vantagens que trará superará as desvantagens”.13

10 MACHADO, Hugo de Brito. Sanções Políticas no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 30, p. 46, mar. 1998. 11 BRASIL. STF. ADI 173. Min. Joaquim Barbosa. DJe-053, publicada em 20-03-2009. 12 Sanções Políticas como Meio Coercitivo na Cobrança de Tributo. Incompatibilidade com as Garantias Constitucionais do Contribuinte. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 150, mar. 2008, p.88 13 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2000. p. 84-5.

Estas sanções, de acordo com a didática apresentada, ameaçam o principio

da proporcionalidade em relação à exigibilidade e a proporcionalidade estrita. Isso

porque, segundo a autora14 as sanções “impostas antes da cobrança de tributos e

para o fim de compelir seu pagamento constituem, à evidência, medidas mais

lesivas do que os meios administrativos e judiciais de cobrança dos débitos

tributários”.

Finalmente, Aliomar Baleeiro15 cita diversos exemplos de sanções políticas e

afirma que elas se constituem:

Apenas abuso e arbítrio, ofensa a impessoalidade e à moralidade administrativa. Verdadeiro excesso na exação, uma vez que muitas dessas medidas trazem prejuízos muito maiores aos contribuintes do que o próprio tributo exigido (devida ou indevidamente).

Em suma, as sanções políticas são condutas decorrentes de ações

coercitivas da Administração Pública, que apesar de guardiã do Estado Democrático

de Direito, ignora os princípios basilares deste regramento, cometendo ações

desproporcionais, na realidade para beneficio próprio.

2.3 FUNDAMENTOS PARA SUA VEDAÇÃO

Para travar a aplicação das sanções políticas, o principal fundamento é a

ameaça de direitos fundamentais, especialmente aqueles consagrados pela Carta

Política da República. Igualmente, segundo se depreende dos acórdãos do Supremo

Tribunal Federal, há de se observar quais os verdadeiros impactos destas restrições

na vida dos contribuintes a que são imputadas. Quando a aplicação das sanções

políticas fere o direito da livre atividade econômica, por exemplo, as conseqüências

decorrentes são extremamente desproporcionais. Neste sentido está o entendimento

do Mestre Hugo de Brito Machado:16

14 MORAES, Germana de Oliveira. As sanções Políticas em Direito Tributário e o Princípio da Proporcionalidade. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo, Malheiros, n. 82, 2001 - p. 236 15 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 987. 16 MACHADO, Hugo de Brito. Sanções políticas no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 30, p. 48, mar. 1998.

Mesmo o contribuinte mais remitente na prática de infrações à lei tributária não pode ser proibido de comerciar. Mesmo aquele que tenha sido condenado, no juízo criminal competente, por prática do crime de sonegação de tributos, tem o direito de continuar exercendo o comércio, porque a lei não comina aos que cometem esse crime a pena de proibição do exercício do comércio. Aliás, mesmo a lei penal, lei ordinária federal posto que à União compete legislar em matéria penal, não pode cominar a pena de cancelamento da inscrição do contribuinte, posto que estaria instituindo pena de caráter perpétuo, que a Constituição proíbe (CF/88, art.5º, inciso XLVII, alínea “b”).

Nesta esteira, cito trechos de acórdãos do STF:

A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam17 (Grifei). Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição.18

Marciano Seabra de Godoi19 ilustra empiricamente essa desproporcionalidade

com o julgamento do RE 413.782,20 e analisa a constitucionalidade do Decreto

Catarinense que obrigava o recorrente a emitir notas fiscais avulsas a cada negócio

jurídico, pois em débito para com o fisco. Segundo o Relator deste acórdão, a

prática adotada era descabida, pois:

17 BRASIL. STF. RE 402769. Min. Celso de Mello. DJ 06/04/2005. 18 BRASIL. STF. ADI 173. Min. Joaquim Barbosa. DJe-053, publicada em 20-03-2009. 19 GODOI, Marciano Seabra de. Questões Atuais do Direito Tributário na Jurisprudência do STF. São Paulo: Dialética, 2006. p. 56. 20 DÉBITO FISCAL - IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS - PROIBIÇÃO - INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa. (BRASIL. STF. RE 413782, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 03-06-2005).

Na dinâmica da própria atividade desenvolvida, fica inviabilizada a atuação, se aquele que a implementa necessita, caso a caso, de recorrer ao fisco, para obtenção de nota fiscal avulsa. Em Direito, o meio justifica o fim, mas não este, aquele. Recorra a Fazenda aos meios adequados à liquidação dos débitos que os contribuintes tenham, abandonando a prática de fazer justiça pelas próprias mãos, como acaba por ocorrer, levando a empresa ao caos, quando inviabiliza a confecção de blocos de notas fiscais.

O autor ora mencionado resume outra questão do referido julgado:

O Ministro Nelson Jobim trouxe à baila um argumento adicional, afirmando que o ônus da emissão de nota fiscal avulsa impediria que o contribuinte aproveitasse os créditos do ICMS e, portanto, fosse posta em prática a regra da não-cumulatividade do imposto. Esse argumento tinha por premissa que o contribuinte, além de requerer as notas avulsas, estava obrigado ao pagamento imediato do imposto destacado na respectiva nota. Contudo, como o acórdão recorrido não oferecia meios seguros de aferir essa sistemática de apuração e não pagamento, os demais ministros deixaram de fundamentar seus votos numa possível violação da não-cumulatividade.

Sintetizando: o Supremo Tribunal Federal tem historicamente ratificado e

assegurado a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o

direito ao livre exercício de atividades econômicas, o devido processo legal e o

acesso ao judiciário. Além disso, o conceito de sanção política implica numa ação

oblíqua para cobrança de débito. Isso, principalmente, porque a incidência destas

sanções repele a discussão do débito. O devedor que é ameaçado prefere quitar a

dívida e prosseguir com suas atividades, do que ingressar com uma ação judicial

para discutir a cobrança, sofrendo com a morosidade característica da máquina

judiciária. Sobre este rumo Fontenele21 explica muito bem:

(...) os transtornos e dificuldades impostos são tantos que o contribuinte vê-se obrigado a desistir de suas garantias fundamentais – como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório - para se submeter a essas Sanções Políticas, tantas vezes repudiadas pelo Supremo Tribunal Federal e por todos os demais órgãos do Poder Judiciário, conforme visto ao longo deste trabalho. (...) Somado a isso, encontra-se o problema da morosidade das demandas no Poder Judiciário, dado que um processo judicial pode demorar vários anos para transitar em julgado, já a atividade econômica do contribuinte perece em tempo mínimo, motivo pelo qual muitas vezes o contribuinte prefere abrir mão do seu direito de defesa processual e realizar o pagamento cobrado pelo Fisco, a ver a falência de seu empreendimento, cujas atividades ficaram condicionadas ao adimplemento fiscal.

21 FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os direitos fundamentais do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, dez. 2009, P.50-1

Harada22 define que “Muitos contribuintes, coagidos de forma ilegítima e

inconstitucional, acabam abrindo mão do contraditório e, quando possível

financeiramente, pagando o que, na verdade, não devem, como meio de manter sua

subsistência.” Machado23 associa as idéias:

Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal.

A liberdade de atuação que é conferida ao executivo na incidência destas restrições, é outro embasamento para a vedação destas atividades. Primeiro, porque, mais uma vez nas palavras do Juíz Federal aposentado Hugo de Brito Machado, “a autoridade que a este impõe a restrição não é autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não legal”. Depois, porque o Fisco ignora visivelmente o procedimento formal instituído em lei para tal cobrança.

Por fim, em relação à afirmativa de necessária Supremacia do Interesse

Público em relação aos interesses privados, Fontenele24 afirma:

O Fisco ao praticar esse tipo de atividade, qual seja, a imposição de Sanções Políticas como condição ao exercício dos diversos direitos fundamentais já analisados, muitas vezes, defende a constitucionalidade desse comportamento, refugiando-se no principio administrativo da Supremacia do Interesse Público. Porém, não é legitimo concluir que o referido principio se confunda com mero interesse arrecadatório da Administração Fazendária, haja vista que o Interesse Público- isto é, a finalidade geral de todos os atos da Administração Pública – é justamente caracterizado pelo atingimento dos objetivos do estado democrático de Direito, ou seja, pelo respeito dos direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio.

Assim, não se pode dizer que a Supremacia do Interesse Público é

fundamento para a aplicação de Sanções Políticas. A Administração Pública deturpa

este conceito na tentativa de justificar suas atitudes, da mesma forma que restringe

indevidamente os direitos fundamentais, quando aplica as medidas

desproporcionais.

22 HARADA, Kyoshi. Sanções Políticas como Meio Coercitivo Indireto de Cobrança do Crédito Tributário. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/39530>. Acesso em: 17 set. 2010. 23 Op. Cit., 1998, p.46-7 24 Op.Cit. p.57

2.4 ENTENDIMENTO SUMULADO PELO STF

O Supremo Tribunal Federal rechaça reincidentemente as denominadas

Sanções Políticas. Quando analisamos o entendimento sumulado por esta Corte,

observamos que esta prática é muito antiga, tanto que as primeiras súmulas a

respeito do tema são as súmulas 7025 e 323,26 aprovadas em sessão plenária no dia

13 de dezembro de 1963.

Como se não bastasse, na sessão plenária de 03 de dezembro de 1969, foi

aprovada a súmula 547,27 que teve como fundamento para a sua formação quatro

precedentes (RE 63045; RE 60664; RE 63047 e RE 64054), nos quais, os

recorrentes se insurgiam contra a aplicação de Decretos que previam a interdição do

estabelecimento, a vedação em adquirir estampilhas, etc. No julgamento do Recurso

Extraordinário 63047 (19/06/1968), o Min. Aliomar Baleeiro fundamentou seu voto

em argumentos que até hoje parecem atuais:

Estou de acordo com esta decisão. A Fazenda há de valer-se da ação competente para cobrança do débito, não pode determinar a interdição de estabelecimento, nem fazer determinações do art. 1º transcrito. O constitutivo há que estimular a produção e não fechar os estabelecimentos que produzem sob alegação de que impostos são devidos.

No mais, parece pertinente demonstrar que as sanções políticas vão

rechaçadas em todos os graus de jurisdição. Sendo o entendimento do Supremo

Tribunal Federal o prevalente em caso de irresignação, reflete-se aos demais

colegiados o entendimento por este firmado. Neste sentido, apenas exemplificando:

TRIBUTÁRIO. IPI. MANDADO DE SEGURANÇA. OBTENÇÃO DE SELOS DE CONTROLE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS. DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA. PRINCÍPIO DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA. ARTIGO 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA Nº 547 DO STF.

25 BRASIL. STF. Súmula 70. É INADMISSÍVEL A INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO MEIO COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO. 26 BRASIL. STF. Súmula 323. É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS. 27 BRASIL. STF. Súmula 547. NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DÉBITO. ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS.

- Violação que o Poder Público pratica, pelo ato de seus agentes, negando ao comerciante em débito de tributos à aquisição dos selos necessários ao livre exercício das suas atividades. Artigo 170, parágrafo único da Carta Magna. - Ratio essendi das Súmulas 70, 323 e 547 do E. STF e 127 do STJ no sentido de que a Fazenda Pública deve cobrar os seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte. - É defeso à administração impedir ou cercear a atividade profissional do contribuinte, para compeli-lo ao pagamento de débito, uma vez que tal procedimento redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de representar hipótese da autotutela, medida excepcional ante o monopólio da jurisdição nas mãos do Estado-Juiz. - Recurso improvido. (REsp 414486/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/05/2002, DJ 27/05/2002 p. 142).

Na corte estadual:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AIDF. LIMINAR. CABIMENTO. A ausência do despacho administrativo que indeferiu a autorização de impressão de documentos, é de todo dispensável, porque a negativa do Fisco quanto ao pedido de impressão de notas fiscais se consubstancia na retenção do formulário, o qual constitui condição para que a impressão seja realizada. Ademais, é sabido que as sanções políticas que impedem o livre exercício do comércio são vedadas, consoante reiteradas decisões do STF e deste Tribunal AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (Agravo de Instrumento Nº 70020550521, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 12/09/2007).

Atinente ao estudo destas decisões são as palavras do Min. Marco Aurélio,

relator no julgamento do RE 413.782 (D.J. 03.06.2005): “não aplico sumula, não

reconheço a verbete de sumula contornos normativos”. Assim, as sumulas não se

limitam às situações fáticas que lhe deram causam, os princípios que as preenchem

são subjacentes.

3 RESTRIÇÕES ASSEMELHADAS ÀS SANÇÕES POLÍTICAS, PORÉM

ADMITIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA DO STF

Em contrapartida às verdadeiras sanções políticas, estão as situações em

que o Fisco se vê obrigado a aplicar medidas sancionadoras em contribuintes que

insistem em burlar as normas tributárias. A respeito dessas, podemos afastar o

conceito de sanção política, concluindo que não são reprováveis, visto que a

natureza da norma jurídica tributária é a de uma norma de garantia, portanto, pode

ser sancionadora, e ainda assim, consagrada, e reconhecida pelo Estado. O Ministro

Joaquim Barbosa elucida a questão quando da relatoria da ADI 173 (D.J. nº53,

publicação 20/03/2009):

É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresarias que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não razoável (grifei).

Assim como as sanções anteriormente estudadas, estas se valem de variadas

formas no nosso ordenamento jurídico. Contudo, serão abordadas somente algumas

espécies, a título exemplificativo, para que seja possível estabelecer uma visão

comparativa entre ambas.

3.1 ESPÉCIES

Da leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 395 (D.J.17/08/2007,

Min. Cármen Lúcia) percebe-se uma das espécies de restrição mais aplicada aos

contribuintes, porém que, em determinadas situações, não se caracteriza como

sanção política: a apreensão de mercadorias. A decisão que se referiu à legalidade

do art. 163, § 7º, da Constituição de São Paulo28, teve como resultado do seu

julgamento a ausência de afronta ao art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal.

Restou ementado que “a retenção da mercadoria, até a comprovação da

posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em

desrespeito ao princípio do devido processo legal tributário”. A Corte Suprema

afirmou que o direito de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art.

28 BRASIL. Artigo 163 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado: § 7º - Para os efeitos do inciso V, não se compreende como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de documentação fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário.

5º, inc. XIII, da C.F.) , assim como os demais direitos fundamentais, não é um direito

absoluto. No caso, a “retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º,

da Constituição de São Paulo, é providência para a fiscalização do cumprimento da

legislação tributária no território e consubstancia no exercício do poder de polícia da

Administração Pública Fazendária”.

Consta no corpo do referido acórdão:

Não se tem no caso em pauta, hipótese normativa de coação para fins de pagamento de valores ao Fisco, porque a mercadoria fica retida até a comprovação da posse legítima por parte daquele que a transporta e que, então, a tem em sua posse lícita. Também não procede o argumento de que o §7º do art.163 da Constituição de São Paulo afrontaria o art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República. A garantia fundamental do livre “... exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão...” está subordinada ao atendimento das “...qualificações profissionais que a lei estabelecer...”.

É este o entendimento assentado na Suprema Corte, consoante o trecho

abaixo colacionado:29

É inequívoca a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal relativa às sanções políticas, isto é, à proibição do uso de punições não-pecuniárias desproporcionais como forma de coagir o contribuinte ao pagamento do crédito tributário (cf. Súmula 323/STF). Contudo, a orientação firmada pela Corte não escusa o contribuinte e o responsável tributário de observarem rigorosamente as normas que dispõem sobre a fiscalização e a cobrança do tributo. Entendo, ao menos neste momento de juízo inicial, que não se caracteriza como apreensão vedada pela Constituição a retenção de mercadoria, por prazo determinado e razoável, destinada a assegurar às autoridades fiscais a possibilidade de determinar os sujeitos passivos da relação jurídica tributária e a obediência à legislação de regência (grifei).

A obra de Fontenele30 também discorre sobre o assunto:

Diante disso, conclui-se que a partir do momento em que a posse legítima de mercadoria for comprovada, não mais se justifica a sua apreensão, devendo a mercadoria ser imediatamente liberada. Vale dizer, não importa se o Fisco entenda que o modelo de nota fiscal está errado ou que o preço não corresponda ao valor da mercadoria, visto que a apreensão, como já mencionado, só se justifica até o momento de identificação do possuidor para fins do lançamento do crédito tributário e de eventual multa.

29 BRASIL. STF. ACO 1216, Min. Joaquim Barbosa, DJe-164, publicada em 02/09/2008. 30 FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os direitos fundamentais do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, p. 19-58, dez. 2009

Semelhante aos casos supracitados é a questão suscitada por Ives Gandra

da Silva Martins31, em sua obra Da Sanção Tributária, onde, ao citar as espécies

mais aparentes de sanções políticas, o mestre menciona o contrabando. Sobre tal,

expõe que a apreensão é legítima e esclarece que “o fundamento jurídico dessa

perda não é o confisco; a mercadoria ilicitamente entrada no país não tem título de

legitimação ou propriedade e essa aquisição pela Fazenda visa impedir a

formatação de título ilegítimo.”

Hugo de Brito Machado levanta a questão que deu causa a parte da Ação

direta de Inconstitucionalidade 17332 quando comenta o Código Tributário

Nacional:33

Não há dúvida de que a exigência de quitação de tributos como condição para participar em licitações e para contratar com o Poder Público constitui forma de impor sanções ao contribuinte e configura também em muitos casos uma via oblíqua de cobrança de tributos.

O mesmo concluiu falando “que o supremo tribunal federal já reconheceu que,

em princípio, não há inconstitucionalidade no dispositivo, mas o mesmo há de ser

considerado inconstitucional quando a exigência nele apoiada puder implicar

proibição ao livre exercício da atividade empresarial.” A decisão da Corte quanto a

matéria reside ao final da ementa34, afinal, como a “quitação de tributos” foi

legalmente substituída por “regularidade fiscal” não havia mais razões de

inconstitucionalidade, in verbis:

5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.

31 Op. Cit. p.37 32 BRASIL. STF. Relator: Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-03-2009. 33 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2005. v. III. p. 741. 34 BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053. Publicada em 20-03-2009.

Novamente na lei tributária, o autor35 faz relevante declaração:

A nosso ver, a exigência de regularidade de situação há de ser entendida em termos. Não devemos entendê-la como exigência de plena quitação das fazendas federal, estadual e municipal. Nem mesmo como exigência de quitação com tais fazendas no que concerne à atividade na qual licita ou contrata. Há de ser entendida, isto sim, como prova de que o licitante, ou contratante, cumpre regularmente suas obrigações tributárias e por isto não está na clandestinidade, mas pode estar a dever, desde que em condições de obter a denominada certidão positiva com efeitos de negativa.

A Fazenda entende que limitar a atuação do contribuinte faltoso é uma forma

de incentivar o seu adimplemento tributário. Nesta senda se justificam as restrições

aqui tratadas e assim ele esclarece:36

O próprio STF reconheceu a inconstitucionalidade apenas quando houvesse impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial. A simples limitação, tal como a proibição de contratar com instituições financeiras governamentais, foi reconhecida como válida (grifei).

A imposição de Regime Especial pode ser empregada tanto como sanção

política quanto sanção válida. Mais uma vez esbarramos na adequação da norma

com a Constituição vigente e com o princípio da proporcionalidade, isto é, com a

análise da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito. Oportunos os

esclarecimentos do magistrado H.B. Machado:37

Podemos dizer, portanto, que temos para cada tributo dois regimes jurídicos, a saber: a) o regime jurídico substancial, ou material, que concerne à obrigação tributária principal. Ou, em outras palavras, aos critérios de determinação do montante do tributo devido; e b)o regime jurídico formal, ou procedimental, que concerne às obrigações tributárias acessórias e ao procedimento de controle, pelas autoridades da Administração Tributária, do cumprimento das obrigações tributárias. (...) Os regimes especiais devem constituir, ao menos em princípio, opções para os contribuintes - que, se com eles não estiverem satisfeitos, podem optar pelo regime ordinário de tributação. (...) No IRPJ (imposto de renda das pessoas jurídicas), por exemplo, todos têm o direito de pagar o imposto com base no lucro real. A opção pelo regime do lucro presumido, exemplificando, tem a vantagem de dispensar o contribuinte da exigência de escrituração contábil, que tratando-se de pequenas empresas, pode ter custo bastante significativo.(Grifei).(...)

35 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2005. v. III. p. 741. 36 Ibidem, p. 739. 37 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 86-7.

Da mesma forma que não é válido um regime especial atinente ao aspecto substancial da obrigação tributária que implique tributação mais gravosa a determinados contribuintes sem lhes dar a opção pelo regime ordinário de tributação, também não é válido um regime especial atinente ao aspecto formal ou procedimental da relação tributária – em alguns casos denominado regime especial de fiscalização – que seja simplesmente uma forma oblíqua de compelir o contribuinte a fazer o pagamento do tributo.

Em recente decisão38 a Suprema Corte definiu outra situação de restrição ao

contribuinte que não se configura como inconstitucional. Trata-se de regime

especial, porém, na espécie, o contribuinte foi excluído de tal regime, sendo este

condição essencial para a produção de cigarros. De acordo com o Decreto-Lei nº.

1.593 de 1977 e suas alterações, o cancelamento unilateral neste regime especial é

válido no caso de “não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória,

relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal.”39

Com efeito, o Ministro Cezar Peluso explica que sobre a produção de cigarros

incide a alíquota mais alta da tabela do IPI, sendo sabido que em cada maço do

produto há cerca de 70% de tributos (conforme memorial da ETCO). Por isso, a

inadimplência tributária da empresa poderia gerar uma vantagem comercial

incompatível com o principio da livre concorrência. Assim, ele aduz:

Ao investigar a ratio iuris da necessidade de registro especial para a atividade de produção de cigarros, vê-se, logo, que provém de norma inspirada não só por objetivos arrecadatórios, senão também por outras finalidades que fundamentam a exigência jurídica dos requisitos previstos para a manutenção do registro especial, entre os quais se inclui o da regularidade fiscal. Esta finalidade extrafiscal que, diversa da indução do pagamento de tributo, legitima os procedimentos do Decreto lei n. 1.593/77, é a defesa da livre concorrência. Toda a atividade da industria de tabaco é cercada de cuidados especiais em razão das características deste mercado, e, por isso, empresas em débito com tributos administrados pela SFR podem ver cancelado o registro especial – que é verdadeira autorização para produzir-, bem como interditados os estabelecimentos.

38 BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092. 39 BRASIL. Art 2º - O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer tempo, pelo Secretário da Receita Federal se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes fatos: II - não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal; (Redação dada pela Lei nº 9.822, de 1999).

Foi um caso muito particular, que dividiu os ministros reunidos para

julgamento no tribunal pleno. Ao final, a lide que pretendia a atribuição de efeito

suspensivo para Recurso Extraordinário recebido pela união foi indeferida. Em

julgamento, restaram vencidos o relator e outros três ministros, os demais

entenderam que estavam ausentes os requisitos essenciais para o provimento da

cautela.

Desta forma, resta claro que os direitos fundamentais podem ser limitados.

Entretanto, apenas quando há previsão legal ou situação fática justificante para

tanto. Portanto, garantir a efetividade deste direito não se confunde, por exemplo,

com a certeza de que todos os contribuintes poderão realizar contrato público (ou

licitação) com a Administração Pública; ou até mesmo trafegar com mercadorias em

quaisquer condições.

Da mesma forma, a adoção de Regime Especial não conduz,

necessariamente, à inconstitucionalidade, pois se impõe, por exemplo, uma análise

da possibilidade dessa adesão pelo contribuinte.

3.2 FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A SUA APLICAÇÃO

A restrição de direitos ou prerrogativas imposta pelo Estado aos seus

tutelados deve sempre ser evitada. Há casos em que estas atitudes são bem

motivadas, tornando-se válidas, mas em regra, as imposições neste sentido são

impróprias. O próprio Supremo já decidiu:

É certo – consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal – que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias de caráter absoluto.40

Deste modo, por não serem absolutos os direitos fundamentais, há casos em

que se faz necessária a sua restrição em nome do Interesse Público. Sobre este, se

faz mister esclarecer: 40 BRASIL. STF. RE 413782, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 03-06-2005.

(...) O Estado concebido que é para a realização de interesses públicos, (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles.41

Destarte, essencial a distinção feita pela doutrina dos interesses públicos

primários e secundários. Os interesses primários são aqueles que deram origem ao

Estado, toda a sociedade é titular desses interesses, como por exemplo, a saúde

pública, a justiça, a conservação dos recursos naturais, etc. Já os interesses

secundários, são aqueles que advêm da pessoa jurídica que a Administração

Pública incorpora nas relações em que participa, em outras palavras, é o interesse

do Erário. Assim, presume-se das palavras supracitadas do constitucionalista Celso

Bandeira de Mello, que os interesses públicos secundários não podem fundamentar

as limitações estatais eventualmente impostas.

Conforme disposto na Constituição Federal, a Fazenda Pública (da União,

dos estados ou dos Municípios) é quem deve se insurgir contra a violação de norma

tributária. Neste sentido se fortifica a alegação do Fisco pela necessidade de rígido

controle das atividades tributárias. Pois o descumprimento da obrigação de

pagamento de tributo faz com que os demais que contribuem sejam

sobrecarregados pelo erário. Neste caso, compelir o sujeito passivo de cada relação

tributária ao pagamento dos impostos seria uma preocupação com o bem comum.

Celso Antonio Bandeira de Mello42 prossegue:

Todo excesso, em qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração jurídica. É, a final, extralimitação da competência (nome que se dá, na esfera pública, aos “poderes” de quem titulariza função. É abuso, ou seja, uso além do permitido, e, como tal, comportamento inválido que o judiciário deve fulminar a requerimento do interessado.

No mais, a Fazenda utiliza o fundamento denominado dever de tributar - uma

vez que o tal demonstra a essencialidade da imposição de tributos para a evolução

41 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 66. 42 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p.99

do estado Social de Direito. Principio este decorrente do dever de agir próprio da

Administração Pública:

O poder do administrador público, revestindo ao mesmo tempo o caráter de dever para a comunidade, é insuscetível de renúncia pelo seu titular. Tal atitude importaria fazer liberalidades com o direito alheio, e o poder público não é, nem pode ser, instrumento de cortesias administrativas.43

Neste sentido Machado refere: “Tem a Fazenda Pública o poder-dever, ou

direito potestativo, de constituir seus créditos tributários, contando ou não com a

colaboração do sujeito passivo, e mesmo contra a vontade deste.”44 Inclusive, em

outra obra, o mesmo autor continua:

(...) constitui ato de improbidade administrativa “agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”. Essa definição legal, que nos parece ser meramente explicitante, há de ser entendida em consonância com o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, segundo a qual a atividade administrativa é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.45

Concluindo, a restrição de direitos fundamentais se funda na lesividade que a

inadimplência significa para toda a sociedade. Até porque, o Estado impõe aos seus

contribuintes cobranças de cunho mais restritivo porque não essa cobrança não lhe

parece como uma opção, mas sim um dever.

4 DISTINÇÃO ENTRE AS SANÇÕES POLÍTICAS E AS DEMAIS FIGURAS

CARACTERÍSTICAS

Para diferenciar as limitações que se assemelham às sanções políticas das

próprias, faz-se necessário que se aviste o entendimento assentado pelo Supremo

Tribunal Federal, uma vez que, ao fim e ao cabo, é este quem define quais são as

práticas compatíveis com a Magna Carta, ou quais não, caracterizando,

eventualmente, as recém vistas Sanções Políticas. Muito bem, já que nos dois

43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2. Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 1991. p. 89. 44 Op. Cit. 2008, 96 45 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.93-4

capítulos anteriores foram detalhadas as Sanções Políticas e as limitações

proporcionais, neste capítulo trataremos de fundir as características, com o intuito de

alcançar uma diferenciação objetiva.

Características próprias das Sanções Políticas:

1. restrição à atividade econômica – como visto, quando não as restringem,

atrapalham de forma significativa;

2. negativa à discussão do débito – isto é, impedem o acesso ao judiciário,

tanto em relação ao débito quanto à medida administrativa imposta;

3. falta de opção à adesão da medida imposta – ou seja, arbitrariedade

excessiva de procedimento para o Fisco;

4. aplicadas em razão de interesse do erário (em última análise, é o

argumento que fulmina a validade das restrições).

Características que afastam às Sanções Políticas.

1. Limitação, não restrição, das atividades econômicas – por não

preenchimento dos requisitos legalmente previstos.

2. Previsão Constitucional para a medida adotada – se a medida foi

recepcionada pela Constituição Federal, não há como ser considerada

inválida.

3. Opção de aderir à imposição, ou, na escolha de não aderir, não ser

prejudicado.

4. Aplicadas em razão de interesse social (característica capaz de

transformar uma sanção política em restrição válida, caso os

argumentos aplicáveis à situação concreta sejam proporcionais e

compatíveis com o interesse público).

4.1 BENS JURIDICOS PROTEGIDOS

Como bem afirma Fontenele, é imprescindível uma breve apresentação do

conceito de direitos fundamentais ao estudarmos os bens protegidos, já que são

encontradas diversas formas de denominar a expressão “direitos fundamentais”. A

respeito disso, “a doutrina, a exemplo de Sarlet, entende que o termo direitos

fundamentais melhor se aplica àqueles direitos reconhecidos pelo ordenamento

jurídico constitucional; enquanto os direitos humanos são aqueles retratados no

âmbito do direito internacional.”46

No estudo dos bens afetados pelas sanções políticas, acompanho a

sistemática de Aliomar Baleeiro47, mencionando a ameaça dos seguintes direitos:

a) Exercer em plenitude suas atividades comerciais, em regime de livre concorrência, a teor dos arts. 5º, XIII, e 170, IV da Constituição;

b) Ser tributado nos termos estritos da lei, com espeque nos arts. 5º, II e 150, I, da Constituição; arts. 97 e 128 do CTN;

c) Discutir, na via administrativa, plenamente as autuações e cobranças que sofreram, sem garantia de instância mediante contraditório e ampla defesa, conforme art. 5º LV.

d) Discutir suas pretensões jurídicas em face do Estado, seguindo o devido processo legal, segundo o artigo 5º, XXXV, LIV e LV.

e) Não tolerar confisco nem perdimento de bens sem o devido processo legal, conforme art. 5º, LIV.

f) Ser tratado com igualdade, mormente em face de seus concorrentes, sem discriminações odiosas, como preceitua o art.5º, I, XIX, e 150, II, combinados;

g) Ser tratado com respeito e dignidade, implicando a motivação dos atos administrativos contra eles lavrados, conforme arts. 5º, V, LV, c/c art.37 da Lei Fundamental.

Em suma, as sanções políticas contrariam o principio da legalidade, porque a

Administração Pública não realiza a cobrança de acordo com o procedimento

legalmente previsto (o que também enseja o descumprimento do princípio

administrativo da vinculação, mas este não é fundamental). O professor Machado

esclarece “Sendo a lei manifestação legítima da vontade do povo, por seus

representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser

o tributo consentido.”48

Do mesmo modo, as restrições desproporcionais ferem o livre exercício da

atividade econômica, que prevê: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou

46 FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os direitos fundamentais do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, p. 19-58, dez. 2009. 47 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.986 48 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 53.

profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” Sobre o

assunto, Fontenele esclarece que “a lei não pode dificultar a livre iniciativa e o livre

exercício de atividades econômicas, sob pena de violar de forma flagrantemente a

Constituição, e tornar-se inválida.”

Por fim, violam os princípios da igualdade por diferenciar contribuintes em

virtude de débito, e não de acordo com a capacidade contributiva, única reserva

prevista para a aplicação do principio da igualdade no Direito Tributário. Assim como

impedem o acesso ao judiciário, violam claramente os princípios da ampla defesa e

do devido processo legal. Sobre este, esclarecedor o voto do Min. Joaquim

Barbosa:49

A sanção política coloca desafios de duas ordens ao controle da restrição. A primeira ordem de desafios se refere ao controle de validade da própria restrição. Como as restrições ao exercício profissional e à atividade econômica podem comprometer a própria existência da empresa ou o desempenho empresarial, a sanção política pode por um fim abrupto ao processo administrativo ou judicial de controle da validade da própria sanção política. (...) Na segunda ordem de desafios, a sanção política desestimula, pelo mesmo modo, o controle da validade da constituição de créditos tributários. A interdição de estabelecimento ou a submissão de contribuinte a regime mais gravoso de apuração tributária pode impedir a discussão administrativa ou judicial sobre matéria tributária, pois é incontestável que uma empresa fechada terá menos recursos para manter um processo administrativo ou judicial. Dito de outro modo, a sanção viola o direito de acesso ao Estado, seja no exercício de suas funções Administrativa ou Judicial, para que ele examine tanto a aplicação da penalidade como a validade do tributo.

Enfim, as sanções políticas ferem flagrantemente várias previsões

constitucionais, ameaçando os direitos fundamentais. Pior do que isso, o fazem em

nome do interesse do erário. Por outro lado, as restrições compatíveis com a Carta

da República por vezes restringem algum direito fundamental específico, porém o

fazem para proteger interesses comuns à sociedade. Essas restrições se afirmam

em três importantes institutos jurídicos:

a) Supremacia do Interesse Público

49 BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-03-2009.

A supremacia do interesse público é um conceito que está em constante

transformação, porém, para o estudo deste trabalho, não cabem grandes

explanações a respeito. Há de ser considerada a vasta aplicação deste principio

(segundo Humberto Ávila,50 deste axioma) no âmbito jurídico, assim como a

finalidade deste na sociedade. Ou seja, a supremacia do interesse público está

relacionada tanto com os atos mais simples que o Executivo opera, quanto às

questões mais complexas que o poder legislativo positiva ou o judiciário decide, e

em todos estes aspectos deve prevalecer o interesse social.

Para o estudo deste axioma, é recomendável o artigo de Aragão,51 que em

obra muito esclarecedora, explica de forma simples a referida supremacia e as

alterações no seu emprego:

Por essas razões, a mais moderna hermenêutica constitucional tem formulado critérios de identificação e categorização dos argumentos jurídicos, partindo, então, em um segundo momento, para a enumeração de que espécies de argumentos devem ser consideradas prioritárias sobre as outras.

Sintetizando: o que não pode ser feito é a invocação dos chamados

interesses públicos para justificar conceitos filosóficos e abstratos em detrimento dos

interesses sociais legalmente positivados. Há de se buscar o bem comum, porém

considerando os interesses da sociedade, os quais, na maioria das vezes,

encontram-se escrito nas normas.

b) Separação de Poderes

Humberto Ávila diz: “A Constituição Brasileira estabeleceu expressamente

que os poderes são independentes e harmônicos entre si (art. 2º). Isso significa que

cada poder possui uma função pormenorizada regulada na constituição.”52 Não

cabem aqui grandes indagações sobre o tema, mas é importante assinalar que esta

50 ÁVILA, Humberto. “Repensando o principio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. In: Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 177-9. 51 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “A ‘Supremacia do Interesse Público’ no advento do Estado de Direito e na hermenêutica do Direito Público Contemporâneo.” In: Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 9. 52 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.66

independência assegura, numa situação hipotética, a presunção de legalidade dos

atos administrativos.

O legislativo transforma em lei os interesses do povo, o executivo, por sua

vez, os toma necessariamente como base (vinculação) para toda sua atuação de

fiscalização social e o judiciário assegura que ambos estão cumprindo com seus

deveres. Se pressupõe que a administração age de acordo com os preceitos legais,

assim sendo, para que seja provado o contrário, é necessário um processo

administrativo.

c) Livre Concorrência

Principio quase que financeiro, porém inclusive resguardado no artigo 170 da

Magna Carta. Prevê a intervenção estatal no mercado financeiro sempre que alguém

estiver gozando de situação favorável injustificadamente. Sobre este tema destaca-

se o acórdão anteriormente citado, que restringiu a atividade tabagista em nome da

Livre Concorrência. Vide trecho abaixo:

Então a livre iniciativa é um valor estruturante do nosso Estado Federativo Republicano. Ela já comparece, no corpo normativo da constituição, como fundamento da Republica Federativa- artigo 1º, inciso III – e volta a desfilar pela passarela dos mais excelsos valores da Constituição na cabeça do artigo 170, ao lado da valorização do trabalho, evidentemente.53

Na realidade, embora hajam sido mencionados apenas os bens acima, há

outros direitos fundamentais ameaçados ou tutelados pela Administração, porém

seria impossível abordar a todos.

5 CONCLUSÃO

O nome Sanções Políticas no Direito Tributário remete a uma idéia distorcida

desse instituto. Em realidade, o título correto para esta medida seria restrições

53 BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092.

desproporcionais que objetivam a cobrança de débito tributário, ainda assim, elas

são amplamente denominadas como sanções políticas. Hugo de Brito Machado

(1998, p. 47) foi responsável pelo conceito mais divulgado: “restrições ou proibições

impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento de tributo,

tais como a interdição de estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime

especial de fiscalização, entre outras.”

Entretanto, ao adentrar na análise desse instituto, se percebe que é essencial

uma distinção entre as verdadeiras sanções políticas e os meios restritivos de

liberdade que a Fazenda se vale para manter a ordem na Administração Pública. As

restrições que objetivam a cobrança de crédito, utilizando métodos

desproporcionais, ou ainda, causando impedimento muito grave à atividade

financeira do contribuinte, são as únicas que se caracterizam como Sanções

Políticas.

É sabido que a relação de supremacia do Estado em relação aos

contribuintes é inevitável e necessária. Porém, os entes estatais devem levar em

conta essa superioridade em detrimento dos direitos fundamentais que o Poder

Legislativo definiu como constitucionalmente resguardados. Nenhuma submissão ao

poder público, como se observou neste caso, especialmente na esfera executiva,

pode ferir ou ameaçar os direitos essenciais aos seres humanos, sob pena de

nulidade, por não coadunar-se com o estado democrático de direito.

Neste aspecto, as restrições impostas pela Administração pública devem

respeitar os direitos dos contribuintes ou, em casos excepcionais, onde for

imprescindível uma intervenção mais radical, tais atos devem ser aplicados da forma

menos prejudicial possível. Não se pode olvidar que as principais características das

sanções políticas são a ilegitimidade do agente coator, ou seja, aquele que

determina a aplicação da limitação não detém competência para tanto, a

inobservância do procedimento legalmente instituído para a cobrança do crédito e a

finalidade de constranger o devedor ao pagamento de tributos.

A doutrina não aborda de maneira clara e expressiva este tema. Assim

mesmo, quando o faz, se preocupa apenas em reafirmar que as Sanções Políticas

não condizem com a vida em sociedade, frisando a clara inconstitucionalidade que

as reveste. Em contrapartida, a jurisprudência cumpre seu papel de forma admirável.

Os ministros do Supremo aplicam seguidamente o principio da proporcionalidade,

tendo como principio norteador à supremacia do interesse público, sem esquecer os

ditames normativos previamente aceitos. Não obstante, na maioria das vezes, a

matéria sequer alcance a Corte Suprema, uma vez que é entendimento assentado,

sendo bem aplicado em quase todos os níveis de jurisdição.

Com efeito, de uma análise empírica, se constata a confusão que pode surgir

da generalização destas limitações, pois conforme estudado, a apreensão de

mercadorias significa uma sanção desproporcional quando o Ente que as retêm o

faz por não concordar com a Nota Fiscal apresentada, ou o tributo por elas

recolhido, porém, não tem o mesmo significado, se esta apreensão foi realizada

apenas até que se comprovasse a posse legítima de tais mercadorias. Destarte, a

distinção entre as restrições válidas e as Sanções Políticas, requer uma análise

prática e valorativa. Não há que se falar em limitação justa ou injusta antes de

observados os fundamentos e objetivos que as originaram. Assim, tanto os

contribuintes quanto as autoridades competentes devem fiscalizar a legalidade das

intervenções Públicas praticadas.

Logo, sempre que as restrições impostas aos contribuintes não seguirem as

ordens legalmente recepcionadas pela Constituição, ou, se mesmo seguindo estas,

ferirem direito líquido e certo de forma desmotivada, ocorreu uma Sanção Política no

direito tributário. Esta situação é notoriamente descabida, e não pode existir no

Estado Democrático de Direito.

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