as rotas do comércio do grão-pará (goiás)

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-Graduação em História Social AS ROTAS DO COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ: NEGOCIANTES E RELAÇÕES MERCANTIS (c. 1790 a c. 1830). Siméia de Nazaré Lopes Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História. Rio de Janeiro Agosto de 2013.

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Universidade Federal do Rio de JaneiroInstituto de História

Programa de Pós-Graduação em História Social

AS ROTAS DO COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ: NEGOCIANTES E

RELAÇÕES MERCANTIS (c. 1790 a c. 1830).

Siméia de Nazaré Lopes

Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio

Tese de Doutorado apresentada aoPrograma de Pós-Graduação em HistóriaSocial, Instituto de História, daUniversidade Federal do Rio de Janeiro,como parte dos requisitos necessários àobtenção do título de Doutor em História.

Rio de Janeiro

Agosto de 2013.

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AS ROTAS DO COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ: NEGOCIANTES E

RELAÇÕES MERCANTIS (c. 1790 a c. 1830).

Siméia de Nazaré Lopes

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AS ROTAS DO COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ: NEGOCIANTES E RELAÇÕES

MERCANTIS (c. 1790 a c. 1830).

Siméia de Nazaré Lopes

Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social,Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dosrequisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História.

Aprovada por:

 __________________________________________________

Presidente, Prof. Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio (UFRJ)

 _________________________________________

Prof. Dr. João Luis Ribeiro Fragoso (UFRJ)

 _________________________________________

Prof. Dr. Carlos Gabriel Guimarães (UFF)

 _________________________________________

Prof. Dr. Roberto Guedes Ferreira (UFRRJ)

 _________________________________________

Profa. Dra. Carla Maria Carvalho de Almeida (UFJF)

Rio de JaneiroAgosto de 2013.

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 Para Carlos,

 pela companhia-ideal em todos esses caminhos.

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AGRADECIMENTOS

Desde que iniciei a construção dessa pesquisa, ela foi permeada por viagens, encontros,

desencontros. Em todos os lugares eu encontrei pessoas que me ajudaram a construir um poucodo trabalho que apresento agora. Alguns contaram na elaboração dos aspectos teórico-

metodológicos, outros estavam presentes quando a escrita não fluía ou, simplesmente, era

“perdida”. Agora, é o momento em que posso agradecer a essas pessoas que participaram da

construção dessa tese e que acreditaram na finalização dela.

Agradeço a Deus, por ter sido o meu refúgio e fortaleza.

Agradeço à CAPES, pelo financiamento da bolsa PDSE/CAPES, com a qual pude realizar

o estágio doutoral em Lisboa.

À Universidade Federal do Amapá, pela bolsa PRO-DOUTORAL e pela liberação para

cursar o doutorado. Igualmente agradeço aos meus colegas do Colegiado de História, mas

especialmente a Guilherme Jarbas de Santana, Simone Garcia, Cecília Bastos, Dorival Costa e

Iza Vanesa Guimarães.

Aos meus colegas da “Linha Sociedade e Economia” por todos os debates, indicações,

críticas e conversas amenas que dividimos durante as aulas e para além delas. Agradeço aos

colegas e professores do grupo de discussão Antigo Regime nos Trópicos (ART) pelas

contribuições que fizeram ao meu projeto de pesquisa.

À Sandra Helena e Rita Alves, que desde o meu ingresso no PPGHIS facilitaram a minha

vida com as declarações e ofícios que eu precisava. A atenção de vocês duas foi um diferencial

na academia.

Aos professores do PPGHIS Manolo Florentino e João Fragoso pelas discussões e

indicações expressas nas disciplinas ofertadas. Agradeço aos professores que aceitaram o convite

 para participar da banca de defesa: Carla Maria Carvalho de Almeida, Carlos Gabriel Guimarães,

João Luis Fragoso e Roberto Guedes.Agradeço aos professores Roberto Guedes e Carlos Gabriel Guimarães pelas propostas,

indicações e críticas apresentadas no exame de qualificação. Ao professor Carlos Gabriel

Guimarães estendo mais um agradecimento pelas disciplinas que cursei, pelas suas críticas aos

textos apresentados nas Jornadas Acadêmicas, pelos textos, teses e documentos que me

disponibilizou para essa tese. Ao professor Ciro Cardoso ( in memorian) pelas indicações,

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contatos e leituras sobre Caiena. À professora Rosa Acevedo Marin pela atenção em dialogar

comigo sobre os caminhos dessa tese.

Agradeço ao Professor Antonio Carlos Jucá de Sampaio pela sua atenção nos momentos

de insegurança dessa pesquisa, pela orientação e leitura atenta, mas principalmente pelaconfiança que sempre depositou em mim, quando eu mesma duvidava! À professora Maria

Leonor Freire Costa, co-orientadora no Instituto Superior de Economia e Gestão  –  Lisboa, pelas

orientações e indicações para a pesquisa documental nos arquivo de Portugal.

A pesquisa documental foi dividida em vários arquivos, onde contei com o auxílio dos

funcionários na busca das fontes. Agradeço aos funcionários do Arquivo Público do Estado do

Pará (em especial ao seu diretor, Agenor Sarraf), do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, do

Arquivo Nacional da Torre do Tombo (principalmente ao senhor Paulo Trimuceiro), do Arquivo

Histórico Ultramarino e do Arquivo Histórico do Ministério do Obras Públicas.  Je remercie le

 personnel des archives à Caienne et en Aix-En-Provence.

Agradeço à Patrícia Souza e Diogo Braga Mendes pela elaboração das tabelas e dos

gráficos, sempre muito atenciosos e prestativos nos meus momentos de aflição.

À Raphaelle Hartemann, Eugène Epailly, Stéphane Granger e ao professor Jean-Pierre

Ho-Choung-Ten, agradeço todo o auxílio que dispensaram comigo durante a minha estada em

Caiena, pela facilidade no acesso às fontes e livros, mas principalmente pelas conversas sobre a

relação entre Pará e a Guiana Francesa.  Je vous remercie de votre attention pendant mon séjour à

Cayenne. 

Agradeço aos amigos Eliane Soares, Elane Gomes, Andréa Pastana, Luciana Marinho,

Shirley Nogueira e Ronaldo Charlet pelas fontes, livros, teses, conversas, leituras e pelos poucos

momentos de descontração que passei na companhia de vocês.

Agradeço à Albina pela hospitalidade mineira tanto no Rio de Janeiro, como em Madri,

muito obrigada  por todo auxílio, desde a seleção do doutorado. Ao Rodrigo “Ládis” não posso

deixar de agradecer pela hospitalidade. Em São Paulo, agradeço ao André Machado e à FernandaSposito pela companhia e pelos projetos que pensamos para o Estado do Grão-Pará.

Ao amigo Alírio, tenho que agradecer por todo o percurso até finalizarmos o nosso

“projeto 12 anos”. Obrigada pela hospitalidade, cuidado e pela eterna amizade. Vamos pensar

outro “projeto 12 anos”? Aos amigos Adilson Brito e Carlo Romani, muito obrigada por to do o

apoio, pelas fontes e pelo debate na construção dessas “fronteiras fluentes”.  

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Ao meu amigo-irmão Edvan Costa, muito obrigada pela torcida e desculpa pelas

ausências. Agora a minha presença nos eventos está confirmada! Ao César Martins e Luis

Saraiva, obrigada pela amizade e pelas conversas sobre as desventuras do doutorado.

Ainda na academia, não tenho com deixar de agradecer aos meus amigos de coraçãoJonas Vargas e Leandro Andrade. Desde o início do doutorado o diálogo com vocês oscilava

entre as nossas pesquisas e o mundo para além delas. A nossa amizade sobreviveu aos apertos do

Rio de Janeiro e de Lisboa, mas ajudou a solidificar o carinho que tenho por vocês. Obrigada por

todos os “favores de irmão” que vocês me prestaram e continuam prestando. Isso é um dos bônus

do doutorado.

 Na minha casa na Paissandu, eu recebi tantos amigos e amigos de amigos que não tenho

como listar todos aqui, mesmo assim, gostaria de citar: Glaydson, Lívia, Marcelino, David,

 Naiara, Letícia, Daniela, Rafaela, Moacir, Pablo, Vilmara, Eudes, Daniel “Zangado”, Lena,

Tassiana, Francisco e Rodrigo “Encantado”. Muito obrigada a todos vocês que ajudaram a

amenizar a falta da família e a ter companhia para um café com tapioca ou um almoço paraense.

 Não posso esquecer-me de agradecer ao Tony Leão que sempre foi uma companhia paraense no

Rio de Janeiro.

Agradeço imensamente à Surama e à família Farias por todo o cuidado que tiveram

comigo quando “sai de casa”. Com a ajuda de vocês, Macapá se tornou uma continuação da

minha casa.

Agradeço à minha “Tia querida”, dona Raquel, e à Vó pelas orações que fizeram e

continuam fazendo para tudo dar certo. Ao Eduardo e à Solange pelos passeios.

À minha amiga Paty, por tudo que passamos e por sempre estares presente para me

apoiar. Não tenho como expressar a eterna gratidão e amizade sincera nos momentos de

desespero que acompanharam o final da tese.

Tenho um agradecimento especial aos meus irmãos José Carlos, Adalberto, Vera, Claudia

e André; às cunhadas Patrícia e Cleimer; aos sobrinhos Leon, Gabriela, João, Paula, Beatriz eIsadora. O apoio de vocês foi tão grande que não cabe nas páginas desse “TCC de doutorado”.

Obrigada por tudo que vocês fizeram para viabilizar a construção desse trabalho. A nossa mãe

não está presente para vê-lo concluído, mas sabemos que isso é resultado do esforço dela. Nós

conseguimos!

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Ao Carlos, a minha companhia-ideal, obrigada por todos os momentos de correria e

tranquilidade que passamos juntos. As conversas, as pesquisas, as leituras e as ausências foram

momentos importantes na “busca de um sono tranquilo”. A você dedico esse trabalho. Agora que

o finalizamos, vamos comprar o nosso cd de música de chuva!

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Resumo:

A proposta desse estudo é analisar como se estruturaram os circuitos mercantis e as atuações de

negociantes e de agentes do comércio da praça de Belém (na capitania do Grão-Pará) de 1790 a

1830. Procurou-se observar as práticas comerciais desenvolvidas no Grão-Pará e o

estabelecimento de conexões com outras áreas da América portuguesa, como Maranhão, Goiás e

Mato Grosso. A documentação notarial (Procurações e Escrituras) permitiu assinalar os padrões

de investimento desses sujeitos, as suas estratégias utilizadas para diminuir as incertezas

 presentes nessas atividades, bem como possibilitou perceber como essas relações comerciais

estavam articuladas a outras praças mercantis. A partir da historiografia sobre o tema foi possível

identificar as especificidades presentes nas atividades comerciais dos sujeitos envolvidos noscircuitos mercantis analisados. Com base nisto, nota-se que a atuação desses sujeitos contou com

a articulação e os intercâmbios comerciais para além das rotas voltadas para o comércio atlântico

como Lisboa, Londres e Caiena. A existência de um mercado interno colonial foi identificada por

meio das vinculações dos homens de negócio presentes no comércio de Belém com os sertões da

capitania e com as outras cidades-marítimas da América portuguesa e do Caribe. Outrossim, a

ideia de analisar as redes mercantis que se firmaram no Império português durante período

colonial possibilita repensar a conexão existente nessa área e a própria noção de império que se

estrutura a partir dessas relações.

Palavras-chave: conexões e redes mercantis, comércio fluvial, escrituras públicas.

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 Abstract :

This study analyses how it was structured the mercatile circuits and the performances of traders

and commercial agents from Belém (capitania of Grão-Pará), from 1790 to 1830. Sought to

observe the commercial practices developed in the Grão-Pará e and theconnections estabilished

with other areas of the Portuguese America, as Maranhão, Goiás and Mato Grosso. The “notarial”

documents (Attorneys and Scriptures), allowed to sign the investment patterns of these subjects,

the strategies used to reduce uncertainties in those activities, as well enabled to realize how these

 business relationships were related to other mercantile squares. From the historiography about the

theme it was possible to identify the specificities that are present in the commercial activities

developed for subjects involved in the mercantile circuits analyzed. It seems that the performanceof these subjects counted on the joint and the commercial exchanges beyond the routes of the

Atlantic commerce, as Lisboa, Londres and Caiena. The existence of an intern colonial market

was identified throught the linkages between the commerce of Belém, the “sertões” of the

captaincy and other maritime cities of portuguese America and Caribe. The idea of analyzing the

mercantile networks that have been consolidated in the Portugal Empire during the colonial

 period, enables to rethink the existent connection in this area and the notion of empire that is

structured from these relationships.

Key-words: connections and mercatile networks, fluvial commerce, public scriptures.

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Sumário 

Introdução: .............................................................................................................................. 16 

1- A capitania do Pará e a formação das rotas de comércio; ................................................ 26 

1.1- Belém e o espaço administrativo e político do Grão-Pará. ............................................. 27  

1.2- A força comercial das Comarcas da Capitania do Pará; ............................................... 35  

1.3- Deslocamentos e embarcações das vilas do interior; ...................................................... 49 

1.4- A Cidade de Belém e o seu movimento portuário; ......................................................... 67 

2- Imóveis, terras e crédito: variações do mercado na cidade de Belém. .............................. 80 

2.1- As escrituras públicas do tabelião Perdigão.................................................................... 88 

2.2- Escrituras de venda na Cidade de Belém. ......................................................................104 

2.3- Escrituras de venda nas Vilas da Capitania...................................................................120 

2.4- Muito a seu contento, tanto em preço como em qualidade: as Escrituras de Obrigação

de Dívida na cidade de Belém ................................................................................................135 

2.4.1- Os processos de ação ou juramento de alma e de assinação de dez dias. ...................149 

3- A Praça Mercantil de Belém: Negociantes e Circuitos Mercantis. ..................................156  

3. 1- A praça de Belém e as relações com os negociantes das vilas do interior: ...................158 

3.1.1: As sociedades mercantis de lojas, tabernas e fazendas para a cidade de Belém. .......197  

3.1.2: O giro do comércio pelo sertão da capitania do Pará. ................................................208 

4- A Capitania do Pará e as conexões com Lisboa e com as capitanias do Maranhão e do

Oeste da América portuguesa. ...............................................................................................222 

4.1- Pará e Maranhão no comércio Atlântico: ......................................................................232 

4.2- O comércio fluvial com a capitania do Mato Grosso. ....................................................246 

4.2.1- A carreira do Pará. ......................................................................................................265 

5- As relações comerciais entre o Grão-Pará e a Guiana Francesa......................................284  

5.1- A praça comercial de Belém no contexto da ocupação de Caiena. ................................291 

5.2- O Naufrágio do Navio “Santa Anna Vigilante”: ............................................................311 

5.3- Contexto da Guerra e a redefinição do transporte de mercadorias: o controle das

embarcações e a ação de corsários na costa do Grão-Pará. .................................................343 

Conclusão: ..............................................................................................................................354 

Fontes: ....................................................................................................................................358 

Bibliografia: ...........................................................................................................................366 

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Tabelas

Tabela 1.1: O principais rios das freguesias e brancos e de índios.............................................. 48

Tabela 1.2: Classificação das Vilas de acordo com os rios do Vale do Amazonas (1826) .......... 57

Tabela 1.3: Distribuição das embarcações por proprietário (1826). ............................................ 60

Tabela 1.4: Distribuição das embarcações por atividade econômica (1826) ............................... 62

Tabela 2.1: Quantidade de Escrituras Públicas 1793-1834 ......................................................... 96

Tabela 2.2: Participação total e percentual dos 3 tipos de vendas realizadas por período (1793-

1834). ....................................................................................................................................... 98

Tabela 2.3: Número total de Escrituras e Valor total de vendas dos bens transacionados no período 1973-1934 ...................................................................................................................102

Tabela 2.4: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no valor total de vendas por

 período (1793-1834) ................................................................................................................102

Tabela 2.5: Número total de escrituras por tipo de bens transacionados na Cidade por período

(1793-1834) .............................................................................................................................106

Tabela 2.6: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no número total de vendas na

Cidade por período (1793-1834) ..............................................................................................106

Tabela 2.7: Evolução dos valores totais dos bens transacionados na cidade por período (1793-

1834) .......................................................................................................................................108

Tabela 2.8: Resumo descritivo das vendas por tipo de propriedade na cidade por período (1793-

1934) .......................................................................................................................................109

Tabela 2.9: Participação (%) de diversos tipos de vendedores em Vendas de propriedades nas

Cidades por período (1793-1834) .............................................................................................116

Tabela 2.10: Participação (%) de compradores em compras de propriedades nas Cidades por

 período(1793-1834) ................................................................................................ .................117

Tabela 2.11: Número total de escrituras por tipo de bens transacionados nas vilas da Capitania

 por período (1793-1834) ................................................................................................ ..........123

Tabela 2.12: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no número total de vendas nas

vilas da Capitania por período (1793-1834) ..............................................................................123

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Tabela 2.13: Evolução dos valores totais dos bens transacionados nas vilas de Capitania por

 período (1793-1834) ................................................................................................................128

Tabela 2.14: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no número total de vendas nas

vilas de Capitania por período (1793-1834) ..............................................................................128Tabela 2.15: Resumo descritivo das vendas por tipo de propriedade nas vilas de Capitania por

 período (1973-1834) ................................................................................................................129

Tabela 2.16: Participação total e percentual das Obrigações de Dividas por período (1793-1834)

 ................................................................................................................................................138

Tabela 2.17: Bens hipotecados nas Escrituras de Obrigação de Dívida .....................................141

Tabela 2.18: Participação (%) de credores por título no acesso ao crédito (1793-1834) ............142

Tabela 2.19: Concentração do valor total dos empréstimos nos 50% maiores (1793-1834) .......147

Tabela 3. 1: Equipagem das Embarcações ................................................................................179

Tabela 3.2: Evolução temporal dos destinos das procurações (1790-1834) ...............................189

Tabela 3.3: Destinos das procurações passadas por comerciantes de Belém (1793-1834) .........193

Tabela 3. 4: Destino das Procurações Geral e Bastante lançadas em Belém (1793-1834) ..........196

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Mapas, Figuras e Gráficos

Mapa 1.1: Planta da Cidade de Belém do Grão-Pará (1753). ..................................................... 29Mapa 1.2: Mapa da vale do Rio Amazonas e de seus principais afluentes. ................................. 45

Mapa 2.1: Planta da Antiga cidade de Belém (1791). ................................................................ 85

Mapa 3.1: Cidade de Belém e as principais vilas do oeste do Pará. ...........................................164

Mapa 4.1: Grão-Pará, Rio Negro, Maranhão, Mato Grosso e Goiás ..........................................223

Mapa 4. 2: Comunicação fluvial entre as capitanias do Pará e Mato Grosso. ............................250

Mapa 5. 1: Ilhas do Caribe e norte da Guiana Francesa. ...........................................................306

Mapa 5.2: Costa Setentrional do Pará e Guianas Francesa e Holandesa. ...................................312

Figura 1.1: Tipos de embarcações utilizadas na navegação fluvial no Vale do Amazonas. ......... 54

Figura 1.2: Tipos de canoas utilizadas na navegação fluvial do Vale do Amazonas. .................. 55

Figura 1.3 Igreja da Praça da Mercês (1791). ............................................................................ 71

Organograma 4.1: Relação das sociedades e procurações entre Pará e o oeste do Estado do Brasil

(João Lopes da Silva) ...............................................................................................................281

Organograma 5.1: Procurações de Ana Joaquina Carneiro substabelecidas para Belém e Caiena.

 ................................................................................................................................................325

Organograma 5.2: Procurações de Francisco José de Souza para Belém e Caiena. ....................326

Organograma 5. 3: Relação de Negociantes para receberem letras e recibos em nome de José

Alves Viana. ............................................................................................................................330

Gráfico 2.1: Evolução do Número de Escrituras (1793-1834). ................................................... 98

Gráfico 2.2: Evolução do número de Escritura por tipo de venda (1793-1834). ........................100

Gráfico 2.3: Evolução dos valores negociados por tipo de venda (1793-1834) ..........................103

Gráfico 2.4: Valor médio de propriedades nas cidades (1793-1834). ........................................108

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Gráfico 3.1: Quantidades da produção voltada para o abastecimento interno (1812-1819) ........170

Gráfico 3.2: Quantidade de cacau transportado para Belém (1812-1819). .................................172

Gráfico 3.3: Média de índios e escravos remeiros por embarcação ...........................................180

Quadro 3. 1: Produtos provenientes das vilas de Óbidos e Santarém (1812-1819) ....................174

Quadro 3.2: Lista de Gêneros registrados em Gurupá das principais vilas do Estado do Pará

(1812-1919) .............................................................................................................................176

Quadro 3.3: Lista de Gêneros registrados em Gurupá nas demais vilas do Estado do Pará (1812-

1919) .......................................................................................................................................178

Quadro 5.1: Balança Comercial de Caiena com o Pará (1814-1815) .........................................304

Quadro 5.2: Balança Comercial de Caiena com as capitanias do Estado do Brasil (1814-1815) 304

Quadro 5.3: Relação dos negociantes de Caiena que participaram da compra da carga do navio

“Santa Anna Vigilante”. ...........................................................................................................320

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Introdução:

Desde o início da ocupação portuguesa na região do vale do Rio Amazonas que o

comércio realizado na capitania1 do Pará se deslocava para as áreas e vilas dos sertões do Estado.

 Nesse espaço, os sujeitos envolvidos no circuito mercantil articulavam a extração das drogas do

 sertão, a comercialização das mercadorias importadas e a negociação desses produtos para serem

transportados até o porto da cidade de Belém. No porto da cidade, essas mercadorias abasteciam

o comércio local e/ou eram exportadas para o porto de Lisboa. No final do século XVIII e início

do século XIX, o comércio para essa área demandou um maior controle, em função das

transações comerciais realizadas no vale do Amazonas que também se estendiam para ascapitanias do Maranhão e do Oeste do Estado do Brasil (Mato Grosso e Goiás), deslocando-se

também para outras praças, como a da Guiana Francesa e Caribe. Com esse intuito, as fortalezas

levantadas ao longo dos rios serviam de base de apoio para os negociantes em suas embarcações,

mas principalmente de ponto de fiscalização para aferir os produtos negociados e as pessoas

afeitas a esse comércio. Nesse caso, as rotas fluviais e atlânticas se conectavam aos mercados

regionais e urbanos articulando os diferentes sujeitos envolvidos nesse espaço de economia

colonial.

Com base nos registros realizados sobre essa circulação comercial, buscou-se analisar a

construção de redes de comércio no vale do Amazonas, os seus fluxos comerciais e os seus

desdobramentos para outras áreas da América portuguesa. As práticas mercantis foram

entendidas com base nas conexões existentes entre os indivíduos, abordando as estratégias, as

negociações e os conflitos envolvidos na construção de redes de relações sociais.2 O período de

1790 a 1830 foi marcado por alterações e permanências das práticas mercantis realizados pelos

negociantes e agentes do comércio da praça de Belém. Nesse caso, esse estudo se localiza no

1 Segundo Maria de Fátima Gouvêa, entre 1808 e 1821, “as palavras capitania e  província  eram usadas de formaalternada e ambivalente na legislação editada pela Coroa portuguesa, sendo ambos os termos utilizados nadesignação das unidades territoriais que integravam o império luso na América”. GOUVÊA, Maria de Fátima Silva.O Império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 17. Diantedisso, privilegiou-se por usar o termo capitania, por ser o mais comum encontrado nas fontes analisadas.2  Nessa perspectiva, as análises propostas pela micro-história ajudam a entender as formas como os sujeitos sear ticulavam e como os grupos se apresentavam diante das relações de “conflito e de solidariedades,” tendo em vistaque essas ações sociais são constantemente reinterpretadas pelos seus sujeitos. LEVI, Giovanni. “Sobre a micro -história”. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.

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 período que João Fragoso definiu como “colonial tardio”, em que foi marcado por uma “época de

transição”, não só econômica, mas por  outras formas de dominação do “capital mercantil e, pois,

com a hegemonia de uma nova elite econômica”, essa “constituída pela comunidade de

comerciantes de grosso trato” da praça do Rio de Janeiros.3  Não se apresenta aqui um estudocomparativo entre as duas praças, mas tentou-se observar como os negociantes da praça de Belém

atuaram no circuito mercantil do vale do Amazonas, bem como as suas estratégias para

diversificar e consolidar os seus negócios em outras áreas de investimento.

Os estudos recentes sobre a temática relativa à América colonial visam analisar as

especificidades que estão presentes na articulação entre as diferentes economias coloniais,

relativizando as discussões cristalizadas apenas nas ações da Metrópole e do sistema colonial.

Desta forma, pretende-se introduzir as discussões sobre a existência de outros mercados, como o

regional e o interno, sem os quais o mercado metropolitano não existiria. Os estudos voltados

 para as relações de poder e de governação para o contexto hispano-americano têm contribuído

 para a renovação dessas abordagens voltadas para as diferentes áreas da América ibérica.

Repensar as relações de tensão e de conflito e atentar para a importância que os “governos locais

haviam contribuído para a formação [do] complexo im perial nas Américas” têm sido valorizados

nas novas abordagens historiográficas sobre as sociedades coloniais. 4 Para tanto, essas análises

sublinham a importância de se articular as práticas comerciais desenvolvidas nas colônias da

América portuguesa com as outras possessões europeias e com as demais capitanias do Império

 português.5 

Em análise sobre a praça mercantil do Rio de Janeiro entre fins do século XVIII e início

do XIX, João Fragoso investigou as conexões de negociantes e as rotas comerciais existentes

entre o Rio de Janeiro e os circuitos mercantis internos, assim como entre as outras margens do

Império português, como o Oriente e a África, que seriam possibilitadas por práticas do Antigo

3 FRAGOSO, João. “A noção de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas do Império português: 1790-1820”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Ma ria de Fátima (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII).  Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2001, pp. 319-338.4 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. “Diálogos historiográficos e cultura política na formação da América Ibérica”.In: SOIHET, Raquel, BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.). Culturas políticas: ensaiosde história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, p. 68.5 FRAGOSO, João. “A noção de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas do Império

 português: 1790-1820”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII).  Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2001, pp. 319-338.

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Regime, como o sistema de mercês, “as redes de reciprocidades e a formação de clientelas que

cruzaram e uniram as diferentes searas do mar lusitano”.6 Para o autor, a praça do Rio de Janeiro

articulava as rotas transoceânicas aos “mercados consumidores do interior” da América

 portuguesa. Essas relações comerciais, sustentadas a partir do mercado interno, assumem umamaior complexidade, não se constituindo apenas numa colônia com práticas determinadas pelas

demandas no mercado externo. Revela-se com essas questões o quanto que os comerciantes se

articulavam com outros espaços no interior da colônia, onde teciam suas relações sociais de

acordo com as suas demandas e realidades, o que permite atentar para as especificidades

 presentes nesse universo.

 Nesse sentido, João Fragoso elabora uma perspectiva de análise sobre a existência das

conexões imperiais entre as redes comerciais e os seus negociantes para além da América

 portuguesa, atentando para as rotas comerciais que se estabeleceram entre esses circuitos, assim

como para outros mercados do interior do Império português.7  Essas novas conexões e as

relações comerciais desenvolvidas nesse espaço colonial acabavam sendo pautadas por outros

mecanismos, por isso essas práticas sofriam a ingerência de “outras relações sociais (como as da

 política)”, isso porque esses estudos  estão pautados em um contexto no qual as práticas

comerciais não se localizavam em um “mercado autorregulado”.8 Essas relações sociais presentes

no Antigo Regime permitem o entendimento desse comércio colonial para além das relações

estritamente econômicas, pois a influência da política nesse espaço conferia o acesso necessário

 para que os negociantes e os seus agentes adentrassem nos circuitos mercantis. Independente de

seu capital monetário, o seu capital social lhes garantia “sua posição na hierarquia social lusa”,

tendo em vista que as relações que estabelecessem lhes garantiriam “privilégios mercantis, em

detrimento de seus concorrentes”.9 

Para além das trocas mercantis e dos interesses individuais dos sujeitos envolvidos nesse

circuito, a discussão relativa às relações tecidas entre os negociantes da capital e os fixados no

interior da capitania do Pará se pautou na perspectiva de que as relações sociais e políticasacabavam por sustentar as articulações entretidas no vale amazônico. Nesse sentido, percebe-se

6  Idem, p. 329.7  Idem, p. 330.8 FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. “Nas rotas da governação portuguesa: Rio de Janeiro e Costada Mina, séculos XVII e XVIII”. In: In: FRAGOSO, João ... [et al.], (orgs). Nas rotas do Império: eixos mercantis,tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006, pp. 25-72.9  Idem, p. 27.

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que dentro das relações comerciais estão presentes “motivações não-econômicas”,10 tais como as

relações de parentesco, de reciprocidade, de subordinação etc.

Ainda segundo Fragoso, os “mecanismos de reprodução da economia imperial” se

apresentavam diante uma extensa rede de relações hierárquicas, as quais articulavam diferentesindivíduos dentro dos circuitos mercantis existentes na América portuguesa.11  Logo, esses

espaços também se constituíam em lugares de disputas de poder, tendo em vista que os

 privilégios garantidos a certos negociantes excluiriam outros que não estivessem integrados às

facilidades ou às informações provenientes dessas relações. Nos rios do Estado do Grão-Pará, a

exclusão dos negociantes que estivessem fora dessas redes de privilégios era feita por meio de

impedimentos para a livre circulação das embarcações ou na falta de liberação de mão de obra

indígena para trabalharem como remeiros nas canoas de comércio. Um exemplo dessa situação

foi encontrado nos registros de ofícios do governador da capitania do Pará, em que o negociante

de Belém, Fernando José da Silva, teve seu negócio no Rio Negro (venda de fazendas)

 prejudicado pelo recrutamento de seus agentes comissários, Raimundo Barroso e Calisto Barroso

de Bastos.12  Em outros momentos, o governador do Rio Negro já havia sido acusado de

 prejudicar a circulação de embarcações de outros negociantes para favorecer o seu sócio, Antonio

da Silva Craveiro, naquele circuito.

Deve-se ressaltar que o embate e a articulação entre redes mercantis estiveram presentes

durante todo o contexto do Antigo Regime, e tendo em vista a existência desses problemas essas

redes deveriam contar com agentes nos mais diferentes pontos do circuito mercantil, tanto no

sentido social como geográfico.13  As indicações apresentadas por Fragoso incentivaram a

elaboração de um estudo sobre essas conexões também para a capitania do Pará, atentando para

as relações mercantis entre a praça comercial de Belém e as vilas do interior. Pode-se considerar

também as redes de comercialização que os negociantes de Belém constituíram com outras áreas

como Maranhão, Mato Grosso e Goiás. Essas abordagens são possíveis com base na

documentação notarial pesquisada, principalmente as procurações, além de outros documentosque apresentam essa relação comercial entre a capitania do Rio Negro e do interior do Pará com a

cidade de Belém.

10 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 90.11 FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Op. Cit., p. 27.12 Arquivo Público do Estado do Pará (APEP). Códice 693 - Correspondências do Governo com Diversos (1817 -1820), Pará, 31/01/1819.13 FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Op. Cit., p. 28.

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O uso de procurações para mapear as ramificações desse comércio de Belém com outras

capitanias da América portuguesa se baseou nos estudos sobre os “problemas de agência”

desenvolvidos por Leonor Freire Costa. Segundo a autora, o agente (procurador) era o fiel

depositário de um alto grau de confiança, essa qualidade se tornava em um “dispositivo para ofuncionamento do mercado”, tendo em vista que ele deveria garantir o “fluxo regular de

mercadorias, capitais e informações altamente sensível à confiança recíproca”.14 Nesse sentido,

tomou-se a análise das procurações como um mecanismo de redução de incertezas, mas também

como um instrumento que atribuía legalidade ao fluxo comercial.15 E tal como indica a autora,

esse tipo de procuração não representava necessariamente uma relação subalterna entre as parte

envolvidas, mas permite visualizar a grande mobilidade que tal comércio proporcionava, fazendo

com que os negociantes tivessem representantes legais em todas as extensões onde entretivessem

relações comerciais.16 

Essa análise permitiu identificar qual a dimensão do comércio realizado no Estado do

Grão-Pará e Rio Negro. As procurações seguiam o fluxo do comércio realizado nos sertões. A

malha fluvial do vale do Amazonas possui uma capilaridade de rios e, como tal, uma diversidade

econômica e de sujeitos que circulavam por esses caminhos. Ao visualizar essa topografia da

região, as análises sobre as relações de poder propostas por António Manuel Hespanha ganham

sentido para o estudo proposto. Para o autor, o conceito de poder é múltiplo, se espraiando em

diversos espaços dentro da sociedade, modificando os locais de domínio dos indivíduos fazendo

com que “a legitimidade para mandar e a disponibilidade para obedecer, [passem] a ser outras”.17 

Diante dessa proposta de análise para a atuação das elites na sociedade, pode-se perceber que as

formas de expressão utilizadas por esses sujeitos para o controle e o tipos de “depen dências que

14  COSTA, Leonor Freire. “Entre o açúcar e o ouro: permanência e mudança na organização dos fluxos (séculosXVII e XVIII”. In: FRAGOSO, João ... [et al.], (orgs).  Nas rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações

 sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006, pp. 97-134.15 Quando o negociante Fernando José da Silva teve as suas fazendas apreendidas na capitania do Rio Negro e osseus comissários recrutados para as milícias, o governador do Pará, Conde de Vila Flor, o orientou a lançar uma

 procuração bastante em nome de seus comissários para que eles fossem liberados e as suas mercadorias devolvidas.Esse processo atribuía à procuração o caráter de legitimador para o comércio e a circular de embarcações pelo ValeAmazônico. APEP. Códice 693 - Correspondências do Governo com Diversos (1817 - 1820), Pará, 31/01/1819.16 COSTA, Leonor Freire. Op. Cit., p. 104.17 HESPANHA, António Manuel. “Governo, elites e competência social: sugestão para um entendimento renovad oda história das elites”. In: HESPANHA, António Manuel. Caleidoscópio do Antigo Regime.  São Paulo: Alameda,2012, pp. 65-75.

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suscitam são muito diversas”, não havendo uma fórmula para sua manifestação dentro desse

corpo social, pois as relações de poder se tornam capilarizadas. 18 

A ideia de poder capilarizado proposto por Hespanha permite entender que o circuito

mercantil existente entre Belém e as vilas do interior da capitania do Pará, bem como com asoutras capitanias do Estado do Brasil apresentam diversos níveis de poder entre os negociantes e

os agentes mercantis envolvidos nesses fluxos comerciais. Ao contrário das argumentações

cristalizadas pela historiografia sobre os lugares de “prestígio social” que os indivíduos

detentores de poder ocupavam na sociedade, tentou-se analisar nesse estudo como as relações

comerciais dos negociantes de Belém entretidas com outros sujeitos do interior da capitania

 permitiam a formação de elites em outros espaços e nas mais diferentes relações. O que conduz

ao entendimento de que as sociedades mercantis e as procurações lançadas para as mais diversas

vilas e cidades podiam ser pautadas por hierarquias e dependências, mas também por integrações,

negociações e articulações dos sujeitos envolvidos nesses fluxos mercantis.

 Nesse estudo foram utilizadas as Escrituras públicas de Sociedade, de Dívida, de Venda e

as Procurações contidas no Livro de Notas do Tabelião Perdigão,19 assim como os documentos

avulsos do Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) para as capitanias do Pará e do Rio

 Negro. Os registros das embarcações que passaram pelo posto fiscal de Gurupá, os códices dos

comboios20  e de passaportes da Capitania/Província do Pará foram utilizados por conterem as

informações (tais como nome, ocupação, destino e motivo da viagem) das pessoas que

transitavam pelas capitanias/províncias do Pará e do Rio Negro, os quais complementam as

informações apresentadas nos Livros de Notas selecionados para a presente análise.

Primeiramente será analisado como se estruturou esse comércio fluvial para o interior do Pará e a

 participação dos sujeitos envolvidos nesse circuito mercantil. Em seguida, será discutida a

formação das sociedades mercantis e o seu direcionamento tanto para a cidade de Belém, como

 para os sertões da capitania e para o Rio Negro, para onde se concentrou a maior parte das

escrituras.

18  Idem. 19  O Livro de Notas do Tabelião Perdigão (doravante LNTP) é composto de Procuração Bastante e Geral, deEscrituras de Venda, de Escrituras de Sociedade, de Escrituras de Obrigação de Dívida e de Escrituras de Doação.Serão utilizados os livros que compreendem os anos de 1793 a 1834, privilegiando para a discussão proposta apenasas procurações e as Escrituras de Sociedade. Os Livros de Notas do Tabelião Perdigão estão contidos nadocumentação do Arquivo Público do Estado do Pará (doravante APEP). Ressalta-se que para alguns anos adocumentação está completamente ilegível, danificada ou é inexistente.20 Os códices dos comboios fazem parte do acervo do APEP.

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 Nesse sentido, a presente proposta de pesquisa sobre os circuitos mercantis do Estado do

Grão-Pará e as atuações de negociantes das praças de Belém foi possível também pelo conjunto

documental existente para o período de 1790 a 1830. A documentação coletada para esta pesquisa

sobre os circuitos mercantis e seus agentes foi composta pelos códices depositados no ArquivoPúblico do Estado do Pará (APEP). Nas correspondências trocadas entre as diversas autoridades

administrativas e militares havia informações sobre a necessidade do controle e fiscalização das

 práticas comerciais, a atuação de negociantes e o papel dos agentes do comércio que circulavam

 pelos espaços destacados para a pesquisa. As listagens e as informações sobre os negociantes que

fizeram doações para as tropas possibilitaram definir quem eram os indivíduos representativos

dessa comunidade mercantil e que participação eles tiveram no comércio com Caiena.

A partir desta documentação, também foi possível atentar para a representação que as

autoridades estavam construindo ao discutirem as ações dos sujeitos envolvidos nas práticas de

comércio de mercadorias e produtos dos sertões. Cabe ressaltar que não há documentação

 produzida pelos negociantes que aviavam suas mercadorias, as descrições apresentadas para esta

 pesquisa são as ações comerciais relatadas pelas autoridades civis e militares, nas diversas

expedições que fizeram pelos espaços econômicos privilegiados para esse estudo. A atuação de

negociantes da praça do Grão-Pará foi apresentada com base na Documentação Notarial (DN),

composta de Autos de Devassa, dos Livros de notas do tabelião Perdigão (1807-1808) e nos

testamentos.

 No Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI, Rio de Janeiro) há uma seção de códices com

documentos relativos aos Governos, Repartições e Autoridades Regionais e Locais, o que

 permite a análise das questões propostas relacionadas aos debates entre as autoridades das regiões

destacadas para estudo nessa pesquisa. Parte da documentação levantada consiste em ofícios

trocados entre as autoridades do Grão-Pará e as do Rio Janeiro sobre as questões relativas à

dinamização, controle e administração do Grão-Pará, bem como assuntos relacionados ao

comércio e à navegação dessa região. Há ainda o fundo de documentação  Rio Branco, que guardacódices sobre as questões fronteiriças entre Grão-Pará, Mato Grosso e Guiana Francesa.

A documentação digitalizada do Arquivo Histórico Ultramarino21  reforça esse conjunto,

 pois permite investigar não só os relatos sobre a capitania do Grão-Pará, como também as do Rio

21 A documentação do Arquivo Histórico Ultramarino foi digitalizada através do Projeto Resgate e está disponívelem Cd’s. Esta documentação compreende as diversas capitanias da América portuguesa, servindo de material paraanálise dessa pesquisa os referentes ao Grão-Pará, Rio Negro, Maranhão e Mato Grosso.

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 Negro e Maranhão. Essa documentação possibilita investigar que outras dimensões esse comércio

teve para além da capitania do Grão-Pará, pensando, nesse caso, sobre as possíveis distensões

desse circuito mercantil da praça de Belém para a região caraibo-amazônica. Nessa

documentação estão presentes processos sobre naufrágios, corso e resgate de embarcações portuguesas, o que possibilita mapear os sujeitos envolvidos nessas situações, assim como

apresenta as sociedades que são firmadas nessas situações. As estratégias utilizadas pelos

administradores locais são apresentadas nas correspondências avulsas que também compõem essa

documentação. Por fim, é possível recorrer a fontes publicadas, como os relatos de viajantes que

 passaram pela região durante o período delimitado para esta pesquisa, coletâneas de documentos

referentes ao período delimitado e memórias sobre diferentes aspectos da sociedade do Grão-

Pará. Essas fontes permitem uma análise geral do contexto, assim como aspectos específicos para

serem analisados nessa pesquisa.

O primeiro capítulo discute o contexto econômico da Capitania do Pará entre o final do

século XVIII e início do XIX. Nessa parte, a análise está voltada, primeiramente, para a

historiografia referente ao tema que, frequentemente, privilegiou as observações concernentes

apenas para a exploração e coleta das drogas do sertão e a utilização da mão de obra indígena e

de escravos africanos nessas atividades. Destacam-se para esse capítulo os debates sobre o

comércio que era desenvolvido na região, o controle sobre as rotas de navegação fluvial

estabelecidas desde o início da colonização, bem como sobre as canoas de comércio empregadas

nessa economia. A análise sobre as embarcações e a descrição de seus usos e locais de circulação

foi possível com base nos Censos das Canoas das vilas do interior da capitania. A classificação

dessas vilas do vale do Amazonas foi baseada na arrecadação dos dízimos e dos ramos 

apresentada pelos governadores da capitania. Isso permitiu o entendimento de como os sujeitos

daquela temporalidade percebiam aquele espaço e a sua configuração econômica. Essa análise foi

 possível em função da documentação coletada no APEP em que se registram essas abordagens

 para a capitania do Pará no início do século XIX.O segundo capítulo apresenta a comunidade mercantil de Belém, objetivando mapear a

atuação dos comerciantes estabelecidos na praça de Belém e identificar os seus padrões de

investimento presentes naquela sociedade. Nesse caso, objetivou-se identificar a cadeia de

fornecimento de mercadorias e de endividamento desses sujeitos. Analisar os testamentos de

alguns desses comerciantes com o intuito de identificar o grau de articulação de suas atividades e

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com outros sujeitos dentro do contexto político da região também são objetivos para se discutir

nesse capítulo. Outro ponto analisado foi o processo de endividamento de alguns negociantes de

Belém e das vilas do interior da capitania, o que possibilitou perceber que outras formas de

investimentos e de cobranças eram praticadas nesse período. A documentação notarial coletadano Arquivo Público do Pará, além do corpo documental contido nos arquivos de Portugal, se

constituiu na principal fonte utilizada para essa perspectiva de análise em que se buscou

identificar como se organizava o mercado de crédito em Belém e em outras vilas. Essas

discussões foram pautadas pela documentação notarial

 No terceiro capítulo, foi possível apresentar a praça mercantil de Belém e o comércio que

se estabeleceu entre os portos da cidade de Belém com os portos das vilas do interior e com a

capitania do Rio Negro. A proposta foi analisar a constituição de sociedades mercantis para essas

áreas e as articulações dos negociantes envolvidos nessa atividade. Essa análise se pautou nas

escrituras e procurações coletadas, bem como nas correspondências trocadas entre as autoridades

dessas capitanias. Os registros fiscais permitiram a identificação dos negociantes das vilas do

interior e as suas relações com os da capital. A partir disso, os produtos comercializados nos

sertões e as rotas de comércio privilegiadas para efetivar a circulação desses gêneros e de pessoas

foi uma questão que se buscou responder. Além disso, as procurações foram indicadores das

articulações e dos deslocamentos desses sujeitos na América portuguesa, assim como a circulação

desses sujeitos dentro do próprio Império português. A formação de redes comerciais entre as

 praças comerciais de Belém e Lisboa, bem como a trajetória de alguns comerciantes de Belém

são questões a serem levantadas nesse capítulo. Situações de negociantes que iniciaram suas

atividades nos sertões e depois regressaram para Portugal e de lá continuaram administrando seus

negócios com os sócios de Belém foi outro ponto apresentado. Para essa discussão, as análises de

Jorge Pedreira também foram muito relevantes, tendo em vista o seu estudo sobre o retorno de

comerciantes reinóis para Portugal e as suas trajetórias dentro desses circuitos mercantis. 22 

 No quarto capítulo, privilegiou-se apresentar as políticas e as práticas comerciaisdesenvolvidas pelas autoridades portuguesas e de negociantes para o incremento do comércio

fluvial ligando o Grão-Pará às capitanias do oeste da América portuguesa (Mato Grosso e Goiás),

 bem como com a capitania do Maranhão. As conexões comerciais existentes entre Belém e as

22  PEDREIRA, Jorge M. “Brasil, fronteira de Portugal. Negócio, emigração e mobilidade social (séculos XVII eXVIII)”. In: Anais EU , 8-9, 1998-1999.

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capitanias/províncias do Maranhão, Mato Grosso e Goiás foram discutidas com base nas

correspondências e documentação avulsa presentes no Projeto Resgate (AHU). Por fim, foram

discutidas algumas propostas para a implementação da comunicação fluvial constante entre o

Pará e Mato Grosso. A carreira do Pará seria a garantia de que a cidade de Vila Bela teria umaregularidade no abastecimento de mercadorias e de armamento para segurança da região diante o

contato com as províncias espanholas. A atuação dos negociantes da praça de Belém envolvidos

nesse comércio e as redes comerciais estabelecidas com a cidade de São Luís permitiram

identificar um projeto de ocupação do território por meio das atividades comerciais entre todo o

Estado do Grão-Pará e as capitanias vivinhas.

Por fim, no quinto capítulo da tese, discute-se a praça mercantil de Belém e a sua

articulação com a cidade de Caiena no período da Conquista (1809-1817). A investigação sobre

as relações que se estabeleceram entre essas duas comunidades mercantis foi possível a partir da

documentação coletada nos arquivos de Aix-En-Provence (França) e nos Archives

Départementales de la Guyane (Caiena) e na Bibliotèque de la Universitè de les Antilles et de la

Guyane (Caiena), além dos documentos presentes no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,

Arquivo Histórico do Itamaraty (RJ) e no Arquivo Público do Estado do Pará (APEP). Com base

nessa massa documental, a atenção se voltou para compreender as possibilidades de arranjos, de

acordos e de conflitos envolvendo os segmentos mercantis das duas praças comerciais, como

também a possibilidade de expansão do circuito mercantil de Belém para outras áreas do Caribe e

as estratégias utilizadas por esses sujeitos diante as incertezas presentes nessa economia colonial.

Destaca-se que nas questões apresentadas ao longo deste trabalho buscou-se observar

outras perspectivas de análise sobre a construção de redes de comércio no vale do Amazonas em

fins do XVIII e início do XIX. As fontes pouco usadas para essas questões e a historiografia

recente sobre o tema ajudaram a construir uma trama que permitirá contribuir para as análises

referentes aos estudos acerca das atividades mercantis no Estado do Grão-Pará. Nesse sentido, o

estudo sobre o circuito mercantil e as relações comerciais tecidas entre negociantes e os agentesdo comércio nas praças de Belém foi mais uma problematização sobre o tema para o contexto de

1790 a 1830, o que não tem a pretensão de ser uma análise definitiva sobre a temática.

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1- A capitania do Pará e a formação das rotas de comércio;

 Nas palavras de Roberto Simonsen, o início da ocupação portuguesa no rio Amazonas é

representado como “uma das páginas mais impressionantes da história da expansão lusitana”,

conduzida pela atuação desses conquistadores em direção à fronteira oeste.23 

As relações comerciais desenvolvidas na capitania do Pará devem ser entendidas a partir

da distribuição urbana no vale amazônico, onde essas práticas eram tecidas entre os moradores

das vilas do interior e os comerciantes que seguiam para esse espaço. O estudo das práticas

comerciais desenvolvidas a partir de Belém no período colonial requer, assim, compreender a

distribuição urbana no vale amazônico e as articulações entre essas localidades ribeirinhas e a principal cidade portuária do Grão-Pará.

 Nesse capítulo, objetiva-se caracterizar primeiramente o início do espaço geográfico e

 político que compreendia o Estado do Grão-Pará, para depois apresentar como ficou a sua

organização entre o final do século XVIII e início do XIX, período que compreende esse estudo.

Depois disso, será apresentado como se constituíram as vilas e as freguesias do interior com as

suas principais produções agrícolas coletas dos produtos da terra e o circuito mercantil utilizado

 para a comercialização e o escoamento dessas mercadorias pelo porto da cidade de Belém. Por

ser a principal cidade e cabeça de comarca da capitania do Pará, será enfatizado o papel da cidade

de Belém como um espaço humano organizado para receber e desenvolver as atividades

comerciais, destacando a sua população e os sujeitos envolvidos nessas práticas, bem como os

controles pensados para quantificar e sistematizar os produtos e os meios de transporte comuns

na região. A finalização desse capítulo é composta pela análise do movimento comercial do porto

da cidade realizado no período destacado e as negociações comerciais realizadas no seu entorno.

23 SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil (1500-1870). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978, p. 303.

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1.1- Belém e o espaço administrativo e políti co do Grão-Pará.

A foz do rio Amazonas e sua bacia foram foco de investidas permanentes por parte de

europeus conquistadores. Enquanto os espanhóis tinham suas tentativas de ocupação malogradas,

os ingleses, holandeses e franceses conseguiram estabelecer nesse lócus  “algumas feitorias e

mantinham comércio de madeira tintorial, âmbar e outros art igos, com os íncolas da região”. A

exploração e conquista dessas localidades ocorreram de forma alternada e, depois de

conquistadas, as expedições avançavam em direção a outras paragens.

Em 1616, ao se fixar um Forte no ponto mais elevado que havia às margens da baía do rio

Guajará, Francisco Caldeira Castelo Branco demarcou não só a ocupação e colonização da

Capitania do Pará, na foz do rio Amazonas, como também firmou o que seriam os marcos para adelimitação da cidade que estava por se apresentar.24 Com efeito, a edificação do forte serviu para

organizar e definir a área inicial para a efetiva ocupação urbana daquela parte da cidade. O

ordenamento urbano começou em volta do forte com a abertura de pequenas ruas, que seguiam

 paralelas ao curso do rio e entravam em direção ao antigo igarapé do Piri (ponto alagado na parte

interior de Belém). Inicialmente, este igarapé serviu como um limite natural, que além de

desempenhar a função de canal de acesso para o interior da cidade, também a dividia em duas

freguesias: a da Sé (de 1616) e a da Campina (de 1727).

As viagens arregimentavam um grande número de oficiais portugueses, colonos,

sertanejos, comerciantes e indígenas (estes eram fundamentais nas diligências exploradoras, nas

quais serviam como guias e remeiros). Com certa frequência ocorreu o deslocamento de alguns

oficiais de Santa Maria de Belém, a primeira “cidade” constituída para essas localidades, mas

também possibilitava o reconhecimento e efetiva ocupação de novos espaços.

Os padres das ordens religiosas também integravam essas expedições, eles eram os

responsáveis pelo sacramento das tropas e depois missionarem as aldeias conquistadas, com

intuito de ocupar essas paragens e doutrinar os índios que pudessem causar “maior peso eopressão” à capitania do Pará. Do forte de Belém saíam essas expedições para conquistarem as

24 AHU_ACL_CU_013, Cx. 1, D. 1. [Madrid], 18/09/1616. Para essa discussão ver os trabalhos de: CRUZ, Ernesto. Belém: aspectos geo-sociais do município. Temas da História do Pará. Vol. 1. São Paulo: Ed. José Olympio, 1945;CARDOSO, Alírio. Maranhão na Monarquia Hispânica: intercâmbios, guerra e navegação nas fronteiras das Índiasde Castela (1580-1655). (Tese de Doutorado). Salamanca/Espanha: Universidade de Salamanca, 2012.

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vilas do interior e garantir a segurança e a posse desses domínios à Coroa, em empresas que

coadunavam tanto interesses de particulares como da administração da capitania. 25 

Ainda em 1650, a cidade de Belém consistia somente na parte próxima ao Forte. O

arruamento da cidade foi se constituindo e logo as primeiras ruas abriram aquele espaço próximoao primeiro marco da conquista: a Rua do Norte, do Espírito Santo, dos Cavaleiros e a de São

José. Essa parte da cidade passou a ser dividida em duas formas distintas de construções: ao

norte, onde os primeiros colonos, comerciantes e conquistadores passaram a levantar suas

moradias e marcar a diferenciação desse espaço. Era o início do que seria a primeira freguesia da

cidade, a freguesia da Sé. Ao sul, as habitações dos colonos e militares dividiam esse espaço com

as edificações das ordens religiosas.26 As construções erguidas nessa área eram, em sua maioria,

conventos, igrejas e o hospício das ordens dos capuchos e dos carmelitas calçados.

O início da ocupação da capitania do Pará foi acompanhado de questões que pautaram as

solicitações dos governadores, religiosos e moradores para interverem em diversas situações

referentes à fixação desses sujeitos no vale Amazônico.27 As questões de mão de obra, ataques de

nações indígenas, invasões estrangeiras e comitivas exploratórias geravam incertezas nos colonos

 portugueses que seguiam rumo ao interior da capitania para a ocupação desse espaço. Em função

disso, a cidade de Belém, como núcleo urbano, pouco cresceu. Entretanto, essa limitação do

crescimento da cidade também foi atribuída à “ambição de homens em fazer fortuna” na busca

aurífera pelas terras mais remotas,28 fator que igualmente dificultava a fixação, a ampliação e a

 permanência nesse primeiro núcleo urbano. No mapa abaixo, pode-se visualizar a representação

feita desse espaço por indicação do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado.

25 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ). Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa747, Roteiro Corográfico da Viagem do Governador da Capitania, Martinho de Souza e Albuquerque, 27/10/1785 (1764-1815).26 ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazônia no século XVIII: Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUPPublicações, 1998, p. 36.27 Os primeiros moradores da capitania faziam inúmeros pedidos de licença para recolher casais de índios dos sertões

 para os servirem e trabalharem em suas propriedades seja nas casas na cidade, seja nas fazendas e engenhos deaçúcar que passaram a se espalhar pelos rios próximos à Belém. AHU_ACL_CU_013, Cx. 1, D. 37, 152, 378, 232.28 CRUZ, Ernesto. Op. Cit., p. 45.

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Mapa 1.1: Planta da Cidade de Belém do Grão-Pará (1753).

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional, Catálogos (Biblioteca Digital), disponível on line em: bndigital.bn.br. 

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Diante desse quadro de incertezas acerca da ocupação desses domínios, o Forte serviria

 para assegurar a posse da conquista diante das investidas estrangeiras e, da mesma forma, passou

a controlar as atividades econômicas que ganharam bastante incremento com os produtos nativos

e cultivados que vinham das outras vilas. Além de abrigar o principal ponto de defesa dacapitania do Pará, o rio Guajará era a porta de entrada para o caminho fluvial que ligava a cidade

de Belém às demais localidades do interior da capitania. Por outro lado, o rio era o principal

espaço destinado a receber as embarcações que chegavam da Europa e atracavam nos portos da

cidade. Isso tornava a frontaria da cidade de Belém um lugar muito movimentado e controlado,

que por intermédio dos caminhos fluviais recebia da Europa e do interior da capitania

embarcações, mercadorias e pessoas.

 No início da ocupação da cidade de Belém, as capitanias do Pará e a do Maranhão faziam

 parte do Governo Geral do Estado do Brasil, sendo que elas não possuíam uma sede exclusiva

 para os despachos dos capitães-mores (atuando como governadores) nomeados. A forma inicial

de administrar as capitanias motivou os capitães-mores a dividirem a sua presença entre duas

cidades: São Luis e Belém. Eles residiam seis meses em Santa Maria de Belém e os outros seis

em São Luis, porém o governador era estabelecido em Pernambuco. Nessa estrutura, a

administração colonial dividiu esse espaço em três capitanias, tendo sido organizadas as do

Ceará, do Maranhão e do Pará. Como essa conquista também foi um empreendimento de

 particulares, as capitanias do Caeté (1633), Vera Cruz do Gurupi, Cametá (1635), Ilha de Joanes

(1665), Cabo Norte (1637) e Gurupá (1685) foram doadas a donatários com o objetivo de

estimular a ocupação nessas áreas, que depois foram transformadas em vilas. 29 

Em 1621, houve uma separação entre Pernambuco e as capitanias do Pará e do Maranhão,

as quais passaram a ser um Estado separado do Estado do Brasil .30 Esta nova unidade passou a se

denominar  Estado do Maranhão  e estava subordinada diretamente a Lisboa, e assim ela

 permaneceu após a separação definitiva entre as duas capitanias. Uma das justificativas para essa

subordinação direta a Lisboa era a dificuldade das embarcações navegarem em direção ao portode São Luís e Belém depois que saíam dos portos de Pernambuco e Bahia, pois as correntes

marítimas “lançavam” as embarcações em direção à Europa. Esse fator acabou por condicionar a

29 WEHLING, Arno. “Estado do Maranhão”.  In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (Coord.).  Dicionário da Históriada Colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1994, pp. 319-320.30 Não é objeto dessa discussão a repercussão dessas alterações sobre a denominação do Estado ao norte do Estadodo Brasil na política e no corpo administrativo.

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 própria organização política-administrativa da América portuguesa, dividindo a conquista em

dois Estados distintos: o do Brasil e o do Maranhão e Grão-Pará. Nádia Farage ressalta que essa

divisão administrativa em dois Estados acabava por reforçar uma diferenciação política e

econômica entre as duas unidades.31  Essa diferenciação foi motivada também pelo plano deocupação do território proposto pelo Marquês de Pombal durante a administração de Francisco

Xavier de Mendonça Furtado. Segundo Lia Machado, as instruções para concretiza a colonização

do Vale do Amazonas foram estabelecidas quatro metas para garantir esse projeto, a saber: a

mudança de sede de São Luís para Belém; povoar a região do Cabo Norte (principal fronteira

com a Guiana Francesa); a construção de fortalezas para garantir a proteção da conquista e o

investimento no mercado interno, a partir da introdução de mão de obra escrava africana. 32 

Em 1644, modificou-se novamente essa unidade administrativa, passando a se chamar

 Estado do Maranhão e Grão-Pará. Em fevereiro de 1652, extinguiu-se o Estado, e o Maranhão

 passou à categoria de Capitania. Uma nova resolução outra vez dividiu as duas capitanias, a do

Grão-Pará e a do Maranhão, atribuindo-lhes “independência jurisdicional uma da outra”.33  A

separação entre Maranhão e Pará vigorou por um curto espaço de tempo, pois novamente

voltaram a reuni-las em agosto de 1654, quando o governador geral André Vidal de Negreiros

 passou a residir parte do ano em Belém (no Pará) e a outra em São Luis (no Maranhão). Em

1673, o governador Pedro César de Meneses passou a residir no Pará, tornando a cidade de

Belém a capital desse Estado. Passaram-se quase 30 anos sem alterações nessa estrutura, mas

entre 1700 a 1734 o Estado novamente voltou a ser apenas  Estado do Maranhão. Em 1735,

modificou-se outra vez, com o nome de Estado do Maranhão e Pará, com sua sede na cidade de

Belém.34  Na análise de Ângela Domingues, a elevação da cidade de Belém à sede do Estado

ocorreu pelo aumento das atividades econômicas e da exploração das drogas do sertão,

acarretando a própria designação do Estado, que passou a Estado do Grão-Pará e Maranhão.35 

31 FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paze Terra; ANPOCS, 1991, p. 23; WEHLING, Arno. Op. Cit., p. 319.32  MACHADO, Lia.  Mitos e realidades da Amazônia brasileira: contexto geopolítico internacional (1540-1912).Barcelona: Universidade de Barcelona, 1989. (Tese de Doutorado).33 BAENA, Antonio L. Monteiro. Ensaio corográfico sobre a Província do Pará. Brasília: Senado Federal, Conselhoeditorial, 2004, p. 112.34 Ver: BAENA, Antonio L. Monteiro. Op. Cit. CERQUEIRA E SILVA, Ignacio Accioli de. Corografia paraense oudescripção física, histórica e política da província do Gram-Pará. Bahia: Typografia do Diário, 1833. SAMPAIO,Patrícia Maria Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia Sertões do Grão-Pará, c. 1755- c.1823. (Tese de Doutorado). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2001.35  DOMINGUES, Ângela. “Estado do Grão-Pará e Maranhão”. In: SILVA, Maria Beatr iz Nizza da (Coord.).

 Dicionário da História da Colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1994, pp. 314-319.

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Em 1751, o governador do Estado do Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça

Furtado, recebeu carta régia do rei D. José com as instruções e justificativas para dividir o Estado

novamente em dois. Entretanto, dessa vez houve a nomeação de um governador para residir na

capitania do Maranhão, na cidade de São Luis,36 depois disso não haveria mais a subordinação deSão Luís à cidade de Belém. A autonomia que essa instrução trouxe às capitanias permitiu que o

controle sobre o território fosse mais efetivo, sobretudo com a criação da capitania do Rio Negro

(em 1755). O Estado do Maranhão voltava a sua supremacia à capitania do Piauí, e a capitania do

Rio Negro ficaria subalterna ao Estado do Grão-Pará. Essa reorganização administrativa ajudaria

a abreviar o socorro diante da ameaça de invasões castelhanas, ou mesmo para encurtar a

comunicação entre as capitanias a leste, posto que, anteriormente, as distâncias entre a sede

administrativa (São Luís) e o interior da capitania do Pará eram dificultadas pela precariedade do

acesso. A estrada que ligava as duas sedes (São Luís e Belém) era permeada de obstáculos,

exigindo a troca de embarcações e outros tipos de transporte terrestre. 37 

Em 1760, a denominação passou a ser Estado do Grão-Pará, Maranhão e Rio Negro 38, em

função da elevação da comarca do Rio Negro à Capitania de São José do Rio Negro, com a

capital administrativa em Barcelos. Esse ato foi decorrente também das partidas demarcatórias

que passaram a ocorrer naquela região, realizadas por técnicos das expedições das Coroas

 portuguesa e espanhola. As partidas realizadas na fronteira entre os domínios luso e espanhol

arregimentaram uma grande quantidade de pessoas para essa região. Além de militares e técnicos,

havia as diversas povoações indígenas, ocorrendo também a circulação de espanhóis nesse espaço

em litígio; soma-se a isso a ampliação das relações comerciais para abastecer os técnicos e os

demais homens empregados na condução dos trabalhos nas demarcações, favorecendo o aumento

do intercâmbio de sujeitos na fronteira.39 

Patrícia Sampaio apresenta o grande impacto que essas expedições causaram no

abastecimento das povoações que as recebiam, pois as aldeias e povoações deviam prover de

víveres e mantimentos as tropas que chegavam à fronteira. Só a expedição de Mendonça Furtado

36 AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3049. Lisboa, 29/05/1751.37 MALCHER, Renata. Op. Cit., p. 106; DOMINGUES, Ângela. Op. Cit., p. 314.38 A separação, acima citada, ocorreu no sentido de que haveria um representante administrativo nas sedes de cadauma das capitanias.39 BAENA, ALM. Op. Cit., p. 114.

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contava com um contingente de 1.025 homens, transportadas em 23 embarcações. 40 Em 1772,

ocorreu a separação definitiva entre as capitanias do Pará e a do Maranhão, 41 ficando a capitania

do Rio Negro sob a jurisdição do Pará, subordinada ao governo de Belém, que passava a centro

do poder administrativo e econômico. A delimitação utilizada nesse estudo é esta que apresenta oEstado do Pará e Rio Negro.

A segunda metade do século XVIII foi significativa para essas delimitações políticas, em

função da assinatura de tratados (Madri e Santo Ildefonso, nos anos de 1750 e 1777,

respectivamente) com a Espanha. Entretanto, acordos e tratados não consistiram em

impedimentos para as disputas e os conflitos ocorridos nas fronteiras da América portuguesa com

os domínios espanhóis e as Guianas ao norte, principalmente no que se referia à definição desses

espaços e a real identificação desses limites entre as outras possessões. A população dessas áreas

fazia uso desses litígios geográficos e administrativos para circular entre esses espaços,

destacando-se a prática das deserções de militares, fugas de escravos e índios e a circulação de

informações e de comerciantes de ambas as coroas.42 

Além de propor mudanças no espaço administrativo do Estado do Grão-Pará e Maranhão,

Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, também teve uma participação

incisiva na própria configuração do espaço político, ao encaminhar as discussões para realizar as

 partidas demarcatórias com os oficiais da coroa espanhola, em que Francisco Xavier de

Mendonça Furtado atuava como plenipotenciário das expedições. Malcher afirma que as partidas

realizadas nesse período não foram concluídas, porém mesmo não tendo sido levadas adiante, o

40 SAMPAIO, Patrícia. Op. Cit., p. 46. Geralmente, essas embarcações eram distribuídas e pilotadas de acordo com asua função, havendo subdivisões acerca da sua utilidade para a expedição: a primeira canoa servia de transporte aochefe da expedição seguindo sempre à frente da comitiva e esta era acompanhada de outras canoas menores queserviam para transmitirem as ordens às demais canoas. Uma embarcação grande era destinada para ser usada comocozinha e dispensa, a qual viajava no centro da comitiva. Havia as canoas que eram distribuídas entre os demaisengenheiros e técnicos e para os religiosos e cirurgiões. Uma ou duas canoas serviam para viajar na retaguarda dasexpedições e avisar possíveis ataques e dificuldades durante a viagem. O restante das canoas era ocupado pelosíndios que trabalhariam como guias nas expedições. Essa descrição permite pensar que as canoas que seguiam paraessas áreas deveriam também usar desses recursos para proteger as suas provisões de boca e as mercadorias queseriam comercializadas ao longo dos 3 ou 6 meses que as viagens aos sertões costumavam demorar. ANRJ.Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa 747,  Roteiro Corográfico da Viagem doGovernador da Capitania, Martinho de Souza e Albuquerque, 27/10/1785 (1764-1815).41  Alguns dos desdobramentos econômicos decorrentes dessa separação entre o Pará e o Maranhão serãoapresentados no capítulo 4 desse estudo.42 SAMPAIO, Patrícia. Op. Cit.; NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A soldadesca desenfreada”: politização militarno Grão-Pará da Era da Independência (1790-1850). (Tese de Doutorado). Bahia: Universidade Federal da Bahia,2009; BASTOS, Carlos Augusto. “Os perigosos domínios de Hespanha: contatos e tensões na fronteira luso -espanhola da capitania do Rio Negro (1780-1808)”. Revista Dia-Logos. Rio de Janeiro: UERJ, IFCH, nº 5, 2011, pp.79-89.

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 projeto foi bem sucedido, pois os oficiais e cientistas encarregados pelas demarcações foram

deslocados da fronteira para a sede da capitania, onde eles passaram a atuar na elaboração de

relatórios sobre o estado das fortalezas e de mapas acerca dos limites das vilas. Isso serviu para

“a formação de municípios futuros”, ou seja, as antigas aldeias das missões, que passaram pelo processo urbanizador e colonizador do Marquês de Pombal, tiveram os seus centros traçados e

 pensados por arquitetos e engenheiros vindos do Reino para atuar no processo de demarcação das

fronteiras.43 

Desde o início da ocupação lusa, a cidade de Belém possuía uma representatividade

significativa para todo esse entorno descrito acima. A sua localização estratégica nas

 proximidades da foz do rio Amazonas permitia a comunicação fluvial por meio dos seus

afluentes e braços de rio com as capitanias de Goiás e de Mato Grosso.44  Isso merecia atenção

especial por parte das autoridades por causa das relações comerciais e a circulação de pessoas que

ocorriam nessa fronteira com os domínios espanhóis, principalmente em períodos de conflitos,

quando se mobilizavam tropas e armamentos para proteger essas capitanias de possíveis invasões

e ocupações. As correspondências oficiais trocadas entre capitães-generais, governadores e

secretários das três capitanias citadas destacam a atenção que os administradores deveriam

deslocar para essa área, com o intuito de estreitar a comunicação fluvial e “consolidar esta

comunicação em maneira tal que ele (o estabelecimento dessa empresa) se faça econômica e

utilmente para a vantagem do Real Serviço e benefício do povo”.45 

A navegabilidade do rio Amazonas e de seus afluentes foi tratada de maneira particular

 pelos capitães-generais e governadores da capitania do Pará. O projeto de desenvolver a

navegação e comunicação com as capitanias do oeste do Estado do Brasil, e mesmo com a

comarca/capitania do Rio Negro, estava associado a outras questões, tais como a ocupação e

fixação de colonos e de aldeamentos nas margens desses rios e o incremento do comércio para

essa área. A outra via de comunicação a ser explorada e desenvolvida era a que fazia ligação do

Pará com Maranhão e Goiás pelo rio Tocantins. Para estreitar o comércio por essa região nosmesmos moldes indicados acima, foi decretada a abertura de rios para a navegação comercial que

43 MALCHER, Renata. Op. Cit., p. 109.44 Essas políticas e empreendimentos para desenvolver a navegação e comércio dessas capitanias serão tratados nocapítulo 4.45  ANRJ, Vice-Reinado/Capitanias do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa 747, (1764-1815).Correspondências de D. Rodrigo de Souza Coutinho para o Governador da Capitania, D. Francisco de SouzaCoutinho, Palácio de Queluz, 20/02/1801.

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antes eram proibidos de ser acessados por colonos e comerciantes. Em 1770, o Marquês de

Pombal iniciou essa política envolvendo os governadores das capitanias do Pará e do Mato

Grosso para concretizar essa ocupação de forma mais racional, ao estimular também as

experiências de atividades agrícolas nessas localidades, onde a coleta das drogas do sertão mobilizava grande parte da mão de obra. Essa estratégia o “Secretíssimo Plano”, pouco discutido

na historiografia e mesmo a documentação referente a ele é esporádica e muito dispersa, 46 

contudo, este revela uma articulação política para o controle do Vale do Amazonas.

1.2- A força comercial das Comarcas da Capitania do Pará;

Desde o início da ocupação, a circulação de missionários, colonos, sertanistas,

comerciantes e autoridades civis e militares para os sertões da capitania do Grão-Pará possibilitou

um conjunto de negócios muitos lucrativos, seja para a aquisição de mão de obra indígena, seja

 para a coleta das drogas do sertão, voltadas para a exportação. Além das questões ligadas aos

abastecimentos comerciais (de cativos e de produtos), essas movimentações de sujeitos pelo

espaço do Grão-Pará respondiam às demandas de ordem militar e política, como a necessidade de

 proteger as fronteiras com os domínios espanhóis e franceses. A implantação dos aldeamentosindígenas pelas ordens religiosas ao longo do rio Amazonas e de seus principais afluentes serviria

a todos esses propósitos. No entanto, como ressalta Rafael Chambouleyron, a dominação

 portuguesa nesse espaço não estava resumida apenas à tríade “missionários, militares e

sertanistas,” tão ressaltada pela produção historiográfica regional. Para o autor, a presença

 portuguesa na região contou com outros vetores de ocupação, onde a ação de particulares na

ocupação das terras e na fundação de vilas foi importante para esse processo.47 Essa discussão é

fundamental para a apresentação de como se configuraram as primeiras vilas e freguesias da

região e como as rotas de comunicação fluvial que eram utilizadas para o comércio foram

traçadas no início da colonização pelas ordens religiosas.

46 Esse ponto será desenvolvimento do capítulo 4 deste estudo.47 Para uma leitura sobre os outros aspectos da dominação portuguesa no Estado do Maranhão e Grão-Pará, ver:CHAMBOULEYRON, Rafael.  Povoação, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640-1706). Belém: Ed.Açaí/ Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/ Centro de Memória da Amazônia(UFPA), 2010.

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36

A fiscalização da colônia se voltava para a região dos sertões, seus gêneros e efeitos, e

 para as pessoas que estavam transitando nesse espaço. Em vista disso, a construção de

fortificações ao longo dos rios serviria a um duplo propósito: proteger e fiscalizar a região. Uma

dessas fortificações foi construída na vila de Gurupá (rio Xingu), a qual servia de posto fiscal para a cobrança de impostos e para o controle dos produtos que eram transportados para Belém.48 

A entrada e a circulação de pessoas pelos rios que ligavam os sertões e a cidade sempre

deveriam ser acompanhadas de licenças e permissões, particularmente se a viagem tinha por

objetivo realizar qualquer coleta de produtos ou busca de mão de obra. O número das solicitações

de licenças para a coleta dos gêneros do sertão e seus efeitos aumentava e diminuía de acordo

com a demanda do produto no mercado exportador. Quando a procura pelo “cacau da Amazônia”

aumentou no mercado europeu, isso se refletiu no número de licenças entregues para essa

atividade, as quais aumentaram gradativamente. Em 1720, foram concedidas 100 licenças para os

comerciantes seguirem com suas canoas ao sertão e coletarem o cacau. Dez anos depois, esse

número passou para 250 e, em 1736, foram cedidas 320 licenças, quando estacionou nessa

quantidade. Esse controle sobre as licenças para as coletas das drogas garantia uma boa fonte de

renda à administração da capitania, bem como a cobrança de seus dízimos. 49 

Apesar de haver empreendimentos de particulares e do Estado, grande parte das aldeias

foi levantada e administrada pelos missionários das diversas ordens religiosas que se

estabeleceram na região, com a permissão e mercê da Coroa. Além das aldeias serem o local

onde se buscava a mão de obra para os trabalhos nas cidades e nas propriedades de particulares,

elas também estavam próximas de áreas de coleta ou de produção de drogas do sertão, o que as

tornava um espaço economicamente muito valorizado na colônia. Por esse motivo, os sertanistas

e comerciantes formavam contínuas tropas de expedições para o sertão com o intuito de

coletarem os  gêneros da terra, mas principalmente para efetivarem o apresamento de mão de

obra indígena.50  Patrícia Sampaio afirma que, com o crescimento do comércio do cacau, as

48 SCHWARTZ, Stuart B. “O Brasil Colonial, c. 1580-1750: as grandes lavouras e as periferias”. In: BETHELL,Leslie (org.). História da América Latina: América Latina Colonial. Vol. 2. São Paulo: Editora da Universidade deSão Paulo; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004, p. 339-421. CRUZ, Ernesto.  História do Pará. Belém: Editora do Governo do Estado do Pará, 1973, p. 48.49  Idem, p. 394-398. O comércio do cacau e as vilas produtoras são pontos discutidos no capítulo 3 desse trabalho.50 Nas capitanias do Pará e do Rio Negro, a escravidão indígena foi regulada de diversas formas e passou a serlegitimada sob as seguintes justificativas: “os cativeiros, os resgates e os descimentos”. Os cativos  eram os índiosapanhados em guerra justa (contra os índios que não aceitassem a conversão); os resgates (de índios prisioneiros deguerras ou que eram trocados por ferramentas) e os descidos  (os que aceitavam a conversão pelos missionários,“abandonavam o sertão e se estabeleciam na vizinhança dos povoados, em aglomerados com o nome de aldeias, onde

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expedições para o apresamento dos índios penetrou cada vez mais em direção aos altos rios, que

em fins do XVIII essas tropas já se direcionavam para a região dos rios Negro e Branco. 51 

O controle que os missionários detinham sobre a disponibilidade de índios para a

 prestação de serviços em obras de particulares e/ou da Coroa era um objeto controverso econflituoso.52  As principais acusações feitas aos religiosos da Companhia de Jesus diziam

respeito à participação de seus missionários em negócios mercantis, praticando um “escandaloso

comércio” nas aldeias que administravam. Eles faziam uso da mão de obra indígena em proveito

 próprio, enviando os índios aos sertões para a coleta de produtos e para fazer comércio com o que

era encontrado, bem como mandá-los para o trabalho da salga de carnes e de peixes, apropriando-

se dos valores arrecadados com a venda desses produtos.53 

 No registro acerca das acusações referentes às práticas comerciais dos missionários, tem-

se uma dimensão de como esse “pequeno comércio” ganhou as proporções de um “grande

Império”.54  A respeito dessas acusações, Paulo de Assunção comenta o discurso de Tomé

Joaquim da Costa, Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, no qual apresenta o poder

econômico que os jesuítas detinham, com a coleta e a venda das drogas do sertão, tais como:

“cacau, salsa, cravo, cupaúbas, salgas de peixe etc”, sendo esse o “pequeno comércio”. O

questionamento maior se dirigia ao “grosso comércio dos gêneros mais preciosos do Estado que a

estes padres são privativos, como âmbar, tartaruga, baunilhas”, somam-se a isso o resultado da

coleta dos “produtos da terra”, como: “os azeites de andiroba, manteigas de tartaruga, salgas de

 peixe, uma grande parte das carnes, farinhas, feijões, arroz (...) algodão, açúcar e aguardente” e o

que arrecadavam com a venda de artigos de botica e de outras drogas. Os recursos obtidos com

os moradores iam buscá-los para o serviço”). João Lúcio de Azevedo afirma que, apesar dos descidos não travaremguerras contra os portugueses ou outros índios, o seu deslocamento para as aldeias podia ser voluntário  ou porcoação, essa categoria de índios aldeados era distinta das outras, pois estes eram considerados forros e deviamreceber salários pelo trabalho realizado, pagamento que geralmente era burlado. No entanto, deve-se ressaltar quenesse trabalho não se objetiva discutir acerca das diferentes formas de aquisição, desvios ou subterfúgios paraobtenção de mão de obra indígena. Ver: AZEVEDO, João Lúcio. Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e acolonização. Belém: Secult, 1999, p. 136-137. Essa estrutura foi alterada com a instituição do Diretório Pombalino.51 SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit., p. 38.52  Cf.: BEOZZO, José Oscar.  Leis e Regimentos das Missões:  Política indigenista no Brasil. São Paulo: Loyola,1983;53 ASSUNÇÃO, Paulo de.  Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: Edusp,2004, pp. 36.54  Não objetiva-se analisar as questões e debates envolvendo a ação das ordens religiosas no norte da América

 portuguesa. Destaca-se aqui, que as questões apresentadas acerca das missões e a atuação dos missionários são justificadas pela estrutura econômica que eles organizaram na região. Pretende-se considerar as rotas comerciaisestabelecidas pelas ordens religiosas, e como elas foram aproveitadas, ou mesmo dinamizadas, pelos comerciantes no

 período posterior à expulsão dos jesuítas e mesmo pela Companhia de Comércio. Essa questão será retomada maisadiante.

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essa prática comercial incluíam ainda os bens imóveis como fazendas de gado (na Ilha do

Marajó) e olarias, os valores arrecadados como paga aos serviços que os membros da companhia

executavam e a renda que os missionários recebiam para a sua subsistência. 55 

A Coroa portuguesa concedeu cartas de sesmarias aos missionários das diversas ordensreligiosas. Na Ilha do Marajó houve a concessão de terras em diversas vilas, as quais foram

utilizadas para a construção de fazendas de gado, roças56 de mandioca, de cana de açúcar e cacau.

Além dos outros gêneros que coletavam para a exportação, havia ainda a produção voltada para o

abastecimento das aldeias e dos missionários. Com base numa relação elaborada em 1761, Eliane

Soares apresenta os haveres dos jesuítas na Ilha do Marajó, a saber: “sete fazendas, quatro

localizadas no rio Arari e três rio Marajóassu”, onde estavam distribuídas as 134.465 cabeças de

gado. Essas propriedades tinham grandes dimensões, ao ponto de algumas fazendas terem sido

elevadas à categoria de vila, após a expulsão dos jesuítas. Outras fazendas menores foram doadas

aos “contemplados”.57 

João Lúcio de Azevedo também teceu análises acerca dessas propriedades e do “pequeno

comércio” que os jesuítas dominavam. Segundo suas afirmações, as missões eram um espaço de

enriquecimentos, pois todas lucravam com o comércio e a disponibilidade de mão de obra que

elas tinham. Entretanto, os jesuítas ultrapassavam “em número e valor das propriedades” todas as

outras missões espalhadas pela longa malha hidrográfica da região, pois os mercedários e os

carmelitas eram proprietários de fazendas e de mão de obra. Entretanto, os jesuítas eram os

detentores do governo temporal de vinte aldeias e além dessas havia as aldeias “independentes”,

das quais eles também tiravam proveito da sua produção. Na capitania do Pará, eles eram

 proprietários de nove fazendas, além das fazendas para a criação de gado e as voltadas para a

 produção agrícola. As embarcações que usavam para o transporte dos produtos e efeitos dos

sertões eram fabricadas em suas propriedades.58 Eles controlavam a mão de obra, a produção e as

formas de acesso de transporte pelos sertões, o que os tornava grandes negociantes. Não são raras

55 ASSUNÇÃO, Paulo de. Op. Cit., p. 209.56 Eliane Soares ressalta que nas missões dos religiosos na Ilha do Marajó, os jesuítas “organizaram” o campesinatoindígena nas aldeias. As “roças familiares dos índios” serviam ao abastecimento da aldeia, mas principalmentemantinham os indígenas sob o controle dos missionários. Essa estrutura de trabalho nas roças familiares foi adotada

 pelo Diretório, depois que as missões foram elevadas à condição de vila. SOARES, Eliane Cristina Lopes. Roceiros evaqueiros na Ilha Grande de Joanes no período colonial. (Dissertação de Mestrado). Belém: NAEA, 2002, p. 24.57 SOARES, Eliane Cristina Lopes. Op. Cit., p. 21-24.58 AZEVEDO, João Lúcio. Op. Cit., p. 139.

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na historiografia as abordagens acerca dos conflitos e disputas entre missionários e colonos sobre

o controle e acesso facilitado à mão de obra indígena que os religiosos detinham. 59 

A dimensão desse comércio era acompanhada pela grande necessidade de mão de obra

 para realizá-lo, por isso as expedições organizadas para a coleta das drogas do sertão  e seusefeitos ocupavam um grande quantitativo de indígenas. Heather Roller, quantificando a força de

trabalho disposta para os sertões, estipulou que aproximadamente um terço dos indígenas das

aldeias missionárias participou dessas expedições, contra um quinto do que foi disponibilizado

 para o serviço real e um sexto para atender às necessidades dos particulares. Ainda havia a

 parcela de indígenas aplicados aos serviços de pesca e como remeiros para as canoas de

comerciantes que circulavam pela região, porém eram os missionários que mantinham o maior

controle sobre o fornecimento de mão de obra indígena para essas atividades. 60 

Em 1750, esse quadro começou a passar por mudanças na estruturação dessas aldeias e na

 própria política para a região. Dentre os planejamentos propostos pelo Marquês de Pombal para o

norte da América portuguesa, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado concentrou a

sua política em duas bases que pautaram a sua administração no Estado, as quais estavam

voltadas para a questão da mão de obra e no desenvolvimento econômico da região. Essas

 preocupações se refletiram na Lei de Liberdade dos Índios e no estabelecimento da Companhia

Geral do Grão-Pará e Maranhão (ambas em junho de 1755).61 

Para tanto, deu-se início ao projeto de extinção dessas aldeias e, aos poucos, passou a

transformá-las em povoações com o intuito de “estabelecer freguesias”62  com os apetrechos

necessários: a criação de conselhos municipais e a elevação de pelourinhos. Dentro desse projeto

de urbanização da capitania, as aldeias que tivessem maior número de pessoas instaladas

(geralmente as que serviam também como fazendas dos missionários) passariam à qualidade de

vilas, já as aldeias menores passariam à denominação de lugares. Como parte do projeto de

“civilizar” esses espaços, as denominações indígenas dariam lugar aos “nomes das vilas da Real

Casa de Bragança”, o que também fazia referência às conquistas portuguesas em outrosdomínios, como a vila de  Nova Mazagão. Em 1758, Mendonça Furtado realizou uma longa

viagem por essas paragens, onde pessoalmente marcou a cerimônia de elevação das aldeias em

59 FARAGE, Nádia. Op. Cit., p. 26. 60  ROLLER, Heather Flynn. “Colonial collecting expeditions and the pursuit of opportunities in the AmazonianSertão”, c. 1750-1800”. The Americas, 66:4, 2010, pp. 435-467.61 MALCHER, Renata. Op. Cit., p. 108.62 AHU_ACL_CU_013, Cx. 35, D. 3310. Pará, 27/11/1753.

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vilas, as quais seguiram os recortes fluviais e foram serpenteando as calhas dos rios. Mesmo com

o fim da sua administração no Estado do Grão-Pará, essas elevações de aldeias em vilas

continuaram a acontecer sob a responsabilidade de seus sucessores.63 

A partir de então, esses novos espaços passariam a ser regidos por um “diretor leigo”, queagora administraria o trabalho dos indígenas. Isso deveria ser organizado de forma alternada com

o intuito de possibilitar aos índios tempo para o trabalho destinado às suas próprias roças e

 poderem negociar os seus produtos com os moradores locais e comerciantes, como também

deveriam disponibilizar os índios para realizarem o serviço nas propriedades de particulares, que

deveriam pagar pelo serviço prestado.64 

O Diretório dos Índios vigorou entre 1757 e 1798,65  apresentando problemas na

administração, no trato com os indígenas e na utilização de sua mão de obra. 66 Embora tenha

ocorrido uma “descaracterização” das antigas aldeias, em função da “evasão dos índios e pela

ocupação de suas terras por elementos não indígenas” ,67  esses espaços continuavam a abrigar

uma parcela considerável da população indígena que permanecia mantendo relações comerciais

com os moradores das vilas próximas e com os comerciantes da cidade.68 Nota-se que nos censos

realizados em períodos posteriores havia algumas vilas do interior onde parte da população era

63 Renata Malcher apresenta todas as referências das aldeias indígenas que passaram a ter nomes de vilas da RealCasa, tanto na administração de Mendonça Furtado (1751-1758) como na de Manuel Bernardo de Melo e Castro

(1759-1763), bem como as ordens religiosas por elas responsáveis. Ver: Malcher, Renata. Op. Cit., p. 112. PatríciaSampaio elaborou um quadro com essas informações para as aldeias e povoações da capitania do Rio Negro, eacrescenta a esses dados a localização dessas vilas com os seus respectivos rios. Ver: SAMPAIO, Patrícia. Op. Cit., 

 p. 330.64  MONTEIRO, John M. “Directório dos Índios”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (Coo rd.).  Dicionário da

 História da Colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1994, pp. 261-262. COELHO, MauroCezar, "O diretório dos Índios: Possibilidades de Investigação", In:  Meandros da História: Trabalho Poder e nãoPará e Maranhão, séculos XVIII e XIX, ed. Mauro Cezar Coelho, [et al.] (Belém: UNAMAZ, 2005), pp. 66-67.65 SAMPAIO, Patrícia. Op. Cit. COELHO, Mauro Cezar. Op. Cit. 66 Durante o Diretório, as lideranças indígenas organizadas nesse sistema foram agentes ativos, formando facções,dando forma às disputas de mão de obra, causando e resolvendo problemas para as autoridades coloniais. SOMMER,Barbara Ann.  Negociated settlements: native amazonias na portuguese policy in Pará, Brazil, 1758-1798.Albuquerque, New Mexico: University of New Mexico, 2000. (Tese de Doutorado). p. 249.67 MONTEIRO, John M. “Aldeias”; “Escravidão indígena”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (Coord.).  Dicionárioda História da Colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1994, pp. 35-38; 303-306. Além datransformação das aldeias em vilas, o projeto do Marquês de Pombal para a colônia incluía a liberdade dos índios datutela dos missionários, o incentivo ao casamento entre índios e portugueses com o objetivo de assegurar a posse eocupação nas áreas de fronteira, a introdução de casais açorianos e de mão de obra escrava africana. Ver:MAXWELL, Kenneth, Marquês de Pombal –  Paradoxo do Iluminismo. pp. 58-60.68 A legislação do Diretório também se concentrou na regulamentação do comércio realizado nos sertões do Estadodo Grão-Pará, quando o Marquês de Pombal estabeleceu os procedimentos para aplicarem aos negociantes quelançassem as suas canoas naquele comércio. O objetivo disso era regular a participação dos índios nas expedições eatribuir compensações aos indígenas envolvidos nessas práticas comerciais. ROLLER, Heather Flynn. “Colonialcollecting expeditions and the pursuit of opportunities in the Amazonian Sertão”, c. 1750-1800”. The Americas, 66:4, 2010, pp. 435-467.

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composta de índios. Principalmente, quando estas vilas estavam localizadas em áreas mais

distantes dos afluentes da calha central do Amazonas.69 

Esses caminhos fluviais utilizados para o contato entre as vilas situadas nas áreas do

sertão da capitania do Pará, ou entre essas vilas e a cidade de Belém, foram percursos tambémcomerciais que os antigos missionários utilizavam e, em muitas situações, construíram os

caminhos e ligaram as áreas que até então não mantinham contato entre si. Após a expulsão dos

 jesuítas, a extinção das aldeias e a sua transformação em vilas, esses caminhos passaram a

compor o circuito comercial realizado pelos moradores e comerciantes. As embarcações

 pertencentes à Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão também se utilizavam desse mesmo

circuito para estreitar as distâncias entre as áreas produtoras e o porto de Belém. Parte da política

ilustrada do Marquês de Pombal para o incremento da economia na região se voltou para a

dinamização desses caminhos fluviais e dos seus acessos às áreas produtoras/coletores dos

gêneros comercializados entre essas localidades e a cidade de Belém. A Companhia passaria a ser

responsável por manter a regularidade no abastecimento de produtos europeus e em ofertar

escravos africanos70  nas praças de Belém e de São Luís aos colonos e comerciantes, além de

fomentar a prática de atividades agrícolas (como a plantação e cultivo das drogas) e de investir

no processo de colonização das vilas do interior. Para implementar tais atividades, a Companhia

foi contemplada com o direito de deter os privilégios de monopólio também no comércio interno

e na navegação pelos caminhos fluviais da capitania, num prazo inicial de 20 anos com a

 possibilidade de haver prorrogação depois de findado esse contrato71.

Por sua vez, os comerciantes e colonos criticavam as vantagens atribuídas à Companhia,

 pois o monopólio que detinham influenciava também nos preços dos produtos que seriam

negociados, tanto na compra de mão de obra escrava, como na venda dos gêneros dos sertões.

Apesar das críticas, a Companhia atuou no Estado até 1778, data de sua extinção. Entretanto, a

sua extinção não significou o fim completo de sua presença na capitania do Pará. A figura dos

“administradores da extinta Companhia da província do Pará” foi  presente na praça comercial de

69 A Povoação de Poyares e de Moreira, no rio Negro, foram as únicas vilas que registraram todos os recenseadoscomo “índios”. APEP, Códice 828, Correspondência de Diversos com o Governo (1826). 70 A oferta de mão de obra de cativos africanos serviria para amenizar as reclamações e protestos dos colonos edemais moradores após a lei de liberdade dos indígenas, decretada nesse momento. Ver: SAMPAIO, Patrícia. Op.Cit., p. 49.71 MALCHER, Renata. Op. Cit., p. 109.

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Belém até a primeira metade do século XIX. Em outras situações, isso servia como forma de

distinção entre os negociantes das vilas do interior.72 

A Companhia de Comércio era a detentora do monopólio sobre a comercialização dos

gêneros dos sertões. Após o período de atuação da Companhia, os negociantes da praça de Belémvoltaram a envolver-se nas atividades mercantis com o sertão, com a liberdade de arbitrarem

sobre os preços de acordo com a demanda. 73  Findo o monopólio sobre a comercialização das

drogas, novas redes de comercialização foram organizadas para o interior. Porém, é necessário

apresentar como ficou organizada a capitania depois das elevações das aldeias em vilas. Nesse

caso, cabe analisar como foi feita a disposição desse espaço para a arrecadação e controle fiscal

sobre esse comércio na região do rio Amazonas e de seus afluentes, bem como a respeito do

comércio realizado nas proximidades de Belém.

“É, pois, pelos rios que se exercita todo o trato mercantil interior, c anoas e barcos são os

veículos que andam no meio das mercadorias”.74  É assim que Antonio Baena define como

ocorriam as atividades comerciais na capitania do Pará. Como foi destacado até agora, a ligação

com o interior era fundamental para o desenvolvimento das práticas comerciais na região. Como

Baena apresenta, o “comércio interior” é altamente dependente dos produtos colhidos e

 produzidos nas vilas da região, e nesse caso, não somente a parte em direção ao Amazonas, mas

também o caminho fluvial dos rios Guamá, Tocantins e Acará que está ligado ao porto da cidade

de Belém.75 Faz-se necessário entender como esse interior e a cidade estão dispostos dentro desse

universo mercantil entre as vilas do sertão e Belém.

 Na divisão que apresenta para a província do Pará em 1832, Antonio Baena a dividiu de

forma político-administrativa em três comarcas: a comarca de Belém, a qual também era cabeça

de comarca da província; a comarca de Marajó e a comarca de São José do Rio Negro. 76  A

72 Em 1829, o administrador Manuel de Freitas Dantas ainda passava procurações e recebidos aos credores/devedoresda Companhia que permaneceram após a sua extinção. APEP, Procuração Bastante e Geral, Livros de Notas doTabelião Perdigão, n. 1193, d. 61 v., (1829).73  Durante o período da Companhia, os comerciantes da praça de Belém continuaram fazendo suas viagens aossertões para a coleta das drogas. Entretanto, eles deviam comercializar com os administradores da Companhia, osquais estipulavam o preço que seria pago pelos gêneros.74 BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 156.75 BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 169.76 Na década de 1830, quando Baena publicou o  Ensaio Corográphico, não era a mesma divisão que se encontravano fim do XVIII ou nas primeiras duas décadas do XIX. BAENA, A.L.M. Op. Cit. Geralmente, essa é a divisão quemuitos historiadores utilizam nos estudos sobre o Estado do Grão-Pará e Rio Negro. Objetiva-se aqui apresentá-la,mas ressaltando que a divisão político-administrativa que se privilegiou nesse estudo baseia-se nos próprios registros

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comarca de Belém compreende “31 vilas, 17 lugares, 13 freguesias, 3 missões e 1 registro”.  A

comarca de Marajó compreende as vilas e freguesias da própria Ilha, a saber: “cinco vilas e cinco

lugares e duas freguesias”. Por fim, na comarca do Rio Negro tem-se o registro de “8 vilas, 40

lugares e 3 missões e lugares”.77 A comarca de Belém abrangia todas as vilas do rio Pará ao rio Tapajós, além das vilas às

margens do rio Amazonas até a vila de Faro. Cabe destacar que algumas vilas localizadas às

margens do rio Amazonas e de seus afluentes tinham uma grande representatividade no quadro

geral da economia colonial desse período. No rio Tapajós estava fixada a vila de Santarém, a qual

servia de entreposto comercial entre as vilas daquela região e as capitanias do Mato Grosso e

Goiás. Entre as vilas localizadas no rio Amazonas, o maior destaque foi identificado para a vila

de Óbidos, seja pela atuação de seus negociantes, seja pela produção comercial que se voltada,

em parte, para o abastecimento do mercado interno. No rio Xingu, a vila de Gurupá era a mais

representativa, muito em função da fortaleza edificada desde o início da colonização e que servia

de posto fiscal para todo o comércio que seguia para o oeste do Estado do Grão-Pará e Rio

 Negro.78  A vila de Cametá era outra vila que servia de importante posto fiscal para as

embarcações que seguiam para a região ao sul da capitania. Ela estava localizada na foz do rio

Tocantins e servia também de empório comercial para as atividades mercantis entretidas com os

comerciantes do Maranhão e Goiás.79 

Desta forma, a divisão jurídica da capitania em comarcas apresentada por Baena

 permaneceu até 1833, quando houve a modificação e inclusão de vilas aos outros termos da

cidade. O critério para essas alterações se ateve à subdivisão das vilas menores, em torno de uma

de época, os quais destacavam as vilas e freguesias em agrupamentos, seja por Ramo de Arrematação de Contrato,seja por Mapas de Produção Geral da Capitania.77  BAENA, A.L.M. Op. Cit.,  p. 169. Não se pretende nomear e descrever cada uma das vilas e freguesias quecompõem essa unidade administrativa, tal como Baena apresenta. O que será apresentado das vilas, diz respeito a sua

 produção voltada para o comércio com Belém, seja a destinada para o abastecimento, seja a exportada pelo porto dacidade.78 No capítulo 3 será discutida a produção comercial e os negociantes envolvidos no circuito mercantil dessas vilascom a cidade de Belém.79 Segundo Elis Miranda, as cidade de Belém, Bragança, Cametá e Gurupá eram pontos importantes para o controleda navegação fluvial da foz do rio Amazonas e que formavam “uma r ede de cidades articuladas pelos principais riosda região”. A vila de Cametá possuía uma posição portuária de grande relevância no mercado regional, “pois era deCametá que partiam os barcos com cacau e a borracha, dois dos principais produtos exportados  para a Europa”.MIRANDA, Elis. Representações da Amazônia: espaço e imagem de Cametá. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. (Tese deDoutorado).

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vila maior, ou mais notável, onde reside todo o corpo jurídico e administrativo. 80 No caso, Belém

é a cabeça de comarca da capitania, pois ela é a sede do governo, como também é comarca da

região de vilas onde ela está inserida. Essa apresentação acaba por impossibilitar que se percebam

outras vilas como representativas nesse espaço, o que só é notado quando se estabelece outrosníveis de hierarquização para entender a disposição dessas vilas não somente dentro do quadro

 produtivo, mas, sobretudo, do controle fiscal desse comércio.

A respeito da disposição das vilas, as descrições que estavam ligadas à cidade de Belém

variavam na forma de apresentar os agrupamentos dos rios. Essa variação pode estar relacionada

ao objetivo que os administradores pretendiam conferir ao documento, onde essas informações

eram registradas. Geralmente, os mapas de produção ou de arrecadação fiscal imprimem a essa

disposição das vilas um caráter econômico, que para esse estudo é o mais indicado.

Uma alternativa para a disposição das vilas na capitania do Pará é a divisão por ramos,

que é observada na documentação referente ao período colonial. Essa divisão por ramos é um

critério que a administração da capitania utilizava para imprimir valores às arrematações dos

contratos dos dízimos. De acordo com os ofícios referentes à arrecadação fiscal, 81 os ramos são

os agrupamentos “de comércio e contratos”, mas também podiam ser utilizados para descrever os

mapas de rendimentos das vilas e para os censos populacionais.82  Nesse caso, a divisão da

capitania em 10 vilas-ramos serviria para depois agruparem as vilas menores. Entretanto, essa

organização do espaço comportava uma seleção de vilas que nem sempre tinham correlação.

Segue abaixo o mapa das vilas e os rios da capitania do Pará e Rio Negro.

80 As comarcar eclesiásticas e a instrução (escolas de primeiras letras) deveriam seguir a mesma divisão. SIVA,Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta

 segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por ANTONIO DE MORAES SILVA.  Lisboa:Typografia Lacerdina, 1789.81 ANRJ, Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte, cartase anexos (1790), Ofício de D. Francisco de Souza Coutinho para o Secretário de Marinha e Ultramar, Matinho de

 Mello e Castro, Pará, 10/07/1790. 82  Em 1789, foi apresentado um “Extrato do Mapa Geral da população e produção para mostrar o rendimento,importância dos dízimos em cada um dos dez ramos desta Capitania do Pará no de 1789, e compreende somente osgêneros de que os lavradores pagão dízimo excetuados aqueles que o pagão ao embarque”. 

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Mapa 1.2: Mapa da vale do Rio Amazonas e de seus principais afluentes.

Fonte: Museu Naval de Madrid, A-10006 bis, p. 5, n. 11, s/d. 

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Ressalta-se aqui, que a divisão por ramos tendeu a organizar as questões relacionadas à

fiscalidade da capitania, levando em conta a quantidade de cabeças de família por vila, as drogas

do sertão  e as manufaturas que as vilas produziam ou comercializavam, as suas criações e as

atividades pesqueiras que os seus moradores se atinham. Diante desse mapa, nota-se que entre osdez ramos da capitania há 80 vilas, freguesias e lugares, porém 21 delas em nada contabilizaram

 para a arrecadação fiscal. Nesse sentido, nem todas as vilas estavam aplicadas a esse grande

comércio de abastecimento e de exportação.83 

Como estavam organizados esses ramos? Com base no Mapa de 1789, pode-se notar que

a capitania do Pará possuía 10 ramos destinados à cobrança dos dízimos, a saber: 1- da Cidade

(de Belém) com 19 freguesias; 2- Cametá com 8 freguesias; 3- Joanes (Ilha do Marajó) com 11

freguesias; 4- Vigia com 9 freguesias; 5- Bragança compreende 6 freguesias; 6- Macapá que lista

a própria freguesia de São José de Macapá; 7- Mazagão agrega 5 freguesias; 8- Vila Vistosa que

é a própria freguesia (também se registra como vila de Narapecu); 9- Gurupá com 8 freguesias e;

10- Santarém com 12 freguesias.84 

Quando da arrematação dos contratos dos dízimos, esses eram os ramos negociados. Os

ramos de Gurupá e Santarém eram muito visados, em função dos produtos negociados naquela

região. A Ilha de Joanes tinha o valor de arrematação de contrato mais elevado, os 150 contos de

réis eram cobrados para o contrato da carne de gado que abastece a cidade, os produtos agrícolas

respondiam a outro tipo de dízimo.85  Na Ilha de Joanes, havia o Pesqueiro Real, que, sob a

supervisão da Coroa, comercializava o produto da pesca (a carne do peixe e o grude).86 Era do

Pesqueiro Real de Joanes que se remetiam as tainhas e demais peixes entregues como pagamento

dos soldos das tropas (duas tainhas diárias para cada soldado) e da propina dos oficiais que

trabalhavam nos prédios públicos.87  Entretanto, como não poderia ser diferente, “o ramo da

Cidade e seu distrito rende mais que todos os outros ramos juntos”. Tendo em vista a arrecadação

das licenças, dízimos e miunças que se recolhem no porto de Belém.88 

83 ANRJ, Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte, cartase anexos (1790), Ofício de D. Francisco de Souza Coutinho para o Secretário de Marinha e Ultramar, Matinho de

 Mello e Castro, Pará, 10/07/1790. 84  Idem.85  Idem. 86 SOARES, Eliane Cristina Lopes. Op. Cit., p. 36.87 Desde 1758, que as rendas do Pesqueiro tinham esse destino. Em 1783, foi construído outro Pesqueiro Real emVila Franca. BAENA, A. L. M. Op. Cit., p. 116.88 ANRJ. Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte, cartase anexos (1790). Pará, 10/07/1790.

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Diante do exposto, o melhor critério pra entender o espaço em análise é o que agrupava as

vilas de acordo com o rio onde elas estavam situadas. Ressalta-se aqui que, a partir dessa

organização das vilas, será possível compreender a própria hierarquização espacial da época,

segundo as formas como elas eram estabelecidas pelas autoridades do Grão-Pará no períodocolonial. Como pode ser notado adiante.

Em 1797, D. Francisco de Souza Coutinho elaborou um “Mapa Gera l do Estado Atual da

Cultura no Pará”, no qual apresentava outra divisão administrativa para a capitania que

recentemente passara a governar. Esse “Mapa Geral” permite visualizar como estava

concretamente organizada a capitania, no caso, a forma econômica em que se encontrava a

disposição das vilas no Estado do Grão-Pará, para a qual se utilizavam as referências geográficas

 para agrupá-las, ou seja, as vilas estariam reunidas em conjuntos mais amplos de acordo com os

rios que banhavam as suas margens.

A primeira divisão consiste na questão da população: Freguesias de Brancos e de Índios.

Em seguida, a “denominação dos Rios e Distritos” que se pode afirmar ser este o diferencial da

 percepção sobre esse espaço, pois todas as freguesias estão dispostas com base nos principais rios

da capitania. Por fim, constam as produções econômicas com os seus devidos registros de

quantidade, qualidade e arrecadação.

Abaixo se podem ver os rios que foram registrados para agrupar as vilas e freguesias da

capitania:

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Tabela 1.1: Os principais rios das freguesias e brancos e de índios

Freguesias Denominação dos Rios

Abaité

Acará

AmazonasCosta do Oceano

Guajará

Ilha de Joannes

Margem Oriental do Rio da Cidade

Mojú

Tocantins

Xingú

Amazonas

Capim

Comunicação do Amazonas para a Cidade

Costa do Oceano

Guamá

Ilha Caviana

Ilha de Joannes

Margem Oriental do Rio da Cidade

Tapajós

Tocantins

Xingú

Brancos

Índios

 Fonte: ANRJ. Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia doSacramento, Caixa 747,  Mapa Geral da Produção (1764-1815).

O mapa apresentado para informar a situação topográfica, política e econômica dacapitania no final do século XVIII, permite entender como o movimento das pessoas se

organizava de acordo com os cursos dos rios. Isso não significa decretar um determinismo dos

rios, mas sim entender como um condicionamento de seus cursos para incrementar o contato das

áreas mais distantes nos altos rios com a cidade de Belém, principal porto de importação e

exportação das mercadorias recolhidas nessas freguesias e vilas da capitania.

 Nessa disposição seguindo os cursos dos rios, a cidade de Belém com as suas duas

freguesias (Sé e Campina) está às margens do rio Guajará, juntamente com outras seis vilas

(Ourém, Irituia, Bujarú, Capim, Guamá e Cachoeira). Diferente da disposição por ramos,

segundo a qual a Cidade compreendia 19 freguesias, esta divisão possibilita atentar para as

especificidades econômicas e geográficas das vilas, bem como registrar os contatos e as trocas

entre os moradores e comerciantes dessas vilas interligadas pelos rios e igarapés que as

conectavam.

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Em função disso, cabe notar que a definição “Comunicação do Amazonas para a Cidade”

é a que mais caracteriza o espaço que recebe as vilas de Portel, Melgaço, Oeiras, Beja, Conde e

Barcarena. Isso porque, apesar da proximidade das vilas entre si, na divisão por ramo de

arrecadação Beja e Conde estão no agrupamento da Cidade, enquanto o restante foi deslocado para o ramo de Cametá. Sendo que, no Mapa acima, que se utiliza por referência, no rio

Tocantins a vila de Cametá compreende o seu termo como freguesia de Branco  e as vilas

Alcobaça, Baião e Lugar d’Azevedo como as freguesias de Índio. 

Diante do exposto, reafirma-se que para esse trabalho, as análises metodológicas estão

amparadas no agrupamento das vilas acima citado, em que as informações e os censos referentes

às vilas da capitania estavam divididos de acordo com a sua espacialidade hidrográfica. Tendo

em vista que eram por esses diversos caminhos fluviais que os sujeitos teciam as suas atividades

econômicas e se estabeleciam tramas de relações sociais no interior do vale amazônico.

1.3- Deslocamentos e embar cações das vilas do interior;

A partir de 1790, a atenção de D. Francisco de Souza Coutinho, governador da capitania

do Pará, se voltava para conhecer e destacar a produção e a localização das freguesias e os seusrespectivos rios, citados acima. Essa relação tinha como base de organização os principais

afluentes onde as vilas e freguesias estavam fixadas. A estrutura pensada para identificar a

 produção da região também passou a permitir outras formas de controle sobre os deslocamentos

que ocorriam nessa área, tendo em vista a frequência com que os moradores dessas vilas

circulavam pelos sertões ou mesmo em direção à cidade, para onde conduziam as mercadorias

que seriam descarregadas no porto de Belém.

Soma-se a isso a enorme malha hidrográfica da região com uma “vasta e intricada rede de

canais secundários”,89  na expressão do viajante Henry Bates, fazendo a articulação dos mais

remotos lugares com a calha principal do rio Amazonas. Para tanto, tornava-se imprescindível

uma enorme frota de embarcações para realizar os diversos serviços de transporte de carga e de

 pessoas entre as vilas e a cidade. Para suprir essa demanda foram criados estaleiros em algumas

89  BATES, Henry Walter. Um naturalista no Rio Amazonas. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1979, p.22. (Viagemrealizada entre 1848 e1859).

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vilas do interior, com o objetivo de fazer reparos e construir pequenas e grandes embarcações,

destinadas aos serviços dos colonos e das autoridades.90 

A enorme quantidade de canoas circulando pelos rios da capitania deviam ser registradas

e reguladas pela administração, para que houvesse um controle sobre as pessoas e as mercadoriasque eram transportadas nessas embarcações. Além do posto de registro das canoas fixado na

Fortaleza da vila de Gurupá,91 houve também a elaboração de um “censo”92 das embarcações que

circulavam por esses caminhos fluviais. O objetivo expresso nas informações desse tipo de

controle era registrar e contabilizar as pessoas proprietárias de canoas das vilas indicadas, a sua

condição (branco, índio ou liberto/forro), a equipagem que trabalhava na embarcação, o tamanho

e os usos econômicos que eram aplicados às embarcações.93 Diante desse registro, as atividades

comerciais assinaladas para cada vila serviram para a elaboração de uma classificação dos

 principais setores econômicos das vilas e no grupo maior em que foram agregadas. Esse método

também permitiu observar em que setores o uso da mão de obra escrava e indígena foi aplicado.

A análise dessa documentação deve compreender também o entendimento que as

autoridades coloniais tinham sobre os meios de contagem e classificação. Para Benedict

Anderson, a realização de censos refletia o próprio entendimento que esses Estados tinham acerca

de sua soberania, ou seja, como imaginavam os sujeitos e os espaços de seus domínios 94. Esse

imaginário era representado por meio de censos e mapas, sobre os quais o Estado detinha o

90 Além dos estaleiros localizados na cidade de Belém (o de São Boaventura e do Arsenal) para aumentar o tráfegode embarcações entre as capitanias de Mato Grosso e Goiás, havia uma fábrica de canoas da Ribeira do Moju e umafeitoria de canoas na vila de Borba (que fazia uso da madeira do rio Madeira). AHU_ACL_CU_013, Cx. 50, D.4584; AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5049; AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5258.91  Como já foi afirmado, a Fortaleza de Gurupá e o Forte de Óbidos atuavam como um posto fiscal para asembarcações que seguiam para os altos rios, mas também serviam para demarcar a soberania da coroa portuguesanessas localidades. No período de resgate e descidas em busca da mão de indígena, as canoas deveriam registrar aslicenças e a quantidade de índios que era transportado para a cidade de Belém ou outras vilas próximas. Com otempo, recolheu-se apenas os documentos referentes à Gurupá, os quais são utilizados nesse trabalho.92  As aspas se justificam pelo fato dessa documentação não ser precisamente um censo, mas a resposta a umasolicitação de listar essas embarcações. Apesar do códice não conter qualquer informação sobre o que motivou aelaboração desse levantamento, a sua classificação é “correspondência de diversos com o governo”, ou seja, asautoridades dessas vilas, responderam à informação sobre as embarcações e os seus proprietários e enviaram aogovernador em Belém. Para ter-se a noção acerca do que está se discutindo, privilegiou-se por se referir a essadocumentação de censo.93 APEP, Códice 828, Correspondência de Diversos com o Governo (1826).94  Essa “imaginação” sobre as pessoas e os espaços de seus domínios pode ser percebida no próprio processo deocupação portuguesa na capitania do Pará e na definição de seus contornos políticos diante as outras possessões.Renata Malcher escreve a respeito do “mito cartográfico” na delimitação e reconhecimento da região, o queocasionava indefinições no registro dos rios e dos limites nas representações cartográficas. O efetivo conhecimentodos rios serviria para conter e controlar sua navegação por outros colonizadores ou por conquistadores estrangeiros.Ver: ARAÚJO, Renata Malcher. Op. Cit., p. 76.

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controle de contar, classificar e de elaborar.95  O intuito de tornar as pessoas e a produção

comercial quantificáveis estava relacionado à conservação de registros que pudessem ser

utilizados para a cobrança de impostos e para o próprio controle da população.

Essa forma de mapear a quantidade das embarcações existentes na capitania do Paráassegurava às autoridades administrativas e fiscais o controle sobre as embarcações existentes nas

vilas, mas principalmente, se eram aplicadas ao comércio. Com base nessa informação, tornava-

se mais ágil a execução das devidas cobranças que recaíam às embarcações utilizadas no

comércio das drogas do sertão, para onde os comerciantes só seguiam após o recebimento de

licença. Além do imposto sobre a canoa que seguia para esse circuito, o comerciante era obrigado

a pagar a taxa de 5% sobre todos os produtos coletados  –   há de se notar que toda  canoa que

seguisse para o sertão devia pagar imposto. Essa cobrança, muitas das vezes, chegava a causar

embaraços aos comerciantes envolvidos nessa atividade, por diminuir o lucro esperado por tal

empresa, por isso as solicitações da Câmara de Belém sempre estavam às voltas para garantir a

isenção do pagamento dessas taxas, seja para a canoa, seja para o produto transportado por ela. D.

Francisco de Souza Coutinho chegou a indagar ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar,

Martinho de Melo e Castro, sobre “as ordens necessárias para se abolir o novo imposto que

 pagavam as canoas que iam ao comercio do Sertão”, com o intuito de manter a grande circulação

de embarcações para aquela região.96 

“Quase todo o comércio do sertão é erradio”, assim Baena define as práticas comerciais e

a grande circulação de pessoas que ocorrem naquele espaço. Os comerciantes dificilmente se

fixavam nas vilas, para onde deslocavam suas canoas com o objetivo de realizar a permuta de

 produtos e efeitos com os lavradores.97 Isso também valia para os períodos em que as expedições

de coletas de gêneros e efeitos dos sertão montavam as suas feitorias para tratar o cacau (realizar

a secagem dos caroços), colher o cravo, trabalhar na salga do peixe e na produção da manteiga de

tartaruga e do óleo de copaíba. Isso fazia com que os deslocamentos nessa região ocorressem

 periodicamente.Como foi destacado anteriormente, a comunicação entre as diversas vilas do interior com

a cidade, e principal porto, de Belém se dava pelas vias fluviais. Possuir uma embarcação

95  ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas:  reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo.Lisboa: Edições 70, 2005, p. 222.96 Arquivo Nacional, Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com aCorte, cartas e anexos (1790). Pará, 27/06/1790.97 BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 170.

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aplicada ao comércio significava que o seu proprietário estava dentro desse circuito de

abastecimento e de deslocamento de mercadorias e de pessoas entre as vilas dentro da capitania.

O próprio registro da ocupação do proprietário da embarcação também era passível de controle

fiscal, pois os lavradores também deviam pagar dízimo pelo produto das suas lavouras e dosgêneros coletados nos sertões.

Os censos organizados para essa finalidade permitem analisar também essas formas de

controle para garantir a arrecadação correspondente ao resultado da venda dos artigos

comercializados, bem como apresentam as ocupações dos sujeitos envolvidos nessas práticas

comerciais. A embarcação podia ser utilizada apenas para o “serviço da fazenda” ou para o

“transporte da família”, mas mesmo assim ela estava circulando pelos rios e vilas localizadas nos

sertões, onde os principais produtos para a comercialização eram coletados.

Apesar de Alexandre Rodrigues Ferreira ter percebido que nessas áreas mais distantes da

cidade de Belém a comunicação se dava por meio de “canoas mal construídas, débeis, movidas a

remo”, ainda assim era uma circulação muito grande e frequente. Não há descrição de viajante

que tenha passado pelo Estado do Grão-Pará em que esse tipo de comércio passe despercebido,

 por meio do qual os comerciantes avivavam suas mercadorias ou trocavam seus produtos pelos

rios da região.98 Nesse sentido, o registro de 1.034 proprietários de canoas realizado já no ano de

1826 não chega a ser um número absurdo de embarcações circulando pela província do Pará.

Considerando que o principal meio de transporte nessa região são canoas, esse número de

registros é apenas um indicativo do emprego que faziam delas e as atividades mais costumeiras

 para cada região em que houve a realização desse censo.99 

Em 1826, nos meses de janeiro a março e de setembro a novembro, foi realizado um

censo das embarcações e de seus proprietários nas diversas vilas da província. A referência aos

meses em que foi realizado esse censo indica o cuidado de fazer o levantamento sobre os

 proprietários das embarcações no período das cheias dos rios (de dezembro a junho). Isso porque,

98 Robert Avé-Lallemat, Alfred Wallace e Henry Bates apresentaram vários relatos dessas práticas nos rios da região.Os três viajantes visitaram a província do Pará em períodos próximos, mas com roteiros e finalidades diferentes.Bates (em 1848) não deixou de destacar a vida aquática que presenciou na região, onde as transações comerciais esociais se davam por meio dessa comunicação fluvial. A descrição de Avé-Lallemant (em 1859) quase sempre voltaà questão desse pequeno comércio realizado nos rios que ligavam Belém à cidade de Manaus. Isso porque o viajanteembarcou no vapor “Marajó” na cidade de Belém e seguiu registrando as relações cotidianas que observou durante o

 percurso até Manaus. AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859. Rio de Janeiro:INL, 1962. BATES, Henry Walter. Op. Cit., WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. SãoPaulo: Ed. Nacional, 1939. (Viagem realizada entre 1848 e 1852).99 APEP, Códice 828, Correspondência de Diversos com o Governo (1826).

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é nesse período que a navegação apresentava mais dificuldades em função do volume das águas.

O outro momento de recenseamento ocorreu durante a estiagem (de agosto a novembro), quando

os rios baixam e a navegabilidade é menos perigosa. Isso não influenciava apenas a navegação,

mas a própria atividade econômica das localidades. Esse conhecimento das peculiaridadesgeográficas da região expressa o quanto as atividades econômicas estavam vinculadas à natureza.

 Na capitania/província do Pará, a economia era marcada pelo conhecimento dos ciclos pluviais,

em que o movimento das águas marcava o calendário das atividades agrícolas, bem como a

aplicação da força de trabalho em outras práticas.100O transporte das mercadorias também se

guiava pelo movimento das águas dos rios, as marés serviam de indicativo para saber a distância

que se percorria até outra localidade. Os registros mais comuns para as embarcações eram de

montarias e de igarités. Antonio Baena classificou as montarias como canoas de pequeno porte.101 

Baena não faz referência às igarités, mas pela descrição e ilustração de Alexandre Rodrigues

Ferreira, a igarité era uma embarcação grande e possuía de seis a 15 remos por banda. 102 Abaixo,

 podem-se visualizar os tipos e tamanhos de embarcações ilustradas durante a expedição de

Rodrigues Ferreira. 

100 Ver: BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 29. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Os fios de Ariadne: tipologia de fortunase hierarquias sociais em Manaus: 1840-1880. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1997, p. 121.101 BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 254.102 FERREIRA, Alexandre Rodrigues, Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso eCuiabá. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972, p. 330. Há de se registrar que diferente de AntonioBaena, Rodrigues Ferreira usa o termo “montaria” para qualquer tipo de embarcação. Não foi  encontrado qualquerregistro sobre as especificidades dos usos dessas embarcações, o que vaiavam era a quantidade de mercadorias e de

 pessoas que eram transportadas e as suas finalidades, como será discutido adiante.

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Figura 1.1: Tipos de embarcações utilizadas na navegação fluvial no Vale do Amazonas.

Fonte: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Op. Cit. 

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Figura 1.2: Tipos de canoas utilizadas na navegação fluvial do Vale do Amazonas.

Fonte: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Op. Cit. 

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Apesar de haver 61 freguesias na província do Pará, o referido censo de 1826 registrava

apenas a visita que foi realizada nos portos de 16 vilas. Em seu corpo documental, identificam-se

algumas ausências em sua apresentação, como a falta de indicação acerca da ocupação dos

 proprietários da vila de Óbidos e Souzel, a falta de registro na tonelagem das montarias dealgumas vilas, o silêncio acerca da “condição” dos proprietários das canoas e a ausência de

registros para as outras vilas próximas e de outras regiões da capitania. 103 

Entretanto, o censo não está concentrado em uma região específica da capitania, revelam-

se em seu registro tanto informações das vilas próximas de Belém, como as existentes em direção

aos altos rios e na região que segue para a parte litorânea da capitania (região do salgado). Para

uma apresentação mais consistente com as divisões administrativas apresentadas até agora,

escolheu-se por agrupar esse censo das embarcações das vilas de acordo com a localização de

seus principais afluentes, tal como a organização elaborada por D. Francisco de Souza Coutinho,

 já discutida no item anterior.

As análises seguintes estão ancoradas no registro das embarcações das vilas localizadas

nos rios Amazonas, Negro, Tapajós, Xingu, Guamá, Pará e das existentes na “comunicação entre

o rio Amazonas e a cidade” de Belém. Antonio Baena localiza a vila de Melgaço dentro do

conjunto de ilhas e vilas da Ilha Grande de Joanes. Entretanto, com base na documentação, o que

se notou é que a divisão espacial apresentada por Souza Coutinho (na “comunicação do

Amazonas para a cidade”) consegue dar conta das singularidades de cada uma das vilas que

fazem parte dessa localidade, que além desta, também estão agrupadas as vilas de Beja, Portel,

Oeiras, Conde e Barcarena, como citado anteriormente.104 

 Nesse caso, as 16 vilas recenseadas foram agrupadas nos sete rios citados acima, segundo

a proposta de D. Francisco de Souza Coutinho.105  Como pode ser visualizado abaixo, esse

método possibilitou incluir vilas que, de forma isolada, não seriam representativas. A vila de

Mazagão é o caso mais expressivo, pois dificilmente ela é identificada como fazendo parte do rio

103 No fundo do Arquivo Público do Estado do Pará não há referência de outro códice dando continuidade a este quefoi sistematizado.104 Ver: BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 235.105 Para agrupar as vilas da localidade do Rio Negro, usou-se como referência a divisão elaborada por Maria ReginaCelestino de Almeida. Tendo em vista que em 1790 (ano em que Souza Coutinho apresenta a relação dos rios e vilas)não consta um agrupamento específico para essa região ao norte da Barra do Rio Negro (cabeça de comarca do Rio

 Negro). Ver: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Vassalos del’Rey nos confins da Amazônia: a colonizaçãoda Amazônia Ocidental  –   1750-1798. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação emHistória Social-UFF, 1990.

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Amazonas, por ela estar mais associada à região fronteiriça do Cabo Norte (limítrofe à Guiana

Francesa).

Da mesma forma, foi possível identificar quais atividades econômicas eram desenvolvidas

em cada área, mas também notar as especificidades por vila. O objetivo dessa análise é destacarquais as vilas que abasteciam o comércio local da cidade de Belém, seja com produtos, seja com

serviços. Em algumas situações, é possível identificar que produtos eram transportados para

Belém e exportados para os portos de Portugal. Abaixo se destaca a relação das vilas com os seus

 principais afluentes e a quantidade de registros efetuados em cada vila e o seu total para cada rio.

Tabela 1.2: Classificação das Vilas de acordo com os rios do Vale do Amazonas (1826)

Rio/Vila Quantidade de registrosCom. entre o Amazonas e a Cidade 424

Vila de Beja 39Vila de Melgaço 385

Rio Amazonas 232Almerim 53Mazagão 37Monte Alegre 111Óbidos 31

Rio Guamá 32Ourém 32

Rio Negro 81População Poyares 26Povoação de Moreira 18Vila de Thomar 13Villa de Barcellos 24

Rio Pará 15Vila de Colares 15

Rio Tapajós 68Alter do Chão 68

Rio Xingu 182Gurupa 95Porto de Mos 27Souzel 60Total de Registros 1,034

RELAÇÃO DAS VILAS E RIOS EM 1826

 Fonte: APEP, Códice 828, Correspondência de Diversos com o Governo (1826).

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 Nos 1.034 registros arrolados, notou-se que as vilas de Melgaço, Monte Alegre e Gurupá

contabilizaram o maior número de referências a proprietários de embarcações, um total de 385,

111 e 95, respectivamente. A vila de Melgaço está no caminho entre a cidade de Belém e as vilas

situadas nos sertões, essa situação permite a sua articulação entre as duas localidades. Em umrelatório do governador Martinho de Souza e Albuquerque acerca das vilas da região da Ilha do

Marajó, foi descrita a circulação de canoas pelos rios da região que transportavam mercadorias

 para a cidade de Belém. Essa descrição, em particular, fazia referência às “Canoas do Negócio do

Comum” das vilas de Melgaço e Portel, as quais transportavam gêneros coletados nos sertões

 para serem vendidos na cidade.106  Observe-se, no entanto, que os usos econômicos das

embarcações não correspondiam de maneira restrita às referências da fonte, pois em outros tipos

de documentação podem-se ter informações acerca de outras atividades e práticas comerciais

 para as vilas listadas. A vila de Melgaço possuía um estaleiro de canoas, onde se construíam

embarcações para atender às necessidades da vila e vender para outras localidades, o que

 justificaria a grande quantidade de canoas registrada para essa vila.

A principal atividade econômica desta vila estava direcionada para a agricultura (cultivo

da mandioca e do algodão), com 367 registros. Dentro desse setor, 10 registros foram lançados

 para proprietários de engenho de cana, cuja mão de obra utilizada era a do escravo. O trabalho

cativo também era utilizado nas embarcações de negociantes, nas quais os índios trabalhavam

como remeiros. Com base nessa documentação, entre as vilas recenseadas, a vila de Melgaço é a

que apresenta o maior plantel de escravos, tanto no trabalho agrícola como no comércio. Para

essa região entre o rio Amazonas e a cidade de Belém, a vila de Beja eleva a atividade pesqueira,

sendo a coleta de mariscos o principal registro entre 19 proprietários de embarcações. Baena

escreve que Beja era uma vila pequena, a agricultura consistia no cultivo da maniva (para fazer a

farinha), café, arroz e cacau, cujo resultado dessa produção era comercializado em Belém. 107 

A vila de Monte Alegre, no rio Amazonas, apresenta em seus registros 187 embarcações,

cujo principal uso estava direcionado ao transporte, com 94 canoas destinadas a esse serviço, quetambém era movido pela mão de obra escrava. Atividades comerciais dessa vila também

registram uma grande quantidade de cativos. A utilização das embarcações direcionadas ao

106 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (AN). Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa 747, Roteiro Corográfico da Viagem do Governador da Capitania, Martinho de Souza e Albuquerque, 27/10/1785 (1764-1815).107 BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 225.

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transporte compreende o transporte de pessoas e de carga que também pode ser o produto do

cultivo das fazendas existentes nessa vila, bem como o comércio do peixe, outra atividade muito

assinalada nesse censo. Pelo registro das embarcações da Fortaleza de Gurupá, a vila de Monte

Alegre abastecia o comércio de Belém com: cacau, carne seca, couro seco, peixe seco, salsa,farinha e feijão.

Ainda no rio Amazonas, as embarcações da vila de Almeirim também estavam aplicadas

ao serviço de “transporte da família”, da pesca e da roça. Reafirmando que das 58 canoas, 29

estavam alocadas para o serviço de transporte e 26 canoas destinadas à pesca. Tal como afirmado

 para a vila de Monte Alegre, o comércio do peixe seco e da salsa são os dois principais produtos

que Almeirim envia para os portos de Belém.108 Baena inclui a esses dois produtos o comércio da

farinha, cravo, cacau e breu.109  A vila de Mazagão não aplica as suas canoas ao serviço de

transporte, porém a atividade pesqueira é a que prevalece, seguida das atividades na lavoura. Dois

registros do rio Amazonas podem ser destacados nessa análise: um é de João Pedro de Andrade,

que se atinha à pesca e à condução de gado, atividade que desenvolvia entre o seu batelão (de 400

arrobas) e as suas três montarias, guiadas pelos seus três escravos, ao passo que os outros três

eram livres. O outro é de Antonio do Nascimento, que distribuía o seu tempo nos serviços da

 pesca e na lavoura de sua fazenda. Para tais atividades ele aplicava 5 embarcações, sendo um

 barco de (400 arrobas) e as outras quatro são montarias que não tiveram a sua tonelagem

registrada.110  Releva-se que o rio Amazonas se apresenta como a segunda área com maior

número de embarcações, dado que a sua principal atividade, além da pesca e do comércio,

consiste no transporte de cargas, atividade para a qual destinava 123 canoas num total de 357

embarcações. Apesar de ser comum o registro de trabalho indígena nessas embarcações como

remeiros, neste censo a mão de obra escrava se apresentava como a mais utilizada para os

serviços de transporte e no comércio.

As vilas de Ourém e Colares apresentam um indicativo da atividade econômica

desenvolvida em suas regiões, que devido a sua proximidade com a cidade de Belém pode-seaventar que o produto da pesca e da agricultura dessas vilas abastecesse os mercados da cidade

108 Ao final desse capítulo será apresentada a lista com os principais produtos que essas vilas remetiam para o portode Belém. APEP, SGCGPRN, Códice 659, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1812-1819).109 BAENA, A.L.M. Op. Cit., p. 220.110 A tonelagem padrão para as montarias podia ser uma noção muito comum para a região, tendo em vista que emmuitas vilas, a referência à montaria não era seguida de sua tonelagem. Nos poucos registros que constam atonelagem das montarias, esse número não é superior a 35 arrobas e o menor valor para esse tipo de embarcação é de16 palmos (pouco mais de 3 metros).

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com alimentos e peixe frescos. Antonio Baena destaca os “efeitos agronômicos” que os

moradores da vila de Ourém destinam aos mercados de Belém, tais como: “algodão, arroz,

aguardente de cana, mel, farinha, milho, feijão, café e cacau”. Ainda que tenha elaborado um

repertório da produção econômica para as diversas vilas da capitania, Baena não faz referência àatividade pesqueira dessa vila, mesmo salientando o aproveitamento fluvial que os seus

moradores faziam dos outros rios tributários ao Guamá, como o Piriá, Gurupi e Caité. Por outro

lado, da vila de Ourém partia dois caminhos, um que seguia para a vila de Bragança, por meio do

rio Caeté e o outro caminho se dirigia à capitania do Maranhão, o que facilitava as trocas

comerciais entre essas duas vilas.111 

 No rio Tapajós, a única vila que apareceu recenseada foi a de Alter do Chão, com 68

registros de proprietários dividindo as 90 embarcações arroladas. Como poderá ser notado na

tabela 1.4, a maior parte das canoas (80 no total) atendia às necessidades da agricultura, porém 25

indivíduos que destacaram trabalhar nos serviços da lavoura ou da roça também mencionaram

exercer serviços mecânicos, como: alfaiate e lavrador, oficial de sapateiro e roça, oficial de

carpinteiro e roça ou oficial de ferreiro, lavoura e pesca. Sendo esse o grupo composto pelos

indivíduos que possuíam entre 2 e 3 embarcações com tonelagens que variavam entre 10 e 100

arrobas. Com base na tabela abaixo, a maioria dos proprietários registrados (74,37%) possuía

apenas uma canoa, os proprietários com mais de 3 embarcações contabilizam apenas uma

quantidade pequena (8,22%), mas que pelas dimensões das canoas podiam transportar grandes

somas de mercadorias em apenas uma viagem.

Tabela 1.3: Distribuição das embarcações por

proprietário (1826).

Proprietários das Embarcações por quantidade

A B C

1 769 74.37%

2 180 17.41%mais de 3 85 8.22%

Total 1034 100.00%Legenda: A: quantidade de embarcações; B: total de embarcações;C: percentagem de B em A.Fonte: APEP, Códice 828, Correspondência de Diversos com oGoverno (1826).

111 BAENA, A.L.M. Op. Cit, p. 243.

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Para as embarcações, havia uma grande quantidade de indicações sobre os usos em que

elas eram ocupadas, isso causou dificuldades para identificar um padrão ou mesmo elaborar uma

tipologia. As categorias lançadas nos censos expressam a falsa ideia de que elas podem agrupartoda a diversidade social, para Anderson isso é uma “ficção do censo”, pois todos os indivíduos e

categorias destacadas teriam apenas um correspondente, não existindo “frações”.112 Nesse caso,

com o intuito de apresentar e analisar os dados dessa documentação fiscal utilizou-se o recurso da

inclusão de um campo identificado como “Setor”, para dar homogeneidade às diversas

referencias feita no campo destinado à “Ocupação”. 

Como a divisão por setores (primário, secundário e terciário) não se aplica para as

sociedades coloniais, se utilizou a divisão proposta por Iraci Costa e Nelson Nozoe, em que

classifica essas ocupações dentro de grupos mais amplos. 113 Para tanto, buscou-se agrupar todas

as indicações de ocupação em 5 grupos: Agricultura, Comércio, Militar e Lavrador, Pesca e

Transporte. Isso possibilitou analisar com mais clareza as mais de 20 indicações de ocupação que

foram registradas. Nos casos em que a referência apresentava dois ou três tipos de atividades,

 privilegiou-se por indicar a que fosse mais recorrente para a vila e no grupo da região, porém se

destacou, quando necessário, algumas especificidades presentes nas vilas em que isso fosse mais

frequente, como para a vila de Alter do Chão, acima citada.

A tabela abaixo foi organizada com os setores das ocupações, a quantidade de

embarcações empregada nesse setor e a mão de obra utilizada para a execução desses serviços. A

indicação N/C foi aplicada à tabela para marcar que “não consta” a informação no documento.

 No que tange ao uso da mão de obra nas embarcações, atenta-se para a pequena referência ao

trabalho escravo no setor pesqueiro, pois apenas no rio Amazonas é que há essa ocorrência, com

16 cativos. Entretanto, de uma forma geral, o trabalho escravo estava concentrado no setor da

agricultura com 40,25%, em seguida no comércio com 21,58% de cativos, e no setor militar e

lavrador com 13,49% das referências. Seguindo as bases dessa documentação, pode-se inferir quea mão de obra escrava não estava concentrada apenas nas propriedades dos termos diretamente

ligados à Belém, mas que as vilas do interior da capitania também faziam uso de cativos em suas

fazendas, no comércio e no transporte de mercadorias.

112 ANDERSON, Benedict. Op. Cit., p. 224.113 COSTA, I. del N. da; NOZOE, N. H.. “Economia colonial brasileira: classificação das ocupações segundo ramose setores”. Estudos Econômicos, v.17, n.1, jan./abr., p.69-87. 1987.

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Tabela 1.4: Distribuição das embarcações por atividade econômica (1826)

Rio/Ocupação Total de Embarcação Total de Registro Escravo Índio

Com. entre Amazonas e a Cidade 573 424 207 0Agricultura 498 380 133Comércio 36 10 51Militar e Lavrador 11 6 23

 N/C 8 8Pesca 20 20

Rio Amazonas 357 232 169 5Agricultura 19 14 11Comércio 25 10 26 5Militar e Lavrador 13 4 16

 N/C 70 33 75

Pesca 107 90 16Transporte 123 81 25Rio Guamá 41 32 10 6

Agricultura 15 12 4Comércio 2 1 5Militar e Lavrador 4 2 1 4

 N/C 2 2 2Pesca 18 15

Rio Negro 88 81 3Agricultura 72 71 2Comércio 10 4 1Militar e Lavrador 5 5

 N/C 1 1Rio Pará 19 15 11

Agricultura 15 13 8Militar e Lavrador 3 1 3

 N/C 1 1Rio Tapajós 90 68 1

Agricultura 80 62Militar e Lavrador 1 1

 N/C 3 1 1Pesca 5 3Transporte 1 1

Rio Xingu 264 182 81Agricultura 128 92 36Comércio 34 11 21Militar e Lavrador 28 11 22

 N/C 70 64 2Pesca 2 2Transporte 2 2

Total geral 1432 1034 482 11

Ocupação, usos das embarcações e mão de obra por Rio

Fonte: APEP. APEP, Códice 828, Correspondência de Diversos com o Governo (1826).

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Ressalte-se que o número de 1.034 proprietários de embarcações não significa que sejam

1.034 canoas, botes, igarités e montarias circulando pelos rios do Estado do Grão-Pará e Rio

 Negro. Em quantidade de embarcações, esse número sobre para 1.432 embarcações, pois muitos

 proprietários possuíam mais de uma canoa, havendo registro de negociantes com 6 ou 7 barcoscom a tonelagem (seu tamanho) variando entre 500 a 3.000 arrobas. Um desses negociantes é

Manuel Bentes Lobo, da vila de Gurupá. Ele era proprietário de sete embarcações divididas entre

um bote (de 500 arrobas), dois igarités (ambas de 40 arrobas) e quatro montarias (todas de 12

arrobas). Outro negociante com o mesmo número de embarcações foi registrado na vila de

Melgaço: Francisco Nicolau Bastos, que apresentou sete embarcações, entre as quais quatro

 possuíam a maior tonelagem em arrobas (3.000, 500, 80 e 12 cada uma), ao passo que as outras

três embarcações possuíam tonelagem de 10 arrobas cada uma.

 Na tabela acima, além de conferir os setores econômicos em que as vilas dos rios da

região estavam empregadas e os usos das embarcações nessas atividades, nota-se que no rio

 Negro e no rio Pará a atividade pesqueira não é assinalada. Os serviços de transporte de carga são

 próprios dos rios Amazonas, Tapajós e Xingu. A agricultura e o setor de militar lavrador foram

 percebidos para todos os rios. Apesar de o setor “comércio” ser comum para os rios Amazonas,

Guamá, Negro, Xingu e para a comunicação entre o Amazonas e a cidade, não se pode deixar de

destacar que a vila de Santarém, no rio Tapajós, sempre foi considerada o empório comercial

daquela região. Essa vila era o maior núcleo urbano demográfico e grande participação no

comércio do cacau, salsa, cravo, carne seca, couro seco, peixe seco, manteiga de tartaruga e óleo

de copaíba.114 As atividades comerciais nesse circuito entre os rio Amazonas, Tapajós e Xingu

 promoviam também o estabelecimento de redes sociais115  entre negociantes e lavradores de

diferentes vilas, tornando o fluxo desses sujeitos uma característica dessas localidades.

O que faz necessário ressaltar que a ausência dos registros para outras vilas da capitania

não representa a inexistência de determinada atividade, mas como já foram assinalados para essa

documentação, esses indicadores propiciam uma leitura sobre as embarcações que estavamaplicadas nesse circuito. Porém, pode-se acrescentar a essa questão que outros interesses podem

 permear o recenseamento dessas embarcações ao longo da calha principal do rio Amazonas e dos

seus principais afluentes.

114 SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981. APEP,SGCGPRN, Códice 659, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1812-1819).115 ROLER, Heather. Op. Cit., p. 444. 

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 Nesse sentido, conjectura-se acerca de que outros objetivos teriam os administradores

dessas vilas e o governador da província em elaborar um levantamento tão amplo sobre as canoas

que circulavam na região e em qual setores de atividades estavam aplicadas. Outra questão que

acompanhava a realização desse censo é a ausência de registros para outras vilas que seriamrepresentativas em suas localidades. Nesse caso, destaca-se o registro para o rio Tapajós, onde a

vila de Santarém não teve os seus proprietários de embarcações recenseados. Com base nisso,

deve-se observar que em 1826 o governo imperial nomeou um “Agente de Negócios” para tratar

de assuntos referentes à introdução da navegação a vapor nos rios da província do Grão-Pará.116 

Esse assunto pode ser uma resposta ao levantamento realizado.

O Agente de Negócios, José Silvestre Rabello, foi encarregado de lançar convites aos

empresários dos Estados Unidos que demonstrassem interesse em explorar a comunicação fluvial

da província por meio de navegação a vapor.117 Entretanto, o governador da província José Feliz

Pereira de Burgos, em ofício remetido ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, declarava o seu

descontentamento com os encaminhamentos que o agente havia tomado diante de uma situação

tão importante para a região.118 

 Na ata do Conselho, o governador da província apresentou as ponderações necessárias

 para evitar a introdução de um projeto de navegação “meramente conduzidos pelo prazer da

novidade, e de entrar em especulações gigantescas, só na fantasia”. Era necessário destacar os

inconvenientes desse projeto para a província, mas principalmente para os seus moradores das

regiões onde a população “mais necessitada, mais útil, e mais numerosa da província” retirava os

meios para a sua subsistência.119 Ou seja, os pequenos lavradores que ocupavam os afluentes dos

 principais rios navegáveis, os quais serviam de ligação com o rio Amazonas.

Em seguida, Pereira Burgos passou a demonstrar como a posse de uma embarcação era

imprescindível para o deslocamento na região. Além das igarités e montarias, muito comuns

116  Arquivo Histórico do Itamarati (AHI), Catálogo de Documentos 16: Governos Repartições e AutoridadesRegionais e Locais (1825-1841); Ofício de 30/09/1826. Anexo III.117 O barco a vapor “Amazonas” fundeado no porto de Belém era uma demonstração do serviço que seria ofertado na

 província, “como especulação necessariamente vantajosa”, pois serviria para “conduzir mercadorias e produtos entreessa capital e as diferentes povoações espalhadas pelas margens do Amazonas e dos seus numerosíssimosconfluentes”. AHI, Catálogo de Documentos 16: Governos Repartições e Autoridades Regionais e Locais (1825 -1841); Ofício de José Silvestre Rabelo ao Secretário do Governo 17/03/1826. Anexo III.118 Na reunião do Conselho seria feito o parecer referente à questão do projeto sobre a navegação, aprovando ou nãoa “conveniência” de uma sociedade com a companhia americana. AHI, Catálogo de Documentos 16: GovernosRepartições e Autoridades Regionais e Locais (1825-1841); Ata do Conselho (Discurso do Governador PereiraBurgos) de 14/07/1826. Anexo III.119 Idem, 14.07.1826. Anexo I.

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nesse circuito, as pequenas embarcações de um único pau ou de construção mais simples eram

seguras para a navegação. Esses tipos de embarcações eram adequados para “os imensos Canais,

que engrossam o Amazonas, sustentam a maior parte daqueles indivíduos, que as constroem, 120 

 para a exportação de todas as especiarias, e gêneros espontâneos, e cultivados no seu imensoPaís”.121  Afora esses moradores, se a navegação a vapor também fosse destinada aos

deslocamentos das correspondências, do transporte de tropas e “até para certas especulações

comerciais convenha sempre que ou o Estado, ou mesmo o corpo comerciante, ou quaisquer

outros (...) participassem destas vantagens”. A preocupação de Pereira Burgos era que se

instalasse um “monopólio dos meios da subsistência dos naturais”, como já havia ocorrido com a

Companhia de Comércio.122  Nesse sentido, era necessário analisar com cautela as propostas

 presentes no projeto para a região.

O objetivo de apresentar os pontos desse discurso do governador do Pará se justifica pelo

quadro da navegação que ele expõe. Destaca-se aqui a necessidade do lavrador possuir uma

embarcação para transportar a sua produção, bem como toda a vida da região, pois para todos os

assuntos econômicos, políticas e sociais referentes ao deslocamento, as embarcações eram o

transporte. Entretanto, nem todos os lavradores eram proprietários de embarcações capazes de

atender a essa prática comercial.

Segundo o Agente de Negócios, José Silvestre Rabello, geralmente os moradores que

 possuíam canoas “gasta[vam] muito tempo em fazer as viagens a Capital (Belém)”, porém nem

todos eram proprietários de embarcações. Em sua argumentação, acabava “culpando” o rio

Amazonas que dificultava a segurança da navegação, por ser muito largo e no seu curso existirem

fortes correntezas. O Agente acentuava que, apesar de existirem embarcações pequenas e médias

 para circular nesses canais, “mui poucos possuem meios para navegar as mesmas canoas serem

muito grandes, e custarem muito a fazer, e a armar, e por tanto, que os mais pobres raras vezes

120 Com certo exagero, Bates registrou que os nativos da Amazônia “são todos fabricantes de barcos”, exímios nomanejo dessas embarcações “em que enfrentam caudalosas correntes”. BATES, Wallace. Op. Cit., p. 38.121 AHI, Catálogo de Documentos 16: Governos Repartições e Autoridades Regionais e Locais (1825-1841); Ata doConselho (Discurso do Governador Pereira Burgos) de 14/07/1826. Anexo III.122  O governador da província, Pereira Burgos, encaminhou uma convocação aos “negociantes desta praça, elavradores”, para participarem da reunião do conselho, os quais concordaram com o governador em relação aosinconvenientes desse projeto para a região. Após de apresentadas todas as ponderações, o “Conselho sentou que defato não era conveniente que a Barca de vapor subisse naquele tráfico o alto Amazonas”, decisão repassada aoAgente de Negócios, José Silvestre Rabello, e ao encarregado da Companhia da Navegação de Vapor, JoãoHeffersoman, “para que ficassem nesta inteligência”.  Idem. As questões sobre a abertura do rio Amazonas ànavegação a vapor podem ser consultadas em: LOPES, Siméia de Nazaré. O comércio interno no Pará oitocentista:atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. (Dissertação de Mestrado). Belém: NAEA/UFPA, 2002.

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tem ocasião de remeterem a capital os seus frutos”.  O controle ocorria porque os pequenos

 produtores, que não possuíssem qualquer tipo de canoa, estavam subordinados a vender seus

haveres “a porta por pouco preço, ou vê-los deteriorar em Casa até que se lhes proporcione

ocasião de os embarcarem, como, por favor, em algumas das canoas dos que são mais poderosos”.123 

Esse argumento do Agente pode ser associado ao resultado do censo das embarcações que

foi analisado acima, quando se discute acerca da quantidade de embarcações por proprietário.

Como foi registrado na tabela 3 acima citada, dos 1.034 registros de proprietários de canoas

74,37% deles possuíam apenas uma embarcação, 17, 41% acusaram possuir duas, ficando os

8,22% destinados aos proprietários de mais de três embarcações.124  Apenas 25,63% dos

 proprietários registraram que possuíam mais de duas canoas, havendo uma hierarquização desse

meio de transporte na região, o que também é ressaltado pelo Agente de Negócios como um

 prejuízo ao comércio e um controle da venda e transporte dos produtos pelos grandes

comerciantes. Os pequenos agricultores despossuídos de meios de transporte para escoar a sua

 produção estavam subordinados às condições impostas pelos proprietários de embarcações que

trabalhavam no transporte de carga para os principais portos.125 Além disso, as próprias relações

comerciais nesses espaços poderiam subordinar certos grupos de produtores locais, contribuindo

 para uma relação de monopólio local. O sistema de atravessadores e de aviamento que marca as

relações sociais entre os produtores e os agentes da circulação se estrutura com seu caráter

espoliativo e de dominação, ao mesmo tempo em que se torna a única alternativa para os

 primeiros.

A respeito das relações de subordinação de pequenos produtores a comerciantes, José

Carlos Chiaramonte afirma que essas relações se estruturavam dentro de um quadro de

monopólio colonial. O autor definiu esse mecanismo de subordinação como um “intercâmbio não

equivalente”, quando os grandes comerciantes, detentores de privilégios, estipulavam os preços

das mercadorias que seriam postas à venda, assim como para as que compravam, enquanto os

123  Arquivo Histórico do Itamarati (AHI), Catálogo de Documentos 16: Governos Repartições e AutoridadesRegionais e Locais (1825-1841); Ofício de José Silvestre Rabelo ao Secretário do Governo 17/03/1826. Anexo III.124 APEP. APEP, Códice 828, Correspondência de Diversos com o Governo (1826).125 LOPES, Siméia de Nazaré. Op. Cit.

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 pequenos produtores ficavam presos às taxações a que lhes eram impostas e acabavam vendendo

suas mercadorias abaixo do valor de mercado.126 

A negativa para a instalação da Companhia de Navegação a Vapor serviria para manter

esse monopólio do transporte de mercadorias que os grandes comerciantes da região gozavam, pois possuíam as maiores embarcações e os mecanismos políticos para reiterar as relações de

subordinação, dependência e controle sobre os produtos a serem comercializados.127 Para tanto,

era necessário conhecer como essas práticas e relações estavam estruturadas. Ao se conhecer a

quantidade de embarcações circulando por esses caminhos, possibilitava controlar o principal

meio de transporte da região, até aquele momento.

1.4- A Cidade de Belém e o seu movimento por tuário;

O entendimento do comércio realizado na cidade de Belém requer compreender, em

termos gerais, a dimensão espacial dessa prática nesse espaço urbano, destacando os principais

 portos, os pontos de cobrança fiscal, o espaço do mercado e a relação do porto de Belém com as

outras áreas do Grão-Pará e a sua função dentro desse espaço. Às margens da baía do Guajará, na

distância que existia do Igarapé do Una ao Convento de Santo Antonio e do Forte São Pedro Nolasco até o Forte do Castelo, foram fixados três ancoradouros que tinham funções específicas

 para cada embarcação que chegava à cidade de Belém. Entre os dois primeiros pontos de baliza

se localizava um ancoradouro de franquia; do Convento ao Forte São Pedro Nolasco, estava

situado o porto destinado à descarga das mercadorias; por fim, entre este Forte e o do Castelo

estava um ancoradouro próprio para o embarque das mercadorias, pois o posto do Ver-o-peso

ficava nessa proximidade, bem como o canal do Piri, o que permitia às canoas se deslocar para o

interior da cidade.128 A ampliação dessa parte da cidade abrigou sua segunda principal freguesia,

a da Campina.

126  CHIARAMONTE, José Carlos.  Mercaderes del Litoral: Economía y sociedad en la provincia de Corrientes, primera mitad del siglo XIX . México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1991.127  Em análise sobre o tema, a desestruturação dessas relações econômicas forçaria a reorganizações de novas

 práticas de aquisição, venda e transporte dessas mercadorias para os portos de Belém. Nesse caso, os regatõesatuariam como intermediadores entre os lavradores e os principais portos que seriam instalados nas principais vilasda malha central do rio Amazonas. Ver: LOPES, Siméia de Nazaré. Op. Cit.128 BAENA, Antonio L. Monteiro. Op. Cit. p. 216.

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As distâncias entre as vilas do interior e a cidade de Belém foram encurtadas pela

facilidade das rotas de comunicação fluvial. Essas viagens eram realizadas por pequenas canoas e

demais embarcações que carregavam a produção nativa para abastecer o comércio da cidade. Os

 pequenos produtores transportavam o resultado das suas roças e da extração de gêneros por essescaminhos. Não é raro nos relatos dos viajantes que passaram pela região a descrição de uma cena

cotidiana dessa prática comercial: índios remando canoas carregadas de produtos para abastecer a

cidade ou os seus lugares e vilas.129 

As canoas conduziam os diferentes tipos de pescado para o consumo da população local,

transportavam os gêneros resultantes da coleta ou da produção de pequenos lavradores. Esse

transporte de gêneros realizava-se em embarcações variadas, como as montarias e as igarités.

Elas faziam o transporte dos gêneros coletados e produzidos nos altos rios, contribuindo para

suprir os mercados da cidade, ou mesmo transportando mercadorias do interior para os armazéns

da cidade para serem exportados. Havia o registro de algumas embarcações que eram específicas

 para o transporte de determinado tipo de carga. O Príncipe Adalberto da Prússia, quando

descreveu uma fazenda de gado na Ilha do Marajó, observou que a escuna ancorada no porto, a

qual transportava o carregamento de gado para fazer o abastecimento de carne no açougue da

cidade. Ele escreve que “estas embarcações, que se encontram aqui e ali no Amazonas, chamam-

se gabarras ou batelões de gado”.130 

Conforme foi visto no item anterior, embora houvesse diferentes tipos de embarcações

que singravam pelos caminhos fluviais da capitania, não há como agrupar todas as

 particularidades das embarcações que faziam esse circuito. O que pode ser registrado é a

diferenciação de uso das embarcações. O que se nota é a definição das canoas que seguiam para o

comércio do interior e as canoas que transportavam as mercadorias para abastecer a população

local, os chamados “efeitos agronômicos”.131 As denominações mais comuns eram: barco, bote,

 batelão, canoa, igarité e montaria. A variação das embarcações também estava em seu tamanho, o

qual era definido como de pequeno ou grande porte, ou medindo de 15 palmos a 3000 arrobas.132

 Havia referência às canoas pelo seu calado, como as “canoas grandes de verão”, as quais eram

129  Cf.: KIDDER, Daniel.  Reminiscências de viagens e permanência no Brasil:  Província do Norte. São Paulo:Martins, Ed. da Universidade de São Paulo, 1972.130  ADALBERTO, Príncipe da Prússia. Brasil:  Amazonas e Xingu. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1977. (Viagemrealizada em 1842), p. 147.131 MALCHER, Renata. Op. Cit., p. 247.132 Essa análise será detalhada mais adiante.

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utilizadas para viagem no período de seca dos rios ou para transitarem por pequenos canais, pois

eram construídas com um tipo de casco mais raso.133 

As embarcações que traziam mercadorias das diversas freguesias da capitania aportavam

com os mais variados tipos de comestíveis e efeitos, tais como: paneiros de farinha, azeites eóleos (andiroba e copaíba), algodão, breu, café, cebola, arroz, feijão, manteiga de tartaruga,

quina, salsa, caranguejo, carne verde e seca, peixe fresco e salgado, peixe boi, galinha, além do

tabaco, cacau e cravo, esses últimos mais destinados à exportação. 134 Com exceção da laranja e

da cebola, as frutas e hortaliças não são produções comuns dos sertões, o comércio que abastecia

a cidade de Belém com esses produtos estava nas localidades mais próximas, principalmente as

freguesias às margens do rio Guajará (São Domingos do Guamá e Santa Ana do Capim) e do rio

Acará (São José do Acará).135 

Baena escreve que o cultivo de frutas e hortaliças era comum na cidade de Belém e em

seus arredores, onde os poucos moradores destinavam os seus quintais e rocinhas ao plantio de

árvores frutíferas e horticultura. Escreve o autor que embora fosse extensa a lista dos produtos

que eram cultivados, eles não davam em quantidade suficiente que permitisse abastecer os

mercados locais desse gênero, por isso era comum usar esses produtos como donativos, seja na

forma de “lembrança de amigos”, seja “pelos obséquios do trato humano”. 136 

Entretanto, ao observar as pranchas desenhadas na Viagem Filosófica  de Rodrigues

Ferreira, nota-se a existência do espaço do Mercado Municipal destinado para o comércio de

frutas, hortaliças, legumes e outros tipos de efeitos. Trata-se de um indício da importância que o

comércio desses gêneros tinha na cidade de Belém, tendo em vista a disposição das seis barracas

 para atender ao volume dessa negociação. O plano do referido desenho destaca a “Praça do

Pelourinho”,137  as embarcações que margeavam a baía do Guajará e o que seria uma cena

133 ANRJ, Vice-Reinado/Capitanias do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa 747, Roteiro Corográficoda Viagem do Governador da Capitania, Martinho de Souza e Albuquerque, 27/10/1785 (1764-1815).134 Arquivo Público do Estado do Pará (APEP), Secretaria de Governo da Capitania do Grão-Pará e Rio Negro(SGCGPRN), Códice 659, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1812-1816). Outros produtosfazem parte dessa lista, apenas se destacou os principais que seguiam para o comércio local. Uma análise dosgêneros comercializados entre a capital e as vilas do interior será feita nos próximos itens.135 ANRJ, Vice-Reinado/Capitanias do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa 747.  Mapa Geral doestado atual da cultura no Pará assim da permanente como das criações de gados e a importância respectiva adinheiro, 1797 (1764-1815).136 BAENA, A. L. M. Op. Cit., p. 76.137 A fixação do Pelourinho nessa praça foi pautada por controvérsias e críticas, pois antes ficava em frente à catedralda Sé, mas a igreja não concordava em ter aquele símbolo num espaço voltado para rezas e procissões. RenataMalcher escreve que o novo local onde foi posto era mais representativo, pois ficava “diante da própria cidade, numa

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cotidiana daquele lugar: a circulação de militares, de religiosos, de mercadores e da população

nesse espaço mercantil. Nesse desenho, também se pode notar a parte de terra que avançava para

o rio e que daria lugar ao Mercado de Ferro do Ver-o-Peso. Nessa parte da cidade, à esquerda

desse mercado, estava situada a Casa das Canoas, onde as embarcações ficavam aportadas paradepois seguir viagem ou receberem reparos.138 

Essa descrição permite destacar que as principais atividades comerciais e sociais estavam

articuladas e se voltavam para a área portuária da cidade, o porto agregava esses dois espaços. A

representação desse espaço conjuga a ideia que se atribuía à cidade de Belém como uma “cidade -

marítima”,139  a visão de seu porto e o rio pontilhado de embarcações de todos os tipos e

tamanhos. O conceito de “cidade-marítima,” segundo Cristina Castel-Branco, é atribuído à cidade

de Lisboa, pois a sua localização no estuário do rio Tejo lhe permitia uma condição “única de

 porto marítimo e fluvial, protegido e com acesso natural ao mar.”140  Nesse caso, o porto da

cidade de Lisboa desenvolvia três funções: de porto local fazendo, a comunicação entre as vilas

 próximas à cidade; de porto regional, para estabelecer a relação com as vilas dispostas no rio

Tejo; e a função de porto mar, por onde entravam e aportavam as mercadorias e embarcações que

chegavam pelo oceano Atlântico.141 

 praça avançada sobre o rio”, o que valorizava o seu significado. MALCHER, Renata. Op. Cit.,  p. 207. Atransferência do Pelourinho para frente da cidade permitiu que coexistissem “duas praças com funções distintas, quecorrespondem a dif erentes momentos da construção da cidade”. A primeira foi a praça da Sé, a segunda praça urbanafoi estruturada com articulação ao espaço destinado ao Palácio do Governo. Ver: TEIXEIRA, Manuel C. “As praçasnas cidades brasileiras, séculos XVI a XVIII”. In : FARIA, Miguel Figueira (Org.). Praças Reais: passado, presente efuturo. Lisboa: FCT/ UAL/ IIP, 2006, pp. 323-340.138 MALCHER, Renata. Op. Cit., p. 210.139  Idem, p. 211.140  CASTEL-BRANCO, Cristina. “A Praça de Comércio e os elementos naturais”. In: FARIA, Miguel Figueira(Org.). Op. Cit., p. 358.141  Idem, p. 363.

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Figura 1.3 Igreja da Praça da Mercês (1791).

Fonte: “Prospecto da Praça das Mercês e frontispício da igreja de N. S. das Mercês, mandado fazer pelo governadorD. Francisco de Souza Coutinho [1791?]”, In: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica pelascapitanias do Grão- Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1792).  Iconografias, Vol. 1: Geografia-Antropologia. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1791.

As funções acima destacadas podem ser pensadas para entender o papel que a cidade de

Belém ocupava nesse espaço, ao norte da América portuguesa. Apesar de estar localizada na baía

do Guajará, onde o rio estava no seu entorno, o conceito de cidade-marítima confere ao porto

fluvial da cidade de Belém toda a dimensão que ele representava, no final do século XVIII e

início do XIX. Como se destaca nesse estudo, o porto de Belém estava aplicado às funções acima

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citadas, mas de uma forma mais ampla. A integração que a capitania do Pará tinha com as

capitanias do Oeste do Brasil e com o Maranhão resultava ao porto da cidade de Belém quatro

funções142: 1- a de porto local, pois recebia as embarcações e se comunicava com as vilas

localizadas nos rios Pará, Guamá, Acará, Moju e Tocantins. 2- A função de porto regional,articulando as vilas dos rios Xingu, Amazonas, Tapajós e Negro, de onde partiam as embarcações

com os produtos voltados para o abastecimento da cidade e para a exportação. 3- A função de

 porto inter-regional, por servir de entrada e saída dos produtos e mercadorias das capitanias

acima citadas. 4- A função de porto mar, pois era da cidade de Belém que seguiam os gêneros,

 produtos e mercadorias para os portos de Portugal, como também recebia as embarcações

 provenientes da Europa.

As ruas paralelas ao rio, como a da Praia, do Açougue e a dos Mercadores, apresentavam

intensa movimentação comercial durante o dia ou quando atracavam as embarcações para

abastecer os armazéns, lojas e mercados situados nessa parte da cidade. Dentro desse espaço,

havia várias edificações desse tipo, principalmente as voltadas para abrigar os armazéns e

depósitos para mercadorias diversas e para as embarcações. Ao longo dessas ruas estava fixada a

maioria dos ancoradouros e pontos de desembarque onde se realizavam essas transações

comerciais e fiscais.143 Segundo a análise de Castel-Branco, essa constante relação entre a cidade

e o rio é a principal imagem das cidades-marítimas.144 Na imagem acima apresentada, percebe-se

essa questão da forte relação entre a cidade o rio, sempre realçado pelas embarcações que

rodeavam a cidade.

Ainda na freguesia da Campina, nas travessas partindo das ruas da Praia e do Açougue,

também havia a disposição de lojas de secos e molhados ou boticas. Na travessa do Passinho

havia a loja de fazendas que pertencia aos sócios Manoel Jose Fernandes e Ignácio da Fonseca

Loureiro.145 A loja era na parte térrea do sobrado pertencente ao tenente-coronel Francisco Jose

Faria. As casas de sobrado erguidas nessa parte da cidade serviam como morada nos altos e de

comércio na parte térrea. Passando duas quadras, na travessa da Misericórdia, havia a loja de

142 As funções anotadas seguem como base a apresentação feita por Cristina Castel-Branco. Op. Cit.143 KIDDER, Daniel. Op. Cit.144 CASTEL-BRANCO, Cristina. Op. Cit., p. 368. A autora afirma que essa interface de Lisboa foi se perdendo coma introdução de transportes alternativos aos barcos. Pode-se afirmar que a cidade de Belém ainda mantém essainterface, onde o porto da cidade e a sua frontaria ainda atuam como espaço para as atividades comerciais.145 APEP, Livro de Notas do tabelião Perdigão (LNTP), Escritura de Sociedade Mercantil, n. 1189, d. 648, (1816-1819).

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fazenda e armazém de molhados pertencente aos sócios Luis Antonio Luz e Pedro Soares.146 

Lentamente, essa parte da cidade passou a concentrar os principais pontos de atividades

comerciais da cidade.

 No cais da cidade, na direção do canal do Piri, estavam os prédios que abrigavam aAlfândega (antes de ser deslocada para o térreo do Convento das Mercês), o posto do Ver-o-Peso

e a Casa das Canoas. Nesse perímetro se concentravam os principais espaços de fiscalização,

arrecadação, registro e distribuição das mercadorias que abasteciam o comércio da capitania. Em

consequência, essa parte da cidade era muito visada para a realização de atividades comerciais,

tanto que os administradores da Companhia Geral de Comércio travaram uma longa disputa com

os jesuítas para ocuparem o terreno da parte de trás da igreja de Santo Alexandre. O objetivo era

levantar armazéns para abrigar as mercadorias e gêneros que seriam comercializados, até mesmo

o prédio da antiga Alfândega cedeu lugar para os armazéns da Companhia. 147 Após a extinção da

Companhia, em 1778, os prédios para abrigar os armazéns, as lojas e as casas comerciais

 permaneceram sob a gerência dos administradores, que cobravam os aluguéis dos negociantes

que ainda as ocupavam. Na prestação de contas referente ao ano de 1809, negociantes como João

Pedro Ardasse, Manuel de Campos e Domingos José Frazão estavam registrados para o

 pagamento das despesas do aluguel dos armazéns de sal, como havia também os que deviam o

aluguel de casas situadas na rua Formosa.148 Portanto, a localização desses armazéns estava no

entorno dos portos de maior movimentação da cidade de Belém, o que atraía para a região uma

grande circulação de pessoas, embarcações e as mercadorias que seriam comercializadas.

A indicação dos três ancoradouros para se efetuar o embarque/desembarque das

mercadorias e o pagamento dos impostos se dava também pela existência de postos fiscais na

área. Entretanto, a frontaria da cidade de Belém era cortada por pequenos rios e igarapés que

 permitiam acessar o interior da cidade sem ter que passar pelos postos de fiscalização, acima

mencionados. Comumente, os comerciantes conduziam suas canoas por esses pontos navegáveis

 para se esquivarem das casas fiscais e pagar os direitos dos produtos que transportavam. Asentradas pelo Igarapé das Almas, do Reduto e do Arsenal eram as mais utilizadas pelos

comerciantes para levarem as suas mercadorias e produtos ao interior da cidade sem pagar os

146 APEP, LNTP, Escritura de Sociedade Mercantil, n. 1170, D. 158, (1817-1819).147 MALCHER, Renata. Op. Cit., p. 206.148 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (CGPM) 177 (1808-1826).

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impostos. Nos casos em que os agentes do fisco conseguiram obstar essa prática, as canoas e os

gêneros transportados foram confiscados aos armazéns da Alfândega. Esses pontos estavam

localizados nas extremidades da cidade, por isso as embarcações que vinham de outras vilas do

interior (como pelo rio Moju, Acará, Guamá e Pará) podiam adentrar nesses caminhos ecomercializar os seus produtos sem passar pelos ancoradouros com a fiscalização.149 

Em outras situações, os desvios e falta de registro das mercadorias aos direitos da

alfândega ocorriam junto às embarcações que transportavam fazendas e madeiras para o Reino.150 

As vistorias nas embarcações não se limitavam apenas durante a chegada e descarga dos navios,

mas também nas que já haviam assinado e recebido o despacho da carga e o manifesto com a

liberação para se deslocarem para o Reino. Por haver dúvidas na forma de manter um melhor

controle sobre essas atividades, o governador do Estado do Grão-Pará motivou-se a organizar

uma série de procedimentos a serem adotados pelos encarregados e oficiais da alfândega.151 O

foco era efetuar com maior precisão a vigilância sobre o que era embarcado ou despachado

durante as chegadas/partidas dos navios ao porto da cidade de Belém, bem como aperfeiçoar o

despacho e descarga das mercadorias para os armazéns da alfândega. Logo, assim que os navios

vindos do Reino passassem pelo porto da vila de Colares, a embarcação deveria fazer uma parada

 para que dois soldados pudessem subir aos navios para vigiá-los durante o trajeto que fariam até

o seu destino final, no porto da alfândega de Belém. O processo inverso também ocorria: as

embarcações que saíssem de Belém para o Reino passariam por essa vigilância até a vila de

Colares.152 

O controle sobre as mercadorias transportadas devia ser feito por meio da apresentação do

livro da carga que os mestres das embarcações, os únicos autorizados a sair por primeiro do

navio, apresentavam na alfândega para se realizar o assentamento e relação da carga, que depois

de realizado, lançado e assinado não poderia deixar desembarcar qualquer mercadoria ou

fazenda. Durante a saída da embarcação, o mestre assinava um manifesto confirmando a carga

que iria transportar para o Reino e se comprometendo a não permitiria o embarque de outras

149 LOPES, Siméia de Nazaré. Op. Cit. 150 AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5030. Lisboa, 26/01/1764.151 AHU_ACL_CU_013, Cx. 88, D. 7164. Pará, 03/01/1782.152 Esta determinação para a vigilância das embarcações antes de chegarem ao porto da alfândega de Belém, e os

 procedimentos durante as embarcações aos portos da alfândega estavam em conformidade ao que já ocorria naalfândega das cidades do Porto e de Lisboa, desde 1778, visto que essa forma de desvio era comum.AHU_ACL_CU_013, Cx. 88, D. 7164. Pará, 03/01/1782.

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mercadorias fora do porto da alfândega, a mesma proibição era estendida para as pessoas, que

deviam possuir o passaporte autorizando a sua viagem.

Anterior a esse processo, não havia uma exata conferência entre o que constava nos livros

acerca da quantidade e da qualidade real dos produtos que eram transportados, essa informaçãotambém passou a ser incluída nos livros. Durante visita que deveria ser feita ao navio pelo juiz e

 pelos oficiais da alfândega, eles deveriam mandar “conduzir logo para a mesma [alfândega] todas

as miudezas e mercadorias manuais que neles constarem e houver”. As mercadorias e todos os

tipos de volumes passariam a ser abertos somente nas dependências da alfândega, a qual era a

responsável pela guarda e conservação da carga.153 

Assim que esses procedimentos foram adotados, notou-se outro problema na arrecadação

da alfândega. Apesar da existência do prédio da Casa da Alfândega às margens do rio Guajará e

 próximo dos pontos de embarque de mercadorias, as solicitações para melhorias de suas

instalações foram frequentes. Outra medida adotada pela administração da capitania para

diminuir a ocorrência de desvios de mercadorias ou roubos aos armazéns da alfândega foi a

elaboração de projetos para a construção de uma nova alfândega e o maior rigor nas fiscalizações

das embarcações que aportavam naquelas proximidades, o entorno da alfândega também deveria

ser vigiado.

Como destacado acima, a adoção de procedimentos para otimizar a vistoria e descarga

dos navios não foi suficiente para a melhoria da arrecadação da alfândega. O espaço da alfândega

era pequeno e incapaz de atender à crescente demanda dos despachos das mercadorias que

chegavam nos navios, por isso as indicações para a construção de uma nova alfândega com um

cais de pedra que entrasse nas águas da baía do Guajará, e a outra parte de madeira para a

descarga das fazendas vindas por terra. Tudo isso no mesmo lugar onde funcionava a “velha”

alfândega: no térreo do prédio do convento das Mercês. Embora houvesse a indicação de se

construir uma Casa da Alfândega no lugar onde funcionava a Casa das Canoas, esse projeto logo

foi descartado por falta de recursos para arcar com as construções que seriam feitas. O provedorda alfândega destacava a necessidade da construção de rampas de acesso (por mar e terra) às

mercadorias, mas também a construção de duas casas de sobrado ao lado da alfândega para

servirem de Casa dos Contos e Vedoria.154 

153 AHU_ACL_CU_013, Cx. 88, D. 7164. Pará, 03/01/1782.154  AHU_ACL_CU_013, Cx. 14, D. 1319. Belém do Pará, 25/09/1732; AHU_ACL_CU_013, Cx. 35, D. 3243.Belém do Pará, 12/09/1753.

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As justificativas para atender às solicitações de mudanças na estrutura da Casa da

Alfândega não se resumiam apenas às questões estruturais, formas de arrecadação ou de evasão

dos direitos, mas incluíam um fator fundamental para a economia do Reino: o tempo. Com os

seus armazéns pequenos, as mercadorias que chegavam do Reino não tinham lugar seguro paraserem recolhidas, isso causava demora no desembarque das cargas dos navios e, com isso,

 prejuízos aos negociantes e aos cofres da alfândega.155 A melhor forma encontrada para abreviar

e otimizar a descarga das mercadorias foi ordenando que se alugassem algumas casas de

 particulares para que servissem de local de despacho e depósito para as cargas, enquanto as obras

da nova alfândega não se concretizavam. 156 Medida que não podia ser estendida por muito tempo,

 pois, como se alertava, a utilização das casas de particulares para servirem de armazém da

alfândega também resultava em descaminhos, ou então os bens ficavam “expostos à violência dos

roubos e mais prejuízos”.157 

Com o aumento do movimento comercial na frontaria da cidade, logo foram estruturados

os prédios da Alfândega, que permaneceu no térreo do convento, e o posto fiscal do Ver-o-peso,

 próximo da Casa das Canoas, para a arrecadação dos impostos dos gêneros que chegavam

diariamente nos portos de Belém, vindos tanto do Reino como das vilas do interior. Desde a

Provisão Régia de 1688, todas as rendas arrecadadas dos registros e despachos dos gêneros e

efeitos comercializados seriam destinadas às obras do Senado da Câmara. 158 A arrecadação era

mínima e pouco dava para subsidiar os serviços da Câmara.

Em 1781, na administração do governador José de Nápoles Teles de Menezes, o processo

de cobrança e lançamento dos produtos também foi modificado. Com o objetivo de melhorar a

fiscalização sobre as mercadorias negociadas no porto da cidade, indicou a nomeação de um

“feitor recebedor”, o qual seria “obrigado a residir e achar -se desde o amanhecer até o pôr do sol

na referida Casa da Balança do Ver-o-Peso, para nela mandar conferir os gêneros de exportação e

155 Nessa mesma correspondência, o provedor da Fazenda Real da capitania do Pará comparava a necessidade de sefazer melhorias nas instalações da Casa da Alfândega com as mudanças realizadas na alfândega da cidade doMaranhão, reafirmando a grande quantidade de mercadorias que ambos os portos recebiam. AHU_ACL_CU_013,Cx. 37, D. 3499. Lisboa, 28/02/1755.156 AHU_ACL_CU_013, Cx. 38, D. 3585. Pará, 06/08/1755.157 AHU_ACL_CU_013, Cx. 42, D. 3859. Lisboa, 16/05/1757.158 Certamente, as medidas adotadas para a fiscalização e mudanças do espaço urbano para incrementar o comérciona cidade de Belém foram discutidas pelo Senado da Câmara de Belém. No entanto, as atas da Câmara não seencontram disponíveis para a pesquisa.

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receber a sua importância”.159 Passou-se a adotar um livro onde seriam feitas as anotações sobre

os produtos. Ao escrivão da entrada caberia a obrigação de lançar nos livros da alfândega: nome

da embarcação, seu mestre, nome do consignatário; nome do despachante e marca (caso

houvesse), a quantidade de produtos (volumes, caixas, arrobas etc.), a sua descrição, valor porunidade, valor total da mercadoria e o valor do imposto que foi arrecadado. Todas as páginas

eram enumeradas e depois assinadas pelo presidente do Senado da Câmara ou quem o

representasse.160 

Com base nessas anotações lançadas no Livro, era feita a “conferência com os relativos

Despachos da Mesa, existentes na mão do meirinho, que serve de porteiro”, o qual também

controlaria a saída das mercadorias e dos volumes que já haviam sido despachados. A qualidade e

a avaliação das mercadorias despachadas eram examinadas na Mesa de Abertura, onde se fazia a

conferencia de tudo que havia sido registrado “na mesma qualidade, valor e gênero porque foram

Despachadas no Consulado da Saída”, havendo a suspeita de fraude “em  prejuízo dos Reais

Direitos, se procederá logo a Tomadia delas”, para tal procedimento havia um Livro próprio:

Mercadorias das Tomadias e Descaminhos.161 

Havia uma prática padrão relativas ao comércio de mercadorias e fazendas

contrabandeadas que fossem encontradas em lojas de mercadores ou em “casas suspeitas” para a

qual se destinava uma maior cautela, principalmente sobre o comércio ilegal da pólvora. Na

ocorrência desses desvios se registrava que, “as Mercadorias de Tomadias e mais fazendas

descaminhadas, que se considerarem por perdidas antes ainda que a repartição do seu produto se

efetue”. Nos livros da alfândega, deveriam “precisamente tirar -se sempre primeiro que tudo a

importância completa, que das mesmas relativamente houvesse de competir aos Reais Direitos

 pelos Despachos Legítimos da Alfândega, segundo as suas diferentes naturezas, qualidades e

quantidades”. Em relação à conferência dos despachos e Tomadias das mercadorias extraviadas,

deveria se efetuar a “denúncia, apreensão, guarda, processo, sentença e mais procedimentos

159 CRUZ, Ernesto.  História da Associação Comercial do Pará. 2º. Ed. rev. e ampl. Belém: Editora Universitária,UFPA, 1996, p. 144.160  ANRJ. Códice 1013: Alfândega do Pará (1816). Apesar de tomar como nota o “Diário da Alfândega” paradescrever as anotações na Casa da Balança do Ver-o-Peso, as informações usadas nos registros das cargas eram asmesmas.161 CRUZ, Ernesto. Op. Cit., p. 147.

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 judiciais”, por ser também uma determinação do Regimento da Alfândega do Porto e Aviso do

Superintendente Geral dos Contrabandos e Descaminhos de 1773. 162 

Como destacado acima, os representantes do fisco tinham atenção especial com as

mercadorias e gêneros destinados aos armazéns da Alfândega. A mesma atenção se estendia paraas atividades comerciais que ocorriam no entorno do porto da cidade, onde a agitação de pessoas

e embarcações requeria os cuidados necessários para controlar o que chegava e saía da cidade.

Como já anotado, a estrutura física da Alfândega e as modificações no registro de sua balança

comercial para a arrecadação dos impostos foram medidas adotadas para controlar e arrecadar as

rendas provenientes do desenvolvimento do comércio.

Entretanto, havia outros aspectos a serem alterados para que o porto da cidade de Belém

atendesse à grande demanda de embarcações que tinham esse ponto como destino. O porto da

cidade requeria atenção da administração não somente pela grande quantidade de embarcações

que aportavam diariamente nos ancoradouros, mas também pelos riscos que a navegação até a

sua entrada poderia causar às mercadorias e aos gêneros transportados. A faixa litorânea entre o

Maranhão e o Pará era muito sinuosa e, depois da embarcação entrar no rio Pará (desembocadura

do rio Amazonas), a viagem se tornava perigosa, pois não havia indicações naturais ou artificiais

que pudessem orientar o piloto. A entrada das embarcações que seguiam para o porto da cidade

era sempre difícil e muito trabalhosa. Os relatos de naufrágios nessa região eram frequentes. Às

vezes, por desconhecerem os baixios dispersos pela frente da cidade, a tripulação se perdia nas

tentativas de entrar no curso do rio Pará.163 

A direção contrária dessa navegação era mais tranquila, pois as embarcações seguiam o

curso do canal até o oceano. Por isso, a orientação de um prático era indispensável,

 principalmente nas Salinas, onde os bancos de areia (denominados de Tigoça e Bragança)

causavam transtornos aos pilotos mais desatentos. Somando-se a isso a paciência que a tripulação

devia ter nessa parte da viagem, pois com as cheias das marés o encontro das águas dos rios com

as do mar causava o fenômeno da “pororoca”. Segundo Kidder, durante as cheias da maré anavegação era impraticável, por isso a necessidade de qualquer embarcação (grande ou pequena)

se refugiar em locais chamados de “espera”, para aguardar a vazante e depois seguir viagem. Essa

162 AHU_ACL_CU_013, Cx. 88, D. 7164. Pará, 03/01/1782.163 No naufrágio dessa embarcação, o ouvidor da capitania, Faustino das Costa Valente, repassava as informações aoSecretário de Estado, Martinho de Melo e Castro, sobre as medidas que foram adotadas para socorrer os passageirose tripulação, mas as correspondências e cargas estavam perdidas. AHU_ACL_CU_013, Cx. 96, D. 7618. Pará,20/01/1787.

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 prática fazia com que as distâncias fossem contadas pela quantidade de marés que a tripulação

devia aguardar para seguir viagem. Isso valia também para as viagens realizadas dentro da

 própria capitania do Pará.164 

Em observância dessa navegação que Francisco de Souza Coutinho alertava para oscuidados que os pilotos dos navios deviam ter quando chegassem nesse trajeto da viagem. Como

o comércio da capitania dependia dessa rota de comunicação era imprescindível que os “riscos,

avarias e perdas a que está exposto” fossem amenizados, pois em muito prejudicaria a economia

da região. Em outra situação o capitão Filipe Patroni alertava para que os pilotos que seguissem

 para o porto de Belém fossem “experientes na navegação” para evitar problemas durante a

entrada de embarcações naquele porto.165 

A atenção com a navegação fluvial e marítima foi uma das prioridades das autoridades

administrativas em Belém, pois da organização do caminho fluvial dependia a dinamização do

comércio por meio do transporte das mercadorias, bem como o abastecimento regular das

mercadorias para serem embarcadas nos navios aportados em Belém. A estruturação da cidade e

a modificação do núcleo urbano passaram por transformações pontuais, para que o porto e a

fiscalização sobre as práticas comerciais pudessem garantir a arrecadação esperada diante um

comércio de grandes dimensões. Esse controle também foi estendido para as vilas do interior,

onde o comércio dos produtos dos sertões e demais mercadorias, bem como os seus comerciantes

 passavam pelo registro do posto fiscal da fortaleza de Gurupá.

Esse quadro de modificações na estrutura da circulação de mercadorias pode ser

identificado também nas práticas dos sujeitos envolvidos no mercado regional e urbano. No

 próximo capítulo, discutir-se-á os padrões de investimentos e de acumulação que os negociantes

da praça de Belém passaram a adotar para diversificar os lucros provenientes da atividade

mercantil.

164 KIDDER, Daniel. Op. Cit., p. 164.165 Carta de Souza Coutinho à Martinho de Melo e Castro. AHU_ACL_CU_013, Cx.100, D. 7959. Pará 07/03/1791;AHU_ACL_CU_013, Cx.104, D. 8267. Pará, 24/11/1794.

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2- Imóveis, terras e crédito: variações do mercado na cidade

de Belém.

Para a cidade de Belém convergiam as atividades comerciais desenvolvidas nas diversas

vilas do interior da capitania. A importância do principal porto exportador dessa região era

expressa nos diversos ofícios trocados entre as autoridades administrativas, os quais davam conta

das orientações para manter o controle, a agilidade sobre o embarque e desembarque das cargas e

a dinamização sobre a cobrança dos produtos exportados para os portos de Portugal. Como foi

apresentado no capitulo anterior, a cidade de Belém possuía todas as características de uma

cidade marítima. Dada a sua localização na foz do rio Amazonas, o porto de Belém podia receber

as embarcações com as produções das vilas próximas e das vilas dos sertões, bem como das

capitanias vizinhas e do reino.

 No final do século XVIII e início do XIX, o aumento dessa movimentação marítima foi

acompanhado pelo crescimento das atividades econômicas na região. Eduardo Frutuoso registrou

a progressiva alteração da atividade portuária em Lisboa em relação aos navios saídos do porto de

Belém. Tanto na quantidade de embarcações como na tonelagem de mercadorias que carregavam,

os navios que transportavam os haveres dos sertões da capitania tiveram um acentuado aumentonesse período. Entre 1783 e 1807, a média anual das embarcações passou de sete para 12 navios;

de 1809 a 1822, esse número saltou para uma média de 16 navios anuais. Em função de vários

fatores políticos, o Pará, segundo o autor, foi o que apresentou maiores ganhos em tonelagem

transportada, saindo de 6,4% para 19,1%, após a Independência. Nesse período de 1823 a 1836, o

movimento portuário apresentou uma queda, na média de navios, que registrou apenas 14

embarcações, mas em tonelagem foi superior à carga que Lisboa recebeu da Bahia, do Maranhão

e do Rio de Janeiro, ficando abaixo apenas de Pernambuco, que apresentou uma evolução sempre

crescente em número de embarcações e em tonelagens enviadas. 166 

166 FRUTUOSO, Eduardo; GUINOTE, Paulo; LOPES, Antonio. O movimento do porto de Lisboa e o comércio luso-brasileiro (1769-1836). Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses, 2001, p.63.

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Em 1808, a abertura dos portos teve um significado muito relevante, pois marcou um

“momento de transição de um tipo de império a outro”.167 Entretanto, esse processo não marcou

somente uma mudança política, mas, principalmente, afetou a própria reconfiguração da

sociedade colonial. O contato comercial com “as nações amigas” que visitavam os portos daAmérica portuguesa proporcionou um fortalecimento e reafirmação das elites locais. Segundo

Carlos Guilherme Mota, nesse novo processo “se firmaram as novas elites nativas, com suas

lideranças formadas e conscientes de seu papel nos negócios do Estado e nas relações

internacionais”. 

Valentim Alexandre reitera que após a abertura dos portos o “comércio externo po rtuguês

conheceu uma síncope”, principalmente em relação aos produtos provenientes das colônias da

América portuguesa.168 Tal como analisado acima por Frutuoso, essa ruptura foi maior entre as

relações comerciais existentes com os portos das cidades de Salvador e Rio de Janeiro, os quais

 passariam a negociar diretamente com as outras nações. Alexandre sustenta que a diminuição das

entradas de embarcações das colônias em Portugal não pode ser justificada estritamente em

função da abertura dos portos, afirmar isso “é uma tentação a que se deve resistir”. A queda nos

registros das embarcações teria sido motivada pelo contexto político vivenciado por Lisboa

naquele período, como a ocupação francesa e todo o processo decorrente desse ato. O autor

continua sua afirmação ressaltando que no período de 1814 a 1818 esses números apresentam

uma recuperação maior que o registrado no período anterior. A partir de 1819, os valores das

exportações acompanharam uma queda constante até alcançarem um decréscimo de 90% dos

números registrados no período anterior à abertura dos portos.169 

Entretanto, com base nos dados da balança comercial, as capitanias do Maranhão,

Pernambuco e Pará tenderam a reforçar essa relação comercial com os portos de Lisboa e Porto a

 partir de 1809, prosseguindo até 1836, data dos últimos registros. Com esse novo processo

 promovido pela abertura dos portos, as capitanias da Bahia e do Rio de Janeiro foram aos poucos

limitando o envio de embarcações e mercadorias para Lisboa, traço que foi muito acentuado apósa Independência. Nesse quadro, o Pará e a capitania de Pernambuco apresentam um maior

estreitamento comercial com a praça lisboeta. Sendo que as quedas dos números de embarcações

167  MOTA, Carlos Guilherme. “O significado da abertura dos portos (1808)”. In: OLIVEIRA, Luis Valente de eRICUPERO, Rubens (orgs.). A abertura dos portos. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007, pp. 62-63.168  ALEXANDRE, Valentim. “A carta régia de 1808 e os tratados de 1810”. In: OLIVEIRA, Luis Valente de eRICUPERO, Rubens (orgs.). A abertura dos portos. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007, pp. 100-121.169  Idem, p. 120.

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originárias de Belém são acentuadas em períodos de claro conflito político na região, quando a

 produção e o transporte das mercadorias diminuem. Isso ocorreu em 1810,170  1824 e 1836,

quando o Pará vivenciou as experiências da tomada de Caiena, da adesão à Independência do

Brasil e da Cabanagem,171 respectivamente.As alterações econômicas visualizadas com base na movimentação portuária podem ser

 percebidas também nas transformações da paisagem da própria cidade de Belém. Entre 1790 a

1830, período destacado para esse estudo, foi possível identificar diversas plantas e projetos

 planejados pelos engenheiros que vieram participar das expedições demarcatórias na fronteira

com os domínios espanhóis. A finalidade dessas projeções era estruturar as ruas da freguesia da

Sé, mas, principalmente, as ruas e largos da freguesia da Campina, onde se notava a maior

movimentação econômica da cidade, bem como a intensificação da circulação de pessoas e de

mercadorias.

As atividades comerciais voltadas para o abastecimento dos moradores da cidade de

Belém estavam articuladas às políticas de dinamização do comércio no Estado do Grão-Pará e de

organização do trabalho (mão de obra). Os deslocamentos por caminhos fluviais de fácil

navegação e uma grande quantidade de embarcações eram fundamentais para que houvesse a

intensificação dessas trocas a ponto de abastecer determinadas áreas, além da capital, onde os

 produtores vendiam a sua produção nas feiras livres. As mercadorias que chegassem aos portos

da cidade seriam distribuídas para outras vilas. Por isso, além do incentivo para a produção e

cultivo desses gêneros e efeitos aos mercados e feiras da capitania, para onde o acesso era

170 O ano de 1808 apresentou queda patente em relação às embarcações saídas de todos os principais portos do Brasile do Grão-Pará (Rio de Janeiro, Baía, Pernambuco, Maranhão e Pará) que totalizaram somente 27 navios para todo oreferido ano. FRUTUOSO, Eduardo. Op. Cit., p. 147.171  Segundo Ernesto Cruz, em 1836, como desdobramento da Cabanagem, o quadro da produção econômica daregião diminuiu devido o abandono de braços que, podendo trabalhar na economia e no progresso agrícola da região,ficaram à disposição da guerra, o que dificultou o abastecimento da cidade. CRUZ, Ernesto.  História da AssociaçãoComercial no Pará. Belém: Editora da UFPa, 1996, p. 112. Sobre a Cabanagem ver: RAIOL, Domingos Antônio.

 Motins Políticos –  ou a história dos principais acontecimentos políticos do Pará desde o ano de 1821 até 1835(3vol). Belém: Ed. UFPa, 1970. MOREIRA NETO, Carlos Araújo. “Igreja e Cabanagem (1832-1849)”. In:HOORNAERT, Eduardo (org.).  História da Igreja na Amazônia.  Petrópolis: Vozes, 1992 DI PAOLO, Pasquale.Cabanagem: a revolução popular da Amazônia. Belém: CEJUP, 1990. SALLES, Vicente. O Negro no Pará sob o

 Regime da Escravidão. Brasília/Belém: Ministério da Cultura/SECULT/Fundação Cultural “Tancredo Neves”, 1988.A produção historiográfica tem apresentado novas perspectivas de análise acerca da Cabanagem. Esses estudostratam da recuperação de abordagens sociais com um embasamento teórico voltado para a história social. Com isso,as fontes também foram revisionadas devido a estas mudanças. Dentre essas novas propostas de análise cf:SAMPAIO, Aldo.  Do Ocaso ao Infinito: representações e símbolos da Cabanagem. Monografia de conclusão docurso de Graduação e Bacharelado em História na UFPa. Belém: DEHIS/UFPa, 1998. PINHEIRO, Luís Balkar SáPeixoto. Visões da Cabanagem: Uma revolta popular e suas representações na historiografia.  Manaus: EditoraValer, 2001.

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fundamental, as formas de transporte se tornaram metas a serem alcançadas e, cada vez mais

dinamizadas. Segundo Nírvia Ravena, “os contornos de uma economia extrativa vegetal, são

dados pela articulação entre a natureza dos produtos e a sua realização nas trocas internas”. Nesse

sentido, na capitania do Pará havia uma divisão clara entre os produtos que eram coletados para omercado interno e os destinados para a exportação, como por exemplo, a salsaparrilha, cravo,

canela e cacau, que dificilmente seriam consumidos pelos moradores da capitania.172  Nesse

sentido, o mercado interno que se articula com os circuitos das vilas do interior da capitania

impulsiona um alto grau de integração entre esses espaços, estimulando não somente a coleta e

agricultura de produtos para o comércio externo, mas se voltando também para o abastecimento

interno.173 

Como observado no capitulo anterior, a frontaria da cidade de Belém foi toda remodelada

 para receber os portos de embarque e desembarque de mercadorias. Essa reforma se estendeu

também aos postos destacados para efetuar a fiscalização e a cobrança de impostos das

mercadorias negociadas. Algumas atividades relacionadas à vida comercial de Belém começavam

e terminavam no porto dessa cidade, aonde chegavam as grandes embarcações vindas da Europa

 para abastecer o comércio local e o que seria destinado ao comércio nos sertões da capitania. Por

outro lado, os produtos e gêneros arrecadados e coletados nas diversas vilas do Estado eram

remetidos ao porto de Belém, onde seriam redistribuídos para abastecer e movimentar o comércio

local e fazer a separação do que seria destinado aos portos de Portugal, para onde as embarcações

estacionadas nos portos da cidade regressariam. Além dos portos e dos prédios e armazém da

Alfândega, antigos trapiches e rampas davam o contorno pelas margens da cidade, assim como as

canoas e grandes embarcações que estacionavam na baía do rio Guajará.

As primeiras ruas da cidade, depois de ampliadas, passaram a dar lugar às travessas,

 praças e largos. Como pode ser visto no mapa adiante, no plano da cidade apresentado por

Rodrigues Ferreira, o núcleo urbano passou a ocupar outras áreas da cidade de Belém, até então

172  RAVENA, Nírvia. “O abastecimento no século XVIII no Grão-Pará: Macapá e vilas circunvizinhas”. In:ACEVEDO MARIN, Rosa E. (org.). A escrita da história paraense. Belém: NAEA/UFPA, 1998, pp. 29-51.173 Patrícia Sampaio discorre sobre essa relação muito comum na região, onde as atividades agrícolas e as práticasextrativistas não ocorrem de formas díspares, mas se complementam e combinam. Isso porque as atividades agrícolasocorrem em tempos alternados que não impossibilitam a realização das atividades extrativas. Comumente, o produtodessas atividades eram trocados ou comercializados com os comerciantes que circulavam pelas vilas do interior dacapitania. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Os fios de Ariadne: tipologia de fortunas e hierarquias sociais emManaus, 1840-1880. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1997, p. 51. LOPES, Siméia de Nazaré. Ocomércio interno no Pará oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. Belém: NAEA/UFPA, 2002(Dissertação de Mestrado), p. 97.

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acanhadas próximas às margens dos rios Guajará e Guamá. A área que mais se desenvolveu foi a

freguesia da Campina, onde as principais casas comerciais, armazéns e portos estavam

localizados.

A dinamização das atividades mercantis impulsionou outros aspectos e setores dasociedade. Em partes, isso foi fruto das rotas mercantis abertas para o comércio e as trocas de

 produtos provenientes dos sertões e demais vilas da capitania, bem como pelo comércio realizado

com as capitanias do oeste do Brasil (Mato Grosso e Goiás). Essa ampliação dos mercados fazia

com que os negociantes envolvidos nessas atividades comerciais expandissem os seus raios de

atuação, não somente em relação ao espaço onde elas se realizavam, mas também no que tange as

outras formas de investimentos que passariam a dividir espaço com as atividades mercantis.

Um desses aspectos pode ser notado no mercado imobiliário da cidade de Belém, onde o

capital mercantil passou a ser investido. Para Rosa Acevedo, a aquisição fundiária e a sua

transmissão estavam atreladas às alianças matrimoniais que eram feitas em torno dessas

 propriedades. Com o deslocamento do capital mercantil para esse setor, “as alianças passam

então a depender em grau menor da propriedade fundiária”. 174 Nesse sentido, o crescimento das

atividades econômicas permitiu modificações no cenário urbano e social da capitania do Pará,

onde o capital mercantil passou a ser realocado para outros setores da economia, ponto que será

 privilegiado nesse capítulo.

As abordagem que serão apresentadas adiante estão situadas no período que segue de

1790 a 1830. O objetivo dessa análise é apresentar e discutir os padrões de investimento que

 passaram a ser adotados na sociedade da capitania do Pará, diante do processo de crescimento

econômico descrito acima. Com o intuito de perceber as diferentes formas de alocação dos

recursos advindos do capital mercantil, privilegiou-se por analisar as escrituras públicas de

venda175 e as obrigações de dívidas, nas quais é possível visualizar que outros setores receberam

investimentos. Essas fontes guiaram as discussões referentes aos sujeitos que estavam no circuito

mercantil da cidade de Belém, bem como assinalaram aspectos relevantes das mudançasestruturais percebidas na sociedade da capitania do Pará.

174  ACEVEDO MARIN, Rosa E. “Alianças matrimoniais na alta sociedade paraense no século XIX”. In:  Revista Estudos Econômicos, 15 (no. Especial): 1985, pp. 153-167.175  Em outras regiões, essas escrituras públicas aparecem como escrituras de compra e venda, para esse estudo

 privilegiou-se adotar as nomenclaturas utilizadas na própria definição das escrituras do tabelião Perdigão.

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Mapa 2.3: Planta da Antiga cidade de Belém (1791).

Fonte: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão- Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1792). Iconografias, Vol.1: Geografia- Antropologia. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1791.

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 No Brasil, os estudos com base nas escrituras públicas ajudam a analisar como as

transformações nas relações comerciais estão se refletindo na paisagem urbana e rural da

sociedade colonial. Ainda assim, essas práticas comerciais passam por mudanças significativas

no que diz respeito à realocação desses investimentos em outros setores, até então poucoexplorados. Essas ideias serviram de base para o estudo que se pretende apresentar. Apesar de

saber que esse tipo de estudo é uma abordagem inédita para a capitania do Pará, algumas análises

foram sustentadas e comparadas com as reflexões já construídas para outras áreas da América

 portuguesa. Nesse caso, os estudos que se voltavam para as cidades portuárias foram

 privilegiados, principalmente por apresentarem características aproximadas à “cidade-

marítima”176  de Belém no período colonial, a saber: Rio de Janeiro e Bahia. O número de

escrituras públicas apresentadas nesses estudos é representativo disso. Entretanto, o registro

dessas formalidades contratuais para a cidade de Belém carrega consigo as regularidades das

transações econômicas presente no cotidiano dessas cidades-marítimas, as quais conseguem

articular o mercado interno (local e regional) com as atividades de exportação, conectando essas

economias com os portos europeus.177 

Em seu estudo sobre as transformações ocorridas na sociedade fluminense no período que

compreendia os séculos XVII e XVIII, Antonio Carlos Jucá de Sampaio se dedicou à análise das

relações que a cidade do Rio de Janeiro entretinha com outras áreas da América portuguesa e

Portugal, além das atividades tecidas com negociantes estabelecidos na África e Ásia. 178  A

dimensão que o porto do Rio de Janeiro adquire com essas relações é um ponto relevante que se

destaca também para esse estudo. Como será abordado adiante, o porto da cidade de Belém

ganhou um grau de importância muito elevado para o desenvolvimento da economia paraense,

assim como refletiu as transformações decorrentes desse incremento. Outro ponto relevante do

estudo de Sampaio foi o uso das escrituras públicas para entender como o mercado se comportava

diante as transações comerciais e os padrões sociais de investimentos.

Com a preocupação de analisar as mudanças econômicas decorrentes da administração pombalina no Rio de Janeiro, o estudo de Fábio Pesavento se apoiou nas escrituras públicas dos

176 Essa análise foi desenvolvida no capítulo 1 deste estudo. Cf.: CATEL-BRANCO, Cristina. “A Praça de Comércioe os elementos naturais”. In: FARIA, Miguel Figueira (Org.). Praças Reais: passado, presente e futuro. Lisboa: FCT/UAL/ IIP, 2006, p. 358.177  AMARAL LAPA, José Roberto do. “O interior da estrutura”. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (org.).  Históriaeconômica do período colonial . São Paulo: Hucitec/ABPHE/EDUSP/Imprensa Oficial, 2002, p. 166.178 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de.  Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicasno Rio de Janeiro (c. 1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

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arquivos do Rio de Janeiro e de Lisboa para construir o “cenário” das atividades econômicas e

das redes mercantis estabelecidas entre negociantes das praças de Lisboa, Londres e Rio de

Janeiro.179  Essas relações foram tomadas aqui como base para se pensar o mercado interno e

como se estabelecem as transações comerciais no mercado de bem e de crédito, assim como ossujeitos envolvidos nessas redes mercantis. Apesar de se voltar para um período anterior (1750-

1790) ao proposto nesse estudo, as questões propostas para a análise das escrituras públicas

suscitam abordagens que podem servir de suporte para esta pesquisa.

O estudo de Alexandre Ribeiro180 aborda os padrões de investimento e o mercado de bens

na cidade de Salvador. O quadro da economia colonial foi construído a partir das análises das

escrituras públicas, as quais apresentam as peculiaridades da praça soteropolitana, levando em

consideração as relações mercantis tecidas na cidade de Salvador. Nesse caso, as abordagens

elaboradas para as cidades do Rio de Janeiro e Salvador servem de comparação para as análises

 propostas nesse estudo. Como será argumentado mais adiante, o volume comercial das transações

dessas duas cidades é bem superior ao negociado na praça de Belém, mas o objetivo é tomar o

caso das cidades mencionadas como parâmetro para as questões envolvendo as escrituras

 públicas e os questionamentos possíveis para esse tipo de documentação, a saber: o mercado de

 bens rurais e urbanos e de crédito na cidade de Belém.

 Nesses casos, as escritas públicas apresentam um campo de possibilidades181 para analisar

o mercado de bens e de dívidas da capitania do Pará, até então pouco explorado. A ausência de

uma discussão sobre essa temática voltada para a região foi uma dificuldade a ser compensada

com base nos trabalhos acima citados. Algumas das peculiaridades das relações comerciais

 presentes nas escrituras foram ressaltadas, como também foram complementadas por outras

fontes, dada a quantidade de livros que foram pesquisados.

A estrutura desse capítulo está organizada em três eixos de discussões, referentes ao

 período de 1790 a 1830. Primeiramente, se apresenta uma análise sobre a amostragem das

escrituras públicas utilizadas nesse capítulo, principalmente atentando para as especificidadesdessa documentação em relação aos estudos descritos acima. Posteriormente, busca-se discutir os

 padrões de investimento presentes nas escrituras de venda, atentando para as negociações de

179  PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade doSetecentos. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2009. (Tese de Doutorado).180 RIBEIRO, Alexandre Vieira. A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de escravos, grupo mercantil(c. 1750- c. 1800). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009. (Tese de Doutorado).181 GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989.

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 propriedades localizadas em Belém, capital da capitania, e para as que tiveram vez nas vilas e nos

sertões da capitania do Pará. Por fim, realiza-se a análise sobre as redes de endividamento com

 base nas escrituras de obrigação de dívida e nos processos de juramento ou ação de alma, esta

última apresenta uma das instâncias utilizadas pelos credores para “forçar” o devedor a liquidar asua dívida.

2.1- As escritu ras públ icas do tabelião Perdigão.

Como já observado, são recentes os estudos que basearam suas análises na utilização de

escrituras públicas, principalmente para compreender as atividades econômicas desenvolvidas

nas sociedades coloniais. Estes trabalhos apresentam especificidades tanto pela diversidade das

informações contidas nesse tipo de fonte, como pelas questões que levantaram em suas análises.

O objetivo deste trabalho, em particular, é analisar as dinâmicas presentes nesse comércio que se

volta não somente para os sertões e para o Atlântico, como também consegue estender seu raio de

atividades e trocas com as outras capitanias e domínios fronteiriços ao Grão-Pará. Para entender

as dimensões desse comércio realizado na cidade de Belém e nas vilas do interior da capitania,

 buscou-se a sistematização dessas escrituras públicas, como será analisado a seguir.A pesquisa nas escrituras públicas foi realizada no Arquivo Público do Estado do Pará

(doravante APEP). As escrituras estão organizadas cronologicamente em 16 livros, dos quais não

foi possível pesquisar todos, seja pelo estado bastante deteriorado e oxidado da documentação,

seja pela sua inexistência. Desses livros, os que compreendiam o final do século XVIII até 1822

foram todos microfilmados, o que não modificou muito a qualidade e leitura da documentação. 182 

Os livros de escrituras públicas são todos pertencentes ao mesmo cartório de ofício de notas,

localizado na cidade de Belém, onde o tabelião Perdigão lançava esses instrumentos.183 Fazendo

182  Para os anos de 1808 a 1810, a documentação microfilmado está quase que completamente apagada, sendo possível registrar poucas escrituras para esse período. O estado das imagens não permitiu fazer nem mesmo umacatalogação do total das escrituras lançadas nos livros.183 O levantamento das escrituras foi feito para os seguintes anos: 1793 a 1795, 1798, 1799, 1803, 1807 a 1810, 1813a 1824, 1828 a 1830, 1833 e 1834. A análise ficou agrupada em período para não perder a representatividade dosdados no momento da análise, a apresentação ficou desta forma: 1793-1799; 1803-1810; 1813-1820; 1821-1824;1828-1834.

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convergir, de fato, as formalidades das atividades econômicas para o centro político e

administrativo da capitania.

Sabe-se que as vilas do interior também possuíam os seus cartórios de notas, onde os

moradores locais seguiam para registrar as suas transações sociais e comerciais. Segundo seobservou, a vila de Bragança contou com um importante cartório de notas, bem como as vilas de

Santarém e de Óbidos. Entretanto foi possível ter acesso somente aos livros de escrituras da

cidade de Óbidos, digam-se apenas dois livros que compreendem os anos de 1820 a 1827 e que,

 pelos mesmos motivos de guarda da documentação, nem todos os registros estão em condição de

leitura. Esses dois livros serão utilizados de forma qualitativa para entender algumas relações que

se processaram nos sertões e que estão descritas nas escrituras públicas da cidade de Óbidos.

 Nota-se que o ato de registrar as transações comerciais não estava condicionado somente ao

cartório de notas do Perdigão, na cidade de Belém. Entretanto como a proposta da pesquisa se

refere às relações comerciais entre os negociantes da praça de Belém com outras vilas e

capitanias, as escrituras do Perdigão atendem a esse ensejo, onde foram encontrados os registros

de relações comerciais em que Belém aparece como o centro de convergência dessas atividades

com outras praças do Estado do Grão-Pará.

 Nesse sentido, as escrituras lançadas nesses livros apresentam algumas das atividades

comerciais e sociais acordadas na própria capital, como também entre os moradores das demais

vilas da capitania, que se deslocavam para Belém com o objetivo de formalizar as suas

transações. É possível encontrar nos livros diversos registros de escrituras, entre os mais

encontrados estão as de: alforria e liberdade, de venda, procuração bastante e geral, obrigação e

ajuste de dívida, de doação, de dote; contrato e destrato de sociedade mercantil, de arrendamento,

de composição de partilha, de patrimônio, registros de atestação e de declaração, legitimação, de

filiação e reconhecimento de paternidade.

Embora essas escrituras apresentem os mais diferentes aspectos da sociedade, elas

obviamente não trazem a totalidade dessas relações que eram tecidas pelos seus sujeitos. Apesarde não ser um “retrato fiel” das relações socioeconômicas ao longo do seu tempo, as escrituras

marcam as representações desses sujeitos. Entretanto, nem todas essas escrituras descritas acima

compõem o corpus documental coletado para essa análise. Em função da proposta desta pesquisa,

foram selecionadas apenas as escrituras que traziam informações sobre as transações comerciais

que se pretende analisar nesse estudo, a saber: as escrituras de vendas diversas e os registros de

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ajuste e de empréstimos. Além das escrituras de obrigação de dívida nos livros de notas do

Perdigão, soma-se a essa análise outros dois tipos de fontes que também se referem ao mercado

de crédito: o auto de ação/juramento de alma e o auto de assinação de dez dias. Em ambas as

fontes citadas, a referência ao crédito será apresentada de forma qualitativa, tendo em vista quenão foi possível coletar uma quantidade maior dessa documentação pertinente ao período

 pesquisado.184 

Cabe destacar que nem todas as relações comerciais tecidas na sociedade colonial da

capitania do Pará passaram pela formalização de uma escritura. Na observação que foi feita em

fontes de outras naturezas, encontrou-se a referência de sociedades e relações comerciais que não

constavam no banco das escrituras públicas analisadas. Em muitas situações, ficava a dúvida

sobre a ausência dessas informações, diante desses “silêncios”, chegou-se a cogitar que a

referência sobre tais transações estavam, literalmente, apagadas das escrituras. Para alguns anos,

de fato, foi isso mesmo que aconteceu, dado o estado de deterioração dessa documentação.

Entretanto, para outros casos, as relações comerciais (sejam elas de sociedade, de empréstimos ou

de aquisições de imóveis) simplesmente não chegaram a ser formalizadas pelos seus contratantes,

 por motivos que dificilmente serão possíveis de destacar ao longo dessa pesquisa.

Como bem alertou Sampaio, as escrituras públicas não apresentam a realidade exata

dessas transações comerciais, tendo em vista que muitas dessas atividades não foram lavradas em

escrituras. O autor argumenta que em duas situações as escrituras não eram lavradas, seja pelo

valor das transações, principalmente quando eram referentes a bens no valor inferior a 4$000 réis,

seja pela informalidade que permeava algumas dessas transações, em particular as celebradas

entre sujeitos que entretinham relações de parentesco, compadrio e alianças. 185  Em algumas

escrituras, foi possível perceber que o registro da atividade comercial só foi feito para confirmar

uma relação já existente, ou então para formalizar o fim de outras. Em uma escritura de venda na

cidade de Belém, as partes formalizaram o pagamento de trabalho de carpintaria que o comprador

havia realizado para os vendedores, que “ por não ter outros meios de lhes pagar se tinhamajustado [ilegível] vender-lhe um quarto de casas com quatro braças”.186 

184 Essa documentação, tal como os livros de notas, está depositada no Arquivo Público do Estado do Pará.185 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit., p. 95 e 273.186  Escritura de Venda. APEP, Documentação Notarial (DN), Livro de Notas do Tabelião Perdigão (LNTP). doc.746, Livro 1181, 1975.

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As situações em que os sujeitos formalizavam o fim de uma relação comercial foram

notadas nas escrituras firmadas entre os negociantes residentes nos sertões ou em outras

localidades da capitania, onde geralmente um dos sócios residia, ou passava a residir (caso muito

comum diante o contrato de sociedades mercantis voltadas para os sertões da capitania). Em suamaioria, as escrituras de destrato de sociedade mercantil foram celebradas para encerrar uma

 parceria iniciada de forma “amigável sem escritura de sociedade”. Para o período proposto, foram

encontradas apenas cinco escrituras de destrato de sociedade, das quais somente em uma dessas

escrituras foi confirmada a existência de um contrato formal para marcar o início da associação.

Em uma escritura de 1820, foi registrado que a sociedade mercantil, iniciada em 1818, havia sido

constituída por meio de uma “escritura privada consistindo a mesma sociedade de uma casa de

comércio na vila de Óbidos”.187 Nesses casos, a escritura servia para a prestação de contas (ativas

e passivas) que pudessem ter ficado pendentes durante o exercício do contrato, registro

necessário para se proceder, até mesmo na divisão dos “lucros e das perdas” provenientes da

sociedade. Entretanto, a partir de 1818, notou-se um aumento no número de escrituras, o que

também vai ser notado no registro das embarcações que passaram pelo posto fiscal da fortaleza

de Gurupá,188  o que pode representar o aumento da formalização dessas relações, como será

discutido adiante.

Algumas dessas relações de sociedade e de empréstimos de valores ou mercadorias foram

reveladas somente após a leitura dos testamentos desses sujeitos. Em 1817, dona Maria Joaquina

da Purificação, estando “gravemente molesta”, registrou as “disposições de última vontade” em

um testamento. Viúva de Rafael Quaresma da Silva, negociante de Belém, ela continuou as

atividades do seu marido administrando os negócios com o auxílio dos filhos. Ao fazer a

declaração das suas dívidas, ela apresentou os seus credores e devedores e as formas como foram

acordadas a sua quitação. Primeiramente, a viúva do negociante declarou ter o capitão José Pedro

Gouveia como seu credor, por “algumas quantias em dinheiro que emprestou de cujas quantias

não [fez] assento, por estar certa na sua verdade”. Entre os dois foi acertado também, como

187 Escritura de destrato de sociedade mercantil. APEP, DN, LNTP. doc. 449, Livro 1159, 1820. As escrituras decontrato e destrato de sociedade mercantil serão analisadas no capítulo 4 deste trabalho.188 A análise desses registros e o transporte das mercadorias para a cidade de Belém será realizada no capítulo 3.

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garantia da dívida, a entrega de alguns “trastes de prata e ouro” da viúva, além de um empenho

de um terço de mão, pelo valor de 50$000 réis.189 

Essa declaração de Maria Joaquina da Purificação reafirma a informalidade que existia

em algumas das relações comerciais realizadas na capitania, bem como as garantias que eramatribuídas a essas transações por meio da palavra,.190 Porém pela documentação pode ser notado

que esses tipos de transações eram possíveis entre negociantes reconhecidos da praça de Belém,

como os empréstimos que ela fez junto ao capitão José Pedro Gouveia e outro contraído com o

negociante Ambrósio Henriques. Ainda nesse testamento, o segundo ponto a se apresentar,

refere-se à declaração de dona Maria Joaquina da Purificação como credora de Sebastião Freire

da Fonseca, contratador de madeiras191 e morador da vila de Igarapé Mirim. Este empréstimo foi

lavrado em escritura pública de obrigação de dívidas “a juros e com hipoteca”, além da presença

de outro negociante como fiador dessa dívida, o qual ficaria responsável pela quantia de 685$084

réis.192 

Que condições eram firmadas para se lavrar negociações em escrituras, ou manter o trato

apenas na “palavra”? Que garantias deviam ser apresentadas ou requeridas para se fazer

empréstimos na cidade? Sabe-se que João Pedro Gouveia e Ambrósio Henriques eram grandes

negociantes e “reconhecidos da praça de Belém”. A ideia de “praça”,193 expressa nas escrituras,

 permite depreender que esses negociantes faziam parte de um grupo de sujeitos estabelecidos194 e

diante disso, as regras e as condições existentes nas relações por eles tecidas diferenciam-se de

acordo com os sujeitos que delas participavam. Outro aspecto a ser destacado nessa análise é

como essas experiências estão articuladas entre si, em que as atitudes e ações individuais se

relacionam numa perspectiva coletiva, da sociedade em que elas se constroem. A partir das

indicações dessas relações expressas nas escrituras, o reconhecimento dos negociantes dessa

189 Centro de Memória da Amazônia (doravante CMA). Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará (ATJP). CartórioFabilino Lobato (CFL). Ofício de Notas, 11º. Vara-cível, 1817.190 A importância das transações comerciais baseadas na palavra acordada entre negociantes era um das práticascomerciais muito comuns na sociedade colonial. Raphael Freitas Santos, em análise dos inventários  post-mortem,verificou que parte das dívidas declaradas não havia sido registrada os seus valores ou quem eram os seus devedores,

 processo que passa a ser reduzido com o fim do século XVIII. SANTOS, Raphael Freitas. “Juramentos de Alma:indícios da importância da palavra no universo colonial mineiro”. In: VI Jornada Setecentista, 2005, Curitiba. VIJornada Setecentista. Curitiba: Casa Editorial Tetravento, 2005. p. 491-498.191 AHU_ACL_CU_013, Cx. 125, D. 9643. Pará, 08/06/1803.192 Escritura de Obrigação de Dívida, APEP, DN, LNTP, doc. 52, Livro 1170, 1817.193 Na definição de Antonio de Moraes Silva, entre outras referencias às atividades comerciais, o termo praça figuraa ideia de um “corpo de negociantes”. SILVA, Antonio de Moraes.  Diccionario da Lingua Portugueza  (1789).Disponível em: www.brasiliana.usp.br/dicionario.194 ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

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 praça  e as formas como eles se relacionavam são revelados, de modo que torna possível

identificar os sujeitos que faziam parte dessas redes sociais e mercantis.

Para esse estudo, foram privilegiadas as escrituras de venda (seja dos bens localizados na

Cidade, seja dos bens nas Vilas da Capitania) e as escrituras de obrigações de dívidas. Embora setenha destacado a inexistência de livros de notas para alguns anos e a impossibilidade de realizar

a leitura em outros, a análise das escrituras públicas para construir o cenário das atividades

mercantis realizadas na capitania do Pará possibilita apenas apresentar um indicativo dessas

relações comerciais e das estratégias utilizadas pelos seus sujeitos.

As escrituras apresentam as diferentes relações comerciais tecidas na capital e nas suas

vilas, entre sujeitos de localidades diversas que se dirigiam para Belém, a fim de registrar suas

transações comerciais. Entretanto, as situações comerciais mais corriqueiras do cotidiano da

sociedade não podem ser percebidas nesse tipo de documentação, pois as escrituras e a

documentação utilizada nesse debate são “indicadores de tendências gerais”.195  Elas suscitam

outras formas de perceber como as oscilações conjunturais, que tiveram espaço na capitania do

Pará, foram sentidas pelos sujeitos diante as suas relações comerciais, destacando que essas

análises abrangem o período de 1790 a 1830.

Ao contrário dos trabalhos discutidos acima, nos quais a análise da documentação notarial

foi complementada pelas informações obtidas nos inventários  post mortem, não foi possível

estabelecer esse tipo de comparação para a cidade de Belém. Alguns inventários de moradores

das vilas da capitania serão utilizados de forma qualitativa, tendo em vista que o número de

inventários encontrados, para esse período, totalizaram apenas 10. Destaca-se aqui, que em

virtude desse número reduzido de inventários  post mortem  para o período proposto, ficou

inviável a análise sobre os padrões de reprodução dessa sociedade, bem como de sua estrutura

voltada para a produção local.196 

Sabe-se que muitas propriedades não passavam pelo mercado através de escrituras de

venda ou quitações de dívidas, mas foram registradas em outros tipos de documentos, a fim dedeterminar a posse do bem que passava a ser adquirido (seja por venda ou doação). Nas situações

em que os inventários  post mortem  limitaram a análise aqui proposta, para alguns casos, a

195 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit ., p. 45.196 Cf.: FRAGOSO, João Luís Ribeiro.  Homens de Grossa ventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil doRio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit .Patrícia Sampaio justifica que para o seu recorte de estudo, em muito contribuiu a ausência dessa documentaçãotambém para a cidade de Manaus. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit. 

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alternativa utilizada foi lançar mão dos testamentos. Entretanto, nada garante que o desejo e as

disposições declaradas pelo testador foram acatadas e cumpridas pelo testamenteiro, tal como a

vontade que foi expressa no documento. Embora o testador tivesse a autonomia para fazer a

declaração e as condições para realizar a divisão dos seus bens, cabia apenas ao testamenteiroefetuar a partilha fiel do que havia sido orientado. Com frequência, nos testamentos que foram

analisados, os testamenteiros eram familiares e parentes próximos, em outras situações entre

ambos existiam relações de compadrio197 ou de sociedade.

A partilha dos bens nem sempre ocorria conforme as determinações do testador. Segundo

Andrea Pastana, para a primeira metade do XIX, situações em que a partilha dos bens era

 permeada de contendas e condições, principalmente quando os bens eram destinados aos escravos

do testador, foram comuns no processo de transmissão de bens em Belém. 198  O que pode se

 pensar que nem todas as disposições presentes nos testamentos são retratos fiéis de como ficou a

distribuição dos bens do patrimônio do testador, após a abertura de inventário e partilha, esses

documentos ajudam, tão somente, a conhecer determinadas relações e proximidades entre sujeitos

que nas escrituras dificilmente são declaradas. Mesmo com todos esses condicionantes, se buscou

essa documentação para ajudar na construção das tramas presentes na rede de relações pessoais

que esses sujeitos conseguiram trançar ao longo de sua trajetória na sociedade de Belém, bem

como entender e analisar as estratégias por eles utilizadas para contornar as incertezas presentes

nesse contexto.

Como anotado, o uso dos testamentos nesse estudo se limita a entender algumas das

relações de sociedade mercantil e das redes de endividamento que foram declaradas pelos

testadores, com o intuito de ampliar a noção sobre o crédito que não passara pelo registro de

escrituras públicas. Dois aspectos relevantes a serem destacados dizem respeito aos negócios que

eram declarados nos testamentos: os valores das propriedades (imóveis, semoventes e de raiz)

não eram mencionados e as relações comerciais declaradas se referiam apenas àquelas

consideradas mais representativas no momento de elaboração do testamento. Diferente dasescrituras que primavam pela anotação precisa do que era devido ou negociado, dificilmente nos

testamentos se apresentavam o registro dos valores exatos dos bens declarados, sejam eles

197  SOARES, Eliane Cristina Lopes.  Família, compadrio e relações de poder no Marajó (século XVII e XIX). SãoPaulo: Pontifícia Universidade Católica, 2010 (Tese de Doutorado).198 Essa questão não será ponto de análise, para tanto conferir: PASTANA, Andréa da Silva.  Em nome de Deus,amém!: Mulheres, escravos, famílias e heranças dos testamentos de Belém do Grão-Pará na primeira metade doséculo XIX. Belém: UFPA/PPGHISA, 2008 (Dissertação de Mestrado).

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sociedades, dívidas ou propriedades. O que leva apenas a utilizar a declaração e a descrição dos

 bens como referência do que os testadores possuíam na época em que o documento foi elaborado

e quais os patrimônios que os proprietários atribuíam maior importância no momento da divisão

de suas posses. Andréia Pastana afirma que além da distribuição dos bens entre os familiares e parentes, nos testamentos era possível expressar o grau de importância ou proximidade que os

 beneficiários tinham com o testador. Ao discutir sobre as terças nos testamentos de mulheres em

Belém, a autora identificou que os “laços de convívio”, “graus de estima e afinidade” eram

ressaltados, sendo que os principais privilegiados proporcionalmente eram filhos, maridos, netos

e irmãos, com 18,8%, 11,6%, 10,1 % e 7,2% respectivamente.199 

A diferença entre os documentos pode ser percebida também quando se relacionam as

análises dos testamentos e dos inventários  post mortem. Nestes, todos os bens acumulados ao

longo da vida são declarados e avaliados de forma detalhada para apresentar os seus valores e

 para proceder a quitação de dívidas e para a partilha de cada quinhão. Nos testamentos, apenas

são declarados “alguns bens de predileção do testador”, o que não oferece uma visão completa

dos bens que o indivíduo possuía.200  A indicação de algumas propriedades urbanas e rurais

declaradas nos testamentos serve para dar uma noção das relações comerciais que estão se

desenhando. As escrituras públicas reafirmam essas relações e os valores que estão sendo

negociados pelos moradores das vilas do interior da capitania e da cidade de Belém.

Como já indicado, os livros das escrituras públicas do tabelião Perdigão não estão

completos para essa análise, a deterioração da documentação acessada também impossibilitou

uma quantificação maior dessas fontes. Para a amostragem utilizada nesse estudo foi selecionada

as escrituras públicas nas quais era possível identificar o nome dos sujeitos arrolados no

instrumento e os valores negociados entre eles.201 Isso também contou para a redução do número

199 A terça é a parte da herança da qual o testador dispunha da forma que lhe conviesse e que tinha a liberdade dedeterminar a quem deixaria. PASTANA, Andréa da Silva. Op. Cit., p. 39. Sheila Faria encontrou vários tipos dedestinos para as terças em seu estudo, mas não se relacionam aos citados acima. Entre eles, a autora destaca o gastocom as “missas, enterramentos, obras pias e esmolas”. Nesse caso, nota-se que os testamentos, além da preocupaçãocom o destino da alma do testador, passaram a ter uma relevância sobre a divisão dos bens e à prestação de contasdos negócios realizados pelo testador. FARIA, Sheila de Castro.  A colônia em movimento: fortuna e família nocotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 268.200 PASTANA, Andréa da Silva. Op. Cit., p. 39.201 Ocorreram situações em que a escritura era lavrada, mas ao final o tabelião escrevia “sem efeito”. Nesses casos,as escrituras não foram lançadas no banco de dados. Percebeu-se que a condição de “sem efeito” se referia a duassituações: o outorgante não concordava com o que havia sido lançado, ou então se recusava a assinar a escritura. Emambos os casos, não houve a justificativa para tais desistências. Apenas para a primeira situação se encontrou aescritura “corrigida” nos livros. 

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de escrituras inventariadas durante a pesquisa. Na tabela 2.1, pode ser notada a quantificação das

escrituras que foram coletadas e utilizadas nesse estudo.

Tabela 2.1: Quantidade de Escrituras Públicas 1793-1834Tipo de Escritura NúmeroProcuração Bastante e Geral 1325

Escrituras de Venda 445

Obrigações de Dívida 84

Escrituras de Sociedade Mercantil 34

Total de Escrituras 1888Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

A quantidade de escrituras referentes aos investimentos em imóveis constituiu um bancode dados agrupando todas as vendas possíveis de serem coletadas, compreendendo o recorte

temporal proposto para essa análise, de 1790 a 1830.202  No banco de dados, reuniram-se 445

escrituras de venda, das quais 157 estavam relacionadas às vendas de propriedades nos sertões e

vilas da capitania, somando-se também a esse montante as vendas de propriedades que ficavam

nos subúrbios da cidade de Belém. As 288 escrituras restantes compreendiam as diversas

transações executadas sobre os bens situados na capital. Nota-se que a quantidade de transações

de bens rurais é menor do que o número de escrituras relacionadas aos bens urbanos, bem como

os valores transacionados nesses negócios.

Segundo Sampaio, no que tange aos valores registrados nas escrituras de venda para o Rio

de Janeiro, não obstante as transações de bens rurais serem superiores aos registrados das vendas

de bens urbanos, essas últimas escrituras aparecem em maior quantidade numérica. 203  Essa

análise, por mais que se volte para outra região e período, permite estabelecer comparações com

as escrituras públicas coletadas para a capitania do Pará, bem como a diferença existente entre os

negócios rurais e urbanos nessa região. Como se pode ver na tabela 2.2 abaixo, as escrituras de

venda rurais compreendem as menores transações em número de escrituras, mas como essemovimento se comporta em relação aos valores negociados?

Como foi abordado no início desse capítulo, a saída de embarcações de Belém para os

 portos de Lisboa e Porto apresentou uma elevação em sua quantidade a partir de 1810, sendo essa

202 Embora o recorte compreenda os anos de 1790 a 1830, dadas as dificuldades para acessar essa documentação,esse período foi estendido até 1834, data do último livro de notas que foi permitido o manuseio.203 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit., p. 73.

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década a de maior participação em tonelagem de produtos na balança comercial. 204 Essa alteração

também se percebe no comportamento da atividade imobiliária e creditícia na cidade de Belém.

 Na tabela 2.2, o período de 1813 a 1820 é o momento em que se registraram os maiores valores

das transações comerciais, tanto nas vendas urbanas e rurais, como no mercado de crédito. 205 Onúmero de escrituras também acompanha esse mesmo crescimento, levando-se em consideração

o período anterior, o aumento na quantidade de registros é bastante significativo se comparado

aos períodos anteriores ao ano de 1813 e posterior a 1820.

 No gráfico 2.1, registra-se a evolução no número de escrituras por tipo de venda e

empréstimo, os quais acompanham o aumento no período. Como se observa acima, as vendas de

 propriedades na cidade indicavam a importância que a cidade de Belém registrava nessas

transações. Apesar dos empréstimos não alcançarem somas elevadas, ainda assim as atividades

comerciais realizadas na cidade apresentam os maiores valores. No intuito de visualizar essa

evolução dos números em valores e em quantidade de escrituras, a tabela 2.2 e o gráfico 2.1

abaixo apresentam essas alterações.

204 FRUTUOSO, Eduardo. Op. Cit. 205 A quantidade das mercadorias transportadas dos sertões para a cidade de Belém também apresenta uma elevaçãonesse período, principalmente nos anos de 1818 e 1819, quando os registros superam os anos anteriores. Essa análisefoi desenvolvida no capítulo 3.

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Tabela 2.2: Participação total e percentual dos 3 tipos de vendas realizadas por período (1793-1834).

PeríodoVenda Rural Venda Urbana Valor

totalN.E.total

Obrigação de divida

Valor N.E. Valor N.E. N.E. Valor

1793-1799 6:368$970 36 16:315$379 51 22:684$349 87 8 4:361$641% 28.1% 41.4% 71.9% 58.6% 100.0% 100.0% 100 19.2%1800-1810 3:954$500 11 8:210$054 22 12:164$554 33 10 14:458$743% 32.5% 33.3% 67.5% 66.7% 100.0% 100.0% 100 118.9%1813-1820 33:282$600 59 71:813$240 93 105:095$840 152 23 44:079$061% 31.7% 38.8% 68.3% 61.2% 100.0% 100.0% 100 41.9%1821-1824 15:112$000 22 21:382$000 47 36:494$000 69 13 26:378$295% 41.4% 31.9% 58.6% 68.1% 100.0% 100.0% 100 72.3%1828-1834 13:290$000 29 31:097$622 75 44:387$622 104 27 33:767$876

Total geral 72:008$070 157 148:818$295 288 220:826$365 445 81 123:045$616 NE: Número de Escrituras.Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

Gráfico 2.1: Evolução do Número de Escrituras (1793-1834).

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Dentro desse universo de escrituras, formularam-se cinco categorias de análise, a saber:

fazendas de produção, terras de produção, moradas de casas, terrenos e outros. Na organização

dessas cinco categorias, ponderou-se sobre a generalização nas descrições dos bens ajustados

 para a venda. Dentro dessas categorias foram incluídas todas as escrituras coletadas, ficando daseguinte forma:

1.  Fazendas de Produção:  as escrituras de venda das propriedades nas vilas da

capitania, nas quais se declaravam os engenhos e fazendas completas (com ou sem escravos, com

casas de vivenda e suas benfeitorias, utensílios e árvores frutíferas), chácaras, fazendas de gado

(vacum e cavalar), sítios, ilhas, roças e terras; havia a declaração de venda de plantações de

cacau, canas e pés de café. 

2.  Terras de Produção: as escrituras de venda de bens nas vilas da capitania com

referência à sorte de terras e chãos sem qualquer outra menção a benfeitorias ou plantações.  

3.  Moradas de casa: para as escrituras de venda referentes às casas térreas de forma

geral (casas, quartos de casa) e aos sobrados. 

4.  Terrenos:  para as escrituras de venda de chãos, terras e terrenos na cidade de

Belém. 

5.  Bens comerciais:  nessa categoria foram incluídas todas as vendas realizadas na

cidade de Belém em que declaravam armazéns, boticas, embarcações, escravos e lojas. 

Essas categorias podem ser visualizadas em relação à quantidade de registros que elas

compreendem dentro do período proposto para essa análise. O número de escrituras de venda

 presentes no gráfico abaixo apresenta oscilações e quedas em dois momentos específicos que

reafirmam as observações feitas no início deste capítulo. A quantidade de registros representada

no gráfico 2.2 abaixo foi classificada em vendas urbanas e rurais. As vendas de moradas de casa

 para todo o período foram as mais transacionadas, o que não significou uma maior quantidade em

valores. Essa mesma observação pode ser feita para outro tipo de venda de bens rurais, onde as

terras de produção apresentam maior número de escrituras, mas em valores não têm a mesmarepresentatividade.

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Gráfico 2.2: Evolução do número de Escritura por tipo de venda (1793-1834).

É notório que essa classificação não comporta todas as especificidades dos bens que

foram declarados para a venda. Algumas dessas divisões não puderam seguir as mesmas que

foram propostas em outros trabalhos,206  não somente pela especificidade das informações que

elas carregam para a região, mas também em função da diminuta quantidade de escrituras com

que apareceram no banco de dados, o que inviabilizou a análise de determinadas questões

referentes aos investimentos e os seus sujeitos. Para todo o período pesquisado, há a ocorrência

de apenas uma ou duas escrituras de venda para os seguintes bens: armazém, botica, loja (os

quais foram agrupados a categoria “bens comerciais”); canavial, chácara, fazenda de gado, roça

(estes compõem as propriedades de “fazenda de Produção”). 

Uma particularidade notada nas escrituras de venda referentes às propriedades nas vilas

da capitania207  é a venda de morada de casas, para onde foram encontradas sete escrituras de

vendas, três para a vila de Cametá, um para as vilas de Santarém, Oeiras e Bujaru e na estrada de

 Nazaré, subúrbio de Belém. Nessa situação, também se optou por incluí-las na categoria de

206 Cf.: RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. Cit.; PESAVENTO, Fábio. Op. Cit.; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de.Op. Cit. 207 No livro de notas da vila de Óbidos consta a venda de moradas de casas localizadas na vila e nas suas redondezas.Diante a leitura de algumas escrituras dessa vila, se notou que a venda dessas propriedades alcançavam valores beminferiores aos transacionados em outras vilas do interior do Pará e que fizeram registro de escritura na cidade deBelém. Como a venda de uma morada de casas realizada por Felipa de Assunção, a casa possuía “três quartoscobertos de pindoba (palha)” e foi vendida a Gaudêncio Augusto de Abreu pela quantia de 20$000 réis. APEP. DN,

 Livro de Escrituras de Óbidos (1820-1823), doc. 3v, 1820.

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“moradas de casa”, para manter a representatividade na análise. Embora haja outros estudos em

que a quantidade de venda de sobrados sempre se apresentasse como uma constante, para as

escrituras pesquisadas em todo o período, que vai de 1793 a 1834, encontrou-se o registro de

apenas seis sobrados. Depois de observada essa variação, buscou-se indicações sobre a existênciade casas de sobrado na cidade de Belém, o que pouco foi descrito pelos viajantes, sempre fazendo

referências às casas térreas. Entretanto, o Código de Posturas de 1848 passou a regulamentar que

somente casas de sobrado deveriam ser construídas nas ruas e nas travessas localizadas na

frontaria da cidade, onde estava concentrada a maior parte das casas comerciais. Essa

obrigatoriedade na arquitetura dos edifícios indica também certa ausência desse tipo de

construção na freguesia da Campina.208 

O registro maior de transações de bens urbanos nas escrituras coletadas se deveria apenas

ao fato do cartório estar localizado na cidade? Isso foi um questionamento que acompanhou a

análise das escrituras de venda. Entretanto, o motivo do cartório estar situado na cidade de Belém

não pode ser a única justificativa para o número elevado de escrituras, pois como foi anotado,

havia cartórios nas vilas do interior da capitania. Como anteriormente observado no livro de

escritura da vila de Óbidos, a maior parte das transações eram de vendas de cacauais ou

 procurações para a própria vila ou para as outras vilas do sertão (Faro, Monte Alegre, Capitania

do Rio Negro, Vila Nova da Rainha e Santarém), as quais faziam parte do circuito mercantil

daquela área. Assim, o cartório de notas de Belém não era o único a fazer esses registros na

capitania. Diante dessa observação, pode-se dizer que o fato de Belém ser uma “cidade-marítima”

acabava por atrair os moradores e negociantes das vilas do interior para fechar acordos e fazer

comércio com os da cidade,209 tendo em vista que o comércio desenvolvido em Belém servia de

 parâmetro para as outras transações comerciais realizadas no interior.210 

208 Cf.: GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. As casas & as coisas: um estudo sobre a vida material e doméstica nasmoradias de Belém (1800-1850). Belém: UFPA, 2006. (Dissertação de Mestrado).209 Braudel afirma que nos dias de feiras os negociantes aproveitavam as suas viagens para fechar acordos comoutros negociantes. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo (séculos XV-XVIII): os jogosdas trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996.210 Em uma escritura de sociedade para a vila de Óbidos, o negociante que iniciava o negócio ressaltava, no ato doregistro, que as fazendas disponibilizadas para o seu sócio aviar pela região seriam repassadas ao mesmo valor queelas tinham na cidade de Belém.

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Tabela 2.3: Número total de Escrituras e Valor total de vendas dos bens transacionados no período 1973-1934

Atividade Tipo de bem CálculoPeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Venda RuralFazenda de Produção

 N.E. 11 6 25 9 11Soma 4:611$260 3:459$000 14:771$400 12:927$000 3:350$000

Terras de Produção N.E. 25 5 34 13 18

Soma 1:757$710 495$500 18:511$200 2:185$000 9:940$000

Venda Urbana

Morada de Casas N.E. 27 18 56 37 49Soma 11:345$379 7:889$354 36:633$751 19:735$000 23:898$000

Bens Comerciais N.E. 7 0 10 0 4Soma 2:768$000 - 30:782$989 - 2:415$122

Terreno N.E. 17 4 27 10 22Soma 2:202$000 320$700 4:396$500 1:647$000 4:784$500

 NE: Número de EscriturasFonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

Tabela 2.4: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no valor total de vendas por período (1793-1834)

Atividade / Tipo de BemPeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834Vilas de CapitaniaFazenda de Produção 20.33 28.44 14.06 35.42 7.55Terras de Produção 7.75 4.07 17.61 5.99 22.39

CidadesMorada de Casas 50.01 64.86 34.86 54.08 53.84Bens Comerciais 12.20 - 29.29 - 5.44Terreno 9.71 2.64 4.18 4.51 10.78

Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

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Gráfico 2.3: Evolução dos valores negociados por tipo de venda (1793-1834)

 No gráfico 2.3, a evolução dos valores das vendas contempla as cinco categorias definidas

 para as análises a seguir. A venda de morada de casas se destaca nos gráficos apresentados em

número de escrituras, mas, principalmente em valores, depois dessa categoria, a venda de

fazendas de produção passa a ter o seu destaque. Entretanto, quando se observa a média desses

valores, nota-se que as moradas de casas e os terrenos não eram os bens com valores mais

elevados, isso pode ser visto nas tabelas e gráficos a seguir, quando essas vendas serão

observadas de forma mais detalhada para cada tipo de bem negociado.

A categoria das escrituras de venda e dos seus bens, para a análise que segue, foi dividida

em Cidade (quando os bens eram referentes à Belém) e em Vilas do interior da Capitania (para

as referências de bens localizados nos subúrbios da capital e nas vilas e freguesias do interior).

Apesar do termo rural e urbano  ser a categoria padrão para esses estudos, optou-se por usar

também essas indicações muito em função das particularidades da ocupação do Estado do Grão-

Pará e pela referência às fontes utilizadas nessa pesquisa. Para Manaus, Patrícia Sampaio escreve

que “a sua vida urbana era bastante incipiente, não existindo uma nítida diferenciação entre oslimites do rural e do urbano”.211  Nesse caso, acredita-se que em Belém não houvesse grande

divergência ao que foi descrito acima, onde algumas localidades com relativa proximidade à

cidade já eram consideradas como área rural. Seguem abaixo, as análises sobre cada uma dessas

escrituras de vendas e de empréstimos.

211 SAMPAIO, Patrícia de Melo. Op. Cit., p. 50.

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2.2- Escri turas de venda na Cidade de Belém.

 Nas escrituras de venda urbanas que compreendem o período de 1793 a 1834, buscou-se

verificar as mudanças na paisagem da capital da capitania do Pará.212 Além das transformações

urbanas para dinamizar a circulação e as trocas comerciais, o mercado de bens na cidade também

acompanhou esse processo. Por isso, a análise se voltou para entender quais os bens que

geralmente eram negociados e os sujeitos envolvidos nessas transações. A variação dos valores

dessas propriedades também foi uma questão a ser analisada, mas destacando que pelo caráter

limitado das fontes esses valores são apenas um indicativo sobre as transações imobiliárias que

foram registradas em escrituras públicas.

Como o principal porto de exportação estava na cidade de Belém, é correto afirmar que astransações comerciais de grande monta acabavam convergindo para a capital. Acredita-se que

esse seja o motivo para a elevada quantidade de escrituras públicas que foram formalizadas e que

faziam referência aos bens urbanos, ou mesmo ao crédito. O fato do cartório pesquisado também

estar localizado na capital só reafirma a importância administrativa e comercial que a cidade de

Belém acabava concentrando. As negociações de bens rurais ou o trânsito de comerciantes para

as vilas dos sertões muitas vezes só passavam a ter valor comercial quando formalizadas nas

escrituras públicas. As transações comerciais da/na cidade de Belém passavam a ser mais

representativas que as relações tecidas no interior, onde mesmo os negociantes residentes das

vilas do interior eram procuradores ou sócios de negociantes estabelecidos em Belém, como se

observou nas sociedades e nas procurações213 outorgadas para aquelas áreas.

212  Nessa análise, ao adotar o termo “cidade”, está se referindo apenas às duas principais freguesias desse ramo, queeram a da Sé e a da Campina. Segundo o censo realizado em 1789, foi contabilizado para a freguesia da Sé um totalde 642 cabeças de família e 6.702 moradores; para a da Campina foi registrado 725 cabeças de família com 6.996moradores. Essa última era o espaço onde passou a concentrar a vida comercial de Belém, como as lojas, armazéns edemais casas comerciais, além dos portos e trapiches que margeavam essa parte da cidade. Na apresentação do mapasobre a arrecadação dos impostos por ramos no primeiro capítulo, o 1º. ramo era destinado a Cidade de Belém,entenda-se que nessa classificação o ramo da “Cidade” agrupava 19 freguesias, a saber: a da Santa Sé, SantaCampina, Abaité, Igarapé Mirim, Beja, vila do Conde, Acará, Mojú, Bujarú, Santa Ana do Capim, São Bento, SãoDomingos, Ourém, Tentugal, São Miguel da Cachoeira, Irituia, Barcarena, Pena-cova e Benfica. As demaisfreguesias apresentavam um número de moradores inferior aos que foram registrados para as duas outras. Afreguesia de Cametá fazia parte do 2º. ramo e a sua vila contava com 681 cabeças de família com 5.994 moradores.A freguesia do Mojú (que fazia parte do ramo da Cidade) tinha 143 cabeças de família e 2.134 moradores, o restantedas freguesias contava com um número de moradores e cabeças de família inferior ao que foi descrito acima. ANRJ,

 Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte, cartas e anexos(1790), Ofício de D. Francisco de Souza Coutinho para o Secretário de Marinha e Ultramar, Matinho de Mello eCastro, Pará, 10/07/1790. 213 A análise das procurações bastante será apresentada no capítulo 3.

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As escrituras de venda de bens urbanos foram agrupadas nas três categorias descritas

acima: as moradas de casas, os terrenos e os bens comerciais. Como destacado acima, foram

coletas 288 escrituras de venda de imóveis urbanos. Entretanto, esse número não representa a

totalidade das transações urbanas que foram firmadas na cidade de Belém no período destacado para esse estudo. Como indicativo das relações comerciais ocorridas na cidade de Belém, essas

288 escrituras de vendas de bens urbanos foram coletadas por conterem todas as informações

necessárias para a realização da análise aqui proposta, como o nome dos sujeitos, o tipo do bem e

a sua localização (em alguns casos, a localização exata da propriedade não foi descrita na

escritura) e os valores.214 

 Na categoria “bens comerciais”, têm-se o total de 80 escrituras públicas para todo o

 período dessa pesquisa. Esse quadro das escrituras é uma amostra das relações comerciais

entretidas na cidade de Belém, pois em outras fontes pesquisadas encontrou-se o registro de

negociações de trocas de lojas, embarcações ou vendas de escravos à crédito. Ao agrupar em uma

única categoria as lojas, armazéns, boticas, escravos e embarcações, primou-se pela

representatividade que essas vendas poderiam ter nessa análise, dada a pequena frequência com

que foram negociadas nesse período.

Para a cidade, as transações foram organizadas da forma expressas nas tabelas 2.5 e 2.6,

onde se destacaram os três tipos de bens que serão analisados nesse item. Em ambas as tabelas,

tanto em quantidade do número de registros das vendas dos bens, como na sua percentagem, as

moradas de casa aparecem sempre como o tipo de bem mais transacionado em todos os períodos,

em seguida a venda dos terrenos e, por último, as vendas agrupadas na categoria Bens

Comerciais. Para todos os registros de escritura de venda a maioria deles se destinava à compra

de casas, sejam os quartos de casa, sejam as casas ou os sobrados. Em todo o período da

 pesquisa, o bem mais negociado nos limites das cidades foram essas moradas de casas. Ressalta-

se que o número de escrituras para o período 1800-1810 é pequeno se comparado aos outros

 períodos, isso porque a quantidade de registros de escrituras desse período foi reduzida.

214 Geralmente, grande parte das escrituras “descartadas” não havia a indicação da propriedade alienada ou o valor aela atribuído, em outras situações a escritura estava completamente apagada.

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Tabela 2.5: Número total de escrituras por tipo de bens transacionados na Cidade por período (1793-1834)

AtividadePeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Venda Urbana 51 22 93 47 75Morada de Casas 27 18 56 37 49

Terreno 17 4 27 10 22Bens Comerciais 7 0 10 0 4

Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

Tabela 2.6: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no número total de vendas na Cidade por

período (1793-1834)

AtividadePeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834Morada de Casas 52.94 81.82 60.22 78.72 65.33Terreno 33.33 18.18 29.03 21.28 29.33Bens Comerciais 13.73 0 10.75 0 5.33

Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

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De acordo com o que vem se afirmando, a venda que compreende os bens comerciais

como embarcações, lojas, armazéns e boticas, não apresentam nem um registro de escritura para

os períodos em que se identificou a diminuição das transações comerciais. Isso pode ter sido

motivado pelo contexto de ocupação de Portugal pelas tropas francesas, o processo de tomada deCaiena e as revoltas sociais do início da década de 1820 e de 1830. O período de 1821 a 1824 o

número de compras apresenta uma queda para os três tipos de bens, mas que seria justificado

 pelas agitações políticas que se deram no espaço da cidade, mas também nas vilas do interior da

capitania. O processo de independência no Grão-Pará causou estremecimento nas relações

 políticas na capitania, mas também abalou as at ividades econômicas que os moradores das vilas

entretinham com a cidade. Essa situação também foi notada nas declarações dos testadores da

cidade, os quais relatavam problemas com as anotações ou perdas de mercadorias e propriedades

nesse período. Após esse momento, ocorre uma nova alta na quantidade das vendas de bens na

cidade, mas que logo seria abalado pela Cabanagem.

Esse movimento no número de escrituras também é acompanhado pelos valores, como

 pode ser observado na tabela 2.7 e no gráfico 2.4 abaixo. Na tabela em que se registram os

valores totais, as vendas de bens mercantis agrupadas na categoria “bens comerciais” apresentam

queda apenas no último período dessa pesquisa, pois para todos os outros momentos

 permaneceram em segundo lugar entre os três tipos de vendas, perdendo apenas para as vendas

de moradas de casas. No gráfico em que se visualiza a média desses valores, o quadro descrito

acima se inverte, pois na média dos valores, nos períodos em que houve esse registro, as vendas

de bens comerciais foram iguais ou superiores às demais vendas realizadas, mesmo havendo um

número menor de escritura, se comparada com as demais. Essa análise pode ser mais

aprofundada com base na tabela 2.8, na qual esses valores são apresentados na média e na

mediana.

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Tabela 2.7: Evolução dos valores totais dos bens transacionados na cidade por período (1793-1834)

Atividade/Bem vendidoPeríodo

Total1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Morada de Casas 11:345$379 7:889$354 36:633$751 19:735$000 23:898$000 99:501$484Terreno 2:202$000 320$700 4:396$500 1:647$000 4:784$500 13:350$700

Bens Comerciais 2:768$000 - 30:782$989 - 2:415$122 35:966$111Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

Gráfico 2.4: Valor médio de propriedades nas cidades (1793-1834).

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Tabela 2.8: Resumo descritivo das vendas por tipo de propriedade na cidade por período (1793-1934)

Bem vendido MedidaPeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Morada de Casas

Mínimo 8$000 20$000 32$000 40$000 18$000

Quartil 1 100$000 140$000 155$000 170$000 150$000

Média 420$199 438$297 654$174 533$378 487$714Mediana 160$000 240$000 290$000 300$000 250$000

Quartil 3 500$000 566$000 700$000 600$000 520$000

Máximo 2:800$000 1:800$000 4:370$000 2:400$000 4:000$000

Bens Comerciais

Mínimo 132$000 - 475$000 - 17$000Quartil 1 140$000 - 1:300$000 - 158$500

Média 395$429 - 3:078$299 - 603$781Mediana 400$000 - 2:243$476 - 550$000Quartil 3 450$000 - 4:000$000 - 1:049$061Máximo 996$000 - 9:400$000 - 1:298$122

Terreno

Mínimo 11$000 28$200 12$500 20$000 20$000

Quartil 1 50$000 40$350 30$000 52$000 44$000

Média 129$529 80$175 162$833 164$700 217$477

Mediana 80$000 76$250 72$000 100$000 100$000Quartil 3 150$000 120$000 120$000 200$000 400$000

Máximo 600$000 140$000 1:600$000 550$000 1:200$000Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

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Para acompanhar as oscilações nos valores das vendas na cidade, elaborou-se a tabela 2.8

acima, na qual se estabeleceu uma subdivisão das vendas, agrupando-as por tipo de bem

comercializado para poder visualizar, de forma estatística, como esses valores estavam

distribuídos. Além da média e da mediana apresentada na tabela, o quartil permite entender asvariações nos valores que eram aplicados a esses bens entre o que seria, de forma estatística, o

valor médio (até 25%) que havia sido aplicado a uma venda, como pode ser observado no quartil

1. No quartil 3, se mostra qual seria o valor máximo (até 75%) usado nas vendas dessas

 propriedades. Embora se registre a elevação no número das escrituras para as vendas de moradas

de casas e de terrenos, a tabela 2.8 permitiu entender que numa projeção dessas transações, a

variação não poderia ser tão inferior (quartil 1) ou superior (quartil 3) aos valores registrados para

as demais vendas.

As moradas de casa podem ser analisadas como um exemplo dessas variações dos valores.

Como foi visto na tabela 2.5 e 2.6 onde estão presentes as quantidades das escrituras com esse

tipo de venda, a percentagem era sempre maior que 50% entre as vendas na cidade. A média

desses valores está entre 420$000 e 654$174 réis (para 1790 e 1813, respectivamente), mas a

mediana se aproxima mais aos valores aplicados nas vendas entre os demais registros de

escrituras para esse tipo de bem, onde os valores para os mesmo períodos destacados acima são

de 160$000 e 290$000 réis. Para os terrenos, a mediana dos valores é sempre inferior a 100$000

réis, sendo que o quartil 3 mostra em quanto esses valores sofreram variações máximas o que

 pode chegar aos valores de 150$000 até 120$000 réis.

Quando se analisa a venda referente à categoria Bens Comerciais, os valores podem ser

melhor discutidos, pois se percebe a quantia média e o quartil 3 empregado nessas vendas. Como

afirmado acima, essa é a categoria para onde se desloca a maioria do capital acumulado nas

atividades mercantis, ressaltando que essa afirmação é válida para os bens negociados na cidade

de Belém, mas também para as propriedades nas vilas do interior da capitania. A compra de

embarcações contribuiu para a elevação desses investimentos, pois na venda de um briguerealizada pelo negociante Antonio Rosa Soares ao negociante Joaquim Antonio da Silva a quantia

envolvida foi de 4:800$000 réis, sendo que passado quatro anos dessa venda, o comprador

vendeu o brigue aos sócios215  Antonio José Meireles, Ferreira e Companhia pela quantia de

215  Segundo Pesavento, as transações de embarcações envolvendo mais de um comprador eram também umaestratégia utilizada para “compartilhas o risco” presente nesse tipo de bem, como os naufrágios. PESAVENTO,Fábio. Op. Cit ., p. 58.

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4:000$000 réis.216  Acredita-se que o mercado de embarcações na cidade de Belém tenha se

 processado na informalidade, pois como apresentado no capítulo 1, havia uma grande quantidade

de embarcações que se ocupavam no comércio interno, mas principalmente que faziam as

viagens entre a capitania do Pará e a cidade de Lisboa. Antonio Carlos Jucá de Sampaio analisouessa informalidade nas transações envolvendo embarcações no porto do Rio de Janeiro. Segundo

o autor, as escrituras de venda eram lançadas quando envolviam grandes embarcações.

Entretanto, o autor não registra transações de “lanchas”, que além de serem as mais comuns,

eram as embarcações de menor porte.217 

Como já destacado, nas vendas urbanas a categoria “moradas de casas” se refere a dois

tipos de propriedades muito comuns no período colonial, as casas térreas (em maior quantidade) e

os sobrados. As descrições das moradas de casas vendidas são bem vagas, foram poucas as

escrituras em que se encontrou a descrição de como era o bem negociado. Nas escrituras

referentes às casas, algumas dessas descrições eram apenas “cobertas de telha”, “casas com seus

fundos”, “metade de uma casa”, “uma morada de cada”, “um quarto de casa” e “casa com seu

corredor”. Sobre os sobrados que eram comercializados não consta a indicação de quantidade de

 janelas ou sobre a qualidade de seus pisos, “assoalho no sobrado e de ‘chão batido’ na casa

térrea”.218 Segundo Reis Filho, o piso era uma forma de distinção das propriedades, bem como a

quantidade de pavimentos que possuía, essa diferenciação servia como forma de distinção entre

os estratos sociais: ser proprietário/habitar um sobrado era sinônimo de riqueza, casa térrea, de

 pobreza.219 

A localização das casas seguia o “o alinhamento das vias públicas e sobre os limites

laterais dos terrenos”, por isso a indicação da casa com o seu comprimento e largura, além da

informação sobre os vizinhos que confrontavam com o bem que era vendido. Para Reis Filho, as

216 Escritura de Venda. APEP. DN, LNCP, Livro 1189/1190, doc. 721/1009, 1816 e 1820. Apesar de haver uma preocupação dos governadores da capitania em desenvolver estaleiros para aprimorar a construção de grandesembarcações, isso não se refletiu no mercado de vendas desse bem. Isso porque as embarcações vendidas em todo o

 período analisado não eram provenientes dos estaleiros da cidade, mas de outras cidades como Londres e São Luís.Ao contrário do que foi percebido para a cidade do Rio de Janeiro, na segunda metade do século XVIII, osempecilhos para o desenvolvimento da construção naval, como a falta de mão de obra e de matéria-prima, acabaram

 por tornar a cidade mais em “um centro de reparos do que de construção de embarcações”. Entretanto, isso poucointerferiu no mercado de venda de embarcações no porto do Rio de Janeiro. PESAVENTO, Fábio. Op. Cit ., p. 55.217 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit .218 Para uma análise sobre a cultural material nas casas de moradas da cidade Belém, ver: AUGUSTO, Isabel TeresaCreão.  Entre o ter e o querer:  domicílio e vida material em Santa Maria de Belém do Grão-Pará (1808-1830).Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2007 (Dissertação de Mestrado).219 REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro de arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1997, p. 21.

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edificações urbanas do período colonial apresentavam um padrão uniforme sobre os terrenos e os

tamanhos das casas.220 Entretanto, o que se notou nas descrições das escrituras foi uma variação

em relação ao tamanho das propriedades que eram vendidas.

As moradas de casas estavam construídas em terrenos que variavam de 4 a 14 metros decomprimento, mas os seus fundos eram sempre bem mais largos. Tal como para o percebido na

descrição das casas, os terrenos vendidos ou mesmo a área no entorno da casa geralmente

aparecia com a descrição genérica “com seus chãos”. Em uma venda de casa realizada em 1816,

José Antonio Nunes negociou “um quarto de casas, com 27,5 palmos de frente e 15 braças de

fundo, na rua dos Inocentes”,221 o quarto media “de uma banda a outra com o alferes Joaquim

Jose Jordão”. Quando ocorria o complemento sobre a localização do quarto de casas, com

frequência também era apresentado o vizinho que confrontava com o bem vendido, o que

acabava servindo de identificação e limites para a propriedade. O quarto de casas foi vendido a

Manoel João Rodrigues de Castro, morador do rio Maguari, pela quantia de 250$000 réis. 222 O

que chamou a atenção para essa venda foi o tamanho atribuído ao terreno no entorno da casa, o

que daria quase 200 m2,223 sendo o maior terreno agregado à casa encontrado nas escrituras. Para

as outras escrituras analisadas, a indicação dos chãos costumava variar dentro da medida descrita

acima.

Reis Filho escreve que outro tipo de propriedade urbana que também se atribuía sinal de

distinção era a chácara. Geralmente, a chácara estava situada nas áreas mais afastadas da cidade,

mas nem por isso eram consideradas como propriedades rurais. 224 Nessa pesquisa, encontrou-se

apenas uma escritura de venda de chácara,225  localizada na estrada de Santo Amaro (atual rua

Veiga Cabral), onde já era uma área considerada subúrbio de Belém. Segundo Raimundo Morais,

em seu dicionário, a chácara situava-se nos “arrabaldes” da cidade, mas em Belém, o termo mais

comum era rocinha, onde algumas pessoas distintas residiam, mas também utilizavam o terreno

220  Idem, p. 28.221 Atual rua Riachuelo.222 Escritura de Venda. APEP. DN, LNCP, Livro 1186, doc. 635, 1816.223 As unidades de medidas foram convertidas seguindo o padrão: uma unidade de palmo equivale 0,22 metros e umaunidade de braça 2,2 metros. Cf.: SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit ., p. 320.224 REIS FILHO, Nestor Goulart. Op. Cit., p. 30.225 Escritura de Venda. APEP. DN, LNCP, Livro 1170, doc. 124, 1824. Jose Antonio Fernandes era o proprietário dachácara, a qual vendia para Manuel Gonçalves Luís da Cunha pela quantia de 2:000$000 réis.

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no entorno da casa para cultivar pomares, manivas e legumes, árvores frutíferas, criação de

 porcos e aves.226 

Patrícia Sampaio elaborou uma descrição sobre a ocupação desse espaço na cidade de

Manaus, onde “a maior parte de seus moradores habitava as chácaras, os pequenos sítios e os pesqueiros nos arredores do chamado núcleo urbano”. Esse núcleo ainda “era composto por

algumas (poucas) moradias de um só pavimento, com paredes de barro e pau-a-pique, cobertas de

folhas de palmeiras e pelos edifícios oficiais”.227 Na descrição da cidade de Belém realizada pelo

naturalista Bates, é projetada uma imagem da parte urbana que se assemelha ao espaço de

Manaus apresentado acima. Nas palavras de Bates, nos arredores da cidade ele visualizou como

estava estruturada essa parte de Belém, bem como os espaços destinados para erguer as casas que

estavam afastadas da parte mais central (próximas aos portos), onde as ruas eram mais compridas

e habitadas “pelas classes mais pobres. As casas tinham apenas o rés do chão e sua apar ência era

humilde e desalinhada (...). A rua não era calçada e a camada de areia fofa que a cobria tinha

muitos centímetros de espessura”.228 

Voltando à quantidade das escrituras de venda de moradas de casas, o elevando número

das vendas referentes às casas “térreas” ou “baixas” não causa surpresa, pois como bem alertou

Alexandre Rodrigues Ferreira, o “comum das casas (nas duas freguesias: Sé e Campina) é serem

térreas”. Na descrição que apresenta sobre a construção das casas na cidade de Belém, Rodrigues

Ferreira também destaca o material utilizado para levantar essas edificações, as quais dificilmente

 passavam do “nível da terra, poucas são assoalhadas, e muito poucas se guarnecem de paredes de

 pedra e cal”.229 Para complementar essa descrição, o uso das escrituras também ajuda a desenhar

a arquitetura dessas casas, como a utilização de folhas de palmeira para cobrir o teto das casas, o

que também pode ser visto como um sinal de distinção, pois as casas com valores mais elevados,

com frequência, eram cobertas de telha. Embora existissem olarias nas proximidades da cidade de

Belém, nem todas as casas eram cobertas de telhas de barro, sendo frequente a descrição de casas

com telhado de palha; na documentação utilizada havia casos em que não se descreviam o

226  MORAIS, Raimundo. O meu dicionário de cousas da Amazônia . Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,2013, p. 58. Em suas narrativas sobre o cotidiano da cidade de Belém, Bates descreve as criações dos quintais dascasas, as plantações de árvores frutíferas, de café e mandioca. BATES, Henry Walter. Um naturalista no Rio

 Amazonas. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1979. (Viagem realizada entre 1848 e 1859), p. 13.227 SAMPAIO, Patrícia de Melo. Op. Cit., p. 50.228 BATES, Henry Walter. Op. Cit., p. 12.229 RODRIGUES FERREIRA, Alexandre. Miscelânea Histórica para servir de explicação ao prospecto da Cidade1783-1784. 

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material utilizado nessas habitações. Porém, como foi anotado, as descrições não vão além dessas

 poucas indicações.

Comumente, as moradas de casas pouco recebiam uma descrição pormenorizada do que

tinham ou continham em seus ambientes. Segundo Faria, essa brevidade das informações se justificava por dois motivos: rapidamente eram levantadas e na mesma proporção eram

abandonadas, por isso os complementos que seguiam a sua descrição “bastante arruinadas ou

como muito uso”,230 mas havia também “casa muito velha”. Não obstante a autora afirmar que no

século XVIII as moradas de casas tivessem uma descrição “genérica” e terem os seus valores

sempre reduzidos, ainda assim não se tornava uma propriedade desprezível, pois o que causava

maior interesse eram as benfeitorias levantadas no seu entorno, seja pelo tempo gasto para erguê-

las, seja pelos materiais utilizados nessas propriedades. Para as áreas rurais também contava

muito para a avaliação da casa se elas eram de palha, sapé ou telha de barro, estas geralmente

recebiam uma cotação mais elevada, se comparada aos outros tipos de moradias. 231 

 Não foram encontradas nas escrituras muitas indicações sobre a atividade rentista na

cidade de Belém. Sabe-se que, com o aumento das transações comerciais nesses espaços urbanos,

a tendência era que os valores das casas, terrenos e aluguéis acompanhassem essas

transformações, fazendo com que determinadas ruas e travessas fossem cada vez mais

incrementadas. Nos testamentos é possível encontrar indicações sobre esse tipo de atividade, da

mesma maneira que os testamenteiros justificam com que objetivo deveria tomar o bem por

aluguel. Pastana escreve que o fato de um indivíduo ser proprietário de uma morada de casas ou

quarto de casas já o colocava dentro dessa atividade econômica, o que fazia parte do cotidiano da

cidade de Belém.232 

Em algumas sociedades mercantis contratadas para a cidade de Belém havia a referência

de alugar casas de sobrado para abrigar a loja ou armazém na sua parte térrea, geralmente

localizadas na freguesia da Campina. Em 1820, dona Maria do Socorro de Vasconcelos e o

caixeiro Antonio José Machado assinaram uma escritura de sociedade para abrir uma loja defazendas secas e molhadas. Nas cláusulas do contrato, havia um valor destinado ao aluguel que

230 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1998, p. 356.231  Idem, p. 358.232 PASTANA, Andréa da Silva. Op. Cit., p. 72.

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seria pago a dona Maria Felipa Borges Goes, por arrendar a parte baixa da sua casa. 233  No

inventário de Thiago Peres da Silva há a descrição de várias propriedades em Belém e na vila de

Ourém, que podem caracterizar que elas estivessem destinadas à atividade rentista.234 Na parte do

documento referente às dívidas ativas, de nove devedores, cinco são referentes aos aluguéis decasas pagos por ano, as exceções dessa dívida de aluguel eram Roza Maria Joaquina, que devia

279$250 referentes ao pagamento de “5 anos e 7 meses a 50$000 réis por ano”, e Manoel Gomes

de Souza, que devia 500$000 réis pelo aluguel de 10 anos. Infelizmente, não há a localização do

imóvel em Belém, pois permitiria verificar qual era a média dos valores cobrados para as casas da

cidade. Entretanto, sabe-se que Thiago Peres da Silva estava nesse comércio rentista tanto em

Ourém como em Belém. Essa informação orienta algumas questões sobre os moradores das vilas

do interior que compravam moradas de casas em Belém. Nesse caso, pode-se inferir que parte

dessas residências seria destinada ao mercado rentista. Acrescenta-se a isso a frequência com que

comerciantes e pessoas mais remediadas passam a atuar em outras atividades que não se

resumem ao abastecimento e troca de mercadorias, atuando também no mercado imobiliário.

Em relação à condição dos vendedores em todas as escrituras de venda de bens, com base

nas informações sobre a sua ocupação, organizaram-se quatro categorias: militares, negociantes,

não informado235 e outros. Na categoria “bens comerciais” foram incluídas todas as ocupações,

tais como: alfaiate, boticário, religioso e viúva. Nessa tabela, verifica-se a participação desses

vendedores no quadro das vendas dos bens na Cidade. Apesar de no primeiro decênio a

 participação de negociantes não ter sido registrada, nos quatro períodos posteriores a presença de

negociantes vendendo suas moradas de casas aparece, mas com variações. Entre 1800 e 1810, a

venda de moradas de casas alcançou 21% das vendas, no período seguinte contou com uma

queda chegando a 8,3% e continuou seguindo com essas oscilações nos dois períodos

consecutivos. Abaixo, pode se observar como está a percentagem dos vendedores de bens na

cidade de Belém:

233 Escritura de Sociedade Mercantil. APEP, DN, LNCP, Livro 1152, doc. 422, 1820.234 Autos de Inventário de Partilhas. APEP, Juízo de Órfãos da Vila de Ourém, Thiago Peres da Silva, 1817.235 Como já anotado, em muitas escrituras o tabelião deixou de lançar a ocupação dos vendedores e compradores.

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Tabela 2.9: Participação (%) de diversos tipos de vendedores em Vendas de propriedades

nas Cidades por período (1793-1834)

Bem vendido/Títulode vendedor

Período1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Morada de CasasMilitar 1.6 18.4 4.9 3.7 1.9 Negociante - 21.9 8.3 12.4 5.1Outros 26.1 18.0 14.9 38.9 24.1 Não informado 41.8 37.8 22.9 37.3 45.7

Terreno - - - - -

Militar 0.1 - 0.4 3.5 - Negociante - - 3.1 - 1.6

Outros 7.4 - 0.4 0.5 2.4 Não informado 6.0 3.9 2.3 3.7 11.4

Bens Comerciais  - - - - -Militar - - 6.4 - -

 Negociante - - 21.6 - 2.6Outros 13.3 - 11.4 - -

 Não informado 3.7 - 3.4 - 5.2Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

 Na categoria Bens Comerciais, onde estão as lojas, os armazéns e as embarcações é

 perceptível a atuação de negociantes vendendo esses bens. A categoria Bens Comerciais agrupa a

maior participação de negociantes nesse tipo de venda, visto que nela estão reunidas as vendas de

lojas, armazéns e embarcações que apresentavam os maiores valores transacionados.

Os terrenos urbanos movimentaram uma quantidade menor de escrituras de venda, se

comparadas às vendas de moradas de casas. Sempre se apresentando em menor quantidade, os

negociantes só tiveram a sua participação nas vendas desse tipo de propriedade no período de

1813 a 1820, depois disso a categoria dos não informados foram os maiores vendedores desse

tipo de bem.

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Tabela 2.10: Participação (%) de compradores em compras de propriedades nas Cidades por

período (1793-1834)

Bem vendido/Título de comprador

Período1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Morada de CasasMilitar 2.8 16.5 4.5 8.3 10.4 Negociante 13.5 0.6 25.8 21.9 5.5Outros 32.5 13.2 7.2 31.8 15.8 Não informado 20.8 65.8 13.5 30.3 45.1

TerrenoMilitar 2.5 - 5.6 Negociante 6.3 - 15.4 - -

Outros 1.2 - - - - Não informado 7.0 - 21.9 - 7.8

Bens Comerciais Militar 4.1 2.9 0.2 2.3 2.0

 Negociante 1.9 0.6 0.7 0.6 0.7Outros 3.1 - 1.1 1.6 0.2

 Não informado 4.4 0.3 4.1 3.2 12.5Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

Entretanto, o quadro desenhado com a tabela acima se inverte em relação à participação

dos compradores dos bens localizados na cidade. Ressalta-se que a compra de terrenos urbanos

não era uma das alternativas mais buscadas para os investimentos dos negociantes, exceto pelos

 períodos de 1790 e de 1813 em que eles figuram um percentual considerável nas compras. A

morada de casas foi o bem urbano mais buscado no momento de investir o capital mercantil dos

negociantes de Belém. A falta de informações sobre o título dos vendedores e compradores

impede que se avance nesse tipo de análise.

 Nesse caso, pode-se afirmar que esses negociantes da praça de Belém estão direcionando

os seus investimentos para o mercado de compra de imóveis urbanos e passando a atuar nomercado rentista, sendo que essa mudança dos investimentos inicia ainda em fins do século

XVIII e inícios do XIX. Em 1794, o capitão e negociante Ricardo José de Oliveira iniciou a

compra de imóveis urbanos por meio da aquisição de um quarto de casas na rua das Flores, pelo

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valor de 185$000 réis, quantia quitada em moeda corrente. Deve-se fazer referência que o imóvel

recém-adquirido ficava na mesma rua onde o capitão residia na época da compra. 236 

Grandes investidores nesse mercado eram as ordens religiosas e instituições de caridade e

assistenciais. Como exemplo, pode-se citar a Santa Casa de Misericórdia, que utilizava as propriedades urbanas e rurais que recebia como esmola dos testadores para destiná-las à locação

tanto para residência como para o comércio, quase sempre nas ruas e travessas mais centrais da

freguesia da Campina. Guimarães afirma que só o hospital de caridade era proprietário de “28

 pequenos prédios na cidade”, o fruto desses aluguéis eram destinados às obras de caridade, porém

os 1:200$000 réis que arrecadavam precisavam ser complementados com a doação de 400$000

que a Câmara Municipal fazia para poderem atender aos lazarentos. 237 

Um questionamento que acompanhou todo o processo de análise do banco de dados foi

qual seria a diferença entre morada de casas e quarto de casas. Algumas sugestões foram

apresentadas, mas não conseguiam compreender o sentido do termo. No dicionário de Antonio

Moraes da Silva, apareceu uma definição mais aproximada para a época que poderia ser

empregada para a questão acima citada. Segundo ele, “quarto de casa” seria a “porção de uma

casa grande com serventia separadas”.238 Entretanto, a mesma definição e descrição de “quarto de

casas” pode ser utilizada para a “morada de casa”.  

Guimarães apresenta uma indicação sobre a finalidade do “quarto de casas”, os quais

eram destinados para a atividade rentista. Isso pode servir para um entendimento sobre os usos

dessas propriedades, ou seja, as moradas de casas serviam para a residência do proprietário e os

quartos de casas para serem postas ao mercado rentista. 239  Em 1833, quando Izabel Caetana

declarou seu testamento, em um de suas disposições dizia ser “senhora e possuidora de um quarto

de casas em que moro o qual quarto de casas deixo a minha afilhada que criei e mora comigo

[sic] seguintes que a dita morada de casas [sic] em aluguéis para retirar as despesas que deixo

declarada (...)”.240  Na escritura de venda houve a indicação de uma atividade desse tipo,

classificada como arrendamento. Em 1819, José Joaquim de Sousa Azevedo arrendou uma “umamorada de casas e seus chãos, na rua de São Boaventura, n. 9”. Os chãos estavam localizados na

rua do Arsenal e, por seis anos, o capitão Manoel Ramos de Carvalho pagaria pelo arrendamento

236 Escritura de Venda. APEP, DN, LNCP, Livro 1181, doc. 756, 1794.237 GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit., p. 88.238 SILVA, Antonio Moraes da. Op. Cit. 239 GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit., p. 85.240 CMA, Cartório da Provedoria e Resíduos (CPR)/11º. Vara Cível. Autos de Testamento de Izabel Caetana, 1833.

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o valor de 160$000 réis.241  Entretanto, na descrição dos testamentos e escrituras a lógica

explicada por Guimarães não se aplica. Isso porque na primeira situação a testadora afirmava que

morava no quarto de casas que seria destinado à atividade rentista e no segundo caso, o

 proprietário fazia o arrendamento de uma morada de casas.Uma venda de morada de casas chamou atenção pelo alto valor que foi atribuído à

 propriedade, o que destoava da média dos valores atribuídos para esse tipo de bem na mesma

região. Em 1820, a venda realizada tinha como proprietário Domingos Simões da Cunha e o

comprador era Pedro Bernardo de Sousa, ambos os negociantes e moradores de Belém. A venda

foi feita "por saldo de contas que entre eles havia relativo a uma sociedade de fazendas com o

dito comprador para [ileg.] entrou o comprador e o devedor, que o referido comprador se

obrigava a pagar cuja sociedade ficava extinta [ileg.]”,242  o que justificaria a elevada quantia

atribuída à morada de casa.

Diante dessa situação quede uma morada de casa atingir valor tão elevado, seria possível

destacar que áreas da cidade de Belém eram mais valorizadas ou mais propícias para compra?

Como descrito acima, no código de posturas da cidade de 1848 trazia a delimitação da área onde

somente seriam construídos sobrados. As ruas destacadas eram apresentadas no artigo 148, no

qual destaca que:

“No Largo das Mercês, nas Ruas de Belém, do Império, dosMercadores, da Boa Vista, e na Rua da marinha se abriu para ofuturo a Travessa das Mercês, do Passinho, de São Matheus, doPelourinho, e da Companhia e em todo o Largo do Palácioninguém poderá edificar, ou reedificar casa senão de sobrado,nem consertar a parede da frente das casas baixas, que nas ditascasas existirem, sob pena de incorrerem na multa de vinte milréis, ou oito dias de prisão, sendo depois demolido o prédio”. 243 

241 Essa é uma das poucas indicações dos valores de cada bem negociado, a morada no valor de 100$000 e os chãos a60$000. Escritura de Venda. APEP, DN, LNCP, Livro 1190, doc. 945, 1819.242 Escritura de Venda. APEP, DN, LNCP, Livro 1190, doc. 1042, 1820.243 PARÁ, Coleção de Leis do. Código de Posturas Municipal de 1484, Belém: Typ. Santos & menor, 1851.  ApudGUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit., p. 71. É possível que essas indicações para melhoria dos espaçosurbanos tenham sido concretizadas, pois segundo Bates, quando retornou a Belém em 1859, a cidade estava“grandemente mudada, para melhor. Já não havia mais aquele aspecto de arraial, com ruas cheias de mato e casasdesmanteladas, que eu ficara conhecendo em 1848”. Além do aumento populacional, motivado pela imigração de

 portugueses e alemães, o embelezamento da cidade era visível, onde “as ruas de outrora sem calçamento e cheias de pedras soltas e areia, estavam agora caprichosamente pavimentadas; as casas feitas fora do alinhamento haviam sidodemolidas e substituídas por construções mais uniformes”. O naturalista continua a sua descrição sobre as casas, quede “velhas e desmanteladas cederam lugar a belos edifícios construídos acima do nível da rua, com extensas eelegantes sacadas no primeiro andar”. BATES, Henry Walter. Op. Cit., p. 12.

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Mesmo que o Código faça referência às indicações para as transformações do espaço do

centro da cidade em 1848, isso só confirma a importância que essa área tinha para o comércio e

 para o embelezamento da cidade. Essas ruas eram as principais vias onde estavam localizadas aslojas, os armazéns, os mercados e feiras e tinham a vantagem de estarem próximas aos portos de

embarque e desembarque de mercadorias. A área que Kidder descreve como de “movimento

intenso” e “onde se transaciona quase todo o comércio local”.244 Nesse caso, as moradas de casas

e os terrenos comercializados nesse espaço deveriam ser os que apresentavam os maiores valores

em comparação às vendas dessas propriedades para outras áreas da cidade de Belém.

2.3- Escri tur as de venda nas Vi las da Capitania

Como abordado no capítulo anterior, as relações comerciais dos negociantes de Belém

estavam voltadas para as vilas do interior da capitania, principalmente as transações direcionadas

 para os sertões. Entretanto, o contato que a cidade de Belém estabelecia com as outras vilas não

se limitava ao fornecimento, abastecimento e troca de mercadorias e produtos, seja por meio de

sociedades mercantis ou por meio das sociedades garantidas pelas procurações. 245 O comércio deterras e de propriedades rurais também foi uma prática comercial entretida com as áreas

fronteiriças a Belém e mais próximas aos sertões. Nesse item, o que se objetiva discutir é como

estavam organizados os investimentos fora das atividades mercantis. Além da compra de prédios

urbanos vista acima, busca-se aqui apresentar como se comportava o mercado de terras na

capitania do Pará.246 

A princípio, algumas questões sobre os termos utilizados nas escrituras devem ser

esclarecidas. Apesar de existir um padrão para a redação das escrituras, muitas vezes os termos,

reconhecimentos dos envolvidos no negócio e a localização das propriedades não constavam nas

indicações da escritura (por omissão do tabelião ou pelo estado de conservação do documento).

244 KIDDER. Op. Cit., p. 171.245 Essa questão será desenvolvida no capítulo 3.246 A ausência de inventários para o período analisado impossibilitou realizar algumas comparações em relação aoquantum das fortunas que eram transferidas das atividades agrícolas para as atividades mercantis. Para um período

 posterior ao tratado aqui, Cf.: BATISTA, Luciana Marinho. Muito além dos Seringais: elites, fortunas e hierarquiasno Grão-Pará, c. 1850 –  c.1870. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2004, (Dissertação de Mestrado).

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Por esse motivo, determinadas questões levantadas nesse tipo de abordagem tiveram que ser

suprimidas no momento da quantificação dos dados, para tornar viável a análise de outros

elementos. Com base em outros documentos registrados nos livros de notas a informação que

estava ausente na venda, em determinadas situações, era revelada na escritura de dívida ou emuma procuração bastante. Nesses casos, houve o extremo cuidado para completar essas

indicações no banco de dados, porém informações específicas da venda foram perdidas.

A iniciativa de complementar as informações a respeito desses sujeitos contribuiu para

entender algumas continuidades sobre o grupo social que se destacou para esse estudo. Os

“homens de negócio” do final do XVIII e os “negociantes” do início do XIX despertaram atenção

a respeito de seu próprio papel dentro da sociedade. Segundo Sampaio, dificilmente os homens

de negócio tinham grande visibilidade como grupo mercantil consolidado, ocasionando na falta

de referências sobre a ocupação deles nas escrituras de transações comerciais que assinavam. 247 

Mesmo que a análise de Sampaio se refira ao período anterior a este trabalho, a situação que o

autor descreve pode ser encontrada nas escrituras lançadas no livro de notas em Belém.

Entretanto, a ausência valeria também para os proprietários de engenhos ou de fazendas na Ilha

do Marajó. A identificação desses sujeitos contou com o auxílio de outras fontes e estudos que se

detiveram nessas questões.248 Nesses casos, notou-se que a elite comercial estava envolvida em

outras atividades que passavam pela atividade agrícola, sociedades e uniões matrimoniais com as

famílias reconhecidas da sociedade, como também na atuação e ocupação de cargos públicos.249 

Essa situação pode ser notada também para os comerciantes das vilas do interior, onde se tornava

comum a ascensão comercial ser associada à ascensão política. 250 

Como já foi citado acima, em função da quantidade de registros legíveis existentes nos

livros de notas do cartório Perdigão, encontrou-se apenas 157 escrituras de vendas de bens rurais,

as quais foram agrupadas em 2 categorias gerais, a saber: Fazendas de produção e terras de

produção. As terras de produção foram as propriedades em maior quantidade de transações

encontradas nas escrituras em todo o período. Embora o decênio de 1801 a 1810 apresente uma247 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit ., p. 76.248 MARIN, Rosa E. Acevedo. Op. Cit .; BATISTA, Luciana Marinho. Op. Cit .; SOARES, Eliane Cristina Lopes.

 Roceiro e Vaqueiros na Ilha Grande de Joanes no período colonial.  Belém: PLADES-NAEA/UFPA, 2002,(Dissertação de mestrado).249 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit ., MARIN, Rosa E. Acevedo. Op. Cit .250 Nas vilas de Santarém e de Óbidos foi possível reconhecer comerciantes que tinham sociedades com negociantesda praça de Belém ocupando cargos políticos ou atuando nas coletorias dessas vilas. REIS, Arthur Cezar Ferreira.Santarém: seu desenvolvimento histórico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL; Belém: Governo doEstado do Pará, 1979.

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queda na quantidade das transações tanto urbanas como rurais, houve uma compra a mais de

fazendas de produção em relação às terras. Como se notou na tabela 2.2 acima, a busca pela

aquisição de propriedades no meio rural continuamente registrou um número menor de escrituras

em relação às vendas urbanas, mas sempre se constituiu em uma forma de investimento doscapitais advindos da atividade mercantil, seja pela ascensão social que isso representava, seja pela

sua garantia monetária. Segundo Braudel, o investimento na compra de propriedades era uma

segurança para o negociante, pois não estaria “exposta aos riscos do mar, ao dos com issários

desonestos ou das companhias mercantes ou das falências”, o que configurava a terra numa

espécie de “banco”.251 Como foi analisado acima, o investimento em imóveis era desdobrado na

compra de bens urbanos, mas como se procedia a lógica dos investimentos para os bens rurais?

Abaixo, pode-se acompanhar a tabela com os dois tipos de bens que serão analisados

nesse item e a quantidade de escrituras:

251 BRAUDEL, Fernand. Op. Cit ., p. 217.

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Tabela 2.11: Número total de escrituras por tipo de bens transacionados nas vilas da Capitania por período (1793-1834)

AtividadePeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Venda Rural 36 11 59 22 29Fazenda de Produção 11 6 25 9 11Terras de Produção 25 5 34 13 18

Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

Tabela 2.12: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no número total de vendas nas vilas da Capitania por período(1793-1834)

AtividadePeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Fazenda de Produção 30.56 54.55 42.37 40.91 37.93Terras de Produção 69.44 45.45 57.63 59.09 62.07

Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

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Os bens rústicos apresentavam uma característica distinta dos bens vendidos na cidade de

Belém. Geralmente, as fazendas de produção eram avaliadas por quantias inferiores aos valores

encontrados nas propriedades urbanas. Sheila de Castro Faria afirma que a terra e as benfeitorias

nela presentes em quase nada influíam para os valores dos bens rurais, nesse tipo de propriedadeo que contava no momento da venda era a quantidade de gado e de escravos que acompanhavam

a transação.252 Esse padrão é notado por Sampaio ao comparar as escrituras de vendas realizadas

nos séculos XVII e XIX.253 O autor percebe que no primeiro momento, os bens rurais, ainda que

não apresentem um número tão elevado de escrituras, compõem as vendas que apresentavam os

maiores valores negociados, se comparado com os outros tipos de vendas. O início do século XIX

marca uma diferença nesse quadro, em que o número de escrituras e os valores negociados são

encontrados em menores quantias se comprados com as vendas urbanas. Nesse caso, as

 prioridades na procura de aquisição de bens para investimentos mudam de um período para outro.

Esse processo pode ser notado nas escrituras públicas do tabelião Perdigão. As vendas de

 propriedades urbanas e rurais, quando relacionadas, apresentam o mesmo padrão identificado

 para o Rio de Janeiro do início do século XIX. É necessário destacar que os valores encontrados

nas transações daquela cidade são muito superiores aos encontrados para a capitania do Pará.

Ciente disso, o que foi proposto para essa análise busca entender a realidade de Belém diante os

 padrões de investimento e de reprodução que seus sujeitos adotaram para realocar os recursos

 provenientes das suas atividades mercantis, atentando para o seu contexto social. Soma-se isso

que o período destacado está localizado num contexto de aproximadamente 40 anos, para os

quais as escrituras públicas coletadas não dão conta de todo esse intervalo de tempo, em função

das condições já mencionadas. Nas palavras de Sampaio, elas são uma “fotografia da

sociedade”,254 no caso, para esse estudo elas serão utilizadas para entender a sociedade paraense

do final do período colonial.

As escrituras de vendas estavam organizadas em uma forma padrão (tal como a descrita

no item anterior) que atendia às informações necessárias para a identificação do bem vendido naépoca em que eles foram registrados em cartório. Entretanto, quando a escritura pública foi

coletada para essa pesquisa, notou-se que algumas informações eram imprecisas para esclarecer

252 FARIA, Sheila de Castro. Op. Cit ., p. 356.253  Nessa comparação, Sampaio utiliza as tabelas organizadas por Fragoso que estuda o período posterior aoanalisado por aquele. SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit ., pp. 72-73.254 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit ., pp. 72.

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determinadas questões lançadas nesse estudo. Uma dessas indeterminações estava na falta de uma

descrição mais precisa sobre as propriedades e as suas benfeitorias, o que impossibilitou a

elaboração de uma análise sobre os objetos que influenciavam no momento da avaliação dos

valores desses bens e o que contava mais no momento da sua venda.Sabe-se, por exemplo, que o termo “sítio” foi mu ito utilizado nesse período para se referir

de forma genérica a “uma propriedade rural”. A palavra também tinha o significado de “lote de

terras, um sítio de terras”, não apresentando assim uma caracterização exata do que representava

esse tipo de propriedade. Como esclarece Bacelar, “a documentação indica uma total falta de

 precisão na terminologia de identificação da propriedade rural, que era usada sem critérios, sem

qualquer relação com a dimensão, a localização e tipo de exploração agrícola”. Essa falt a de

clareza para descrever as propriedades fazia com que “sítio, fazenda, terreno, posse de terras,

uma sorte de terras” fossem utilizadas de forma aleatória para descrever as propriedades rurais do

 período colonial.255 Schwartz elaborou uma indicação para entender a concepção de “sítio” nas

documentações coloniais. Segundo o autor, nas fazendas se aplicavam diversas culturas, além da

cana-de-açúcar e pecuária, já os sítios eram “um termo preferido para plantações de fumo,

embora não usado exclusivamente nessa acepção”. Entretanto, outros fatores influenciavam na

ocupação dessas propriedades, tais como “o tamanho, o tipo de cultivo, a tradição e,

 provavelmente, a preferência pessoal”.256 Para a discussão que ora se elabora, a noção de sítio

 pode ser a propriedade onde se aplicavam a produção de mandioca, café, cacau, arroz, as mais

comuns nas poucas descrições sobre esse tipo de bem nas escrituras. O consenso nessas

definições é o caráter de utilização dessas propriedades articulando a culturas desses gêneros, a

 pecuária e o plantio da cana, o que ajudava a diversificar a produção e o abastecimento dessas

áreas.

 Nesse caso, ao se notar essa indefinição nos registros das escrituras de venda, bem como a

variação de nomes para identificar uma propriedade rural, privilegiou-se por agrupar esses tipos

de propriedades à categoria de fazendas de produção, para as que apresentassem a indicação dealguma plantação ou benfeitorias de formas mais amplas. Um exemplo para esse tipo de

classificação de sítio em “fazendas de produção” foi a venda realizada pelo negociante Manuel de

255  BACELAR, Carlos de Almeida Prado. “Sítio”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (Coord.).  Dicionário da História da Colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1994, pp. 766-767.256  SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. TraduçãoLaura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 362.

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Freitas Dantas. Em 1799, o negociante passou pela quantia de 800$000 réis a Manoel Theodoro

Ferreira de Araújo,

“um Sítio (...) que compreende uma légua de frente e de fundo principiando da boca do Igarapé Catanhanduba (...), com arvores frutíferasque nele se acha assim como alguns pés de café e de cacau, com casa devivenda de sobrado cobertos de telha, assim com também uma [sineta],carneiros e ovelhas, um carro de bois, cabra, uma roda de ralarmandioca”.257 

Dificilmente as vendas de propriedades nas áreas rurais da capitania agrupavam outros

tipos bens ao que era comercializado. Em outras situações, as vendas de fazendas ou engenhos

incluíam na descrição apenas as benfeitorias e utensílios próprios do bem, onde a mão de obra

escrava africana dificilmente era computada na venda. Na venda acima, além da produção

agrícola, a propriedade ainda possuía uma “vivenda de sobrado cobertos de telha”, o que

aumentava o valor da propriedade.258  Outras benfeitorias que agregavam maior valor à venda

dessas unidades produtivas eram os instrumentos de trabalho, como os carros de bois, a roda de

ralar mandioca, machados e rodas de fiar, bens que indicam também o exercício de atividades

voltadas para o abastecimento interno, como a produção de farinha de mandioca e arroz.

As propriedades localizadas nas proximidades dos rios e igarapés eram as que mais

despertavam interesse no momento da compra. Num espaço em que os deslocamentos dependemda malha fluvial, ter uma propriedade nas margens desses caminhos representava ter acesso

direto ao transporte das mercadorias e contato com os comerciantes que negociavam pelos

mesmos. A descrição de trapiches e portos nessas propriedades era bem comum nessa região. 259 

Soares afirma que, em sua maioria, as fazendas e os pastos da Ilha do Marajó estavam dispostos

nas margens dos rios justamente para facilitar o estabelecimento de outros tipos de atividades,

além das pastagens comuns na região, os pesqueiros eram fundamentais para suprir o

abastecimento de peixe para a Ilha e para as cidades de Belém e Macapá. A saída de gado dessas

 pastagens para o açougue de Belém também se utilizava desse recurso para o transporte das reses.

257 Escritura de venda. APEP, DN, LNTP. doc. 473, Livro 1176, 1799.258 FARIA, Sheila de Castro. Op. Cit ., p. 358.259 LOPES, Siméia de Nazaré. Op. Cit ., p. 64.

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Esse recurso também valia para os outros gêneros cultivados na Ilha, tendo em vista que as

atividades agrícolas coexistiam com a criação de gado.260 

Diante disso, os rios que apresentavam maior interesse por parte dos negociantes no

momento da compra eram os que ficavam nas proximidades de Belém. Pode-se afirmar que osrios Guajará, Moju, Acará, Guamá e Capim foram os mais mencionados nas escrituras públicas

de venda. Segundo Euda Veloso, nesses rios estavam localizados diversos “engenhos e sítios até

a distância de oitenta léguas”, onde a lavoura de cana impulsionava o es tabelecimento de

numerosos engenhos e engenhocas de açúcar, aguardente, arroz etc.261  Muitos negociantes

reconhecidos da praça de Belém foram recenseados como moradores desses rios, como é o caso

de Ambrósio Henriques, possuía negócios (comércio e sociedades) na cidade de Belém, mas seu

registro foi localizado para o rio Acará, fronteiro à Belém, onde aparecia como “freguês de

Belém”.262 

Os valores dos bens transacionados para as vilas do interior da capitania se apresentaram

da seguinte forma:

260 SOARES, Eliane Cristina Lopes.  Roceiro e Vaqueiros na Ilha Grande de Joanes no período colonial. Belém:PLADES-NAEA/UFPA, 2002, (Dissertação de mestrado), p. 27.261  VELOSO, Euda Cristina A. “Estruturas de apropriação de riqueza em  Belém do Grão-Pará, através dorecenseamento de 1778”. In: (org.). A escrita da história paraense. Belém: NAEA/UFPA, 1998, p. 11.262 VELOSO, Euda Cristina A & MARIN, Rosa E. Acevedo.  Mapa das famílias das capitanias do estado do Grã-

 Pará- 1778. Belém- Pará, 2006.

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Tabela 2.13: Evolução dos valores totais dos bens transacionados nas vilas de Capitania por período (1793-1834)

Atividade/Bem vendidoPeríodo

Total1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Fazenda de Produção 4:611$260 3:459$000 14:771$400 12:927$000 3:350$000 39:118$660

Terras de Produção 1:757$710 495$500 18:511$200 2:185$000 9:940$000 32:889$410Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

Tabela 2.14: Participação (%) dos diversos tipos de propriedades no número total de vendas nas vilas deCapitania por período (1793-1834)

Atividade / Tipo de BemPeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Fazenda de Produção 72.40 87.47 44.38 85.54 25.21Terras de Produção 27.60 12.53 55.62 14.46 74.79

Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

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Tabela 2.15: Resumo descritivo das vendas por tipo de propriedade nas vilas de Capitania por período (1973-1834)

Bem vendido MedidaPeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834

Fazenda de Produção

Mínimo 50$000 72$000 30$000 100$000 100$000

Quartil 1 100$000 150$000 100$000 217$000 100$000

Média 419$205 576$500 590$856 1:436$333 304$545Mediana 140$000 450$000 200$000 300$000 150$000Quartil 3 800$000 502$000 650$000 1:500$000 450$000

Máximo 1:250$700 1:835$000 4:400$000 8:000$000 1:200$000

Terras de Produção

Mínimo 20$000 30$000 20$000 30$000 10$000

Quartil 1 30$000 35$000 50$000 50$000 40$000

Média 70$308 99$100 544$447 168$077 552$222Mediana 54$000 80$000 100$000 120$000 125$000

Quartil 3 90$000 150$000 200$000 240$000 550$000

Máximo 300$000 200$500 12:800$000 500$000 6:000$000Fonte: APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1793 a 1834).

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Constam 48 escrituras de venda de propriedades localizadas nesses rios. Foram

encontradas apenas 2 escrituras de venda de canavial e cacaual, as 46 escrituras restantes

referem-se à venda de terras de produção. A proporção de vendas de engenhos foi algo que pode

ser entendido também pela ausência de alguns livros de escrituras, pois, para todo o período dessa pesquisa, só foram registradas duas vendas de engenhos, em 1818 e 1834. Outra ausência que se

nota é a própria referência aos senhores de engenho263. Apesar de haver indicações sobre os

 proprietários de engenhos nos avulsos do Projeto Resgate, nas escrituras de venda, obrigação de

dívida ou mesmo nas procurações esse termo não era aplicado aos outorgantes,

vendedores/compradores e credores/devedores. Além disso, numa região em que o açúcar

também era utilizado como moeda de troca para as transações comerciais e pagamento de soldos,

é um contraste todas as indicações sobre engenhos nas margens dos rios da capitania que Ernesto

Cruz264 apresenta e os seus silêncios das escrituras públicas. Como se observa mais adiante, as

margens dos rios próximos à cidade de Belém eram pontuadas por engenhos.

Incluída na categoria das fazendas de produção, a venda de canaviais chama atenção pela

quantidade de escrituras de vendas referentes a esse bem, as quais computaram apenas 2

registros. Em 1818, uma escritura de venda de canavial chamou atenção pelo alto valor atribuído

à propriedade que fez o coronel Ignácio Peres Pereira Pinto ao negociante de Belém, Bento

Pereira Chaves pelo valor de 4:400$000 réis. Por essa quantia, o negociante passaria a ser

 proprietário de “uma sorte de terras com dois canaviais plantados e madeiras”, localizados na Ilha

das Onças, fronteiras à cidade de Belém. Esta venda é uma das poucas escrituras que trazem a

descrição dos valores para cada bem que foi transacionado, neste caso o valor da “sorte de terras”

foi de 2:800$000 réis, o que é muito elevado, se for comparado a outras propriedades vendidas na

mesma localidade (o outro valor indicado na venda de um sítio nessa mesma ilha foi de 100$000

réis). Os dois canaviais e as madeiras saíram na importância de 1:600$000 réis, a venda foi

 parcelada em três vezes, sendo que o bem ficou hipotecado como garantia do pagamento.265 

Passados dois anos dessa compra, o negociante Bento Pereira Chaves voltou a assinar umaescritura de venda com José Ferreira Brito, também negociante em Belém. Em 1820, Bento

263  Na documentação avulsa do Projeto Resgate se encontrou 111 instâncias para a busca de “engenhos”, na capitaniado Pará. Nas referências, foi possível notar que os engenhos na região, além da cana, também existiam de descascararroz, de cacau, de maniva e de madeiras. O problema da falta de mão de obra era amenizado com as entradas nossertões para descer  casais de índios para trabalhar nessas propriedades (ver capítulo 1).264 CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém: Governo do Estado do Pará, 1973.265 Escritura de venda. APEP, DN, LNTP. doc. 4, Livro 1182, 1818.

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Chaves vendeu a metade dessa propriedade que adquiriu na Ilha das Onças, a venda seguia com

as benfeitorias, canaviais e madeiras, tudo pelo valor de 1:400$000 réis. 266 

As vendas de propriedades na comarca do Marajó contaram somente com 9 escrituras.

Essa quantidade de escrituras para a região pode ser representativa também do próprio processode ocupação da Ilha. Segundo Eliane Soares, além de serem “contemplados” com as fazendas

 pertencentes aos jesuítas após a sua expulsão, a elite agrária da capitania foi beneficiária da maior

 parte das doações de sesmarias nessa comarca. No mapeamento realizado pela autora, para todo o

século XVIII foram realizadas 90 doações de sesmarias só para a Ilha do Marajó, dessas 68

doações foram confirmadas, todas elas estavam dirigidas às margens de rios com acesso à cidade

de Belém, o que agregava mais valor à propriedade. Ainda segundo a autora, após a instituição do

sistema de morgadio, presente na Ilha do Marajó, que atribuía ao filho varão toda a herança

familiar e excluía o direito à propriedade aos demais filhos, o acesso à terra ficou cada vez mais

difícil, contribuindo para a consolidação de uma “aristocracia rural”. Essa estrutura acabava por

monopolizar qualquer tentativa de acesso à terra, fazendo com que os agregados, os pequenos

camponeses e demais sujeitos presentes naquele espaço vivessem aos “arredores das grandes

 propriedades de seus parentes ricos”.267 Apesar desse sistema ser raro na paisagem colonial, o

estudo da autora apresenta a existência dele para a Ilha do Marajó.

Uma das maiores vendas registradas para todo o período foi de uma propriedade

 pertencente a uma dessas famílias de “contemplados”. Joaquim Ribeiro da Silva Pacheco era

casado com Josefa Maria Calandrini e possuía propriedades na Ilha Grande de Joanes, na

comarca do Marajó. Em 1817, parte dessa propriedade foi vendida ao capitão Antonio Pereira

Lima que, pela quantia de 12:800$000 réis, passou a ser o senhor das fazendas “Mutum, Santo

Ignácio e Curralinho sítio de [ilegível] com casas de telhas, currais, terras de campo com matas e

a Ilha de Caratatuba”, além de cinco escravos, “gado vacum e cavalar nas ditas fazendas M utum

e Santo Ignácio de seu ferro e sinal de [ilegível] fazem nos escravos”. Às fazendas foi atribuído o

valor de 800$000, os 5 escravos a 750$000 e o gado por 11:250$000 réis. O comprador ficavaobrigado a pagar todos os dízimos, “tanto vacum como cavalar  desde princípio do ano de 1811

desde o dia que conta na inspeção naquela Ilha Grande de Joanes”. O valor seria pago pelo

266 Escritura de venda. APEP, DN, LNTP. doc. 974, Livro 1190, 1820.267 SOARES, Eliane Cristina Lopes. Op. Cit ., p. 30 e 141.

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comprador em oito pagamentos de 1:600$000 réis anuais aos juros da lei, “na falta de pagamento

fazia hipoteca da fazenda e de seus bens presentes e futuros”.268 

Essa venda é uma das poucas que inclui escravos à propriedade negociada. Como já

destacado, o maior valor da propriedade estava nas cabeças de gado e nos escravos, apesar de nãolistar a quantidade de gado que estavam na venda (apenas os que tinham a marca das duas

fazendas), o valor de uma rês variava de 5$000 a 6$000 réis,269 o que poderia indicar que foram

negociadas em torno de 1.800 cabeças de gado. O valor dos 5 escravos foi menor que o valor

atribuído às fazendas, mas levando em consideração que eram 3 fazendas e uma ilha, o valor dos

escravos era mesmo mais elevado. Nas escrituras de vendas rurais realizadas em Minas Gerais,

Kelmer Mathias escreve que o fato de haver a inclusão de escravos à venda de propriedades de

 produção fazia com que isso elevasse o valor da mesma, o que nem sempre correspondia de fato

ao que valia o referido bem vendido.270 Essa relação entre o baixo valor atribuído à terra e o alto

valor do gado, pode ser um indicativo da atividade econômica comum na região.

As escrituras de venda de terrenos trazem a designação genérica de “sorte de terras” e não

indicam qual o tamanho exato da área vendida. Esse tipo de propriedade, quando negociada,

estava direcionado para a produção agrícola, como já indicado. Apesar da atividade extrativista

ser comum nas áreas dos sertões, ela coexistia com a produção agrícola de alimentos voltados

 para o abastecimento da unidade familiar, mas também para a negociação dos excedentes. Nesse

caso, as vendas de terrenos de produção não apresentavam benfeitorias, mas representavam

importância pela sua localização e as atividades produtivas que seriam desenvolvidas na área. A

localização dessas unidades nas proximidades de rios e igarapés possivelmente podiam associar o

cultivo da mandioca e outras culturas, tendo em vista que a atividade agrícola coexistia com a

extração de gêneros e a pecuária.271 

268 Escritura de Venda. APEP, DN, LNTP. doc. 31, Livro 1170, 1817.269 APEP, Autos de Inventário e Partilhas, Juízo Ordinário e Órfãos da Vila de Bragança, Bartolomeu Alves, 1810.270 KELMER MATHIAS, Carlos Leonardo. “O perfil econômico da capitania de Minas Gerais na segunda década doséculo XVIII, notas de pesquisa 1711-1720”. In: XII Seminário Sobre a Economia Mineira, 2006, Diamantina. Anaisdo XII Seminário Sobre a Economia Mineira, 2006.271  SOARES, Eliane Cristina Lopes. Op. Cit . Em ofício enviado ao Senado da Câmara de Belém, Feliciano JoséGonçalves solicitava escravos para  poder tocar a sua “fábrica de açúcar nas suas fazendas e plantações do Marajó,onde até então só tinha produzido arroz e criado algum gado vacum e cavalar”. AHU_CU_013, Cx. 87, D. 7078.Pará, 20/11/1780. Em outros documentos pode-se encontrar a indicação de atividades agrícolas como a de produçãode arroz, algodão, mandioca em fazendas de gado vacum, na Ilha do Marajó, o que se nota a coexistência dessasatividades num mesmo espaço, mas sempre usando como ponto referência algum lago, rio ou igarapé.

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 Na Ilha Grande de Joanes (comarca do Marajó), as roças e demais pequenas áreas

cultiváveis eram ocupadas pela população desprovida, anteriormente mencionada. Não consta nas

escrituras de venda a indicação de venda de roças. O que houve foi a venda de uma sorte de terras

com roças e árvores frutíferas ou de cacauais. Ribeiro afirma que nas escrituras públicas queconstavam a venda de roças, a propriedade não era vendida, mas somente a produção cultivada

nela.272  Ao analisar a Ilha do Marajó, Soares elaborou uma diferenciação entre lavrador,

agricultor e roceiro que se aplica ao que se apresenta nas escrituras. Para a autora, o agricultor ou

lavrador eram possuidores de um sítio, já o roceiro que trabalhava nas roças, necessariamente,

não precisava ser o proprietário da terra, mas somente ter “um lugar para roçar, isso estaria ligado

também ao estigma deixado pelas roças do comum, que eram locais privilegiados para o trabalho

dos índios que plantavam para o comum das vilas”. Essa diferença não estava direcionada ao

destino da produção, mas se relacionava “a um espaço coletivo e não de ‘proprietários’

individualmente”. Os roceiros e demais sujeitos, apesar de não serem os proprietários dessas

terras, estavam vinculados à produção agrícola e aplicados ao comércio, o que os ajudava

também a integrarem esses mercados voltados para o abastecimento da capitania. 273 Sendo assim,

a indicação sobre a venda de roças estava ligada à produção agrícola cultivada nessas terras de

 produção, quando essas eram vendidas o bem que era negociado se dirigia apenas aos gêneros e

não à propriedade da terra.

Voltando às escrituras de venda, apesar de não haver referências sobre a venda de roças,

tal como discutido acima, havia outros bens que eram vendidos nessas condições, ou seja, a

venda apenas da produção agrícola cultivada em determinado espaço de terra. Entre as escrituras

 públicas analisadas foram encontradas nove vendas de cacauais, sendo que entre elas, duas eram

acompanhas de uma “sorte de terras”, as sete restantes se referiam apenas aos pés de cacau

 plantados na propriedade. Todas as plantações estavam localizadas nas proximidades de algum

rio, sendo que as que apresentam os valores mais elevados estavam nas proximidades de Belém,

como os 400 mil pés de cacau no rio Guajará pelo valor de 300$000 réis.274

 Os cacauais mais distantes da cidade de Belém tinham valores menores, mas para isso

deveria contar outros fatores além da sua localização. Exemplo disso são as vendas realizadas na

vila de Óbidos, onde os valores ofertados para a compra de cacauais variavam bastante, mas eram

272 RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. Cit ., p. 262.273 SOARES, Eliane Cristina Lopes. Op. Cit ., p. 68.274 Escritura de Venda. APEP, DN, Cartório de Óbidos- Escrituras. doc. 35v., Livro 1820-1823.

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sempre iguais ou superiores aos dos registros feitos no cartório em Belém. Em 1821, Manoel Pais

de Andrade e sua mulher fizeram venda a Felisberto José Tavares de 2.475 pés de cacau

“frutíferos sitos na Costa do Igarapé Assú” fronteiros aos cacauais do comprador. O que chamou

atenção nessa venda foi a cobrança feita pelo cacaual, “a preço de duzentos réis cada um pé”,totalizando a quantia de 495$000 réis. Acredita-se que tenha sido uma boa aquisição para o

comprador, tendo em vista que ele ainda ficou obrigado a pagar as sisas referentes à compra.275 

Essa venda também ratifica uma discussão muito pertinente para esse momento, que seria a

necessidade de se expandir as áreas das unidades produtivas. Segundo Fragoso, as próprias

condições agrícolas em que a sociedade estava assentada requeriam a “incorporação de mais

terras e homens, e isso sem a mediação de um desenvolvimento técnico na lavoura”, além da

 produção de alimentos voltados para o abastecimento dessas áreas e para o comércio interno.276 

Apesar da ampliação das unidades agrícolas ser o comum em determinadas vendas de

 propriedades rurais, a mão de obra nessas áreas ainda estava muito concentrada no trabalho

indígena. Entretanto, nas escrituras de vendas desse período pode-se verificar como os

negociantes da cidade de Belém e das vilas do interior estavam investindo seus capitais na

aquisição de propriedades rurais. É certo que, como se verificou na tabela 2.15, os investimentos

em bens rurais não eram maiores em quantidade numérica, mas em termos valorativos se

apresentam de forma superior aos bens urbanos.

 No mesmo ano houve outra venda de cacaual na vila de Óbidos, José de Matos comprou

do negociante inglês, o capitão João Hislop, o “cacaual denominado Chaves sito no Paranamiri

de baixo abaixo de João Pereira Pinheiro” com as “terras que lhe pertencer”. A venda do cacaual

sairia pela quantia de 1:343$720 réis. Esse foi um dos maiores valores encontrados para as

vendas de cacaual nesse período. O pagamento ficava condicionado ao comprador entregar ao

vendedor “na cidade do Pará ou a sua ordem 500$000 réis na sua canoa  Nazareth”, como

quitação da entrada do contrato e o restante para ser pago dentro de um ano, mesmo nessas

relações formais de escrituras de venda, o sistema de troca ainda se fazia presente.277

 A aquisiçãoda canoa nesse negócio talvez esteja relacionada às atividades comerciais que João Hislop

desenvolvia na capitania, transportando cacau de Óbidos para a cidade de Belém. Em uma

275 Escritura de Venda. APEP, DN, LNTP. doc. 94v., Livro 1182, 1824.276 FRAGOSO, João Luís. Op. Cit ., p. 340.277 FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto - Mercado atlântico, sociedade agrária eelite mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790 - c. 1840. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 89.

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viagem registrada na vila de Gurupá, a canoa de Hislop transportou 780 arrobas de cacau,

 possivelmente fruto de suas plantações na vila de Óbidos.278  Ressalta-se ainda que, a vilas de

Óbidos e de Santarém eram as localidades que mais exportavam cacau para a cidade de Belém. 279 

As terras de produção quando adquiridas, mesmo quando ofereciam preços inferiores aoschãos vendidos na cidade de Belém, acabavam por se tornar também uma garantia para quitação

de dívidas ou para a aquisição de novos empréstimos, entregando-as como bem a ser hipotecado.

2.4- M ui to a seu contento, tanto em preço como em qual idade: as Escri turas de

Obr igação de Dívida na cidade de Belém

O caráter limitado de algumas observações realizadas deve ser indicado, tendo em vista

que muitas dessas relações não foram formalizadas e havia outras referências ao crédito, as quais

aparecem em situações posteriores ao ato das escrituras. Muitas cobranças foram realizadas por

meio de ações judiciais, como o juramento ou ação de alma, e a ação de assinação de dez dias.

Em ambas as situações, o credor é levado a acionar outras formar legais para conseguir uma

confirmação do pagamento e garantia da sua quitação ou mesmo reaver a quantia emprestada.

Essas relações de crédito remetem a pesquisa para alguns questionamentos: os padrões deinvestimento da sociedade, que não estão limitados apenas ao mercado. Essas questões foram

anotadas nas vendas de propriedades urbanos e rurais, mas como se comportavam os

investimentos no mercado de crédito? Nesse item, discutir-se-ão essas relações de endividamento

 presentes na cidade de Belém e em outras vilas da capitania do Pará.

Havia escrituras em que a ocupação do credor e do devedor não constava como de

reconhecimento do tabelião, entretanto algumas lacunas foram preenchidas com referência a

outras escrituras lançadas nos livros. Em função disso, a apresentação dos credores e os valores

negociados não podem ser tomados como uma referência exata de sua atuação no mercado de

crédito. A categoria “bens comerciais” pode conter negociantes, militares, viúvas, comerciantes

dos sertões e demais sujeitos, que pela falta de identificação na fonte não foi possível agrupá-los

278 APEP, Secretaria de Governo da Capitania do Grão-Pará e Rio Negro (SGCGPRN), Códice659, Correspondênciade Diversos com o Governo (CDG) (1812-1819).279 Essa análise foi desenvolvida no capítulo 3 deste trabalho.

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em uma categoria específica. O mesmo vale para a residência dos sujeitos: apesar da maioria dos

credores residir em Belém, havia escrituras de credores moradores das vilas do interior, que

faziam transações comerciais com os negociantes da capital. O que reforça a ideia de que Belém

era o eixo desse vetor de investimentos e de negociações mercantis da capitania do Pará,atrelando a produção das vilas ao centro comercial da cidade.

Como anotado no início desse capítulo, as dívidas descritas nos testamentos muitas vezes

não foram formalizadas em escrituras de obrigação de dívida, pois geralmente eram acordadas

 pela palavra e “um aperto de mão”. Essa informalidade das relações de crédito resultou na

ausência de registros sobre o crédito em muitas regiões.280 Em documentos como os testamentos

e inventários, pode-se encontrar as declarações de débitos e de créditos, as quais apresentavam

que além das relações de empréstimos em “moeda corrente, letras” ou em “fazendas”, havia

também as descrições de escambo, em que os valores em moeda se misturavam com as

indicações de troca e pagamentos com objetos ou mesmo com animais. 281 A coexistência dessas

duas formas de atribuir valores às mercadorias acompanham as relações comerciais da capitania

desde a sua ocupação, quando foi necessário encontrar equivalentes para mediar o uso da moeda

natural com o uso da moeda metálica. Segundo Alam José da Silva, a introdução e a circulação

de moeda metálica na capitania foram permeadas de debates e de resistências por parte dos

mercadores e moradores. A resistência ocorria muito em função da diversidade de gêneros

utilizados como equivalentes (os quais variavam para cada região), como pelos critérios

utilizados para aceitação da “moeda natural” ou “dinheiro da terra” que acabavam por causar a

desvalorização dos produtos e perdas na aquisição dos mesmos. 282  O uso da “moeda natural”

acompanhou não somente as atividades relacionadas à compra e venda de mercadorias (fazendas,

alimentos e mão de obra) como também a quitação de serviços prestados ou fretes de

mercadorias.

Em certa ocasião, Joaquim José se dirigiu à loja de Silvestre Antonio Antunes, mercador

em Belém, com o objeto de realizar um grande negócio. O mercador aviou a Joaquim José

280  PFISTER, Ulrich. “Le petit crédit rural em Suisse aux XVIe-XVIIIe siècles”. In:  Annales: Histoire, SciencesSociales. 49e année, n. 6. 1994, pp. 1339-1357. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ahess_0395-2649_1994_num_49_6_279332281 No inventário de Fidelis Carvalho dos Passos Almeida Salazar foi feita a relação das dívidas e entre elas afirmavaser credor do tenente José Correa de Faria, o qual lhe devia “duas vacas que também me deve de duas armas deespoletas que lhe vendi”. CMA. ATJP. CFL. Ofício de Notas, 11º. Vara-cível, 1843.282  SILVA, Alam José da.  Do “dinheiro da terras” ao “bom dinheiro”: moeda natural e moeda metálica naAmazônia colonial (1700-1750). Belém: UFPA/História Social da Amazônia, 2006 (Dissertação de mestrado).

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diversas fazendas de sua loja para equipar a canoa deste e poder seguir para o “Sertão deste

estado a negociar”. As fazendas seriam utilizadas para a negociação usual nos sertões:

mercadorias manufaturadas por produtos e drogas do sertão.  As fazendas foram tomadas por

empréstimo e seriam pagas tão logo regressasse dos sertões para onde Joaquim José passou a seaventurar.283 Como notado no capítulo anterior, era para os sertões do Estado do Grão-Pará que

os comerciantes se lançavam em busca das diversas produções que tinham mercado certo e

garantido nos portos da cidade de Belém.

Em 1795, decorridos alguns anos desde o primeiro empréstimo das fazendas, a empresa

 pelo sertão não lhe rendeu o lucro esperado e o resultado foi encontrar mais uma vez com o

mercador de Belém. Porém, dessa vez, Joaquim José se apresentaria para celebrar uma Escritura

de Obrigação de Dívida, no valor de 344$115 réis, referente às fazendas que Silvestre Antonio

Antunes aviou ao devedor, o qual as recebeu “muito a seu contento tanto em preço como em

qualidade”. A paga da dívida contraída ficaria em aberto por mais sete meses, quando Joaquim

José deveria quitá-la.284 

A descrição acima apresenta o motivo que levou Joaquim José a fazer um empréstimo.

Ele, como outros indivíduos que fizeram escrituras de obrigação de dívida, vislumbrava o

comércio no sertão como um grande negócio a ser empreendido, porém essa escritura indica que

nem todas as pessoas que se lançavam nesse comércio alcançavam o objetivo desejado e, depois,

conseguiam afiançar as suas dívidas no tempo estipulado. Geralmente, as dívidas eram feitas com

intuito de comprar alguma coisa, ou iniciar um negócio. Nas declarações de dívidas que foram

seguidas de “justificativas” para adquirir a quantia ou objeto, foi possível perceber como a

questão mercantil estava presente nessas relações. As justificativas permitiram tornar conhecido

com que objetivo ou qual a finalidade do empréstimo. Nos testamentos havia a declaração de

empréstimos realizados para a aquisição de escravos, aberturas de sociedades,285 pagamentos de

dízimos ou compras de propriedades, mas nas escrituras também constavam o objetivo de

abastecer lojas e botequins, armar canoas para o comércio no sertão.

283 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. doc. 958, Livro 1181, 1975.284 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. doc. 958, Livro 1181, 1795.285 As dívidas declaradas nos testamentos apresentam a relação de empréstimos entre grandes negociantes da cidadede Belém, mas também o empréstimo entre familiares. Tanto no caso de Maria da Purificação, como no caso deFrancisco Lopes Maia (negociantes) que emprestaram dinheiros aos seus filhos, esse valor foi declarado nas dívidas

 para serem quitados em seus respectivos quinhões. Nesse último caso, Luis Lopes Maia pagaria a quantia de400$000 com o abatimento que seria feito de seu quinhão. CMA. ATJP. CFL. Ofício de Notas, 11º. Vara-cível,(1819; 1833).

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Segundo Sampaio, o mercado de crédito era fomentado pelo “caráter agrário da economia

colonial”, o que gerava um “descompasso entre o ciclo agrícola, anual , e as necessidades quase

diárias de insumos e alimentos para as unidades produtivas”.286 Para o autor, o equilíbrio para

essa situação era amenizado pelas compras a crédito que se realizavam entre os comerciantes e produtores. Entretanto, para a cidade de Belém esse desequilíbrio pouco foi abordado, tendo em

vista que as pequenas roças espalhadas pelas áreas cultiváveis abasteciam a cidade com as suas

 produções (farinha, peixe seco ou fresco). Geralmente, as referências às dívidas que foram

adquiridas perpassavam pela aquisição de produtos (fazendas e demais artigos) para serem

negociados na própria cidade ou nas vilas da capitania.

 Na tabela abaixo, pode ser observado como estavam distribuídas as escrituras públicas de

obrigação de dívida para o período deste estudo. Foram coletadas 81 escrituras, sendo esse

número os registros em que era possível anotar todas as informações atinentes ao que se pretendia

discutir. As escrituras de obrigação de dívida acompanham a mesma evolução que foi percebida

 para as escrituras de venda, em que o período de 1813 a 1820 representa a maior movimentação

mercantil, o que também se refletiu no mercado de crédito.

Tabela 2.16: Participação total e percentual das Obrigações de Dividas

por período (1793-1834)

Período Obrigação de dívida N.E. Valor

1793-1799%

8 4:361$641100% 19.2%

1800-1810%

10 14:458$743100 118.9%

1813-1820%

23 44:079$061100% 41.9%

1821-1824%

13 26:378$295100% 72.3%

1828-1834 27 33:767$876

Total 81 123:045$616 N.E: Número de Escrituras.Fonte: Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP (1793-1834).

Entre as 81 escrituras de obrigação de dívida tem-se 16 escrituras em que os devedores

são moradores das vilas do interior e fizeram empréstimo com negociantes da cidade de Belém.

286 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit., p. 188.

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Entre esse grupo, duas escrituras chamaram atenção nessa análise, ambas pelos valores que foram

registrados. O maior valor empenhado nesse tipo de transação foi de 5:779$983 réis, que o

negociante Fernando José da Silva creditou ao comerciante da vila de Cametá, Joaquim Ferreira

de Souza Flores. Não consta a finalidade do empréstimo, porém o devedor como garantia de pagamento apresentava todas as fazendas que existiam em sua loja, as dívidas que possuía por

receber, seus escravos (não especificou a quantidade) e a casa de morada em que residia na vila

de Cametá. A quitação da dívida deveria ocorrer no prazo de um ano, caso contrário o credor

faria o arresto dos bens hipotecados.287  Como já comentado, o empréstimo em espécie ou em

mercadorias para “sortir loja” era comum entre os devedores que tinham pequenos

estabelecimentos na cidade, mas geralmente esse tipo de justificativa era apresentado pelos

andarilhos dos sertões. O que é representativo dessa escritura é a inclusão de outras dívidas, em

que o devedor era credor, como bem hipotecado para afiançar o pagamento da quantia

emprestada.

A outra situação de obrigação de dívida foi a de menor valor registrado. Em 1795, João

Fernandes Ribeiro era negociante da Ilha Grande de Joanes (Ilha do Marajó) e assinou uma

escritura em que era devedor a Jose de Almeida Lobo, negociante de Lisboa. O valor da escritura

constava em 150$000 réis, pois a obrigação se referia a um ajuste de contas de uma Sociedade

que os dois desmancharam e que tinham feito uma escritura, a qual fora lançada pelo “tabelião

Antonio Soares Correa na cidade de Lisboa, onde ficava devendo ao dito credor a quantia de

150$000 réis”. O pagamento ficou para ser quitado em um ano, como garantia obrigava -se “a ela

(dívida) por todos os seus bens móveis, submoventes e de raiz presentes e futuros e que para

execução desta se obrigava a responder perante as justiças”. 288 

Os registros desses empréstimos compreendem um aspecto relevante presente no mercado

creditício: o fato de não concentrar essa atividade apenas aos negociantes da cidade de Belém,

mas estendê-lo também para os sujeitos que “andavam a negócio pelas vilas do Sertão”. O que

tornava a cadeia de endividamento uma relação muito ampla e estendida por toda a capitania doPará. A relação inversa, negociantes do interior da capitania emprestando dinheiro aos da capital,

dificilmente se encontrava. Mesmo nas escrituras de obrigação de dívida da vila de Óbidos os

287 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. doc. 302, Livro 1190, 1820.288 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. doc. 945, Livro 1181, 1795.

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registros de empréstimo se voltavam apenas para as transações locais, o mesmo se verificou para

as outras formas de registro de dívidas.

 Nas escrituras de obrigação há apenas dois credores declarados que moravam fora da

cidade de Belém, mas esse número pode ser maior, pois nos testamentos havia declarações dedívidas com credores que moravam nas vilas do interior. Em 1819, no testamento de Alberto da

Cruz Pires, alfaiate, foi declarado que ele devia “aos herdeiros de Manoel Duarte Gomes,

morador para as partes da Vigia a quantia de vinte e sete mil réis” e pedia para que a quantia

fosse quitada após a sua morte.289 Nas escrituras de obrigação, um dos credores que fizeram esse

registro era negociante da vila de Santarém e emprestou a quantia de 900$000 réis a Manuel da

Silva, que era morador da vila de Óbidos, mas que andava pelos sertões a negócio. O empréstimo

foi realizado para a “compra de um barco com todos os seus utensílios”, no valor de 800$000 réis

e a quantia de 100$000 foi gasta na aquisição “de diferentes gêneros que se havia comprado”.

Manoel da Silva se obrigava a pagar o empréstimo no prazo de 1 ano, quitando o valor em duas

 parcelas no espaço de seis meses cada uma, como hipoteca para o pagamento empenhou o barco

e as mercadorias que possuía.290 

Em todas as 81 escrituras registradas, apenas 46 eram com bens hipotecados, sendo que

apenas duas faziam referência à compra de embarcações e as colocavam como hipoteca. A

ausência de maiores transações envolvendo a hipoteca de embarcações podem ser significativas

nessa atividade, tendo em vista que esse bem era essencial para empreender o comércio nas vilas

do interior e arriscá-lo como paga de uma dívida inviabilizaria qualquer negócio que pudesse

entreter para essas áreas.

289 CMA. ATJP. CFL. Ofício de Notas, 11º. Vara-cível, 1819.290 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. doc. 291, Livro 1190, 1821.

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Tabela 2.17: Bens hipotecados nas Escrituras de Obrigação de Dívida

Tipo de Bem Número

Moradas de casas 30Lojas, fazendas e mercadorias 3

Propriedades completas291  3

Bens presentes e futuros292  2

Bem não declarado 3

Escravos 3Embarcação 2

Total 46Fonte: Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP (1793-1834).

Entre os outros bens hipotecados, as moradas de casas foram as que mais se utilizaramcomo garantia, incluindo nesse item os quartos de casas, as casas e os sobrados localizados na

cidade de Belém. Essa quantidade de bens reforça o caráter urbano dos empréstimos, mas

também é possível notar o empenho de residências urbanas em transações assinadas entre

devedores das vilas do interior, bem como asseguravam os seus próprios negócios e mercadorias

em hipoteca ao valor adquirido. Nesse caso, as propriedades urbanas também revelam o caráter

urbano da elite credora. Logo, para um credor que morasse em Belém era mais vantajoso adquirir

uma propriedade na cidade do que outra no interior. A apresentação de escravos na penhora do

crédito apareceu apenas em três escrituras, mas nos testamentos esse tipo de garantia para

quitação da dívida aparece com mais frequência. Sem entrar nos questionamentos sobre a

quantidade da mão de obra escrava na capitania do Pará, há de se ressaltar que na maioria dos

registros sobre o comércio nos sertões o tipo de trabalhador empregado nessas atividades era o

indígena. Com exceção à vila de Gurupá, para todas as outras vilas da capitania, os comerciantes

que se deslocavam até a cidade de Belém com as suas mercadorias contavam com a mão de obra

indígena para guiar e conduzir as suas embarcações. 293 

Dos três devedores que hipotecaram suas lojas e fazendas, o negociante Joaquim Ribeiro

da Silva Pacheco fez um empréstimo no qual hipotecava todos os seus bens, descritos da seguinte

forma: todas “as fazendas da loja de molhados e do dito armazém tanto os comprados como ao

291 As propriedades completas podiam ser descritas com ou sem escravos, com casas de vivenda e suas benfeitorias,utensílios e árvores frutíferas.292 Essa expressa era genérica, não se referindo a um tipo específico de bem que o devedor fosse possuidor.293 Essa análise será apresentada no capítulo 3.

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que se forem comprando para sortimento” da mesma. Em 1818, as fazendas foram compradas à

crédito na loja de Casemiro José Rodrigues, localizada “na Rua de Santo Antonio fazendo canto

 para a Travessa da Misericórdia”, também foi feita a compra de “molhados que existiam em seu

armazém na dita travessa”. O credor afirmava que todos os produtos adquiridos na sua loja forama “satisfação [do devedor] tanto em preço como em qualidade, importando a fazenda da dita loja

em 7:947$747 réis e molhados do dito armazém a 3:959$221 réis”, somando a quantia de

11:906$968 réis.294  Esse valor foi a maior quantia emprestada, a qual deveria ser quitada em

quatro parcelas semestrais, a contar da data de assinatura da escritura, por isso os bens

hipotecados eram os mais elevados também.

Tabela 2.18: Participação (%) de credores por título no acesso ao crédito (1793-1834)

Título de credorPeríodo

1793-1799 1800-1810 1813-1820 1821-1824 1828-1834Juiz dos Órfãos - 19.2 0.7 - 11.0

Militar 11.5 - 1.8 13.8 4.2 Negociante 68.5 71.8 81.2 72.8 53.2

Outros 20.0 8.9 16.3 13.4 31.6Fonte: Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. (1793-1834).

Foram poucas as referências de comerciantes que recorreram às instituições de crédito na

cidade, aparecendo apenas o Juízo dos Órfãos. No total das escrituras coletadas constam apenas

12 registros com esse tipo de transação realizada com as heranças dos órfãos, por isso que além

da indicação dos credores e devedores, havia a referência a quem eram os possuidores daquela

importância.295  Sendo que o período de 1800 a 1810 foi o mais representativo, contando com

19,2% dos empréstimos, voltando a aparecer de novo no último período dessa pesquisa, de 1828

a 1834, com 11%. Ao contrário do que os estudos voltados para o século XVII e início do XVIII

afirmam sobre essa instituição e a sua representatividade no mercado de crédito,296 para a Belém

294 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. doc. 80, Livro 1182, 1818.295 Entre as 12 escrituras, quatro empréstimos eram pertencentes aos órfãos do negociante Antonio Teixeira, que noano de 1803 emprestou a quantia de 2:777$973 réis aos negociantes de Belém. Escritura de Obrigação de Dívida.APEP, DN, LNTP. doc. 152, 17, 158, 148, Livro s/n, 1803. Segundo Sampaio, esses valores eram arrematados em

 praça pública, ficando dinheiro sob a administração desse juízo. O fundo pertencente à Santa Casa era proveniente deesmolas, doações que os testadores costumavam deixar para a realização de missas pela sua alma e de quem maisdispusesse. Em ambas as situações, o capital que ficaria fora do mercado era posto em circulação por meio dessasinstituições. SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit., p. 196.296 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit., p. 193.

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foram poucas as referências para esse tipo de crédito, o que pode significar o aumento da

 participação de credores privados nesse comércio.

As instituições de crédito pouco são referidas nessas transações, apesar de existirem

ordens religiosas na cidade de Belém possuidora de imóveis e que também poderiam atuar nesseoutro tipo de mercado.297 Como se abordou acima, sabe-se que a Santa Casa de Misericórdia era

 possuidora de vários imóveis na cidade de Belém e nas vilas, os quais ela disponibilizava ao

mercado rentista. É possível que atuasse também no mercado de crédito, entretanto não se

encontrou referências para sustentar essa ideia em todo o período pesquisado. 298 

A participação dos negociantes de Belém estava presente entre os principais credores para

todo o período pesquisado. Desde 1793 que a participação deles segue em direção ascendente,

entretanto o período de 1821 a 1834 esse percentual só tendeu a diminuir. Essa tendência é válida

 para as outras escrituras de venda e de obrigação de dívida. Além de nesse período se

concentrarem as principais revoltas populares da capitania, pode ser influenciado também pelos

 processos de sequestros dos bens de portugueses estabelecidos no Brasil, sendo os negociantes do

Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro os que mais reclamaram por reaverem os

297 Para o século XVIII, Ribeiro apresenta a participação dessas ordens religiosas no mercado de crédito na cidade deSalvador, em percentagens que oscilavam de 3,6% a 1,6% no total dos empréstimos. RIBEIRO, Alexandre Vieira.Op. Cit ., p. 135.298  Em 1790, vários negociantes de Belém recorreram ao governador da capitania com o objetivo de prover derecursos a Mesa da Santa Casa de Misericórdia.  No requerimento, para garantir a manutenção da “Confraria daMisericórdia”, solicitavam que o rei concedesse a exclusividade nos sepultamentos, “igual ao que concedeu para aBahia”. Segue outro documento com um “termo de acordo feito em Mesa geral sobre o  regulamento das esmolasanuais com que devem entrar as 3 classes de irmãos desta Santa Casa de Misericórdia.” (irmãos oficiais da mesa,irmãos nobres e irmãos oficiais) em 2 parcelas em julho e outra em janeiro, essa esmola compensaria as “esmola quecostumavam dar os irmãos quando eram admitidos a esta Santa Casa”. Assinaram esse requerimento váriosnegociantes da praça de Belém, entre eles Ambrosio Henriquez, Francisco Pedro Ardasse, Feliciano Jose Gonçalvese Pedro Rodrigues Henriques. AN, Negócios de Portugal (códice 99); Código do Fundo 59, Correspondência originaldos governadores do Pará com a Corte, cartas e anexos (1790), Pará, 20/07/1790. Dessa Confraria fazia parte oshomens de negócio de Belém, os quais estavam também presentes no mercado de venda de propriedades urbanas erurais. No estudo que realizou para a Bahia, Rae Flory discutiu a importância que a Santa Casa de Misericórdia tinhano mercado creditício e como forma de ascensão social, devendo essa instituição ser reconhecida pela sociedademercantil a ponto de ser utilizada como referência para implantação de uma confraria na cidade de Belém. Sampaiotambém observou que na praça fluminense a Santa Casa de Misericórdia também não tinha a mesmarepresentatividade que a da Bahia, embora tenha encontrado referências de empréstimos que compreendiam 3,37%dos valores negociados. Entretanto, o autor reforça que essa percentagem não demonstra a importância que essainstituição tinha, pois dela participavam homens de negócio, senhores de engenho, em função do seu “prestígio nasociedade colonial”. SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit ., p. 195; RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. Cit ., p.132; FLORY, Rae & SMITH, David Grant. “Bahia merchants and the planters in the seventeenth and earlyeighteenth centuries”. In: Hispanic American Historical Review, 58 (4). Duke University Press, 1978, pp. 571-594.

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seus bens.299 Situação que ainda carece de pesquisas para reafirmar essa hipótese, não só para os

negociantes que atuavam no mercado de crédito, como também para os demais tipos de credores.

Em outras situações, a apresentação de fiadores era uma forma segura de pagamento da

dívida. Entre as 81 escrituras de obrigação de dívida, apenas em 15 escrituras os devedoresapresentaram fiadores como garantia de pagamento. No entanto, os valores não são de quantias

elevadas, somente em quatro registros o empréstimo era superior a um conto de réis, e nesses

casos os negociantes reconhecidos da praça de Belém se apresentavam como garantia para a

quitação da dívida.

 Nas situações de créditos elevados para “sortir a loja” em mercadorias secas e molhadas,

ficava a inquietação de como esses valores seriam quitados ou que garantias o credor recebia de

que o crédito seria liquidado. Isso porque, como afirmou Baena, “todo o comércio do Sertão é

erradio”.300 Sendo assim, o empréstimo de mercadorias alcançando elevadas quantias haveria de

se apresentar muitas garantias de que a dívida seria liquidada. As escrituras apresentam o

encadeamento desse mercado de crédito, onde os comerciantes de outras praças comerciais

acabavam se subordinando aos negociantes estabelecidos em Belém. A acumulação desses

capitais podia ser originária tanto do comércio dos gêneros dos sertões e como de outros

 produtos.

Embora a documentação de que dispunha não garantisse essa afirmativa, Faria escreve

que as “relações pessoais e familiares influíam, e muito” como forma de gara ntia para pedir os

empréstimos, pelo interesse desses negociantes em ampliar a sua cadeia de relações e de

endividamento. O que se percebeu, com base nas procurações, é que os sujeitos que faziam

empréstimos tinham alguma relação com os credores, podendo ser sócios ou procuradores de

negociantes estabelecidos da praça de Belém.301  A relação de crédito apresentava “uma

conotação moral associada à honestidade individual, à presteza e à confiança”, 302  quesitos

fundamentais para participar desse tipo de prática. Somando-se ao abordado por Faria, Santos

acrescenta que a “honestidade” também era um fator que atribuía garantia ao mercado creditício.299 RIBEIRO, Gladys Sabina.300  BAENA, Antonio Ladislau Monteiro.  Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará. Pará: Typographia deSantos & Menor, 1839, p. 170.301 Essa situação foi encontrada, entre outros registros, na relação existente entre os negociantes Fernando José daSilva e Christovão Jorge da Costa Guimarães. Os dois possuem uma escritura de obrigação de dívida, onde osegundo deve 8:121$000 réis, como também uma procuração bastante em que o primeiro é procurador de ChristovãoJorge. Escritura de Obrigação de Dívida e Procuração Bastante e Geral. APEP, DN, LNTP, Livro 1190/1152, doc.506/500, 1821.302 SANTOS, Raphael Freitas. Op. Cit., p. 494.

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 Nesse sentido, fatores como relações pessoais e honestidade fizeram parte do mercado creditício

nas sociedades coloniais. Essa relação não impedia de solicitar garantias de quitação do

empréstimo, como a hipoteca de bens e indicação de juros, caso ocorressem atrasos, o que leva a

 pensar no grau de subordinação presente nesse mercado creditício.Sheila Faria encontrou três tipos de mercadores para a vila de Campos dos Goitacazes.

Ela caracteriza o primeiro tipo como fazendo parte do grupo dos “pequenos comerciantes” (sendo

a maioria), o segundo dos “negociantes de fazendas/usurários” e, por fim, os “usurários

exclusivos”, sendo esses os mais ricos, o que o diferenciava dos outros dois primeiros.303 Para a

capitania do Pará, o primeiro grupo pode ser o constituído pelos pequenos mercadores e donos de

lojas na cidade, mas também os mercadores que “andavam a negócio no Sertão”. Esses

andarilhos dos sertões gozavam de crédito certo entre os negociantes da cidade, como também

 possuíam bens na mesma, os quais dispunham muitas vezes como garantia de pagamento das

dívidas que contraíam.

O segundo tipo de mercador, os “negociantes de fazendas/usurários”, acredita-se que

esses conseguiam atender à demanda de empréstimos para as vilas do interior, vendendo

mercadorias para as carregações das canoas que seguiam para essas áreas. Nota-se que esses

negociantes faziam empréstimos frequentes aos que solicitavam mercadorias para negociar pelo

sertão ou ampliar a oferta de mercadorias em suas pequenas lojas localizadas na cidade.

Geralmente, quando esse tipo de situação ocorria, eles declaravam os empréstimos anteriores ao

assinar as escrituras de obrigações de dívida.304 

Com base nos registros das escrituras, havia um grupo de comerciantes que podem ser

considerados “usurários exclusivos”. Esses atuavam no comércio de longa distância e no mercado

de crédito para atender tanto os mercadores da cidade como os das vilas do interior. 305  Em

303 FARIA, Sheila de Castro. Op. Cit ., p. 178.304 Dentro dessa situação pode-se citar a obrigação de dívida de Paulo José Vicente Pereira, que negociava pelossertões e residia na vila de Santarém. Em 1794, ele aviou a crédito mercadorias do negociante de Belém, JoséMendes Leite, no valor de 2:643$540 réis, aos juros da lei (5%). Esse valor era referente às fazendas e aos gênerosdiversos pertencentes ao credor que ele havia comprado. Entretanto, dentro dessa quantia estava incluído um débitoanterior de 352$370 réis, “procedidos de [outras] 3 obrigações [de dívida] que ele [credor], Alferes José MendesLeite”, havia assinado com Paulo José Pereira. Nessa nova escritura somando débitos anteriores, o atraso do

 pagamento recorreria em juros de 5% “e para segurança das ditas quantias, [o valor] principal e de seus juros,obrigava ele devedor sua [pessoa] e bens presentes e futuros móveis, semoventes e de raiz”.  Escritura de Obrigaçãode Dívida. APEP, DN, LNTP. doc. 776, Livro 1181, 1794.305 Não se encontrou referência de dívidas (ativas ou passivas) entre os negociantes da cidade de Belém e as outrascapitanias ou com a praça de Lisboa. Nos testamentos havia declarações de testadores com determinadas quantias dedinheiro em mão de sócios ou negociantes em Lisboa. Na declaração que o testador José Antonio de Carvalho fez,

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Belém, essa elite de negociantes subordinava os demais comerciantes de Belém e sertões, seja na

venda de fazendas e produtos para comercializarem nas áreas afastadas, seja no mercado de

venda de escravos.306 Dois negociantes se destacaram nos registros dos credores pela quantidade

de empréstimo que fizeram. As cinco vezes em que Fernando José da Silva apareceu, no intervalode dois anos (1820 e 1821), as quantias movimentadas chegaram a um total de 25:689$215

réis.307 Outro negociante que apareceu três vezes como credor foi Vicente Antonio de Miranda, 308 

 porém os registros seguiam para os anos de 1819, 1824 e 1834, sendo o valor emprestado de

9:021$758 réis.309  Entretanto, esse valor creditado não excede ao valor que, em uma única

escritura, o negociante Casemiro José Rodrigues fez a Joaquim Ribeiro Pacheco, no valor de

11:906$968 réis, citado acima.

A concentração desses investimentos pode ser notada na tabela 2.19 abaixo, que pelo

 pouco número de escrituras, privilegiou-se por adotar a análise entre os 50% maiores (em valores

e em percentagem).310 O grau de concentração desses empréstimos é notado pela percentagem

dos valores apresentados, que para todo o período analisado é sempre superior a 80%, sendo que

 para o período de 1813, esse número vai para 92%. Em 1821, foi indicado como um período de

queda nos investimentos do mercado imobiliário, mas em relação ao crédito, a queda não foi

acentuada como nos outros quadros. As sete maiores escrituras de empréstimos apresentaram

86,2% dos valores transacionados, em que o negociante Fernando José da Silva, citado

ele informou ter “em Lisboa, na mão de Domingos Leite Craveiro 2:700$000 réis em moeda forte, na de FelicianoJosé Colares, 900$000 réis e na de João Bento de Oliveira (com quem tinha uma sociedade) 214$000 réis, todasessas quantias são moedas portuguesas de prata”. CMA. ATJP. CFL. Ofício de Notas, 11º. Vara -cível, 1840.306  Nesse comércio de escravos não se encontrou escrituras para esse tipo de venda. As referências para essecomércio estão em ofício e correspondências oficiais informando a importância da entrada de escravos africanos nos

 portos da cidade. Para Belém, dois negociantes se destacam nesse comércio, Ambrosio Henriques e Feliciano JoséGonçalves, os quais sempre encabeçavam representações para garantir o seu negócio para abastecer toda a capitaniado Pará e parte da capitania do Mato Grosso. Arquivo Nacional307 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. (1820-1821).308 Além do mercado de crédito, Vicente Antonio de Miranda possuía outras atividades econômicas. Ele era lavradore negociante na cidade de Belém e atuava no mercado imobiliário. Em 1795, ele vendeu um sobrado na rua daAtalaia para José Ferreira Ribeiro no valor de 2:800$000. Nesse mesmo ano, o Sr. Miranda efetuou uma compra de17 escravos do negociante de Lisboa, José Antonio Pereira, pagou em dinheiro o valor de 811$145 réis,comprometendo-se a pagar em 18 meses a quantia de 1:198$855 réis. Sendo que, no período de 1808 a 1834, eleassinou 13 escrituras de compra de imóveis entre rurais (sítios e terras de produção) todos no Rio Capim e de bensurbanos (casas e terrenos) nas ruas do Espírito Santo e na rua dos Cavaleiros, o valor movimentado nessa compra foide 5:017$000 réis. AN, Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com aCorte, cartas e anexos (1795). Pará, 05/03/1795; APEP, DN, LNTP, Escrituras Públicas (1808 a 1834).309 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. (1819, 1824 e 1834).310 Comumente, os estudos buscam a análise dos 10% maiores e dos 50% menores para entender como se apresentamessas transações, em que a concentração dos investimentos está no grupo dos 10% maiores. Cf.: SAMPAIO, AntonioCarlos Jucá de. Op. Cit .; PESAVENTO, Fábio. Op. Cit .; RIBEIRO, Alexandre Vieira. Op. Cit .

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anteriormente, confiou a Cristóvão Jorge Guimarães a quantia de 13:349$784 réis 311. Entre os

50% menores havia valores que variavam entre 50$000 a 900$000 réis. O que pode justificar a

 participação ainda elevada do mercado de crédito seriam as transações comerciais voltadas para

as vilas do interior, tendo em vista que os valores registrados nas escrituras se destinavam aosortimento de lojas e de canoas dos sertões.

Tabela 2.19: Concentração do valor total dos empréstimos nos 50%

maiores (1793-1834)

Período N.E. Venda %

1793-1799 4 3:840$557 88.1

1800-1810 5 12:234$316 84.6

1813-1820 12 40:571$407 92.01821-1824 7 22:738$295 86.2

1828-1834 14 28:629$645 84.8 N.E.: Número de Escrituras.Fonte: Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. (1793-1834).

A concentração desses investimentos pela elite mercantil também foi notada para outras

áreas no América portuguesa, pois os negociantes, ao aviarem as suas mercadorias a crédito,

conseguiam estimular a circulação e a troca dos produtos, bem como contornavam a falta de

moeda em algumas áreas. Isso fica mais evidente nos recibos de conta corrente assinados peloscomerciantes de Óbidos e da cidade de Belém, nos quais as fazendas ou a compra dos escravos e

demais artigos eram quitados com remessas de cacau, arroz, cravo, tartaruga, farinha e outros

gêneros. O problema maior nesse tipo de comércio eram os atrasos na quitação da dívida, em que

nem sempre a garantia de um bem hipotecado, um fiador ou parte do pagamento realizado,

cobririam toda a quantia empenhada, por isso a inclusão dos juros para ampliar a sua margem de

segurança.

O valor dos juros podia variar, notou-se nos testamentos que os juros cobrados para os

empréstimos eram menores que os da lei (geralmente 5%). Em 1845, um codicilo de Jacinto José

Monteiro reafirmava a dívida que ele tinha com o seu filho, Raimundo de Melo Monteiro, no

valor de 1:066$766 réis.312 Aos poucos, além dos testamentos apresentarem a preocupação com a

alma e de “ter uma boa morte”, eles passaram a assentar a existência de dívidas para serem

311 Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP, Livro 1190, doc. 506/510, 1821.312 CMA. ATJP. CFL. Ofício de Notas, 11º. Vara-cível, 1845.

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cobradas ou quitadas após a morte do testador. Sheila Faria analisa as mudanças que foram

acontecendo na redação dos testamentos em relação aos assuntos religiosos (expressos na

abertura do documento) e a inclusão das atividades comerciais que passaram a ser frequentes,

 principalmente em relação às dívidas em que o testador era devedor. As “atitudes coletivas”expressas nos testamentos mostram como as práticas mercantis dos negociantes passaram a ser

significativas também no momento de “encomendar a alma”. Segundo a autora, “o

reconhecimento da dívida tornava-se mais importante do que estabelecer o sufrágio pela alma”,313 

o que também caracterizava a subordinação que o devedor tinha diante do seu credor. 314 

 No início do XIX, essa prática passou a fazer parte dos registros de testamentos, e mesmo

as pessoas que não tinham atividades comerciais na praça de Belém ou nas outras vilas acabavam

declarando que não eram devedores de “nada a pessoa alguma nem pessoa alguma me deve”, ou

então “quando apareça alguma dívida mostrando crédito passado por meu punho podem

 pagar”.315  Essa ressalva sobre a apresentação de “crédito” assinado pelo próprio punho do

testador era uma forma de se resguardar contra possíveis “credores fictícios”, que por ventura

 podiam se manifestar diante dessas situações.316  Em 1813, João Nepomuceno de Carvalho se

 preveniu para que situações desse tipo não acontecessem após a sua morte. Em seu testamento,

declarou que “aparecendo alguma pessoa que procure alguma dívida que eu deva [contendo] esta

de algum dos meus livros, se pague isto logo sem esperar requerimento, ou diligência alguma

[ilegível] mais que o peditório do meu credor”.317 Ao contrário do que observou Santos para o

início do século XVIII, quando as pessoas deixavam sob a responsabilidade do credor e do

testamenteiro indicarem o valor da dívida que tinha por receber. 318 Embora o testamento de João

 Nepomuceno demonstre o início de uma mudança na forma de tratar o crédito, o qual devia ter

registrado (nome e valor) para ser quitado, ainda foi possível encontrar registros de testamentos

em que o valor ficava em aberto, pois o testador “não lembrava” a quantia que devia ou tinha por

receber.

Em determinadas situações, as dívidas declaradas nos testamentos, tanto nas que otestador era credor, como nas que ele era devedor havia indicações de pendências sobre a

313 FARIA, Sheila de Castro. Op. Cit ., p. 265.314 SANTOS, Raphael Freitas. Op. Cit., p. 496.315 CMA. ATJP. CFL. Ofício de Notas, 11º. Vara-cível, 1817. Testamento de Anselmo Espindola Rosa.316 FARIA, Sheila de Castro. Op. Cit ., p. 271.317 CMA. ATJP. CFL. Ofício de Notas, 11º. Vara-cível, 1813.318 SANTOS, Raphael Freitas. Op. Cit., p. 495.

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quitação das dívidas. Isso porque era comum os herdeiros suscitarem dificuldades para

afiançarem os valores devidos aos seus credores, fazendo com que a quitação da dívida se

arrastasse por longos anos.319 

Em casos de morte, diante essas pendências para o credor reaver a quantia emprestada,cabia aos herdeiros e testamenteiros fazer a quitação da dívida. Entretanto, na relação entre

 pessoas vivas, quando havia se esgotado todas as formas “amigáveis” de confirmar a dívida e

estipular um novo prazo para o seu pagamento, restava ao credor acionar judicialmente o devedor

 para ele assinar uma “ação de juramento de alma” ou uma “assinação de dez dias”.320 Recurso

estes muito presentes no mercado de crédito da sociedade colonial, que além de ações voltadas

 para o mercado creditício, tinham uma representatividade social na sociedade colonial em

análise.

2.4.1- Os processos de ação ou juramento de alma e de assinação de dez dias.

 Num contexto em que a circulação monetária não chegava a atender a demanda das

atividades comerciais, outras mercadorias passaram a ser usadas como substituição da moeda.

Segundo Baena, os soldos pagos aos soldados da capitania do Pará eram feitos em produtos. Ao

Pesqueiro Real de Joanes ficava a responsabilidade de entregar diariamente duas tainhas a cada

soldado, e os demais funcionários recebiam seus soldos em arrobas de cacau, cravo, açúcar,

319 FARIA, Sheila de Castro. Op. Cit ., p. 271.320 Além desses dois tipos de processos, os “autos de libelo” era um processo em que se fazia citar ao testamenteiroou administrador dos bens do falecido para fazê-lo pagar a dívida. Tal como nos processos de ação de dez dias ou de

 juramento de alma, o credor devia comprovar que a dívida existia e solicitar ao juiz da Provedoria dos Defuntos eAusentes da Cidade para fazer citar o responsável para a quitação da dívida. Em 1805, Bento Pereira Chaves eranegociante de “grosso trato com loja aberta de negociação em a qual costumava vender ao público por seus caixeiros,tanto com dinheiro a vista, como a credito”. Ele vendeu a crédito a Narcizo Antonio (negociante nos sertões) aquantia de 478$532 réis “procedido de várias fazendas (tecidos, linhas lenços e aguardente)” que seriam pagas emseu devido tempo. Entretanto, Narcizo Antonio “teve a infelicidade de falecer da vida presente na vila de Óbidos”,quando teve início o processo de Bento Pereira Chaves para requerer as fazendas dele e de outros dois negociantes(Luis Antonio Branco da Silva e o tenente-coronel, Francisco Jose de Faria) que também haviam vendido a créditoao falecido Narcizo. Por ser um negociante “sincero, de boas contas e verdadeiro em seus negócios e bem acreditadotanto nesta praça, como na cidade de Lisboa e nas mais em que tem correspondência” não haveria de iniciar um autode cobrança desses sem ser verdade. Pereira Chaves havia pagado a dívida dos outros dois negociantes e apresentavaas notas de crédito ao juiz para deliberar em seu favor a quitação da dívida. Torre do Tombo  – Feitos Findos – Juízode Índia e Mina-CX17-LETRAB-MC17; Autos Cíveis de Libelo remetidos da Provedoria dos Defuntos e Ausentesda Cidade do Pará em que é autor Bento Pereira Chaves, 1806. Não foi feito um item para discutir essa natureza defonte em função dos poucos registros encontrados.

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alqueires de farinha.321  Nas atividades comerciais, as trocas de mercadoria por mercadoria

também ocorriam para facilitar a circulação e aquisição de produtos, em outras situações se

combinavam o pagamento de algum objeto: parte em moeda corrente, parte em gêneros (cacau,

farinha, peixe seco, arroz). Em 1795, moradores do Pará aparecem em uma relação constando a“conta de venda de escravos”, entre a quantidade de escravos comprados e o sexo de cada um,

havia a forma de pagamento para quitação da venda. Roceiros, lavradores e negociantes

associavam parte do pagamento em moeda, em gêneros e em obrigação de dívida. Como o

negociante Manoel Joaquim Bentes, que adquiriu seis escravos pelo valor total de 614$263 réis.

Ele “pagou logo por conta em arroz e dinheiro a quantia de 225$737 réis e o resto se obrigou a

 pagar em um ano”.322 Outros negociantes e lavradores utilizaram a mesma forma de pagamento

 para adquirir os escravos provenientes da carregação de José Antonio Pereira, negociante de

Lisboa. Como também foi citado nos testamentos, as dívidas e os créditos eram combinados com

essa forma de pagamento: moeda, produto e obrigação de dívida, o que reforçava continuamente

a cadeia de endividamento na capitania do Pará.

Entretanto, outro recurso também utilizado como moeda nas trocas diárias era o uso da

“palavra, escrita ou falada”, como garantia de pagamento. Raphael Freitas Santos afirma que “a

confiança foi o principal pilar que sustentou uma estrutura tão frágil quanto as cadeias de dívidas

ativas e passivas”, visto que a não quitação de seus débitos, poderia inviabilizar suas transações

futuras com outros negociantes, bem como outros “transtornos judiciais”. 323 

A atividade mercantil palavrada entre dois negociantes se constituía em uma prática

comercial comum no período em estudo. Além da garantia de pagamento que as boas relações

asseveravam no momento de solicitar um crédito a alguém e a existência de fiadores nos registros

de obrigação de dívida, ainda assim havia situações em que o devedor faltava com o estipulado e

não quitava a sua dívida. Nessa situação, após passar pelos registros de confirmação de dívida

assinando uma escritura de obrigação, somente restava ao credor fazer citar o devedor para que a

sua alma fosse posta como garantia de penhora da sua dívida.Como foi indicado nos testamentos, os testadores tinham uma preocupação muito grande

com o destino de sua alma, e por isso, além das missas, velas, doações e esmolas que deixavam

321  BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Op. Cit ., p. 132; CRUZ, Ernesto.  História do Pará. Belém: Governo doEstado do Pará, 1973, p. 68.322 AN, Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte, cartas eanexos (1795). Pará, 06/06/1795.323 SANTOS, Raphael Freitas. Op. Cit. 

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 para após a sua morte, a quitação de seus débitos também era uma forma de garantia de uma “boa

morte”. Diante dessa situação, a forma mais forçosa de reaver uma quantia emprestada era a

“ação de juramento de alma”, aspecto do mercado creditício presente na capitania do Pará que se

discutirá a seguir.Antes de comentar sobre os autos de juramento de alma, cabe fazer uma diferenciação

entre a escritura de obrigação de dívida e a assinação de dez dias. A escritura de obrigação de

dívida o devedor reconhecia o seu débito, o motivo dele e hipotecava seus bens para garantir a

sua quitação. No juramento de alma e na assinação de dez dias324  o devedor se esquivava em

confirmar a existência da dívida e o juiz entrava nessa relação para forçar o devedor a se

comprometer em pagar a dívida num determinado prazo. Caso a assinação não garantisse o

 pagamento, o juramento de alma era o último trâmite para o credor recorrer e conseguir que o

devedor jurasse pela alma que a quitação da dívida seria feita. Santos ressalta que havia um fato

“curioso” no juramento de alma, pois “a falta de compromisso com a palavra de um devedor era

resolvida também por meio da palavra”.325 

Foram encontrados apenas 17 autos com o registro dos réus e os valores negociados.

Esses autos se constituíam em ações cíveis em que o credor fazia citar o devedor, depois de tentar

“amigavelmente” a confirmação e pagamento da dívida. Como exemplo de um processo desses

 pode-se citar a ação de Bento Vieira Coelho iniciada em 1812. Geralmente o credor enviava uma

 petição ao juiz alegando o motivo da citação, nela informava que o devedor faltou com o

 pagamento de determinada quantia e que pretendia “fazer citar para a primeira de VM a jurar em

sua alma se é devedor ou não da pedida quantia”. 326 A primeira audiência servia para apresentar o

teor do processo, para fazer constar publicamente o motivo da ação. Na abertura dos autos

contava, por exemplo, que o credor Bento Vieira Coelho, “como autor e por ele foi dito, pedido e

requerido ao dito juiz que para a presente audiência vinha citando o réu Elias José Coelho para

 jurar em sua alma se lhe é ou não devedor da quantia do que consta a petição porque foi citado

ele réu”. Essa citação era encaminhada ao devedor, que deveria comparecer em juízo ou enviar

324 Em seu dicionário, Raphael Bluteau, definiu “assinação de dez dias” como um “termo forense para pagar den trodeles, ou alegar a dúvida que tem” sobre a existência da mesma. Acredita-se que por isso, os credores acrescentavamaos autos, os recibos da dívida ou qual a origem das mesmas. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português &

 Latino.  Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. Acessado emhttp://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1%2C2%2C3%2C4/assina%C3%A7a%C3%B5 325 SANTOS, Raphael Freitas. Op. Cit., p. 495.326 APEP, Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos –  Autos de Ação d’Alma de Bento Vieira Coelho (1811-1812).

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quem o representasse327 para se pronunciar, caso não comparecesse, era julgado a revelia a pagar

o débito com o credor e as custas do processo.

Analisando outros autos de assinação de dez dias, foi visto que Elias José Coelho era réu

na citação que José Francisco de Castro movia para receber a quantia de 19$740 réis em “créditode fazendas” que lhe havia comprado. Apesar de não ter aparecido na audiência de 1810, o autor

entregou um “reconhecimento” da dívida assinado em 1808, quando a venda foi realizada. Nesse

documento, havia a garantia do devedor que ele entregaria “gêneros em cacau” na cidade de

Belém para quitar a sua dívida.328 A situação de Elias Coelho permite considerar dois aspectos

sobre o cotidiano desse comércio no sertão, primeiramente não há como confirmar que essa

dívida tenha sido quitada, pois o processo se encerra na citação e na condenação ao pagamento.

Entretanto, o réu buscou um novo fornecedor de fazendas para o seu negócio, o que pode ser um

indício de que a relação que tinha com José Francisco de Castro foi estremecida, a ponto de não

aviar mais fazendas a crédito, a confiança foi quebrada. O segundo aspecto é a forma como

enviou os pagamentos em cacau para a cidade de Belém, nos recibos 329 que o autor apresentou

havia o registro de duas remessas de cacau: uma de oito arrobas “na canoa de Manoel José

Viana” e outra de seis arrobas “no barco do Trindade”, tudo no valor de 14$160 réis. Acredita-se

que em função das distâncias entre as vilas e a cidade de Belém a confiança e a reciprocidade

fossem elos fundamentais nesse universo, pois em ambos os aspectos, a cofiança que se

despender em entregar uma mercadoria a crédito era uma garantia para essas relações.

Havia autos de juramento em que o autor/credor solicitava também o auto de assinação de

dez dias, o qual também se utilizava para pressionar anda mais o devedor para quitar o seu débito.

 No caso, esse auto de assinação de dez dias era outra forma de cobrança, na qual o devedor era

citado para que no prazo de dez dias confirmasse a existência da dívida e a sua quitação. O que se

 buscava nesse tipo de auto cível era fazer condenar o devedor a reconhecer e a pagar a dívida que

existia e se estendia sem uma definição de sua quitação. Diante disso, o auto de ação de assinação

de dez dias também começava com uma notificação do devedor. Na vila de Óbidos, o juiz citou

327 Nesses autos, é possível notar a importância que a procuração bastante e geral tinha dentro das práticas mercantis, pois entre as várias atribuições que o procurador recebia, o juramento de alma era uma delas.328 APEP, Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos  –  Cartas de Sentença (1810-1814), Ação de Assinação dedez dias em que é réu Elias José Coelho, 1811. 329 Nos autos de assinação de dez dias, os credores acrescentavam recibos escritos pelo próprio punho do devedor,nas situações em que o devedor não sabia ler e escrever, este recibo era redigido por alguém de sua confiança. Issoseria uma forma de confirmar uma dívida acordada com os que “andavam a negócio pelo Sertão”. A informalidadedessas relações passa a incluir práticas formais de acesso ao crédito.

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José da Silva Cunha, que se pronunciou em uma certidão de notificação.Nela afirmava ser

devedor ao senhor Bento Vieira Coelho e que pagaria a quantia de 43$480 réis, “procedidos de

fazendas que lhe comprei muito a meu contento por cuja satisfação obrigo a minha pessoa e bens

 presentes e futuros declaro que esta dívida foi contraída em maio de 1807 e por ser verdade lhe passei o presente por mim feito e assinado”.330 É possível que Bento Vieira Coelho atuasse como

mercador e usurário, pois este era o segundo auto em que ele era credor, os dois foram

encontrados para a vila de Óbidos. O que se notou ao analisar os autos de juramento de alma e de

assinação de dez dias abertos na vila de Óbidos é que essas dívidas cobradas pelos autores dos

autos são referentes a compra de fazendas para serem negociadas naquelas áreas. Nota-se

também que o crédito nas áreas dos sertões, apesar da impossibilidade de quantificar essa

documentação, está concentrado entre os grandes comerciantes da vila de Óbidos e que

geralmente têm algum tipo de relação comercial com os negociantes de Belém. Em abril de 1811,

João Manoel Lopes Guimarães, negociante de Belém, viajou para a vila de Óbidos para fazer

citar ao capitão, Bernardo Marinho de Vasconcelos, para jurar pela sua alma “se era ou não

devedor” da quantia de 56$960 réis. Esse processo foi um dos poucos que apresentaram a “conta

corrente” da dívida. Nela foi possível perceber que o capitão costumava viajar para Belém, onde

fazia compras a crédito com João Manoel, na extensa lista de produtos constava: 2 alqueires de

sal; 5 frascos de cana, bolachas, açúcar, cabeças de cachimbo, bispote, contas prestas, côvados de

diversos tecidos e linhas, anzóis, chapéus, unguento, remédios de botica (que vendeu para a filha

dele) etc. Essas compras foram registradas desde 1809, sendo que o valor total das compras

realizadas era de 61$220 réis, mas o capitão Bernardo havia entregado ao negociante em Belém

dez arrobas de cacau abatendo 8$500 réis de seu débito total. 331  Esse produtos seriam para

abastecer a loja que Bernardo de Vasconcelos possuía em Óbidos, que em troca pagava com

cacau ou outro produto daquela região, mas o que pode ser significativo desse auto é o registro

das atividades comerciais que esses sujeitos teceram. As transações comerciais entre eles eram

330 APEP, Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos  –  Cartas de Sentença (1811-1814), Ação de Assinação dedez dias em que é réu José da Silva Cunha, 1811. 331  APEP, Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos  –   Autos de Ação d’Alma de João Manoel LopesGuimarães (1811-1812). Havia outra ação de João Manoel contra Vicente Marinho de Vasconcelos, irmão deBernardo e também comerciante em Óbidos, no valor de 567$120. Pelas referências feitas nos autos, a relação deJoão Manoel se estendia aos outros comerciantes daquela vila, o que pode indicar que essa teia de endividamento seestendia para outras vilas daquela região.

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realizadas com certa frequência, mas passados três anos sem a sua quitação completa, foi

necessário usar outras regras para receber o que lhe era devido.332 

Todo o processo de juramento iniciava com a “palavra” do credor que o réu era devedor e

terminada com a “palavra” do devedor confirmando a sua dívida e o possível pagamento. 333 Háde se ressaltar que o não comparecimento do devedor implicava a confirmação da dívida, mas o

credor, por sua vez, também deveria proferir “de fé sob os Santos Evangelhos” que a ação e a

cobrança que movia também eram verdadeiras. Com isso, as normatizações religiosas sobre as

 práticas comerciais do período buscavam assegurar que as trocas e outras transações comerciais

seriam quitadas, independente de haver um recibo de compra ou não. A própria preocupação em

registrar as dívidas em testamento para garantir a quitação de suas pendências pode ser reflexo

disso.

Sendo que o mercado de crédito além das relações que se estabelecem na cidade de

Belém, tem os seus desdobramentos nas vilas do interior da capitania. Embora os valores

destacados nos processos de juramento de alma ou de ação de dez dias sejam de quantias, muitas

vezes, inferiores às encontradas para Belém, esse mercado de crédito impulsionava as trocas

mercantis existentes nas vilas dos sertões, articulando para além da capital essa teia de

endividamento. Descortinando as relações de dominação e de subordinação existente nas práticas

mercantis da capitania.

As escrituras de obrigação apresentam esse grau de endividamento de Belém e como os

negociantes dessa praça atuavam tanto na cidade como nas vilas do interior. A documentação

usada nessa discussão permitiu visualizar a complexidade desse mercado de crédito, em que as

escrituras apresentaram os sujeitos envolvidos nesse comércio em Belém e o controle que tinham

sob os demais comerciantes. Numa situação mais cotidiana, os autos de juramento de alma e de

assinação de dez dias respondem a alguns aspectos desse comércio nos sertões, onde a

subordinação se estende aos comerciantes que “andavam a negócio” pelas áreas mais afastadas

332 Em outra ação de juramento de alma entre negociantes de Óbidos, foi incluída uma conta corrente de produtoscomercializados desde 1806. Em 1812, Manuel Luis Esteves fez citar a Libório Ribeiro pela quitação total da dívidaque tinha no valor de 28$880. O negociante vendeu chapéus, frascos de vinho tinto, corda de viola, côvados detecidos, frascos de cana, uma montaria e outras coisas, tudo por 65$510 réis. Como parte do pagamento LibórioRibeiro realizou várias remessas de cacau e tartaruga no valor de 36$630 réis, restando a quantia de 28$880 que eracobrada pela ação. A existência da montaria entre os objetos da compra indica que Libório comprava as mercadoriasde Manoel Luiz e seguia para as áreas mais afastadas da vila para negociar esses produtos e trocar por cacau,tartaruga e outros produtos dos sertões. APEP, Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos  –  Autos de Açãod’Alma de Manuel Luis Esteves (1811-1812).333 SANTOS, Raphael Freitas. Op. Cit. 

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das vilas, onde o elo de equilíbrio entre essas relações desiguais eram a confiança e a

reciprocidade.

O comércio realizado nos sertões se articulava com os negociantes da cidade de Belém

 por meio das mercadorias que seguiam para serem comercializadas e os produtos que eramcoletados e enviados para as casas comerciais. A subordinação presente nessas relações era

mantida por meio de outras formas institucionais como as escrituras de contrato de sociedade

mercantil e da procuração geral e bastante. Essas questões serão abordadas no próximo capítulo.

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3- A Praça Mercantil de Belém: Negociantes e Circuitos

Mercantis. 

Entre o final do século XVIII e princípio do XIX, a praça mercantil de Belém articulava

diferentes circuitos comerciais, muitos deles foram formados em períodos de intercâmbio da

diversa produção extrativa e agrícola. Um dos projetos do Marquês de Pombal para o Estado do

Grão-Pará e Maranhão era transformar a cidade de Belém em um centro articulador do comércio

com o sertão do Pará e as capitanias de Mato Grosso e Goiás, no Estado do Brasil. A ocupação e

o comércio realizado no Grão-Pará contaram com essa articulação que a cidade de Belém

consolidou com outras praças por meio do incentivo das autoridades militares, mas a ação dos

diversos sujeitos que passaram a circular pelo interior, em muito concorreu para a efetivação das

trocas comerciais entretidas nas vilas dos sertões da capitania.

A denominação sertões não apresentava uma definição exata. O termo “sertão” aparece na

documentação para indicar as vilas distantes da cidade de Belém. Entretanto, as vilas de

Bragança, Vigia e Cametá não atendiam a essa classificação, dada a sua localização no litoral e

nas proximidades de Belém. Na documentação analisada, principalmente nas procurações, usa-se

o termo “sertão” para designar as vilas situadas em direção aos altos rios do Amazonas, taiscomo: as vilas de Santarém, Óbidos, Ourém, Oeiras, Gurupá, Alenquer e a própria capitania do

Rio Negro e seus termos.

Segundo Antonio de Moraes Silva, “sertão” é definido como “o interior, o coração das

terras, opõe-se ao marítimo, e costa; v. g. cidade do sertão; mercadores do sertão”.334  Luiz

Francisco A. de Miranda conseguiu construir uma caracterização espacial do “sertão” com base

na descrição dos viajantes e naturalistas que passaram pela América portuguesa no início do

século XIX. A descrição mais usual passa pela comparação com os “desertos bíblicos” (“deserto -

floresta”), que para o autor, os viajantes se remetiam ao ideário expresso na Idade Média

ocidental para articular condições limites entre o “mundo selvagem da floresta à sociedade

organizada”, apresentando uma imagem de espaço “monótono e caótico”, mas viável para o

estabelecimento da “prosperidade” dessas regiões. Por outro lado, Janaina Amado definiu o

334  MORAES SILVA, Antonio de.  Diccionario da Língua Portugueza  (1789). Disponível em:www.brasiliana.usp.br/dicionario. 

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“sertão” como uma região “fora do controle da Coroa portuguesa” ,335 e tal como a ideia definida

 por Morais Silva, uma área afastada do litoral.

Ao analisar a documentação do século XVII, Rafael Chambou leyron apresenta o “sertão”

como definição de um espaço localizado no “interior do território amazônico” e afastado dasáreas ocupadas pelos portugueses. O espaço também era considerado como lócus de descoberta e

de coleta de gêneros e para o apresamento de índios, para onde as expedições seguiam o curso

dos rios em busca dessas mercadorias. Da cidade de Belém saiam e voltavam as embarcações

com destino aos sertões, por ser considerado lugar ermo, várias medidas eram adotadas para se

estabelecer o controle sobre aquelas áreas.336 As fortalezas, tal como afirmado no capitulo 1 deste

estudo, além de serem pontos de proteção do interior dos domínios portugueses, eram também

utilizados como postos de fiscalização para os sujeitos que seguiam para os altos rios. A

fiscalização era destinada às embarcações, às pessoas e aos produtos que se direcionavam para a

capital, tanto as que passavam pela vila de Gurupá, como as que vinham de Cametá, consideradas

 por Eidorfe Moreira como “bocas de sertão”.337 

Os negociantes da capitania do Pará entretinham relações comerciais com as vilas

 próximas à cidade de Belém e das vilas situadas nos vales dos rios Guamá, Moju, Tocantins,

Capim e Acará. As relações comerciais com outros negociantes para o interior do Estado do

Grão-Pará abrangiam também a capitania do Rio Negro, que se configurava em uma das

 principais áreas abastecedoras dos gêneros que eram comercializados na cidade e depois

remetidos para os portos da Europa. O porto da cidade de Belém também funcionava como um

entreposto comercial interligando as capitanias de Mato Grosso e de Goiás aos portos da Europa,

como Lisboa e Londres, incluindo também os portos de Nantes e de Gibraltar.

O objetivo desse capítulo é discutir como se estruturou esse circuito mercantil em que

Belém se apresentava como o eixo de ligação entre as vilas do interior do Estado do Grão-Pará e

a capitania do Rio Negro. Assim como investigar a configuração de uma comunidade mercantil e

a sua articulação com outros sujeitos, os quais não restringiam suas práticas comerciaisestritamente à praça de Belém, mas estabeleciam redes de negociação com outras áreas

comerciais presentes nesse eixo de comercialização. Em seguida, se apresenta como estava

335 MIRANDA, Luiz Francisco Albuquerque de. “O deserto dos mestiços: o sertão e seus habitantes nos relatos deviagem do início do século XIX”. In: Revista de História, São Paulo, 28 (2): 2009, pp. 621-643.336  CHAMBOLEYRON, Rafael [et all]. “Pelos sertões “estão todas as utilidades”. Trocas e conflitos no sertãoamazônico (século XVII)”. In: Revista de História, 162 (1 semestre de 2010), pp. 13-49.337  Apud  CHAMBOLEYRON, Rafael [et all]. Op. Cit., p. 18.

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estruturado esse comércio, bem como as formas de controle impostas para quantificar seus

sujeitos, as embarcações e as mercadorias envolvidas nessa atividade. Por fim, atentar para

algumas das estratégias utilizadas pelos negociantes para diminuir as incertezas presentes nas

atividades comerciais realizadas nos sertões, principalmente o uso das procurações que possibilitavam não somente regular os sujeitos e as suas ações, como também desenhavam o

circuito mercantil que está se estruturando nesse contexto do final do XVIII e inícios do XIX.

3. 1- A praça de Belém e as relações com os negoci antes das vil as do inter ior :

Ainda no século XVIII, a cidade de Belém passou a ser o principal porto do Estado do

Grão-Pará e Maranhão, recebendo, diretamente, as embarcações que saíam da Europa com

destino à América portuguesa. Para o porto da cidade de Belém escoava a produção das vilas

situadas na região dos altos rios (Santarém, Óbidos, Gurupá e Barra do Rio Negro) e das vilas de

Cametá, de Bragança e da Ilha do Marajó. O porto de Belém também desempenhava o papel de

abastecer de produtos e de mercadorias as diversas embarcações que seguiam em direção a outros

 pontos do Pará, assim como para as capitanias do Rio Negro, do Maranhão, do Mato Grosso e de

Goiás.338 

O comércio realizado em canoas ou em embarcações maiores conectava essas regiões e

 permitia a circulação de pessoas e dos gêneros que eram negociados em diferentes áreas da

capitania do Pará e das capitanias vizinhas. A grande circulação de canoas e de pessoas para essas

áreas era controlada, não só pela necessidade de passaportes para se deslocar para os sertões,

como também por meio dos registros de deslocamentos das pessoas (relações descritivas sobre

essa circulação), nos quais constava o “número individual das tripulações das canoas de

comércio, e do tempo da sua partida das povoações”.339 

As pequenas e grandes embarcações navegavam, efetivamente, segundo as suasdimensões e a sua tonelagem, por todas as baías, rios e lagos da capitania/província do Pará. Em

1861, o presidente da província, Araújo Brusque, reforçava essa continuidade das práticas de

338 SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Vol. 3. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981, p. 32.339 Isso foi uma das instruções iniciais que o governador Dom Francisco de Souza Coutinho fez quando assumiu aadministração do Estado do Grão-Pará, em 1790. BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das eras da

 Província do Pará. Pará: UFPA, 1969, p. 223.

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navegação ao afirmar que as canoas de comércio que saem do porto de Belém tendiam a circular

 por todos os pontos da província indo “desde o Cabo do Norte até o Gurupi, visitando todas as

 povoações da costa e do interior”.340 Entretanto, havia uma padronização nesse circuito fluvial,

no qual as embarcações de grande porte utilizadas para o comércio com Belém tendiam a fazer odeslocamento para localidades mais distantes, enquanto as pequenas, além do transporte de

mercadorias em menor quantidade, atuavam também no transporte de pessoas e de informações

(correio) que, em função de seu tamanho, tendiam a se deslocar em menos tempo e risco para a

tripulação.

Havia uma grande variação nos tamanhos das embarcações que circulavam por essas

áreas, as embarcações se diferenciavam entre as que faziam apenas o transporte de pessoas, com

frequência eram as “menores do porte de 400 a 500 arrobas”. 341 Geralmente, as canoas destinadas

ao comércio pelos sertões do Estado do Grão-Pará eram grandes e faziam o transporte de

mercadorias e de pessoas também. Essas embarcações de comércio chegavam a carregar uma

grande quantidade de mercadorias,342 suportando cargas que podiam ser de menos de mil até mais

de 3 mil arrobas “e o número dos seus remeiros ordinariamen te costumava ser de cinco índios nas

de menos de mil arrobas, de sete índios nas de mil até duas mil arrobas, e de nove índios nas de

mais de duas mil arrobas”.343 

Costumeiramente, o comércio realizado para as outras vilas do interior se utilizava dessas

diferenciações entre o tamanho das canoas e a quantidade da tripulação. Exemplo disso foi

apresentado no passaporte do negociante de Belém, Pedro Rodrigues Henriques. Em 1811, o

negociante solicitou permissão para realizar a condução de gado (provavelmente da Ilha do

340 Pará (Província). Presidente (Araújo Brusque) Relatório dirigido pelo Exc. Sr. Dr. Francisco Carlos de AraújoBrusque Presidente da Província à Assembleia Legislativa da Província do Pará na 2 a. Sessão da XII Legislatura, em17 de agosto de 1861. Pará: Typ. Do Diário do Grão-Pará, 1861, p. 13.341 “Informação sobre o modo por que se efetua presentemente a navegação do Pará para o Mato Grosso, e o que se

 pode estabelecer para maior vantagem do comércio e do Estado. (copiado de um manuscrito oferecido ao Instituto pelo secretário perpétuo o cônego Januario da Cunha Barbosa)”. In:  Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo II, 1840, p. 294.342 Sobre o montante desse comércio que era transportado pelas embarcações da capitania/província do Pará, ver:SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS. Op. Cit., p. 62; TAVARES BASTOS, Aureliano C. O vale do Amazonas: alivre navegação do Amazonas, estatísticas, produção, comércio, questões fiscais do vale do Amazonas. 3ª. Ed. SãoPaulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1975, p. 120. LOPES, Siméia de Nazaré. “O ‘reflorescimento’ da economia pós-Cabanagem”. In: COELHO, Mauro; GOMES, Flávio dos Santos; ACEVEDO MARIN, Rosa E. (orgs.).  Meandrosda História: trabalho, e poder no Pará e Maranhão, séculos XVIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005.343  BAENA, Antonio Ladislau Monteiro.  Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará. Pará: Typographia deSantos & Menor, 1839, p., p. 211.

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Marajó para Belém), em sua “canoa de gado”, seguindo com 6 índios remeiros e 1 piloto. 344 Com

 base na caracterização de Baena sobre o porte das canoas e a sua equipagem, o negociante Pedro

Henriques possuía uma embarcação que podia variar entre mil a 2 mil arrobas, sendo as canoas

desse porte as mais utilizadas nesse comércio para as proximidades de Belém. Nos comércios de longa distância, o usual eram canoas de maior tonelagem, tendo em

vista que essas viagens somente se tornavam rentáveis diante de uma grande quantidade de

mercadorias. O que compensaria o investimento prévio de armar uma canoa para seguir viagens

tão longas como as que eram realizadas da vila de Santarém ou da capitania do Rio Negro para o

 porto de Belém. As canoas que faziam o circuito entre o Rio Negro e Belém eram as maiores,

tendo em vista que a quantidade de remeiros utilizados nessas embarcações variava entre 9 a 26

índios.345  Isso também pode ser significativo para afirmar que os negociantes que se detinham

nesse circuito mercantil deveriam ser detentores de grandes cabedais e de uma ampla rede de

comerciantes pelo interior que lhes davam suporte nessas viagens. A realização de longas viagens

com uma grande quantidade de remeiros requeria um grande investimento que deveria ser

compensado pela venda dos produtos que transportavam. Nos sertões, esse negociante deveria

também garantir a aquisição de gêneros para serem negociados no porto de Belém. Em estudo

sobre a região, Heather Roller afirmou que para os negociantes envolvidos nesse tipo de

comércio deviam estabelecer uma rede de relações bem articulada com os comerciantes dos

sertões, assim como com as povoações indígenas que habitavam essas áreas tanto do lado

 português como do lado espanhol,346 pois essa rede garantiria produtos e efeitos dos sertões para

abastecer as canoas com destino ao porto de Belém.

As mercadorias que circulavam entre o interior da capitania e a cidade de Belém eram

registradas na Coletoria de Impostos, localizada na vila de Gurupá, por ser essa vila uma

 passagem obrigatória para todas as embarcações que seguiam do sertão em direção ao porto da

cidade de Belém. O estabelecimento de uma coletoria nessa vila foi a forma encontrada para

controlar esse comércio e quantificar o montante do que era comercializado para Belém. Nessacoletoria era realizada a descrição completa das canoas de comércio que circulavam nos sertões.

 Na “guia do bote”, como os fiscais denominavam o documento, costumavam lançar o nome do

344 APEP, Secretaria de Governo da Capitania do Grão-Pará e Rio Negro (SGCGPRN), Códice 297, Termos deAssinatura de todos os comboieiros e comerciantes das Minas (1775-1824).345 APEP, SGCGPRN, Códice 659, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1812-1816).346  ROLLER, Heather Flynn. “Colonial collecting expeditions and the pursuit of opportunities in the AmazonianSertão”, c. 1750-1800”. The Americas, 66:4, 2010, pp. 435-467.

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 proprietário da embarcação, de onde havia saído a carga e a quantidade que transportavam, o

nome do piloto e do cabo da embarcação,347  a quantidade de escravos e índios remeiros, e se

também fazia o transporte de pessoas.348  Esse registro fazia o controle das embarcações que

circulavam em toda a região oeste da capitania do Pará e das vilas da capitania do Rio Negro. Emofício de 1761, o desembargador do Pará informava os procedimentos que passou a adotar

naquela coletoria. Além das diligências para verificar o serviço e atuação dos cabos que

trabalhavam nos negócios das canoas, o desembargador reforçava o controle que devia ser

adotado nesse comércio. Os cabos deviam fazer o registro das mercadorias que os moradores

enviavam por encomendas nessas canoas para serem entregues na cidade de Belém. 349 

Desde o Diretório, o piloto ou cabo das canoas tinham um tratamento diferenciado, seja

 por sua condição (geralmente eram brancos ou mamelucos), seja por receberem nomeação para

desempenhar tal função. Heather Roller afirma que os cabos das canoas que seguiam para o

sertão recebiam a nomeação dos conselhos municipais e dos Principais, em alguns casos podiam

ser nomeados pelo próprio governador da capitania. Tal atenção se devia pelos cuidados que o

cabo devia ter com os índios sob a sua responsabilidade, mas principalmente pela atenção que

devia ter com as drogas  coletadas. Em função disso, não faltaram registros de diligências para

apurar os serviços dos cabos das canoas que seguiam para o sertão. Para a autora, o

comportamento do cabo era ponto de avaliação nas instruções da legislação do Diretório,

 principalmente quando se faziam denúncias de maus tratos na tripulação e nos desvios das

mercadorias, que muitas vezes eram vendidas para negociantes locais. 350 

Segundo Almir Diniz, os índios cristãos que fossem detentores de um ofício lhes garantia

maior distinção em relação aos demais de sua aldeia, os pilotos e os guias das embarcações

gozavam de maior prestígio, principalmente os “práticos” que se tornavam essenciais nas viagens

de longo curso.351  Em outras situações, o cabo ou piloto da canoa era também o caixeiro do

negociante estabelecido em alguma praça. Como exemplo dessa relação, está o registro da canoa

347 Os índios que trabalhavam como pilotos das canoas de comércios gozavam de maior prestígio nas povoações.FERREIRA, Alexandre Rodrigues, Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso eCuiabá. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972, p. 92.348 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816); Códice 701 (1818-1819).349 AHU_ACL_CU_013, Cx. 51, d. 4689. Pará, 17/11/1761.350 ROLLER, Heather Flynn. Op. Cit., p. 441.351 CARVALHO JUNIOR, Almir Diniz de. Índios Cristãos: a conversão dos gentios da Amazônia portuguesa (1653-1769). Campinas, SP: [s.n.], 2005, p. 238.

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de João da Gama Bentes Lobo, negociante da vila de Óbidos, 352  que enviava uma canoa com

cacau, peixe e carne seca, tabaco e couro seco para Belém. A canoa seguia “a cargo de” José

Manuel Bentes, registrado como cabo daquela embarcação.353 

Além desses controles, havia também o cuidado com a tripulação das canoas, pois pessoaalguma poderia entrar ou sair das canoas, mesmo depois de iniciada a viagem, isso valia também

 para as mercadorias por elas transportadas.354 Uma continuidade desses cuidados é a proibição de

fazer paradas fora dos portos indicados. No caso, a canoa ao sair de sua vila só poderia fazer

 paragem no porto de Belém. Controle que se reafirmava nos códigos de postura para o

desenvolvimento do comércio até meados do século XIX, em que se delimitava os portos para se

fazer o desembarque das mercadorias e pessoas na orla da cidade de Belém. 355 

De acordo com os registros daquele posto fiscal, se percebe que o comércio fluvial

realizado nessa região era estruturado em direção às vilas ou à boca dos afluentes do rio

Amazonas. Ao chegarem à calha principal desse rio, as embarcações seguiam com destino à

cidade de Belém. Nesse caminho, obrigatoriamente deveriam parar e passar pela vila de Gurupá,

onde era feito o registro das mercadorias transportadas. Nota-se que, para além do comércio que

era feito pelo interior da capitania do Pará e do Rio Negro, as embarcações provenientes da

capitania de Mato Grosso que tomassem como rota de navegação tanto o rio Madeira como o

Tapajós também deveriam passar e fazer o seu registro nessa coletoria.

Como pode ser visualizado no mapa abaixo, as rotas comerciais acompanham o circuito

dos rios, onde as maiores vilas abastecedoras de produtos estão localizadas nas margens dos

 principais afluentes do rio Amazonas, a saber: Óbidos, Alenquer, Santarém, Monte Alegre,

Almeirim e Gurupá, esta última se constituindo na área de confluência para a entrada nos sertões,

 justificando o estabelecimento de um ponto fiscal para os gêneros que saíssem dessas áreas para a

352 O negociante João da Gama Bentes Lobo tinha registros de suas canoas com saídas tanto na vila de Óbidos comona de Santarém. Ele era procurador em Santarém do negociante Estanislau de Deus da Silva, da cidade de Belém.Escritura de Procuração Geral e Bastante. APEP, Documentação Notarial (DN), Livro de Notas do TabeliãoPerdigão (LNTP). doc. 197, Livro 1159, 1821. Na vila de Óbidos, João da Gama Bentes Lobo era dono de cacauais eoutras propriedades, para onde há escrituras de venda e procurações de moradores dessa vila para seremrepresentados nos sertões da capitania e na própria capital, para onde costumava viajar a negócio. APEP. DN,  Livrode Escrituras de Óbidos (1820-1823), doc. 3v, 1820. Entretanto, a sua atuação comercial e política era mesmo emÓbidos aonde chegou a atuar no cargo de coletor da vila, o qual foi arrematado para o período de 1847 a 1848.PARÁ (Província). Fala dirigida pelo Exm.o Sr. conselheiro Jerônimo Francisco Coelho, presidente da província doGrão-Pará á Assembleia Legislativa Provincial na abertura da segunda sessão ordinária da sexta legislatura no dia 1.ode outubro de 1849. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1849.353 APEP, SGCGPRN, Códice 701, CDG (1818-1819).354 AHU_ACL_CU_013, Cx. 51, d. 4689. Pará, 17/11/1761.355 LOPES, Siméia de Nazaré. Op. Cit. 

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cidade de Belém. Há de se ressaltar que as pequenas vilas localizadas fora desse circuito maior de

comercialização com a cidade de Belém eram integradas a partir de outros caminhos, navegados

 pelos pequenos produtores que transportavam a sua produção até essas vilas de maior porte.

Como foi discutido no capitulo 1, a utilização de pequenas embarcações para o transporte decarga e de pessoas nessa região servia para complementar a articulação e o intercambio entre as

demais vilas situadas distantes dos afluentes mais requisitados.

Em 1812, um dos negociantes que teve o seu barco vistoriado foi Antonio Rodrigues

Lisboa.356 Na descrição apresentada em um desses registros descritos acima, ele havia partido da

vila de Monte Alegre e regressava à cidade de Belém para onde transportava a seguinte relação

de gêneros: 5 paneiros de ervilha, 5 paneiros de feijão, 3 potes de manteiga, 13 potes de

mixeiras,357  564 arrobas de peixe seco, 1.755 arrobas de cacau e 23 arrobas de sebo. Além da

carga, a sua embarcação era composta pela seguinte equipagem: um cabo, um piloto, 11 índios

remeiros e 6 escravos (sendo 2 mulheres), transportando também 8 pessoas como passageiros, o

que sugere ser uma embarcação de grande porte para realizar esse comércio.358 

356  Desde 1794 que Antonio Rodrigues Lisboa costumava circular e fazer comércio pelos “Sertões do Estado”quando foi designado como procurador de Fernandes José, da cidade de Lisboa. Procuração Bastante e Geral, APEP,LNTP, 1181, d. 922 (1793-1795).357  Segundo a descrição de Alexandre Rodrigues Ferreira, a carne da tartaruga “é comida quando fresca, cozida,assada ou frita, em tudo se assemelha com a carne de vaca. Dela se fazem as importantíssimas provisões das carnessecas, de conservas em potes de manteiga da mesma, a que chamam mixeira, e de salmoura. Tudo isso de umconsumo notável por todo o Estado”. FERREIRA, Alexandre Rodrigues, Op. Cit., p. 27.358 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816).

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Mapa 3.1: Cidade de Belém e as principais vilas do oeste do Pará.

Fonte: SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS. Op. Cit . 

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O transporte de grandes quantidades de mercadorias para a cidade de Belém tinha duas

finalidades: ou as mercadorias já deveriam ter um negociante certo para a sua aquisição, ou então

seriam resultado da formação de sociedades entre negociantes que visavam seguir para os sertões

atrás dos gêneros da terra, tais como o cacau, o tabaco e a salsaparrilha, os principais produtos da balança comercial que eram exportados nesse período. Em 1814, Manoel Gomes Ribeiro saiu

com o seu barco da vila de Santarém com destino à cidade de Belém. O transporte de 1.100

arrobas de cacau e 24 arrobas de couro de boi era feito em uma embarcação com 1 índio piloto, 3

índios remeiros, 3 escravos e 1 preto forro. Possivelmente, a condução dessas mercadorias devia

envolver o negociante João Pedro Ardasse em Belém, visto que em novembro de 1813, este

negociante passou procuração para Manuel Gomes Ribeiro representá-lo na Vila de Santarém. 359 

Em contrapartida, na sua viagem de retorno à vila de Santarém, na canoa de Manuel Gomes

Ribeiro deveria transportar as mercadorias que João Pedro costumava importar de Lisboa, para

negociar pelo sertão.360 

Ao estreitar as suas relações comerciais para os sertões da capitania, os negociantes de

Belém garantiam sua participação nesse comércio, integrando diferentes espaços produtivos. Por

outro lado, para os negociantes dos sertões essas relações com Belém eram a garantia de que as

mercadorias arrecadadas seriam vendidas e o lucro seria certo. Isso permite indicar a existência

de uma escala entre os negociantes que agiam no interior e na cidade, e dessa relação o seu

desdobramento entre os negociantes de Belém e de Lisboa.

Esse circuito mercantil para os sertões da capitania tinha nas vilas de Santarém, Óbidos,

Monte Alegre e Rio Negro os principais destinos de comerciantes, visto que grande parte dos

359 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816). 360 O negociante João Pedro Ardasse era filho de Pedro Manuel Ardasse, também negociante na cidade de Belém.Ele possuía representantes nos sertões da capitania, na cidade do Rio de Janeiro e na cidade de Londres. Em 1816, onavio “Logo lho Direi” procedente de Lisboa aportou em Belém, dele João Pedro recebeu diversos carregamentos dealho, bacalhau, bolacha, cebola, peças de cera, manteiga, sal, pipas de vinho e diversos artigos como: espelhos,

 pentes de marfim, fitas, facas de sapateiro, meias de seda e chapéus de sol. No mesmo ano, do navio “Prazeres &Alegrias”, consignado pelo negociante João de Araújo Rozo, recebeu outras mercadorias como: queijos, caixotes de

 passas, barris de figos e amêndoas, cordas para cravo, legumes, vidros, pentes de tartaruga, feijão, fitas listradas,sapatos e arames. Nos anos de 1820 e 1821, João Pedro enviou para Lisboa vários carregamentos de mantimentos(arroz, café, cravo e tapioca); drogas (cacau, salsa, canela, castanha e anil); couros de boi e algodão. Arquivo

 Nacional (AN), Alfândega do Pará, Códice 1013, 1816. O carregamento era destinado para diversos negociantesdaquela cidade, entre eles João de Melo e Lobo, que tinha relações comerciais com o Pará, atuando como procuradorde diversos negociantes da praça de Belém em Lisboa. Escritura de Procuração Geral e Bastante. APEP, DN, LNTP.Além dessas atividades mercantis com Lisboa e os sertões da capitania, João Pedro Ardasse diversificava seusinvestimentos atuando no mercado de imóveis (comprando casas e embarcações) e no creditício também, ondevendia fazendas à crédito para negociantes da vila de Cametá. As relações comerciais com a vila de Cametá seestendiam para a capitania de Goiás, através do rio Tocantins. Escritura de Venda e de Obrigação de Dívida. APEP,DN, LNTP. Livro 1190, d. 1002, (1820); Livro 1119, d. 357, (1822); Livro 1189, d.606, (1816).

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 produtos comercializados era coletado e/ou produzido nessa região, o que fazia dessa região um

centro consolidado para o trato comercial. Na documentação da Coletoria dos Impostos de

Gurupá, há 346 registros de canoas que saíram dessas vilas para Belém, pertencentes a 205

negociantes de 18 vilas e da capitania do Rio Negro. Essa documentação era produzida com oobjetivo de lançar as mercadorias que tinham por destino a cidade de Belém, para evitar os

desvios no momento de pagar os impostos referentes a esses produtos no porto da cidade. Apesar

de haver reclamações das autoridades sobre o que era declarado e o que era de fato transportado

nas embarcações, os registros do posto fiscal permitem construir um panorama dos intercâmbios

realizados entre as vilas do interior da capitania e a sua vinculação ao mercado interno. Os

registros das embarcações e as origens dos produtos comercializados possibilitam atentar para a

 participação desses espaços e a sua integração na economia colonial desse período.361 

Infelizmente, não há como analisar o fluxo das mercadorias que seguiam da cidade de Belém

 para os sertões. Reafirmando que a preocupação das autoridades estava em quantificar a cobrança

dos impostos referentes aos gêneros dos sertões e não com a circulação desses produtos pelos rios

da região.

Ao sistematizar essa documentação, foi possível entender como estavam constituídos

esses espaços econômicos. Nesse sentido, a maior parte das canoas, num total de 111 (32,08%),

saiu da vila de Santarém, mas foi possível notar que alguns negociantes dessa vila também

registravam suas canoas como originárias de outras vilas próximas. O que pode significar a

articulação comercial desses negociantes no interior desse circuito do sertão do Pará. Como no

registro de Manuel dos Santos, que entre 1812 e 1816, realizou seis viagens para Belém, sempre

transportando cacau e mais algum produto (peixe, peixe seco, café e feijão). Em seu primeiro

registro ele aparece como morador da vila de Santarém, entretanto nas outras viagens que

realizou, consta que a origem de sua canoa era também de Alenquer e Monte Alegre. A mesma

situação foi identificada para os registros de Domingos José Vieira, entre 1812 a 1818, ele

realizou as seis viagens saindo de Alenquer, de Santarém e do Rio Negro de onde fazia o

361 Para algumas análises desse corpo documental, utilizou-se como referência as observações realizadas por JorgeSilva Riquer, que elaborou um estudo sobre a integração dos mercados regional e urbanos para o México, em fins doséculo XVIII e início do XIX. SILVA RIQUER, Jorge.  Mercado regional y mercado urbano em Michoacán yValladolid (1778-1809). México: El Colegio de México, Centro de Estudos Históricos, 2008.

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carregamento de cacau, peixe e carne seca, couro seco, salsa e mixeira, sendo que a quantidade

de cacau era sempre superior aos demais produtos.362 

Ao contrário do tenente-coronel José Luís Coelho, que no mesmo período realizou nove

viagens, todas saindo da vila de Santarém.363 O transporte que fazia o tenente-coronel era maisdiversificado em produtos incluindo, além do cacau, gêneros como café, cravo, salsaparrilha,

manteiga, tabaco, guaraná, sebo, feijão, mixeiras, óleo de copaíba e couros de boi. Outro

negociante de Santarém com muitas viagens para Belém foi Joaquim José dos Reis, que passou

 por seis vezes no posto fiscal de Gurupá. As suas canoas eram guiadas por índios remeiro e

escravos que variavam entre 13 a 17 remadores, além do cabo e de alguns passageiros que

costumava levar. Em suas viagens, o carregamento de cacau não se constituía em seu principal

 produto, pois em algumas viagens não aparece o registro desse produto, mas levava cravo, salsa,

couros secos, óleos diversos, peixe seco, manteiga de tartaruga, algodão em rama, guaraná e

cacau.

Com base nesses nos exemplos acima destacados, foi possível perceber que o negociante

Manuel dos Santos e Domingos José Vieira, que diversificaram os seus espaços de atuação,

tenderam a eleger apenas um produto. A escolha se pautava nos produtos que mais lhe trariam

rentabilidade na negociação, no caso o cacau, pois os gastos em armar uma embarcação para o

comércio nessa região deviam ser compensados pelos ganhos advindos dos produtos que seriam

conduzidos. Somando-se a isso, a diversificação dos espaços de negociação permitiu identificar

as redes comerciais que esses sujeitos constroem para a aquisição dos produtos com maior

demanda nesse mercado. Enquanto os negociantes José Luís Coelho e Joaquim José dos Reis,

que concentravam as suas atuações apenas na vila de Santarém, conseguiam diversificar a

qualidade dos produtos que seriam comercializados.

Quando se atenta para a quantidade de produtos e efeitos transportados por esses

negociantes percebe-se uma inversão sobre a análise apresentada acima. Ao somar a carga

transportada por Manuel dos Santos têm-se os seguintes valores: 12.160 arrobas de cacau, 2.500arrobas de peixe seco, 12 alqueires de feijão e 58 arrobas de café. Domingos José Vieira

transportou: 6.167 arrobas de cacau, 3.003 arrobas de peixe e carne seca, 30 arrobas de salsa, 20

362 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816); Códice 701 (1818-1819).363 Ao somar as viagens de Antonio Luis Coelho com os seus irmãos, José Luis Coelho e João Luis Coelho, tem-se ototal de 17 registros, todos originários da vila de Santarém. As embarcações utilizadas variavam entre canoas,chalupas, cutres e barcos guiados por índios, escravos e mulatos. APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816);Códice 701 (1818-1819).

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arrobas de tabaco e 100 potes de manteiga. Aos negociantes que concentraram seu comércio em

 poucos produtos coletados em diferentes vilas, notou-se uma quantidade reduzida de mercadorias

transportadas em suas canoas.

Entretanto, para os que diversificaram os produtos concentrando a sua busca apenas emuma vila, a quantidade transportada foi bem mais elevada. Como pode ser observado nas somas

dos produtos das canoas de José Luis Coelho (11.281 arrobas de cacau; 49 arrobas de café; 238

unidades de couro seco; 113 arrobas de cravo; 16 potes de manteiga; 1.450 arrobas de peixe seco

e 85 potes de óleo de copaíba) e de Joaquim José do Reis (11 arrobas de algodão; 11.570 arrobas

de cacau; 1.354 arrobas de cravo; 13 arrobas de guaraná; 55 potes de manteiga; 964 arrobas de

 peixe seco; 195 arrobas de salsa e 11 potes de óleo de copaíba).

As viagens mais longas, como as que saiam de Santarém ou do Rio Negro requeriam um

investimento muito maior, tendo em vista que as embarcações deveriam trazer uma grande

quantidade de mercadorias e de índios remeiros para a sua condução até Belém. Nesse caso, foi

 possível perceber que entre os negociantes que faziam esse circuito mercantil havia os que já

 possuíam uma rota regular. Como o caso no negociante Zeferino José Xavier da vila de

Santarém, que entre os anos de 1813 a 1819 realizou seis viagens para a cidade de Belém, sempre

transportando cacau e mais outro produto.364 Entretanto, para esse mesmo espaço de tempo, há

registro de negociantes que fizeram apenas uma viagem, na qual o produto conduzido era sempre

o cacau e mais outro produto como cravo ou couro de boi. Esses produtos tinham saída certa nos

 portos de Belém para a Europa daí o seu interesse em comercializá-los.

Esse comportamento pode ser visto também nos comerciantes do Rio Negro. Em 86

registros de viagens realizadas para Belém, aparecem os nomes dos 57 proprietários de

embarcações, dos quais apenas seis fizeram viagens regulares para Belém. O tenente Antonio da

364 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816); Códice 701 (1818-1819). Morador da vila de Santarém, otenente Zeferino José Xavier era procurador de negociantes da praça de Belém, representando-os também na vila deÓbidos. Em 1820, Amandio Jose de Oliveira Pantoja lançou a escritura para fazê-lo seu procurador em Santarém.Em 1822, ele passou a ser procurador em Óbidos de João Bento David, que residia em Belém. Em 1830, foi a vez derepresentar os interesses comerciais de sua esposa, dona Maria do Rosário, nos “Sertões da Província”. Em 1834,Zeferino José, agora administrador da extinta Companhia de Comércio, passou procuração para a cidade de São Luís,onde João Gualberto da Costa passaria a representá-lo. Procuração Geral e Bastante. APEP, DN, LNTP. Livro 1152,d. 393, (1820); Livro 1171, d. 447, (1822); Livro 1183, d. 37 v., (1830); Livro 1194, d. 109 v., (1834). As atividadescomerciais de Zeferino José também se estendiam ao mercado de crédito. Em uma de suas viagens para Belém, eleaproveitou para assinar uma escritura de obrigação de dívida, em que era devedor Manoel da Silva, morador deÓbidos, mas que andava à negócios pelo sertão. O empréstimo foi no valor de 900$000 réis, dos quais 800$000 foi

 pela compra de um barco com todos os seus utensílios, denominado Santo, e 100$000 pelos diferentes “gêneros quese havia comprado” para sortir o barco.  Escritura de Obrigação de Dívida. APEP, DN, LNTP. Livro 1190, d. 291,(1821).

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Silva Craveiro365  realizou oito viagens, sendo que três delas todas no ano de 1816 e na viagem

que fez em 1814 levava sob o seu comando duas embarcações com 27 remeiros. O principal

 produto transportado nessas embarcações era a manteiga de tartaruga, café, farinha, peixe seco,

cacau, tabaco e toras de madeira.366  Como os outros produtos comercializados dessa vila paraBelém, nota-se que em sua maioria eles eram destinados ao abastecimento interno. Com esses

valores, considera-se que a participação mercantil dessas vilas as constituía em “centros

secundários” no envio de produtos para os diferentes locais de consumo da capitania. Utilizando -

se das observações de Silva Riquer, isso também indica a existência de “circuitos merca ntis

alternados”, os quais serviam para integrar os centros de consumo aos demais espaços de

comercialização. 367 No gráfico abaixo, estão presentes os valores em arrobas, alqueires e potes

dos produtos comercializados nas vilas de Óbidos, Santarém e Rio Negro, onde pode-se

visualizar a produção dessas três vilas e reafirmar que esse consumo se voltava para o

abastecimento interno. Visto que, esses produtos seriam redistribuídos para outras áreas da

capitania, além do serviria para abastecer os mercados da cidade.

365 Em 1817, há uma procuração para o Rio Negro, na qual o procurador é o capitão Antonio da Silva Craveiro. Em1821, outra procuração é encaminhada para a mesma capitania o nomeando como procurador. Esse negociante eramesmo estabelecido da região e a regularidade das viagens realizadas reforça a sua atuação nesse circuito entre o Rio

 Negro e Belém. Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, 1170, d. 56 (1817-1818); 1159, d. 83 (1821-1822). O prestígio de Antonio da Silva Craveiro no circuito mercantil entre o Rio Negro e Belém foi bastante favorecido pelasrelações sociais que ele tinha com o governador da capitania do Rio Negro, Manoel Joaquim Paço. Em ofício de1820, esse governador era acusado de controlar a utilização de mão de obra indígena naquela capitania, comotambém de controlar o comércio local juntamente com o seu sócio Antonio da Silva Craveiro, o que prejudicava oandamento e circulação de mercadorias provenientes dos demais comerciantes daquela região. APEP, SGCGPRN,Códice 693, CDG (1817-1820), Pará, 02/05/1820.366 APEP, SGCGPRN, Códice 659, 701, CDG (1812-1819).367 SILVA RIQUER, Jorge. Op. Cit., p. 162.

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Gráfico 3.1: Quantidades da produção voltada para o abastecimento

interno (1812-1819)

Fonte: APEP, SGCGPRN, Códice 659, 701 CDG (1812-1819).

A manteiga de tartaruga (em potes), o peixe seco e o peixe boi (em arrobas) alcançam

maiores valores para o Rio Negro. Isso também pode ser notado nas canoas que saíam dessa

capitania, que deviam passar e fazer registro no posto fiscal de Gurupá. Como afirmado, há o

registro de 86 canoas (24,86%) vindas do Rio Negro, transportando em sua maioria manteiga detartaruga, peixe, farinha, galinha, café, peixe boi, produtos que tinham como destino o

abastecimento do mercado interno. Além desses gêneros, havia referências sobre o carregamento

de tabaco, salsaparrilha, cravo e cacau (esse último em menor quantidade), todos voltados para a

exportação.

O mesmo pode ser afirmado para as outras vilas como Gurupá e Monte Alegre, em que

apresentaram 18 (5,20%) e 20 (5,78) registros de canoas, respectivamente. Embora nesses

registros haja uma grande quantidade de cacau sendo transportada dessas áreas para Belém, há

uma diversificação dos produtos que são remetidos tais como: peixe seco, feijão, paneiros de

ervilhas e farinha, manteiga de tartaruga e carne seca, gêneros mais voltados para o

abastecimento interno do que para a exportação.

Os registros que tinham como origem a vila de Óbidos totalizaram 54 canoas (15,61%),

 pertencentes a 34 negociantes, sendo que apenas 13 deles fizeram mais de duas viagens para

Belém, os 21 restantes conduziam em sua maioria uma média de 2.000 arrobas de cacau na única

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viagem que realizaram. Entre os demais produtos que foram conduzidos para Belém, a maior

referência é para o cacau, seguida pelo cravo e peixe seco. Como pode ser notado nas guias de

registro da canoa de João da Gama Lobo Bentes. Entre 1813 a 1818, ele realizou quatro viagens

saindo de Óbidos e Santarém com destino à Belém, nas quais ele transportou cacau, cravo, carneseca e couros secos. Os outros negociantes que saiam dessa localidade não variavam muito no

 produto que transportavam, sendo o cacau e o cravo os produtos mais usuais.368 

Há de se registrar que os negociantes que realizaram apenas uma viagem para Belém, nem

sempre são negociantes esporádicos.369 Entre esses 21 proprietários de embarcações da vila de

Óbidos, quatro deles aparecem em processos de Ação de Juramento de Alma e de Assinação de

dez dias, sendo que apenas um aparece com réu. Manuel Pereira de Souza, quando viajou para

Belém, levou em sua embarcação 4.350 arrobas de cacau e 110 arrobas de cravo. Em 1807,

Manuel Pereira assinou uma nota de crédito a Caetano Ignácio Ferreira da Paz no valor de

429$922 réis referentes às fazendas que lhe comprou.370 Uma parte do seu débito foi quitada em

 pequenos aportes de cacau, mas este processo apresenta indícios de como essa relação comercial

se estruturava no sertão. As mercadorias (em sua maioria tecidos e aviamentos) eram adquiridas

nas casas comerciais de Belém e das próprias vilas e depois comercializadas entre os pequenos

lavradores em troca desses produtos (cacau, cravo, carne seca).

368 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816); Códice 701 (1818-1819). Na vila de Óbidos havia grandes propriedades produtoras de cacau. Isso foi notado nos diversos registros de venda e arrendamentos de cacauaisnaquela região. APEP. DN, Livro de Escrituras de Óbidos (1820-1823). Segundo Barbara Sommer, nessa região dosertão da capitania do Pará, o rio Madeira destacava-se como uma grande área de coleta de cacau, bem como as

 plantações de cacau muito cultivadas na vila de Óbidos. SOMMER, Barbara Ann.  Negociated settlements: nativeamazonias na portuguese policy in Pará, Brazil, 1758-1798. Albuquerque, New Mexico: University of New Mexico,2000. (Tese de Doutorado), pp.120-131.369 A articulação das redes mercantis entre os comerciantes das vilas do interior com os negociantes de Belém é maisextensa que o simples fornecimento de produtos e trocas de mercadorias para serem comercializadas nos sertões.Entre os comerciantes de Óbidos registrados no posto fiscal, Antonio de Almeida Salazar pode ser apresentado comoexemplo dessa relação que se estende até os portos da cidade de Belém. Apesar de haver apenas um registro de sua

 passagem para Belém em 1812, anterior a essa data, Antonio de Almeida costumava enviar cacau e outros produtos pelas canoas de comerciantes que seguissem para Belém. Sabe-se que Antonio de Almeida Salazar era administradordo cacaual que Feliciano José Gonçalves, negociante de Belém, possuía na vila de Óbidos. Em 1809, depois damorte de desse negociante, o seu administrador continuou enviando remessas de cacau para quitar a dívida que aindaexistia junto à Companhia de Comércio. Em um desses aportes, Antonio de Almeida enviou “pela canoa de AntonioJosé Pinto Guimarães com carta datada de 12 de junho deste ano (1809), e recebida em 1º. de agosto deste mesmoano, cujas 200 arrobas de cacau foram vendidas a José Antonio Pereira Guimarães pelo preço corrente de 1.200 réis

 por arroba”. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), AHMF, CGPM, Livro 177 (Registro das Cobranças daCompanhia Geral), Pará, 29/08/1809. As arrobas de cacau provenientes dos sertões eram utilizadas para quitar asdívidas da Companhia e eram comercializadas em Belém entre os negociantes daquela praça, que depois asremeteriam para os portos de Lisboa.370 APEP, Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos –  Cartas de Sentença (1810-1814), Ação de Assinação dedez dias em que é réu Manuel Pereira de Souza, 1811. 

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Com base no que foi registrado na coletoria de Gurupá como carga transportada, foi

 possível elaborar a seguinte relação dos gêneros371  que eram transportados do interior para a

cidade de Belém, bem como visualizar a origem desses produtos. Notam-se nos quadros abaixo,

que alguns desses produtos são comuns às vilas da mesma região como: cacau, breu, couro,cravo, manteiga de tartaruga, mixeira, peixe seco e salsaparrilha. Outras vilas participam desse

comércio com produtos e efeitos mais específicos para a sua região. Inicialmente, apresenta-se a

 produção do cacau nas vilas de Santarém, Óbidos e Rio Negro. No gráfico abaixo, pode se

visualizar que a coleta do cacau estava mais concentrada nas vilas de Santarém e Óbidos, sendo

que a participação do Rio Negro nesse comércio é pouco expressiva.

Gráfico 3.2: Quantidade de cacau transportado para Belém (1812-1819).

Fonte: APEP, SGCGPRN, Códice 659 e 701 CDG (1812-1819).

Desde 1812, que a vila de Santarém apresenta os níveis mais elevados no registro do

transporte de cacau para Belém, totalizando 23.728 arrobas. A vila de Óbidos coletou o total de

15.295 arrobas de cacau, ao somar todo o cacau registrado em Gurupá, tem-se a parcela de

371 Essa descrição foi feita com base nos registros das canoas, na relação de cada embarcação há a quantidade do quefoi transportado.

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42.133 arrobas. Na balança comercial do ano de 1812, a exportação de cacau para Lisboa chegou

a soma de 89.050 arrobas. Em valores percentuais, só a vila de Santarém contribuiu para a

 balança com 26,65% de cacau e Óbidos com 17,18%. O percentual total de cacau da região oeste

do Pará foi de 47,31%,372 ficando as outras vilas da capitania com 52,68% desse comércio.A partir de 1815, a produção de cacau começou a apresentar queda, fazendo com o que o

ano de 1817 não houvesse o registro desse gênero. Os representantes da extinta Companhia de

Comércio em Lisboa enviaram uma carta ao administrador das contas da mesma no Pará, Manoel

de Freitas Dantas. Nessa correspondência, eles acatavam a justificativa que lhes fora apresentada

 para o adiamento da quitação de alguns débitos por parte dos negociantes de Belém. Visto que,

a pequena colheita de cacau que nessa província se experimentou em oano próximo pretérito (1817), nos diz Vmce  que deu motivo a que osdevedores da Companhia não cumprissem com os seus pagamentos, poisque a falta deste gênero como o da maior exportação, faz enfraquecer ogiro do seu comércio. Nós não duvidamos que isso assim seja, porémdeve Vmce também advertir que a esterilidade nem sempre se universalizaem todos os gêneros, porque se, por exemplo, acontece ser limitada acolheita do cacau, pode pelo contrário ser abundante a do café, algodão,arroz e outras produções desse País e que tem igualmente não pequenaexportação.373 

 Não foram encontrados os registros do posto fiscal para o ano de 1817, para indicar que

outros gêneros mantiveram estabilidade no quadro das exportações, pois o livro seguinte inicia

em 1818. Para os anos de 1818 e 1819, a produção volta a registrar uma quantidade maior de

cacau, se comparada aos anos anteriores.

 Nas vilas de Santarém e Óbidos os produtos comercializados eram quase os mesmos,

sendo que Santarém, sempre os exportava em quantidades superiores aos valores registrados pela

vila de Óbidos, á exceção era a comercialização do peixe seco que alcançava valores maiores que

os registrados para a vila de Santarém. A carne seca e os couros registrados em Santarém e

Óbidos refletem a grande quantidade de fazendas de gado naquelas vilas. Nas justificativas desolicitação de cartas de datas de sesmarias para Santarém, a ampliação dos pastos para a criação

de reses e para o cultivo de cacau foram os motivos mais frequentes para aquela região.374 No

372 Nesse percentual entraram as vilas de Alenquer, Gurupá e Monte Alegre.373 Torre do Tombo, AHMF, CCGM, Livro 216 (Copiador dos Particulares Administradores), Lisboa, 03/07/1818.374  Na carta de data de José Baptista expressa a complementação entre essas duas atividades. Em 1794, eleapresentou a sua solicitação argumentando que já possuía “seus cacauais nas margens do rio Guarapixuna, distrito da

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quadro 3.1 os produtos dessas duas vilas que eram mais comercializados em Belém se voltavam

 para a exportação, excluindo a carne seca e o peixe seco que eram comercializados somente no

mercado local da cidade,375 tendo em vista que esses produtos não foram registrados na balança

comercial das exportações para Lisboa. Nesse caso, nota-se que Santarém considerada o“empório comercial” no rio Tapajós, pelas atividades mercantis que entretinha com outras vilas e

cidades, também era a vila mais aplicada no fornecimento de mercadorias para o mercado

exportador.

Quadro 3. 1: Produtos provenientes das vilas de

Óbidos e Santarém (1812-1819)

Produtos

Óbidos

(quantidades emarrobas)

Santarém

(quantidades emarrobas)

Algodão 8 168

Cacau 79.609 194.984

Café 22 410

Carne seca 2.304 4.136

Couros secos 0 20

Cravo 777 2.229

Cravo fino 0 259

Guaraná 4 14

Peixe seco 17.852 14.822Quina 0 60

Salsa 909 3.945

Sebo 0 136

Tabaco 210 256Fonte: APEP, SGCGPRN, Códice 659 e 701 CDG (1812-1819).

Dos produtos registrados na coletoria nem todos eram remetidos para a Europa. Alguns

deles eram diretamente voltados para o abastecimento local, como a manteiga de tartaruga, que

era utilizada para iluminação, farinha, galinha, peixe seco e carne seca. Além dos gêneros vindos

dos sertões, acima listados, pode-se citar também: baunilhas, algodão, âmbar, almíscar, azeites,

mesma vila e pelo rio Tucumanduva braço do dito rio tem o suplicante outro cacaual, e nele tem estabelecendofazenda de gado vacum”. APEP, Registro de Carta de Data de Sesmaria, Livro 19, doc. 170, folha 158, 03/06/1794.  375 Apenas durante o período de ocupação da Guiana Francesa pelas tropas luso-brasileiras que esses produtos eramos que mais seguiam para o comércio com aquela capitania, ver: capitulo 5.

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quina-quina, canela e gengibre, que tinham como destino os portos da Europa.376 Com base na

descrição de Manuel Barata, produtos como cacau, arroz, café e algodão eram os principais

 produtos da balança comercial do Pará. Outros “produtos secundários” completavam essa lista de

 produtos exportáveis, a saber: açúcar, aguardente, canela, madeiras diversas, algodão em fio, mel,tapioca, guaraná, sabão, goma etc.377 Abaixo se apresenta a lista com todos os gêneros registrados

na coletoria de Gurupá e a sua origem. Foram elaborados dois quadros, no quadro 3.2 estão os

 produtos das vilas com maior representatividade daquela região. No quadro 3.3 estão anotados os

 produtos das demais vilas. A separação foi feita seguindo o critério de participação e quantidade

de registros anotados na coletoria, que poderá ser visualizado na tabela 3.1.

376 Segundo a relação feita por Frei Veloso, nos anos de 1769 a 1792, os portos de Gênova, Hamburgo, Veneza,França e Holanda eram o principal destino desses produtos. VELOSO, Frei. “Descrição do Estado do Brasil, suascapitanias, produção e comércio”. In:  Revista de História da Economia Brasileira.  São Paulo: USP, Edição Fac-similar, no. 1, Ano 1, Jun de 1853, p. 88.377  BARATA, Manuel. “A antiga produção e exportação do Pará: estudo histórico-econômico”. In:  Formação

 Histórica do Pará: obras reunidas. Belém: UFPA, 1973, pp. 306-307.

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Quadro 3.2: Lista de Gêneros registrados em Gurupá das principais vilas doEstado do Pará (1812-1919)

Alenquer Óbidos Santarém Rio Negro

Cacau Algodão Algodão Algodão

Carne seca Cacau Algodão em rama AnilCouros secos Café Cacau Breu

Cravo Carne seca Café Cacau

Mixeira Chifres Carne seca Café

Peixe seco Couros secos Castanha Carne seca

Salsaparrilha Cravo Chifres Castanha

Sebo Farinha Couros secos Couros secos

Monte Alegre Guaraná Cravo Cravo

Cacau Manteiga Cravo fino Cravo fino

Café Mixeira Farinha Estopa

Carne seca Peixe seco Feijão FarinhaCebolas Salsaparrilha Guaraná Galinha

Couros secos Sebo Manteiga Manteiga

Cravo Tabaco Mixeira Mixeira

Cravo fino Toras de madeira Óleo Óleo

Ervilhas Gurupá Óleo de Copaíba Óleo de Copaíba

Farinha Algodão Peixe seco Palha

Feijão Arroz Quina Pau Merapini

Manteiga Azeite Salsaparrilha Peixe boi

Mixeira Breu Sebo Peixe seco

Peixe seco Cacau Tabaco Piaçava

Salsaparrilha Café Toras de madeira Puchuri

Sebo Castanha Quina

Tabuado de Cedro Cravo Salsaparrilha

Estopa Sebo

Farinha Tabaco

Feijão Toras de madeira

Peixe seco

Salsaparrilha

SamaúmaFonte: APEP, SGCGPRN, Códice 659 e 701 CDG (1812-1819).

Apesar da diversidade dos gêneros no Rio Negro, a quantidade com que eles eram

registrados na coletoria reforça a ideia de que esses produtos estavam direcionados para o

abastecimento local, sendo poucos os produtos que eram comercializados em grandes

quantidades. Em todo o período de 1812 a 1819, o transporte de cacau vindo daquela capitania

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ficou em 17.194 arrobas. O que é muito menor se comprado aos valores de Óbidos (79.609

arrobas) e Santarém (194.984 arrobas) para o mesmo período. Voltando aos negociantes que

transportavam esses gêneros do Rio Negro à Belém, é possível identificar entre os 57

 proprietários de canoas que tiveram registro em Gurupá, apenas quatro transportaram carga decacau acima de 1.100 arrobas. O negociante Antonio da Silva Craveiro viajou para Belém por

oito vezes e levou 2.949 arrobas de cacau, o que representa um percentual de 17,16% de todo o

cacau transportado naquele período. Salvador Rodrigues de Couto levou 1.717 (9,99%) arrobas

de cacau distribuídas nas seis passagens pela coletoria. Francisco Ricardo Zany transportou 1.300

(7,56%) arrobas de cacau em 3 viagens. A atenção se voltou para o negociante João Batista

Bitancourt que em apenas uma viagem que realizou transportou 1.100 (6,40%) arrobas de cacau.

 Nessa viagem, realizada em 1818, João Batista registrou duas canoas, que além de cacau levava

também café, salsa, peixe seco e manteiga. Esses quatro negociantes transportaram 41,10% de

todo o cacau negociado em Rio Negro, ficando para os 53 proprietários de canoas restantes a

complementação desse percentual. Nesse caso, permite-se inferir que o comércio de gêneros e

efeitos dos sertões para a cidade de Belém estava concentrado em poucos negociantes.

 No quadro abaixo, se verifica a aplicação dessas vilas no comércio para o abastecimento

local. A participação de localidades como Joanes, Outeiro e Vila Franca nesse mercado estava

direcionada para as atividades pesqueiras e de viração da tartaruga (coleta de ovos e de sua

carne), sendo que o transporte de peixes (tainha, pirarucu e peixe boi) secos e de manteigas era

realizado em maiores quantidades. Essas vilas foram identificam como um centro de

abastecimento com uma intensidade diferenciadas das demais vilas, mas que mesmo assim

estavam integradas ao comércio interno.

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Quadro 3.3: Lista de Gêneros registrados em Gurupá nas demais vilas doEstado do Pará (1812-1919)

Almeirim Esposende São João do Crato

Peixe seco Castanha Cacau

Salsa Salsa ManteigaAveiro Faro Salsa

Cacau Cacau Tabaco

Salsa Café Souzel

Boim Carne seca Breu

Café Couros secos Cacau

Cravo Peixe seco Café

Farinha Ilha de Joanes Castanha

Borba Caranguejo Cravo

Cacau Peixe grosso de moira Estopa

Café Tainhas de moira Farinha

Cravo Tainhas seca Salsa

Manteiga Outeiro Vila FrancaÓleo de Copaíba Manteiga Manteiga

Salsa Mixeira Peixe boi

Tabaco Peixe seco Peixe seco

Canoma Porto de Móz Pirarucu

Cacau Cacau Pirarucu, peixe seco

Café Café Vila Nova da Rainha

Castanha Cravo CacauCravo fino Peixe seco Café

Manteiga Salsa Manteiga

Mixeira Peixe seco

Óleo Salsa

Peixe seco Tabaco

Salsa Toras de Macacauba

TabacoFonte: APEP, SGCGPRN, Códice 659 e 701 CDG (1812-1819).

Outro ponto que fazia parte do registro na Coletoria de Gurupá era a descrição daequipagem utilizada nas canoas que circulavam pelos sertões. As referências às equipagens das

canoas costumam ser circunstanciais, raramente apresentavam indicações sobre a nação dos

índios que eram utilizados nesse trabalho. Essa documentação permite quantificar dados sobre os

sujeitos que se ocupavam em remar as embarcações utilizadas no comércio fluvial para o interior

do Estado do Grão-Pará. Entre 1812 e 1819, as canoas que foram vistoriadas pelos ficais da

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coletoria da vila de Gurupá lançaram as seguintes informações sobre esses trabalhadores. Nos

registros das embarcações foram listados 3.343 remeiros que faziam parte da equipagem, 194

como cabo das canoas e 27 como pilotos. Entre os remeiros, havia um total de 2.911 (87,08%)

índios, de escravos 351 (10,50%), pretos ou mulatos forros 28 (0,84%), homens livres 21 (0,63%)e 32 como não identificados (0,96%).

Tabela 3. 1: Equipagem das Embarcações

Vila Passagens Índios Escravos PassageirosRio Negro 86 848 60 156Santarém 111 1.026 116 141

Óbidos 54 497 27 66Monte Alegre 20 150 37 41

Alenquer 9 58 5 5Gurupá 18 35 48 12

Outras vilas378  48 297 58 51

Total 346 2.911 351 472Fonte: APEP, SGCGPRN, Códice 659 e 702 CDG (1812-1819).

 Nota-se que grande parte da mão de obra descrita na documentação é indígena. Exceto

 para a vila de Gurupá, em que o número de escravos remeiros é maior. A vila de Santarém

aparece com a maior parcela de remeiros índios (39,25% do total), mas também, em valores

 proporcionais apresenta um maior número de escravos remeiros (3,47%). Entretanto, ao analisar

a média geral dos remeiros das embarcações foi possível constatar que a mão de obra indígena

 perfazia uma média de 9 por canoa, para os escravos a média foi de 2. O quadro da equipagem

entre Santarém e Rio Negro se inverte ao notar que a média de índios e de escravos por canoa da

capitania do Rio Negro, apresenta uma quantidade de índios remeiros acima da média, como

 pode se notar no gráfico abaixo:

378 Por terem número reduzido de registros no posto fiscal de Gurupá foi agregado nessa nomenclatura as vilas de:Boim, Joanes, Borba, São João do Crato e Vila Nova da Rainha contam apenas um registro cada. Aveiro e Camonacom dois registros. Porto de Móz com três registros. Souzel e Faro com três registros e o registros sem indicação deorigem contam 16 entradas.

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Gráfico 3.3: Média de índios e escravos remeiros por embarcação

Fonte: APEP, SGCGPRN, Códice 659, 702, CDG (1812-1819).

 Nesse quadro geral, a vila de Gurupá se diferencia do padrão notado para as outras vilas.

A quantidade de índios remeiros fica abaixo da média (em 3,1) e a média para os escravos fica

acima da média tanto geral, como em comparação com as outras vilas, ficando em 3,2 a média de

escravos remeiros. É possível que esse equilíbrio seja em função da proximidade de Gurupá comBelém.

Em estudo sobre o trabalho dos remadores na Amazônia do século XVIII, Neil Safier

analisa a utilização dos índios remeiros e a importância dessa mão de obra para o

empreendimento colonial de conhecer e ocupar o vale amazônico, possibilitando aos agentes do

Estado enfrentar as duras condições da navegação fluvial.379  Na pesquisa realizada sobre os

índios envolvidos na coleta das drogas do sertão Heather Roller afirma que as expedições das

aldeias do Pará saiam em média com 30 a 37 índios tripulando as embarcações. Isso porque a

 produtividade resultante da coleta desses gêneros estava associada ao maior número de pessoas

379  SAFIER, Neil. “Subalternidade tropical? O trabalho do índio remador nos caminhos fluviais amazônicos”. In:PAIVA, Eduardo França, ANASTASIA, Carla Maria Junho (orgs.). O trabalho mestiço: maneiras de pensar e

 formas de viver, séculos XVI a XIX. São Paulo: Annablume: PPGH/UFMG, 2002, pp. 427-443.

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envolvidas nessas atividades, visto que exigia um grande esforço o transporte, a coleta e o trato

dos produtos.380 

Ao contrário do prestígio que os pilotos e os guias das embarcações detinham os remeiros

não gozavam dos mesmos privilégios nas atividades que desenvolviam. 381  Mesmo assim, otrabalho dos remeiros era indispensável não somente para a navegação a serviço dos agentes do

Estado, principalmente nos serviços de demarcação de fronteiras, onde atuavam como guias nas

 partidas. Para todos os outros empreendimentos que pudessem se valer das vias fluviais a sua

atuação era igualmente indispensável, como o comércio no interior e entre as diversas capitanias.

Essa situação só começaria a ser parcialmente alterada com a introdução da navegação a vapor na

Amazônia a partir da década de 1850, quando foi preciso uma reorganização dessa atividade e

maior controle sobre os sujeitos envolvidos nesse comércio.382 

O movimento comercial dessas canoas do interior para a cidade de Belém também foi

descrito por diversos viajantes que passaram pela capitania/província, onde a própria topografia

condicionava essa grande circulação de embarcações nos rios da região.383 Nas descrições que

fizeram sobre a capitania do Pará, Spix e Martius apresentaram algumas das práticas desse

comércio realizado pelos rios da região e que se articulava com as outras áreas. Em 1819, o

Conde de Vila Flor, Governador da Capitania do Pará, foi solícito aos viajantes lhes

disponibilizando uma embarcação com equipagem, a qual foi carregada com as provisões

necessárias para dar continuidade a sua viagem agora em direção à capitania do Rio Negro. Em

suas palavras, “a embarcação, para nós destinada, carregava 900 arrobas e era bem menor que as

comuns canoas de comércio, que trazem mercadorias do interior e transportam de 3 a 5 mil

arrobas”. A embarcação deveria seguir equipada com “provisões de boca” para toda a tripulação

que contava com 9 índios, sendo 8 remeiros e 1 piloto, e os 2 viajantes com a sua equipe. A

equipagem destinada para transportar a embarcação dos viajantes excedia o número de índios

remeiros que comumente se utilizava. Segundo explicação dos viajantes, isso era para garantir

380  ROLLER, Heather Flynn. Op. Cit., p. 437. Barbara Sommer escreve que cerca de 1/3 dos índios nas vilas doDiretório participava das expedições de coletas de produtos da floresta. Essas expedições partiam das vilas naestação de águas cheias, nos meses mais chuvosos (entre o Natal e São João), retornando às vilas nos meses deestação seca. SOMMER, Barbara Ann. Op. Cit., p. 119.381 CARVALHO JUNIOR, Almir Diniz de. Op. Cit., p. 239.382 LOPES, Siméia de Nazaré. O comércio interno no Pará oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. Belém: NAEA/UFPA, 2002 (Dissertação de Mestrado).383 LOPES, Siméia de Nazaré. Op. Cit .

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que haveria uma quantidade mínima de equipagem, caso os índios abandonassem a embarcação

durante a viagem até o Rio Negro.384 

Esses episódios apresentam indícios sobre o comércio realizado para os sertões da região,

as dificuldades para equipar as canoas com índios remeiros suficientes para garantir a saída eretorno da viagem, como também o quanto era dispendioso armar uma embarcação com

mercadorias para se lançar ao interior da capitania. No porto da cidade de Belém, os negociantes

costumavam despender uma grande parcela de tempo montando as embarcações com

mercadorias para o “giro pelos sertões”, para depois seguirem circulando pelas diversas vilas do

interior aviando os produtos que seriam comercializados em Belém e exportados para os portos

da Europa. Esse movimento tornava essa atividade um empreendimento que requeria grande

investimento de capital, desde a aquisição de uma embarcação grande e de sua equipagem (índios

remeiros, pilotos e práticos), até o seu completo abastecimento com “provisões de boca” e de

mercadorias diversas para serem vendidas ou trocadas com negociantes e com pequenos

 produtores daquelas áreas.

O viajante Hércules Florence apresenta outras informações sobre esse comércio nos

sertões da capitania do Pará. Ao subir com a sua expedição de Diamantino (Mato Grosso) para a

vila de Santarém (Pará), ele descreve ter visto “alguns negociantes” seguirem para a mesma vila

com uma grande quantidade de embarcações que “montavam 20 a 30 canoas, levando 150 a 200

 pessoas, entre pilotos e remadores”. O comboio de embarcações para navegar por aqueles rios era

uma garantia de que a viagem se tornaria menos perigosa; escreve também Florence que a força

das correntezas tornava a “navegação arriscada e incômoda”, chegando a sair alguns dos remeiros

muito feridos.385 Isso quando não ocorria a morte da equipagem ou a perda total da embarcação

com a sua mercadoria, acarretando um grande prejuízo para os negociantes que investiram em tal

empresa. A navegação em comboios pelos rios da capitania servia para evitar que as embarcações

circulassem de forma isolada e desprotegida, visto os relatos de ataque e hostilidades dos índios

corsos existentes nessas áreas. Essa forma de navegação em comboios também passou a serutilizada para a navegação atlântica, visto a ocorrência de ataques de corsários franceses e

ingleses às embarcações portuguesas que se deslocavam entre Belém, São Luís e a Europa. 386 

384 SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS. Op. Cit., p. 62.385 FLORENCE, Hércules. Viagem fluvial do Tiête ao Amazonas de 1825 a 1829. Tradução do Visconde de Taunay.Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2007, pp. 202-206.386 Esse ponto será discutido no capítulo IV.

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Os negociantes proprietários de casas comerciais estabelecidas na cidade de Belém

sabiam das possíveis desventuras que poderiam ocorrer nessas incursões a negócio pelo sertão da

capitania. Comumente, havia registros de embarcações encalhadas em bancos de areia, canoas

que viravam ocasionando a perda da mercadoria transportada ou mesmo a morte da tripulação.Tanto que nos contratos de sociedade mercantil sempre havia uma cláusula sobre quem deveria

gerir a sociedade diante a morte de alguns dos sócios, ou então qual dos sócios deveria se fixar no

sertão e de lá remeter as mercadorias pelos seus caixeiros.

Entretanto, esses problemas não se tornavam impedimentos para que os negociantes, que

 possuíssem as suas próprias embarcações ou para os que estivessem interessados em negociar

nessas áreas, se lançassem aos sertões da capitania para aviar as suas mercadorias, fruto das

importações oriundas dos portos estrangeiros para abastecer o comércio realizado na cidade e nas

vilas do interior. Um exemplo disso pode ser visto no passaporte do negociante da praça de

Belém, Marcelino dos Santos Lopes, que além das relações comerciais que tinha tanto nas vilas

do sertão como nos portos do Estado do Brasil, também tinha negócios com comerciantes dos

 portos da Europa (Lisboa, Ilha da Madeira e Inglaterra). Em 10 de junho de 1810, Marcelino

Lopes solicitou um passaporte para “tratar de seus negócios” na vila de Óbidos e em “outros

lugares do Rio  Negro”. Decorridos quatro anos dessa solicitação, em 1814, ele recebeu outra

 permissão com o mesmo objetivo para viajar da cidade de Belém para outras cidades da Europa.

Em sua viagem, ele seguiria para a “Inglaterra, Portos do Brasil e Ilhas e de lá para Lisboa”. 387 

 Nesse caso, ao se estabelecer tanto na praça de Belém como na de Lisboa, o negociante

Marcelino dos Santos Lopes articulava as mercadorias aviadas nos sertões da capitania do Pará

com os portos do Brasil e as casas comerciais da cidade de Lisboa.

387 APEP, SGCGPRN, Códice 297, Termos de Assinatura de todos os comboieiros e comerciantes das Minas (1775-1824). Em outros documentos, o negociante Marcelino dos Santos Lopes aparece como negociante portuguêsmatriculado na Junta Comercial de Lisboa. Em julho de 1812, ele volta a solicitar passaporte para se deslocar para osmesmos portos que solicitou em 1810 e 1814, nele há a refer encia de que ele é “conhecido da casa de negócio destaCidade [Portugal] de Antonio Martins Pedra e Filho”. Em outro passaporte está escrito que “os negócios de sua casalhe fazem preciso ir a Greenock e outras partes de Inglaterra, e depois a Lisboa e Ilha da Madeira, pretendendoregressar a esta [Belém] ou diretamente ou por alguns dos portos do Brasil, para o que necessita de passaporte”(AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, d. 10995). No período de 1793 a 1833, há cinco procurações para que o negocianteMarcelino dos Santos Lopes represente seus outorgantes da cidade de Belém e no Reino de Portugal, sendo que háduas procurações para o ano de 1793, nas quais ele aparece como morador e negociante da praça de Lisboa (APEP,Procuração Bastante e Geral, 1793; 1818; 1822; 1833). Em 1809, ele também participou da oferta feita à RealFazenda para despesas de guerra necessária para as tropa que seguiram para ocupar Caiena (AN, MRP, Série Interior1808-1819).

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Em outros casos, as casas comerciais costumavam enviar os seus caixeiros para seguirem

viagem em direção os altos rios de onde traziam as drogas do sertão ou gêneros do País. Esses

 produtos seriam remetidos para o porto da cidade de Belém, porém não havia garantias de que os

caixeiros trariam em suas canoas os gêneros suficientes para assegurar o lucro de uma viagem detal monta para áreas tão distantes. Uma das formas encontradas para garantir a lucratividade

desse comércio realizado nos sertões foi o contrato com os comerciantes estabelecidos nessas

vilas. Como citado acima, alguns deles já haviam estabelecido redes de negociação nessas áreas,

o que permitia arrecadar uma grande quantidade de mercadorias para serem negociadas em

Belém.

Embora a procuração seja uma forma de constituição de sociedade entre as partes

envolvidas, os contratos de sociedade serviam para atrelar esses comerciantes do interior aos

negociantes de Belém. Esses contratos formais permitiam que eles tivessem exclusividades na

venda das mercadorias que saíam de suas lojas em Belém e, principalmente, o monopólio na

compra de todos os gêneros e produtos arrecadados nos altos rios. Para se obter essas garantias,

os negociantes de Belém passaram a formalizar os contratos de sociedades mercantis firmados

com os comerciantes de outras vilas do interior da capitania, principalmente para as vilas de

Santarém e Óbidos. Entre as embarcações que seguiam do interior do Pará para a capital, as

 pertencentes aos negociantes dessas duas vilas correspondem por 47,69% das viagens registradas

no posto de fiscalização de Gurupá.388  Podendo-se afirmar que esse comércio era bastante

lucrativo, decorrendo daí o interesse em firmar sociedades com negociantes estabelecidos nessas

vilas, ou mesmo constituir os negociantes dessas localidades como seus procuradores.

Fernando Braudel afirma que o estudo das sociedades e companhias serve como

“indicadores” que possibilitam ver “o conjunto da vida econômica e do jogo capitalista”.

Inicialmente, o comércio para longas distâncias requeria que houvesse “o domínio dos transportes

e as reservas financeiras necessárias (...) e, portanto unidades mercantis reforçadas”. Com o

intuito de garantir esse comércio se formaram as sociedades marítimas, as quais se tratavam “deuma associação binária entre um  socius stans, um sócio que fica no local, e um  socius tractor ,

que embarca no navio que vai partir”. Nesse tipo de sociedade ( societas maris), os negociantes

faziam contratados apenas para uma viagem, tendo em vista “que as viagens no   Mediterrâneo

388 APEP, SGCGPRN, Códice 659; 701, CDG (1812-1819).

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duravam então meses”.389  Essas sociedades se justificavam pelas sucessivas viagens de navios

que os negociantes realizavam. Para Braudel, é o navio “que cria a ocasião e a obrigação”. 390 

 Nesse caso, as viagens se tornavam mais lucrativas quando as embarcações se deslocavam com

mercadorias para serem vendidas ou trocadas em seu percurso e regressavam com outros produtos para serem novamente comercializados. O que justificaria esse tipo de comércio são os

ganhos que os negociantes obtêm tanto na ida como no retorno de sua viagem para a cidade.

Segundo Braudel, em Portugal também foi encontrada esse tipo de sociedade mercantil, para

onde o contrato se constituía entre os negociantes obedecendo à seguinte divisão societária, o que

entraria com dinheiro e o que entraria com o seu trabalho, realizando uma “espécie de reunião de

trabalho e de capital”.391 

 Nas escrituras de sociedade mercantil coletadas para este estudo, quando ocorre a

formação de sociedades desse tipo, tais como as descritas por Braudel, o negociante que entra

com o dinheiro e as mercadorias fica estabelecido na cidade de Belém. O sócio que entrava com

o seu trabalho, trazia para a sociedade apenas “a sua argúcia e trabalho da administração da

mesma negociação de canoa e venda da referida casa, da compra de gêneros para [os] trazer para

esta cidade [Belém]”.392 Apesar de Braudel descrever essas sociedades como um comportamento

dos séculos XVI e XVII, elas se estabeleceram na capitania do Pará em fins do XVIII e início do

XIX.393 

 Nesse sentido, a formação de sociedades mercantis entre os negociantes da praça de

Belém e as vilas do interior pode ser um indicador da vida comercial que se estabeleceu na

capitania do Pará, das atividades mercantis direcionadas para o sertão e das relações entre os

sujeitos envolvidos nesse tipo de comércio, mas principalmente como esses circuitos mercantis

estão se estruturando e reorganizando esse espaço entre a capitania do Pará. As observações

elaboradas por Braudel permitem que se analisem as sociedades mercantis dentro do contexto

comercial em que elas foram estabelecidas, como também perceber as peculiaridades presentes

 para as que foram firmadas na capitania do Pará.389 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo (séculos XV-XVIII): os jogos das trocas. SãoPaulo: Martins Fontes, 1996, p. 383.390  Idem, p. 384.391  Idem, Ibdem.392 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1187, d. 9 v., (1807-1808).393 Spiz e Martius escrevem sobre a frequência com que os negociantes de Belém armavam embarcações para os

 portugueses recém-chegados ao Pará, as canoas carregadas de mercadorias à crédito seguiam ao interior da capitaniae “regozijam-se, quando ele, ao cabo de algumas viagens, ganha os meios para estabelecer-se por sua própria conta”.SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS. Op. Cit., p. 29.

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Entre 1790 a 1830,394  foram lançadas 29 Escrituras de Contrato de Sociedade Mercantil

na cidade de Belém, sendo que a maioria se destinava ao comércio nos “Sertões do Estado”, para

a vila de Santarém e para a capitania do Rio Negro. Esse número de escrituras não representa a

existência exata de sociedades mercantis na capitania do Pará, visto que muitas sociedades nãoeram formalizadas por meio das escrituras públicas, mas através de procurações, o que ampliaria

a quantidade de sociedades existentes na capitania para aquela região. No universo de escrituras

analisadas, há referência a contratos de sociedades mercantis lançados em cartórios particulares,

os quais não foram encontrados para esse estudo, em que se privilegiou as escrituras públicas do

cartório Perdigão.

Dentre as escrituras coletadas e anotadas, foi possível perceber que as sociedades

mercantis firmadas se destinavam a duas áreas distintas da capitania do Pará: 1) para a própria

cidade de Belém, onde predominava a abertura de lojas, de tabernas ou de fazendas entre sócios

da mesma família ou com laços familiares explícitos nas cláusulas da escritura; e 2) para os

sertões do Pará e para a capitania do Rio Negro, onde as sociedades em sua maioria se pautavam

no empréstimo ou investimento de dinheiro, de canoas, de escravos e de mercadorias para serem

negociadas na região para onde se destinavam as sociedades.

Em estudo para a cidade do Rio de Janeiro do século XVIII, Antonio Carlos Jucá de

Sampaio afirma que das 70 escrituras de sociedade analisadas, 33 eram de sociedades comerciais,

sendo que dentro desse número 21 das escrituras eram para o comércio externo, Rio de Janeiro e

Lisboa. No acordo entre os sócios, um ou dois seguiriam para a Europa, de onde ficariam

responsáveis de enviar as mercadorias necessárias para a realização do comércio na cidade do

Rio de Janeiro com as outras vilas. Para o autor, esse número de escrituras para o comércio

externo se dava em função da necessidade de melhor regulamentar a obrigação que deveria recair

sobre cada um dos sócios. Porém, as sociedades comerciais que se formavam com o objetivo de

atuar no comércio interno (interior da América portuguesa) tinham um grau de “informalidade

maior”. Isso era justificado pelo fato da permanência dos sócios na praça do Rio de Janeiro,sendo “o deslocamento de um ou mais sócios para uma outra cidade que levava à formação de

sociedades”.395 

394 Na análise total dos Livros de Notas, alguns anos não foram lançados em função da indisponibilidades de acesso aessa documentação.395 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicasno Rio de Janeiro (c. 1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 251.

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Entretanto, para a capitania do Pará o que se percebe é a inversão desse quadro, no que se

refere ao número de escrituras de sociedades comerciais para o comércio externo. O que se notou

é que das 29 escrituras coletadas, 13 eram de sociedades mercantis que se destinavam para o

sertão do Pará, três para o Rio Negro e uma sociedade de engenho na vila de Santarém, sendo 17sociedades destinadas para a mesma região. Essa quantidade de sociedades para Santarém e Rio

 Negro também é acompanhada pelo número de procurações passadas para essas localidades e

 pela maior quantidade de saídas de embarcações registradas na vila de Gurupá.396 

Ainda sobre as escrituras de sociedade, foram encontrados cinco contratos para a cidade

de Belém com o objetivo de abrir lojas de secos e molhados, uma sociedade de loja na vila de

Bragança, uma sociedade de fábrica de sal em Salinas, uma sociedade de engenho e outra de

fazenda, todas nas proximidades de Belém. Ressalta-se que algumas dessas sociedades

apresentavam o interesse de também comerciar no sertão. Algumas escrituras não registram a

localidade em que atuaria a sociedade ou para onde elas se destinavam, descrevendo apenas o

interesse em negociar determinado tipo de mercadoria.

O que se percebe é que não há referências sobre escrituras de sociedade comercial para a

cidade de Lisboa, embora elas tenham existido. Com base em alguns testamentos e outros

documentos, foi possível notar a existência de sociedades para aquela cidade. Em 1845, José

Ferreira de Brito declarou em seu testamento que teve “uma sociedade mercantil com [seu] primo

Manoel José Rodrigues morador na cidade de Lisboa. Cujas contas relativas a esta sociedade já

se acham liquidadas como consta nos meus livros e das cópias destas contas que no meu devido

tem po remeto ao sócio Rodrigues”.397 O negociante José Ferreira Brito era estabelecido na cidade

de Belém, mas em 1817 atuou como procurador do negociante José de Araújo Rozo tanto na

cidade de Belém como na capitania do Rio Negro.398 Ferreira Brito costumava realizar negócios

 para o sertão e depois, já estabelecido na praça de Belém, passou a sócio de seu primo

estabelecido na praça de Lisboa.

 Nesse caso, o que pode ser notado, é que a sociedade mercantil com negociantes deLisboa parecia se efetivar informalmente entre parentes. Nos estudos sobre essa temática para o

 período colonial são frequentes as informações sobre esse tipo de associação, nas quais os

396 APEP, SGCGPRN, Códice 659; 701, CDG (1812-1819).397 Arquivo Geral do Tribunal de Justiça do Pará, Cartório da Provedoria de Resíduos e Capela. Fabilino Lobato, 11ª.Vara Cívil, ano de 1845.398 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1170, d. 128, (1817-1818).

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negociantes reinóis depois de fixarem residência na América portuguesa mandam buscar irmãos,

sobrinhos ou primos para trabalharem como caixeiros ou como seus correspondentes em alguns

dos pontos onde se realize a sua atuação comercial.399 

Para Riva Gorenstein, as relações comerciais entre Brasil e Portugal estavam baseadas“em negócios conjuntos e nos laços de amizade, compadrio ou parentesco que os uniam”, onde a

“palavra dada” dava a garantia aos contratos que eram realizados entre eles, mesmo se tratando

de um comércio do outro lado do Atlântico. No caso, a “honra e a honestidade do negociante”

eram os valores necessários para o trato comercial.400 No entanto, quando se dava o fim dessas

sociedades, independente para onde elas se destinavam, era feito o registro do destrato com o

intuito de comunicar a praça comercial sobre o fim da sociedade,401 ou mesmo para formalizar as

dívidas ou créditos que ficaram pendentes entre os sócios.

O direcionamento dessas sociedades mercantis para os sertões também pode se perceber

nas Procurações Bastantes e Gerais que foram passadas no período de 1793 a 1834. Essas

 procurações se constituem em “indicadores de tendências gerais”,402  desse circuito mercantil

 possibilitando entender alguns aspectos da sociedade e da estruturação de redes comerciais nas

vilas e nas cidades para onde se destinavam esses documentos. Percebendo o direcionamento das

 procurações ao longo do período destacado nesse estudo, foi possível elaborar a tabela 3.2, onde

 pode ser observada quantidade das procurações e os seus principais destinos. Cabe destacar que

essas procurações não apresentavam a indicação de valores, nem o real objetivo para a elaboração

de tal escritura.

399 FLORY, Rae & SMITH, David Grant. “Bahia merchants and the  planters in the seventeenth and early eighteenthcenturies”. In: Hispanic American Historical Review, 58 (4). Duke University Press, 1978, pp. 571-594.400  GORENSTEIN, Riva. “Os negociantes de grosso trato: modus operandi”. In: MARTINHO, Lenira M. eGORENSTEIN.  Negociantes e caixeiros na sociedade da Independência. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal deCultura, Turismo e Esportes, departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração,1993, p. 135.401 Para William Puntschart, no início do XIX quando os jornais impressos passaram a circular no Rio de Janeiro,eles passaram a ser usados como os meios mais indicados para se comunicar as dissoluções de sociedades em funçãode falência ou para comunicar a “sucessão de casas comerciais”. PUNTSCHART, William. Os negociantes de

 grosso trato no Brasil colonial 1808-1822. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1992, p. 42.402 SAMPAIO, Antonio Carlos. Op. Cit., p. 45.

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Tabela 3.2: Evolução temporal dos destinos das procurações (1790-1834)

Período Procurações Belém % Provínciado Pará

% Portugal % Inglaterra %

1790-1800 200 96 48,0 34 17,0 78 39,0 0 0,01801-1810 103 49 47,6 18 17,5 9 8,7 17 16,5

1811-1820 422 200 47,4 62 14,7 99 23,5 1 0,2

1821-1834 600 325 54,2 210 35,0 69 11,5 2 0,3

Total 1.325 670 50,6 324 24,5 255 19,2 20 1,5Fonte: Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, (1793-1834).403 

As procurações com destino à cidade de Belém se constituíram em maioria em todo o

 período analisado. As com destino a Portugal representaram o principal destino na Europa apenas

no final do século XVIII. Posterior a esse período, o número tendeu a diminuir passando de

39,0% das procurações para 11,5% nos anos de 1821 a 1834, notando-se uma interiorização

dessas procurações para a cidade de Belém e a Província do Pará. No período inicial do século

XIX, em que ocorre a vinda da família real para a América e a abertura dos portos, pode-se

visualizar as mudanças que ocorreram nos envios das procurações, uma vez que a quantidade de

 procurações com destino a Portugal aumenta e as com destino à Inglaterra apresentam uma queda

chegando a 0,2%. No período anterior (1801-1810), as procurações lançadas para Inglaterra

chegaram a 16,5%, sendo que todas elas foram lançadas no ano de 1808, enquanto que no mesmoano, não houve qualquer lançamento de procuração para Portugal. Essa mudança no destino das

 procurações deve-se aos problemas vivenciados em Portugal durante a ocupação francesa,

quando vários negociantes da praça de Lisboa e Porto se deslocaram para a Inglaterra, no intuito

de garantir as suas propriedades e mercadorias. 404 

Em um universo de 1.325 procurações foi possível destacar os seus principais destinos,

mas nem sempre é possível conhecer qual a finalidade do documento, visto que as procurações

apresentam um texto padrão. Em uma procuração de 1794, após as indicações do instrumento

403  As percentagens não possuem um total de 100%, tendo em vista que há outorgantes que passam a mesma procuração para destinos diferentes.404 No próximo capítulo, essa relação será discutida com base nas correspondências trocadas entre os negociantes dePortugal e os de São Luís do Maranhão. Para além dessa análise conjuntural, o debate entre Pedro Lains e ValentimAlexandre apresenta os motivos para a diminuição da balança comercial de Portugal. Sendo que, a periodizaçãoapresentada por Pedro Lains justificando a contração nas exportações entre Portugal e Brasil, em parte, acompanha adiminuição e a recuperação presente nos números das procurações registradas na tabela 3.2 acima citada. Ver:LAINS, Pedro. “Foi a perda do Império brasileiro um momento crucial do subdesenvolvimento português?”. In:

 Penélope: Fazer e desfazer História, No. 3, Jun. 1989.

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(Procuração ou Procuração Bastante e Geral), da data e local, o nome do outorgante, a sua

ocupação e onde residia, o local para onde se destinava a procuração e o nome e ocupação do

 procurador (em alguns casos, também se anotava onde o procurador residia), pode-se ler o

seguinte texto:

 para cobrar e haver a seu poder tudo quanto a ele constituinte se dever e pertencer por qualquer título que seja pedir e ajustar contas, dar quitaçõesdo que receber e assinar onde necessário for, oferecer ações mudar delasfazer citações, justificações, habilitações, protestos requerimentos,louvamentos, embargos, sequestros, penhoras, execuções, lances earrematações, ajustes e amigáveis composições, jurar na alma405  deleconstituinte qualquer delito, juramento de calúnia decisório e [ilegível] e ofazer dar e deixar em quem lhe parecer por contraditos e suspeições,apelar, agraciar, embargar e tudo seguir ou renunciar parecendo-lhe até

última sentença e entrega do que se lhe dever, fazendo cobrança donde ede quem o paga, deva fazer substabelecer 406 o procurador que quiser e atodo revogar desta sempre velar e só para se reservar ele constituinte todaa nova citação e tudo feito pelo dito seu procurador permite haver porfirme e valioso instrumento de verdade assim o outorgou, pediu e alistoueu tabelião (...).407 

O texto independe da finalidade que será atribuída à procuração. Isso corresponde à

definição que Antonio de Moraes Silva atribuiu ao termo, em seu  Diccionario da língua

 portugueza, “procuração” significa “o poder dado por escritura a alguém, para tratar os negócios

de quem lho dá”.408  No caso das procurações feitas em Belém, o texto se remete às questões

voltadas para o comércio. Para Leonor Freire Costa, as procurações serviriam para diminuir os

“fatores de risco” presentes nas relações comerciais de longa distância. Aos negociantes que

nomeavam procuradores para outras praças comerciais lhes era garantido o estreitamento dessas

distâncias, pois os “poderes de decisão” que o outorgante delegava permitiam que ele recebesse

“um fluxo regular de mercadorias, capitais e informações altamente sensível à confiança

405 Há um fundo no APEP sobre essa documentação que constitui os Autos de Juramento de Alma. O juramento dealma era quando o negociante que tivesse uma dívida com outro sujeito e depois de já haver se esgotado todas asformas amigáveis de se reaver o dinheiro emprestado, ele solicitação que o devedor “jurasse pela sua alma” quequitaria a dívida. A escritura de Obrigação de Dívida era o reconhecimento do débito e a promessa de que ele seria

 pago, já o juramento de alma era acionado quando esse prazo se findava e a quitação da dívida não ocorria. Esse ponto foi discutido no capítulo 2.406 O substabelecimento de procurações será discutido no capítulo 5.407 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1181, d. 921, (1793-1795).408  SIVA, Antonio de Moraes.  Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ateagora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por ANTONIO DE MORAES SILVA . Lisboa: Typografia Lacerdina, 1789.

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recíproca”.409 Para o comércio desenvolvido entre a capitania do Rio Negro, o sertão do Pará e

Belém era fundamental que os negociantes pudessem abreviar esses riscos e garantir maior

lucratividade nas viagens e nos produtos que eram comercializados, tendo em vista a grande

distância que separava essas localidades da capital portuária. Nesse caso, as procurações seriaminstrumentos jurídicos para firmar obrigações entre as partes envolvidas e com isso diminuir as

incertezas presentes nesse comércio.

Em algumas situações, é possível saber que a procuração se destinava à representação ou

contestação de heranças; nesses casos, se incluía ao texto da procuração informações sobre a sua

finalidade, o recebimento de heranças. Das 1.325 procurações, apenas três aparecem com essa

observação direta. Como a procuração que Joaquim de Figueiredo Morais, “filho do falecido

Bernardino José de Figueiredo e Inocência Rita”, e a sua mulher Cândida Josefa dos Santos

fizeram em abril de 1817, para a cidade de Lisboa e Vila de Ega. A procuração tinha como

finalidade “cobrar os bens relativos à herança dos pais”, o que ficaria sob a responsabilidade do

negociante de Lisboa, Joaquim José Pedro.410  Em 1830, o negociante de Belém, José Maria

Duarte, constituiu como seus procuradores Manuel Ferreira Rego e Maria da Arrabida, os quais o

representariam no Reino de Portugal. Essa procuração era para que o negociante José Maria

Duarte recebesse a herança que os seus irmãos haviam lhe deixado.411 

Em outros casos, apesar de não constar a observação direta de que a procuração se destina

ao recebimento de heranças pelos outorgantes, tal informação aparece indiretamente na

apresentação dos outorgantes da procuração. Um exemplo disso está presente nas duas

 procurações que Felícia Maria do Espírito Santo, “viúva do falecido Luís Freire”, passou para a

cidade de Belém, onde também residia.412 Em 1793, a procuração coube ao tenente José Antonio

Valinho. Em 1794, ela voltou a passar uma nova procuração, mas agora em nome de João

Manuel Rodrigues, para que ele a representasse em Belém. Isso também pode ser notado nas

 procurações que cada uma das irmãs Joana Rosa e Joaquina Rosa, “filhas do falecido José da

Silva”, passou a cidade de Lisboa, onde o mesmo José Manuel de Oliveira Marques iria

409 COSTA, Leonor Freire. “Entre o açúcar e o ouro: permanência e mudança na organização dos fluxos (séculosXVII e XVIII”. In: FRAGOSO, João ... [et al.], (orgs).  Nas rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações

 sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006, p. 101.410 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1170, d. 29, (1817-1818).411 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1183, d. 19, (1829-1830).412 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1181, docs. 715 e 816, (1793-1795).

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representá-las.413  Ou então na procuração que Francisco Barbudo, “filho do falecido João de

Maia”, passou para Joaquim Afonso representá-lo na cidade de Lisboa. Era para as cidades de

Belém e de Lisboa o principal destino das procurações que tinham como possível objetivo a

contestação de heranças. Levando em consideração essa informação indireta, a quantidade de procurações passa de três, como anteriormente citado, para 41 procurações, das quais 20 eram

apenas para a cidade de Belém e 16 foram encaminhadas para o Reino de Portugal.

Entretanto, após 1820, o texto da procuração sofre uma pequena alteração, passando a

incluir atribuições relacionadas às questões de recebimento e administração de heranças,

inventários e partilhas de bens. Tal como:

e a ele dava todos os poderes quantos em direito se requerem para elecomo se presente fosse poder alegar e defender todo o seu direito e   justiça perante quem tocar e em todas as suas causas e demandas, presentes e futuras em que ele protestar, ou réu, inventários e partilhas, e seus assessórios, requerendo  citações, justificações, habilitações, produtos, requerimentos, louvamentos, embargos, penhoras, execuções,lances, arrematações, posses, ajustes e amigáveis composições, jurar emsua alma todo e qualquer direito juramento de calúnia decisório e[supletório], embargar, apelar, agravar e tudo seguir a maior alçada erenunciar parecendo-lhe até última sentença e entrega de tudo quanto selhe dever e pertencer por qualquer título que seja, de todos e quaisquer pessoas devedoras e obrigadas lhe forem aditadas e quaisquer cofres da Real Fazenda e dos Órfãos, Defuntos, Ausentes e Herdeiros etestamenteiros, pedindo e ajustando contas e dando recibos e quitações doque receber e assinando onde mais necessário for, e substabelecer os procuradores que quiser e revogá-los parecendo-lhe e desta sempre usar(...).414 

Além das alterações acima destacadas, pode ser notado que grande parte dos poderes que

o outorgante delegava ao seu procurador continuava sendo relativa às atividades comerciais, mas

também pode significar uma associação para o trato comercial nas vilas ou nas cidades para onde

se destinava tal documento. Com frequência, os negociantes da cidade de Belém constituíam

como seus representantes outros negociantes que costumavam circular pelos sertões, como

ocorreu na procuração que o negociante Domingos José Antunes fez em 1817, na qual tornava o

tenente Joaquim Rodrigues Colares e Antonio José de Faria seus procuradores para a vila de

413 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1170, docs. 38 e 43, (1817-1818).414 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1171, d. 279, (1821-1822). (Grifos da autora).

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Santarém.415  Os dois procuradores eram negociantes daquela vila e, com certa regularidade,

costumavam transportar produtos como cacau, cravo fino e farinha, para a cidade de Belém. 416 

Entre as 1.325 procurações, foram selecionadas 320 escrituras em que havia a referência

da ocupação de seus outorgantes como negociantes, administradores da antiga Companhia deComércio, cabos de canoas, caixeiros ou lojistas da cidade de Belém. Esse número pode ser

maior, visto que mesmo não constando a ocupação do outorgante, é possível identificá-los como

negociantes.417 Deve-se ressaltar que um outorgante podia constituir vários procuradores para a

mesma cidade, ou o mesmo procurador para cidades diferentes. Nesse caso, se privilegiou em

contabilizar os destinos das procurações, que muitas vezes diverge do total de outorgantes. A

distribuição dessas procurações se apresenta da seguinte forma, expressa abaixo.

Tabela 3.3: Destinos das procurações passadas por comerciantesde Belém (1793-1834) 418 

Destino Total %

Belém 107 29,4

Sertões da Capitania 122 33,5

Rio Negro 16 4,4

Maranhão 25 6,9

Mato Grosso 7 1,9

Rio de Janeiro 13 3,6Reino de Portugal 58 15,9

Londres 16 4,4

Total 320 100

Fonte: Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, (1793-1834).

 Nota-se que houve 107 procurações com destino para a cidade de Belém. Como afirmado

anteriormente, não há a indicação constante para a finalidade da procuração, mas em alguns casos

essa justificativa é lançada no corpo do documento. Entre as 107 procurações, quatro apresentam

essa justificativa. Em duas delas aparece como outorgante Francisco José da Silva, que era

415 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1170, d. 6, (1817-1818).416 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816).417 Em parte, essa identificação foi possível por meio do cruzamento com outras fontes que foram analisadas, taiscomo: Escrituras de Venda, Escrituras de Obrigação de Dívida e de Empréstimo de Dinheiro; testamentos e

 passaportes. Entretanto, essa documentação coletada não permitiu identificar todos os sujeitos que enviavam procurações.418 Nessa tabela estão agrupados os negociantes residentes em Belém e nas vilas do interior.

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negociante e costumava viajar “para os sertões do Maranhão e de Belém”. No ano de 1793, ele

estava de partida para a cidade de São Luís e precisava que Manuel Ribeiro Lopes e Faustino

José Duarte o representassem em Belém durante a sua ausência. 419  O mesmo ocorreu na

 procuração que o capitão Antonio José de Meira Guimarães passou para a capital e para a província do Pará, na qual nomeava Domingos José Antunes e José Antonio de Moura para que

eles respondessem por seus negócios durante a sua estada em Lisboa, para onde partiria no ano de

1822.420 

Das 122 procurações que seguiam para a Capitania/Província do Pará, constatou-se que

34 se dirigiam para as vilas de Santarém, Óbidos, Monte Alegre e Gurupá, ou simplesmente para

atuar de uma forma mais ampla nos “Sertões do Estado/Província”. Somando-se às 16

 procurações que seguiam para o Rio Negro, havia um total de 50 procurações destinadas ao

comércio dos sertões, região que se destacava na produção/coleta das drogas. Houve quem

enviasse procuradores para as duas regiões (os sertões e a Capitania do Rio Negro), como o fez

João Domingos. Em 1803, João Domingues trabalhava como caixeiro do negociante Manuel José

Cardoso e constituiu o alferes, Manuel Domingues Portugal, como seu procurador no sertão do

Pará e na Capitania do Rio Negro. Em outras situações esse termo vago de “sertões” para esses

sujeitos podia ter uma espacialidade mais definida, principalmente no que diz respeito à atuação

dos procuradores como representantes do outorgante. Essa análise é possível com base na

 procuração que dona Felipa Izabel de Azevedo Coutinho passou para os sertões do Pará, em

1810. No documento ela, que era viúva do capitão Serafim dos Anjos Teixeira, 421  constituía

Joaquim Pedro Ribeiro, José Francisco de Castro e Antonio José de Faria como seus

 procuradores no sertão.422 A definição das localidades onde os procuradores atuavam foi possível

com base no registro das canoas, no qual apresenta o negociante José Francisco de Castro com

embarcações que saíam da vila de Óbidos, e o negociante Antonio José de Faria saindo da vila de

Santarém, todas elas seguindo para a cidade de Belém.423 

Ainda para a Capitania/Província do Pará, das 88 procurações restantes, 24 estãodirecionadas para as vilas de Cametá, Oeiras e Abaité, para onde se deslocavam os caixeiros que

419 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1181, d. 618, (1793-1795).420 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1171, d. 457, (1821-1822).421 O capitão Serafim dos Anjos Teixeira era negociante da praça de Belém que também possuía procuradores paraos sertões da capitania do Pará.422 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1172, d. 794, (1809-1810).423 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816).

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também realizavam viagens para estabelecer o comércio com a capitania de Goiás. E nove

 procurações com destino para a Ilha do Marajó e para a vila de Macapá, muito em função do

comércio de peixe, carne verde e de couros, também voltados para o abastecimento local.

Ainda atentando para as procurações passadas por negociantes de Belém, percebe-se quehá 16 procurações para a cidade de Londres, no entanto não há referência direta sobre a

existência de sociedades mercantis dos comerciantes de Belém com a praça londrina, trazendo

apenas informações mais gerais. Entretanto, essa quantidade de procurações destinadas à

Inglaterra é representativa das relações que se estabeleciam entre os negociantes do Pará e os

daquela cidade. Entre as 16 procurações de comerciantes para Londres, 15 delas foram passadas

em julho de 1808, o que pode ser representativo do estreitamento das relações comercias com os

 portos da Inglaterra, após a abertura dos portos em janeiro de 1808, visto que antes dessa data não

constam procurações para essa praça. Enquanto que as procurações de negociantes para Portugal

só voltaram a ser frequentes em 1817, apresentando uma quantidade maior de escrituras (99

 procurações) do que o verificado para o final do século XVIII (78 procurações), como afirmado

anteriormente. Nota-se que nessa temporalidade das procurações um indicador das tendências

comerciais da praça de Belém com a cidade de Londres, o que pode significar a repercussão que

a abertura dos portos teve no Pará.

 No universo das 20 procurações para a Inglaterra visto na tabela abaixo, 12 procurações

têm o mesmo procurador, Dias Santos ou Dias Santos e Companhia, outras seis foram passadas

 para que José Lima ou José Lima e Companhia fosse seus representantes naquela cidade. Sendo

que, nessas mesmas seis procurações, o negociante Dias Santos também aparece como primeiro

ou segundo procurador. Entre os outorgantes que passaram procuração para os negociantes Dias

Santos e José Lima, 11 deles aparecem como negociantes de Belém.

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Tabela 3. 4: Destino das Procurações Geral e Bastante lançadas em

Belém (1793-1834)

Destino Total %Belém 670 46,7

Capitania do Pará 324 22,6

Rio Negro 39 2,7

Maranhão 76 5,3Mato Grosso 14 1,0

Rio de Janeiro 38 2,6Reino de Portugal 255 17,8

Londres 20 1,4

Total 1.436 100Fonte: Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, (1793-1834).

Diante das 255 procurações que tinham como destino o Reino de Portugal, 184

 procurações seguiram para a cidade de Lisboa, enquanto que para a cidade do Porto seguiram

apenas 19, e para ambas as cidades foram registradas quatro procurações. Desse total para o

Reino, 29 procurações foram passadas para parentes como esposa, pai, mãe, irmãos, tios e

cunhados, o que pode demonstrar as relações pessoais que se mantiveram em Portugal.

Entretanto, ao fixar a análise nas décadas de 1810 e 1830 em que as procurações tenderam a

diminuir para essa cidade, notou-se que 51 delas são de negociantes, caixeiros, capitães de navios

ou donos de lojas em Belém. Nesse caso, as procurações também são o estreitamento das relações

comerciais com os parentes em Portugal, os quais deveriam ser sócios nos negócios realizados na

capitania do Pará.

Considerando o que foi apresentado, a estruturação do circuito mercantil na capitania do

Pará tinha em Belém o eixo das relações comerciais que se estendiam para as vilas do interior e

 para o Rio Negro, de onde eram remetidas as mercadorias voltadas para o abastecimento do

comércio local, como também os gêneros exportados para a Europa. Ao analisar os registros das

embarcações originárias dessas regiões, foi possível verificar que os negociantes de Santarém edo Rio Negro costumavam realizar viagens regulares para Belém, constituindo-se em

fornecedores dos gêneros destinados ao mercado externo. É possível afirmar que em algumas

situações as procurações estreitavam ainda mais essas relações comerciais com o interior da

capitania, fazendo com que esses fornecedores também fossem sócios dos negociantes de Belém

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como a relação existente entre João Pedro Ardasse e Manoel Gomes Ribeiro, comerciante da vila

de Santarém.

Além das procurações se constituírem num instrumento jurídico utilizado pelos

negociantes para diminuir as incertezas existentes nesse comércio de longas distâncias, elasrepresentavam a associação desses comerciantes das vilas do interior com os negociantes da

capital. Essa relação comercial também era uma garantia para os comerciantes do interior. Uma

vez que ela seria a compensação de todo o trabalho que eles tivessem para apurar as mercadorias

e depois transportá-las para Belém, assegurando que elas seriam compradas pelos sócios

estabelecidos na capital. Em outras situações, essas sociedades também eram formalizadas por

meio de escrituras de sociedade mercantil, de uma forma reduzida, mas que apresentam algumas

especificidades sobre o comércio realizado entre Belém e o interior da capitania, como se discute

a seguir.

3.1.1: As sociedades mercanti s de loj as, tabernas e fazendas para a cidade de Belém.

Geralmente, a constituição de sociedades mercantis para a cidade de Belém era feita para

a abertura de lojas de “secos e molhados”, para as quais os sócios entravam com investimentos

divididos em partes iguais. Essa condição é excetuada nas situações em que a sociedade é

realizada entre parentes diretos ou por afinidade. Nesses casos, a forma encontrada nas

sociedades firmadas atende a uma regularidade, os negociantes mais experientes entravam com o

capital e a estrutura da loja montada, enquanto o outro sócio entrava apenas com o seu trabalho

 para a sociedade. O que poderia representar mais uma forma de investimento em outras

atividades comerciais, com o intuito de diversificar seus negócios na capital ou nas vilas do

interior.

A peculiaridade das sociedades mercantis para a cidade de Belém é a quantia apresentadana abertura da escritura, podia ser no valor de 800$000 réis ou iniciar com quantias superiores a

16:000$000 réis, enquanto as sociedades para “girar pelo sertão do Estado” variavam bastante na

quantia apresentada para iniciar a firma. Com isso, se percebe uma hierarquização desses grupos

e os seus raios de atuação nas principais áreas de produção/coleta dos gêneros comercializados

nos portos da cidade.

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Os negociantes que se arriscavam em acertar viagens para o sertão, geralmente se

endividavam com outros negociantes para a compra de mercadorias e provisões para garantir uma

viagem que poderia durar até nove meses. Tudo isso na perspectiva de auferir grandes lucros de

suas viagens. Em algumas situações, negociantes interessados em abrir lojas na cidade de Belémtambém se endividavam para iniciar seus negócios estabelecidos na cidade. Foi com esse objetivo

que, em setembro de 1817, Luís Antonio da Luz,   capitão da galera  Nova Amazona, e Pedro

Soares, morador da cidade de Belém, assinaram uma Escritura de Obrigação de Dívida em que

aparece como credor o negociante de Belém, José Soares.424 

Os dois negociantes contraíram um empréstimo com José Soares no valor de 5:950$405

mil réis, quantia que os devedores afirmaram ter utilizado para realizar a compra de fazendas e

demais gêneros pertencentes àquele negociante. Os devedores declararam que essas mercadorias

foram adquiridas juntamente com uma Loja de Armazém, situada na travessa da Misericórdia, na

cidade de Belém. Ao final, a compra que se realizou pelo traspasso da loja “havia sido muito a

sua satisfação, tanto no preço como em qualidade”. Apesar do prazo  para o início do pagamento

não ter sido estipulado na escritura, os devedores declararam que ele seria feito em “dilatados

meses” no valor de 200$000 mil réis cada parcela, não havia registro de que o credor cobraria

 juros pelo empréstimo realizado.425 

Passados poucos dias, os dois devedores, Luís Antonio da Luz e Pedro Soares, voltaram

ao cartório para assinarem uma nova escritura. Dessa vez, seria constituída uma escritura de

contrato de sociedade mercantil para a cidade de Belém. Os dois negociantes formalizaram a

abertura de “uma loja de fazendas e um armazém de molhados na travessa da Misericórdia”. Na

escritura, ambos reconheceram que a loja era resultante da compra de “fazendas e gêneros secos e

molhados” feita anteriormente por traspasso ao negociante  José Soares, não há referências sobre

o motivo dele passar a sua loja aos negociantes acima citados.426 

O capital de abertura da sociedade era na quantia de 5:950$405 mil réis, valor exato da

dívida contraída com o negociante José Soares. Além do valor declarado, constituía ainda como patrimônio da sociedade dois escravos, João e Paulo, pertencentes a ambos os sócios e que seriam

utilizados “para o serviço” na sociedade. As despesas efetuadas com caixeiros e o pagamento de

seus ordenados e tudo o mais ficaria por conta da sociedade, sendo que os lucros somente seriam

424 Escritura de Obrigação de Dívida, APEP, LNTP, n. 1170, d. 154, (1817-1818).425 Escritura de Obrigação de Dívida, APEP, LNTP, n. 1170, d. 154, (1817-1818).426 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1170, d. 158, (1817-1818).

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divididos depois de retiradas as despesas realizadas com a sociedade e com o pagamento dos

credores.

 Nesse caso, a existência de caixeiros trabalhando para a sociedade pressupõe que eles

também pretendiam realizar viagens para os sertões da capitania, visto que um dos sócios hámuito tempo realizava viagens para aquela região. Um exemplo disso pode ser visto em um

 passaporte de 1813, no qual Luís Antonio da Luz aparece como mestre da galera Triunfo do Pará

e São Luis, da qual eram senhorios os negociantes Luís Francisco da Silva e José Soares, com o

qual fez o empréstimo. Já em maio de 1817, Luís Antonio da Luz passou a trabalhar como mestre

da galera  Nova Amazona, na qual eram senhorios Manuel Luís de Paiva e Companhia,427  que

também fazia viagens para o sertão. Outro fator reforçador dessa possibilidade de fazer viagens

comerciais para os sertões da capitania foi o termo apresentado como cláusula do contrato. Nessa

escritura, se estipulava que “as remessas que se fizerem de gêneros por conta da sociedade para

Lisboa ou outra qualquer parte destas para esta cidade” teriam uma marca específica para definir

que os produtos eram da sociedade que naquele momento ambos contratavam. Nesse caso, a

sociedade firmada entre os sócios Luís Antonio da Luz e Pedro Soares era de uma loja e

armazém, situada na cidade de Belém, entretanto havia o interesse dos sócios fazerem negócios

com outras vilas da capitania do Pará e com os portos da Europa.

Dentro do conjunto de escrituras do Cartório Perdigão (o qual, como se afirmou

anteriormente, abarca o período de 1793-1834), a escritura firmada por Luís Antonio da Luz e

Pedro Soares foi a primeira feita para a abertura de loja na cidade de Belém. Isso, porém, não

quer dizer que não houvesse a constituição de outras sociedades, pois, como já foi anotado, nem

todas as sociedades eram registradas em cartório. Assim como as procurações que eram passadas

 para as vilas do interior são indicativas de associações comerciais para atuar nessas localidades.

Entretanto, as escrituras de sociedade apresentam os critérios da associação comercial com mais

clareza que as estabelecidas na procuração. Nesse sentido, das 29 escrituras de sociedade

mercantil anotadas, 14 foram lançadas nos anos de 1819 e 1824.Essa quantidade elevada de contratos que se concentram nesses cinco anos pode ser

resultado da mudança de administração que a capitania do Pará experimentou. Em dezembro de

1810, após a morte de José Narciso de Magalhães de Menezes, assumiu o governo do Pará a

427  AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, d. 11030. Lisboa 17/08/1813; AHU_ACL_CU_013, Cx. 148, d. 11331. Pará07/05/1817.

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Junta de Sucessão Provisional do Pará, ficando na administração da capitania no período de

dezembro de 1810 a outubro de 1817. Finda a Junta de Sucessão, no mesmo mês assumiu como

governador da capitania do Pará Antonio José de Souza Manoel de Menezes Severim de

 Noronha, o Conde de Villa Flor. Entre os seus atos administrativos, o Conde de Villa Flor foiresponsável pela criação da Praça do Comércio do Pará, em 3 de abril de 1819.

Para Ernesto Cruz, a instalação da Praça do Comércio logo obteve grande aceitação dos

demais comerciantes de Belém, os quais se reuniram sob a iniciativa do negociante Joaquim

Francisco Danin para estruturar a associação, que passaria a funcionar no Convento das Mercês,

onde já abrigava a “Alfândega e Mesa de Estiva”.428 Segundo Inácio Moura, o feito do Conde de

Villa Flor para a economia da capitania do Pará foi significativo, pois “semelhante medida

desenvolveu, desde logo maior entusiasmo no mercado do Pará, a classe comercial que então

vivia rebaixada para o conceito público, supremaciou na estima social”.429  Entretanto, a Praça

Comercial do Pará teve uma duração curta, entrando em declínio junto com a economia durante o

 período da Cabanagem (1835-1840). Pode ser que a criação da Praça Comercial do Pará seja

indício das mudanças ocorridas na economia, o que se nota no grande número de escrituras de

sociedade mercantil para o período.

Uma das primeiras sociedades mercantis que se firmaram nesse novo contexto, foi

realizada entre os irmãos José Bernardo Santa Maria e Antonio Bernardo Santa Maria. Nessa

escritura aparecem os termos e as cláusulas que anteriormente não costumavam conter nos

contratos assinados. Em 1820, eles “estabeleceram uma sociedade de uma loja de fazendas na

calçada do Relógio desta cidade, fronteira ao Palácio [do Governo]”.430  Os sócios tiveram a

 preocupação de ter uma “firma para a sociedade [que] será Santa Maria e Irmãos”, cláusula até

então não aplicada aos contratos assinados antes da instituição da Praça do Comércio. Outra

cláusula que esse contrato inaugura é a de haver, em casos de impasse entre os irmãos sobre o

andamento da sociedade, uma junta de até três negociantes que atuariam na dissolução do

impasse.A sociedade que estipulava o tempo de vigência para sete anos (na maioria das vezes, o

tempo previsto variava entre dois e três anos, porém sendo de comum acordo entre os sócios esse

 prazo poderia ser prorrogado) já começava com o capital de 5:030$000 mil réis. Os irmãos

428 CRUZ, Ernesto. História da Associação Comercial no Pará. Belém: Editora da UFPa, 1996, p. 126.429  Apud CRUZ, Ernesto. Op. Cit., p. 128.430 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1190, d. 1052, (1820-1821).

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especificavam que não poderia “qualquer deles sócios que tiver conta na casa ou loja onde reside

o negócio da sociedade traspassá-la a outrem senão com procuração do outro quando por coisa

este esteja ausente”. Apesar de não fazerem referência à existência de canoas ou contratação de

caixeiros, provavelmente se realizariam viagens para os sertões da capitania. Isso em função dasviagens que estavam previstas para serem feitas durante a existência da sociedade. Nesse caso, é

 possível pensar que os irmãos também tivessem interesse em entreter negócios em Portugal, pois

ressaltavam que “qualquer deles sócios poderá ir a qualquer firma ou [ilegível] fazer negócio em

 beneficio da sociedade, como também ir à terra de sua Pátria durante [existência] da mesma”.431 

 Nota-se que as sociedades para abertura de lojas e armazéns em Belém tinham o interesse

de realizar a exportação das drogas do sertão, para o qual precisariam adquirir as embarcações

necessárias e a contratação de mão de obra para a realização desse comércio no interior. Em

1820, foi firmada uma sociedade para a abertura de uma loja na cidade de Belém por meio de

contrato de sociedade mercantil. Os sócios eram dona Maria do Socorro de Vasconcelos, viúva

do capitão Manoel Fernandes de Vasconcelos,432 e o caixeiro Antonio José Machado. O contrato

que assinavam era estipulado par a a duração de três anos “sem interrupção alguma”. Segundo a

escritura, dona Maria do Socorro de Vasconcelos entrava para a sociedade com o capital de

14:000$000 réis e o caixeiro com o valor de 2:000$000 réis, tendo a sociedade um capital inicial

de 16:000$000 réis. A firma da sociedade seria de Vasconcelos e Companhia, sob a qual

venderiam “artigos comerciais tanto secos como molhados”. Tais artigos para abastecer a loja e

as tabernas seriam comprados pelo sócio Antonio José Machado, que privilegiaria a “ eleição dos

artigos comerciais que parecerem necessários e convenientes para a agitação e lucro da sociedade

cujas compras serão feitas será necessário a eleição, aprovação e consentimento de dona Maria do

Socorro”.433 

Os caixeiros desempenhavam papel importante nesse circuito mercantil, seja como

responsável das canoas e das aquisições dos gêneros que seriam comercializados, seja na

“escrituração dos livros” da sociedade. Apesar de haver atribuições diferenciadas entre os

431 Em 1823, José Bernardo de Santa Maria solicitava passaporte para se deslocar de Lisboa para a cidade de Belém.Segundo o que foi registrado em seu passaporte, o negociante José Bernardo era solteiro com idade de 43 anos,natural da Ilha de Santa Maria, não possuindo qualquer impedimento para seguir viagem ao Pará.AHU_ACL_CU_013, Cx. 161, d. 12304. Anterior a 04/12/1823.432 O capitão Manuel Fernandes de Vasconcelos também era negociante da praça de Belém e tinha sócios na cidadede São Luís do Maranhão e em Lisboa. Ele era um dos negociantes de Belém que assinaram uma representação paraimpedir a saída do navio “Modesta” do porto de Belém, no ano de 1807. Isso será discutido no capítulo III.433 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 422, (1820-1821).

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caixeiros,434 o que se percebe nas escrituras de sociedade é que o mesmo caixeiro que armava as

embarcações para seguir rumo ao interior da capitania, também era o que fazia os serviços

contábeis da sociedade. Estes, com domínio de escrituração mercantil, eram os que geralmente

recebiam propostas de formar sociedades comerciais com seus patrões, visto que, na maioria dasvezes, os negociantes não sabiam ler nem escrever.435 Lenira Menezes Martinho escreve que “a

 posse do saber mercantil conferia ao caixeiro certa importância social”. Sendo que, as formações

de sociedades com seus patrões eram vista como uma maneira de ascender socialmente dentro

dessa organização mercantil.436 

Por ter o domínio da escrituração mercantil, a administração do livro caixa ficou a cargo

de Antonio José Machado, como também a responsabilidade da apresentação anual do balaço da

sociedade. Nesse balanço deveria constar “toda a negociação da sociedade”, tais como as perdas

e os ganhos, entre os quais seriam registrados os pagamentos de ordenado feitos aos caixeiros que

fossem contratados, os pagamentos de aluguéis das casas onde funcionariam as lojas e outras

despesas que se fizessem necessárias, desde que “relativas à sociedade”.437 

Tudo isso era necessário, uma vez que ao final dos três anos definidos para a existência da

sociedade seria feito um balanço geral e, só depois disso, fariam a divisão do que foi arrecadado

em partes iguais entre os sócios. Ao final do tempo estipulado, caso não lhes interessassem

continuar a sociedade, a dissolução da mesma seria feita depois da partilha de todos os ganhos da

sociedade. Essa partilha seria feita “não só do que se achar em caixa, fazendas em ser, mas

também aqueles que contarem por créditos, obrigações e contas de livros igualmente de todos os

434  De acordo com as suas atribuições, Lenira Menezes Martinho identificou três tipos de caixeiros, a saber: ocaixeiro de balcão ou de porta-fora responsável pelas “cobranças e [pelas] vendas fora do estabelecimento,geralmente acompanhado de um escravo”; caixeiro de escritório, responsável pela compra e venda de produtos “emgrosso ou por atacado;” e o caixeiro guarda -livro ou 1º. Caixeiro, o qual “fazia a escrituração dos negociantes,cuidados de caixa, além da correspondência”. A autora destaca que essas funções não eram estáticas, havendovariações entre as funções que desempenhavam o que pode ser pensado para os caixeiros que atuavam nessassociedades mercantis firmadas na capitania do Pará. MARTINHO, Lenira Menezes. “Os caixeiros como grupo sócio-

 profissional”. In: Op. Cit.,  p. 39. Já Maria Beatriz Nizza da Silva afirma que os caixeiros que dominavam “aescrituração mercantil e estavam matriculados na Real Junta do Comércio situavam-se no topo [dessa] hierarquia”.SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “Caixeiros”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Op. Cit., p. 123. Até o momento,não foi possível fazer a consulta das matrículas dos negociantes e caixeiros do Pará na Real Junta de Comércio noArquivo Nacional.435  Geralmente, o tabelião escrevia no documento (procuração ou escritura de sociedade) que o outorgante oucontratante não sabia ler nem escrever, para essa situação havia uma pessoa de confiança (amigo ou parente) queassinava a rogo.436 MARTINHO, Lenira M. Op. Cit., p. 53-57. Deve-se se ressalvar que o trabalho da autora se volta para meados doséculo XIX, o que lhe permitiu analisar a atuação dos caixeiros em um corpus  documental do qual não sedisponibiliza para esse estudo.437 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 422, (1820-1821).

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utensílios que houverem os quais, serão cedidos pelo valor das entradas deles a um dos

sócios”.438  Entretanto, se a sociedade se mostrasse “interessante” para ambos os sócios, eles

 poderiam dar continuidade ao contrato, desde que antes nele fosse “adicionado qualquer objeto

que então julgarem convenientes” registrar na escritura. Outro ponto que se pode anotar como regularidade é a possibilidade de se atrelar à

 proposta de constituir uma sociedade de uma loja na cidade de Belém com uma sociedade para se

fazer circular mercadorias pelo sertão da capitania. Na escritura, dona Maria do Socorro

ressaltava essa outra modalidade, que ficaria sob a responsabilidade de Antonio José Machado

“embarcar os gêneros do País para onde lhe parecer melhor ou para País Nacional ou Estrangeiro

vertendo-se todos os lucros em beneficio da sociedade para a qual poderá mandar as receitas dos

artigos que julgar mais interessantes”.

 Nesse caso, destacava-se a pretensão de expandir cada vez mais o seu negócio efetuando

o comércio nos sertões da capitania e se estendendo para as capitanias vizinhas e também para a

fronteira espanhola. Isso se mostrava ser um comércio muito lucrativo e que Antonio José

Machado já possuía a experiência de realizá-lo. Tanto que outra observação feita pela dona Maria

do Socorro foi o interesse de a brir uma “loja de molhados em beneficio da sociedade”, onde

Antonio José Machado julgasse conveniente estabelecer. Importante ressaltar que na escritura

dona Maria do Socorro já possuía outra loja situada na rua da Praia e outras duas tabernas, “uma

das quais pertence ao ramo do contrato de aguardente da terra que foi comprado ao arrematante

dela e outra nos baixos das casas de dona Maria Felipa Borges de Góes, na dita loja e taberna

ficava estabelecida a sociedade”. 

Diante da pretensão de expandir os seus negócios, dona Maria do Socorro firmava na

escritura que também exercia a função de tutora e administradora dos bens pertencentes aos seus

filhos órfãos. Esses fundos seriam investidos na “sociedade para agitação dos interesses dela

 prescindindo primeiro aos atos, fianças e mais [ilegível] necessária e aos referidos órfãos se

 pagarão os juros respectivos”. Em função de possuir tantos investimentos na cidade de Belém edo seu interesse em expandir os negócios que já possuía para além dos sertões da capitania, dona

Maria do Socorro nessa sociedade que firmava com o caixeiro Antonio José Machado teve o

cuidado em inventariar todas as mercadorias que já possuía antes do início da sociedade e as que

438  Idem. 

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seriam entregues a Antonio José Machado.439  Entretanto, esse inventário não foi incluído na

escritura.

 Nota-se a diversificação das áreas de atuação de dona Maria do Socorro, investindo seu

 patrimônio em diversos negócios, tanto em Belém como para o interior. Sampaio escreve que ointeresse dos negociantes ampliarem seus limites de comercialização por meio de sociedades

mercantis pode indicar não somente a busca de “maiores lucros”, como também o cuidado em

“diminuir seus riscos, dividindo-os com terceiros”.440 

Se acaso existisse entre os sócios qualquer dúvida ou impasse, tal como registrado na

sociedade Santa Maria e Irmãos,441  também na firma Vasconcelos e Companhia, ela seria

deliberada por uma junta de quatro negociantes que se obrigavam a atender a decisão mais

conveniente para a sociedade, obrigando-se igualmente os sócios a atender ao que fosse

deliberado pela junta, “evitando-se quanto for possível pleitos e dissensões forenses”. A não

resolução desses impasses entre os sócios poderia motivar a dissolução da sociedade.

Em 1821, os negociantes Luis de Matos Pereira e João Antonio Rodrigues também

firmaram em cartório uma sociedade para a abertura de uma taberna e o aluguel de uma casa na

travessa do Pelourinho, na cidade de Belém. Ao contrário das duas sociedades apresentadas

acima, nessa sociedade o capital com que iniciavam os seus negócios era de 800$000 réis,

quantia que ambos pediram emprestada a outro negociante, com o qual assumiam a obrigação do

 pagamento quando fosse pedido. A sociedade possuía a firma de  Luis de Matos Pereira e

Companhia. O sócio Luis de Matos assumia a administração do livro caixa da sociedade, para a

qual também se obrigava “a formalizar as entradas e saídas e outras contas necessárias da

sociedade para mostrar o seu tempo os interesses ou prejuízos que nela houver”, sendo sempre

tudo dividido pelos dois sócios.442 

 Na escritura da sociedade, os sócios indicavam que se fosse “preciso tomar caixeiro”, o

investimento também seria dividido entre eles. O que indica haver entre ambos o interesse em

também fazer negócios não só na cidade de Belém, mas também lançar canoas “ao giro nosertão” da capitania, região que alimentava esse comércio e para onde se escoavam as

439  Na 7º cláusula do contrato era firmado que “antes de entrar em giro a venda do seu estabelecimento se faráinventário de todas as fazendas existentes para ficarem existindo como parte da massa total da referida sociedade”

 para serem observadas ao final da sociedade. Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 422,(1820-1821).440 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Op. Cit., p. 260.441 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1190, d. 1052, (1820-1821).442 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1159, d. 252, (1820-1821).

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mercadorias recebidas em Belém. A firma  Luis de Matos Pereira e Companhia  não poderia

findar antes de dois anos, salvo em situações em que houvesse “desconfiança um do outro”, pois

isso “deteriora a sociedade”. Nessa escritura de sociedade os sócios não fazem menção de chamar

uma junta de negociantes para atuar na dissolução de pendências e dúvidas que houvesse entreeles.

O andamento da sociedade e as relações comerciais que os sócios teceram no decorrer de

seus negócios não puderam ser trilhadas para este estudo. Entretanto, a dissolução de algumas das

sociedades que se estabeleceram na cidade de Belém podem ser analisadas por meio dos Destrato

de Sociedade. Para o período analisado foram encontradas apenas cinco escrituras de destrato de

sociedade, os negócios que nesse momento eram desfeitos tiveram lugar na cidade de Belém, na

vila de Bragança, na vila de Óbidos (sertão) e, na quarta escritura, não há referência sobre a

modalidade de comércio e a localidade para onde se destinava a sociedade.

 Nas escrituras de destrato de sociedade pouco é apresentado sobre os fatores que

motivaram a sua dissolução. Elas apresentam informações sobre como e quando a sociedade foi

constituída, permitindo perceber que a dissolução ocorreu em função do tempo estipulado para a

vigência da mesma ter chegado ao fim. Salvo a sociedade firmada entre os negociantes de Belém

José Caetano Cardoso e Manuel Pinto da Silva, a qual foi desfeita em setembro de 1830 motivada

 pela morte deste último. Diante desse caso, quem assinava o destrato era o seu irmão e

testamenteiro José Pinto da Silva, que além de não ter o interesse em manter a sociedade, a sua

dissolução respeitava o desejo que o irmão havia expressado quando firmaram a mesma. 443 

Em 1793, Manuel da Costa, caixeiro da viúva de Rafael Quaresma da Silva, e Luis

Monteiro da Silva haviam contratado uma “sociedade amigável sem escritura de sociedade”, na

qual eles se comprometiam em comprar e vender fazendas e gêneros “que melhor conta lhe

faziam”. Ambos os sócios moravam na cidade de Belém, mas como o “maior sócio” era Luis

Monteiro da Silva, proprietário de uma loja de fazenda, ele ficava estabelecido na cidade

enquanto o sócio Manuel da Costa seguia (provavelmente para os sertões) com a canoa dasociedade para vender as suas fazendas.444 

Em outubro de 1794, os sócios firmaram o contrato de dissolução da sociedade, no qual o

sócio Luis Monteiro da Silva apresenta o que ficou da mesma: a canoa de venda com as fazendas,

443 Escritura de Destrato de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1183, d. 49 v., (1830).444 Escritura de Destrato e Ajuste de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1181, d. 885, (1793-1795).

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algumas dívidas, e ele ainda tinha mandado buscar da cidade de Lisboa “bens de diferentes

[ilegível] que para pagamento destas tenho feito [dois] sócios e me foi passado Letras Seguras,

 principalmente uma de 2:200$000 réis”. Os novos sócios que haviam feito para cobrir o

 pagamento das mercadorias moravam na cidade de Lisboa. Havia ainda por receber a “metade do prêmio que sair” no valor de 4$700 réis, proveniente da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa.  

Como anter iormente discutido, nessa “sociedade amigável” o caixeiro Manuel da Costa

teria as garantias de sócio, recebendo ao final da sociedade metade dos bens que fossem

creditados e divididos entre eles. Não há referências sobre a sua atividade como caixeiro da viúva

de Rafael Quaresma da Silva, ou se ele continuou exercendo essa função mesmo durante a

vigência da sociedade ou então se ele só passou a ser caixeiro depois que a sociedade com Luis

Monteiro da Silva não era mais um negócio lucrativo. Embora a expectativa de entrar numa

sociedade fosse receber os ganhos de uma viagem lucrativa para o sertão, na dissolução dessa

sociedade esses ganhos pouco foram apresentados ou arrecadados pelos sócios.

Embora não sejam apresentadas na escritura as possíveis justificativas para a sua

dissolução, nesse destrato de sociedade os sócios formalizavam em escritura as dívidas e os

créditos ainda por receber, mas nem por isso deixam de expor as modalidades de comércio que a

sociedade efetivou durante a sua vigência. Ressalta-se que essa “sociedade amigável” que

estabeleceram na cidade de Belém conectava os produtos e gêneros provenientes dos sertões da

capitania do Pará aos portos de Lisboa.

O sócio Manuel da Costa não encerrou as suas atividades comerciais após esse destrato,

muito menos saiu desse circuito mercantil entre Belém e Lisboa. Em julho de 1817, ele

apareceu445 como “negociante da praça de Belém” constituindo dois procuradores na cidade de

São Luís. Em outubro do mesmo ano, é a vez de estreitar as suas relações com a cidade de

Lisboa, para onde passou procuração em nome de Alexandre da Silva Moreira e de Izidoro da

Silva Moreira.446 

Em 1821, esse eixo de atuação do negociante Manuel da Costa entre Belém-Lisboa éinvertido, quando o negociante de Belém, Manuel José Barbosa Guimarães, o constituiu como

seu procurador na cidade de Lisboa, para onde havia se deslocado. 447 Nesse mesmo período, o

mesmo negociante Manuel Guimarães também passou procuração para José Policarpo

445 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1159, d. 60, (1821-1822).446 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1170, d. 105 e 171, (1817-1818).447 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1159, d. 268, (1821-1821).

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Gonçalves, morador da vila de Santarém, representá-lo nas vilas de Óbidos e de Santarém. Essas

 procurações são indícios de que o negociante Manuel da Costa teve uma ascensão social, desde a

sua atuação como caixeiro até o seu deslocamento para Lisboa, de onde, possivelmente, passou a

administrar seus negócios.Pode-se acrescentar aqui a análise de Jorge Pedreira sobre o retorno de comerciantes

reinóis para Portugal. A vinda de negociantes de Portugal para o Brasil poderia ser permeada pelo

fracasso, fazendo com que eles retornassem para seus lugares de origem ou permanecessem no

Brasil, se dedicando a outras atividades. Por outro lado, havia os que conseguiam ter sucesso em

sua empreitada mercantil, para essas situações, o retorno para Portugal se dava por outros

motivos. Segundo o autor, esses negociantes que conseguiram fazer tal caminho, por vezes se

estabeleciam “com negócio seu em Lisboa ou noutro ponto do país, ou vinham [para Portugal]

após terem cumprido o seu papel como correspondentes de sociedades ou parcerias comerciais

(muitas delas de base familiar) constituídas para explorar o tráfego transoceânico”.448 

Outro destrato de sociedade que apresenta a conexão entre os portos de Belém e os portos

de Portugal foi estabelecido entre o negociante Bernardo José Pais e o seu genro, Vicente José de

Moura. Em agosto de 1813, eles haviam contratado uma sociedade. Apesar de não haver

referência sobre a modalidade da sociedade, em 1818 ao assinar o destrato da mesma ficava

expresso que ao sócio Vicente José de Moura ficou a responsabilidade de “responder por

qualquer engano ou dívida que possa haver em alguma conta ou transação relativa à mesma

sociedade extinta, assim como da conta das [ilegível] feitas a Francisco José de Souza, da cidade

de Lisboa”.449 Entretanto, como o sócio Vicente Moura havia “tomado conta da venda  e remessa”

dos produtos para Portugal, o negociante Bernardo José Pais o desobrigava das dívidas que

tinham ficado na sociedade e a ele também passava a destinar os saldos da mesma.

Diante da análise das escrituras de sociedade, sejam os contratos, sejam os destratos, o

comércio realizado da cidade de Belém, geralmente, se voltava para os produtos e gêneros

 provenientes dos sertões da capitania. Os quais eram remetidos para o porto de Lisboa, ondealguns dos negociantes de Belém também constituíam sociedades para aquela praça. Em outros

casos, esses negociantes regressavam para Lisboa, onde passavam a residir para melhor

administrar os seus negócios que estavam voltados para a cidade de Belém e sertões da capitania

448  PEDREIRA, Jorge M. “Brasil, fronteira de Portugal. Negócio, emigração e mobilidade social (séculos XVII eXVIII)”. In: Anais EU , 8-9, 1998-1999, p. 61.449 Escritura de Destrato de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1170, d. 117, (1817-1818).

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do Pará. Um indício do estreitamento dessas relações é a grande quantidade de sociedades

mercantis que se firmaram diretamente para atuarem nos sertões das capitanias do Pará e no Rio

 Negro, assim como a grande quantidade de procurações que tinham nos sertões o seu principal

destino, depois da cidade de Belém, centro comercial desse circuito.

3.1.2: O giro do comércio pelo sertão da capitan ia do Pará.

Como foi apresentado acima, as expedições para o comércio no sertão da capitania

requeria um grande investimento de cabedal para armar as canoas com mercadorias para serem

comercializadas na viagem de ida; com “provisões de boca” para alimentar a equipagem e; com a

arregimentação da mão de obra (escrava e indígena) necessária para conduzir as embarcações

nessas viagens que poderia durar meses. Geralmente, os grandes comerciantes da cidade de

Belém montavam e mandavam as suas próprias embarcações para esse comércio. Em outros

casos, havia os negociantes que se associavam com outras pessoas para poder equipar uma canoa

e se lançar nessa atividade comercial para o interior da capitania.

Ao firmarem sociedade, os proprietários das casas comerciais entravam com o

investimento necessário para a compra das embarcações e para o abastecimento delas com as

mercadorias que seriam vendidas, já os caixeiros, quando entravam para a sociedade, geralmente

traziam apenas sua “argúcia e indústria”. Nesses contratos, os negociantes da praça de Belém

faziam a divisão das responsabilidades de cada um dentro da sociedade, sempre entrando com

capital e mercadorias. Entretanto, era sempre ressaltado que, chegando ao término do contrato,

tanto os lucros como os prejuízos seriam divididos em partes iguais, o que permitiu que muitos

caixeiros acumulassem capital para abrir seu próprio negócio na cidade de Belém ou investir no

abastecimento de embarcações para o comércio no sertão, que também serão discutidos nesse

item.O estabelecimento de sociedades comerciais com negociantes já estabelecidos nos sertões

do Pará era uma garantia de que as mercadorias carregadas nas embarcações teriam um destino

certo para a sua negociação, assim como conseguiriam trazer os  gêneros da terra  em grande

quantidade para serem exportados. Os sócios fixados nos portos do interior serviriam como um

empório para o comércio realizado nessas áreas afastadas de Belém. Entretanto, os mesmos

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ficariam obrigados a realizar o seu comércio exclusivamente com os seus sócios estabelecidos em

Belém.

A primeira escritura de sociedade que se teve acesso data de 1794, na qual se pode

observar o interesse dos negociantes em ater-se ao comércio nos sertões da capitania. Asociedade entre os negociantes João Pedro de Andrade e José de Oliveira de Abreu depois de

contratada, se destinaria para o circuito entre o sertão e a cidade de Belém. O sócio João Pedro de

Andrade era morador da vila de Santarém, onde se fixaria para abastecer a canoa de 80 palmos

que o sócio José de Oliveira de Abreu iria administrar pelos portos dos “sertões deste Estado”.

Além da canoa “com todos os seus pertences”, para ele também seria entregue a qu antia de

400$000 réis em dinheiro, com a qual ele iria adquirir “coisas e haveres que entender serem [de]

maior ganância e lucro”. Embora o sócio José de Oliveira de Abreu entrasse para a sociedade

apenas com “o seu trabalho e indústria de sorte”, ao final de três anos, quando da dissolução da

sociedade, os bens da mesma seriam divididos em partes iguais entre os sócios. Apenas ressaltava

o sócio João Pedro de Andrade que sobre os lucros da sociedade seriam abatidos os valores com

que entrava para a sociedade, a saber: a canoa de 80 palmos com os seus pertences e a quantia de

400$000 réis.450 

 Nessa sociedade, ambos os sócios estavam fixados nos sertões da capitania, ficando ao

sócio responsável pela canoa o tino comercial para saber adquirir os produtos de “ma ior ganância

e lucro” nos portos por onde navegasse. Não há referências sobre a venda dessa mercadoria nos

 portos da cidade de Belém, nesse caso o que pode se inferir é que o negociante estabelecido na

vila de Santarém arrecadaria os  gêneros do País  trazidos pelo sócio José de Oliveira de Abreu

 para serem vendidas aos caixeiros de alguma casa comercial ou de sociedade mercantil fixada na

cidade de Belém. Isso porque os produtos adquiridos nos sertões da capitania tinham como

 principal destino os portos da Europa.

Diante as escrituras de Sociedade analisadas, essa sociedade firmada entre os negociantes

João Pedro de Andrade e José de Oliveira de Abreu apresenta uma peculiaridade. Os sócios nãoapresentavam contato ou qualquer outro negociante estabelecido em Belém que ficaria

responsável pelo abastecimento dos mesmos e a compra dos gêneros que trouxessem do Sertão

 para serem vendidos no porto de Belém. Nesse caso, o que levaria esses negociantes de Santarém

a formalizar uma sociedade em Belém? Quem abastecia o sócio João Pedro de Andrade de

450 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1181, d. 764, (1793-1795).

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fazendas secas e molhadas para serem negociadas nos Sertões? O que se nota é que os sócios

estabelecidos nos sertões entretinham relações com os negociantes da cidade de Belém, os quais

 proviam essas mercadorias para serem aviadas nessas áreas.

A respeito dessa sociedade, decorridos os três anos previstos, ela pode ter se encerrado,quanto a isso não se encontraram referências. No entanto, pode-se inferir que durante a

sociedade, o próprio sócio João Pedro fizesse o transporte dos gêneros coletados no sertão para a

cidade de Belém, deslocamento que pode ser inferido com base na documentação sobre os

registros das canoas que saíam do sertão para Belém. Nos anos de 1812, 1813 e 1814, o

negociante João Pedro de Andrade registrou a sua canoa no posto fiscal da vila de Gurupá. Em

duas ocasiões ele havia saído da vila de Óbidos com cacau, carne seca, peixe e couros de boi,

com destino a cidade de Belém. Em 1814, o seu local de origem volta a ser a vila de Santarém, de

onde fazia o transporte de carne, sebo e cacau.451 O registro da canoa desse negociante possibilita

afirmar que a atuação de João Pedro se estendia para outras vilas próximas de Santarém a

exemplo de Óbidos, assim como a continuidade de suas atividades mercantis com a cidade de

Belém.

Para alguns negociantes, a viagem pelo sertão podia ser tomada como uma atividade

eventual, dada a possibilidade de “fazer fortuna” com os gêneros provenientes dessa região. No

entanto, havia negociantes que faziam dos sertões seu espaço regular de atuação. Mesmo nas

sociedades que se organizaram em Belém para atuar nesse circuito, pode-se perceber que um dos

sócios ou todos eles já haviam desenvolvido atividades comerciais naquele espaço.

Isso pode ser percebido na sociedade contratada entre os sócios José Pinheiro e Bento

Ribeiro, marinheiros da galera “Boa Fortuna”. Em uma escritura de abril de 1808, eles

reafirmavam a atuação que ambos tinham no comércio que era efetuado no sertão do Pará,

expressando já fazerem esse circuito com certa regularidade.452 

A sociedade possuía o capital de 3:567$530 réis, contemplando os gêneros para a

negociação, tais como as fazendas e os dois escravos para ajudar na mesma. Apesar de nasociedade não se apresentar um sócio estabelecido na cidade de Belém, para o qual se obrigariam

a comprar fazendas e a vender os gêneros dos altos rios, implicitamente os sócios Ribeiro e

Pinheiro possuíam um negociante para provê-los de fazendas secas e molhadas. Nesse caso,

451 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816).452 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1187, d. 9 v, (1807-1808).

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ficava expresso como uma das cláusulas do contrato que, diante a morte de um dos sócios, o que

ficasse com a sociedade deveria “ficar dando conta da mesma sociedade a José Ignácio”,

negociante estabelecido na cidade de Belém.453 Para tanto, os marinheiros José Pinheiro e Bento

Ribeiro passaram, cada um em separado, procuração para a cidade de Belém em nome donegociante José Ignácio, garantindo com o isso, a continuidade da sociedade para os sertões. 454 

Em 1806, Henrique José da Silva solicitou passaporte para poder regressar à cidade de

Lisboa de onde tinha vindo “com seu negócio e com ele girado pelo Sertão deste Estado (do

Pará)”,455 onde foi possível estabelecer relações comerciais para aquela área, e logo depois seguiu

viagem para Lisboa. O “giro” que realizou pelos sertões deve ter sido lucrativo, visto que no ano

seguinte ele retornou à capitania do Pará para firmar uma sociedade mercantil para o comércio no

sertão.

Em 1807, Henrique José da Silva e os sócios Joaquim José Lopes e Manuel José Gomes

contrataram sociedade mercantil de uma canoa para fazer “Negócio pelos Sertões deste Estado”.

O sócio Joaquim José Lopes entrou com a quantia de 2:079$984 réis, enquanto o sócio Henrique

José da Silva entrava com 1:648$343 réis, perfazendo o capital total da abertura da sociedade o

valor de 3:724$227 réis, o que compreendia o valor da canoa e das outras despesas já feitas com a

sociedade. O sócio Manuel José Gomes entrava para a sociedade “com a sua argúcia e trabalho

da administração da mesma negociação da canoa” que se lançaria ao comércio no sertão da

capitania.456 Acertaram os sócios em dividir os lucros e despesas em três partes iguais, porém as

fazendas que não fossem vendidas nos sertões pelo sócio Manuel José Gomes deveriam ser

remetidas novamente ao sócio Joaquim José Lopes, que ficaria estabelecido na cidade de Belém.

Essa cláusula os obrigava assim a fazer comércio do que seria comprado e vendido apenas entre

os sócios que estavam firmando a sociedade.

 Nesse caso, é possível que essa sociedade mercantil que agora eles firmavam para

negociar no sertão da capitania fizesse a conexão entre os portos de Lisboa e Belém, onde

 provavelmente deveria possuir ou abastecer uma loja, para a qual aviaria todas as mercadoriasimportadas da Europa. Como foi afirmado anteriormente, essas relações entre Belém e Lisboa

não costumavam estar expressas nos contratos mercantis. Com frequência, nas escrituras

453 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1187, d. 9 v, (1807-1808).454 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1187, d. 52 e 53, (1807-1808).455  Nas informações do passaporte constava ser ele “natural de São Miguel (Açores) de idade  de 30 anos”.AHU_ACL_CU_013, Cx. 137, d. 10379. Pará, 02/04/1802.456 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1187, d. 53 v, (1807-1808).

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coletadas, um dos sócios é proprietário de lojas em Belém, de onde saem as mercadorias para

abastecer as canoas que vão seguir para o interior.

Em 1821, o alferes Bento José da Silva457  era um negociante estabelecido na cidade de

Belém, onde possuía uma loja de secos e molhados. Ele estabeleceu uma sociedade mercantilcom Bernardino de Senna Cauper e Felipe José Tavares, que também eram negociantes

estabelecidos e residentes na cidade de Belém. A sociedade tinha parte de seus fundos

empregados em fazendas secas e molhadas, uma “canoa denominada Constituição, um escravo

 por nome Antonio, importando na quantia de 800$000 réis”, acrescentando mais 750$000 réis e

800$000 réis que entraram os sócios Cauper e Tavares, respectivamente, perfazendo o fundo da

sociedade em um total de 9:550$000 réis.458 

 No contrato, se estipulava que os sócios viveriam “juntos ou separados cada um em cada

Lugar, ou Vila para melhor expediente do negócio, podendo ir algum dos sócios até os Domínios

de Espanha com alguma especulação por conta da sociedade”. Nesse caso, a sociedade se

destinava ao comércio do Rio Negro e, a partir de lá, negociariam com a população estabelecida

na fronteira entre o domínio português e espanhol. Como cláusula da sociedade foi explicitado

que se esperava haver entre eles “a fidelidade que de todos os sócios se espera”, isso porque seria

utilizado as suas fazendas na compra dos gêneros da terra e assim que houvesse mercadoria para

abastecer “a canoa ou canoas que devem andar no giro de lá para esta cidade [Belém] e de lá para

cá farão [ilegível] direitura ao sócio desta cidade, trazendo os gêneros e levando para lá as

fazendas que forem pedindo para sortimento seguindo a melhor extração e preç o”.459 

Entretanto, na escritura eles ressaltavam que diante das situações em que as viagens

fossem “impraticáveis e arriscadas”, os sócios do sertão deveriam “comprar ou mandar construir

canoas, botes ou igarités que forem precisas, como também comprar escra vos”. Percebe-se que a

finalidade da sociedade era se estabelecer no sertão e poder atuar na região mesmo em períodos

em que a navegação não fosse propícia às embarcações de grande calado. O fato de fazerem

viagens regulares para Belém reduziria a quantidade de viagens possíveis para os domínios

457  Em 1791, Bento José da Silva era mestre da charrua “Santo Antonio Providência” e costumava fazer viagensentre o Pará e Lisboa transportando madeira. Em 1817, ele apresenta um requerimento para o rei D. João VI como“caixeiro da casa de negócios, solteiro e natural da cidade de Lisboa de idade de 26 anos”, no qual solicitava

 passaporte para se deslocar à cidade de Belém. AHU_ACL_CU_013, Cx. 148, d. 11365, anterior a 24/10/1817.458 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 143, (1820-1821).459 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 143, (1820-1821).

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espanhóis, visto que uma viagem redonda (de ida e volta) até Belém poderia demorar até nove

meses.

Com o passar do tempo, a atuação da sociedade na fronteira do Rio Negro com os

domínios espanhóis tornou-se um negócio tão rentável que o sócio Bernardino de Senna Cauperacabou se fixando naquela região até passar em definitivo para o lado peruano da fronteira, após a

Cabanagem.460 Segundo João Wilkens de Mattos, Bernardino de Senna Cauper era um dos mais

importantes negociantes do Departamento peruano de Loreto em meados do XIX. Além da suas

atividades comerciais naquela fronteira entre Brasil e Peru, ele também se dedicava a criação de

gado na vila de Nauta (Peru).461 Em 1827, o negociante Cauper foi cicerone do viajante Henrique

Maw na vila de Egas. Nos relatos que ouviu, Maw afirma que o comércio entre a cidade do Pará

e as pequenas localidades do Rio Negro era realizado “por meio de pequenas embarcações de

vinte a quarenta toneladas, e fazem, (...) duas viagens por ano; os principais donos delas são Mr.

Cauper e comandante” de Ega.462  Geralmente, nas fontes coletadas aparecem relatos de

comandantes que efetuam o comércio nos sertões e na capitania do Rio Negro, para tanto

costumavam se valer de seus postos para obter vantagens para a realização desse comércio.

Em alguns momentos, os negociantes que atuavam nessas áreas do sertão e do Rio Negro

tiveram ganhos políticos em função do comércio que desenvolviam. Um dos negociantes que

tiveram ascensão política por meio das suas relações comerciais nos sertões do Pará foi o capitão

João Lopes da Cunha. Em 1800, consta em seu nome uma solicitação de licença para viajar à

cidade de Lisboa onde iria tratar de seus negócios. No documento se afirmava que ele vinha

“comerciando até agor a nesta cidade [de Belém] e nos Sertões deste Estado e conservando ainda

o mesmo negócio para benefício e precisão do mesmo negócio necessita ir à Lisboa”. 463 O que

 pode se inferir que a atuação dele na cidade de Belém e nos sertões da capitania ocorria desde

fins do século XVIII, sendo o contrato que ora assinava uma confirmação dessas atividades

mercantis.

460 BASTOS, Carlos Augusto. “Comércio e fronteira entre Brasil e Peru: trocas mercantis e conflitos locais (c. 1840-c. 1860)”. In:  Anais Eletrônicos: III conferência internacional em história econômica e V encontro de pós-

 graduação em história econômica. Brasil: UNB, 2010.461  MATTOS, João Wilkens de.  Diccionário Topographico do Departamento de Loreto na Republica do Peru.(Edição fac-similar de 1874). Iquitos: IIAP-CETA, 1984.462 MAW, Henry Lister. Narrativa da passagem do Pacífico ao Atlântico, através dos Andes nas províncias do nortedo Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Pará. Manaus: Associação Comercial do Amazonas/Fundo Editorial,1989, p. 209.463 AHU_ACL_CU_013, Cx. 117, d. 9029. Pará, 14/05/1800.

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 Nesse caso, ele era estabelecido em Belém, mas possuía sociedades mercantis na vila de

Santarém (Pará) e em Cuiabá (Mato Grosso). Em 1820, o capitão João Lopes da Cunha e Manuel

de Almeida Oliveira, negociantes estabelecidos na cidade de Belém, contrataram uma sociedade

mercantil para a venda de fazendas secas e molhadas para o interior do Pará.João Lopes da Cunha ficaria estabelecido na cidade de Belém, de onde remeteria as

fazendas, a canoa, os escravos e demais utensílios de que o sócio Oliveira viesse a precisar para o

seu deslocamento até a vila de Santarém. Mesmo sem entrar com capital algum, o negociante

Oliveira receberia metade dos lucros da sociedade, porém ele ficava obrigado a “ir residir na vila

de Santarém desta comarca pondo aí uma loja de fazendas secas e molhadas para vender por

conta da sociedade, entrando em iguais ganhos ou prejuízos sem levar comissão alguma ou

salário pela sua administração”. O sócio Oliveira poderia fazer em sua canoa alguns fretes de

 produtos, mas a aquisição de fazendas e de tudo o que mais precisasse para ser revendido na vila

de Santarém deveria ser solicitada ao senhor Cunha em Belém, para onde deveriam ser remetidos

todos os gêneros adquiridos no interior.464 

 Nesse período, a vila de Santarém era considerada, nas palavras dos viajantes Spix e

Martius, “o empório do comércio entre a parte ocidental da Província do Pará e a capital”

(Belém). Eles continuam afirmando que das margens do rio Tapajós, “trazem cacau,

salsaparrilha, cravo-do-Maranhão, algum café, algodão e borracha”, produtos que eram

comercializados na cidade de Belém e depois exportados para a Europa. A vila de Santarém

também servia de entreposto comercial para a capitania de Mato Grosso, sendo mais viável a

negociação das mercadorias que saíam de Belém para aquela área e vice-versa. A relação

comercial que se estreitava com os negociantes de Santarém se realizava a partir da “navegação

do (rio) Tapajós até a província de Mato Grosso”. Ainda segundo as descrições dos viajantes, os

negociantes de Santarém desciam o rio “não simplesmente para manter o comércio com os mato -

grossenses, mas também para permutar” com as tribos vizinhas. 465 

O movimento contrário ao descrito por Spix e Martius também ocorria. Segundo outroviajante que passou por essa região, Hércules Florence, os negociantes de Diamantino (Mato

Grosso) costumavam seguir com suas embarcações para os portos de Santarém em busca de

mercadorias e de medicamentos.466  Na descrição que ele fez de uma canoa, o negociante

464 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 359, (1820-1821).465 SPIX e MARTIUS, Op Cit , pp. 99-100.466 Esse comércio com a capitania do Mato Grosso será apresentado no próximo capítulo.

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transportava do porto de Santarém para Diamantino “uma dúzia de potezinhos de vinho, cinco ou

seis caixas de genebra, três caixotes de guaraná, igual número de bruacas de sal, mais alguns

objetos e víveres que, desde, Santarém deviam servir para três meses, constituíam o carregamento

da igarité”. Para Florence, era uma quantidade pequena de mercadoria que o negociantecarregava, mas afirmava que ele teria “um lucro certo de 840$000, embora pagasse o trabalho,

em viagem redonda, de dez homens e o custo das mercadorias em Santarém”. 467 

Anos depois, durante a passagem de Henrique Maw por Santarém foram observadas

algumas peculiaridades dessa vila em relação as outras que estão situadas no sertão. Segundo ele,

havia alguns ingleses estabelecidos nessa vila que possuíam casas comerciais, como também se

relacionavam com outros negociantes ingleses da vila de Óbidos e ao longo do rio Tapajós. Havia

uma grande comunidade de negociantes ingleses estabelecidos na cidade de Belém, mas que

 possuíam representantes, também ingleses, nessas vilas do sertão. Como o negociante inglês,

João Gay, o qual possuía casa comercial em Santarém, mas que ficava fixado em Belém de onde

administrava os seus negócios. Na vila de Santarém, quem ficava “manejando os negócios de Mr.

Gay” eram outros dois ingleses, um deles por nome Mr. Jeffries. 468 Entretanto, em 1824, João

Gay havia passado procuração para que o seu irmão, Jorge Gay, e João Rudolpho Hein o

representassem tanto na cidade de Belém como na província do Pará. 469 A rede comercial desse

negociante era bem ampla, tendo em vista os registros sobre outros negociantes que trabalhavam

 para ele ou com quem estreitava relações.

 Nota-se que as procurações de negociantes ingleses, moradores ou não na cidade de

Belém, tinham destinos específicos. Foram encontradas 10 procurações outorgadas por ingleses,

todas elas concentradas na década de 1820. Entre as cinco procurações para a cidade de Belém,

todos os procuradores eram negociantes ingleses. Outras seis procurações tinham como destino as

Províncias do Pará (Sertões, Marajó e Cametá470) e do Mato Grosso, apresentando como seus

 procuradores ingleses e portugueses. O negociante Diogo Campobelo e a Companhia Anderson

da Inglaterra constituíram como seus procuradores na vila de Diamantina, em Mato Grosso, osirmãos Antonio José Ramos e Costa e José Joaquim Ramos e Costa, além de outro procurador

467 FLORENCE, Hércules. Op. Cit., pp. 225-226.468 MAW, Henry Lister. Op. Cit., p. 234.469 APEP, LNTP, n. 1193, d. 77, (1828-1830).470 Cametá era uma vila importante para o escoamento de mercadorias, pois além do comércio que realizava com acidade de Belém, também tinha conexão fluvial com a capitania de Goiás, pelo rio Tocantins.

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que havia nomeado para atuar nos sertões.471  As procurações para os sertões assinalam o

direcionamento que os negociantes de Belém davam para as suas relações comerciais, o que pode

ser inferir por meio de outros documentos.

Da mesma forma, as escrituras de contrato de sociedades mercantis também sãoreveladoras das áreas onde o trato comercial se mostrava relevante para os negociantes

estabelecidos em Belém. As sociedades firmadas na vila de Santarém garantiam além do contato

com o interior de Mato Grosso, o abastecimento de gêneros e mercadorias para o porto de Belém,

como também o estreitamento das relações dos comerciantes fixados nessas áreas com os

negociantes das vilas vizinhas (Alenquer, Óbidos e Monte Alegre) e os de Belém.

A sociedade entre os negociantes João Lopes da Cunha e Manuel de Almeida Oliveira

revela outras práticas recorrentes no comércio realizado na capitania do Pará. Segundo João

Lopes da Cunha, após receber os gêneros enviados de Santarém, ele os venderia na cidade de

Belém “pelos preços correntes e fará conta dos ditos preços ao sócio Oliveira para a sua

inteligência de cada venda ou risco da venda”. Os riscos seriam arcados por ambos, isso porque

Cunha afirmava que a “pura experiência tem mostrado que é indispensavelmente necessário

haver alguns fiados”,472 pelos quais também ficaria responsável de cobrar.

Ainda como cláusula dessa sociedade, o negociante João Lopes da Cunha afirmava que

havia contratado outra sociedade para a cidade de Cuiabá com o tenente Antonio Peixoto de

Azevedo. Para incrementar o comércio com aquela cidade, João Lopes da Cunha precisava “fazer

em Santarém um depósito de fazendas secas e molhadas para que de Cuiabá, ou sua parte

superior, do Rio Santarém ali as vierem buscar e ter prontas em Armazéns”. Nesse caso, o

negociante Oliveira ficaria responsável de receber as mercadorias e as guardaria em separada das

suas “para as entregar quando de cima lhes pedirem e receber os gêneros e dinheiros que devem

lhe entregarem para as fazer regressar para esta cidade do Pará a ele sócio Cunha”, para tanto

receberia um livro em separado onde faria nota das despesas e ganhos da sociedade de Cuiabá.

Mas para realizar essa transação em nome do negociante Cunha, Oliveira não receberia ganhoalgum por isso, ao tenente Antonio Peixoto de Azevedo cabia fazer o pagamento das despesas

com “armazém, canoas, índios e mais precisos para  a referida sociedade do sócio Cunha”.473 

471 APEP, LNTP, n. 1193, d. 76 e 79 v., (1828-1830). O nome desses negociantes ingleses foram “aportuguesados”na própria escritura.472 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 359, (1820-1821).473 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1152, d. 359, (1820-1821).

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Em 1821, o capitão João Lopes da Cunha continuou diversificando a sua atuação

comercial para o sertão da província, firmando outra sociedade com outro negociante da vila de

Santarém. Ressaltando-se que ainda estava em vigor o contrato assinado em agosto de 1820 com

o negociante Manuel José de Oliveira, a nova sociedade que firmava com o negociante FranciscoXavier da Silva era de um engenho.474  Nesse estabelecimento, deveriam “fazer aguardente, mel e

mais plantações de arroz”. Na sociedade contratada, “o gêneros provenientes do mesmo engenho

e lavoura serão vendidos em Santarém e o seu produto poderá vir para esta cidade [Belém],

empregado em cacau ou em outro gênero do Sertão”. Entretanto, nesse novo estabelecimento que

abria ficava firmado entre eles “não se poderão fiar para o Rio Negro e o sócio que o fizer, o fará

 por sua conta particular e não da sociedade”, caso precisasse fiar os produtos, que o fizesse para

“pessoas que tenham bens de raiz, (...) porque querendo   executar o devedor, se ele não tem

estabelecimento de bens está a dívida perdida”.475 No Grão-Pará, a prática de aviar mercadorias

através da permuta era muito comum, visto que na região os pequenos produtores costumavam

trocar os gêneros coletados pelas mercadorias que os caixeiros e negociantes levavam em suas

canoas quando subiam os rios da região.

O negociante João Lopes da Cunha continuou estabelecendo as suas atividades comerciais

entre as duas regiões. Em 1822, ele também passou a exercer cargos políticos na capitania do Rio

 Negro, a qual ele representaria como “deputado substituto às Cortes Constituintes” em Lisboa,

 para onde se dirigiu.476  Em junho do mesmo ano, solicitava “confirmação de carta patente no

 posto de tenente-coronel do Corpo de Tropa de Milícias da vila de Cametá, na província do

Pará”.477 Outro registro desse negociante é um requerimento “solicitando passaporte para seguir

viagem para a província do Pará”, no qual foi possível conhecer um pouco da trajetória dele. Na

solicitação constava que João Lopes da Cunha era “Cavaleiro da Ordem de Cristo, Negociante e

Lavrador no Pará, solteiro de idade de 51 anos, natural de Lisboa”. 478 

 Nessas circunstâncias, os negociantes de Belém firmavam sociedades com negociantes já

estabelecidos nos sertões do Pará ou na capitania do Rio Negro para ampliar a sua atuação474 Além da escritura de sociedade, o capitão João Lopes da Cunha nomeou o seu sócio Francisco Xavier da Silva eJosé Policarpo Gonçalves para seus procuradores na vila de Santarém e outras vilas do sertão. Possivelmente, essa

 procuração serviria para o sócio responder sobre as questões relacionadas à sociedade que ambos contratavam, comotambém resolver algum problema decorrente das outras duas sociedades que o capitão tinha para aquela região.APEP, LNTP, 1159, d. 166, (1820-1821).475 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, s/n, d. 98, (1816).476 AHU_CU_013_Cx.154, d. 11855 e 11861. Pará, 22/06/1822.477 AHU_CU_013_Cx.154, d. 11938. Pará, 20/09/1822.478 AHU_CU_013_Cx.154, d. 12311. Pará, 10/12/1823.

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naquelas áreas e diversificar ainda mais as suas relações econômicas. Em 1808, os negociantes

João Pedro Ardasse479 e Francisco Ricardo Zani também estabeleceram sociedade comercial, mas

 para uma canoa denominada “Águia do mar” com carregamento de fazendas diversas como

objetivo de negociar na capitania do Rio Negro.480 O negociante Ardasse entrava para sociedadecom a quantia de 2:665$854 réis, enquanto o negociante Zani, “que costuma negociar na

capitania do Rio Negro”, entrava para a sociedade apenas com a sua “argúcia”, entretanto os

lucros seriam divididos em partes iguais. A sociedade funcionaria da seguinte forma: João Pedro

Ardasse enviaria da cidade de Belém para Francisco Ricardo Zani as fazendas secas e molhadas

 para serem vendidas nos sertões e de lá seriam remetidos os “gêneros do País” (as drogas do

 sertão) para que o sócio Ardasse as comercializasse na casa comercial que possuía em Belém.

A sociedade mercantil firmada entre os negociantes Ardasse e Zani é representativa das

relações comerciais que se estabeleceram na cidade de Belém. A partir dela foi possível construir

uma trajetória da atuação deles na praça mercantil de Belém, o que lhes permitiu usufruir de

 prestígios nas áreas em que se fixaram. Nesse caso, destacar-se-á a atuação do negociante

Francisco Ricardo Zani na capitania do Rio Negro, como também a sua ascensão política por

meio dessas relações comerciais.

A identificação de Francisco Ricardo Zani no contrato da sociedade é reveladora da sua

atuação no Rio Negro. Em 1816, Zani registrou uma canoa no posto fiscal de Gurupá.481 A canoa

havia saído da capitania do Rio Negro carregada com 600 arrobas de cacau e 20 arrobas de

tabaco. A embarcação conduzida por sete índios remeiros seguia para a cidade de Belém,

 provavelmente para a casa comercial do negociante Ardasse.

Em 1819, o negociante Francisco Ricardo Zani foi mencionado nos registros dos viajantes

Spix e Martius como

capitão de milícias hoje chefe do Estado Maior, oriundo de Livorno,domiciliado havia 14 anos no Rio Negro, que, por feliz encadeamento de

circunstâncias, foi meu companheiro (por 7 meses) na maior parte daviagem ao interior do Pará e Rio Negro.482 

479 João Pedro Ardasse era negociante matriculado na praça de Belém. Em 1812, em uma solicitação de passaporteda Cidade de Lisboa para Belém, João Pedro Ardasse aparece como filho do músico Pedro Manuel Ardasse, naturalda cidade de Lisboa, solteiro e com 33 anos. AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, d. 10982, anterior a 15/10/1812.480 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, LNTP, n. 1187, d. 46, (1807-1808).481 APEP, SGCGPRN, Códice 659, CDG (1812-1816).482 SPIX e MARTIUS. Op Cit , p. 38

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Essa informação permite inferir que o negociante Zani já estava no Rio Negro desde o

início do século XIX. O “capitão Zani” possuía uma embarcação grande com a qual transportava

salsaparrilha e cacau da região do Rio Negro para a cidade de Belém, mas não eram apenas essas

informações que os viajantes ofereciam.483  Ele também foi encarregado pelo Imperador deorganizar dois regimentos na capitania do Rio Negro. Isso foi efetivado no início da década de

1820, quando as capitanias do Pará e do Rio Negro passaram por “tempestades políticas” . Os

viajantes concluem afirmando que Zani havia estabelecido no Amazonas diversos pontos

fortificados e, “por sua perseverança”, que em muito contribuiu para conseguir a “pacificação

daquelas regiões”, foi agraciado com “uma Comenda da Ordem de Cristo e a confiança do

Imperador D. Pedro que o encarregou agora, como coronel, da formação dos regimentos de

milícias”.484 

Em 1827, o viajante inglês, Henry Lister Maw, quando passou pelo Rio Negro, também

fez referências à atuação do negociante Francisco Ricardo Zani naquela região. Segundo suas

informações, Zani havia alcançado o posto de coronel por ter, entre outras coisas, ajudado os

doutores Spix e Martius na viagem que realizaram para o Rio Negro, em 1819. Maw escreve

também que Zani

“era italiano por nascimento, que em consequência das ordens de

 Napoleão, ele servira quando rapaz como conscrito, mas que não gostandode servir aos franceses se escapara para bordo da fragata inglesa Thalia,em que foi a Lisboa e de lá veio ao Brasil. (...) Tinha-se ele casado com afilha do último governador da comarca, e uma das suas filhas era casadacom o ouvidor, que acabava de ser nomeado desembargador doMaranhão, e introduziu-nos a ele, achando-o nós uma pessoa de muitainformação”.485 

Diante dessas informações, pode-se pensar a ascensão política que o negociante Zani teve,

na região do Rio Negro, no decorrer dessas duas décadas. Patrícia Sampaio, com base em

inventário desse negociante, analisou a trajetória dele pelo Rio Negro e na cidade de Lisboa, ondeveio a falecer em 1834. Zani foi “casado com Josefa Perpétua, a filha do governador do Rio

 Negro, Joaquim José Vitório da Costa”. Esse casamento lhe trouxe favorecimentos econômicos,

 pois associava a sua condição de militar e genro do governador para apresar, ilegalmente, os

483  Idem. 484  Idem, p. 252.485 MAW, Henry Lister. Op. Cit., p. 209.

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índios da região. Em seu inventário, no engenho que possuía em Manaquiri (próximo à Manaus)

tinha “casa de vivenda, engenho, senzalas de escravos e índios, armazéns, salas de fiação, olaria e

forja. Fabricavam-se aguardente, açúcar, farinha, telhas, tecidos grossos de algodão e redes”,

além das plantações de café, cacau, tabaco, milho e arroz. 486 As relações comerciais de Francisco Ricardo Zani se estenderam por todo o Rio Negro e

capitania do Pará onde tinha credor, além do Rio de Janeiro e Lisboa, onde também possuía

 propriedades que não foram avaliadas em inventário. Diferente de Bernardino de Senna Cauper

que atravessou a fronteira com a América espanhola durante a Cabanagem, Zani já havia se

estabelecido em Lisboa durante os conflitos da década de 1830. Porém sua propriedade no Rio

 Negro foi invadida e parte de seus bens foram saqueados, e os bens que restaram foram vendidos

“para atender às necessidades de manutenção dos herdeiros e dos trabalhadores da

 propriedade”.487 

Zani conseguiu estabelecer redes de relações que não perpassavam apenas pela esfera do

comércio, mas se apoiou na conquista de cargos políticos relevantes para a administração daquela

capitania. Isso é um indicativo da ascensão dele dentro daquela sociedade e igualmente um

reconhecimento público de sua atuação na capitania do Rio Negro. Somam-se a isso as relações

que passa a estabelecer com outras localidades a partir do casamento de sua filha com o ouvidor

do Maranhão.

Diante disso, pode-se inferir que as redes de relações tecidas pelos negociantes de Belém

foram estabelecidas em diferentes pontos e portos da região, não se limitando apenas à praça de

Belém. Nesse caso, a diversificação das relações econômicas desses sujeitos estendeu-se às

capitanias vizinhas ao Pará, como a de Maranhão, Goiás e Mato Grosso, onde o porto de Belém

representava um entreposto comercial para a cidade de Lisboa. Nota-se que o incentivo do

comércio e circulação para essa região era controlado não apenas pelos postos ficais na vila de

Gurupá, onde se registravam as embarcações que seguiam em direção ao porto de Belém, mas

também obter com a mesma regularidade as informações sobre as atividades realizadas próximasà fronteira. O comércio na região era importante para o desenvolvimento econômico da capitania,

mas o controle das fronteiras para obstar qualquer troca de ideias políticas entre as outras

486  SAMPAIO, Patrícia Maria Melo.  Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia Sertões doGrão-Pará, c. 1755-c. 1823. Niterói: UFF, 2001, Tese de Doutorado.487  Idem, pp. 104-105.

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 possessões estrangeiras era fundamental para a consolidação daquele espaço.488 Além disso, para

alguns sujeitos, esse comércio possibilitou uma ascensão política nos locais em que esses

negociantes atuavam, seja através do reconhecimento por serviços prestados (ora como militar,

ora como comerciante), seja através das alianças familiares que se firmavam nesses espaços.

488 HARRIS, Mark. Rebellion on the Amazon: the Cabanagem, race, and popular culture in the North of Brazil, 1798-1840. New York, Cambridge University Press, 2010, p. 14

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4- A Capitania do Pará e as conexões com Lisboa e com as capitanias do

Maranhão e do Oeste da América portuguesa.

As relações comerciais dos negociantes de Belém não se concentravam apenas nas

vilas do interior e na capitania do Rio Negro. Para além desses eixos de negociação, os

negociantes conseguiram estabelecer relações comerciais para as capitanias vizinhas, como

Maranhão, Mato Grosso e Goiás. As práticas comerciais desenvolvidas no Pará também se

articulavam com outras áreas da América portuguesa, onde essas capitanias configuraram-se

em vetores de dinamização para as trocas comerciais e ocupação da região. As providências

 para a comunicação entre as capitanias do Pará, do Mato Grosso (pelo rio Madeira ouTapajós) e de Goiás (pelo rio Tocantins489) ocuparam um ponto importante no planejamento

dos governadores do Estado do Grão-Pará. As autoridades viam nessas rotas fluviais os mais

adequados caminhos para promover a integração comercial e administrativa da capitania ao

restante do império português na América. Além disso, essa articulação abreviaria o contato

entre as capitanias do interior, lhes garantindo suporte e socorro diante possíveis ataques de

indígenas490 às embarcações de transporte (de mercadorias e de pessoas) que circulavam pelo

sertão.

Entretanto, essas demandas para dinamizar as trocas comerciais entre Pará, Maranhão,

Mato Grosso e Goiás também foram ponto de discussão entre os governadores das capitanias

acima citadas sobre as providências que seriam adotadas para realizar essa ligação, pois dela

também dependia a defesa do império contra as invasões estrangeiras. Desde a fundação das

vilas no oeste do Estado do Brasil que o projeto de impulsionar a comunicação do litoral com

o interior do império está presente nas correspondências das autoridades e nos projetos para o

aproveitamento econômico da região.

489  Sobre o processo de ocupação e aproveitamento comercial do rio Tocantins ver: FLORES, Kátia Maia.Caminhos que andam: o rio Tocantins e a navegação fluvial nos sertões do Brasil. Minas Gerais: UniversidadeFederal de Minas Gerais, 2006, (Tese de doutorado).490 A esse tipo de ataque, as autoridades classificavam como realizadas por nações de “gentios de corso”, poisapresavam as cargas das embarcações que circulavam pela região. A nação dos índios Mura era caracterizada pelo domínio náutico de todo a região que compreendia o rio Madeira (de onde eram originários) até o rioTocantins. Segundo Marta Rosa Amoroso, os Mura “foram conhecidos como ‘gentio de corso’, imagem náuticautilizada no período colonial para definir os povos que permaneciam afastados dos povoamentos, constituindo

uma ameaça aos empreendimentos coloniais, saqueando e roubando as aldeias de índios domésticos e asembarcações coloniais”. AMOROSO, Marta Rosa. “Corsários no caminho fluvial: os Mura do rio Madeira”. In:CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.).  História dos Índios no Brasil.  São Paulo: Companhia das Letras:Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992, pp. 297-310.

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Mapa 4.1: Grão-Pará, Rio Negro, Maranhão, Mato Grosso e Goiás

Fonte: Nova Carta do Brazil e da América Portugueza, 1821. Disponível on-line: http://purl.pt/880/3/ 

Cabe destacar, entre esses projetos de aproveitamento dos sertões do império, as

descrições e informações coletadas pelas expedições científicas que passaram pelas capitanias

do Estado do Grão-Pará e do oeste do Estado do Brasil. Ao analisar os relatos deixados pelas

expedições e seus viajantes, Ronald Raminelli conclui que essas viagens tinham dois

aspectos. Primeiramente, o seu objetivo científico (ao coletar as espécies para aclimatá-las em

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outras regiões, fazer as suas descrições e desenhos). Em segundo, as expedições acabavam

tendo um princípio econômico, quando eram ressaltadas as finalidades, potencialidades e

aproveitamentos econômicos que a Coroa portuguesa e seus administradores poderiam

atribuir às espécies encontradas. O autor afirma que a expedição de Alexandre Rodrigues

Ferreira é um diferencial em relação aos relatos de outros viajantes, pois ele estaria atuando

mais como um “agente colonial”, realizando as coletas (de espécies e de informações)

voltadas para uma perspectiva “econômica e utilitarista em detrimento da ciência”. Devido a

isso, a expedição de Rodrigues Ferreira foi “singular”, pois articulava a ciência com a

colonização.491 

 Nas correspondências trocadas entre os governadores dessas capitanias e o Secretário

de Estado, Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, sempre havia a associação entremetas para se garantir a efetivação da ocupação e o desenvolvimento comercial daquele

espaço. Nessas comunicações oficiais, pode-se afirmar que três pontos eram os mais

recorrentes, a saber: o estabelecimento da comunicação interna, do comércio e da defesa

daquela região.492  Desse modo, essas metas pontuaram os ofícios das autoridades

administrativas durante os séculos XVIII e XIX. A respeito dessas providências, o governador

D. Francisco de Sousa Coutinho informava sobre as implementações que ele passaria a adotar

 para tornar mais regular a comunicação entre as capitanias. Isso ocorreria através das rotas denavegação, do estabelecimento de povoações nas margens dos rios e de fazendas de gado para

abreviar “a prontidão dos socorros principalmente de víveres” aos comerciantes que

circulassem naquela região,493  estabelecendo-se, assim, algumas relações comerciais de

negociantes de Belém com as praças comerciais daquelas capitanias, através da malha

navegável dos afluentes do rio Amazonas.

As rotas navegáveis entre as vilas do interior e o litoral sempre foram utilizadas pelas

comunidades indígenas situadas nesses sertões, daí a grande utilização dos índios comoremeiros das canoas de comércio. Como afirmado no primeiro capitulo deste estudo, as vilas

fundadas pelo Marquês de Pombal eram antigas aldeias indígenas que os jesuítas passaram a

491  RAMINELLI, Ronald. “Ciência e colonização- Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira”. In: Revista Tempo, Niterói, v. 7, 1998, pp. 157-182. Maria de Fátima Costa escreveu sobre a Viagem Filosófica deAlexandre Rodrigues Ferreira contextualizando a sua expedição dentro do quadro das viagens realizadas naAmérica portuguesa no mesmo período, ponderando sobre a atenção dispensada à capitania do Pará e a que pouca ênfase à capitania do Mato Grasso. Não obstante isso, o seu objetivo nessa capitania atendeu às “questõesmineralógicas e o reconhecimento estratégico da raia fronteiriça com os territórios castelhanos”. COSTA, Maria

de Fátima. “Alexandre Rodrigues Ferreira e a capitania de Mato Grosso: imagens do interior”. In:  História,Ciências, Saúde –  Manguinhos, vol. VIII (suplemento), 993-1014, 2001.492 AHU_CU_013, Cx. 72, d. 6137. Pará, 20/06/1774.493 AHU_ACL_CU_013, Cx. 116, d. 8955, Pará, 22/11/1799.

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ocupar e a aproveitar todo o sistema de comunicação fluvial e terrestre construídos pelas

antigas nações indígenas para fazer circular o seu comércio. Essa observação também é válida

 para os “caminhos das águas” que os indígenas consolidaram para garantir a “integração entre

as aldeias, navegando tanto pela costa como pelos rios”, o mesmo era percebido para articular

e conectar as aldeias pelos caminhos terrestres. Segundo Thereza Presotti, esses

conhecimentos facilitavam a integração das diversas comunidades, bem como as trocas

socioculturais que foram efetuadas entre essas nações.494 

Em estudo sobre a mão de obra aplicada nessas viagens, Francismar Carvalho

reconhece a relevância que os “intercâmbios culturais com os indígenas” tiveram para que a

empresa da ocupação e comércio com o sertão da América portuguesa fosse exitosa. Através

do contato com as nações indígenas foi possível diluir os perigos e incertezas presentes nanavegação pelos rios dessa região. Com base no registro de viajantes e naturalistas que

descreveram essas práticas de navegação fluvial, o autor consegue construir alguns aspectos

sobre o cotidiano nas viagens pelos rios do oeste do Brasil. 495  Rodrigo da Silva também

aborda sobre a importância que o conhecimento dos “métodos de navegação e

caminhamento” indígenas teve para a “conquista” do sertão. Sem a adoção das “técnicas

indígenas de navegação”, as atividades comerciais para o interior do império não teriam tido o

sucesso necessário para efetivar o contato do interior com o litoral.496

 Desde a segunda metade do século XVIII que se processava a formulação de projetos

voltados para a articulação do Pará com as capitanias vizinhas, interligando as cidades do

litoral com as situadas no interior do império. Na década de 1770, o “Secretíssimo Plano de

Comércio” do Marquês de Pombal visava, entre outras coisas, “consolidar as comunicações e

comércio com a capitania do Mato Grosso, em primeiro lugar e, em segundo lugar com a de

Goiás pelo Grão-Pará”.497  Segundo Barbara Sommer, parte da estratégia geopolítica de

Pombal voltou-se para o planejamento das conexões entre as capitais regionais (Belém,

494 PRESOTTI, Thereza Martha Borges. Na trilha das águas: índios e natureza na conquista colonial do centroda América do Sul: Sertões e Minas do Cuiabá e Mato Grosso (século XVIII). Brasília: Universidade de Brasília,2008. (Tese de Doutorado).495  CARVALHO, Francismar Alex Lopes de. “Práticos do Sertão: interculturalidade e experiência na vidacotidiana dos trabalhadores nas canoas monçoeiras (século XVIII)”. In:  Métis: história & cultura, v. 5, n. 9, pp.207-230, jan./jun. 2006.496 SILVA, Rodrigo da. “Monções revisitadas: patrimônio e cultura material”. In:  Revista de História da Arte e Arqueologia, n. 7/ jan.-jun. 2007, pp. 5-20.497 SANTOS, Corcino Medeiros dos. Três ensaios de História Colonial. Brasília/DF: Senado Federal, ConselhoEditorial, 2007, p. 88.

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Barcelos e Vila Bela), estabelecendo fortificações ao longo dos rios e das zonas limítrofes dos

domínios portugueses.498 

João Pereira Caldas,499 governador do Pará, e os deputados da Companhia Geral de

Comércio do Grão-Pará e Maranhão teriam uma atuação fundamental na implementação do

 plano. Aos governadores caberia coordenar e administrar os desdobramentos do projeto, a

Companhia ficaria responsável de oferecer as mercadorias que seriam comercializadas e

remetidas à capitania do Mato Grosso e às “províncias espanholas do Orenoco, de Quito e do

Peru com grande vantagem ao que antes se fazia pela Colônia do Sacramento”.500 Isso porque

um dos objetivos desse plano de comércio era a obtenção da prata espanhola através das

fronteiras situadas ao norte da América portuguesa,501  por meio do contrabando de

mercadorias,502 tendo em vista que o comércio legal entre os dois domínios era proibido.Para Alcir Lenharo, o contrabando de prata na fronteira oeste do império serviu para

dar suporte ao comércio naquela região, principalmente “garantiam a possibilidade de

 permuta do seu comércio com as grandes casas do litoral”, bem como garantiriam a circulação

monetária em Portugal. O contrabando de prata com as províncias espanholas era incentivado

498  SOMMER, Barbara Ann.  Negociated settlements: native amazonias na portuguese policy in Pará, Brazil,1758-1798. Albuquerque, New Mexico: University of New Mexico, 2000. (Tese de Doutorado).499 Em 1750, João Pereira Caldas chegou ao Estado do Grão-Pará para participar das expedições de demarcação

da fronteira, o que lhe deu subsídios para conhecer a capitania do Pará e as vilas limítrofes aos domíniosespanhóis. Durante a sua primeira estada na capitania atuou como ajudante de sala do governador FranciscoXavier de Mendonça Furtado, o que lhe deu referências para galgar outros cargos no Real Serviço, como o degovernador do Piauí (1759). Essa relação com Mendonça Furtado e o Marquês de Pombal foi ainda maisestreitada após a possibilidade de casamento de Pereira Calda com uma sobrinha daqueles. Em 1772, retornou aoPará na condição de governador daquele Estado. Segundo Fabiano Vilaça dos Santos, Pereira Caldas deveria darcontinuidade às “diretrizes implantadas por Mendonça Furtado em 1751” e prosseguimento aos assuntosrelacionados à mão de obra indígena e “ao aumento do comércio com as áreas limítrofes, com o Mato Grosso”.Além disso, havia a indicação de incentivar a população “às culturas do arroz e do anil, destinadas à exportação”.Diante de sua atuação administrativa no Estado do Grão-Pará, lhe coube a responsabilidade de “encabeçar” aimplementação do “Secretíssimo Plano”. SANTOS, Fabiano Vilaça dos. “Uma vida dedicada ao Real Serviço:  João Pereira Caldas, dos sertões do Rio Negro à nomeação para o Conselho Ultramarino (1753-1790)”. In: Varia História, Belo Horizonte, vol. 26, no. 44, jul/dez 2010, p. 499-521. A circulação desses governadores no interior

do Império português foi ponto de análise de Nuno Monteiro, o qual buscou identificar a trajetória dessessujeitos e a sua ascensão nesses espaços. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Governadores e capitães -mores doImpério português no século XVIII”. pp. 95-115. Sobre as trajetórias administrativas no Antigo Regime, Mariade Fátima Gouvêa afirma que o interesse administrativo nos sertões do Império português “reafirmava umatendência histórica”, a qual buscava identificar o “complexo Atlântico como área prioritária no conjunto das políticas governativas empreendidas pela Coroa”. Diante disso, pode-se notar que os deslocamentos entregovernadores atuantes no Estado do Grão-Pará e do Brasil eram reflexos dessa tendência, identificada pelaautora. GOUVÊA, Maria de Fátima. “Poder político e administração na formação do complexo Atlântico português (1645-1808)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima(Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2001, pp. 285-315.500 SANTOS, Corcino Medeiros dos. Op. Cit., p. 88.501  Sobre o contrabando de prata pelas fronteiras hispano-portuguesas da América, ver: SANTOS, Corcino

Medeiros dos.  A Produção das Minas do Alto Peru e a Evasão de Prata para o Brasil . Brasília: ThesaurusEditora, 1998.502 Para análise das práticas de contrabando nessa fronteira ver: GARCIA, Romyr Conde.  Mato Grosso (1800-1840): Crise e estagnação do projeto colonial. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003, (tese de doutorado).

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 pelas autoridades portuguesas (fruto do “Secretíssimo Plano de Comércio” de Pombal para a

região), mas a relação contrária com os espanhóis (produtos e escravos) era proibida pelas

autoridades.503 

Para assegurar a viabilidade do plano seria necessária a edificação de fortalezas e de

feitorias para facilitar o comércio e a circulação de pessoas e de mercadorias. Para tanto,

alguns estudos foram realizados para o reconhecimento das vias de comunicação que fariam a

ligação do Pará com Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso. A implementação

desse circuito mercantil iria depender da atuação da praça de Belém em enviar com

frequência as mercadorias necessárias para abastecer o comércio em Mato Grosso, fazendo

com que os negociantes dessa praça deixassem de fazer o caminho até a cidade do Rio de

Janeiro ou da Bahia para prover o seu comércio.504 Segundo Manuel Nunes Dias, a nova rotade comunicação fluvial entre Belém e Vila Bela seria menos perigosa, mais lucrativa e

realizada em menos tempo se comparada com a ligação comercial voltada para as capitanias

São Paulo e Bahia. Por isso, a cidade de Belém “figurava no plano  pombalino como cabeça

do novo acometimento mercantil da empresa”.505  Para Amaral Lapa, a Companhia de

Comércio tinha o interesse de manter o monopólio sob o comércio com a capitania de Mato

Grosso, pelo aumento considerável que haveria no quadro de importação de produtos e

gêneros para serem reexportados para as áreas de mineração, o que lhe daria “a oportunidadeexcepcional de obter o seu pagamento em ouro”.506 Entretanto, antes do efetivo encerramento

das atividades comerciais507  da Companhia, os comerciantes e moradores daquela capitania

503 LENHARO, Alcir. Crise e mudança na frente oeste de colonização : o comércio colonial de Mato Grosso nocontexto da mineração. Cuiabá: UFMT- Imprensa Universitária- PROEDI, 1982, p.10.504  Idem, p. 96.505 DIAS, Manuel Nunes.  Fomento e mercantilismo: a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778). 2º. Vol. Belém: UFPA, 1970, p. 33. Desde a sua separação com a capitania do Maranhão que o Pará e acidade de Belém passaram a ser considerados pelas autoridades administrativas como “cabeça da sua repartição”.

SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte:  trajetórias administrativas no Estado doGrão-Pará e Maranhão (1751-1780). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008, (Tese de doutorado), p. 36.506 AMARAL LAPA, J. R. “Do comércio em área de mineração”. In:  Economia Colonial.  Série Debates, Ed.Perspectiva: São Paulo, 1973, p. 87.507 A Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão finalizou as suas atividades comerciais em 1778. AJunta (composta por três deputados) que se formou passou a avaliar também os problemas decorrentes daatuação da Companhia para a quitação e execução dessas pendências. Os administradores que foram nomeadosficaram responsáveis de regular essas cobranças, pagamentos e os bens da Companhia (embarcações e prédios)que ficaram na cidade de Belém. Ministério de Obras Públicas, Transportes e Comunicações - ArquivoHistórico: Superintendência Geral dos Contrabandos. Fundo: Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão. Juntade liquidação dos fundos. Correspondência recebida e expedida (1824-1825). Cggm 1. Entretanto as ações para acobrança de débitos e créditos referentes ao período que a Companhia exerceu as suas funções no Estado se prolongaram além década de 1830, período limite deste estudo e da documentação coletada. Porém, segundo

Carreira, a liquidação definitiva de seus fundos e lucros se estenderam até o início do século XX. ClaudioShikida analisou as atividades econômicas realizadas pela Companhia e a suas faltas contratuais, ao não executaros projetos previstos na sua estruturação: a regularidade no abastecimento de mercadorias, construção de prédiose o desenvolvimento econômico da região onde operava. SHIKIDA, Cláudio Djissey. “Apontamentos sobre a

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 passaram a criticar a forma como as mercadorias (secas, molhadas e escravos) chegavam e

eram vendidas para a população. As dificuldades impostas para a aquisição de crédito, a falta

de mercadorias e o monopólio imposto por alguns mercadores fizeram com que alguns

comerciantes do Mato Grosso se voltassem para o caminho terrestre que ligava aquela região

aos portos de São Paulo e da Bahia.508 

O “Secretíssimo Plano de Comércio” de Pombal se voltava para uma estratégia

geopolítica com o objetivo de efetivar a ocupação portuguesa na fronteira com os domínios

espanhóis. Em seu desdobramento, a articulação comercial entre Belém e as capitanias de

Mato Grosso e Goiás consolidaria essa ocupação e estimularia a produção agrícola e mercantil

no Estado do Grão-Pará. Entretanto, o plano não se limitou ao período de existência da

Companhia de Comércio e da administração do Marquês de Pombal, visto que Dom Rodrigode Souza Coutinho, ao assumir o cargo de secretário de Estado, deu continuidade a essa

 política de ocupação e de articulação comercial entre as capitanias supracitadas.509 

Em 1772, no “Secretíssimo Plano de Comércio” se fazia referência à necessidade de

edificar sete feitorias que seriam distribuídas desde a cidade de Belém até o Rio Negro, e

dessa capitania seriam estabelecidas outras até a capital da capitania do Mato Grosso (Vila

Bela). Essas feitorias seriam “plantadas” sob os cuidados dos administradores da Companhia

Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. A edificação dessas feitorias serviria parafacilitar “as navegações e o comércio tanto quanto aos passos e as disposições daqueles rios e

lugares a eles adjacentes”.510  Nesse sentido, a concretização do plano, como afirmado

anteriormente, seria uma ação conjunta que contaria com a participação dos governadores das

capitanias contempladas no plano, como também com a ajuda dos administradores da

Companhia de Comércio. Estes seriam responsáveis pelo abastecimento e circulação das

mercadorias que seriam destinadas às vilas e cidades do interior.511 

 Nas justificativas para a concretização do “Secretíssimo Plano”, Pombal ressaltava anecessidade da participação da Companhia para abastecer o comércio dessas localidades,

Economia Política da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão”. In: Ibmec MG Working Paper-WP40. Minas Gerais: Ibmec, 2007. Entretanto, deve-se ressaltar que não é objeto desse trabalho discutir sobre aconstituição dessa Companhia.508 AMARAL LAPA, J. R. Op. Cit., p. 90.509 Afilhado do Marquês de Pombal, Dom Rodrigo de Souza Coutinho atribuiu ao seu irmão, Francisco de SouzaCoutinho, a administração do Estado do Grão-Pará. SILVA, Andrée Mansuy Diniz. “Dom Rodrigo de SouzaCoutinho”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Op. Cit., pp. 222-225.510  SANTOS, Corcino Medeiros dos. Op. Cit., pp. 90-92. As situações realizadas fazem referência ao“Secretíssimo Plano de Comércio” escrito pelo Marquês de Pombal. Segundo as informações de Corcino dos

Santos, o documento completo sobre as orientações do Marquês só foram encontradas em relatos esparsos.511 Em correspondência de Pereira Caldas confirmando a efetivação do “Plano de Comércio”, listava as medidasque haviam sido adotadas e sobre o “grande carregamento de mercadorias feito pelos comboieiros de MatoGrosso”, compostas de fazendas e de escravos. AHU_CU_013, Cx. 72, d. 6137. Pará, 20/06/1774.

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tendo em vista que, até aquele momento, as mercadorias que chegavam para os moradores de

Mato Grosso eram vendidas por quantias aviltantes. O que determinava a alta dos preços era

não só o tempo gasto com o longo caminho percorrido (de um a dois anos) que os

comboieiros faziam desde o Rio de Janeiro ou da Bahia até Vila Bela, como também os

 períodos de escassez que a capital vivia.512  Segundo as orientações do Plano, “a capital do

Grão-Pará há de absorver todo o comércio do Mato Grosso, Cuiabá e das extremidades das

mais capitanias confinantes [Goiás]”, além de baratear as mercadorias que viessem a circular

 por esses caminhos. A Companhia estaria presente nesse circuito para taxar as mercadorias e

evitar “a ideia de cobiça incansável” adotada pelos negociantes que faziam esse comércio.

Segundo a afirmação de Pombal, “quanto mais barato chegarem gêneros ao Mato Grosso,

tanto mais se propagará e dilatará a introdução deles por todas as regiões vizinhas”, sendoassim as mercadorias que chegassem por essas vias teriam uma variação em seus preços

“entre 500 e 1000% inferior aos que chegam pelas rotas tradicionais”. 513 Além do

“Secretíssimo Plano” que seria aplicado às capitanias do oeste Estado do Brasil, encabeçado

 pela capitania do Pará, outras “Instruções” foram repassadas aos governadores com o objetivo

de terem “um exato conhecimento” da  capitania que estavam administrando, visando

impulsionar o “sustento da sua população e o desenvolvimento do comércio”. Dessa forma,

segundo Antonio Cesar Santos, as “práticas políticas” adotadas e aplicadas sob o comando doMarquês de Pombal “evidenciam um “mecanismo político” que considera que os interesses

do estado só poderão ser atingidos na medida em que o comércio, principal esteio da riqueza

individual e nacional, fosse fomentado”. Por isso a adoção de uma série de instruções que

convergiam para esse crescimento da região e do império.514 

 Na documentação analisada, percebe-se a preocupação em manter a circulação de

mercadorias e o abastecimento interno das vilas de Mato Grosso e Goiás, a partir da cidade de

Belém. Nesse caso, ao mesmo tempo em que se estimulava a abertura de vias de comunicaçãofluviais para o abastecimento interno dessas capitanias, acabava se estruturando um circuito

 para atender ao comércio voltado para a importação e a exportação de produtos.515 Segundo

Amaral Lapa, as capitanias de Mato Grosso e Goiás articulavam um “complexo sistema

fluvial [que] assegurava a regularidade do comércio intercapitanias e intercolonial, vindo do

Sul e do Norte da colônia, das colônias hispânicas e das portuguesas da África e Oriente toda

512  Esses argumentos estão presentes nas correspondências e relatos das autoridades como justificativa paraotimizar a navegação fluvial entre as capitanias do Mato Grosso e do Pará.513 SANTOS, Corcino Medeiros dos. Op. Cit., p. 92.514  SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. “O “mecanismo político” pombalino e povoamento na América portuguesa na segunda metade do XVIII”. In: Revista de História Regional , 15(1), verão, 2010, pp. 78-10.515 AMARAL LAPA, José Roberto do. O antigo sistema colonial. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 43.

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uma variedade de produtos agrícolas, drogas e manufaturas”.516 Entretanto, nota-se que em

fins do XVIII e início do XIX, as correspondências trocadas entre Dom Rodrigo de Souza

Coutinho e os governadores das citadas capitanias elegiam o caminho pelo norte como o mais

importante para ser efetivado e impulsionado para a dinamização da circulação fluvial entre

elas para garantir a realização do trato comercial e a própria ocupação do território. A fixação

de colonos nesses espaços impulsionaria a produção agrícola e, com isso, aumentaria a

circulação de comerciantes e de pessoas para a região fronteiriça aos domínios espanhóis.

As propostas de dinamizar a navegação entre as duas capitanias estão associadas às

diversas medidas que deveriam ser adotadas para garantir a proteção da capitania e do

Império português diante das investidas espanholas naquela área. Além das comissões

demarcadoras para assegurar a delimitação e posse do território, era imprescindível quehouvesse uma presença constante da Coroa portuguesa nesse espaço, sendo o comércio um

mote muito importante até mesmo para ambas as possessões. O que, em alguns momentos,

 pode ter causado também obstáculos para a circulação das pessoas e das mercadorias.517 

Somando-se a esse projeto, a organização e controle sobre essas práticas comerciais

serviriam também para otimizar e dinamizar a economia e a ocupação de todo o Estado do

Grão-Pará e oeste do Estado do Brasil. A existência de armazéns entre as duas praças seria

útil para prover as embarcações de alimentos e de mão de obra. Em contrapartida, a vila deGurupá abrigaria o posto de fiscalização para registrar todos os gêneros e pessoas que se

dirigissem ao porto da cidade de Belém.

Em análise sobre a produção e comercialização do Rio Grande entre meados do século

XVIII e início do XIX, Helen Osório buscou entender as dimensões das relações comerciais e

 produtivas entre as diferentes capitanias do Império português na América. Nesse sentido, a

autora analisou a conexão comercial entre a fronteira sul da América portuguesa e as praças

do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Salvador, bem como as redes comerciais que se irradiavam para o Vice-Reino do Rio da Prata. Osório afirma que as análises sobre o crescimento

econômico do Rio Grande em 1780, “baseado na comercialização de trigo, charque e couros,”

 precisam ser confrontadas com o “desempenho das exportações do Sul com o de outras

regiões da América portuguesa”. Para a autora, essa comparação, quando realizada para os

516  Idem, p. 52.517  SAFIER, Neil. “The Confines of the Colony: Boundaries, Ethnographic Landscapes, and ImperialCartography in Iberoamerica.” In James Akerman, ed., The Imperial Map: Cartography and the Mastery of Empire. Chicago: University of Chicago Press, 2009.

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“momentos de crise do mercado atlântico”, permite entender qual “a medida da vinculação da

capitania aos circuitos mercantis internos”.518 

Para José Carlos Chiaramonte, o setor mercantil dominava a vida econômica colonial,

onde o capital comercial mobilizava as produções requeridas pelo tráfico inter-regional

 possibilitando também a circulação de mercadorias oriundas de outras regiões ou mesmo da

metrópole. A função do setor mercantil era promover a circulação de mercadorias, bem como

o financiamento de produções locais a partir de créditos e de empréstimos. O autor conclui

que a cidade constituía o “centro da rede de funções”, na medida em que era mercado para a

troca de produtos metropolitanos, para as produções rurais necessárias à subsistência da

 população urbana e para o crédito que financiava esses intercâmbios.519 

De forma aproximada, nesse capítulo pretende-se discutir as relações comerciais emespaços de fronteira interna, buscando analisar a constituição de redes comerciais entre os

negociantes estabelecidos na cidade de Belém e as capitanias vizinhas como Maranhão, Mato

Grosso e Goiás. Dessa maneira, são analisadas as conexões que são tecidas a partir da praça

comercial de Belém com os outros pontos da América portuguesa e as políticas para a

concretização desse projeto de comunicação fluvial e terrestre (no caso do Maranhão) para a

dinamização do comércio.520 Assim, Belém começa a ser pensada e entendida como o “centro

da rede de funções” que passa a articular as casas comerciais do litoral com os negociantesfixados nas capitanias do oeste do Brasil. Essa percepção será discutida no segundo item,

quando se apresentam os projetos voltados para o deslocamento, ocupação e comércio fluvial

entre a capitania do Pará e do Mato Grosso e Goiás, tendo em vista o próprio papel que essas

capitanias tinham para a segurança do território e a circulação de mercadorias para aquela

região de fronteira.

518  OSÓRIO, Helen. O Império português no sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes. PortoAlegre: Editora da UFRGS, 2007, p. 43.519 CHIARAMONTE, José Carlos. Mercaderes del Litoral: Economía y sociedad en la provincia de Corrientes, primera mitad del siglo XIX . México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1991, pp. 30-31.520  Em outros momentos, a atenção com as fronteiras ao norte da América portuguesa tendeu a efetivar ocontrole para obstar a circulação de ideias políticas vindas das outras possessões europeias limítrofes ao Pará.Segundo Adilson Brito, da década de 1820, a fronteira com o Maranhão e Goiás foi “tão preocupante quantoCaiena e Maynas, por serem caminhos possíveis para o estabelecimento de diferentes alternativas políticas parao Grão-Pará”, isso porque a comunicação entre Pará, Maranhão e Goiás era  impulsionada desde o século XVIII,e no processo de independência essa comunicação foi cada vez mais estreitada. A ação das autoridades paracontrolar essa circulação na fronteira com o Pará era feita através da requisição de passaportes para todos que passassem pela região, principalmente para os comerciantes que tinham negócios entre aquelas praças. Para asanálises sobre o processo de independência no Estado do Grão-Pará, ver: BRITO, Adilson Júnior Ishihara.

“VIVA A LIBERTÉ!” cultura política popular, revolução e sentimento patriótico na independência do Grão-Pará,1790-1824. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 79. MACHADO,André Roberto de Arruda.  A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime Portuguêsna província do Grão-Pará (1821-1825). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006 (Tese de Doutorado).

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Para tanto, os documentos presentes no Projeto Resgate (Arquivo Histórico

Ultramarino) para as capitanias do Pará, Maranhão, Mato Grosso e Goiás permitem analisar

os projetos elaborados pelas autoridades régias para estreitar essas relações comerciais, como

também apresentam a ação individual de negociantes dessas localidades que se lançavam

nesse comércio. Outras fontes documentais possibilitaram aventar sobre a articulação

comercial existente entre a praça de Belém e as cidades vizinhas, como os passaportes de

negociantes que faziam comércio para essas localidades, e a documentação notarial

(procurações e autos de devassa). Inicialmente, será realizada uma análise sobre um auto de

devassa de Belém que permite apresentar os indícios das relações comerciais existentes entre

os negociantes de Belém e de São Luís com os negociantes de Lisboa. No segundo item, são

abordadas as políticas e práticas propostas para dinamizar o comércio e a navegação fluvialcom vilas de Mato Grosso e Goiás, bem como apresentar a ação individual de negociantes

dessas praças que se detinham nesse circuito mercantil.

4.1- Pará e Maranhão no comércio Atlânti co:

Em 1751, o Estado do Maranhão e Grão-Pará sofreu uma mudança político-administrativa e passou a se denominar Estado do Grão-Pará e Maranhão. Isso representou a

transferência da sede administrativa da cidade de São Luís para a cidade de Belém. Em 1757,

ainda em observância à grande extensão do Estado, em sua parte ocidental, foi criada a

Capitania de São José do Rio Negro, subordinada ao governador e capitão-general do Pará.521 

Finalizando as alterações nesse espaço, em 1772, as capitanias do Pará e do Rio Negro

separaram-se definitivamente do Maranhão, que passou a integrar junto com o Piauí outro

Estado, mas todos subordinados diretamente a Lisboa.Essas transformações político-administrativas representaram não só uma mudança na

 paisagem da região, mas também uma mudança econômica, tendo em vista que as frotas que

se dirigiam para os portos de São Luís passaram a privilegiar os portos da nova sede

administrativa, a cidade de Belém. Os negociantes de São Luís começaram a se mobilizar

 para que fosse autorizado que as embarcações estacionadas em seus portos pudessem sair

diretamente para Lisboa e mais de uma vez por ano, sem depender das embarcações vindas de

Belém. A espera pelas embarcações vindas de Belém prejudicava as transações comerciais de

521 REIS, Arthur Cézar Ferreira.  A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: SECULT, 1993; BAENA,Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Belém: UFPA, 1969, p. 190.

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São Luís, levando a capitania a reclamar sobre o quadro de penúria pelo qual passava. Esse

quadro foi usado como justificativa para instalação da Companhia Geral de Comércio do

Grão-Pará e Maranhão.522 

Manuel Nunes Dias escreve que “a companhia internacionalizou a economia do alto -

norte do Brasil”. Isso porque o quadro das exportações das duas capitanias apresentou um

aumento considerável de gêneros negociados. No porto de Belém chegou a se registrar a saída

de 138 navios para o porto de Lisboa, enquanto o de São Luís contou com um número maior

de saídas, um total de 180. Entre os produtos exportados das duas cidades contavam:

algodão,523 arroz, atanados, gengibre, couros, cravos (grosso e fino), mel, anil, cacau, café,

madeira, tabaco, sendo que o algodão e o arroz se firmaram entre os principais produtos

comercializados pela Companhia.524 Esse movimento dos portos de São Luís e Belém durantea existência da Companhia foi mencionado pelos viajantes Spix e Martius, que apontam a

vantagem do porto do Maranhão sobre o do Pará. Segundo eles, as embarcações iam primeiro

 para São Luís e “só depois de estarem as mercadorias alguns meses expostas ali, seguiam para

o Pará”, o que trazia grandes desvantagens ao comércio de Belém. 525 Com base nas descrições

de Spix e Martius em sua passagem pelo Maranhão, foi possível notar a articulação

econômica que a cidade tinha para dentro da América portuguesa e para outros portos da

Europa.Para o ano de 1821, do porto de São Luís para os portos do Brasil era exportado

apenas o arroz, em uma quantidade bem menor se comparado com o que era exportado para

Lisboa (1.428 mil arrobas), que além das 212.824 mil arrobas de arroz também enviava

58.856 mil arrobas de algodão, incluído as diferentes peças de couro. Para os portos de

Liverpool enviavam 143.771 mil arrobas de algodão e peças de couro em quantidade menor

que as remetidas para Lisboa. Entretanto, para os Estados Unidos seguia a maior parte da

 produção de peças de couros secos, 21.451 mil peças, sendo este o principal produto que

522 SANTOS, Fabiano Vilaça dos. “Um país de todo acabado- representações de negociantes do Maranhão contraos prejuízos ao comércio pelo sistema de frotas (século XVIII)”. Anais do XIII Encontro de História Anpuh-Rio.Disponível em:http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1212960181_ARQUIVO_SANTOS,FabianoVilacados.Umpaisdetodoacabado.pdf.523 No quadro geral da balança comercial de Portugal, a capitania do Maranhão e de Pernambuco eram as quemais exportavam algodão para Lisboa. Nos anos de 1809 e 1810, quando houve uma diminuição das exportações para todas as capitanias, ainda sim Maranhão arrecadou em valores 50:904$000 réis pela compra do algodão.Biblioteca do Instituto Nacional de Estatística de Lisboa; Balanças de Comércio (1800-1830). 524 DIAS, Manuel Nunes. Op. Cit., p. 260. Raimundo Gaioso elabora a descrição desses produtos os valores que

alcançavam em fins do século XVIII. GAIOSO, Raimundo José de Sousa. Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro (Coleção São Luis-1), 1970, 208.525 SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Vol. 3. São Paulo: Itatiaia/Edusp,1981, p. 49.

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seguia para os portos do norte.526 Os viajantes também descreveram o comércio terrestre que

os negociantes do Maranhão faziam para a capitania de Goiás, para onde levavam os produtos

europeus que chegavam aos portos da cidade de São Luís. Além desse comércio, eles citam os

 produtos que eram exportados para a cidade de Belém, entre eles o sal e os panos de ensacar

arroz, os quais também eram utilizados para a vestimenta dos negros.527  As vilas do Pará

tinham uma relação direta com a cidade de Belém por causa de sua relativa proximidade,

tornando-as “pontos mais comerciantes do interior”, exceto o lugar de Turiassu (pertencente

ao Pará até 1852), que não buscava essa mesma rota. Os comerciantes de Turiassu

transitavam e negociavam diretamente com a capitania vizinha, a cidade de São Luís do

Maranhão. O contato com aquele porto oferecia “fácil comunicação por meio de barcos e

sumacas, que transportam o seu arroz e algodão, cujos gêneros fazem um grande suplementoao comércio do Maranhão”. A vila de Bragança podia ser considerada o empório comercial

daquela região, pois possuía relação comercial com a cidade de Belém e as mercadorias

adquiridas naquele porto eram facilmente comercializadas com Turiassu, desempenhando a

“estrada de Bragança” o caminho terrestre mais usado entre os que circulavam para aquelas

áreas.528 

O que se nota é que mesmo após a extinção da Companhia de Comércio, os

negociantes das praças de Belém e de São Luís voltaram a se mobilizar para entreter as suasatividades comerciais, seja de forma interna, seja de forma externa, onde o destino final das

embarcações continuava sendo os portos da Europa. Uma indicação dessa relação comercial

entre as duas praças mercantis e Portugal pode ser percebida através das procurações que os

negociantes de Belém passavam para serem representados na cidade de São Luís. Das 1.326

Procurações presentes no Livro de Notas do Perdigão, 76 (5,21%) procurações tinham como

destino a cidade de São Luís do Maranhão, sendo que dessas 76, 26 (34,21%) têm como

outorgantes homens de negócio, negociantes, caixeiros, donos de lojas, boticários e

526 Os viajantes apresentam a tabela de importação e exportação de São Luís para o ano de 1821. Ainda faltam osdados para esse movimento portuário para os anos anteriores aos que ele apresentam. SPIX, Johann Baptist von;MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Vol. 2. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981, pp. 278-279.527  Idem, pp. 275 e 287.528 BAENA, Antonio. Op. Cit., 169-243. A vila de Sintra (aldeia de Maracanã) além de abastecer a cidade deBelém com carregamentos de sal, também servia de “entreposto de passagem que dava auxíl io para asembarcações que iam do Pará para o Maranhão” e vice-versa. O melhor recurso que poderia dar aos viajantes

que circulavam pela região era fornecer alimentos para prover as viagens e índios para serviços (remeiros eguias) com o objetivo de facilitar o deslocamento entre as duas capitanias. CARVALHO JUNIOR, Almir Dinizde. Índios Cristãos: a conversão dos gentios da Amazônia portuguesa (1653-1769). Campinas, SP: [s.n.], 2005, p. 108-109.

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administradores da antiga Companhia de Comércio.529 Entre as procurações outorgadas para

as capitanias da América portuguesa, para a cidade de São Luís foi a maior indicação de

 procuradores.

Com base na documentação, pode-se inferir uma diferenciação nas atividades

comerciais realizadas entre as duas praças. As procurações indicam a existência de um

comércio interno entre Belém e São Luís, mas também permitem afirmar que havia uma

articulação entre Belém, São Luís e Lisboa. À primeira vista, as procurações que se

destinavam à praça de São Luís podem ser entendidas como um “contrato” entre os

negociantes atuantes no circuito mercantil dessas duas cidades, como algumas das

 procurações que os negociantes de Belém passaram para aquela praça. Em 1798, o homem de

negócio da praça de Belém, o capitão Custódio José Dias, passou uma procuração para onegociante José da Costa Oliveira representá-lo na praça de São Luís.530  Seguindo para a

mesma praça, o negociante de Belém, Pedro Rodrigues Henriques531 assinou procuração para

que Manuel José Ribeiro da Cunha e Manuel Antonio Xavier os representasse no

Maranhão.532 Há também uma referência sobre um comerciante de São Luís que costumavam

se deslocar para da cidade de Belém para realizar suas atividades mercantis. Em 1794,

Antonio Vieira da Costa, morador de São Luís, passou procuração para o capitão Francisco

Pedro Ardasse e José Antonio da Silva representá-los na cidade de Belém.533

  Essas procurações são representativas do estreitamento das relações comerciais entre os negociantes

das duas capitanias, mas também se pode afirmar que elas se articulavam entre si e também

com o reino de Portugal.

Entre as 76 procurações, uma delas se articula às três praças. Em 1793, Inácio Peres

Pereira Pinto passou procuração para ser representado na cidade de Belém por sua mulher,

Dona Maria Josefa de Sousa, por seu filho, Antonio Nicolau de Sousa Pereira Pinto, e para

outras duas pessoas, Anastácio Domingos Pontes e Bento de Oliveira da Ponte. Na cidade deSão Luís, ele seria representado por outras três pessoas, José Gramul, Dantas Henrique

529 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, (1793-1834). O quadro geral com as Procurações outorgadas emBelém para as outras áreas do império estão expressas no capítulo 3.530  Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1176, d. 368, (1793-1799). O negociante José da CostaOliveira tinha sociedade com o seu cunhado Antonio José Lopes de Castro, negociante matriculado na praça deLisboa. AHU_ACL_CU_009, Cx. 134, d. 9878, Lisboa, 18/04/1804.531 Além se ser o contratador do dízimo do gado vacum e cavalar da Ilha de Joanes e da vila de Bragança, PedroRodrigues Henriques atuava no comércio com o Sertão, mas no período da ocupação portuguesa de Caiena(1809-1817) ele passou a ter negócios também para aquela praça. Ver: capitulo 5. Arquivo Nacional (AN).

 Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte, cartas eanexos (1790). Pará, 31/07/1790.532 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 10, d. 178, (1803).533 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1181, d. 906, (1793-1799).

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Guilers e Manuel de Faria. Por fim, na cidade de Lisboa, passou procuração para Pedro

 Nolasco Gaspar e José João Dias da Silva. Na procuração não há informações sobre a

ocupação do outorgante, entretanto um dos procuradores que ele nomeou para a cidade de

Lisboa, Pedro Nolasco Gaspar, era negociante.534 Em requerimento de 1806, os negociantes

Pedro Nolasco Gaspar e Irmão (José Antonio Gaspar)535  solicitaram “autorização de

embarque de 800 traçados para o sortimento das suas carregações, com destino aos portos do

Pará, Maranhão e outros do Brasil”. 536 

Entre os negociantes que indicavam procuradores na cidade de São Luís, José Castro

de Pereira Guimarães outorgou duas procurações (em 1820 e 1821) para negociantes daquela

 praça. Em 1820, a procuração foi nomeada para dois negociantes residentes de Belém que

seguiam para o Maranhão para tratar de seus negócios, o que pode ter oportunizado aindicação deles como seus representantes. Para a procuração de 1821, José Castro declarou a

Antonio Jose Meirelles Ferreira & Companhia e a João José Fernandes do Rego &

Companhia como seus representantes em São Luís.537  A hipótese de que os primeiros

 procuradores tenham agenciado o contato com os negociantes daquela praça e depois

intermediado uma sociedade entre eles e José Castro é pertinente, visto que Antonio José

Meirelles Ferreira sempre teve relações comerciais com a praça de Belém, como será indicado

abaixo.Entretanto, com base em outra documentação pode-se definir melhor as relações

existentes entre as praças comerciais das duas cidades na América portuguesa e a cidade de

Lisboa. Em 1807, se verificam na Europa as incertezas diante das ameaças impostas ao

Império português pela França. Em um contexto específico, as relações comerciais

envolvendo essas praças passam a requerer novas redefinições, o que põe à prova as práticas

de comércio já consolidadas entre as duas capitanias. Essa conjuntura europeia passa a se

refletir nos deslocamentos marítimos entre o reino e a América, a partir do momento em queas embarcações aportadas em Belém e em Portugal começaram a requerer novos

encaminhamentos para a realização desse comércio dentro de um contexto de incertezas.538 

534 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1181, d. 711, (1793-1799).535 Na documentação do Projeto Resgate do Maranhão, os irmãos Pedro Nolasco Gaspar e José Antonio Gasparsão identificados como proprietários do navio “Nossa Senhora do Rosário,” e costumavam aportar em São Luísdo Maranhão. AHU_CU_009, Cx. 155, D. 11097. Lisboa, 05/10/1807; AHU_CU_009, Cx. 155, D. 11118.[1807].536 AHU_ACL_CU_013, Cx. 136, d. 10376. Ant. 1806, março, 24.537 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1190, d. 955, (1820); n. 1159, d. 254, (1821).538 O próprio comércio de longa distância já era permeado de incertezas, as quais eram amenizadas através daintrodução de mecanismos legais que oferecessem meios seguros de que a transação comercial seria concretizadae o produto dela chegaria ao seu proprietário. Ao outorgar uma  procuração e fazer parte de uma “rede social”, onegociante passava a ter acesso às informações necessárias para a execução de seu trato comercial. Entretanto,

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Um exemplo disso se percebe no Auto de Devassa aberto em função de uma

representação que os negociantes de Belém enviaram para o Desembargador Geral Joaquim

Clemente da Silva Pombo. No dia 30 de dezembro de 1807, os negociantes da praça de Belém

enviaram um requerimento onde apresentavam um abaixo assinado ao Desembargador Geral

 para impedir a saída de uma embarcação do porto de Belém com destino ao porto de Lisboa,

“onde é a sua direita descarga”.539 Os referidos negociantes540 eram os principais carregadores

da embarcação, o navio “Modesta”, da qual era consignatário o negociante João de Araújo

Rozo. Os negociantes declaravam que receberam correspondências de seus sócios e amigos

estabelecidos na cidade de São Luís do Maranhão, nas quais continham “notícias vindas

daquela Metrópole” sobre o atual “estado de risco, perturbação e perplexidade que envolve

todo aquele continente ameaçado de próxima invasão do Inimigo mais poderoso e ambiciosode todo o Mundo”. Os negociantes estabelecidos em São Luís receberam orientações de seus

sócios em Portugal para que não permitissem que os seus “haveres e cabedais carregados no

referido navio sejam expostos ao prejuízo iminente quase infalível da preza (...) ficando-se

com a sua perda os direitos Reais e a substancia Nacional já assaz [delicada] pelos

acontecimentos precursores”. 

O “estado de risco” ao qual se referem está relacionado ao ultimatum francês para que

o governo de Lisboa fechasse os portos portugueses às embarcações inglesas, “impondotambém a prisão dos súditos ingleses, com o confisco dos bens e propriedades”. A

determinação foi imposta em julho de 1806, mas até novembro daquele ano os conselheiros

de Estado se preparavam para decidir sobre as condições que o governo francês passava a

impor.541 As indecisões que se verificavam em Lisboa acabaram por se refletir na América

 portuguesa, para onde, sem uma confirmação oficial sobre a crise que se anunciava, os

negociantes de Lisboa e Porto passaram a enviar correspondências noticiando o que se sabia

sobre a situação em Portugal e as incertezas sobre o andamento do comércio para aqueles

segundo Fábio Pesavento, nessas relações comerciais também havia espaço para os “problemas de agência”, aincerteza de saber se os sócios tratariam as negociações “conforme o combinado”. PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade do Setecentos. Rio de Janeiro:Universidade Federal Fluminense, 2009. (Tese de doutorado), p. 95.539  APEP, Documentação Notarial, Juízo Ordinário da Capital, Autos de Devassa (1807), Autuação daRepresentação que dirigiram os negociantes desta Praça ao Ilmo Senhor General.540 Na representação havia 15 assinaturas, mas ao certo eram 16 negociantes, a saber: Jerônimo José do ValeGuimarães, Pedro Rodrigues Henriques, Vilela Campos, Antonio Pereira, Antonio Rodrigues dos Santos,Joaquim José Lopes Godinho & João Antonio Lopes (sociedade Godinho & Lopes), Manoel José Cardoso,Antonio José Gomes Pinto, Rafael Antonio Rodrigues da Costa, Manoel Fernandes de Vasconcelos, AntonioBernardo de Souza, Joaquim Antonio da Silva, José Joaquim Tavares e Domingos José Colares. APEP, DN,

JOC, Autos de Devassa (1807), Autuação da Representação que dirigiram os negociantes desta Praça ao IlmoSenhor General.541 ALEXANDRE, Valentim. “A carta régia de 1808 e os tratados de 1810”. In: OLIVEIRA, Luis Valente de eRICUPERO, Rubens (orgs.). A abertura dos portos. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007, pp. 100-121.

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 portos. Segundo Kirsten Shultz, a experiência da Guerra Peninsular foi expressa em folhetins

(como será observado no capítulo 5), mas em correspondências pessoais que eram trocadas

entre familiares, sócios e amigos fixados em Lisboa ou em Londres. Os que permaneceram na

Europa repassavam informações sobre o contexto político e as interferências que isso causava

nas relações econômicas. As correspondências “restabeleciam a conexão” entre as pessoas

que estavam na América e os que ficaram na Europa (Lisboa e Londres), dando a noção sobre

o andamento político-econômico para evitar as perdas tão presentes no comércio de longo

curso.542 

Em outubro, algumas dessas cartas chegaram a São Luís para que os sócios daquela

 praça e de Belém evitassem que as embarcações saíssem de seus portos com destino aos

 portos de Portugal. Mesmo diante do exposto nas correspondências, o capitão João de AraujoRozo, consignatário do navio “Modesta,” se mantinha firme quanto à data da saída do navio

 para Lisboa. A insistência em “fazer navegar o dito navio da presente monção de águas” era

completamente contrária ao que se estava praticando em Portugal. A retenção dos navios,

tanto nos portos de Lisboa como nos portos da América portuguesa, era a determinação que

diversos negociantes passavam aos seus sócios e “correspondentes de Maranhão”. Lembrando

aos mesmos que o envio de cartas fosse feito somente por “embarcações ligeiras” . Essa era

uma prática muito utilizada em “circunstâncias muito menos apertadas e por leves motivos dedesconfiança”, por esse motivo se solicitava “o embargo (...) de qualquer navio” que saísse

 para a Europa, pois isso “não sugere prejuízo equivalente ao risco a que se expõem e se vai

entregar na mesma saída” para aqueles destinos. 

Diante das justificativas listadas no abaixo-assinado, os negociantes de Belém e

carregadores do navio “Modesta” solicitavam a “quem sustenta o equilíbrio da melhor

economia pública do comércio deste Estado, para seu engrandecimento e riqueza nacional,

seja conveniente obstar ao projeto temerário do dito consignatár io”. O pedido de embargo dasaída do navio seria até o momento em que viessem da cidade do Maranhão outras “notícias

mais decisivas” sobre uma possível mudança daquele estado político que se apresentava em

Portugal. Comumente, os negociantes de Belém mandavam mensageiros ou caixeiros até a

cidade de São Luís para receber cartas ou informações diversas que chegavam nas

embarcações vindas de Lisboa. Spix e Martius escrevem sobre o “grande número de cartas da

 pátria” que receberam, as quais lhes foram entregues pelo inglês Robert Hesketh, que as

542 SCHULTZ, Kristen. Versalhes Tropical : Império, Monarquia e a Corte Real portuguesa no Rio de Janeiro,1808-1821. São Paulo: Civilização Brasileira, 2008, pp. 116-119.

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trouxe do “Maranhão, pelo correio de terra, o qual tinha feito a demorada e perigosa viagem

de 14 dias”.543 

Ainda no mesmo dia, em resposta ao requerimento dos negociantes, o desembargador

mandava comunicar ao capitão João de Araujo Rozo sobre o abaixo assinado e os documentos

anexados. Sendo que, de acordo com o que havia exposto, se tornava “conveniente ou sem

 prejuízo considerável que o dito navio se demore por mais quinze dias neste porto”, o prazo

apresentado serviria para “verificar com as últimas individuações as presentes notícias”.544 Na

mesma anotação, o desembargador avisava que haveria uma reunião, para a qual mandava

“convocar todos os outros carregadores ou interessados” na permanência do navio no porto de

Belém. Isso tudo fazia parte dos procedimentos necessários e que foram “requeridos pelo

consignatário para se decidir com as competentes formalidades” sobre a possível permissão para a “pronta saída do navio ou a sua demora pelo tempo que [for] prudentemente [legal]”. O

 julgamento dessa solicitação seria feito com base nas notícias enviadas da cidade de São Luís

do Maranhão, a respeito da “atual situação de risco” nos portos de Portugal, e com base no

“iminente e sensível prejuízo das partes interessadas.” 

Inclusas à representação, estavam sete cartas que foram envidas da cidade do

Maranhão para os sócios e amigos estabelecidos na cidade de Belém. Entre as notificações

sobre as prestações de contas de mercadorias já apuradas, as missivas alertavam aos sócios naAmérica sobre a situação política e as incertezas que rondavam os portos de Portugal. Mas,

sobretudo, as cartas são indicativas das relações comerciais que existiam entre as duas praças

e Portugal.

Embora não tivesse assinado a representação inicialmente, o negociante de Belém

Francisco Pedro Ardasse entregou uma das cartas que recebeu de seu sócio, Caetano José

Teixeira,545 negociante do Maranhão, na qual se apresentava a preocupação dos negociantes

de Lisboa com o atual estado político de Portugal.

546

 Inclusa à carta, seguia a correspondência

543 O senhor Hesketh havia recebido os viajantes durante a sua passagem pelo Maranhão, o qual lhe forneceu astabelas de importação e exportação da capitania do Maranhão, citadas anteriormente. SPIX e MARTIUS. Op.Cit., p. 54.544 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Autuação da Representação que dirigiram os negociantes destaPraça ao Ilmo Senhor General.545 Caetano José Teixeira era estabelecido em São Luís, mas entretinha constantes relações comercias para a praça de Belém. Em 1817, Dona Felícia Maria Madalena da Silva, viúva do tenente-coronel Custódio Tomás daSilva Aguiar, seus filhos, o tenente João Antonio da Silva Aguiar, o alferes Joaquim Feliz da Silva Aguiar, e suas

filhas dona Bernarda e dona Ana Luiza da Silva Aguiar, constituíram o negociante Caetano José Teixeira seu procurador na cidade de São Luís. Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1170, d. 95, (1817-1818).546 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta de Caetano José Teixeira para o capitão Francisco JoséArdasse, Maranhão 28/11/1807.

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que recebeu de Lisboa, na qual se detalhava sobre as últimas investidas da França em

Portugal.

Com data de 28 de novembro de 1807, primeiramente, foi feito uma prestação de

contas sobre a última carta que enviou ao Pará pe la sumaca “Victória”, do mestre Manoel

José Vieira, pela qual também remeteu “carnes e sal”. Nos navios que aportavam em São

Luís, vindo das cidades de Lisboa e do Porto, chegavam algumas notícias sobre a situação

 política em Portugal. Segundo Caetano José Teixeira, a orientação que recebia dos seus sócios

era que se mantivessem “cá os navios e cabedais” e, enquanto “não decidem as questões” em

Lisboa. Aproveitava a missiva para pedir ao negociante Ardasse que não fizesse “remessa

alguma de [mercadorias] para Lisboa até segunda ordem podendo, contudo fazê-las para aqui

[cidade de São Luís] em dinheiro ou Letras de tudo o que for apurando, e na brevidade mefará grande favor”. 

Embora houvesse esse entrave para a rota comercial entre a América portuguesa e a

Europa, Caetano José Teixeira alertava que as atividades comerciais que o seu sócio

desenvolvia em Belém não fossem interrompidas em função dos acontecimentos nos portos

de Portugal. Indicava ao sócio em Belém que ele “ficasse cuidando nas diligências dos

 pedidos de terra [drogas do sertão] que vieram [de Lisboa] e estimarei [que] possas concluir

os mais de que está incumbido”. Em São Luís, Caetano José Teixeira recebeu uma carta de um sócio estabelecido em

Lisboa, a qual encaminhou ao seu sócio de Belém para informá-lo da situação política em

Portugal. Francisco Pedro Ardasse utilizou essa carta para reforçar o requerimento que foi

enviado ao desembargador de Belém com o objetivo de obstar a saída do navio “Modesta” do

mesmo porto. Aos 12 dias do mês de outubro de 1807, um sócio de Caetano José Teixeira o

informava sobre as últimas notícias que havia recebido em Lisboa, notícias essas “chegadas

aqui da Europa pelos navios “Sociedade Feliz”, “São José Indiano” e “Delfina” em 25 e 26 docorrente”.547  Foi relatado que a França havia proposto ao Ministério português “que devia

logo fechar os portos à Nação Britânica, sequestrar todos os bens, fazendas e navios

 pertencentes a ingleses e fazê-los imediatamente despejar do Reino”. Outra proposta que foi

apresentada ao Ministério foi para que Portugal contribuísse “com 10 milhões para as

despesas do exército que não viesse a Portugal e assistir com o necessário as tropas francesas

que viessem a Portugal”. A resposta do Ministério português aos franceses foi que a

547  APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada ao negociante do Maranhão, Caetano JoséTeixeira, Lisboa, 12/10/1807. O documento está incompleto e não consta a última página com o nome dodestinatário.

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“contribuição” para as tropas não seria possível, mas que “fecharia os portos [de Portugal] aos

navios ingleses, porém que não faria violência alguma às pessoas e bens dos ingleses, e menos

queria [que] viessem tropas francesas a Portugal”. Essa última resposta d o Ministério

 português levou os ministros da França e da Espanha a “imediatamente se retirarem” das

negociações. Sendo que o resultado das “proposições” feitas tanto pelos franceses como pelos

 portugueses ainda era ignorado. 548 

A proposta que o ministro francês fez ao ministro português causou sérias mudanças

na paisagem econômica de Portugal. De acordo com o informante de Teixeira, em Lisboa e no

Porto todos os ingleses ali estabelecidos aos poucos foram despejados, e “já haviam cambiado

as suas fazendas, os do Porto a vinho e os de Lisboa a algodão, mas nem por isso este gênero

ali melhorou de preço, antes cada vez vão a menos”. A situação de incerteza que se instalavaem Portugal acabava se estendendo para todos os portos onde os negociantes portugueses

entretinham relações comerciais, sendo necessário que eles encaminhassem informativos aos

sócios existentes nessas outras praças, em função da impossibilidade de enviar as

embarcações para essas cidades, principalmente para a América. Na mesma carta, era

inf ormado que “todos os proprietários que têm para aqui navios os mandam reter até segunda

ordem, e da mesma forma fazem todos os que cá têm cabedais mandando retê-los, já em

dinheiro ou algodão que não exceda nunca de 3.000 réis”. Entretanto, percebe-se que os portugueses também temiam a contrapartida inglesa, diante das investidas francesas. Para os

 portugueses era necessário ter cautela, pois “os ingleses arrasaram mais de 600 casas em

Copenhague e se fizeram senhores de toda a marinha dinamarquesa”. Essa ação também se

estendeu para a América, em Portugal “diziam que os de Montevidéu sacudiram o julgo dos

ingleses por capitulação.549 

Temendo que na cidade do Pará ainda não tivessem aportado navios vindos de

Portugal trazendo essas notícias, Caetano José Teixeira, achou oportuno remeter as duascartas pelo “novo Prior do Carmo Frei Bernardo da Gama” que já estava de viagem marcada

 para a cidade de Belém. A iniciativa do negociante Teixeira em participar ao seu sócio na

cidade de Belém sobre as incertezas presentes na rota comercial pelo Atlântico foi

acompanhada por outros negociantes estabelecidos em São Luís, que por sua vez receberam

cartas dos seus sócios em Portugal alertando sobre a atual situação política da Europa.

548  APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada ao negociante do Maranhão, Caetano JoséTeixeira, Lisboa, 12/10/1807.549  APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada ao negociante do Maranhão, Caetano JoséTeixeira, Lisboa, 12/10/1807.

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Jacinto José da Cunha,550 negociante de São Luis, enviou uma carta para o seu sócio

de Belém, o negociante Manoel F. Vasconcelos. A carta tinha o objetivo de informar sobre as

orientações de seu sócio, Manoel Ferrez, estabelecido na cidade de Lisboa. Ao sócio em

Belém era aconselhado que ele “por ora suspenda V. M. o fazer-lhe remeças de [mercadorias]

sem que dele receba novo aviso, este pelo motivo e desgraça com que se acha a cidade de

Lisboa e todo o Reino que esperam por uma decisão funesta dos franceses”. Escrevia que os

ingleses com negócios em Portugal, “antevendo ao que está em prática (...) se tem retirado da

cidade do Porto se transportaram já para a Inglaterra todos”.551 

Em relação às embarcações, afirmava-se que “em Lisboa se acha um grande comboio

ancorado para no dia 16 de outubro levar todos os seus nacionais fundos que se achavam

naquela capital”. Nessa carta também se comenta sobre a movimentação portuária, atentando para dois pontos; o primeiro era o comentário sobre as embarcações que já estão prontas para

transportar o príncipe e a sua irmã para a cidade do Rio de Janeiro, que apenas aguardavam a

“última decisão dos inimigos franceses e o que daqui só se dirá para o futuro não se sabe, mas

esta decisão há de ser em poucos dias [ilegível] as notícias”. O segundo era sobre as

embarcações aportadas em Lisboa, que não havia indicação de qualquer saída de navio, os

quais ficariam aguardando “avisos novos os quais se esperarão como muita brevidade e

espera-se que sejam feitas por alguns brigues de Giro”.552

 Outra carta que se juntava ao Auto de Devassa foi escrita por Joaquim de Araujo, que

também era negociante da praça de São Luis com sócio estabelecido na cidade de Belém. Em

28 de novembro de 1807, Joaquim de Araujo enviou para João Pedro Ardasse uma

correspondência lhe participando sobre o que ficou sabendo da situação política em Portugal.

De São Luis, escrevia que “as notícias que aqui tem chegado proximamente de Lisboa são tão

fúnebres”,  por isso ele se sentia na obrigação de informá-lo para não realizar qualquer

remessa de mercadorias para aqueles portos, o que contrariava a solicitação que havia feito nacarta anterior de 22 de outubro do mesmo ano. Solicitava a João Pedro Ardasse que não tendo

feito a remessa até a chegada dessa carta, que deixasse as mercadorias em seu poder até que

houvesse “embarcação para esta [cidade de São Luís] onde pudera remeter empregado em

 bom café e boa salsa logo que a tenha apurado”. Embora escrevesse sobre as embarcações que

550 Os negociantes Jacinto José da Cunha, Antonio José de Bastos e José da Costa Oliveira eram procuradores nacidade de São Luís do negociante de Belém, Serafim dos Anjos Teixeira. Procuração Bastante e Geral, APEP,LNTP, n. 10, d. 178, (1803). No caso, além da sociedade que tinha em Belém com Manoel Vasconcelos, JacintoJosé da Cunha também efetuava relações comerciais em nome de Serafim Teixeira.551 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada pelo negociante Jacinto José Cunha ao negociantede Belém, Manoel F. de Vasconcelos, Maranhão, 27/11/1807.552 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada pelo negociante Jacinto José Cunha ao negociantede Belém, Manoel F. de Vasconcelos, Maranhão, 27/11/1807. 

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 já estavam prontas para levar a “Princesa Viúva e o Príncipe do Brasil” para a cidade do Rio

de Janeiro, era a posição e a situação dos ingleses em Portugal que mais lhe preocupava. A

saída dos ingleses da cidade de Lisboa foi apresentada com muito pesar, pois eles saíam “com

todos os seus cabedais e seus fundos para a Inglaterra”.553 

Jerônimo José de Cardo, negociante de Lisboa, também enviou carta para o Maranhão

endereçada a José da Costa de Oliveira.554 Este a repassava ao amigo João Pedro Ardasse para

que ele, se já não tivesse recebido notícias, se inteirasse “do estado em que se acha a nossa

Corte”. A carta de Lisboa trazia “a mais triste pintura que dar se pode” sobre Portugal .

Afirmava que “se arrisca vir aparecer neste continente se as coisas se realizarem segundo o

querer dos franceses”, mas enquanto isso não ocorria, pediu ao amigo Ardasse que não

enviasse mercadorias para Lisboa até que recebesse outro aviso seu dando garantias sobre ocomércio na cidade.555 

 No dia 11 de outubro, João Meireles Ferreira escreveu de Portugal para o seu irmão,

Antonio José Meireles Ferreira,556 na cidade de São Luís.557 Após alertar sobre a “desordem

que vive em Portugal”, ele pediu que o irmão não fizesse compra ou mesmo remessa de

qualquer mercadoria, mas para continuar apurando e guardando consigo as mercadorias que já

havia solicitado, pois dessa forma seria mais “seguro do que tê-lo em Letras e fiado”. Isso

 porque, segundo João Meireles Ferreira, “o maldito Imperador dos franceses teima em quePortugal feche o porto aos ingleses e que lhe confisque os bens pertencentes aos ditos

[ingleses]”. A possi bilidade da saída dos ingleses de Portugal e a ameaça de invasão francesa

contribuíram para que os negócios naquela praça ficassem “inteiramente parados”; os

negociantes não efetuavam qualquer pagamento e ainda evitavam se desfazer do que tinham

em seu poder. João Meireles se lamentava sobre a sua situação para o irmão, pois era

obrigado a permanecer em Portugal até reaver todo o dinheiro que estava “espalhado” naquela

553 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada pelo negociante Joaquim de Araujo ao negociantede Belém, João Pedro Ardasse, Maranhão, 28/11/1807.554 Além da amizade que José da Costa de Oliveira tinha com os Ardasse, ele era o procurador, em São Luís, dohomem de negócio e capitão Custódio José Dias. Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1176, d. 368,(1793-1799).555  APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada pelo negociante José da Costa de Oliveira aonegociante de Belém, João Pedro Ardasse, Maranhão, 28/11/1807.556 Em 1821, Antonio José Meireles Ferreira, aparecia como “Ilustríssimo Comendador” da cidade de São Luísna procuração que o negociante de Belém, José Custódio Pereira Guimarães, passou para que fosse representadonaquela cidade. Além dele, Pereira Guimarães também outorgou procuração para João José Fernandes do Rego eCompanhia. Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1176, d. 368, (1793-1799). Em 1807, José CustódioPereira Guimarães também estava envolvido na representação dos negociantes de Belém para obstar a saída do

navio “Modesta”, mas quem aparecia assinando a representação era o seu irmão -sócio José Antonio PereiraGuimarães. APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807).557 Essa carta não apresenta o nome do destinatário. APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada pelo negociante João Meireles Ferreira ao seu irmão, Lisboa 11/10/1807.

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 praça. Em suas palavras escrevia que “por desgraça minha vejo essa trovoada em ocasião qu e

me apanhou quase com todo o meu dinheiro por mãos alheias, não terei remédio senão sofrer

o que a sorte der”. 

As cartas que passaram a compor o Auto de Devassa não apresentavam apenas os

desdobramentos políticos em Portugal que inviabilizavam a saída das embarcações para

outros portos, elas também relatavam as transações comerciais efetuadas entre as duas praças,

tais como as remessas de mercadorias que eram enviadas dos portos de Belém e São Luis para

os de Portugal. O negociante de Belém, Joaquim José Lopes Godinho,558 recebeu de seu sócio

em Lisboa uma carta ratificando o crédito de 418$676 réis referente ao envio de 25 arrobas de

cacau que já havia enviado anteriormente. Entretanto, reforçava que não enviasse para Lisboa

mercadoria alguma até que ele fizesse “um novo aviso, por razão de estarmos aqui ameaçadosde serem fechados os portos aos ingleses”.559 

Após serem apresentadas as justificativas para obstar a saída da embarcação do porto

de Belém, o capitão João de Araújo Rozo se pronunciou ao desembargador. Em resposta, o

consignatário do navio “Modesta” defendia que não havia como verificar se as informações

sobre Portugal eram, de fato, verdadeiras. Entre as observações sobre os “segredos” que

 permeiam as decisões dos soberanos, Araújo Rozo ressaltava que os suplicantes esqueciam

que o navio, independente da data que saísse do porto de Belém, corria o risco de ser“pirateado ou saqueado” e a carga perdida. Essa era uma incerteza que também fazia parte das

transações comerciais entre os dois portos, sendo difícil impedir a ação de corsários na costa

do Pará e do Maranhão, principalmente nesse período.560 

O capitão Araújo Rozo informava ao desembargador que os negociantes que

assinaram a representação e que apresentaram as cartas de seus sócios em São Luis e em

Portugal não correspondiam à totalidade dos carregadores do navio, que excedia a 150

negociantes. Por não haver a assinatura de todos os carregadores, ele entendia que nem todosconcordavam com a possibilidade de “sustar a viagem” pelo prazo de 15 dias,  o que poderia

558 Joaquim José Lopes Godinho e seu sócio João Antonio Lopes enviaram requerimento à Secretaria de Estadodos Negócios do Reino solicitando “a mercê do Hábito da Ordem de Christo”. Joaquim José Lopes Godinho justificava seu pedindo “em consideração a ser negociante matriculado pela Real  Junta do Comércio e ater prestado voluntariamente para as urgências do Estado a quantia de 700$000 pela ocasião da memorávelConquista de Caiena”. Carta do Conde de Vila Flor a Thomas Antonio de Vila Nova Portugal, Pará, 08/10/1819.Em outra solicitação, o negociante João Antonio Lopes justificava seu pedido em função do comércio regularque realizou para a Conquista de Caiena. AN, Ministério do Reino - Pará, Fundo: Negócios de Províncias eEstados, Série Interior (1808-1819).559  APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Carta enviada pelo negociante Matheus Rodrigues Lima aonegociante de Belém, Joaquim José Lopes Godinho, Lisboa, 09/10/1807.560  APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Resposta de João de Araújo Rozo ao Desembargador GeralJoaquim Clemente da Silva Pombo, Belém 30/12/1807.

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gerar protestos contra ele, consignatário do navio, não apenas pelos capitais que seriam

remetidos para Portugal, como pelos “resultantes interesses”. Para tanto, solicitava ao

desembargador que os chamasse para que eles ficassem cientes dos prejuízos que a demora da

viagem traria para eles também. Araújo Rozo se comprometia a postergar a saída da

embarcação desde que ele não fosse responsabilizado a indenizar “em benefício de

 proprietário ou de outro qualquer terceiro, lavrando-se de tudo isto termo, para poder servir de

defesa”, para que no futuro não fosse acusado de omisso ou inapto para a “diligência” da

saída do navio.561 

Entretanto, em nova representação foram incluídos outros negociantes interessados em

obstar a saída da embarcação do porto de Belém. Nesse novo documento, os negociantes

divergiam das condições apresentadas pelo consignatário do navio. Entre outras coisas,alegavam que já haviam apresentado as informações sobre a situação de Portugal e

solicitaram a permanência do navio em Belém, o que não foi prontamente atendido. No

documento escreviam que o capitão João de Araújo Rozo “devia anuir e talvez requerer em

desempenho do comércio, fé pública, sua honra e dos interesses dos seus constituintes”, mas

 preferiu “formar protestos” sobre a solicitação deles. Em função disso, os negociantes não

aceitavam a condição imposta e ainda voltavam a requerer que Araújo Rozo fosse responsável

 por “todos os prejuízos, lucros cessantes, danos emergentes de mercador a mercador, rebeldiade patrão, arribadas e tudo o mais quanto por direito favorece aos suplicantes e aos direitos de

sua Alteza Real”.562 

Em conclusão às solicitações, o desembargador achou prudente aguardar “mais umas

águas” para que nesse tempo pudessem chegar outras notícias oficiais sobre a situação de

Portugal.563  O despacho foi encaminhado ao consignatário do navio, que não deveria

considerar “mais que o prejuízo de 15 dias de mantimentos a sua tripulação”, assim como

561 Atendendo ao que foi solicitado pelo consignatário, o Desembargador lançou outra chamada aos interessadosno assunto para que se pronunciassem sobre a “retenção ou saída do dito navio”. APEP, DN, JOC, Autos deDevassa (1807), Resposta de João de Araújo Rozo ao Desembargador Geral Joaquim Clemente da Silva Pombo,Belém 30/12/1807.562 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Representação que os Negociantes da Praça de Belém, principaiscarregadores do navio “Modesta”, Belém 30/12/1807. Além dos 15 negociantes que assinaram a primeirarepresentação, outros nove integram esse documento, a saber: Francisco Pedro Ardasse, Francisco Jorge Gomes

Pinto, Vicente Antonio de Miranda, José Bento David, André Barboza de Amorim, José Ferreira de Brito, JoséAntonio Pereira Guimarães, Domingos José Martins e Sebastião [ilegível].563 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Despacho do Desembargador Geral Joaquim Clemente da SilvaPombo, Belém 30/12/1807.

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 providenciar um ancoradouro seguro para estacionar a sua embarcação no período

indicado.564 

A representação assinada pelos negociantes de Belém possibilitou identificar os

sujeitos envolvidos no comércio existentes entre esta praça e a de São Luís, além da sua

articulação com os negociantes de Portugal. Essa situação específica em que se discute a saída

ou não do navio “Modesta” do porto de Belém é significativa para se conhecer as relações

comerciais que envolvem os negociantes das praças citadas. Essas redes comerciais são

apresentadas a partir das cartas trocadas entre os negociantes das três praças, o que se nota

que as articulações urdidas entre esses sujeitos tenderam a permanecer ao longo do tempo,

como poderá ser notada em outras situações envolvendo o comércio entre essas capitanias e

os portos de Lisboa, pontos que ainda serão pesquisados para esse estudo.

4.2- O comércio f luvial com a capitani a do Mato Grosso.

Em 1752, Vila Bela da Santíssima Trindade foi fundada e escolhida como a “vila -

capital” da capitania do Mato Grosso que, por sua vez, possuía dois distritos: o de Cuiabá e o

de Mato Grosso. Tendo em vista a distância onde estava localizado esse novo centro urbano, ogovernador Antonio Rolim de Moura solicitou ao rei a abertura da navegação dos rios

Guaporé565 e Madeira para que a ligação com a cidade de Belém favorecesse a ocupação da

“vila-cidade” e as carregações de mercadorias para abastecer os seus moradores.566 

Juntamente com a liberação da navegação desses rios, Rolim de Moura concedeu licença aos

negociantes de Mato Grosso para se deslocarem ao Pará e fazer carregações de fazendas

secas, molhadas, sal e ferragem para abastecer a nascente vila. 567 

Segundo Correa Filho, o governador do Mato Grosso, ao permitir a navegação dos riosMadeira e Guaporé, se antecipou à decisão régia que só iria permitir essa circulação comercial

564 APEP, DN, JOC, Autos de Devassa (1807), Cópia de Despacho assinado pelo Governador do Estado doGrão-Pará, José Narciso de Magalhães de Meneses ao senhor João de Araújo Rozo, Belém 01/01/1808.565 Em 1748, nas margens do rio Guaporé foi levantada a capital Vila Bela da Santíssima Trindade. Para umadescrição espacial dessa “vila-capital”, ver: COSTA, Maria de Fátima. Op. Cit., p. 998-1003.566  Nauk de Jesus afirma que Vila Bela era uma “vila-capital” porque não tinha na época a mesma dimensãourbana de outras cidades-capitais, como Belém e São Paulo. JESUS, Nauk Maria de. “Boatos e sugestõesrevoltosas: a rivalidade política entre a Vila Real do Cuiabá e Vila Bela  –  Capitania de Mato Grosso (segundametade do século XVIII)”. In: COSTA, Wilma Peres; OLIVEIRA, Cecília Helena (orgs.).  De um Império aoutro: estudos sobre a formação do Brasil, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Aderaldo & Rothschild: FAPESP,

2007, pp. 275-296.567 A recente capitania do Mato Grosso era vista com muita atenção pelas autoridades administrativas por seruma região de fronteira com os domínios espanhóis, além de ser “rica em ouro e diamantes”. COSTA, Maria deFátima. Op. Cit., p. 997.

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em novembro de 1752. Na decisão régia, além da abertura dos rios, determinava-se também a

instalação de um “registro, no qual pagarão direitos de entrada, todas as cargas e fazendas e

mais gêneros secos e molhados”, exceto para a entrada de escravos, visando com isso baratear

o preço deles em Vila Bela, “visto serem a base de todo o estabelecimentos das Minas” .568 

Entretanto, em meados do século XVIII, qualquer prática de comunicação por meio da

navegação entre as capitanias do Pará e Mato Grosso foi obstada por meio de decretos régios,

evitando assim o possível contrabando de ouro e o contato com as povoações do lado

castelhano. Em 1754, foi facilitada apenas a “navegação e a pesca no Guaporé”, de acordo

com os privilégios concedidos aos colonos que se estabelecessem nas margens daquele rio,

continuando o rio Tocantins interditado para essas atividades. Até 1782, período que durou a

interdição na navegação deste rio, a política de controle sobre essa fronteira somentedificultou o desenvolvimento das atividades comerciais com as capitanias do Pará e

Maranhão. Em decorrência disso, a própria cidade de Vila Boa ficou isolada e carecendo do

abastecimento de mercadorias que era feito para as vilas situadas às margens daquele rio. Essa

situação fez com que as comunicações internadas da capitania de Goiás fossem direcionadas

 para Pernambuco e Bahia e, ao sul, por Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo

Dalísia Doles, mesmo após a liberação da navegação entre Goiás e as capitanias ao norte, a

falta de cabedal e de produtos exportáveis impossibilitaram a manutenção das relaçõescomercial com aqueles portos.569 

Em 1790, foi permitida a navegação ligando o Pará às capitanias de Goiás (pelo rio

Tocantins) e de Mato Grosso (pelos rios Xingu, Arinos 570  e Tapajós). O incentivo para

colonizar e navegar o rio Tocantins só aconteceria em 1810, para onde o governo concedia

alguns favores e privilégios aos colonos que lá se fixaram. Para Amaral Lapa, ao franquear-se

a navegação para o norte, a “alfândega do Rio de Janeiro alegou reiteradas vezes o prejuízo

que viria a sofrer caso o governo autorizasse aquela navegação”, visto que o valor dos direitosque eram cobrados pelas carregações que saíam daquela cidade rumo a Cuiabá tenderia a

cair.571 

568 CORREA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969, p.358.569  DOLES, Dalísia Elizabeth Martins.  As comunicações fluviais pelo Tocantins e Araguaia no século XIX. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 1973 (Tese de doutorado), p. 20.570  O rio Arinos só passou a ser navegado pelas autoridades e comerciantes a partir de 1805, quando esse

caminho fluvial foi descoberto como uma ligação possível até o Pará. AMARAL LAPA, J. R. “Do comércio emárea de mineração”. Op. Cit., p. 32.571 AMARAL LAPA, J. R. “Do comércio em área de mineração”. Op. Cit., pp. 28-30. SPIX, Johann Baptist von,MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981, p. 107.

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Da mesma forma, o incremento dessa comunicação fluvial com o norte por meio

desses rios e do caminho terrestre que passava por Goiás representou uma das “primeiras

ameaças” ao caminho fluvial que era feito pelo sul, com destino à cidade de São Paulo. Em

1808, o governador da capitania de Goiás iniciou o processo de reconhecimento das águas dos

rios Tocantins e Araguaia.572  A expedição contou com 215 homens distribuídos em nove

canoas e cinco montarias em direção à Boa Vista. Kátia Flores destaca os diversos relatos

sobre essas expedições de exploração desses rios com o intuito de dinamizar a economia

daquela capitania. Aos poucos, essas viagens foram revestidas de um caráter comercial a

 partir do momento em que comerciantes locais passaram a investir nessa atividade, passando

a articular investimentos oficiais e de particulares. A autora elabora uma narrativa em que

apresenta as principais viagens de reconhecimento dos rios Tocantins e Araguaia numa perspectiva econômica, destacando as que foram em direção ao Pará, ainda no século

XVIII.573 

Sérgio Buarque de Holanda afirma que o “florescimento da nova via de comércio”,

entre o Pará e Mato Grosso, deslocou uma parcela significativa de práticos e pilotos da antiga

rota de comunicação fluvial de Porto Feliz (São Paulo) para Cuiabá. Isso representou “um

sério golpe nas tradicionais monções de comércio, e uma das causas de seu declínio”, tendo

em vista que as preparações para novas carregações entre essas duas localidades se tornarammenos frequentes nos anos iniciais do século XIX.574  Ao discutir a “decadência das

monções”, Silvana Alves de Godoy afirma que, embora as vias de comunicação fluvial entre

Porto Feliz e Cuiabá tenham ficado menos constantes, as redes comerciais que os negociantes

dessas localidades teceram permitiram que esse comércio se mantivesse, porém numa escala

menor ao que foi realizado no século XVIII.575 

Ciro Cardoso escreve sobre a preocupação das autoridades administrativas em estreitar

essa comunicação fluvial e o trato comercial entre a cidade de Belém e as capitanias do Mato

572  A busca pela mineração havia antecipado a ocupação daquela área, que após a queda na produção, nãoconseguiu manter o seu fluxo comercial pela rota terrestre, isolando ainda mais a região do abastecimento demercadorias para o sustento da população. A saída para essa dificuldade foi voltar a atenção para a comunicaçãofluvial com o Pará possibilitada pelos rios Tocantins e Araguaia. Dentre os diversos governadores queincentivaram essa rota de navegação, para Luiz Palacin, Francisco de Assis Mascarenhas foi o que mais seesmerou no feito, ao planejar expedições para os litorais do Estado do Grão-Pará e do Brasil. PALACIN, Luiz.Goiás 1722-1822: Estrutura e conjuntura numa capitania de Minas. Goiânia: Editora Gráfica Oriente, 1972, p.142-147.573 A autora apresenta registros de negociantes que costumavam informar nos jornais locais as suas viagens emdireção ao Pará, além das embarcações que subiam os rios para negociar com o Maranhão também. FLORES,

Kátia Maia. Op. Cit., p. 82.574 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. São Paulo: Brasiliense, 2000, pp. 65 e 114.575  GODOY, Silvana Alves de.  Itu e Araritaguaba na rota das monções (1718-1828).  Campinas, SP:UNICAMP, 2002. Dissertação de Mestrado.

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Grosso e de Goiás, primeiro franqueando a navegação “pelos rios Madeira e Mamoré, e

depois pelo Tocantins e pelo Araguaia”.576 Para o autor, essa ação foi uma estratégia visando

coibir as práticas de “contrabando de ouro, fugas de escravos de Cametá, e ataques de índios

 bravos às canoas” que circulavam pela região.577  Por isso, nas propostas e planos de levar

adiante a comunicação entre essas capitanias, eram levados em consideração a edificação de

feitorias e o estímulo para povoar esses espaços, que serviriam de ponto de apoio para as

carregações de negociantes que transitassem por esses rios. Abaixo, pode-se visualizar as

rotas das comunicações fluviais utilizadas para fazer a ligação comercial entre o Mato Grosso

(Vila Bela) e Belém, bem como os rios e afluentes que articulavam essas capitanias.

576 Entretanto, em 1793, Francisco de Souza Coutinho informou sobre a “expedição mercantil que fizeram osnegociantes Ambrósio Henriques, e seus sócios, Feliciano José Gonçalves, e Manuel José da Cunha, a fim deexplorar, e reconhecer a navegação dos rios Vermelho e Araguaya” e assim permitir a comunicação comercialcom a Capitania de Goiás de forma mais proveitosa. AHU_ACL_CU_013, cx. 103, d. 8193. Pará, 1793. Nesse

sentido, os estreitamentos entre essas praças comerciais se pautaram não somente pelas orientações dasautoridades como também de ações de ordem privada executadas por comerciantes estabelecidos nessas praças.577 CARDOSO, Ciro Flamarion. Economia e Sociedade em áreas coloniais periféricas: Guiana Francesa e Pará(1750-1817). Rio de Janeiro: Graal, 1984, p. 131.

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Mapa 4. 2: Comunicação fluvial entre as capitanias do Pará e Mato Grosso.

Fonte: Mapoteca da 1ª Comissão Demarcadora de Limites, s/d. 

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A taxação das mercadorias que deveriam ser vendidas em Vila Bela e em Cuiabá

gerou muito descontentamento entre os negociantes que continuavam fazendo o comércio por

iniciativa própria e costumavam transitar entre as cidades do Rio de Janeiro e de Belém para a

compra de gêneros e de produtos diversos. Um desses descontentamentos foi registrado em

1778, quando os comerciantes de Mato Grosso enviaram uma carta à Rainha solicitando

compensação pelos prejuízos que foram causados pelos deputados da Companhia de

Comércio. Assinavam esse documento os comerciantes que faziam as carregações nas praças

do Rio de Janeiro e do Grão-Pará, e que “tiveram a infelicidade de dispô-las nesta Vila Bela

 pelos ruinosos preços da pauta que os deputados e interessados na Companhia fizeram

estabelecer e publicar nestas minas”.578 Para fazer jus às suas solicitações à Rainha, os comerciantes alertavam para a

especificidade de Vila Bela quando comparada a outras vilas do interior do Brasil. Visto que,

devido a sua localização no interior da América, a população só se mantinha fixada nessas

áreas por meio da ação de seus comerciantes, que faziam o abastecimento da vila. Nesse

sentido, se os deputados da Companhia de Comércio continuassem agindo da forma como

estavam não demoraria muito para que “em poucos anos a total ruína e perda destas Minas do

Poente” se concretizasse. Por isso alertavam que se “Vossa Majestade não acudisse tão prontamente a repará-las, mas também os péssimos e escandalosos procederes com que a

mesma Companhia tem abusado das condições do seu estabelecimento em grande prejuízo

dos povos,” a ruína seria certa. Diante desses argumentos, os comerciantes suplicavam “por

fim a compensação e restituição dos mesmos danos e prejuízos” causados pela ação dos

deputados da Companhia.579 

Para convencer de sua importância para a sobrevivência da capitania de Mato Grosso,

os comerciantes apresentavam-se como “fieis vassalos”. Eles listavam que por diversas vezesforam defensores da capitania de invasões inimigas, custearam o abastecimento e provisões

dos militares e foram partícipes na conquista daquele “continente”, vencendo as dificuldades

 pelas quais passavam para “descobrir e conhecer a sua custa a navegação do Pará a esta

capitania; abrir e franquear os caminhos de terra de Goiás”. Dentre essas ações de conquista e

reconhecimento desse espaço, os comerciantes dessa capitania ainda faziam

578 AHU_ACL_CU_010, Cx. 19, d. 1185, Vila Bela, 10/01/1778.579 AHU_ACL_CU_010, Cx. 19, d. 1185, Vila Bela, 10/01/1778. 

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conduzir das praças marinhas pela longitude de seiscentas léguas e porcaminhos tão árduos e arriscados assim pelos seus caudalosos rios eimpetuosas cachoeiras como por infestados de tantas nações bárbaras,as fazendas, víveres, ferramentas e escravos; vendem, fiam e fazemque cultivando se o comércio se fertilizem ao mesmo tempo asFábricas e Serviços de minerar, que vá em aumento a agricultura e povoação.580 

Além desses feitos em conjunto para o engrandecimento da capitania e a defesa

territorial do próprio Império Ultramarino, eles faziam a descrição da ação individual do

negociante e capitão-mor Luís Rodrigues Vilares, que “a sua custa foi quem fez descobrir e

 povoar-se este continente de Mato Grosso”. Além de ter empregado estratégias para evitar

que os habitantes de Cuiabá se dispersassem para Goiás quando circulou a notícia de novas

minas de ouro naquela capitania. Nos empreendimentos que o governo fazia para o

reconhecimento da navegação que ligasse essa capitania ao Pará, esse mesmo negociante

“concorreu com uma arroba de ouro e vários ajutórios” para a concretização desse projeto. Ao

contrário dos deputados da Companhia de Comércio, que em nada contribuíram para o

aumento da capitania.581 

Ainda na carta à Rainha, os comerciantes listaram como as mercadorias ficaram

sobrecarregadas e acrescentaram ao abaixo-assinado as “receitas juntas firmadas e assinadas

 pelo feitor existente no Pará”. A solicitação deles era que se mandasse “rever por homens de

negócio inteligentes de boa e sã consciência e que seja dos do comércio das praças do Rio de

Janeiro e Bahia e sem que os deputados da tal Companhia o saibam”. Visto que nessas faturas

os deputados cobravam duas vezes o mesmo produto, produtos que antes eram vendidos a um

 preço, sendo taxados por outro valor mais elevado, além de introduzirem produtos que não

tinham saída alguma no comércio de Vila Bela. 582 

Esse abaixo assinado dos comerciantes de Mato Grosso apresenta não somente uma

autorrepresentação deles como partícipes da ocupação da capitania, como também daconquista territorial de defesa do Império Ultramarino português. Ao mesmo tempo, apresenta

alguns dos problemas que se verificaram para a implementação do plano de navegação,

 pensado para efetivar a comunicação comercial entre as duas capitanias.

Em 1773, o governador de Mato Grosso, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, dava satisfações ao Secretário da Marinha sobre as orientações que havia recebido

do governador do Pará, Pereira Caldas, para promover o comércio e navegação entre as duas

580 AHU_ACL_CU_010, Cx. 19, d. 1185, Vila Bela, 10/01/1778.581 AHU_ACL_CU_010, Cx. 19, d. 1185, Vila Bela, 10/01/1778.582 AHU_ACL_CU_010, Cx. 19, d. 1185, Vila Bela, 10/01/1778. 

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capitanias. No ofício, ele afirmava que havia ordenado ao diretor e deputados da Companhia

de Comércio que “formassem alguns estabelecimentos e feitorias úteis ao comércio e de

comodidade para os navegantes”. Para tanto seguia com o auxílio dos engenheiros que o

ajudariam a escolher os melhores lugares para estabelecê-las, assim como a construção de

 portos para as canoas e armazéns para as mercadorias. O governador de Mato Grosso, Pereira

e Cáceres, deveria realizar viagens pelos rios Madeira e Mamoré destinados a receber as

feitorias e as fortificações que o Plano requeria, entretanto encerrava a sua carta questionando

sobre a origem dos recursos que seriam empregados nas obras indicadas. 583 

Após a realização de outras viagens pelos rios indicados, estando a expedição ainda no

Rio Madeira, o governador do Mato Grosso informou que em alguns pontos não era viável o

estabelecimento de feitorias e de povoações, tendo em vista que em algumas áreas o terrenoera muito “pantanoso”, impossibilitando até mesmo a manutenção de algumas fortalezas que

haviam sido construídas naquela área.584  Notam-se algumas imprecisões na definição das

feitorias e dos lugares para estabelecer os armazéns, entretanto era necessário elencar os

 pontos de abastecimento que seriam usados pelas carregações de negociantes que transitassem

 pelo rio Madeira, assim como nos outros rios que faziam a comunicação entre Belém e Vila

Bela.

Em 1797, ao governador e capitão general da capitania do Mato Grosso, Caetano Pintode Miranda Montenegro,585  foi oferecida a  Descrição geográfica da capitania do Mato

Grosso, escrita por Ricardo Franco de Almeida Serra, na qual apresentava os principais

 pontos para a defesa do território diante de uma possível invasão e ocupação desse espaço

 pelos vizinhos espanhóis. Nessa  Descrição, o cuidado estava em detalhar os rios e os

afluentes da região e a respectiva ligação de Mato Grosso com o rio Amazonas. Entre os rios

que ele elencava em seu relatório, o rio Tapajós se sobressaía pela sua “posição geográfica”.

Ficava “evidente, que este rio facilita a navegação e comércio desde a cidade marítima doPará para as minas do Mato Grosso e Cuiabá navegando-o águas acima e entrando pelos seus

grandes braços”. Mesmo tendo de fazer “breves trajetos de terra”, poderiam ser transportadas

583  AHU_ACL_CU_010, Cx. 16, d. 1030, Vila Bela, 23/05/1773. Em outros documentos que enviou para oSecretário da Marinha, o governador de Mato Grosso alertava sobre algumas falhas para a execução do Plano,entre uma delas estava a dificuldade que encontrava para entreter o comércio de prata com os castelhanos. O queaté o momento havia conseguido, por meio de contrabando, foi transportar cavalos, mulas e bois, “manufaturasdos mesmos espanhóis de pouco valor, juntamente com alguns dos seus provimentos”. AHU_ACL_CU_010,Cx. 17, d. 1059, Fortaleza da Conceição, 24/01/1774.584 AHU_ACL_CU_010, Cx. 17, d. 1064, Rio Madeira, 14/02/1774.585  Para a atuação político-administrativa de Caetano Pinto de Miranda Montenegro na capitania do MatoGrosso, ver: FERREIRA, Maria Delfina do Rio.  Das Minas Gerais a Mato Grosso.  Gênese, evolução econsolidação de uma capitania:  A ação de Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Porto: Universidade doPorto, Faculdade de Letras, 1996. (Dissertação de Mestrado).

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 pesadas cargas de “fazendas principalmente para Vila Bela, ponderada a curta distância em

que fica das ditas origens”.586 

A preocupação em estreitar esse contato com a capitania do Pará perpassava pelo

documento, que mesmo sendo apresentado sob o ponto de vista estratégico para o

reconhecimento e ocupação da região, não deixava de discutir as melhorias que poderiam ser

feitas para a efetivação e desenvolvimento do comércio da capitania do Mato Grosso. Em

1799, nas correspondências trocadas entre os governadores da capitania de Mato Grosso e do

Pará na parte em que tratavam sobre a necessidade de viabilizar e dinamizar a navegação,

 bem como o comércio e o transporte de mercadorias entre as capitanias, também foi traçado

um “Plano” para que se implantassem estabelecimentos nas margens dos rios Madeira,

Mamoré e Guaporé. O objetivo desse plano era prover as embarcações que navegassem poresses rios em direção ao Mato Grosso, mas, sobretudo para garantir a proteção da capitania

diante as incertezas em relação às “intenções e boa fé da Corte de Espanha”. As propostas de

dinamizar a navegação entre as duas capitanias estão associadas às medidas que deveriam ser

adotadas para garantir a proteção da capitania e do Império português diante as investidas

espanholas naquela área.587  Maria Delfina Ferreira ressalta que uma das questões que o

governador Caetano Pinto elencava como “embaraço” ao projeto de navegação era que ele

ocorria em um momento de “desconfiança e incerteza em relação aos espanhóis” e aconstrução de feitorias e armazéns poderia aumentar esse sentimento. Sem contar que em

contrapartida aos projetos portugueses, os espanhóis poderiam levantar os mesmo

estabelecimentos nas margens dos rios Paraguai, Guaporé, Mamoré e Madeira, pois os

tratados assinados entre as duas nações lhes davam os mesmos direitos. 588 

Para todos os rios que o engenheiro Ricardo Serra apresentava na  Descrição, ele

elencava as possibilidades em diminuir o tempo e as despesas de navegação entre as duas

capitanias e de ampliar as relações econômicas e o abastecimento de mercadorias para acapitania do Mato Grosso.589 Ao sugerir como rota de comunicação a carreira do Pará590 pelo

586 Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI-RJ). Descrição Geográfica da capitania do Mato Grosso oferecida ao Ilmo e Exmo senhor Caetano Pinto de Miranda Monte Negro, cavaleiro confesso na Ordem de Cristo doConselho de sua Majestade, 6º. Governador e capital general da mesma capitania, escrita pelo engenheiroRicardo Franco de Almeida Serra. 1797, 2º. Via, p. 15.587 AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799.588 FERREIRA, Maria Delfina do Rio. Op. Cit., p. 141.589 A navegação dos rios Tocantins e Araguaia também era marcada por barreiras e obstáculos que tornavam aviagem mais demorada. Além das cachoeiras, os viajantes tinham que atentar para os índios corsos. Na descrição

de Palacin, o percurso de 732 léguas para uma “uma canoa de sal levava dois meses e meio ou três desde Beléma São Pedro de Alcântara no Maranhão, os altos salários dos remadores  –   50 oitavas por viagem- fizeram oresto”, para tornar essa navegação sem a isenção dos impostos desinteressantes aos comerciantes. PALACIN,Luiz. Op. Cit., p. 148. 

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rio Tapajós, afirma que em muito poderia se abreviar a navegação que costumava ser

“ praticada pelos rios Madeira e Guaporé e consequentemente se fará em menos tempo e com

menos despesas”, se comparada com a outra rota que seguia em direção à capitania de São

Paulo pelo rio Tietê. A sua proposta foi apresentada por meio da comparação do comércio que

 já era realizado com a capitania de São Paulo, para onde os comerciantes de Mato Grosso

costumavam se deslocar para fazer o abastecimento de mercadorias para negociarem nas vilas

e nas minas da capitania.591 

Segundo Ricardo Serra, essa nova rota de comércio voltado para o norte seria

“igualmente útil para as minas de Cuiabá”. Visto que, se tomando as vias do sul “a navegação

que se faz de São Paulo para a dita vila [passa] pelos rios Tietê [e outros oito rios] descendo

uns e subindo outros, nos quais se passam 113 cachoeiras”, além do caminho que se devefazer por terra consumindo dos comerciantes um tempo de seis meses. 592 Soma-se ao referido

tempo dessa viagem o longo percurso que é feito até a cidade do Rio de Janeiro, onde as

mercadorias eram compradas, depois seguiam ao porto do rio Tietê, de onde saíam as

embarcações e tropas de bestas com os produtos. Esse comércio também era muito lucrativo,

 pois as mulas usadas no transporte das cargas eram vendidas com vantagem de até 100% do

seu valor inicial, mas mesmo diante desse comércio com Bahia e Rio de Janeiro, a navegação

fluvial em direção ao porto de Belém fazia concorrência com aquele percurso, pois tambémcomercializavam mão de obra e mercadorias.593 

Além dessa trajetória descrita acima pelo engenheiro Ricardo Serra, deve-se

acrescentar ainda as despesas e o tempo gasto pelos comerciantes para conduzir as

mercadorias que eram adquiridas na praça do Rio de Janeiro. Dessa cidade elas seguiam por

via marítima para a “vila de Santos e dela nas canoas até o porto de Cubatão, e do Cubatão

 por terra para a cidade de São Paulo, donde por mais 22 léguas por terra conduzem as cargas

 para o porto de Araritaguaba, no rio Tietê, ponto de que principia a dita navegação”. Essaviagem chegava a durar entre três a quatro meses.594  Entre os anos de 1825 a 1829, a

590 Amaral Lapa escreve que o termo “monção do Grão-Pará” seria o mais encontrado na documentação paradescrever as frotas de comércio que faziam o caminho fluvial ligando o Mato Grosso ao Pará. Para o “sistema periódico de navegação em comboios, através de determinados rios, falava-se também no Pará na “carreira deMato Grosso”, enquanto que em Cuiabá referia-se à “carreira do Pará””. Os navegantes recebiam sempre o nomede comboieiros. AMARAL LAPA, J. R. “Do comércio em área de mineração”. Op. Cit., p. 57.591 AHI-RJ. Descrição... Op. Cit. 592 AHI-RJ. Descrição... Op. Cit., p. 16. 593 CARVALHO, Francismar Alex Lopes de. Op. Cit., p. 224. 594 AHI-RJ. Descrição... Op. Cit., p. 16. 

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expedição do viajante Hercules Florence fez essa mesma trajetória, saindo da capitania de São

Paulo até Cuiabá e de desse porto até a cidade de Belém (capitania do Pará).595 

Silvana Alves de Godoy elaborou uma descrição sobre as monções que saíam de

Araritaguaba até a vila de Cuiabá. O trajeto dessa navegação devia ser feito com extremo

cuidado, pois as águas do rio Tietê eram muito violentas, podendo virar as canoas, causando a

 perda da mercadoria que transportavam ou mesmo a morte da equipagem. Entretanto, os

outros rios que completavam o percurso de São Paulo à vila de Cuiabá não eram menos

violentos e nem menos difíceis de serem transpostos, em função das cachoeiras e das pedras.

 Nesses casos, era necessário descarregar as mercadorias que a canoa transportava para poder

conduzi-las com menos carga tanto por terra como pelas pedras, o que tornava a viagem

muito mais demorada e também trabalhosa para os remeiros e pilotos. Em função desses perigos, a autora afirma que as viagem das monções só eram realizadas depois que a

equipagem tivesse se confessado e mesmo no porto sempre havia “um vigário com o

 propósito de benzer a expedição”.596  A morte de alguns índios remeiros da equipagem era

comum nas viagens que se seguiam entre a cidade de Belém e Vila Bela. Tanto que nos livros

de Registro das Entradas de negociantes de Vila Bela, havia sempre a indicação de quantos

índios haviam saído com a carregação e quantos chegavam vivos em Vila Bela para que se

fizesse a contabilidade do que deveria ser pago aos que conseguiram chegar ao seu porto dedestino.597 Mesmo quando os indivíduos sobreviviam às viagens pelos rios e cachoeiras, ainda

havia os que morriam ao chegarem às cidades de destino, ocasionados pelo desgaste físico ou

 pelas doenças epidêmicas que pegavam no trajeto.598 

Segundo Paulo Roberto Queiroz, a navegação que seguia a monção de São Paulo para

o Mato Grosso era permeada de sobressaltos. Os obstáculos interpostos às grandes canoas

como as “corredeiras, cachoeiras e saltos existentes nos rio Tietê, Pardo e Coxim”, deixavam

a navegação muito mais difícil, perigosa e penosa. Para atravessá-los em segurança era

595 FLORENCE, Hércules. Viagem fluvial do Tiête ao Amazonas de 1825 a 1829.  Tradução do Visconde deTaunay. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2007. Em estudo sobre essa expedição, Sonia Pereiraressalta os aspectos “artísticos e científicos” que pautaram a viagem de Georg Heinrich Von Langsdorff. Aautora se apoia nas descrições e nas iconografias produzidas por Hercules Florence para discutir sobre arepresentação da natureza e das nações indígenas que foram mapeadas durante a expedição. PEREIRA, SoniaMaria Couto.  Etnografia e iconografia nos registros produzidos por Hércules Florence durante a expedição Langsdorff na província do Mato Grosso (1826-1829). Dourados: Universidade Federal da Grande Dourados,2008. (Dissertação de Mestrado).596 GODOY, Silvana Alves de. Op. Cit., pp. 81-84.597 AHU_ACL_CU_010, Cx. 31, D. 1695. Vila Bela, 20/06/1795.598  Segundo Maria de Fátima Costa, a incidência das mortes dos índios naquela região levou AlexandreRodrigues Ferreira a escrever uma memória a respeito da “Causa das doenças dos índios”. Para o viajante, omotivo estava nas “condições de trabalho, a nudez dos corpos e a corrupção dos alimentos”. COSTA, Maria deFátima. Op. Cit., p. 1002-1008.

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necessário descarregar todas as mercadorias que eram transportadas nessas canoas, retirar as

canoas (que chegavam a medir mais de 20 metros) dos rios e seguir o percurso restante pelas

margens dos rios até que todo o obstáculo fosse ultrapassado. Nesse caso, o autor afirma que

essas vias de comunicação pelo sul da capitania ligando São Paulo ao Mato Grosso seria mais

uma via mista, do que estritamente fluvial ou terrestre.599 

 Nos relatos sobre a navegação entre o Pará e o Mato Grosso, o trânsito das canoas e

demais embarcações requeria muito esforço e mão de obra. Com frequência, em determinadas

 partes dos rios onde apareciam cachoeiras era necessário diminuir o peso das embarcações

 para poder transportá-las “à sirga e à força de remos e de varas por perigosos saltos e estreitos

canais”. Nos trechos onde a navegação era inviável, os remeiros tinham “de abrir caminhos e

de fazer ranchos para passarem por terra”, ficando parte da equipagem detida somente nessetrabalho, tudo isso para “resguardar de avaria a mesma carga” que transportavam. 600  Havia

ainda momentos em que era necessário “arrastar por terra as mesmas embarcações por difíceis

trânsitos de subidas e de descidas de serras, onde ordinariamente padecem grande ruína,

motivando funestos acidentes aos mesmos que se ocupam nestes violentíssimos trabalhos”. 601 

A navegação para o Mato Grosso, e pode-se inferir também para outras áreas dos

sertões da capitania do Pará e do Rio Negro, requeria uma grande quantidade de mão de obra

 para transportar as embarcações nos trechos onde havia cachoeiras ou mudança de curso derio.602  Segundo a  Informação sobre a navegação do Pará para o Mato Grosso, para

movimentar por terras as embarcações pequenas de até 1.200 arrobas era necessária a força de

mais de 100 homens, excetuando “os remeiros competentes a uma embarcação;” para as

embarcações pequenas, destinadas ao transporte de pessoas, a quantidade de mão de obra

necessária chegava a 50 ou 60 homens. 603 Por isso, nesse percurso de aproximadamente 70

léguas o mais viável era seguirem nas canoas pequenas que não excediam a mil ou 1.200

arrobas, deixando as embarcações de grande porte para navegarem apenas nos trechos onde osrios tinham maior calado. Essa necessidade de garantir a segurança para a navegação e para o

599 QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. “Uma esquina nos confins do Brasil: o sul do Mato Grosso colonial e suasvias de comunicação (projetos e realidades)”. Revista Fronteiras, Vol. 11, No. 19 (2009), p. 199. 600 SOUZA COUTINHO, Francisco. “Informação sobre o modo por que se efetua presentemente a navegação doPará para o Mato Grosso, e o que se pode estabelecer para maior vantagem do comércio e do Estado. (copiado deum manuscrito oferecido ao Instituto pelo secretário perpétuo o cônego Januario da Cunha Barbosa)”. In: Revistado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), Rio de Janeiro, tomo II, 1840, p. 292. O documento éassinado pelo governador da capitania do Pará, D. Francisco de Souza Coutinho em 4 de agosto de 1797.601 SOUZA COUTINHO, Francisco. “Informação...”. In: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 1840, p. 293.602 As viagens mais distantes, como a ligação entre a capitania do Rio Negro e Belém, chegavam a arregimentaruma quantidade maior de mão de obra indígena se comparada com as outras vilas do interior da capitania doPará. Essa análise foi apresentada no capítulo II desse estudo.603 SOUZA COUTINHO, Francisco, “Informação...”. In: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 1840. 

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transporte das cargas fazia com que os negociantes despendessem um grande cabedal ou

então, para economizar os custos da viagem, quando chegassem às cachoeiras faziam o

transporte de mercadorias em comboios, não são raros os relatos de viajantes que descrevem o

encontro fortuito com grupos de negociantes viajando por esses rios.604 

Para uma viagem completa, desde a compra de mercadorias na cidade do Rio de

Janeiro e o seu transporte até chegar ao seu destino final, a vila de Cuiabá ou a cidade de Vila

Bela, gastava-se um período que poderia variar ente 9 a 10 meses. Em sua comparação sobre

esse percurso, o governador afirmava “que vem a ser o mesmo que se gasta na Carreira do

Pará pelo Rio da Madeira até Vila Bela”, mas em compensação se poderia economizar “nesta

última navegação mais de 2 mil réis em cada carga que nos fretes das referidas conduções em

Varadouro de Camapuã faz de despesa cada uma delas”.605 Nos relatos de viagens em direçãoa esse varadouro, estão registradas as dificuldades em atravessá-lo, além da grande demora

“para descarregar as canoas e percorrer uma distância de duas léguas com mantimentos e

cargas nas costas”.606 Sendo também em função disso, que Ricardo Serra, na sua  Descrição

 para o governador de Mato Grosso, elencava o rio Tapajós como um dos mais viáveis para

dinamizar o comércio da sua capitania, privilegiando a navegação em direção ao norte da

capitania.607 

Ainda na sua  Descrição geográfica, o engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serraapresentava um  Discurso sobre a urgente necessidade de uma povoação na Cachoeira do

Salto do rio Madeira para facilitar o utilíssimo e indispensável comércio que pela carreira do

 Pará se deve fomentar para Mato Grosso de que resultará a prosperidade de ambas as

capitanias.608  Nesse compêndio, ele enfatizava em relação à capitania do Mato Grosso a sua

 proximidade com “os domínios espanhóis”, ponto que requeria muita atenção em sua

apresentação, pois com o objetivo de preservar a capitania de qualquer invasão fazia

sugestões sobre como ocupar e proteger aquela região. Em seus argumentos, asseverava que acapitania do Mato Grosso era a mais afastada das colônias do “Princ ipado Português do

vastíssimo Brasil, e a mais distante a respeito dos seus portos marítimos guardando em si

ainda não tocadas e ricas minas, cobrindo as capitanias internas deste vasto continente”. 609 A

existência dessas minas de ouro era outro fator que requeria muita atenção para essa região,

604 FLORENCE, Hercules. Op. Cit.; SPIX e MARTIUS. Op. Cit.; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. Cit., p.64.605 AHI-RJ. Descrição...606 GODOY, Silvana Alves de. Op. Cit., 53.607 AHI-RJ. Descrição… Op. Cit. 608  AHI-RJ.  Descrição… Op. Cit. Esse discurso coletado no Arquivo Histórico do Itamaraty também foi publicado no periódico O Patriota, no. 1, julho de 1813, p. 47-57.609 AHI-RJ. Descrição… Op. Cit., p. 86.

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 principalmente em função do contrabando que poderia ser realizado entre os moradores da

capitania do Mato Grosso e os habitantes da fronteira espanhola.610 

Comumente, nesses estudos estratégicos para a efetiva ocupação do território

aparecem a descrição dessas viagens e as indicações de pontos para o estabelecimento de

 povoações ou armazéns, visando servirem de apoio às carregações que viessem a passar por

esses rios, mas principalmente garantir a periodicidade do comércio para essas áreas. O plano

de implementação desse caminho fluvial entre as duas capitanias proposto por Souza

Coutinho, além do estímulo ao comércio e abastecimento regular à capitania de Mato Grosso,

o povoamento do extremo oeste do Império português também seria impulsionado. Em

virtude disso, esse plano de Francisco de Souza Coutinho é considerado como o “mais

racional e completo que se apresentou para a época”, embora ele não tenha sido posto em prática como o pensado.611 

O incentivo da carreira do Pará seria de extrema importância para a capitania do Mato

Grosso, evitando que houvesse a carestia de produtos ou a sua oferta em valores dobrados

 para a população. Nesse caso, a ocupação que sugeria se daria pela via do estreitamento do

comércio daquela capitania com a capitania do Pará. Ressaltava no mesmo  Discurso  que

outros governadores da capitania do Mato Grosso já haviam proposto a fundação “na

Cachoeira do Salto612

 [de] uma povoação, que servisse de escala a tão interessante comércio,facilitando, e animando com ela tão importante navegação”. Entretanto, essa proposta não

chegou a ser efetivada nem pelos governadores de Mato Grosso nem pelos do Pará, visto que

deveria ser um empreendimento em conjunto entre as duas capitanias, a justificativa para isso

foi a existência de várias populações indígenas que habitavam a região e a falta de orçamento

disponível para efetivar a melhoria da navegação.613 

A cachoeira do Salto seria um lugar promissor para o estabelecimento de um povoado,

 principalmente pelos “muitos  ramos de negócios que ali lhe oferece a natureza. Ela fica nocentro de um vasto sertão, abundam em gêneros, em salsa, cacau (...) as manteigas de

610 AMARAL LAPA, J. R. “Do comércio em área de mineração”. Op. Cit., pp. 36-43.611  Idem, p. 63.612 As cachoeiras “mais difíceis e trabalhosas” existentes no percurso da navegação entre as capitanias do Pará edo Mato Grosso eram as “do Salto, do Girau, do Ribeirão e da Bananeira: mas nem todas exigem varadourosenão em certas estações que os rios têm mais ou menos água”. SOUZA COUTINHO, Francisco,“Informação...”. In: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 1840, p. 310. Em correspondência do governador de MatoGrosso, João de Albuquerque de Melo Pereira e Castro, ao governador do Pará, Francisco de Souza Coutinho,indicava-se a necessidade de se fazer uma povoação na Cachoeira do Salto, “a segunda do Rio Madeira, lugar só próprio e médio para depositar os gêneros vindos do Pará para esta capitania”. Com a edificação dessa povoação,

haveria também o “auxílio de índios os quais serão logo reconduzidos e pagos em ouro dirigido a sua Tesouraria,abatidas unicamente algumas despesas que eles em caminho e também desta Vila fazem”. AHU_ACL_CU_010,Cx. 30, d. 1677. Vila Bela, 19/09/1793.613 AHI-RJ. Descrição… Op. Cit., p. 87.

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tartaruga, o salgado peixe, as gomas e muitas belas e graúdas madeiras”. Além dos gêneros

que podem ser coletados, as terras da região também são uma das “mais próprias para uma

abundante cultura (...) que no Pará tem pronta venda, como o tabaco, algodão, café, arroz, anil

e açúcar e este último efeito faria uma positiva riqueza desde lugar”. Em um período de

apenas 30 dias de navegação até a cidade do Pará, o negociante que se dispusesse em

estabelecer-se nessa região poderia com muita facilidade equipar as canoas de duas a três mil

arrobas com cargas desses gêneros e de outros produtos para serem negociadas nos portos de

Belém.614 

Outra vantagem que elencava para o estabelecimento de uma povoação no Salto seria

a utilidade para a navegação. Nesse povoado se poderiam fixar pontos de abastecimento para

“os comerciantes que se destinam a esta carreira”, já que gastavam, com certa regularidade,“dez meses de navegação, dos quais três ou quatro meses empregam em passar as cachoeiras,

e fazem até Vila Bela a despesa de 25%”. Havendo a fixação de um estabelecimento como o

sugerido, o tempo e as despesas seriam encurtados pela metade, favorecendo com que os

negociantes não onerassem os produtos para compensar os gastos da viagem. 615 

 No percurso da carreira do Pará, os negociantes costumavam empregar em cada

“canoa de negócio” uma equipagem em que se contava com os seus “respe ctivos remeiros,

 piloto, pescadores, dono e agregados”, tudo chegando a um total de 20 pessoas naembarcação. Na  Descrição, afirmava-se que para garantir a alimentação da equipagem

durante a viagem era necessária uma “carregação para cada homem” que contava “além de

 peixe seco, cinco alqueires de farinha de mandioca”,616  ou seja, deveria se transportar em

torno de 100 alqueires de farinha para cada canoa. Isso demandava uma grande quantidade de

carga destinada apenas para as provisões de boca, que seriam consumidas pela tripulação ao

longo da viagem. Se acaso estabelecessem uma povoação como a sugerida, bastaria efetuar

614 No relato mencionado, Ricardo Franco de Almeida Serra escreve sobre as práticas do cultivo de terra que sãofeitas nas proximidades de Belém. Segundo ele, os lavradores tendem a privilegiar o plantio “nas margens e Ilhasdo Amazonas vizinhas daquela cidade, cujos terrenos não são os mais próprios para a planta da Cana”. As terrasdessa região são “insuficientes, pois são formadas por sucessivas camadas de lodo (...) que pelo espaço de muitosséculos as águas e cheias do Amazonas ali foram acumulando de 8 a 10 palmos de altura”. Em função disso, ocultivo da cana nas proximidades de Belém não seria o mais viável, visto que as cultivadas nesses sítios não são“nem sucosas nem doces”, o que costuma causar certa variação na qualidade do açúcar que era vendido em MatoGrosso. AHI-RJ,  Descrição ..., pp. 87-89. Em 1751, contava a cidade do Pará com “24 engenhos de fabricaraçúcar e 77 engenhocas de aguardente, sendo daqueles, 22 de propriedade dos moradores, e 2 da direção dosreligiosos do Carmo e da Companhia de Jesus”, sendo a maioria deles localizados nas margens dos rios Moju,Guamá, Acará, Bujaru e Tocantins, mas todos próximos ao litoral da cidade de Belém. Cf.: CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém: Governo do Estado do Pará, 1973, pp. 91-94.615 AHI-RJ, Descrição....616 A essa lista de alimentos para as provisões de boca, Amaral Lapa acrescenta a aguardente, sal e arroz pilado.Esses gêneros eram o mais comum, sendo a aguardente, muitas vezes, usada como pagamento pelo trabalho dosíndios remeiros. AMARAL LAPA, J. R. “Do comércio em área de mineração”. Op. Cit., p. 81.

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nas canoas o transporte de uma quantidade menor para abastecer a equipagem até esse

destino. Segundo os cálculos apresentados, seria para “conduzirem vinte [por cento] e os

oitenta [por cento] que poupam são para outras tantas cargas de comércio: ali acharão todos os

mantimentos que necessitem, e uma pronta ajuda para passarem com qualquer pequeno

interesse que façam aqueles moradores”. Com as embarcações mais leves se levaria na

travessia pelas cachoeiras a metade do tempo que é gasto usualmente e ainda se poderia trocar

“ali os índios doentes por outros de saúde”.617 A proposta da fundação de uma povoação, que

se situasse nas proximidades das cachoeiras, para abastecer a carreira do Pará de mão de obra,

de mercadorias e demais socorros, também foi expressa em outro documento sobre a

navegação entre as capitanias de Belém e de Mato Grosso. Entretanto, essa proposta é mais

detalhada, delegando as responsabilidades à Fazenda Real para que se efetuasse o transportedos colonos e realizasse a infraestrutura necessária para a permanência deles na povoação.618 

 Nessas viagens em que se gastavam muitos meses de um ponto ao outro, a existência

de “sítios de abastecimento” serviria para amenizar a falta de mantimentos e de água

 potável619  para a equipagem ou mesmo diminuir os gastos com a carga transportada. Esse

gasto com a equipagem podia ser pensado pela totalidade da canoa ou pelo número de pessoas

que compunham a equipagem da embarcação. Na carreira de São Paulo, havia esse tipo de

estabelecimento, eles eram “sítios de lavoura destinados a abastecer os viajantes” ao longodos diversos rios por onde os comerciantes transitavam. Embora esses estabelecimentos

ficassem situados às margens dos rios, isso não era impedimento para abastecer as tropas

durante as viagens terrestres que os negociantes realizavam. 620 

O estabelecimento da povoação do Salto para abastecer a carreira do Pará poderia tirar

outras vantagens além da venda de mantimentos. Na realização de viagens para a cidade de

Belém em que se usassem as embarcações pertencentes ao povoado, elas poderiam retornar

 para o Salto fazendo frete de mercadorias. Segundo o engenheiro Ricardo Serra, esses fretesgarantiriam os baixos custos com a viagem de retorno se comparada ao total das despesas

feitas desde a cidade do Pará com as canoas, os remeiros e os mantimentos para a equipagem

consumir. Serviria para diminuir os custos não só das viagens, como também das mercadorias

que poderiam ser vendidas tanto no Pará como em Mato Grosso. Essa “recíproca utilidade”,

como a define, faria “afrouxar a [venda de artigos de] luxo do Rio de Janeiro, que a falta da

617  Idem, pp. 89-90.618 SOUZA COUTINHO, Francisco de. “Informação...”. In: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 1840, pp. 301-111.619 Segundo Silvana Alves de Godoy, entre os problemas encontrados no momento em que as monções faziam pouso era a escassez de água potável, às vezes os viajantes faziam uso da “raiz de umbuzeiro”, mas era comum a tripulação morrer depois de beber a água dos rios. GODOY, Silvana Alves de. Op. Cit., p. 88.620 QUEIROZ, Paulo Roberto. Op. Cit., pp. 203-204

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carreira do Pará levou ao maior excesso”.621  Para Amaral Lapa, nas viagens de retorno de

Mato Grosso ao Pará as embarcações pouco ou nada levavam para Belém, quando muito

transportavam ouro ou “eventualmente” carregavam drogas do sertão  encontradas nas

margens dos rios. Isso mostra o quanto esse comércio para o oeste era uma empresa lucrativa,

compensando a “torna-viagem” com embarcações vazias.622 Sabe-se que as embarcações que

seguiam para os sertões da capitania tinham as suas redes de relações comerciais que

garantiam a venda das mercadorias trazidas de Belém. Em contrapartida, os negociantes

compravam/trocavam esses produtos pelos gêneros coletados nos altos rios, seja cacau, cravo,

couro, peixe e carne secas, uma série de artigos da terra que em Belém também tinha

comprador certo. Nesse sentido, a “torna-viagem” dificilmente seria feita com a embarcação

vazia, pois os custos em armar uma embarcação (com remeiros e alimentos) tinham que serotimizados em todo o percurso realizado. No caso para o Mato Grosso, não seria adotada uma

lógica diferente.

A sugestão da aplicação de canoas para fazer frete623 era vista como uma vantagem

 para o pequeno comerciante e, principalmente, para a população de Mato Grosso, pois os

custos de armar uma canoa com mercadorias seriam mínimos, já que não haveria a

necessidade de contratar os índios remeiros e o piloto para a embarcação que se lançasse em

uma “expedição própria”. O objetivo de implantar canoas para a realização de fretes era que,com o passar do tempo e com uma cobrança correta dos impostos, a povoação tivesse

recursos próprios para se manter nesses estabelecimentos sem mais o auxílio da Real Fazenda.

 Na Informação sobre a capitania de Mato Grosso, Dom Francisco de Souza Coutinho

apresentava uma proposta com sete orientações para a realização dos fretes, os quais ficariam

sob o controle e regulação da Real Fazenda. De forma “prática”, primeiramente ficaria a

cargo da Real Fazenda “mandar estabelecer desde logo duas canoas, do porte de duas mil

arrobas, ou mais, se o comércio as exigir”, as quais partiriam da cidade do Pará a cada 6meses, sempre navegando “até a 1º. cachoeira com as carregações, que a praça quiser

mandar”. Para esse trajeto seriam pagos os valores concernentes ao frete das mercadorias,

como também seria designado “um negociante para correr com esta administração”, havendo  

621 AHI-RJ. Descrição.... p. 91.622 AMARAL LAPA, J. R. “Do comércio em área de mineração”. Op. Cit., p. 85.623 Em 1802, Miranda Montenegro oficiou ao secretário de Estado Visconde de Anadia que havia compartilhadocom o governador do Pará uma carta e um mapa, nos quais constavam as indicações para a adoção do “novosistema de navegação a fretes para a capitania”. AHU_ACL_ CU_010, Cx. 39, D. 1959, Vila Bela, 27/02/1802.

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a arrematação de contratos, estes seriam estabelecidos para “os preços dos fretes” e ficaria

expresso que não poderiam ter seus valores alterados.624 

Em seguida, na cidade de Mato Grosso haveria de se “criar de novo, ou se destacar dos

existentes um corpo de 60 ou 80 pedestres com os seus oficiais competentes para se

estabelecer nas cachoeiras, e na paragem mais conveniente”. O ponto entre a primeira

cachoeira e Vila Bela é um lugar de difícil trânsito para a navegação, por isso a Provedoria

deveria manter embarcações próprias para serem utilizadas no transporte das mercadorias, as

quais seriam deslocadas entre esses respectivos trechos. A terceira proposta que apresentou se

destinava a Vila Bela, onde também deveriam se estabelecer “ou uma canoa do porte de 2.000

arrobas, ou duas do porte de mil cada uma, como for mais cômodo à navegação, equipadas

com os mesmos pedestres, para ultimarem os transportes da última cachoeira até VilaBela”.625  Esses pedestres trabalhariam no desembarque e no reembarque das mercadorias

entre as embarcações, principalmente nos trechos onde a navegação era mais perigosa e a

carga deveria ser transportada por terra pelas margens dos rios.

Ao apresentar essas propostas e as seguintes, é possível perceber como se operava esse

circuito mercantil e as preocupações presentes na navegação realizada nesses trechos. As três

 propostas acima apresentadas se destinavam à estruturação desses trajetos para poder

dinamizar a travessia das embarcações de Belém até Vila Bela nos trechos de maior perigo para os comerciantes e suas mercadorias. Os pontos seguintes se destinavam à melhoria da

administração dessas mudanças que seriam efetuadas no transporte, abastecimento e

negociação de mercadorias, mas principalmente a otimização da arrecadação dos impostos.

Era necessário coibir “por todos os meios possíveis as extorsões, a fraude, e a má fé a que o

comércio nunca resiste e menos em semelhantes distâncias”, por isso qualquer mercadoria ou

encomenda que fosse transportada, grande ou pequena, deveria ser pago o seu respectivo

frete.

626

  Na quarta proposta foi feita a indicação de “um administrador para tomar conta das

carregações, que se lhe remeterem do Pará e as dirigir ao comandante pedestre”, que deveria

remetê-las ao administrador que ficaria na última cachoeira para depois ser entregue na

Alfândega da cidade de Vila Bela, “onde as partes podem procurar as remessas que lhe

 pertencerem”. Ao administrador ficaria a responsabilidade de zelar pela carga e pelos “cabos

das embarcações durante as viagens”. Havendo alguma avaria na carga, ele seria obrigado a

624 SOUZA COUTINHO, Francisco de. “Informação...”. In: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 1840, p. 305.625  Idem, Ibdem. 626  Idem, pp. 306-307.

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 pagar o último valor correspondente à mercadoria transportada, isso tudo para que houvesse a

máxima vigilância sobre o que era negociado e transportado, mas principalmente para se

“evitar prejuízos, que podem inteiramente embaraçar o comércio, desgostando os

comerciantes, ainda que alguns serão indispensáveis, como em toda a navegação sucede”.627 

As propostas sexta e sétima se referiam à cobrança dos fretes e a sua divisão para cada

capitania. O valor correspondente às mercadorias transportadas da cidade de Belém até a

 primeira cachoeira seria pago no Pará, sendo a Junta da Administração da Fazenda Real

responsável pelos custos das embarcações tanto na navegação, como no transporte das cargas

nesse mesmo trecho. Descendo essa cachoeira até cidade de Cuiabá, os valores seriam pagos à

Provedoria de Mato Grosso. Sendo que os respectivos valores seriam pagos de acordo com o

que se cobrava em cada uma das capitanias, sugerindo-se um “cálculo prudente” para tudo oque fora transportado.628 

Entretanto, o governador de Mato Grosso, Caetano Pinto de Miranda Montenegro,

elencava os impostos cobrados pelo sistema de fretes como um empecilho para o

desenvolvimento da navegação e comércio entre as duas capitanias. Segundo o governador,

 para esse sistema se tornar viável seria necessário que todos os negociantes de Mato Grosso se

voltassem para o caminho fluvial do Pará, porém o comércio realizado com o Rio de Janeiro

se tornava mais vantajoso em função da diversificação de fazendas e mercadorias secas emolhadas ofertadas naquela praça e a cobrança de seus impostos.629 Segundo Maria Delfina

Ferreira, enquanto no Rio de Janeiro a cobrança era feita somente entre mercadorias secas e

molhadas, no Pará a cobrança dos fretes se fazia “pelo valor, o peso e o volume de cada

gênero”. No caminho para o Rio de Janeiro não havia postos fiscais que fizessem o registro

dos valores das mercadorias e pelo fato de não ter um prédio da Alfândega em Mato Grosso,

os oficiais dificilmente saberiam fazer o registro necessário para a cobrança do imposto. Esse

fator tornava a cidade de Belém um empecilho para a lucratividade desse comércio, pois aexistência da Alfândega garantia aos oficiais a prática na arrecadação desses impostos. 630 

Quanto a esse ponto, os governadores de ambas as capitanias chegaram a ponderar

sobre como seria feita essa cobrança, mas sempre levando em conta o que seria melhor para

não embaraçar a ação de negociantes interessados em se ater nesse circuito mercantil.

627 SOUZA COUTINHO, Francisco de. “Informação...”. In: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 1840 , pp. 305-306.628 SOUZA COUTINHO, Francisco de. “Informação...”. In: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 1840.629 AHU_ACL_CU, Cx. 40, d. 1984. Vila Bela, 20/09/1802.630 Na percepção da autora, o governador da capitania do Mato Grosso era muito cético em relação ao comércio enavegação entre as duas capitanias. E ao reclamar sobre as dificuldades presentes no abastecimento da suacapitania, responsabilizava os negociantes de Belém pela baixa oferta de mercadorias e pela irregularidade dassuas viagens. FERREIRA, Maria Delfina do Rio. Op. Cit., p. 142.

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Ressalta-se que dentro desse “novo plano ou sistema de navegação a fretes do Pará” para o

Mato Grosso se abria a possibilidade de qualquer negociante poder mandar buscar

mercadorias e encomendas com maior comodidade para aquela praça. O plano ou sistema

 permitiria que os negociantes que não tivessem “procuradores próprios na mesma cidade

[Belém]” conduzissem suas mercadorias para o Mato Grosso. Nesse caso, quem administraria

os fretes em Mato Grosso seria também “o procurador de todos os que não o tivessem nesta

Cidade”.631 

4.2.1- A carreira do Pará.

Em junho de 1799, o governador do Pará Dom Francisco de Souza Coutinho

apresentou várias propostas para o estabelecimento de canoas de fretes para a navegação da

cidade de Vila Bela até o Pará. O governador de Mato Grosso, Caetano Pinto de Miranda

Montenegro, reiteradas vezes acusava o recebimento das ordens de Dom Rodrigo de Souza

Coutinho e os procedimentos adotados para a sua execução.632  Entre outros assuntos

oficiados, mandava dar início às providências necessárias para formar os estabelecimentos

(povoações e armazéns) nas margens dos rios Madeira e Mamoré. Algumas medidas erammais urgentes como a construção de um armazém de depósito, onde se guardariam as

mercadorias que seriam enviadas nas “primeiras carregações” de Belém. Para o   trajeto

existente no “espaço de cachoeiras e na restante extensão até essa capital [Vila Bela]” seriam

colocadas as duas canoas de 400 e de 500 arrobas à disposição do depósito. Dele seriam

transportadas as mesmas carregações até Vila Bela, onde se estacionaria outra canoa com um

 porte maior, para conduzir as mercadorias do depósito.633 Entretanto, o governador de Mato

Grosso passava a expor “os embaraços” que a capitania vivenciava naquele momento e que oimpediam de dar plena “execução [do plano] em todas as suas partes”, sendo que os

“embaraços” não eram tanto em função da dimensão do projeto, “mas das circunstâncias

 particulares em que se acha esta capitania”. Como foi discutido anteriormente, a capitania de

Mato Grosso convivia com as possíveis investidas dos espanhóis sobre os domínios

631 AHU_ACL_CU, Cx. 40, d. 1984. Vila Bela, 20/09/1802.632 AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799.633 Para esse trabalho, o governador de Mato Grosso só pôde arregimentar um ajudante, um oficial, um porta

estandarte, um cabo, seis soldados, 60 pedestres e 20 escravos da Fazenda Real, eles seguiram para a “cachoeirado Ribeirão aonde hão de arranchar e fazer um interino armazém”. Em seguida, os escravos seriam empregadosna plantação que se faria nessa localidade, para “ficarem independentes para o ano que vem de socorro demantimentos desta Vila”. AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799. 

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 portugueses, para onde concorriam todos os esforços de salvaguardar aquela área. Já na

 Descrição sobre a Capitania do Mato Grosso, esse problema era discutido com a intenção de

estreitar e de dinamizar as vias de comunicação entre as capitanias. Se acaso o Mato Grosso

 precisasse de socorros militares, a ajuda que sairia do Pará era considerada a mais imediata,634 

desde que o Pará não estivesse em guerra contra os franceses na Guiana, pois diante dessa

situação a capitania do Mato Grosso ficaria a sua própria sorte.

A formação de estabelecimentos e benfeitorias nas margens dos rios seria paga com os

valores arrecadados nos fretes das mercadorias que entrassem na capitania de Mato Grosso

vindas da cidade de Belém. Segundo os cálculos apresentados pelo governador, a “importação

anual será de 120 contos, cujo frete de 30 por 100 não só cobre as despesas do

estabelecimento, mas ainda há um benefício”. Para que esse cálculo desse certo era precisoque “todo o comércio de Mato Grosso, tanto de fazendas secas como dos molhados, se volte

 para essa praça [de Belém]”, o que levaria certo tempo para se concretizar, visto que o

comércio para o Rio de Janeiro ainda tinha “grandes vantagens sobre” o Mato Grosso. 635 

As vantagens a que se refere são os credores da praça do Rio de Janeiro, os quais

 possuíam “uma grande sorte de fazendas, [onde] estas são [oferecidas] a melhor preço”.

Somava-se a isso o grande cabedal dos negociantes dessa praça, os quais podiam “sofrer a

demora das remessas com a qual se deve contar sempre no comércio de Mato Grosso, e agoraainda mais, porque os capitais circulantes estão muito diminuídos”. Segundo as justificativas

do governador do Mato Grosso, na praça do Rio de Janeiro os credores costumavam passar

créditos para “18 meses sem juros,” e “posto que nem um só negociante pague dentro do

referido espaço de tempo, todos encontram grande facilidade no perdão de todos ou de parte

dos mesmos juros”.636  Essa situação dos negociantes de Vila Bela se voltarem para o

comércio com o Rio de Janeiro foi ponto de análise por Francisco de Souza Coutinho. Em

cópia de documento enviada a Pereira e Cáceres, ele comentava a respeito das “fraudes” queos negociantes de Mato Grosso costumam fazer com os negociantes da praça de Belém. A

“fraude” consistia, segundo ele, “na falta de correspondência e boa fé dos negociantes”, os

quais levando de Belém “avultadas carregações a crédito, não só demoram e deixam de fazer

correspondentes remessas a seus sócios, mas ainda [passavam-se] para o Rio de Janeiro se

[subtraindo] ao devido pagamento e embolso das dívidas que contraíram”. Para evitar que

634 AHI-RJ. Descrição.... Op. Cit.635 AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799.636  Idem.

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essa prática passasse a “introduzir a má fé e a desconfiança que são incompatíveis com o

comércio, este virá a ser tão florescente quanto promete e quanto é de esperar”.637 

Ainda em 1799, na troca de correspondências entre os governadores das capitanias de

Mato Grosso e do Pará, além de se discutir a importância de incrementar o comércio entre as

duas capitanias, também se alertava para o cuidado que deveriam ter com os negociantes de

Mato Grosso na hora de cobrar o frete das fazendas secas e molhadas, a bem da Alfândega. O

 próprio governador da capitania do Mato Grosso é quem explica a diferenciação que se

costumava fazer entre os produtos secos e molhados para poder aperfeiçoar a cobrança dos

seus direitos, haja vista não existir naquela vila Alfândega ou mesmo pessoas capacitadas para

fazerem tais cálculos e arrecadações. Em suas palavras, a “fazenda seca vai a balança, e cada

arroba paga 1:125 réis, ou esta arroba seja de cambraias finíssimas, ou de estopa a maisgrossa, ou de metais preciosos ou de ferro”. Para as mercadorias serem consideradas

molhadas como “segundo se declara nas condições do contrato das entradas, é tudo o que se

consome ou bebe, paga cada carga, por exemplo, cada frasqueira de líquidos, cada saco de sal,

750 réis”.638 

Continuava na correspondência alertando que a proposta de Francisco de Souza

Coutinho em cobrar os

30% no total da importação (...) eles hão de ser repartidos conformevalor, o peso, e o volume de cada gênero. Será preciso fixar-se primeiro o valor das fazendas o qual é diverso no Reino, nessa cidade[Belém] e nesta vila, sendo também diverso nas Alfândegas e nas praças, pois nestas últimas todos os dias está variando.639 

O cuidado em definir um valor exato para se efetuar a cobrança do frete das

embarcações e sobre as importações que se fizessem do Mato Grosso para Belém consistia em

não causar embaraços ao comércio ou mesmo “constranger os negociantes a mostrarem assuas carregações ou faturas”, pois disso dependeria a boa arrecadação dos fretes. Essa

cobrança também serviria para impulsionar a realização constante desse circuito mercantil

entre as duas capitanias.

637 AN, Negócios de Portugal, Fundo 59, Códice 99, vol. 14. Cópia de documento enviado por Francisco de

Souza Coutinho, governador do Pará, ao governador de Mato Grosso, João de Albuquerque Pereira e Cáceres,Pará, 24/01/1792.638 AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799. 639  Idem. 

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Para tanto, o governador de Mato Grosso enviava um cálculo do negociante de Mato

Grosso, o capitão José Antonio Gonçalves Prego.640  Ele o havia feito com base em uma

viagem por ele mesmo empreendida  para a cidade de Belém e também por ser ele “o único

negociante que nesta capitania tem arranjo e método no seu negócio”.641 A partir do cálculo

enviado pelo governador, seguia também uma sugestão para se fazer com que as diversas

mercadorias que seriam importadas para Belém “venham a ficar agora a melhor preço do que

quando eram conduzidas pelos particulares, e que não venham a exceder o preço do Rio de

Janeiro, porque de outra sorte seria impossível virar o comércio para essa praça como requer a

felicidade das duas capitanias”.642 Segundo Antonio Baena, as capitanias do oeste em muito

expandiriam as suas relações comerciais “se os comerciantes quiserem mercadejar com

aquelas províncias centrais; alguns, mas muito poucos, empreenderam mais pelo impulsodado por alguns generais governadores do que por vontade própria estabelecer um trato entre

si e os de Mato Grosso e Goiás”.643 Pode-se afirmar que José Antonio Gonçalves Prego seja

um desses poucos particulares do Mato Grosso que se aventuraram nesse circuito fluvial pelo

norte.

Entretanto, na memória que acompanhava a correspondência do governador de Mato

Grosso para Belém, José Antonio Gonçalves Prego apresentava o que levou para a cidade de

Vila Bela, na viagem que realizou em 1787, a qual fez nas suas três canoas de “nove remos por banda”, viagem a qual o negociante gastou “um ano e 14 dias” para concluir. Entre os

objetos que listou, estavam relacionadas as seguintes mercadorias: fazendas secas, louças,

vidros cera, chumbo em munição, tachos de bacias, barris de pólvora, farinha, queijos e

azeitonas, sal, bebidas sortidas, marmeladas, óleo de linhaça, quina em pó (medicamento),644 

espingardas, salsaparrilha, café, tabaco e 28 escravos perfazendo um total de 27:093$233 réis.

Relatava também os gastos que teve com os nove índios remeiros, os três pilotos e um prático.

640 O capitão José Antonio Gonçalves Prego era negociante que costumava seguir para Belém em comboio comoutros negociantes de Mato Grosso. Segundo o registro dos comboios, Gonçalves Prego realizou três viagens para Belém nos anos de 1775, 1778 e 1781. APEP, Códice 297. O nome dele também aparece na lista dedevedores da antiga Companhia de Comércio do Pará. AHU_ACL_CU, Cx. 21, d. 1311. Vila Bela, 16/02/1781.641 No registro das entradas dos negociantes e suas cargas em Vila Bela consta a relação dos diversos negociantesque faziam o comércio com o Pará, Rio de Janeiro, Bahia e Cuiabá. AHU_ACL_CU, Cx. 31, d. 1695. Vila Bela,20/07/1795.642 AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799.643 BAENA, Antonio Ladislau Monteiro.  Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará. Pará: Typographia deSantos & Menor, 1839, p. 173.644 A quina ou quinina era usada em casca ou em pó para curar as “sezões”, muito comuns nessas áreas. Em fins

do século XVIII e início do XIX, as autoridades da América espanhola passaram a estimular o comércio de quina para o mercado europeu. SILVA, Renán.  Los ilustrados de Nueva Granada, 1760-1808: genealogía de unacomunidad de interpretación.  2ª. Ed. Medellín: Fondo Editorial Univerdidad EAFIT, coedición Banco de laRepública, 2008, pp. 449-462.

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 Na conta, ele incluiu também os 12 índios que fugiram no início da viagem,645  pois os

mesmos não deixaram de contabilizar as despesas de provisões de boca. Contava também as

entradas para a Fazenda Real e Câmara de Vila Bela, perfazendo um total de 5:117$474 réis,

somando o total do custo dessa carregação 32:210$707 réis. Após esse cálculo, ele verificou a

 percentagem das despesas em condução e entradas para serem comparadas com os gastos que

fez quando realizou essa mesma viagem para o Rio de Janeiro, em 1793, mas tomando como

via de comunicação a carreira de São Paulo.646 

 Nessa carregação que conduziu para a cidade do Rio de Janeiro, o negociante José

Antonio Gonçalves Prego adquiriu: “56 fardos de fazenda seca de 30 arrobas e meia cada um,

2 caixas encouraçadas com fazenda seca, 2 chapeleiras com chapéus finos, 6 caixas de cera de

3 arrobas cada uma e 4 caixas com remédios”, com os quais gastou 12:951$594 réis.Comprou ainda mais “4 cargas de marmelada em caixetas, 4 barris de pólvora de 2 arrobas, 8

surrões de chumbo de 3 arrobas, 6 cargas de farinha de trigo de 3 arrobas, 63 alqueires de sal,

4 selas de coxim de veludo e 3 selas de coxim de camurça”, e mais 1:386$000 réis gastos com

a compra de 14 escravos, o que fez um total de 14:782$334 réis. Esse gasto foi realizado

apenas com a compra das mercadorias, outros gastos seriam feitos para conduzir esses

 produtos, para isso ele comprou “78 bestas e 6 cavalos por 1:854$000 réis”, sendo que desse

valor ele anotou o principal, pois durante a viagem morreram alguns animais e os quechegaram em Mato Grosso foram vendidos.

 Nessa carregação ainda houve as despesas que ele passou a descrever. O negociante

teria gasto 100$853 réis com a compra de “mantimentos e víveres para a viagem”, desde que

saiu da cidade de Vila Bela até a do Rio de Janeiro, mais os gastos que teve para passar com

suas embarcações pelos rios. Durante a sua estada na mesma cidade, ele teve um gasto de

198$405 réis, incluindo nesses gastos ele mesmo, “3 camaradas, 15 escravos e 5 animais”. Os

gastos “com o frete da sumaca do Rio de Janeiro para Santos, novo imposto em Santos econdução das cargas para São Paulo” contabilizam um total de 67$760 réis. Ainda na cidade

de São Paulo, ele fez gastos com a “tropa na invernada”, comprou milhos para dar aos

animais, pagou o “arreador e camaradas, aos quais o Patrão faz as despesa s, cangalhas, couro

645  Spix e Martius relatam a frequência com que os índios remeiros contratados para o trabalho das canoas

fugiam das embarcações, deixando a tripulação sozinha sem auxílio algum. Eles escrevem que os índios, passadacerta distância do porto da cidade de Belém, se jogavam nos rios e saíam nadando até as margens, entrando nasflorestas e sumindo. SPIX e MARTIUS. Op. Cit., p.28.646 AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799 (anexos).

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 para arriar a tropa, farinha, feijão, carne, toucinho e arroz”, o que soma mais 249$525 réis às

suas despesas.647 

 Na cidade do Rio de Janeiro, foi gasto o valor de 352$476 réis com os mantimentos

 para sustentar a equipagem até Vila Bela, comprou “59 e ¼ alqueires de farinha, 31 ¾ de

feijão, 14 arrobas de toucinho, 4 ¼ alqueires de arroz, 2 porcos, carne, fumo, cachaça,

rapaduras e 416 ½ alqueires de milho para as bestas”. Na viagem que fez de São Paulo até

Vila Bela, o negociante teve que pagar em passagens dos rios o valor de 94$898 réis e mais

230$000 réis para os animais que morreram na viagem. Nessa carreira de São Paulo, o

negociante José Antonio Gonçalves Prego teve um gasto com mantimentos, transporte e

 passagens que totalizou 1:293$917 réis. Antes de sua viagem, ele contratou “2 camaradas

 justos” para acompanhá-lo na viagem de ida e volta, para os quais pagou 115$200 réis, emSão Paulo contratou mais 5 camaradas que os acompanhariam até Vila Bela por 40$000 réis

cada, perfazendo um total de 200$000, mais 100$000 ao arreador, o que seguia para os gastos

415$200 réis. De entradas pelas capitanias por onde passou pagou um total de 748$312 réis,

sendo que na vila de Goiás deixou 374$156 e em Vila Bela pagou o mesmo valor. As

despesas feitas na carreira de São Paulo totalizam 2:457$429 réis.648 

Essas informações, apresentadas por um negociante da capitania de Mato Grosso que

costumava se lançar no comércio tanto com a capitania do Pará como com a do Rio deJaneiro, seriam utilizadas para pautar as cobranças de impostos das mercadorias que saíssem

de Belém em direção a Cuiabá e Vila Bela. Nessa mesma cópia de documento para o

governador do Pará, foi enviado o cálculo para a cobrança dos fretes das mercadorias que

fossem transportadas nesse circuito mercantil que realizou tanto na carreira do Pará como na

carreira de São Paulo. Os cálculos da cobrança dos fretes foram realizados com base na

viagem que o negociante José Antonio Gonçalves Prego realizou em 1787 em suas três

canoas, para a cobrança das entradas seria tomado como referência as quantias de 30%, 25% ede 20%, em todas as carregações que saíssem de Belém com destino a Vila Bela

 Na descrição dos viajantes Spix e Martius o comércio terrestre até a capitania de Mato

Grosso só se tornava rentável em relação a artigos como:

finos tecidos de algodão e de seda de toda qualidade, panos, chapéusetc. são comprados pelos cuiabanos na Bahia e no Rio de Janeiro, 20%mais barato do que em Santarém, cujo comércio é insignificantedemais, para poder concorrer com aquelas opulentas cidades

647 AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862. Vila Bela, 23/06/1799 (anexos).648  Idem.

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marítimas, onde o movimento é mais rápido, a escolha é mais livre eos recursos monetários maiores.649 

 Nota-se que o comércio realizado nas áreas acima citadas apresentava especificidades

dos gêneros e produtos negociados, sendo viável tanto o comércio com o Pará, por Santarém,

 pelo rio Tapajós, como também pelas capitanias do Rio de Janeiro e da Bahia. Sendo

negociados com a capitania do Pará artigos pesados e outras mercadorias tais como: “objetos

de ferro, aço e latão, pólvora e chumbo miúdo, vinho, aguardente, medicamentos”, pois o

caminho por terra desses produtos se tornava muito mais caro e arriscado.650  Para o Mato

Grosso era remetido: breu do reino e da terra, sal, ferro, aço, machados, enxadas, pregos,

remédios de botica, varas de pano, linha, linho, frasqueiras de aguardente de uva, vinho,

azeite de oliva, vinagre e material para a secretaria do governo.651 

Em maio de 1800, o novo sistema de navegação a frete entre as capitanias do Mato

Grosso e do Pará, que fora proposto por Francisco de Souza Coutinho, se efetivou aos moldes

de como foi planejado com a chegada da primeira carregação aos armazéns de Mato Grosso.

 No entanto, “o rendimento dos fretes tem sido bem diverso,” não estava de acordo com o que

havia sido calculado pelo governador do Pará. O governador de Mato Grosso oficiava ao

Visconde de Anadia os problemas com a arrecadação dos impostos. Segundo o seu relato

escrito em 1802, os gêneros comercializados na sua capitania estavam bem acima do

esperado, o sal estava “a 20 oitavas o alqueire, o vinho a 3 oitavas o frasquinho, que tal nome

se lhe deve pela sua pequenez, a libra de ferro a 2 tostões de ouro e o aço a 12 vinténs”. Isso

devia ser resolvido com certa pressa, pois a preocupação do governador era que “o comércio

desta capitania se afugente de todo da cidade do Pará, o que certamente é muito prejudicial ao

adiantamento de uma e outra Colônia”. 652 

Decorrido um ano desde o início da navegação a fretes, a alfândega de Mato Grosso

registrou no mapa das entradas das fazendas a quantia de 12:657$675 réis em fretes. Emborao valor registrado não tenha sido o esperado, o problema maior estava no envio da carga para

a alfândega da cidade, pois os negociantes da praça de Belém mandavam uma quantidade

 pequena de mercadorias, o que não chegava a compensar os gastos com os jornais dos

649SPIX e MARTIUS, Op. Cit., p. 109.650  Idem. 651 AHU_ACL_CU, Cx. 39, d. 1964. Vila Bela, 09/04/1802.652 AHU_ACL_CU_013, Cx. 39, d. 1959. Vila Bela, 27/02/1802.

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empregados. O resultado disso era a baixa oferta das mercadorias para a população, o que se

agravou após as “desordens e infelicidades que tem acontecido de Jamari para baixo”. 653 

Para tanto, solicitava ao governador do Pará que tentasse remediar com certa urgência

essa situação. Tendo em vista que os comerciantes de Mato Grosso já começavam a mostrar o

interesse de recorrer à carreira de São Paulo para a compra de “molhados, ferragens e os ma is

gêneros que não podem vir por terra, fazendo a condução pelos rios (...) como em outros

tempos praticavam antes de [ilegível] a navegação para essa Cidade [Pará]”. O que seria um

risco para os negociantes e para os planos de estreitar as relações comerciais entre as duas

capitanias, tendo em vista que a rota para São Paulo se encontrava ocupada pelos espanhóis e

os gêneros e as fazendas de que carecia a população de Mato Grosso estavam em falta.654 

O incremento da carreira do Pará era ponto constante nas correspondências dacapitania do Mato Grosso e do Pará também. Entretanto, para concretizá-lo o governo ainda

carecia de outras ações que não apenas a abertura de rotas de comunicação fluvial viáveis para

a ligação entre as cidades de Belém e Vila Bela. Em 1793, o governador de Mato Grosso,

Pereira e Cáceres, comunicou ao secretário de Estado da marinha que a “carreira do Pará tem

causado a maior falta e carestia dos gêneros grossos nesta capitania”. A carestia lhe obrigou a

encaminhar um pedido para a cidade de Belém, nele solicitava “trezentas cargas de sal, 300

arrobas de ferro, e 500 arrobas de aço” para abastecer a Fazenda Real de Mato Grosso. Ogovernador do Pará ficou de atendê-lo, entretanto a carga seria remetida para a Vila de

Borba655 (capitania do Rio Negro), para onde Pereira e Cáceres deveria enviar uma expedição

 para ir buscá-la. O fato de ter que remeter uma expedição à vila de Borba para receber os

gêneros que havia solicitado, causou descontentamento ao governador de Mato Grosso. Essa

situação o motivou a enviar essa correspondência ao secretário de Estado da marinha para que

ele interviesse nessa situação e o governador do Pará mandasse os gêneros diretamente para

Vila Bela, “como costumava ser feito”.

656

 Enquanto esse problema não se resolvia, Pereira e Cáceres comunicava que havia

mandado “aprontar 36 pessoas entre pedestres e escravos e algum ouro para mandar conduzir

os ditos gêneros” que havia solicitado. Entretanto, explicava que organizar uma expedição

 para se deslocar para qualquer lugar gerava gastos, pois era indispensável ter que mandar uma

653 Essas “desordens” são resultado da invasão da capitania de Mato Grosso  pelas tropas espanholas a partir daaudiência de Assunção no início do século XIX durante a ofensiva espanhola a Portugal, na chamada Guerra das Laranjas.654 AHU_ACL_CU_013, cx. 39, d. 1959. Vila Bela, 27/02/1802.655 Borba era a antiga aldeia de Trocano, que foi elevada à categoria de vila em 1756. Essa alteração foi reflexoda preocupação da Coroa em desenvolver a ligação entre o Grão-Pará e o Mato Grosso pelo rio Madeira.SOMMER, Barbara Ann. Op. Cit., p.66.656 AHU_ACL_CU_010, Cx. 30, d. 1677. Vila Bela, 19/09/1793.

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tropa até Belém para comprar “as canoas para essa segunda condução”, no caso, até a vila de

Borba. Além das embarcações, teriam que comprar também “pano para velas, cordas para as

sirgas e cabos grossos para varar [as canoas] por terra”, e poder sustentá-las pelos canais e

 pelas cachoeiras volumosas “das águas do Rio Madeira”. Além desses utensílios necessários

 para a navegação, ele achava viável ter que comprar também “panos, chapéus, camisas,

meias, baetas para a tropa e escravos (...) e outros muitos gêneros em fim que a urgência

exige” para abastecer a Real Fazenda de Mato Grosso.657 

A situação descrita pelo governador de Mato Grosso para receber os gêneros

necessários para o abastecimento de Vila Bela é complementada pelos problemas e gastos de

soldos e de tempo para receber essas mercadorias. Entre os quais elencava a falta de índios

remeiros e de pilotos hábeis para realizar essa viagem em menos de seis meses; o desvio desoldados das tropas para acompanhar as canoas, ainda mais num momento de grande

 preocupação com as possíveis ocupações espanholas naquelas fronteiras. Por isso, voltava a

solicitar que as canoas que saíssem da cidade de Belém com destino à vila de Borba,

descessem o Madeira e fossem diretamente para a cidade de Vila Bela. 658 

A utilização da mão de obra indígena e escrava africana para a execução desse

comércio era um ponto a ser repensado e analisado para que os comerciantes de Mato Grosso

se lançassem na carreira do Pará. Nas regiões das minas de Mato Grosso, a mão de obraindígena coexistia com a escrava africana, até que ao longo do século XVIII esta última

 passou a ser “a principal força de trabalho nas minas do Oeste”. Para André Nicácio Lima,

esse quadro foi alterado em função das novas rotas comerciais que se organizaram em direção

ao Rio de Janeiro, Bahia e Pará, além da proibição da escravidão indígena. Entretanto, a mão

de obra indígena ainda era a mais requisitada para as viagens pelos sertões. 659 

Em cópia de ofício enviado ao governador do Pará, Pereira e Cáceres dava conta de

alguns problemas que os negociantes de Vila Bela enfrentaram em seu retorno da cidade deBelém. Por causa da falta de índios, uma das embarcações quase afundou em uma das

cachoeiras encontradas no caminho, o que seria um grande prejuízo, pois a perda das

mercadorias que transportavam seria certa. Ele alertava que era inviável para os negociantes

de Vila Bela empregar escravos como remeiros e usar a mão de obra indígena apenas no

serviço de pilotos ou de práticos nas embarcações. Nas viagens em que se conduziam os

gêneros para abastecer a Real Fazenda da capitania, as equipações de índios eram as únicas

657  Idem. 658  Idem.659 LIMA, André Nicacio. Caminhos da integração, fronteiras da política: a formação das províncias de Goiás e Mato Grosso. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2010, p. 23.

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 possíveis, tendo em vista que na Real Fazenda não havia escravos para deslocarem nesse

serviço. Caso houvesse, poderiam então fazer como os administradores da antiga Companhia

de Comércio que possuíam escravos e os empregavam para o serviço de remeiros das canoas

que transportavam os gêneros de Belém para Vila Bela. 660 

Para Pereira e Cáceres a falta de interesse de alguns comerciantes em fazer a carreira

do Pará se dava por não “acharem nela índios necessários para equiparem as suas canoas”.

Para esses comerciantes de Vila Bela, a falta da mão de obra indígena para remeiros e pilotos

de canoas causava um “obstáculo (não má fé)661 [que] obrigou alguns deles a desviarem o seu

comércio para o Rio de Janeiro e outros para o Cuiabá a comprar os gêneros já ponderados

que pela carreira de São Paulo chegam anualmente com navegação de seis meses”. Entre os

comerciantes de Vila Bela, informava que apenas Paulo Luis Barata continuava a fazer acarreira do Pará, pois ele e seu irmão possuíam uma “fábrica de oitenta escravos dos quais

tirou os que conduziu” em sua canoa com outros dois comerciantes “de menos fundo”, com os

quais seguiu viagem.662 Em 1791, da viagem que realizou do Pará para Vila Bela foi feito o

registro sobre o que era transportado por esse negociante, em sua embarcação trazia secos,

 barris de molhados, barris de manteiga e frasqueiras de sal. Em 1794, voltou a fazer a mesma

carregação, na qual trouxe além dos mesmo produtos transportados anteriormente, algumas

frasqueiras de bebidas. Nesse registro foi acrescentada a mão de obra que conduziu a canoa,sendo composta de nove índios remeiros.663 É provável que o uso da mão de obra escrava

nessas carregações era feito somente diante a falta de índios remeiros para trabalhar nas

canoas, deixando os escravos para os trabalhos nas minas.

Os outros comerciantes costumam vender na cidade a “escravatura que vão comprar

aos portos de mar e esta venda é o maior ramo do seu negócio e o mais útil e necessário a

terra”, para serem empregados no trabalho das minas, ficando o trabalho das canoas para os

índios. Como a viagem de Vila Bela à cidade de Belém demorava “ao menos um ano e meiode tempo”, para os comerciantes que não possuíam escravos era inviável circular pela carreira

do Pará sem o trabalho dos índios. Outro impedimento era “alugar escravos para ela [a

carreira] sendo em Mato Grosso o jornal de cada um regulado em 300 réis por dia, o que faria

subir os gêneros conduzidos a exorbitante preço que arruinaria em poucos anos esta

capitania”.664 

660 AHU_ACL_CU_010, Cx. 31, d. 1701. Vila Bela, 06/08/1795.661 Essa expressão é utilizada pelo governador do Mato Grosso no documento que envia.662 AHU_ACL_CU_010, Cx. 30, d. 1677. Vila Bela, 19/09/1793.663 AHU_ACL_CU_010, Cx. 31, d. 1696. Vila Bela, 20/07/1795.664 AHU_ACL_CU_010, Cx. 30, d. 1677. Vila Bela, 19/09/1793.

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Em documento sobre os negociantes de Vila Bela que chegaram a Belém, Francisco de

Souza Coutinho comunicava ao secretário de Estado sobre os embaraços que eles tiveram

 para comprar escravos para serem utilizados como equipagem das suas canoas e venderem na

capitania de Mato Grosso. Para garantir o seu regresso, lhes fora oferecido 62 índios para

guiarem as suas canoas até Vila Bela, mas ao acertar o preço que deveriam pagar aos índios

 pelo seu trabalho, sugeria o valor de 20 mil réis para irem até Vila Bela e de 30 mil réis para o

regresso a Belém. Entretanto não especificava se era pelo jornal ou somente pela viagem até

Vila Bela. O valor que deveriam pagar aos pilotos e práticos ele deixaria que os mesmos

ajustassem com os negociantes, pois “não me parece pouco obrigá -los a que vão servir onde

 podem perder a sua vida, para que ao menos se lhes não permita a convenção de preço”.665 O

governador do Mato Grosso indicava que o pagamento dos índios pelos seus serviços comoremeiros, práticos e pilotos era feito em ouro aos cofres reais, ou então em fazendas e gêneros

que eles consumiam.666 Silvana Alves de Godoy afirma ser difícil estipular o valor que era

 pago para as tripulações que faziam o comércio entre Porto Feliz e Cuiabá. Com base nas

informações de Leverger para 1830, os valores pagos aos remeiros variavam entre 120 a 140

réis, para os pilotos e proeiros o salário era de 200 a 240 réis, no entanto não é possível saber

se esses valores são pelas diárias ou pela viagem completa. O mesmo se aplica as outras

fontes, nas quais a autora encontra a referência de valores para o serviço nas canoas.667

  Avariação no pagamento dos salários é notada tanto no relato de viajantes, como nas

correspondências oficiais. Independente disso, o pagamento deveria ocorrer antes dos

remeiros seguirem viagem, mesmo havendo relatos de fugas durante as viagens, essa era uma

 prática costumeira na navegação fluvial.668 

Após fazer a solicitação para as canoas seguirem diretamente para Vila Bela, Pereira e

Cáceres apresentou algumas ponderações sobre o atual estado da “Carreira do Pará” .

Destacando as mudanças necessárias para que esse comércio atraísse para a cidade de VilaBela casas comerciais e homens de negócios com maiores cabedais dos que atualmente

haviam na capitania, além de apontar possíveis modificações para o engrandecimento desse

comércio que, a priori traria benefícios para ambas as capitanias. Ele afirma que a carreira do

Pará concorre para o

665 Ofício de Francisco de Souza Coutinho ao senhor Martinho de Melo e Castro. Pará, 14/01/1793. Arquivo Nacional (AN), Negócios de Portugal, Fundo 59, cód. 99, vol. 14.666 AHU_ACL_CU_010, Cx. 31, d. 1701. Vila Bela, 06/08/1795.667 GODOY, Silvana de. Op. Cit., p. 159.668 Essa prática se reafirmava em cada viagem, mesmo havendo fugas e deserções durante o percurso contratado.Tendo em vista a grande quantidade de mortes e naufrágios de embarcações pelos rios, diante disso, os remeirosdeveriam seguir viagem com as suas dívidas quitadas. Por isso a naturalidade dessa “inversão inicial de capitaldinheiro”. CARVALHO, Francismar Alex Lopes de. Op. Cit., p. 215.

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aumento e recíproca segurança de ambas as capitanias pois doPará, apesar da rara produção e abundância e extensa amplitudedo País das Amazonas se acha ainda precária quando por seruma fronteira a franceses, holandeses e espanhóis é um porto demar aberto sem a necessária defesa, necessita de maior força efundo de comércio para a sua vantajosa situação, subsistência eaumento, faltando-lhe só para isto um comércio mais fluente queatraindo a essa cidade o ouro destas Minas e ainda do Cuiabá lheaumente os habitantes e casas de negócio de maior fundo que

 possam, como na Bahia, Rio de Janeiro, importar além dosgêneros que lhe são próprios a escravatura indispensável para asua cultura e para as Minas desta capitania os quais gradual emutuamente se aumentarão a proporção do maior número de

escravos que receberem e do mais cômodo preço de muitosgêneros que necessitam como são o sal, ferro, aço [ilegível],foices, machados, pólvoras, baetas, panos grossos da Índia.669 

 Nota-se que a carreira do Pará tinha um duplo objetivo: primeiro, abastecer as

capitanias do interior da América lusa e, com isso, aumentar o seu desenvolvimento

econômico. Segundo, ela adquiria um caráter estratégico de fixação das populações nas

margens dos rios navegáveis, o que contribuiria para a defesa dos domínios portugueses.

Visto que os rios Madeira, Mamoré e Guaporé670 pelos quais a carreira do Pará circulava eram

limítrofes aos territórios espanhóis. O que se pode aventar sobre uma certa continuidade do

que foi pensado no “Secretíssimo Plano de Comércio” do Marquês de Pombal, no qual o

impulso às atividades comerciais também garantiria o controle e ocupação do território.

As carregações para o Mato Grosso ficaram cada vez mais raras. Segundo o ofício do

governador de Mato Grosso ao do Pará, ele concordava com a resolução de que se acaso

houvesse maior concorrência da carga solicitada na praça de Belém, o governador do Pará

enviaria as que estivesse na Real Fazenda para adiantar o pedido, mas enviaria para Mato

Grosso “somente a que julgasse mais necessárias”. Essa seleção de mercadorias para

abastecer a alfândega da capitania era de extrema urgência, tendo em vista que a Fazenda

Real e o próprio comércio da cidade careciam de gêneros. Entretanto, o governador de Mato

Grosso não deixava de contra-argumentar o posicionamento do governador do Pará,

afirmando que se acaso houvesse essas mercadorias na Provedoria da Fazenda de Mato

Grosso, ele seria da “opinião que todos os fornecimentos se fizessem das Casas de

 Negociantes”. Considerava ainda que ao promover um maior consumo dos gêneros da Real

669 AHU_ACL_CU_010, Cx. 30, d. 1677. Vila Bela, 19/09/1793. 670 O rio Guaporé era a fronteira natural com as províncias espanholas.

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Fazenda “seria um meio de animar e de dar maior extensão ao comércio da Capitania”.

Todavia, não era isso que acontecia na Provedoria de Mato Grosso, muito menos nas lojas dos

negociantes, que desde quina (remédio usado nas “febres intermitentes”) faltava nas tabernas

da capitania.671 

Em junho do mesmo ano, chegou a Mato Grosso uma carregação de duas canoas

vindas de Belém para abastecer o comércio da capitania. Além das munições que a tropa

 precisava para manter a segurança da colônia, foram enviados fardos de pano de linho, “sacas

de enxofre, caixotes pertencentes à Botica, barril com quina, peças de lona, bacias de arame,

 barras de ferro”.672  Embora essa carregação tenha suprido algumas solicitações de

mercadorias, elas não foram suficientes para diminuir a insatisfação dos negociantes diante a

irregularidade no abastecimento na capitania.Em 1805, o governador do Estado do Grão-Pará, Conde dos Arcos, enviou um ofício

 para o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Visconde de Anadia, no qual informava a

saída de um comboio do porto de Belém com destino à Vila Bela. O comboio seguia

composto por quatro embarcações pertencentes aos negociantes da praça de Belém. Estas

eram acompanhadas por outras três canoas, mas tripuladas por oficiais, “com o objetivo de

criar a nova Junta de Comércio na capitania do Mato Grosso a fim de pôr termo às

dificuldades de circulação de bens e pessoas entre essas capitanias e a evitar o perigosocaminho terrestre entre o Rio de Janeiro e a Bahia”.673 Um ano antes dessa correspondência, o

Conde dos Arcos e o Visconde de Anadia trocaram ofício se reportando às “novas

 possibilidades de relações comerciais entre a capitania do Mato Grosso e o Estado do Pará, e

o socorro militar oferecido ao governo daquela capitania”. 674  O incremento dessas relações

também era pontuado em outras correspondências quando se fazia referência ao controle da

fronteira e às relações de contrabando com os comerciantes do lado espanhol. 675 

Em 1807, em ofício do governador de Goiás, Francisco de Assis Mascarenhas, aoVisconde de Anadia, informava-se sobre as contínuas “expedições mercantis com a capitania

do Pará”. Para animar essa atividade, o governador havia auxiliado os negociantes daquela

 praça “com embarcações, que (mandou) construir e equipar por conta da Real Fazenda, a

quem pagam frete” e carregavam nas embarcações “um número considerável de arrobas de

açúcar e algodão, e também outros gêneros de menor importância”. Sendo a produção d o

671 AHU_ACL_CU, Cx. 39, d. 1964. Vila Bela, 09/04/1802.672 AHU_ACL_CU, Cx. 40, d. 1984. Vila Bela, 20/09/1802.673 AHU_ACL_CU_013, cx. 133, d. 10130. Pará, 18/03/1805.674 AHU_ACL_CU_013, cx. 133, d. 10065. Pará, 02/12/1804.675 AHU_ACL_CU_010, cx. 31, d. 1696, Vila Bela, 20/07/1795.

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algodão muito próspera, resultado do grande incentivo que fez aos lavradores que se

estabelecessem nas margens dos rios Maranhão, Araguaia e Tocantins. Entretanto, toda essa

 produção pouco era enviada para os portos de Lisboa. Para otimizar esse transporte dos

gêneros produzidos naquela capitania, voltava a solicitar que

se mande organizar no Pará uma Sociedade Mercantil destinada acomeçar metodicamente o comércio desta capitania pelos rios.Conceda-lhes S. A. R. os privilégios que julgar a propósito animem-seos negociantes que eu da minha parte prometo aprontar sempre osgêneros que me forem pedidos.676 

A capitania do Pará se tornava a saída mais viável para os produtos de Goiás, como

também para os de Mato Grosso.677 O incremento das relações comerciais com as capitanias

de Goiás e Mato Grosso fora colocado desde a criação da Companhia de Comércio do Pará e

Maranhão.678 Na virada do século XVIII para o XIX, essa questão tornava a ser presente nos

debates entre os representantes dessas capitanias. Em 1810, o governador da capitania de

Goiás chegou a propor a criação de uma Companhia de Comércio até a cidade de Belém para

abastecer todas as vilas nesse trajeto. Tendo em vista que na proposta do governador de

Goiás, Francisco de Assis Mascarenhas, os capitais para fomentar o início da companhia

deveriam ser do Pará, pois a cidade de Vila Boa não dispunha de cabedais para empregarnesse empreendimento. A sua proposta era importar mão de obra escrava da cidade de Belém

com recursos da “Fazenda Real (...), financiando-os aos fazendeiros que os pagariam em

cinco anos”. Em contrapartida, seriam enviados para aquela cidade gêneros como: algodão,

açúcar, café, trigo, milho, toucinho, solas e couros.679  Embora tenha se considerado a

importância desse empreendimento e tenha se conseguido “em 1811 a sanção real” para

executá-lo, esse projeto “não teve incremento algum”. 680 

Diante dessas situações em que as autoridades não conseguiam tornar regular essasrotas comerciais ligando essas capitanias aos portos de Belém, tornava-se comum a ação

individual de negociantes interessados em realizar esse comércio, ainda que a comunicação

fluvial com Belém fosse utilizada pelas autoridades militares para o envio de correspondência

e de barras de ouro. No registro fiscal localizado na fortaleza da vila de Gurupá, como

676 AHU_ACL_CU_008, Cx. 52, d. 2917.677 Em 1804, o Conde dos Arcos, governador do Pará, remeteu ofício ao Visconde de Anadia informando sobre o“destacamento de pessoas para aquele território (Mato Grosso), com o objetivo de ali criar uma Junta da Fazenda

Real”. Pará, 07/08/1804. 678 Cf.: CARREIRA, Antonio. A companhia geral do Pará e Maranhão. São Paulo: Editora Nacional, 1988.679 PALACIN, Luiz. Op. Cit., p. 147.680 SPIX e MARTIUS. Op. Cit., p. 107.

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discutido no capítulo anterior, era laçado na guia que as embarcações deviam apresentar em

Belém toda a carga transportada para aquele porto. Maria Delfina Ferreira destaca que o

controle sobre a circulação do ouro de Mato Grosso era feito através do registro das canoas e

se refere ao forte do Príncipe da Beira como o local para “o recolhimento dos direitos reais”.

O registro era feito sobre tudo que era transportado tanto do litoral para o interior como em

seu caminho inverso.681 Nas canoas que saíam de Mato Grosso ao Pará, a sua inspeção era

realizada na Fortaleza de Gurupá sob a supervisão de soldados que, dependendo da carga,

faziam a escolta da embarcação até a sua chegada no porto de Belém, onde apresentavam o

manifesto com os valores dos impostos a serem pagos.

Entre 1812 a 1819, foi feito o registro de canoas vindas de Mato Grosso com destino à

Belém sempre transportando barras de ouro. Nas guias foram anotadas as quantidades de pessoas e da carga transportada. Como “donos do bote” constava o nome de um militar

(tenente, alferes e soldado), mas o que mais chamou a atenção foi a condição da equipagem,

sempre composta por escravos, mulatos ou libertos. Não há referência a índios como os

remeiros dessas embarcações, muito menos informações sobre cabo ou piloto da canoa. Na

observação feita no registro, todos os remeiros das canoas eram “camaradas”682 dos donos dos

 botes.683 

A conexão entre o Pará, Mato Grosso e Goiás também foi buscada na documentaçãonotarial, onde havia o registro desse contato entre as duas primeiras capitanias. Em 1820, a

escritura de Sociedade Mercantil assinada pelo negociante de Belém, João Lopes da Cunha, e

o de Santarém, Manoel de Almeida e Oliveira, apresentava como as conexões com o sertão do

Pará se estendiam para outras capitanias.684  Como o comerciante Manoel de Almeida e

Oliveira abriria um armazém e uma loja de secos e molhados na vila de Santarém, ele ficaria

responsável por manter o abastecimento e a remessa de mercadorias também para a vila de

Cuiabá, onde o negociante João Lopes da Cunha também tinha uma sociedade mercantil como tenente Antonio Peixoto de Azevedo. O registro da sociedade mercantil não foi encontrado,

mas a sociedade entre João Lopes da Cunha e Antonio Peixoto de Azevedo aparece registrada

no livro de procurações do tabelião Perdigão. Em 1821, os dois sócios constituíram uma

681 FERREIRA, Maria Delfina do Rio. Op. Cit., p. 139.682 Segundo definição de Raphael Bluteau, o termo camarada “é particularmente usado entre gente de guerra esoldados, alistado na mesma companhia”. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português & Latino. Coimbra:Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. Acessado em http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/ 683  APEP, Secretaria de Governo da Capitania do Grão-Pará e Rio Negro (SGCGPRN), Códice 659,

Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1812-1816); Códice 701, Correspondência de Diversoscom o Governo (CDG) (1818-1819).684 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, Livros de Notas do Tabelião Perdigão (LNTP), n. 1152, d. 359,(1820-1821). Essa sociedade foi apresentada e discutida no capitulo 3 deste estudo.

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 procuração em conjunto nomeando para os senhores Gabriel da Fonseca de Sousa, João

Gonçalves dos Santos Cruz e José da Costa Leite serem os seus representantes na vila de

Cuiabá.685 Em 1820, João Lopes da Cunha também havia lavrado uma procuração bastante e

geral para a cidade de Goiás em nome do sargento José Antonio Ramos, João Ayres da Silva

e seu irmão, Vicente Ayres da Silva,686 ambos capitães.687 

 Nesse caso, o ponto comercial de Santarém serviria de entreposto para as mercadorias

remetidas de Cuiabá para Belém e vice-versa, mas que a capitania de Goiás também poderia

fazer parte desse circuito pelo caminho terrestre que a ligava até Mato Grosso. No armazém

de Santarém haveria de ter dois livros para se fazer a separação entre o que era mercadorias e

dinheiros do sócio daquela vila e o que era do sócio de Cuiabá, para que o negociante de

Belém soubesse qual teria sido a real apuração de cada sócio. Logo, nessa sociedade a relaçãocomercial das vilas de Santarém e de Cuiabá seria abastecida pelas mercadorias e gêneros

remetidos pelo negociante da cidade de Belém e a ele era garantido o fornecimento exclusivo

dos produtos provenientes daquelas vilas.688 

Entretanto, esses contratos de exclusividade na compra e venda de mercadorias

negociadas nos sertões apresentava outras possibilidades para os comerciantes dessas áreas.

Isso porque no mesmo ano de 1820, o negociante de Belém João Antonio Rodrigues

Martins689

 havia outorgado uma procuração no nome do tenente Antonio Peixoto de Azevedo, para representá-lo na vila de Cuiabá.690 Para Vila Bela, João Antonio Martins nomeou outras

duas pessoas da capitania do Mato Grosso, o “Ilustríssimo coronel”, Antonio Joaquim de

Vasconcelos Pinto e ao sargento-mor, Bernardo Lopes da Cunha.691  Antonio Peixoto de

Azevedo, Gabriel da Fonseca de Sousa e Bernardo Lopes da Cunha também eram os

 procuradores na capitania do Mato Grosso do inglês, Jonh Hislop, que era negociante na

cidade de Belém.692 

685 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1159, d. 137, (1821).686  Não foram encontrados registros desses dois irmãos, mas sabe-se que a família Ayres da Silva erareconhecida em Goiás, tendo lojas e embarcações, com as quais costumava fazer negócio pelo rio Tocantins.FLORES, Kátia Maia. Op. Cit. 687 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1152, d. 309, (1820).688 Escritura de Sociedade Mercantil, APEP, Livros de Notas do Tabelião Perdigão (LNTP), n. 1152, d. 359,(1820-1821).689  O negociante João Antonio Rodrigues Martins participou do comércio com Caiena e Antilhas durante aocupação portuguesa da Guiana Francesa, em 1809-1817. A sua participação nesse circuito mercantil será

apresentado no capítulo 5 deste estudo.690 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1190, d. 987, (1820).691 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1190, d. 988, (1820).692 Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1190, d. 1063, (1820).

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Organograma 4.1: Relação das sociedades e procurações entre Pará e o oeste do Estado

do Brasil (João Lopes da Silva)

Fonte: Procuração Bastante e Geral, APEP, LNTP, n. 1190, 1152, 1159, (1820-1821).

Pelo organograma acima, pode-se visualizar a articulação nessa região a partir das

sociedades mercantis e das procurações que eram lançadas para comerciantes estabelecidos

nos sertões. Essa articulação se amplia ainda mais a partir do momento que a cláusula da

 procuração permite o substabelecimento das mesmas para outras pessoas. Em função disso,

todos os indivíduos presentes no organograma acabam tornado-se representantes legais em

qualquer uma dessas áreas ou para onde fosse necessário repassá-las.

 Nas procurações coletadas para a capitania de Mato Grosso e Goiás pode-se encontrar19 registros, sendo que 14 para a primeira e cinco para a segunda. Em termos percentuais,

como foi visto no terceiro capitulo, elas representam pouco mais de 1%. O que não

caracterizaria essa região como muito visada para o estabelecimento de articulações

comerciais ou sociais. Entretanto, também se pode afirmar que, de fato, o comércio com o

oeste do Brasil era uma atividade para poucos e com muito cabedal, tendo em vista os

negociantes que têm representantes nessa área. Entre as 14 escrituras para a capitania do Mato

Grosso, 12 eram de negociantes de Belém (portugueses e ingleses693) e da vila de Santarém.

693 As procurações dos ingleses se concentram na década de 1820. Como o já citado Jonh Hislop e os outros doisDiogo Campbell & Companhia e da Companhia Anderson da Inglaterra. Apesar de quando outorgar procurações

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Dois negociantes de Santarém fazem parte desse grupo, a saber: Antonio José de Faria

e Joaquim Jose Arrelias. Eles aparecem como procuradores de negociantes estabelecidos na

cidade de Belém, mas principalmente constam no registro fiscal das embarcações que saíam

de Santarém com mercadorias destinadas a Belém. Nos registros de 1812 a 1818, constam

nove registros desses dois negociantes, sempre levando produtos como: cacau, peixe seco,

cravo, salsa, café, manteiga e mixeira. Pela quantidade de passagens e de produtos, Antonio

José de Faria passou cinco vezes pelo posto fiscal e registro só em arrobas de cacau o total de

6.835 arrobas, levando sempre por equipagem índios remeiros. 694 

A existência de negociantes de Santarém constituindo representantes em Mato Grosso

reafirma a hipótese de que essa vila era um entreposto comercial entre os dois Estados (Grão-

Pará e Brasil), abreviando as viagens realizadas entre o litoral e o sertão, o que não impediaoutros negociantes de fazerem o trajeto completo. Como é o caso de Antonio Tomé de França

que em 1812 saiu de Cuiabá com destino à Belém pelo rio Tapajós. Passado um ano, ele

retornou “pelo mesmo caminho”, com as “suas carregadas canoas mercantis”. Segundo Spix e

Martius, a partir dessa viagem realizada por Antonio Tomé de França, os negociantes de

Cuiabá passaram a utilizar a rota fluvial pelo rio Tapajós com mais frequência, visto que a

navegação pelo Madeira era mais “demorada e perigosa”. Tanto que, entre os anos de 1813 e

1817, o governador de Mato Grosso, João Carlos Augusto de Oeynhausen, passou a favorecê-la.695 

Enquanto as ações administrativas para o desenvolvimento dessas trocas mercantis

eram discutidas pelas autoridades administrativas, a ação de negociantes dessas capitanias era

sempre incentivada e para ela concorriam todos os esforços para que nada causasse embaraços

a “um objeto de tanta importância”. Essas solicitações de auxílios às embarcações comerciais

eram reforçadas nos passaportes de negociantes que saíam de Belém para as suas cidades de

destino. Quando saiu de Belém em direção à capitania de Mato Grosso, Antonio Rodrigues doAmaral, “que dali havia descido a tratar de suas negociações mercantis, retornava com “dois

 botes, equipados com 20 índios” e ordens expressas recomendando “positivamente toda a

Jonh Hislop declarar residência em Belém, em outros documentos ele se declara como morador da vila deÓbidos. No registro fiscal de Gurupá, ele declarou essa vila, de onde saiu duas vezes com carregamentos decacau, couro seco, farinha, carne e peixe secos. A sua canoa era comandada pelo seu caixeiro Francisco Valérioda Cruz. APEP, (SGCGPRN), Códice 659, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1812-1816);Códice 701, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1818-1819). No livro de notas da vila deÓbidos, em 1821, Jonh Hislop lançou uma escritura de venda de “um Cacoal   e terras” a José se Matos pelaquantia de 1:343$720 réis. Escritura de Venda. APEP, DN, Cartório de Óbidos- Escrituras. doc. 36v., Livro

1820-1823. Essa venda foi discutida no capítulo 2 desse estudo.694 APEP, (SGCGPRN), Códice 659, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1812-1816); Códice701, Correspondência de Diversos com o Governo (CDG) (1818-1819).695 SPIX e MARTIUS. Op. Cit., p. 108.

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 proteção para promover e facilitar este comércio tão interessante ao bem das duas

capitanias”.696  Tratava-se de um comércio de grandes dimensões para aquelas áreas, visto

serem duas embarcações que contavam com uma equipagem bastante numerosa, 20 índios.

Além disso, as orientações para facilitar o trânsito dessas carregações também significavam

ter que fornecer índios sadios, caso a equipagem da canoa viesse a precisar para completar a

viagem.697  A mesma orientação foi expressa no passaporte de Joaquim Ignácio Teixeira

Cardozo, que saiu de Belém com destino à capitania de Goiás. A sua viagem era para

intermediar as negociações com esta praça e, com isso, poder “continuar o seu comércio”. 698 

As relações comerciais que se teceram entre essas capitanias foram pautadas por

incentivos das autoridades administrativas, mas também muito concorreu para a tentativa de

sua implementação a atuação dos negociantes estabelecidos tanto na praça de Belém e deSantarém (Pará), como na praça de Vila Bela e de Cuiabá (Mato Grosso). O que se percebe

são as ações de negociantes de Belém se articulando com outras praças mercantis da América

 portuguesa, onde a localização de seu porto permitia que os negociantes de Belém pudessem

sustentar redes de relações comerciais com os portos de Lisboa.

696 APEP, Códice 297, Pará, 25/06/1808.697 SPIX e MARTIUS. Op. Cit., p. 62.698 APEP, Códice 297, Pará, 25/06/1808.

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5- As relações comerciais entre o Grão-Pará e a Guiana

Francesa. 

A região fronteiriça entre Pará e Guiana Francesa foi caracterizada por disputas entre

autoridades em torno da delimitação de sua fronteira e do controle sobre o deslocamento de

 pessoas e de mercadorias naquele espaço. Pois, ao mesmo tempo em que existia uma intensa

rota de comércio (principalmente ilegal) ligando as praças comerciais de Caiena e de Belém,

havia também outras ramificações dessas rotas que não se restringiam apenas às áreas da

Capitania do Pará.

O litígio envolvendo a definição de limites fronteiriços entre o Pará e a Guiana

Francesa representou uma continuidade nos relatos e correspondências oficiais nos séculos

XVIII e XIX.699  Para as autoridades administrativas e militares das duas colônias, as

 possibilidades de uma invasão e ocupação da região contestada eram uma ameaça

constante.700  Situações de invasão dos limites estabelecidos nos acordos entre Portugal e

França, acirramento das tensões políticas, ações militares, deserções de soldados e fugas de

escravos de ambos os lados, relatos e práticas de contrabando, projetos de fixação da

 população na fronteira, ações de corsários, apresamento de embarcações portuguesas e a

ocupação de Caiena pelas tropas portuguesas traçam a imagem do que foi o contato entre as

duas colônias na América.

 Nesse capítulo, pretende-se investigar as relações que se estabeleceram entre as

comunidades mercantis de Caiena e de Belém, atentando para as possibilidades de arranjos,

de acordos e de conflitos envolvendo os segmentos mercantis das duas praças, como também

a possibilidade de expansão do circuito mercantil de Belém para outras áreas do Caribe. Com base na documentação coletada foi possível elaborar uma caracterização da economia da

Guiana Francesa antes e durante a Conquista no período de 1790 ao final da década de 1810,

que compreende o contexto que antecede à ocupação da Guiana Francesa (1809) pelas tropas

699 REIS, Arthur Cezar Ferreira.  Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira: a fronteira colonial com aGuiana Francesa, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1947.700 A área do Contestado compreendia uma faixa fronteiriça entre a Guiana Francesa e o Pará delimitada ao norte pelo rio Oiapoque e ao sul pelo rio Araguari. A definição dessa disputa territorial só ocorreu no ano de 1900,

tendo sido favorável às pretensões brasileiras sobre a fronteira. Ver: MEIRA, Silvio.  Fronteiras Sangrentas(Heróis do Amapá). Rio de Janeiro: s/ed., 1977; ROMANI, Carlo. “CLEVELÂNDIA, OIAPOQUE –   AQUICOMEÇA O BRASIL!”: Trânsitos e confinamentos na fronteira com a Guiana Francesa (1900 – 1927). São Paulo:UNICAMP, 2003. Tese de Doutorado.

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 portuguesas até a entrega da Conquista e a desocupação da administração portuguesa em

Caiena (1817).

Essa análise é possível a partir da documentação sobre a Guiana Francesa composta de

memórias, relatórios e relatos de viagens realizadas na colônia compreendendo o contexto

 proposto para esse estudo. A administração portuguesa em Caiena gerou uma massa

documental sobre outros pontos inerentes a essa presença na Guiana Francesa, tais como a

arrecadação de impostos, a produção agrícola e a administração local. Com base nas

informações trocadas entre as autoridades, foi possível conhecer a dimensão das atividades

comerciais realizadas naquela região, que segue da costa setentrional do Pará à Ilha de

Caiena. Nesse caso, discutir as relações comerciais entre os negociantes do Pará e da GuianaFrancesa permite entender as singularidades presentes nas ações e nas estratégias dos sujeitos

envolvidos nesse circuito mercantil e as suas articulações com outras praças comerciais da

região do Caribe.

Entender como estava estruturado o comércio e as relações comerciais entre as duas

colônias possibilita perceber os contornos das ações dos negociantes ou de seus grupos, assim

como as estratégias que utilizaram diante as incertezas de um período político tão conturbado

como o do início do século XIX. Nesse sentido, as redes de relações tecidas pelos sujeitosenvolvidos na organização, controle e negociação desse comércio “pode fornecer chaves de

acesso a mecanismos e a dinâmicas de ordem geral”,701  a saber, como se estruturaram as

relações comerciais entre os negociantes de Belém e de Caiena, bem como entre os

negociantes de outras praças como São Luís, Lisboa e portos do Caribe durante a Conquista.

 Nesse texto, enfatiza-se a contribuição da micro-história para a abordagem das relações

comerciais tecidas entre os negociantes de Caiena e de Belém, no contexto delimitado.

A historiografia sobre o tema da ocupação de Caiena enfatizou os aspectos militares e

diplomáticos da Conquista, termo usado pelas autoridades para denominar a Guiana Francesa

durante a sua ocupação pelas tropas portuguesas (1809-1817). A bibliografia sobre as relações

entre Pará e Guiana Francesa privilegiou outros focos de abordagem, como questões militares

inerentes à ocupação portuguesa de Caiena, comparações entre as estruturas socioeconômicas

das duas áreas, tensões políticas representadas por essa fronteira, assim como a circulação de

ideias, de experiências e de pessoas no circuito caraibo-amazônico. Por outro lado, o tema das

articulações comerciais entre as duas praças requer análises mais detidas, tendo em vista os

701 GRIBAUDI, Maurizio. “Escala, pertinência, configuração”. In: REVEL, Jacques (org.).  Jogos de escalas: aexperiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998, pp. 121-149.

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indícios que a documentação pode revelar sobre a existência de um circuito mercantil para

essa região e para o interior da América portuguesa.

A presença de franceses no Pará esteve voltada para a ocupação da área nas terras do

Cabo Norte e para o incremento de atividades comerciais com os habitantes locais. Para Jorge

Hurley, o comércio era algo proveitoso, visto que “o intercâmbio de mercadorias com os

naturais” se estabelecia em toda a costa desde a região das Ilhas do Marajó “contra a costa”,

na região costeira de Macapá até as ilhas nos altos rios, englobando toda a foz do rio

Amazonas. Os franceses, segundo o autor, “mantinham, todavia, relações cordialíssimas com

os ameríncolas, que trocavam os produtos regionais: urucu, algodão, madeira e tabaco; por

facas, anzóis, espelhos e outros artigos e quinquilharias”.702

 Interessou aos franceses, durantetodo o século XIX, as discussões em relação à demarcação dos limites e a ocupação de Caiena

e Macapá. Além disso, os franceses atuaram nessa região de forma clandestina, juntamente

com os índios, os soldados e os escravos fugidos do Pará. Embora Hurley afirme a existência

de uma relação comercial ilegal tecida entre os franceses e os habitantes das áreas do Cabo

 Norte, o autor acaba por reforçar a ideia de que essas práticas econômicas apenas serviam

 para ludibriar ou enganar as populações indígenas. É necessário, porém analisar essas práticas

como relações econômicas válidas para garantir o abastecimento de populações estabelecidasnas áreas de fronteira.

Arthur César Ferreira Reis abordou o papel de Portugal para efetivar o controle e

administração de seus domínios nessa área, onde a ação das tropas militares devia tomar

corpo devido às diversas incursões de tropas francesas na região.703 O histórico da política de

Portugal para a efetiva ocupação desses domínios é marcado também pela ação dos

administradores que foram destacados para a implementação desse projeto. O autor privilegia

a atuação de D. João VI, Príncipe Regente, em sua campanha contra a França napoleônica em

Caiena, assim como o papel determinante de Manuel Marques, Tenente-Coronel que

comandou as tropas portuguesas na Conquista de Caiena, e de João Severiano Maciel da

702 HURLEY, Jorge. Traços cabanos. Belém, Instituto Lauro Sodré, 1936, p. 43.703 R EIS, Arthur Cezar Ferreira. “A ocupação de Caiena”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (Dir.).  HistóriaGeral da Civilização Brasileira: o Brasil Monárquico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1976, Tomo II,Vol. I, pp. 278-299. REIS, Arthur Cezar Ferreira.  Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira. Vol. 1  –  A fronteira colonial com a Guiana Francesa. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1947. Na documentação coletada para esta pesquisa, as estratégias e orientações apresentadas pelos irmãos Souza Coutinho (Rodrigo e Francisco)

descrevem o Estado do Grão-Pará nos seus mais variados aspectos, assim como os sujeitos que fazem partedesse contexto em análise. Ao descrever a ocupação dessa região e as ações necessárias diante o possível ataquedos vizinhos franceses às áreas contestadas, o cotidiano de relações econômicas e sociais entre os moradores dosdomínios portugueses e franceses figura como uma das regularidades contidas na documentação.

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Costa, responsável pela administração da Conquista e pela expansão das atividades

comerciais entre as duas colônias.

 No estudo de Ferreira Reis, o papel dos comerciantes da praça de Belém é considerado

como secundário, visto que pouco é discutido sobre a atuação destes nesse processo, embora

ele destacasse que na administração de Caiena durante a Conquista houvesse todo um

direcionamento para dinamizar e viabilizar a produção local e o giro comercial. A maior

atenção era voltada para a relação entre os portos nos “Domínios do Brasil, Portugal, e ainda

 para a Inglaterra quem lhes faça melhor conhecer os bens de que há tanto tempo estão

 privados”.704  O comércio em Caiena “exercitou-se em crescimento constante”, pois os

 problemas de abastecimento, comuns naquela região, para o autor foram resolvidos. Para isso,as autoridades portuguesas organizaram os serviços alfandegários, asseguraram a importação

de gado das ilhas do Marajó e de Caviana e da vila de Macapá, e farinha do Pará. Além disso,

as atividades do pesqueiro foram retomadas e as embarcações estrangeiras aportadas em

Belém deviam também visitar os portos da Guiana Francesa. Com essas mudanças, os

negociantes da Guiana começaram a gozar de certos privilégios “em face da competição que

lhes faziam os do Brasil, [pois se] estabeleceu igualdade de tratamento, dispensando-os do

 pagamento do que exportassem com destino ao Pará e de lá importassem”.

705

  A ocupação portuguesa é descrita por Ferreira Reis como uma “ação civilizadora luso- brasileira”  e

marcada por um período de prosperidade para os franceses, diante a precariedade econômico-

social daquela possessão francesa antes da Conquista.

Em estudo comparativo sobre o Pará e a Guiana Francesa, Ciro Flamarion Cardoso

também reforça o quadro de precariedade dessa colônia francesa. Embora sua organização

administrativa fosse semelhante às Antilhas, a Guiana era uma exceção dentro das áreas de

 produção açucareira. A mão de obra indígena ou africana era escassa, a produção agrícola se

limitava a alguns produtos (açúcar, café, cacau, algodão e anil), mas que por falta de

investimentos não chegava a concorrer com a produção de outras possessões francesas no

Caribe, onde os recursos e a mão de obra convergiam para a próspera colônia de Saint-

 Domingue.706 

 Na parte de sua obra que se destina à análise sobre o Pará, Cardoso ressalta que alguns

dos argumentos referentes à Guiana Francesa podem ser repetidos para a colônia portuguesa,

704 REIS, Arthur Cézar Ferreira. “A ocupação...”. Op.cit ., p. 291.705  Idem, p. 296. 706 CARDOSO, Ciro Flamarion. Economia e Sociedade em áreas coloniais periféricas: Guiana Francesa e Pará(1750-1817). Rio de Janeiro: Graal, 1984.

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 porém apresenta suas especificidades em relação à forma como foi ocupada. No Pará, a

ocupação foi efetivada seguindo o curso dos rios, por onde se intermediavam a comunicação e

comercialização de produtos entre as povoações. Tal como na Guiana Francesa, a agricultura

não competia com as atividades extrativistas das drogas do sertão e a escassez de mão de

obra indígena e africana eram as principais reclamações dos colonos junto aos

administradores portugueses. Mas diferentemente do que ocorreu na Guiana Francesa, no Pará

houve uma melhora desse quadro. A partir da segunda metade do século XVIII, as políticas e

ações empreendidas no projeto pombalino para a região amazônica trouxeram “importantes

transformações de política econômica, resultando em mudanças estruturais de peso”.707 

Ciro Cardoso não se propõe a discutir, em seu estudo comparativo entre as duas áreascoloniais periféricas,  o papel da comunidade mercantil de Belém e de Caiena dentro do

 processo de ocupação/conquista de Portugal na Guiana Francesa. Nesse contexto, quando as

duas colônias ficaram sob a tutela de Portugal, a comunicação comercial entre ambas foi

incentivada pelos administradores lusitanos. Apesar de o autor propor a possibilidade da

existência de um comércio clandestino entre Belém e Caiena, o comércio legal que se

estabeleceu no período de 1809 até 1817, quando ocorreu a ocupação de Caiena, o trato

comercial e a atuação dos negociantes das duas áreas pouco foram explorados. No capítulo destinado ao estudo da “confluência momentânea das duas sociedades

coloniais”,708 o autor se reporta ao tratado de Utrecht de 1713, precisamente o artigo XII, para

destacar a proibição legal de um comércio entre as colônias. Entretanto o autor só sugere que

“algum comércio ilegal parece ter existido entre as duas regiões”, após apresentar

documentação coeva relativa à prisão de um negociante por praticar comércio clandestino

com embarcação vinda de Caiena e sobre a ação de contrabandistas agindo na ilha de

Caviana. Geralmente, a ilha de Caviana era o local onde se aportavam as embarcações para

concretizar esse tipo de comércio. As trocas comerciais se pautavam no envio de mão de obra

africana, farinha de trigo, vinho, tabaco, cavalos e outras mercadorias, entretanto não houve

um circuito contínuo de negociação em função da Revolução Francesa.709  Embora tenha

ocorrido um comércio legal em fins do XVIII, essa prática logo foi evitada por causa da

707  Idem, p. 107. 708  Idem, pp. 151-163. 709  Idem, p. 151.

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 possível “contaminação ideológica” que poderia vir de Caiena.710 Porém, o trato comercial

entre Caiena e Belém foi restaurado durante a ocupação portuguesa (1809-1817). Ao contrário

do que escreve Ferreira Reis sobre a política de Portugal para impulsionar a economia de

Caiena, Ciro Cardoso afirma que os privilégios para com os negociantes franceses foram

apenas uma tentativa frustrada “de conservar a conquista, e tudo se fez para atrair a boa

vontade do colono”. Nesse sentido, a liberação de atividades comerciais entre ambas as

colônias serviu como barganha para que a Conquista fosse pacífica e depois fosse mantida

 pelas autoridades portuguesas. Cardoso discute que, em documento enviado pelo Intendente

em Caiena, João Severiano Maciel da Costa, para o Conde de Funchal, havia a recomendação

de anexar ao Brasil a “região das Guianas”, assim as fronteiras do norte dos domínios portugueses seriam preservadas “definitivamente”.711 

As análises realizadas para esse contexto se detiveram em explicações gerais sobre o

 processo de ocupação e conquista de Caiena. O trabalho de Cardoso é relevante para este

estudo pelas análises que o autor elabora sobre as áreas em questão, seus aspectos econômicos

e o corpo documental do qual faz uso. Ponto fundamental da obra para essa pesquisa é a

abordagem que o autor faz sobre a ramificação de um comércio de reexportação entre Caiena

e outras áreas do Caribe (Suriname e Martinica). A importância do trabalho de Ciro Cardoso para a análise apresentada neste capítulo consiste em sua abordagem comparativa entre Grão-

Pará e Guiana Francesa e, embora o autor não tenha se proposto a analisar a dimensão

comercial envolvendo as praças de Belém e Caiena para o período posterior à ocupação

lusitana, essa é uma perspectiva que se pretende avançar nesse estudo.

Para uma análise da diplomacia naquela região, Castilhos Goycochêa afirma que a

ocupação de Caiena só foi planejada quando as tropas que saíram de Belém já estavam nas

mediações do rio Oiapoque. Antes disso, o objetivo do deslocamento das tropas portuguesas

era apenas garantir a proteção da fronteira (“reivindicar os limites ao norte do Equador”) e

atacar só diante de ameaça francesa. Para o autor, a participação de Manuel Marques nessa

Conquista “foi-le antítese”, pois a sua falta de iniciativa diante o processo de ocupação o

tornou “suspeito de ser partidário dos franceses”.712 

710  Acredita-se que as relações de contrabando tenham ligeiramente cessado naquela fronteira, pois odeslocamento de esquadrilhas para “patrulhar o litoral até o rio Aproague, [evitava] que franceses entrassem no

território Contestado.” CARDOSO, Ciro. Op. Cit. p. 151.711  Idem, p. 159.712 GOYCOCHÊA, Castilhos.  A diplomacia de Dom João VI em Caiena.  Rio de Janeiro: Edições G.T.L., 1963(principalmente os capítulos 9 e 10).

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Ao discutir o “proconsulat de Victor Hugues”, Jean-Claude Ho Choung-Ten afirma

que a mobilização para as fronteiras do rio Oiapoque teve início depois das ameaças inglesas,

que em 1803 acabaram apoderando-se de Demerara, Essequibo e Barbados. O acirramento

dos conflitos na Europa e a ocupação do Suriname pelos ingleses tornou quase certa a invasão

da Guiana pelas tropas portuguesas. Para o autor, “as pretensões de Portugal sobre a Guiana

obedeciam a uma necessidade de abertura de uma plataforma comercial para as relações do

Brasil em direção às Antilhas”.713 

O período de 1790 a 1830 foi marcado pelo acirramento das tensões políticas na

Europa, assim como por suas reverberações sobre as colônias na América. Rosa Acevedo

Marin analisa como a proximidade da Guiana Francesa representava uma ameaça política para as autoridades do Pará, que concorriam para “uma ação planejada de defesa preventiva”

da capitania diante este contexto de circulação de ideias revolucionárias. Porém, a autora

afirma que a historiografia tendeu a analisar as preocupações dessas manifestações de

liberdade (política e econômica) francesa apenas para as décadas de 20 e 30 do século XIX,

quando, de fato, as autoridades do Pará já se ocupavam em ações contrarrevolucionárias desde

o final do XVIII.714 

Esse mesmo quadro político também marcou as preocupações das autoridadesvenezuelanas em relação à ilha de Trinidad.715  Segundo a autora, os debates e as ideias

gestadas no processo revolucionário francês influenciaram a Guiana Francesa, migrando

também para a Amazônia portuguesa. Em resposta a esse ideário liberal, as autoridades da

capitania do Pará empreenderam ações de militarização da fronteira, buscando “controlar

conflitos internos e externos”. As estratégias das autoridades lusitanas para a defesa dos

limites entre o Pará e as fronteiras com a Guiana Francesa e com a Venezuela foram ações

conseguidas através da militarização das áreas e do envio de expedições para a demarcação

das fronteiras. Rosa Acevedo escreve que as autoridades lusitanas mantiveram os seus

713 O autor transcreve uma correspondência de Victor Hugues ao Ministério da Marinha, na qual o governador daGuiana ressalta a localização geográfica da colônia e o seu ponto estratégico para os interesses portugueses. ParaVictor Hugues, os portugueses estavam “relegados ao fundo do Equador” sem qualquer “relação com a AméricaSetentrional” e impossibilitados de “estabelecer ligações com as possessões europeias nas Antilhas”. HOCHOUNG-TEN, Jean-Claude. “Le proconsulat de Victor Hugues a La Guyane (1800-1809)”. In: ADELAÏDE,Jacques. L’historial antillais. Tome III. Pointe-a-Pitre: Dajani Editions, 1981, pp. 194-202.714 ACEVEDO MARIN, Rosa E. “A influência da Revolução Francesa no Gr ão-Pará”. In: CUNHA, José Carlos

(Org.). Ecologia, desenvolvimento e cooperação na Amazônia. Belém: UNAMAZ, UFPA, 1992, pp. 34-59.715 A região fronteiriça entre o Grão-Pará e a Venezuela forçou o deslocou de tropas luso-brasileiras para aquelaárea, em função das incursões castelhanas ainda no século XVIII e das lutas de independência no início do XIX.ACEVEDO MARIN, Rosa E. Op. Cit., pp. 52-53.

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domínios, no entanto não tiveram êxito para “garantir Portugal contra a Independência do

Brasil”.716 

Com isso, é possível pensar que essas diversas conexões também se estendiam para as

 práticas comerciais existentes entre os grupos sociais fixados na região fronteiriça entre o Pará

e a Guiana Francesa, assim como para a área do Caribe. Diante da relação política que se

estabelece entre o poder central e a atuação dos administradores das colônias, a

correspondência trocada entre eles dá conta do controle sobre as relações sociais e comerciais

que se entretecem entre Caiena e Belém. A documentação possibilitou entender a importância

que foi atribuída às formas sociais do comércio entre os negociantes dessa área, assim como

atentar para as diversificações dessas relações para outras áreas do Caribe. Alguns dessestraços foram observados no contexto de ocupação da Guiana, aspecto analisado a seguir.

5.1- A praça comercial de Belém no contexto da ocupação de Caiena.717  

Em 1809, a tomada de Caiena efetuada pelas tropas anglo-lusitanas foi o ápice da ação

militar iniciada desde a década de 1790,

718

 planejamento arquitetado em Londres e posto em prática por D. Francisco Maurício de Souza Coutinho, que conseguiu conter o avanço e

716  Idem, pp. 39-54.717 A ação militar para a tomada de Caiena não é objeto dessa análise. As informações aqui apresentadas se justificam para contextualizar a mobilização militar e civil que movimentou a capitania do Pará. Para outrasinformações sobre essa temática ver: LAPA E SILVA, Iuri Azevedo.  A ordem desejada e a desordem promovida: acordos, motins e mestiços na ocupação da Guiana Francesa (1809-1817). Rio de Janeiro: UFRJ,

2010. (Dissertação de Mestrado). LEIVAS, Luis Cláudio Pereira & GOYCOCHÊA, Luís Felipe de Castilhos. “Aconquista de Caiena”. In: História Naval Brasileira. Vol. II. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral daMarinha, 1979, pp. 369-449.  NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira.  Napoleão Bonaparte: Imaginário e políticaem Portugal (c. 1808-1810). São Paulo: Alameda, 2008, pp. 69-118. CARDOSO, Ciro. “A tomada de Caienavista do lado francês”. Texto apresentado no Simpósio do Bicentenário da tomada de Caiena, organizado peloInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro, outubro/2009. ACEVEDO MARIN, Rosa E. “La Guyane française etl’Empire atlantique portugais. L’invasion de Cayenne: actes et acteurs d’un conflit de frontières”. In: ZONZON,Jacqueline, MAM LAM FOUCK, Serge (Ed.).  L’histoire de la Guyane: depuis les civilisations amérindiennes.France: Ibis Rouge Editions, 2006, pp. 541-554.718  Paralelamente à ocupação da Guiana Francesa pelas tropas de D. João VI, outras colônias francesas nasAntilhas foram capituladas pelas tropas inglesas. A esquadra da Inglaterra seguiu ocupando as colônias deMartinica (1809) e Guadalupe (1810). Sobre esse contexto nas Antilhas ver: LENTZ, Thierry & BRANDA,Pierre.  N apoleón, l’esclavage e les colonies.  France: Fayard, 2006. MERLANDE-ADELAÏDE, Jacques.  La

Caraïbe e La Guyane au temps de la Révolution e de l’Empire (1798-1804). Paris: Éditions KARTHALA, 1992.(principalmente os capítulos 9 e 10). BÉNOT, Yves.  La Guyane sous la Révolution pacifique.  France: IbisRouge Editions, 1997. Para uma análise comparativa entre as quatro colônias francesas nas Antilhas ver:PLUCHON, Pierre (direction). Histoire des Antilles et de la Guyane. Toulouse: PRIVAT, 1982, pp. 265-327. 

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“propaganda da revolta em território da colônia portuguesa”.719 O patrulhamento de tropas de

fronteira, o envio de agentes a Caiena e as informações obtidas por antigos moradores e

corsários720  serviram de suporte para conhecer a fortificação que se armava em ambas as

 possessões. “Os preparativos da expedição”721  foram arquitetados no Pará, quando o

governador da capitania começou a arrecadação de numerário e de alimentos para suprir as

tropas (formadas em sua maioria por soldados da própria capitania) estacionadas na vila de

Chaves para seguir em direção à fronteira. O objetivo deste item é apresentar alguns aspectos

econômicos referentes ao contexto da tomada de Caiena e a participação dos negociantes de

Belém e Caiena nesse processo que se estendeu até 1817.

Em ofício de 1808, D. Rodrigo de Souza Coutinho orientou o governador do Parásobre as tropas de Pernambuco e do Maranhão que seguiam para aquela capitania com o

objetivo de auxiliar os militares já estacionados na fronteira do rio Oiapoque e, com isso,

garantir a tomada de Caiena. O aparato militar organizado para a Conquista era reiterado com

as solicitações de que o governador obr asse “ofensivamente para reintegrar primeiramente as

nossas Fronteiras ao que eram antes do infeliz Tratado de Paz de Badajóz e de Madrid e para

destruir Caiena, com o socorro dos ingleses, se for uma feliz combinação poder ter lugar um

tão desejado resultado.” Entretanto, nos preparativos da conquista contavam também anseioseconômicos, que D. Rodrigo de Souza Coutinho reiterava afirmando que, “a ruína total de

Caiena seria para os Reais Interesses um objeto de grande valor e dela só S.A.R desejaria que

V.Exa  conservasse e transplantasse para o Pará a árvore da noz moscada, que ali existe e

nunca se pode conservar”, bem como outras espécies como: cravo da índia (clous du Girofle),

canela, cana de açúcar de Oytahiti, pimenta da Índia e árvore de pão. Ficava expresso nessa

missiva que as expedições militares para a tomada de Caiena tinham não só um caráter de

 preservação das fronteiras naturais do reino de Portugal, como o de conseguir coletar as

719 Sobre a trajetória de D. Francisco de Souza Coutinho e a sua atuação na capitania do Pará, Cf.: MOTTA,Márcia Maria Menendes. “Francisco Mauricio de Souza Coutinho: sesmarias e os limites do poder”. In:VAINFAS, Ronaldo; SANTOS, Georgina Silva dos; NEVES, Guilherme Pereira das (Orgs.).  Retratos do Império: trajetórias individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. Niterói: EdUFF, 2006, pp. 259-277.720 Além da sua notória aptidão para o saque, os corsários que atuavam na costa da capitania do Pará tambémlevavam para Caiena informações precisas sobre as expedições e artilharias que seguiam para o porto da cidadede Belém. Hurley ressalta que o governador de Caiena, Victor Hugues, era constantemente avisado sobre a

movimentação de embarcações e reforços das baterias para a região fronteiriça à Guiana Francesa. HURLEY,Jorge. Op. Cit., p. 105. Atuação dos corsários e o comércio por eles desenvolvido serão abordados mais adiante.721 Jorge Hurley apresenta as discussões que antecederam o processo de tomada da Guiana Francesa. HURLEY,Jorge. Op. Cit., p. 102.

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diversas espécies cultivadas em Caiena e enviá-las para as capitanias do Pará, Pernambuco,

Bahia e Rio de Janeiro.722 

Ainda em 1808, o governador da capitania, José Narciso de Magalhães de Menezes,

ficou responsável por realizar a arrecadação de numerário para o suprimento das

“extraordinárias despesas a que não bastariam os rendimentos reais desta capitania”.

Entretanto, os fundos que foram indicados para fazer tal recolhimento (Cofre dos Ausentes e

da extinta Companhia de Comércio) não apresentavam receita suficiente para manter os

gastos com as tropas. O governador justificava que o déficit nas diferentes repartições era

reflexo do “estado natural e primitivo” que se encontrava a capitania. Segundo ele, vivia na

cidade um:

estado de angustia, e abatimento a que ela se acha reduzida desdeoutubro do ano passado (1807) que aqui entrarão os últimos naviosvindos de Lisboa: desde esta época parou o Comércio, pararam osdireitos de entrada na Alfândega e toda a saída dos gêneros deembarque por consequência a melhor parte, ou mais de duas partes dassuas finanças, ficando ainda por menos de um terço pouco mais oumenos o Fundo ativo e disponível para tantos artigos de despesa quecompreende a vasta e atual Constituição deste Governo.723 

A diminuição da entrada de embarcações no porto de Belém contribuiu para o

esvaziamento da arrecadação dos impostos destinados aos cofres reais e por consequência,

todas as outras fontes de recursos da administração pública capitania, além dos recursos

 provenientes da capitania do Maranhão.724  O que entrava nos cofres era gasto com o

armamento, a fortificação da cidade e as provisões de boca para o destacamento fixado na vila

de Chaves, “contra Costa da Ilha de Joanes, na Foz Boreal do Grande Amazonas, onde por ora

estabeleço o ponto central das minhas primordiais e talvez futuras operações”. 725 

Diante da impossibilidade de aumentar a arrecadação necessária para as despesas com

a proteção da fronteira e fornecimento de provisões de boca aos soldados estacionados em

Chaves, Magalhães de Menezes passou a arrecadar cabedal e provisões entre os particulares

722  APEP, Códice 642: Correspondência da Metrópole com os Governos (1808-1813), Rio de Janeiro,22/03/1808.723 Arquivo Nacional, Ministério do Reino e Império; Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833).Pará, 04.09.1808.724 A capitania do Pará recebia os recursos do Maranhão para financiar a compra de embarcações e artilharias para enviar ao Cabo Norte. Idem.725  AN, Ministério do Reino e Império; Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833). Pará,04.09.1808. 

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(negociantes e lavradores) da cidade.726  Na lista das doações, o governador apresentava os

 principais negociantes da praça de Belém ou que costumavam negociar nesses portos. Entre

os 12 nomes de negociantes727 relacionados nas ofertas em dinheiro, três nomes são relevantes

de se destacar, pois eram negociantes que passaram a ter contato comercial com Caiena: o

capitão de milícias, Amandio José de Oliveira Pantoja (ofertou a quantia de 1:482$000 réis),

João Antonio Rodrigues Martins (tenente coronel, ofertou diversos gêneros no valor de

977$950 réis) e Pedro Rodrigues Henriques (“concorreu em diferentes gêneros com o valor de

1:098$410 réis”).728 Em junho de 1810, foi feito um registro de passaporte nos nomes de João

Antonio Rodrigues Martins e de Amandio Jose de Oliveira Pantoja lhes dando permissão para

seguir destino à Caiena, com o motivo de estabelecer relação comercial naquela Conquista. Na observação que seguiu no passaporte, os dois oficiais, pertencentes ao mesmo registro,

receberam a permissão de pelo espaço de três meses, tentar “estabelecer relações recíprocas

de comércio entre esta e aquela Capitania [Guiana Francesa], e indagar o método de

agricultura, plantações e etc. concedo a vista das razões que alega”, José Amandio de Oliveira

Pantoja seguia acompanhado de seu caixeiro e de seu escravo de nome Feliz.729 

Ao elaborar a sua relação com os nomes dos particulares que fizeram doações para a

manutenção das tropas estacionadas na vila de Chaves, o governador Magalhães de Menezesfez suas observações em relação ao patriotismo dos doadores e do que eles eram merecedores

 por um ato tão enobrecedor. Aos negociantes mais abastados e reconhecidos da praça de

726 Aos negociantes que não participaram desse primeiro processo de doação para o patrocínio das tropas para atomada de Caiena, participaram financiando as comemorações de seu sucesso. Segundo registro de Baena, apósa vitória das tropas portuguesas em Caiena, o negociante Francisco José Gomes Pinto mandou ofertar acelebração de missa e banquete para onde convidou os “cidadãos mais grados das ordens eclesiásticas, militar ecivil”. BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Belém: UFPA, 1969, p. 280.727 Havia no total dessa lista 13 nomes, pois o primeiro a registrar a sua doação foi o próprio governador dacapitania do Pará, José Narciso de Magalhães de Menezes, os outros nomes e as suas doações eram os seguintes:Joaquim Clemente da Silva Pombo (desembargador e ouvidor geral, 100$000 réis); Alexandre de SouzaMalheiros e Menezes (capitão de Mar e Guerra, 100$000 réis); João Martins Pena (juiz de fora, 100$000 réis);Francisco Caldeira Coutinho da Cunha (tesoureiro das rendas reais, 100$000 réis); João de Araujo Rozo (capitãode ordenanças de Belém, 1:000$000 réis); Sebastião Correa Bulhão (capitão, 700$000 réis em moeda e 498$370réis em gêneros, morreu logo depois desse registro); João de Deus da Silva (negociante, 500$000 réis); JoãoAntonio Rodrigues Martins (tenente coronel, 977$950 réis); Ambrosio Henriques (coronel do 2º. Regimento demilícias, 578$750 réis); Pedro Rodrigues Henriques (“cidadão desta cidade” e negociante, 1:098$410 reis);Joaquim José Coimbra (“negociante vindo da costa da África e que aqui se recolhia para Lisboa, 400$000 réis).O registro das ofertas era seguido de comentários para o reconhecimento dos “rasgos de patriotismo” dessessujeitos junto ao Príncipe Regente. AN, Ministério do Reino e Império; Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833). Pará, 16.03.1810.728  AN, Ministério do Reino e Império; Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833). Pará,16.03.1810.729 APEP, Secretaria de Governo da Capitania do Grão-Pará e Rio Negro (SGCGPRN), Códice 297, Termos deAssinatura de todos os comboieiros e comerciantes das Minas (1775-1824).

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Belém houve a indicação de possíveis mercês, como patentes militares ou condecorações. 730 

Entre os doadores, um soldado miliciano foi merecedor de destaque Manoel Pereira dos

Santos vivia só dos lucros da sua taberna e entrou nos Cofres Reais com 300$000 réis em

dinheiro. Após o registro do valor que foi doador, ele argumentou ao governador que

não queria recompensa nenhuma ou condecoração que houvesse de priva-lo do seu atual modo de vida e do manejo da sua Taberna, emque consistiam todas as suas rendas e meios para a sua passagem; eque só se eu quisesse em atenção a ser ele homem já prezadodispensa-lo de alguns exercícios Militares do regimento e ficava comisso satisfeito (...): Ordenei logo que ele fosse dispensado de todo oserviço do regimento, e que só concorria em algum caso de ataque doinimigo, porque homem desta tempera, não são para despesas emsemelhantes ocasiões.731 

Apesar de posteriormente a essas doações os negociantes da praça de Belém terem

recebido vantagens do abastecimento das tropas e no comércio com a Guiana e o Caribe, 732 a

solicitação desse soldado foi imediata e lhe garantia a sua estada na cidade. Cabe destacar

aqui as observações de Márcia Eckert Miranda sobre “a guerra como fonte de riquezas e

 perdas”.733 A autora escreve que:

a relação entre a Coroa e os senhores-guerreiros era balizada porinteresses comuns associados à reconquista e proteção do domíniorégio, das propriedades e riquezas nele estabelecidas. A relação pautada pela troca mútua de favores era viabilizada pelo controle dosrecursos necessários para o esforço militar e pelo uso da guerra paraviabilizar a expansão desse tipo de riqueza, seja pelo butim ou pelo poder conferido pelos contratos de dízimos e de municio das tropas.734 

A relação apresentada pela autora pode ser identificada também para o que foi

expresso na “lista das ofertas” escrita pelo governador do Pará. O iminente conflito na

fronteira contra os franceses constituiu o contexto em que os interesses dos negociantes de

730  AN, Ministério do Reino e Império; Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833). Pará,16.03.1810.731  Idem. 732  Diante uma sociedade marcada por privilégios, onde o acesso a outros circuitos era controlado pelasautoridades portuguesas, a formação de “redes de negócios configuravam um elemento chave na realização einserção dos agentes econômicos nos negócios do império ultr amarino português”. PESAVENTO, Fábio. “Paraalém do império ultramarino português: as redes trans, extraimperiais no século XVIII”. GUEDES, Roberto(Org.). Dinâmica imperial no antigo regime português: escravidão, governos, fronteiras, poderes, legados (séc.

XVII-XIX). Rio de Janeiro: Mauad X, 2011, pp. 97-112.733 MIRANDA, Márcia Eckert.  A estalagem e o Império: crise do Antigo Regime, fiscalidade e fronteira na província de São Pedro (1808-1831). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2009, p. 80.734  Idem. 

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Belém se voltaram para uma perspectiva de desenvolvimento e ampliação de suas atividades

comerciais para outras praças do Império português e das Antilhas e, com isso, o seu

enriquecimento.735  Na lista dos particulares que fizeram doações para os Cofres Reais,

encontra-se uma parcela de negociantes que já estavam estabelecidos na cidade de Belém e

que tinham suas atividades articuladas ao comércio nos sertões da capitania e ao mercado

atlântico. Entre os negociantes que podem ser destacados com os principais partícipes dessa

"fonte de riqueza”, estão os proprietários de fazendas de gados ou detentores dos dízimos das

carnes, peixes e farinha de mandioca que conseguiram consolidar a sua atuação no comércio

com Caiena e com as outras colônias caribenhas, sem desviar as suas atividades mercantis

dentro da própria capitania.736

 Há de se destacar que a “troca mútua de favores” foi bem ressaltada nas observações

que o governador Magalhães de Menezes apresentou ao Secretário dos Negócios

Estrangeiros. Tanto que, o governador do Pará já havia recebido orientações de D. Rodrigo de

Souza Coutinho para realizar o levantamento de negociantes e proprietários de embarcações

interessados em realizar o comércio dos produtos cultivados no interior do reino para as

Antilhas.737  A tomada e ocupação de Caiena trariam para a capitania do Pará muitas

vantagens econômicas e foi pensando nisso que D. Rodrigo de Souza Coutinho ordenou a

735 Com o passar do tempo, a possibilidade de manter a Guiana Francesa como uma capitania portuguesa foicada vez mais discutida e defendida. D. Rodrigo de Souza Coutinho chegou a defender essa proposta, muito emfunção dos conflitos de demarcação de fronteiras entre a França e Portugal. Entretanto, no limiar de 1815,quando foi assinado o acordo para a devolução da colônia francesa, muitos negociantes da praça de Belém foramcontrários a essa resolução, pois a volta ao estado anterior à ocupação desestruturaria as relações comerciais quehaviam sido tecidas entre os negociantes de Belém e as demais colônias nas Antilhas. Sobre a política de D.Rodrigo de Souza Coutinho ver: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira. Op. Cit.  As vantagens comerciais eadministrativas que a Guiana Francesa gozou durante a ocupação ficaram expressas também nascorrespondências relativas à administração dos ingleses nas colônias francesas da Martinica e Guadalupe, onde“os ingleses têm cruelmente tiranizado aqueles dois países, principalmente o último; e os habitantes que sempre

se correspondem com a França, falam em sublevação”. O que despertava preocupação também aosadministradores portugueses, que tinham noção de sua “fraqueza” militar em Caiena. APEP, Códice 653,Correspondência de Diversos com o Governo. Caiena, 09/04/1811.736 Pode-se comparar essa situação da Conquista da Guiana Francesa ao processo de fundação da Colônia deSacramento, financiada com recursos e tropas militares do Rio de Janeiro. Segundo Antonio Carlos Jucá deSampaio, durante o Império português, a defesa da colônia deveria ser arcada com recursos dos próprios colonos,seja em casos de expansão do território, seja para a própria defesa dos domínios da Coroa. SAMPAIO, AntonioCarlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c.1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.737 Em 1809, Maciel da Costa reportou ao governador do Pará, Magalhães de Menezes, sobre as irregularidadesque alguns comerciantes cometiam ao enviarem suas embarcações com provisões para as tropas estacionadas emCaiena. As embarcações deveriam sair do porto de Belém para o de Caiena e depois retornar ao Pará, sem fazerqualquer outra viagem para os portos daquela região. Segundo ele, o mestre da sumaca  Ninfa estava circulando

 pelos portos de Barbados e de Sinamary (Guiana Francesa) antes do seu regresso ao porto de Belém. Diante essasituação, as embarcações que transportassem gêneros e mercadorias de particulares para Caiena, deveriamregistrar os produtos na Alfândega e pagar os seus direitos. APEP, Códice 653, Correspondência de Diversoscom o Governo. Caiena, 12/04/1810; 08/07/1810.

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expedição de embarcações para “Barbados e a outras Antilhas Inglesas, embarcações nossas

que [levassem] ali os gêneros, particularmente comestíveis que levavam antes os americanos,

hoje suspensos por causa do embargo em que persistem”. A intenção er a passar a fazer uso do

 porto de Caiena como entreposto e conseguir negociar produtos como carne seca e salgada e

farinhas com os portos das Antilhas e de lá reexportá-los à Inglaterra, para que no retorno das

embarcações os negociantes trouxessem ao Pará os gêneros necessários para dinamizar o

comércio nessa região.738 

Como foi afirmado no capitulo dois, na análise sobre as atividades mercantis tecidas

na cidade de Belém, os anos de 1809 e 1810 marcaram uma diminuição nas transações

comerciais, tanto no movimento portuário como no mercado de compra e venda de bens. A justificativa apresentada para esse decréscimo foi o desvio de recursos e mantimentos para

 prover as tropas que ficaram estacionadas na Conquista até 1817, data que marcou a

devolução da Guiana Francesa ao governo francês. A nova capitania ficou subalterna ao Pará

e dele dependia para garantir a sua provisão e demais assuntos administrativos. Por isso o

“comércio dos particulares dessa capitania (do Pará) com esta (Caiena) (...) tem diminuindo

de tal sorte a circulação que só quem pode fazer ideia do aperto em que nos achamos

[ilegível] mesmo para comprar o necessário à vida”.

739

  Soma-se a isso que os soldadosdestacados para a Conquista deixavam de fazer circular pela capitania do Pará parte de seus

soldos (dinheiro e gêneros) no mercado da cidade. Entretanto, não foi encontrado para esse

estudo fontes que pudessem medir esse impacto na circulação de mercadorias na capitania do

Pará.

Segundo Cardoso, a observação de Roberto Santos sobre esse contexto se resumia ao

“desvio de mão de obra” da região para compor as forças em Caiena, fazendo com que

houvesse a diminuição da produção agrícola na capitania. Entretanto, a corporação deslocada

 para a fronteira, em sua maioria, era formada por “militares de profissão e lavradores e

artesãos”.740 Cardoso afirma que os efeitos da Conquista foram “catastróficos para o Pará”. O

autor pondera que o motivo disso foi a responsabilidade que coube ao governo do Pará de

abastecer as tropas e todo o corpo administrativo que seguiu para a Caiena, após a sua

738  APEP, Códice 642: Correspondência da Metrópole com os Governos (1808-1813), Rio de Janeiro,29/04/1809.739 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 24/02/1813.740 CARDOSO, Ciro. Op. Cit. p. 155. Sobre a constituição das tropas luso-brasileiras em Caiena, ver: LAPA ESILVA, Iuri Azevedo.  Op. Cit., principalmente capítulo 2; NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A soldadescadesenfreada”: politização militar no Grão-Pará da Era da Independência (1790-1850). Salvador: UFBA, 2009.(Tese de doutorado).

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tomada.741 Isso porque a Guiana Francesa passou a ser uma capitania portuguesa, governada

 pelo tenente coronel Manoel Marques, que havia atuado na Conquista. Com o efetivo que

ficou estacionado em Caiena, a provisão de farinha de mandioca que se destinava à

alimentação das tropas começou a faltar no mercado da cidade de Belém.742 Na justificativa

de Baena, a população reclamava do aumento do preço desse produto, em função da

grande saca que dão para a Conquista de Caiena a este precioso artigode alimento do homem. O governo lhe regra o valor venal de cinco patacas o alqueire, designa no Largo do Pelourinho uma aonde se levetoda a que trouxerem de veniaga; e põem ali o Juiz Almotacé ladeadodo oficial da sala para que a venda se faça congruamente, e livre das

ardilezas do atravessador.743

 

Tal como afirmado no primeiro capítulo sobre o pagamento dos soldos em tainha e

carnes secas, essa prática foi estendida para os oficiais em Caiena, para onde seria remetida a

carne e o peixe para abastecer as tropas.744 Sabe-se que desde 1789 o arrematador do dízimo

do gado vacum e cavalar da Ilha de Joanes e da vila de Bragança era o negociante Pedro

Rodrigues Henriques (referido acima como um dos doadores para a expedição da tomada de

Caiena). O que leva a crer que depois de sua participação na lista de ofertas para a expedição

a Caiena (sem ter solicitado qualquer recompensa), ele passou a atuar nesse comércio

abastecendo as tropas e comercializando o seus produtos e mercadorias com os negociantes

locais e com o porto de Lisboa.745 

Em 1810, o negociante João Antonio Rodrigues Martins, “que partiu há dias para a

Martinica”, entregou ao Intendente Geral, Maciel da Costa, uma letra no valor de “seis contos

e tantos mil réis sobre a Casa de Brue et Tonat desta Vila (Caiena) que é soldo correspondente

quase há três meses, prometendo-lhe que escreverá a V.Exa”.746 Maciel da Costa afirmava que

741 CARDOSO, Ciro. Op. Cit. p. 153.742 O problema do abastecimento das tropas foi uma constante das correspondências trocadas entre o IntendenteGeral de Caiena e o Governador do Pará. Entretanto, o desvio de suprimentos dos armazéns era outra situaçãodifícil de contornar, por isso as repetidas queixas de Maciel da Costa contra o sargento João José Freixo, depoisde ter descoberto “um engano de duzentas arrobas de carne seca, que ele diz que é só erra nominal, mas que aReal Fazenda não perde realmente nada”. APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com osGovernadores (1808-1818). Caiena, 07/05/1810.743 BAENA, Op. Cit. p. 278.744  Idem, p. 282.745 Ressalto que esses negociantes que atuavam no comércio com Caiena continuaram mantendo a sua relaçãocomercial com os portos de Portugal. Como foi visto no capítulo 4, em 1807, na lista de negociantes que

assinaram a representação para obstar a saída do navio “Modesta” do porto de Lisboa também constam os nomesdos que fizeram doações para a Conquista e passaram a negociar naquela praça.746 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818), Caiena, 08/07/1810. Arelação comercial que se tece entre os negociantes de Belém e os de Caiena/Caribe permite pensar a realização

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essas letras eram muito mais seguras para socorrer as despesas da Conquista e evitariam os

riscos de remessa (causados por naufrágios e corsos). Diante dessa forma de pagamento das

despesas, o governador do Pará ficaria responsável de pagar ao senhor João Antonio

Rodrigues Martins o valor do empréstimo em Belém, da forma que achasse viável. Além dos

envios de numerários, os negociantes de Belém e de Caiena forneciam alimentos para as

tropas ou para comerciarem no Pará. Os negociantes de Belém, José Antonio Pereira

Guimarães,747 João Antonio Lopes e Jerônimo Luiz Ribeiro, mandavam em suas embarcações

remessas de arroz, carne, peixe, azeite de luzes e farinha (de trigo, de mandioca e de tapioca)

 para as tropas em Caiena, tendo sempre esses valores pagos em Belém, pois os gêneros de

Caiena passaram por desvalorização no “comércio do Brasil”.748

 Outros negociantes de Belém passaram a compor esse grupo de fornecedores de

alimentos e mercadorias para as tropas em Caiena. As embarcações de Francisco José Gomes

Pinto,749 Joaquim Francisco Danin e José Antonio Pereira Guimarães remeteram “uma porção

de azeite de luzes, peixe e farinha que aqui mandaram (à Caiena) fiquei devendo-lhes a soma

de 1:961$000 réis, que aqui não posso pagar segundo os documentos do costume que lhes

mandei passar a cada um de per si”.750  Nas listas de compra de produtos e dos seus

de uma rede transatlântica (tal como conceituado por Pesavento), pois envolve negociantes dos Estados Unidos,mas principalmente transcaribenha, ressaltando que o contexto da Conquista permitiu a conexão de negociantes eagentes dentro desse espaço. Nesse caso, o negociante de Belém, João Antonio Rodrigues Martins, conseguia deCaiena realizar transações comerciais com os outros portos do Caribe, o que exemplificaria a realização de umarede transimperial. Sobre o conceito de redes transimperiais ver: PESAVENTO, Fábio. Op. Cit. 747 As remessas feitas por esse negociante eram sempre maiores, lhe possibilitando vender suas mercadorias aosnegociantes de Caiena. APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818).Caiena, 09/05/1816. O nome do tenente José Antonio Pereira Guimarães contava como um dos doadores parasustentar as tropas estacionadas na vila de Chaves, antes da Conquista, porém o seu nome não foi apresentado nalistagem de “reconhecimento” do governador, José Narcizo de Magalhães e Meneses. A doação deste negociantefoi 50 alqueires de farinha, no valor de 25$000 réis. Além desse negociante, outros nomes de negociantes dacidade de Belém foram lançados nessa lista com os valores e os gêneros doados para o abastecimento das tropas.

Algumas vilas da capitania também contribuíram para essa Conquista doando farinha, cacau e arroz. AN,Ministério do Reino e Império; Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833). Pará, 30.12.1809.748 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818), Caiena, 10/03/1814.749 Em remessa anterior de mercadorias para Caiena, Francisco José Gomes Pinto transportou azeite de luzes,sacas de arroz, farinha de mandioca pelo valor de 634$000 réis, para quem Maciel da Costa passou “odocumento de costume que rogo a V. Exa. se sirvam mandar pagar.  Idem, Caiena, 28/04/1816. A entrada nessenovo circuito mercantil requeria uma grande soma em dinheiro para armar as embarcações com gêneros emercadorias interessantes para o comércio com Caiena e Antilhas. Em junho de 1815, antes de seguir com seunegócio para Caiena, Francisco José Gomes Pinto contraiu uma dívida com o reverendo cônego, João PedroBorges de Goes, no valor de 2:200$000 réis em “dinheiro de empréstimo vencendo aos prazos da lei” e comogarantia hipotecou uma morada de casas, no Largo da Igreja das Mercês, além d e seus “bens havidos e porhaver”. Infelizmente, o negociante Francisco Pinto faleceu na Guiana Francesa durante uma das suas viagens anegócio para a Conquista. A dívida foi cobrada através de um libelo movido por Agostinho Domingos de

Cerqueira, sobrinho e herdeiro do João Pedro Goes, que citava o capitão Joaquim Rodrigues dos Santos,testamenteiro, tenedor e administrador da herança de Francisco Pinto para a quitação da dívida. APEP;Documentação Notarial, Juízo da Provedoria, Resíduos e Capelas da Capital; Autos de Libelo, 1826.750 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818), Caiena, 02/05/1817.

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fornecedores não há como especificar quais gêneros eram controlados por cada um deles,751 

mas se percebe a participação de negociantes reconhecidos da praça de Belém atuando em

Caiena, reforçando a ideia de como a economia nessa sociedade era marcada pelo privilégio.

 Nota-se que o fornecimento desses gêneros era um comércio certo para o abastecimento da

tropa, mas as embarcações que saíam de Belém conduziam suprimento superior àquela

demanda, lhes possibilitando comerciar com os negociantes de Caiena e das outras colônias

nas Antilhas.

As remessas de carne seca e peixe seco, sal e farinha para Caiena seriam descontadas

do soldo mensal dos oficiais. O governo do Pará fez uso dessa medida, pois “se viu

necessitado ante o sorvedouro das despesas do Pará, Rio Negro e Caiena, que engolia osrendimentos e as somas destinadas pelo Régio Gabinete para acurrimento”.752 Além desses

socorros, a capitania do Maranhão também contribuía para manter a Conquista, fazendo

envios regulares de moeda para prover essas despesas.753  Em outras situações, o

abastecimento das tropas era feito com gêneros e mercadorias compradas dos negociantes

locais como o tafiá (aguardente de cana),754 biscoito, arroz, carne fresca (esta era apenas para

os soldados doentes em recuperação no hospital geral)755 e farinha. Desses gêneros, a farinha

era um alimento que sempre tinha nos armazéns da alfândega, “pois os habitantes [forneciam]com abundância”. A carne seca, quando não seguia dos portos do Pará e Pernambuco, era

751  Sabe-se que o negociante Feliciano dos Santos Roza costumava conduzir gado para Caiena, o qual tinha permissão para retonar com mais mercadorias, tão logo aportasse em Belém. Idem, Caiena, 25/02/1817.752 BAENA, Op. Cit. p. 282.753 O governador do Maranhão, D. Diogo de Souza, passou a informar em seus ofícios ao Secretário de Estadosobre as remessas de moeda que estava fazenda para a capitania do Pará. AHU_CU_009, Cx. 125, D. 9472.Maranhão, 23/12/1802.754 Um dos maiores fornecedores de tafiá para os armazéns portugueses em Caiena era um representante dogovernador francês, Victor Hugues, que mesmo sendo exilado na Europa continuou administrando os seusnegócios na Guiana Francesa. Outros negociantes franceses forneciam canadas de tafiá aos portugueses como os

senhores: Farnous Irmãos e Companhia, Sr. Plane, Sr. Riviére, Sr. Dechamp, Sr. João Senat e Companhia, Sr.Dejean e Sr. Martin (representante da habitação Beauregard, que não recebia os valores devidos porque o seu proprietário estava ausente). APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 27/01/1812.755 O Intendente Geral fez a solicitação de recursos para o pagamento das 20 pipas e 400 canadas de tafiá paraentregar aos soldados. A compra de arroz fora feito de um navio naufragado naquela costa. Essa aquisição foi providencial, pois a inclusão do arroz na ração das tropas ajudou a diminuir a quantidade farinha de pão, este jáinsuficiente para suprir a demanda. Os pagamentos desses gêneros eram feitos em produtos (girofle ou algodão)compensando os seus direitos pela alfândega, “nunca em numerário porque não há em giro e os gêneroscoloniais não servem aos carregadores do Maranhão”, para eles deveriam ser enviadas “letras sobre essa Junta doPará de quantia de mais de seis mil cruzados”. Em outro momento, o problema da circulação e proibição para asaída de numerário na colônia voltou a pautar as correspondências de Maciel da Costa. Segundo ele, a falta dedinheiro em papel não era exclusividade da Guiana Francesa, pois nas colônias inglesas ocorria o mesmo

 problema, principalmente em Suriname. APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores(1808-1818). Caiena, 08/07/1810. O naufrágio do navio a que o Intendente Geral se reporta, não foi o “SantaAnna Vigilante” que será discutido no próximo item, era comum nessa região o naufrágio de embarcações portuguesas e estrangeiras, bem como a ação de corsos.

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comprada dos americanos, mas o seu abastecimento não era muito regular. Quando paravam

no porto de Caiena, os negociantes ingleses de Barbados e os espanhóis de Havana lhes

vendiam bacalhau. Durante as revoltas na colônia francesa da Martinica, o negociante Sr.

Cartier procurou abrigo em Caiena, onde passou a aplicar as suas duas embarcações no

comércio de gado, indo buscar as reses na capitania do Pará.756 

A Conquista teve outras representações para a cidade de Caiena e os seus moradores.

 No período de 1809 a 1817, a colônia francesa passou a receber embarcações para fornecer

mão de obra africana aos moradores,757 houve o “incentivo à produção e ao comércio; respeito

à propriedade”, não obstante as propriedades dos franceses que haviam abandonado a colônia

no início da Revolução, as quais foram apropriadas pelo governo português.758

  Em relatocoevo de um colono francês, a ocupação portuguesa obteve desdobramentos muito

importantes para Caiena, pois afirmava que essa administração havia se pautado em valores

com a “ordem, o desinteresse e a economia presidiram os atos dos agentes do governo do Rio

de Janeiro”. Continua o seu relato, afirmando que o governo e os negociantes da praça de

Belém que para lá seguiram

animaram o comércio por meio de operações combinadas no interesselocal, concedendo, entretanto ao comércio estranho toda a proteçãonecessária, para estender as relações da colônia e assegurar a saída deseus gêneros. Conservaram os impostos que acharam e não criaramnovos. As execuções não eram rigorosas, nunca o roceiro viu sua propriedade ameaçada de invasão.759 

Essas “operações combinadas” estavam relacionadas também aos abastecimentos das

tropas e do corpo administrativo estacionado em Caiena. Em ofícios trocados entre o

Intendente Geral e o Governador do Pará a participação mercantil de negociantes franceses

756 APEP, Códice 653, Correspondência de Diversos com o Governo. Caiena, 24/05/1811.757 Ao analisar a população da Guiana Francesa na primeira metade do século XIX, Stephenson Elie confirmaesse crescimento da mão de obra africana na colônia. Em 1789, a população da colônia contava com 12.500 pessoas, sendo que 1.307 brancas, 10.748 escravas e 494 homens livres de cor. Após a ocupação portuguesa essenúmero subiu para 16.000 pessoas divididas em 988 brancas, 13.369 escravas e 1.698 homens livres de cor. Emambas os registros os indígenas não foram recenseados. Para o autor, esse aumento do número de mão de obraafricana na colônia foi a maior contribuição que os portugueses deixaram, após a ocupação da Guiana Francesa.ELIE, Stephenson. “Aspects economiques de la Guyane Française 1800-1850”. In: ADELAÏDE, Jacques. L’historial antillais. Tome III. Pointe-a-Pitre: Dajani Editions, 1981, pp. 484-497.758 CARDOSO, Ciro. Op. Cit. p. 158.759 Esse relato foi realizado por um colono francês e que o Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da

Costa, o utilizou em um folheto que redigiu para apresentar as sua defesa contra os ataques que sofrera durante eapós a sua administração naquela Conquista. Ver: LYRA, Augusto Tavares de. “Conferência sobre o Marquês deQueluz (João Severiano Maciel da Costa)”. In:  Revista do IHGB, V. 168, 1933, pp. 798-816; CARDOSO, Ciro.Op. Cit. p. 159.

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durante a Conquista se pautou, principalmente, no fornecimento de alimentos para as tropas e

no socorro ou empréstimos de valores para saldar dívidas relativas às embarcações arribadas

em Caiena. O negociante João Vidal e Companhia chegou a fornecer “seiscentos e tantos mil

réis para preparos da sumaca  Ninfa”, para realizar o frete de suas mercadorias às ilhas

vizinhas.760 

Os negociantes de Caiena participavam de remessas de fazendas para o fardamento

das tropas ou de produtos para o abastecimento do hospital e para garantir a armação de

embarcações que seguiam com gêneros e especiarias da Guiana para o Pará. Os pagamentos

eram feitos em produtos descontando os seus direitos junto à alfândega de Caiena. Em um

ofício de Maciel da Costa dando conta da administração da Conquista, ele reportou que haviarecebido do negociante Mr. Dupera, representante da casa Alegre e Famie de Paris, um

carregamento de algodão para pagar o frete das goletas que o francês havia utilizado. O

 problema de receber esse tipo de paga por qualquer serviço era que os soldados da tropa não

aceitavam “algodão” como parte do soldo.761 Nessa situação em que se precisava de dinheiro

 para o soldo, a Casa de Lejeune Power e Companhia aceitava a “letra ou ordem de Pedro

Rodrigues [Henriques], a qual contudo só podem pagar em três pagamentos [agosto, setembro

e outubro] (...) o que junto faz a soma de 2:166$514 réis”.

762

 Houve registros da passagem denegociantes franceses no porto da cidade de Belém, o que causava preocupação e alarde às

autoridades do Pará.763 

Sabe-se que alguns negociantes de Belém se associaram aos de Caiena para poderem

efetuar as suas transações comerciais, o que lhes possibilitava passar letras de câmbio em seus

nomes para receberem do governador do Pará, em Belém. Entretanto, havia negociantes de

Belém que se associaram aos oficiais destacados em Caiena para intermediarem as suas

transações mercantis. O sargento João José Freixo era um desses intermediários que

aproveitava as suas viagens a Belém para transportar os gêneros faturados e se abastecer de

mercadorias para negociar em Caiena. Em Caiena, ele havia feito compras de fazendas de

chita do negociante Sr. Dechamp, que seriam compensadas por sabão, recebeu do Sr. Dupera

760 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 08/07/1810.761 APEP, Códice 653, Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 09/04/1811.762 APEP, Códice 653, Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 09/07/1811.763 Como o ocorrido na viagem do negociante francês Sr. Grimard que transportava em sua embarcação 2 arrobasde açúcar para o Sr. Carmel, francês residente no Pará. Quando ele chegou à cidade, logo fizeram levantamentosobre a sua índole e sobre a sua atuação em Caiena. APEP, Códice 647, Correspondência de Diversos com osGovernadores (1809-1810). Caiena, 28/09/1809.

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uma porção de clous du girofle  que seria paga em cobre e do Sr. Barry ficou a dívida de

2.338,02 francos (deste, não consta o produto negociado).764 

Caiena passou a ser um “reino anexo ao Brasil”, onde o movimento portuário passou a

contabilizar no quadro da balança comercial de Portugal. Nos portos de Caiena também

aportavam embarcações inglesas e dos Estados Unidos, que em momentos de guerra era o

 principal porto buscado na região para o abastecimento de mantimentos e mercadorias, além

de articular o comércio com a região do Caribe. Mesmo durante a guerra entre Estados

Unidos e Inglaterra, o porto de Caiena recebia as embarcações americanas com mercadorias e

víveres que serviam às tropas lusas naquela colônia. Segundo Maciel da Costa, dos

negociantes americanos se compravam carne e arroz, sendo que “este último, além de grato àtropa, ajuda a economizar a farinha”.765 

Segundo Ho Choung-Ten, o comércio de gêneros alimentícios e coloniais da Guiana

Francesa para os Estados Unidos e outros países neutros alcançou grandes proporções mesmo

no período de guerra entre a Inglaterra e os Estados Unidos. Para o autor, a produção de 1806

mais que dobrou se comparada aos valores comercializados em 1789. Essa elevação foi

motivada pela presença de 18 embarcações só nos últimos seis meses de 1806, sendo 4

francesas, 13 americanas e 1 sueca. A Guiana Francesa exportava para os Estados Unidos:rum (aguardente de cana), xarope, madeira e plantas para tingir; e importava: reses, tabaco,

sal, cal, farinha e etc.766  Foi por esse histórico de negociações com a Guiana Francesa que,

durante a ocupação de Caiena pelos portugueses, as embarcações americanas eram as mais

aguardadas para suprir a colônia com carne seca.

Abaixo se apresenta um quadro sobre os produtos das importações de Caiena 767 e as

suas origens:

764  Essa articulação foi expressa somente após a morte do sargento, quando estava em Cabo d’Orange. Emfunção desse incidente, Maciel da Costa reportava à Junta governativa do Pará o envio de uma “nota de que s esabe que o dito Freixo levara daqui e não só porque ele deve aqui a particulares, inda que pequenas miudezas,mas também a Fazenda Real 600$000 réis, pouco mais ou menos por outras coisas e por avançamento de algumgirofle para empregar em peixe ou carne (...) queiram obrigar o piloto a fiel entrega dos objetos indicados (...)assim como fazer chamar a contas as pessoas que com ele as tiverem, afim de que os credores aqui sejamosembolsados”. O total de mercadorias negociadas pelo sargento Freixo chegaram   a importância de 6:018$768réis. APEP, Códice 653, Correspondência de Diversos com o Governo. Caiena, 09/07/1811.765 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 02/04/1811.766 HO CHOUNG-TEN, Jean-Claude. Op. Cit., p. 198.767 O quadro foi elabora com base nas listas presentes nas documentações seguintes: AN, Junta do Comércio,Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 449, Caiena, 1811-1817; Biblioteca do Instituto Nacional deEstatística; Balanças de Comércio (1815). 

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Quadro 5.1: Balança Comercial de Caiena com o Pará (1814-1815)

Importações do Pará no porto de Caiena Exportações para o Pará no porto de Caiena

Salsaparrilha AlgodãoAçúcar Urucu

Arroz Cravo

Farinha de mandioca Pimenta

Carne e Peixe seco Simarouba

Sabão, Azeite, Sebo, Vinho, Manteiga e outros

comestíveis.

Tafiá

Fazendas diversas Fazendas diversas provenientes das importações

na colônia

Cacau

Escravos

Comestíveis (Farinha de trigo, bolacha, bacalhau,

 peixe salgado, carne de moura, manteiga de vaca

e de porco, carneiros, queijos, vinagre e cerveja)

Fonte: AN, Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 449, Caiena, 1811-1817

Quadro 5.2: Balança Comercial de Caiena com as capitanias do Estado do Brasil (1814-1815)

Importações do Maranhão, Pernambuco Riode Janeiro e Bahia no porto de Caiena

Exportações do Pernambuco no porto de Caiena

Bois vivos CravoAçúcar UrucuCarne seca SimaroubaVinho, Azeite doce, Manteiga e comestíveisdiversos

Fazendas diversas provenientes das importações nacolônia.

Pano de linho e de algodão, Chapéus,quinquilharias e outras fazendas diversas.

Fonte: AN, Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 449, Caiena, 1811-1817.

 No ano de 1814, o mapa de exportação e importação de Caiena contou com o registro

total de 61 navios, entre eles: 40 com bandeira portuguesa, 5 com bandeira sueca, 14 com

 bandeira inglesa e 2 com espanhola. Sendo que, antes de aportarem em Caiena, esses navios

 passaram por diversos portos da América portuguesa e das possessões estrangeiras. Foi

768 Simarouba é um tipo de vegetal utilizado de forma terapêutica para disenterias. NOYER, J.-A.-A.. Mémoiresur la Guyane française, par J.-A.-A. Noyer,... adressé en 1819 à M. de Laussat, alors commandant etadministrateur pour le roi... publié... en mars 1824.1824/03. Disponível em:http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5568507z (Acessado em abril de 2011.)

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observado que essas embarcações das bandeiras citadas acima tinham passado também por

outros portos interligando toda essa região do Caribe. As embarcações portuguesas aportadas

em Caiena haviam saído do Pará, Maranhão, Pernambuco, Caiena, Suriname e Martinica. As

embarcações com bandeiras suecas tinham saído dos portos dos Estados Unidos, as com

 bandeira inglesa haviam passado pela Martinica, Barbados, Guadalupe; e as com bandeira

espanhola saíram dos portos da Bahia e da França (Bordeaux). Importavam produtos como

cacau, urucum e algodão. Exportavam café, cravo, canela, pimenta, madeiras de cor, tafiá e

melaços.769 Entretanto, no registro dos produtos comercializados, houve uma diminuição no

valor dessas relações comerciais, justificada “particularmente [pela] guerra entre os Estados

Unidos e a Inglaterra,770

 das circunstâncias políticas da Europa e da incertidão sobre o estado político da colônia que necessariamente devia suspender as operações comerciais que podiam

ser dirigidas a este país”.771 

Hurley também escreveu sobre esse contato comercial entre os Estados Unidos, as

colônias da Inglaterra e a Guiana Francesa. Segundo os registros do autor, quando houve a

guerra entre os Estados Unidos e a Inglaterra, um corsário inglês aportou em Caiena para

suprir de guarnição a sua embarcação que circulava pelas Antilhas. 772  Nesse contexto de

guerra, os ingleses eram os maiores corsários que navegavam pelas Antilhas. O governador deCaiena na época da Conquista, o Brigadeiro Manoel Marques, chegou a expulsar daquele

 porto o brigue inglês “Mosquito”, pois havia notado que o seu comandante havia apresado

uma embarcação sueca773 e levado para aquele porto.774 Abaixo pode-se visualizar as ilhas das

Antilhas e o norte da Guiana Francesa.

769 AN, Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 449, Caiena, 1811-1817.770 Para uma análise sobre esse conflito e os seus desdobramentos nas Antilhas ver: HICKEY, Donald R. “Thewar of 1812: still a forgotten conflict?”. In: The Journal of Military History, Vol. 65, n. 3 (jul., 2001), pp. 741-769. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2677533 (acessado em janeiro de 2013).771 AN, Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 449, Caiena, 1811-1817.772 HURLEY, Jorge. Op. Cit., p. 121.773 Entre 1813 e 1814, a colônia de Guadalupe foi cedida pelos ingleses aos suecos e a ilha de St. Barthélemy erauma colônia sueca e possuía um porto franco naquela região das Antilhas, o que justifica a circulação deembarcações dessa bandeira pela região. BUTEL, Paul.  Histoire des Antilhes françaiese (XVII e-XX e  siècle).France: Editions Perrin, 2007.774  HURLEY, Jorge. Op. Cit., p. 121. Durante o período da Conquista, a passagem de corsários ingleses,americanos e franceses pela costa e porto da Guiana Francesa foi registrada pelas autoridades portuguesas, emfunção do terror que causavam à navegação naquela área. APEP, Códice 662: Correspondências de Diversoscom o Governo (1813-1814), Caiena, 24/07/1814.

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Mapa 5. 1: Ilhas do Caribe e norte da Guiana Francesa.

Fonte: PINARDEL, François.  La France et sés colonies.  1934. Disponível em: www.carto-

mondo.fr/carte/antilles-et-guyane-francaise 

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Foi solicitado que as embarcações da Guiana Francesa gozassem do mesmo privilégio

que as portuguesas e brasileiras para terem licença de aportarem nas colônias britânicas (como

Suriname, na época), de acordo com o “tratado de comércio de 1810”.775  Como pode ser

notado na relação das bandeiras das embarcações que aportaram em Caiena, essa solicitação

foi acatada, animando o comércio e a economia daquela colônia. Além desse privilégio, a

Guiana Francesa passou a negociar e receber gado da Ilha do Marajó. Esse comércio, apesar

de alguns períodos de interrupção, apresentou continuidades de contratos de abastecimento

desse gênero também após 1830.776 

O movimento do porto de Caiena recebeu maior atenção do governador Manoel

Marques, que isentou os impostos para a importação de gado e de mão de obra escrava. Osnavios portugueses tinham o privilégio de pagar a metade dos direitos e os “capitães de navios

mercantis passaram a ter de aceitar produtos da colônia obrigatoriamente na mesma proporção

de suas vendas, e de associar-se a um mercador local, pagando-lhe comissão”.777 As propostas

 para dinamizar o comércio em Caiena se estenderam aos negociantes de Belém, que

apresentavam interesse em adquirir as mercadorias das embarcações que haviam sido

apresadas na época da tomada daquela colônia.

Outra medida adotada para dinamizar o comércio de Caiena foi a solicitação para queos armadores e negociantes franceses “nada paguem de entrada de gêneros da colônia nesse

 porto (de Caiena). A respeito das fazendas estrangeiras, eles devem ser equiparados aos mais

vassalos portugueses. Assim, penso também que exportando-se caienezes gêneros coloniais

do Pará, não devem pagar direito algum”. 778 Com isso, Maciel da Costa pretendia também

dinamizar e aumentar a arrecadação na alfândega e a cultura local, principalmente sobre os

 produtos de maior interesse econômico como o girofle, algodão, café, cana de açúcar, canela,

775 CARDOSO, Ciro. Op. Cit. p. 160.776 A exportação de gado para a Guiana Francesa era uma prática muito comum naquela região, mas ocorria sema autorização da coletoria do Pará. O comércio desse gênero seguia da vila de Chaves, ponto mais próximo parachegar à Guiana, em barco ou em pequenas canoas de particulares, “que clandestinamente se empregam nessetráfico, os quais conduzem dali em retorno gêneros e mercadorias, e convindo por termo a um tal comércio, quenão é permitido pela Legislação em vigor, e que gravemente prejudica os interesses tanto da Fazenda Geralcomo Provincial, e ao abastecimento de carnes a esta capital”. LOPES, Siméia de Nazaré. O comércio interno no

 Pará oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. Belém: NAEA/UFPA, 2002 (Dissertação deMestrado), p. 13.777 CARDOSO, Ciro. Op. Cit. p. 160.778 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 14/07/1810.

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 pimenta, cacau e roucou (urucum, uma planta para tintura, mas também usada como

condimentos pelos indígenas).779 

Realizada em 1809, a tomada e ocupação de Caiena780 pode ser considerada a primeira

ação política da afirmação do expansionismo da Corte portuguesa após a sua chegada ao

Brasil.781  Nesse contexto, a represália de D. João VI à ocupação de Portugal pelas tropas

francesas do general Jean-Andoche Junot782  foi simbolizada pela conquista da Guiana

Francesa, representando a defesa da honra e de todo Império português. Guy Martinière

escreve que a instalação de portugueses na Guiana correspondeu a um interesse econômico,

mas principalmente se constituiu em uma revanche de D. João VI à ocupação de Portugal

 pelas tropas francesas e pela humilhação da família real em ter que se refugiar no Brasil.783

 

779 Segundo Stephenson Elie, essas culturas eram a base da produção colonial da Guiana Francesa, sendo que asregiões mais desenvolvidas eram: Caiena, Roura, Macouria, Approuague e Montsinéry. ELIE, Stephenson. Op.Cit., pp. 488-490.780 Após anular os tratados assinados com a França ao longo do processo revolucionário, D. João VI autorizou ainvasão de Caiena. A tomada de Caiena representou, de forma simbólica, uma reconquista da honra portuguesa.Para Hurley, D. João VI ao ocupar a Guiana Francesa garantia para a França a posse de sua colônia na foz do rioAmazonas, pois se os ingleses a houvessem ocupado, “nunca mais Caiena e seu território voltariam ao patrimônio colonial da França”. Em 1810, como recompensa para a atuação das tropas que ocuparam a Guiana,D. João VI mandou cunhar em Londres medalhas de prata para comemorar a Conquista de Caiena. Esta

medalha, segundo Hurley, foi distribuída aos soldados e oficiais de terra e mar que fizeram parte daquelaexpedição. HURLEY, Jorge. Op. Cit., p. 112. Luiz Paulo Macedo de Carvalho descreve que a medalha não possuía fita e deveria ser mantida em um estojo “como lembrança do feito militar luso- brasileiro”. Em 1813, as medalhas ficaram prontas e o governador de Caiena, o Brigadeiro Manoel Marques, teria a honra de distribuir asmedalhas entre os militares. CARVALHO, Luiz Paulo Macedo. “A conquista e ocupação da Guiana Francesa por forças luso-brasileiras (1809-1817)”. In: VASCO, Mariz (org.).  Brasil-França:  Relações históricas no período colonial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2006, pp. 139-149. Fato relevante sobre essasmedalhas comemorativas foi o uso que elas passaram a ter na capitania do Pará. Apesar de haver a orientação para que elas fossem guardadas como lembrança, sabe-se que muitos militares passaram a usá-las como títuloshonoríficos. Aos oficiais que retornaram para a cidade de Belém e passaram a utilizá-las como forma dedistinção, houve a indicação para que não as usassem. BARATA, Manoel.  Formação Histórica do Pará: obrasreunidas. Belém: UFPA, 1973, p. 145. Em outros momentos, os oficiais que atuaram na Conquista de Caiena passaram a solicitar títulos ao Príncipe Regente pelas contribuições e auxílios prestados durante esse contexto.

Como Antonio Pereira de Carvalho, que serviu durante a Conquista no Armazém Geral de Caiena. Ele solicitoue recebeu a mercê do Hábito da Ordem de Christo em janeiro de 1818. A mesma solicitação foi feita pelo tenenteJoão Roberto de Ayres Carneiro, que argumentou ter assentado praça em 1803 nas “tropas destinadas a fazer aConquista da Guiana Francesa”. O objetivo em solicitar a mercê era “conservar a memória de seus antepassadosem cujos honrados costumes o suplicante foi educado desde o berço e que os saberá conservar para sua maiorglória como honrado português”. Na sua representação continuava listando os demais oficiais que foramagraciadas com essa mercê, como o brigadeiro de milícias reformado João Antonio Rodrigues Martins(negociante que viajava para as Antilhas à negócio). APEP, códice 686, Correspondência da Metrópole com osGovernadores (1816-1824). Palácio do Rio de Janeiro, 01/02/1821.781  Em 1811, após a tomada de Caiena, a Cisplatina “sofreu uma primeira intervenção portuguesa”, sobre asquestões diplomáticas que antecederam esses processos, ver: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira. Op. Cit., p.63.782 A ocupação de Portugal pelas tropas francesas pode ser encontrada em: NEVES, José Acúrcio das.  História

Geral da Invasão dos franceses em Portugal e da restauração deste Reino.  Porto: Edições Afrontamento, 2008, pp. 66-78.783 MARTINIÈRE, Guy. “La Guyane du Consulat au début de la restauration (1800-1820)”. In: ADELAÏDE,Jacques. L’historial antillais. Tome III. Pointe-a-Pitre: Dajani Editions, 1981, pp. 440-455.

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Para Kristen Schultz, as duas situações acima citadas são ações ímpares, sem

 precedentes até então, a saber: “um Império no Novo Mundo” e a Revolução Francesa, sendo

“identificada pelos contemporâneos como desafiadora da política e dos modos de expressão

convencionais.”784 Para a autora, a situação inusitada da fixação da monarquia portuguesa no

Brasil passou a ser explicada de diversas formas, sendo a “defesa da honra e do Império

 português” a mais destacada nos folhetins que circulavam em todo o Império,785  mas

 principalmente a vinda da Corte para o Brasil era considerada como um processo de

redefinição da “monarquia imperial como americana”.786  A circulação de impressos e

gravuras sobre o conflito na Europa chegava à Corte do Rio de Janeiro vindas de Londres e de

Portugal por meio das embarcações de negociantes que seguiam para a América.787

  Emalgumas situações, essas cartas e obras não passavam pelo controle da Alfândega, o que

 permitia que a população tomasse conhecimento dos desdobramentos desses conflitos através

dos impressos. As lojas e tabernas das cidades passaram a ser buscadas também para comprar

esses folhetins e gravuras.788 

O período de 1808 a 1809 foi definido por Maria Beatriz Nizza da Silva como o “ciclo

napoleônico”, termo que a autora cunhou para se referir ao “conjunto de obras e folhetos

destinados a combater e a denegrir o “terrível corso”, primeiro em Portugal e depois na novaCorte do Brasil”. A tônica dos folhetins que circulavam na Corte oscilava entre a campanha

antinapoleônica e a exaltação aos militares ingleses.789  Sabe-se que nos domínios espanhóis

784 SCHULTZ, Kristen. Versalhes Tropical : Império, Monarquia e a Corte Real portuguesa no Rio de Janeiro,1808-1821. São Paulo: Civilização Brasileira, 2008, p.18.785 Sobre papel da imprensa nesse contexto e as informações indiretas que foram apresentadas pelos portuguesesque ficaram na Europa, ver: DOMINGUES, Ângela. “Conduzir os povos à felicidade ao bem comum: D. João, príncipe do Brasil, e a avaliação da missão real na imprensa ilustrada”. In: MARTINS, Ismênia & MOTTA,Márcia (orgs.). 1808 –  A corte no Brasil. Niterói: Editora da UFF, 2010, pp. 269-286.786 SCHULTZ, Kristen. Op. Cit., p. 25.787  Os debates sobre a circulação de impressos se pautam nos folhetos sobre os conflitos na Europa e oandamento da política em Portugal. Cabe ressaltar que informações sobre outras áreas da América tambémchegavam e circulavam na América portuguesa. Em oficio, o administrador de Caiena alertava à Junta do Paráque “pela Gazeta de Martinica [tinha] notícia de um corsário o qual tem feito várias presas”. APEP, Códice 655:Correspondências de Diversos com o Governo (1811-1812), Caiena, 02/02/1811. Em outra situação, Maciel daCosta enviou à Junta de governadores do Pará informações a respeito da situação política do “Rio Grande do Sulsobre o revolucionário Artigas”, que haviam chegado em Caiena. Idem, Caiena 25/02/1817. Adilson Brito, aoanalisar a circulação de “pasquins sediciosos” na cidade de Belém, descreve a acusação que foi feita contra ocônsul francês no Pará, Mr. Polacher, de ser o responsável pela distribuição desses folhetins na capitania.BRITO, Adilson Júnior Ishihara. “VIVA A LIBERTÉ!”cultura política popular, revolução e sentimento patrióticona independência do Grão-Pará, 1790-1824. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008. (Dissertação deMestrado).788 SCHULTZ, Kristen. Op. Cit., pp. 111-115.789 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “A Corte no Rio de Janeiro: o perigo francês, o perigo espanhol e o poderioinglês”. In: CARDOSO, José Luis, MONTEIRO, Nuno Gonça lo, SERRÃO, José Vicente (Orgs.).  Portugal, Brasil e a Europa napoleônica. Lisboa: ICS, 2010, pp. 297-321.

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fronteiriços aos Estados portugueses (do Grão-Pará e do Brasil) esses folhetins também

circulavam entre oficiais e comerciantes espanhóis, através dos quais tomavam conhecimento

da situação política da monarquia portuguesa,790 bem como da sua nova política expansionista

na América.

Durante a Conquista, aspectos da relação comercial entre as duas colônias passaram a

ser delineados a partir de outros contornos, mas que possibilitaram visualizar as práticas e as

relações sociais que os grupos de negociantes envolvidos nesse processo entreteceram.791 

Assim como permitiu recuperar algumas das estratégias dos indivíduos e dos recursos que se

desdobraram em outras relações. À luz de um evento, como o naufrágio do navio “Santa Anna

e Vigilante”, uma parte das relações comerciais que tiveram lugar entre os negociantes deCaiena e de Belém foram ressaltadas. O processo relativo ao naufrágio foi aberto para apurar

a responsabilidade do capitão sobre o ocorrido, assim como avaliar as perdas da carga e do

navio para que seus proprietários fossem indenizados.792 

O naufrágio do navio foi um episódio que gerou diversos processos nos quais os

negociantes de Caiena, de Belém, de São Luis e de Lisboa apresentaram-se para justificar a

sua propriedade, passar procurações para outros negociantes e, principalmente, requerer o

 produto da venda da carga resgatada. Nesse sentido, o naufrágio foi um episódio reveladordas rotas de comércio e das relações comerciais realizadas no extremo norte da América

 portuguesa, Caribe e Europa.

790 Sobre as leituras e interpretações na América hispânica e o estabelecimento da Corte portuguesa no Brasil,cf.: PIMENTA, João Paulo Garrido. Tempos e Espaços das Independências: a inserção do Brasil no mundoocidental (c.1780-c.1830). Tese de Livre Docência. São Paulo: FFLCH/USP, 2012.791 Cabe ressaltar que a relações tecidas entre franceses e luso-brasileiros se estendeu mesmo após a Conquista. Na década de 1820, quando a capitania do Pará passou pelas discussões de independência, a cidade de Caiena passou a receber refugiados portugueses ou brasileiros contrários aos desdobramentos políticos presentes nacidade de Belém. Em correspondência consular, a referência de refugiados na Guiana Francesa foi um tema quese tornou regular. Segundo uma dessas correspondências do comandante interino da Guiana Francesa, “plusieursfamilles portugaises refugies à Cayenne depuis 13 mois par suíte des troubles qui on affligés la province de Paraeprouvant le besoin es la necessite dans l’interês de leur famille, de rejoindre leur Patrie avec leurs femmes eleurs enfants”. APEP, Códice 528; Encarregados de Negócios (Cônsules em países estrangeiros) (1795 -1834).

Caiena, 29/04/1825.792 Esse processo, ou indicações sobre ele, foi encontrado em quatro fundos de documentação diferentes, dois pertencentes ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e os outros documentos foram encontrados no ArquivoHistórico Ultramarino (Projeto Resgate do Grão-Pará e do Maranhão).

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5.2- O Naufrágio do Navio “Santa Anna Vigilante”: 

 No dia 22 de maio de 1809, o navio “Santa Anna e Vigilante” deixou o porto de

Lisboa com destino ao porto do Maranhão. A embarcação pertencente a José Alves Viana,

negociante da praça comercial de Lisboa, era capitaneada por José Lima Fagundes e contava

com uma tripulação de 32 homens. Em 03 de julho chegou ao porto do Maranhão, de onde

retornaria para Lisboa somente em 21 de fevereiro de 1810. No entanto, no dia 4 de março,

nas proximidades da costa do rio Organabó (região costeira ao norte da Guiana Francesa),

depois de uma forte ventania a embarcação veio a naufragar.

José Lima Fagundes, capitão do navio português, relatou em que condições ocorreu onaufrágio da embarcação.793 No dia 28 de fevereiro, ao se aproximar da baía de São Marcos,

na costa do Maranhão, foi tomado por uma forte tormenta de ventos e a embarcação seguiu

com as marés “empoladas além dos ordinários da navegação que desconjuntando o dito Navio

lhe introduzira água pelas cobertas e porão”. Após diversas tentativas de dar vazão e sem

conseguir prosseguir com a viagem, em função dos danos que o mal tempo causou ao navio, a

embarcação apenas velejou até a costa aonde veio a encalhar. Depois de dois dias de esforços

 para desencalhar a embarcação, o capitão afirmou que veio a descobrir por “um selvagem”que estava a “trinta e tantas léguas ao Norte da Villa de Caiena”. Com a impossibilidade de

desencalhar o navio e salvar a carga que transportava apenas com a ajuda da tripulação, o

capitão enviou uma solicitação ao Intendente de Caiena para que ele desse “as ordens

necessárias para se salvar o que for possível mandando tomar conta de tudo no estado em que

se acha”. Visto que, devido ao estado em que se achava o navio, ficava difícil transportá -lo até

o porto de Caiena e por estar encalhado em uma área muito distante, a carga também corria o

risco de ser roubada. De fato, como pode se observar no mapa abaixo, o rio Organabó ficava

no extremo oeste de Caiena.

793 Carta que enviou o capitão José Lima Fagundes ao Intendente Geral de Caiena, João Severino Maciel daCosta, Caiena 07.03.1810. AN, Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (JCAFN), Caixa 373, pct.01, 1809-1831.

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Mapa 5.2: Costa Setentrional do Pará e Guianas Francesa e Holandesa.

Fonte: Museo Naval de Madrid. Carte de la Guyane et de l’Embouchure de l’Amazône” (sem data). A-10359-93.

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O capitão tornou a reforçar a solicitação que havia feito ao Intendente de Caiena,

Maciel da Costa. Em outra carta, argumentou não ter os meios necessários “para fazer

transportar a este porto [de Caiena] toda a carga do navio sem a força de braços necessários”.

Além disso, lembrou ao Intendente que não tinha observado no porto de Caiena a existência

de embarcações de grande porte que pudessem “conduzir a carregação ao porto do seu

destino” [Lisboa]. A preocupação do capitão era como o transporte das mercadorias seria

efetuado. Isso porque no porto de Caiena “a navegação da Costa é feita em pequenas Goletas

de construção particular, cuja capacidade não passa de cinquenta a cem toneladas”, assim sem

haver a disponibilidade de embarcações grandes o suficiente para salvar de uma única vez a

carga, a sua perda completa e prejuízo seriam bem maior.794

 Primeiramente, o Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, se

ocupou com a segurança da carga e do navio naufragado.795 Enviou “uma guarda”, composta

de 14 praças sob o comando do Capitão Manuel José de Morada, até a embarcação encalhada

 para acompanhar “à borda até completa descarga, e a cuja diligência, honra e exatidão se deve

o salvamento da carregação”. Foi relatado pelo capitão José Lima Fagundes que a tripulação

havia abandonado o navio, “os víveres roubados, a carga superior desmantelada, os sacos

abertos, arroz derramado e furtado e tudo em confusão”. O capitão também relatou que atripulação foi presa e passou a trabalhar junto com os soldados na descarga da embarcação

encalhada, mas ressaltava a necessidade de manter a guarda sempre presente para garantir a

devida proteção da carga restante.

O Intendente Geral de Caiena, sabendo que no porto de Caiena não havia “embarcação

nacional que se pudesse apenar”, nem cabedal suficiente para pagar os gastos iniciais com o

socorro da carga e garantir a sua venda, passou a contar com o socorro dos negociantes locais.

Encaminhou ao senhor Lejeunne Power (também referido na documentação como John

Power)796 e ao senhor Brue Tonat, negociantes em Caiena, um pedido para salvarem a carga

794 Carta que enviou o capitão José Lima Fagundes ao Intendente Geral de Caiena, João Severino Maciel daCosta, Caiena, 16.04.1810. Essa carta compõe o início dos autos para acompanhar a “vistoria e processo verbalfeito sobre o estado do navio e o inven tário dos bens móveis”. Do mesmo modo, foi realizada uma avaliaçãosobre a experiência e capacidade do capitão do navio diante o incidente do naufrágio. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.795  “Exposição dos meios empregados pela Intendência Geral de Caiena em socorro do Navio Santa AnnaVigilante, saído do Maranhão e naufragado nesta Costa, e bem assim a conta do que se salvou”. AN, Caiena,Caixa 1192, documento impresso. Caiena, 03.06.1811.796 Em outras situações, o negociante John Power já havia feito carregações de mercadorias para a Alfândega deCaiena, bem como levado correspondências do Intendente Geral ao governador do Pará. APEP, Códice 653:Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 05/05/1810. O Sr. John Power era“inglês de nação associado a uma Casa de Comércio desta Vila (Caiena)” e que passou a fazer viagens para

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do navio naufragado, com “a singular condição de se pagarem as despesas feitas, somente

 pelo que se salvassem, sem outra responsabilidade dos proprietários”. 

 Na primeira resposta que enviou ao Intendente, o negociante Power estava muito

interessado no “salvado”, tanto que afirmava estar “à disposição de todos os avanços

necessários para o resgate do navio e de sua carga, os quais nos serão reembolsados sobre a

venda dos objetos retirados e, ademais, nos será entregue a comissão de uso sobre o montante

dos objetos resgatados”.797  Para essa proposta, não foi encontrada a carta de resposta do

Intendente. Entretanto, percebe-se que ela não foi aceita de imediato, pois decorrido quase um

mês do naufrágio o negociante Lejeunne Power refez a sua proposta.

Em nova resposta ao Intendente, o senhor Lejeunne Power, juntamente com os seussócios, informava que ao saber do encalhe da embarcação, consignou a goleta americana

“Anne”, capitaneada por Warren Bishop, para fazer o transporte da carga até o porto de

Caiena. Como a goleta já deveria ter retornado aos portos dos Estados Unidos e por estar o

navio encalhado em uma “enseada muito distante”, só lhe foi possível realizar apenas duas

viagens até o local onde ele estava encalhado. Ainda restando uma grande quantidade da

carga no navio encalhado esperava que “alguns infelizes incidentes não causem a perda total

da carga, ou ao menos que ela não seja avariada por uma estadia mais longa em umaembarcação encalhada e exposta a todos os perigos do mar”. Tendo em vista o tempo que

 passou desde a sua primeira proposta e o Intendente ainda sem embarcações de grande porte

 para recuperá-la em uma única viagem, o senhor Power elaborou, junto aos seus sócios, uma

“proposta vantajosa aos proprietários” e ao Intendente para efetuar o resgate da carga. E m

seus argumentos citou um ponto fundamental, se eles fizessem o “salvado” 798 o Intendente

evitaria “os gastos consideráveis que serão necessários para trazer tais objetos aqui” [no porto

de Caiena], a qual acabou aceitando.799 Além da goleta “Anne”, também ficariam à disposição

do Intendente para se fazer o resgate da carga as goletas “La Créole” pertencente ao

Belém com a recomendação do governador do Pará. APEP, Códice 647: Correspondência de Diversos com osGovernadores (1809-1810). Caiena, 05/05/1810.797  Carta que enviou o negociante Lejeunne Power ao Intendente Geral de Caiena, João Severino Maciel daCosta, Caiena, 15.03.1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.798 Termo utilizado para se referir à carga que é resgatada dos navios naufragados. “Abaixo Assinados”. AN,JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.799  Carta que enviou o negociante Lejeunne Power ao Intendente Geral de Caiena, João Severino Maciel daCosta, Caiena, 23.04.1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831. A falta de fundos para gastar naConquista era uma justificativa recorrente nos ofícios enviados pelo Intendente ao Conde de Linhares. AN,Caiena, Caixa 1192.

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negociante de Caiena senhor Barry, “Capac”, “Emeline” e “General Green”, as quais

realizaram viagem de março a maio de 1810.800 

Segundo a explicação do Intendente de Caiena a participação dos negociantes dessa

 praça no resgate da carga no navio foi feita sob a seguinte condição,

ofereceram-se então os ditos Negociantes e outros a comprar o que pudessem carregar de bordo em bordo nos Navios estrangeiros de suaconsignação, pelo preço médio das vendas que se deviam fazer nestaVila dos gêneros depositados na Alfândega, e mais cinco por centosobre o do arroz, pois que contavam tirar grande interesse dele nasColônias Britânicas, onde havia necessidade de víveres.801 

Buscar as referências aos produtos comercializados em Caiena é importante para

entender a dimensão desse comércio para além das relações tecidas com o Pará, pois a partir

da negociação desses produtos é possível observar as atividades comerciais que os

negociantes de Caiena e do Pará articulavam com outras colônias do Caribe. Nesse sentido, o

interesse pelo arroz para comercializar com as “colônias britânicas” sugere a existência de um

comércio regular para aqueles portos.

Isso reitera as informações que alguns comandantes, os quais tiveram as suas

embarcações apresadas por corsários franceses, deram ao governador do Pará, Francisco de

Sousa Coutinho, quando questionados sobre o comércio que era realizado em Caiena. 802  A

 partir dessa leitura foi possível também pensar quais as formas sociais do comércio realizado

entre os pequenos e os grandes comerciantes estabelecidos na praça de Caiena.

Segundo o dossiê que foi enviado ao Conde de Linhares explicitando sobre as

“Rendas Públicas”, João Severiano Maciel da Costa escreveu como se realizava o sistema de

cobrança de impostos naquela Conquista. A capitação de impostos consistia nas seguintes

cobranças: “no pequeno imposto sobre as casas da vila, no rendimento da alfândega, no

imposto sobre o tafiá (aguardente de cana ou rum), no direito de patentes (licenças para poder

negociar) e especiarias da Gabriela”.803  La Gabrielle804 era uma fazenda real, onde se fazia a

800 Caiena, 10/04/1810; Caiena, 31/04/1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.801  “Exposição dos meios empregados pela Intendência Geral de Caiena em socorro do Navio Santa AnnaVigilante, saído do Maranhão e naufragado nesta Costa, e bem assim a conta do que se salvou”. Caiena,03.06.1811. AN, Caiena, Caixa 1192, documento impresso.802 IHGB, Coleção Manoel Barata  –  Memória sobre a defesa da capitânia do Pará no governo D. Francisco deSouza Coutinho; e outros documentos do tempo do seu governo. Plano de conquista da Guiana Francesa. 1791-

1797-Lata 281, pasta 6, 102 fls. Pará, 31/03/1797. In: GOMES, Flávio dos Santos, QUEIROZ, Jonas Marçal de,COELHO, Mauro Cezar (orgs.). Relatos de fronteiras: fontes para a História da Amazônia séculos XVIII e XIX.Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999. Esse assunto será discutido nos próximos itens.803 Caiena, 28.04.1811. AN, Caiena, Caixa 1192.

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 produção e cultivo das especiarias da Guiana Francesa, que depois da ocupação de Caiena

ficou sob a administração portuguesa. Segundo Maciel da Costa, “é um dos grandes recursos

 para as necessidades públicas, porque o clou du girofle805 [cravinho] que é muito procurado

dos Estados Unidos, faz às vezes do numerário para a compra dos fornecimentos”.

Infelizmente, naquele momento, as colheitas eram “precárias”, isso “porque além de serem as

grandes [colheitas] de três em três anos, são sujeitas a infinitos acidentes”. Nas embarcações

que partiam de Caiena e seguiam para os portos do reino do Brasil, além das correspondências

dando conta da administração da Conquista, seguiam também inúmeros caixotes com as

especiarias da fazenda  La Gabrielle, tais como: “cravo, canela, pimenta e amostras da

 pimenta branca”, para serem plantadas nos jardins do Pará, de Pernambuco  e do Rio deJaneiro.806 

O Intendente justificava que havia uma “impossibilidade” no pagamento do imposto

sobre as casas comerciais em Caiena, em função do peso deles sobre os negociantes e “pela

grande falta de numerário que embaraça todas as operações”. Além disso, havia outros

condicionantes, pois os negociantes estabelecidos naquela praça estavam distribuídos em

classes como “negociantes maiores e menores”, havendo ainda os “vendedores por miúdo”. 807 

 Nas informações enviadas, esclarecia que os negociantes de Caiena “são obrigados a pagarem Direito pelo título correspondente a sua classe para poderem exercitar o comércio a ela

804 Sobre a fazenda  La Gabirelle Cf.: SANJAD, Nelson Rodrigues.  Nos jardins de São José: uma história do Jardim Botânico do Pará, 1796-1873. Dissertação de Mestrado. Campinas/São Paulo, 2001.805 O girofle era muito rentável e requisitado no quadro das exportações de Caiena, tanto que a colheita que haviasido realizada em outubro de 1815 foi ofertada como forma de pagamento da dívida resultante da venda donavio. Carta de João Severiano Maciel da Costa ao senhor Constantino Guelfi, Caiena, 10/09/1815. AN, Caiena,Caixa 1192.806 Ofício de Maciel da Costa a Conde de Aguiar, Caiena, 23.04.1811. Em 1796, o Jardim Botânico do Pará foicriado e contou com a administração do francês Michel Du Grenouller, que havia se refugiado no Pará, logo

após a sua saída de Caiena, motivada pelo seu descontentamento com a “alforria geral dos negros decretada”naquele ano na Guiana Francesa e nas demais colônias da França. As plantas do jardim, segundo Ciro Cardoso,eram enviadas clandestinamente da Guiana pelo seu cunhado, Jean-Baptiste Antoine Grimard, do destacamentode Aprouague. CARDOSO, Ciro. Op. Cit., p. 153. Para Nívia Pombo, a criação do Jardim Botânico teve maisum intuito econômico, fundamentado nas vantagens que a agricultura traria para a balança comercial do reino,do que uma motivação científica de cultivo e aclimatação das diversas espécies contrabandeadas para Belém edepois redistribuídas para Bahia e Rio de Janeiro. Embora que para o sucesso desse projeto fosse necessário oinvestimento em expedições científicas e da participação da Real Academia de Ciências de Lisboa, a maiormotivação era animar a economia de Portugal. POMBO, Nívia. “As ‘riquezas do mundo’ - Cobiça e ciência nos jardins botânicos de Caiena e Belém do Pará (1790-1803)”. In: Revista Navigator , V. 6, N. 11, 2011, pp- 52-60.Disponível em: http://www.revistanavigator.com.br/navig11/dossie/N11_dossie5.html. Acessado em Janeiro de2013. Sabe-se que esse processo de aclimatação de espécies ocorria em todo o império português. Nas viagensde Alexandre Rodrigues Ferreira havia vários relatos de coleta de espécies do Pará e Mato Grosso para serem

enviadas as outras colônias com o intuito de diversificar a produção e impulsionar a economia. FERREIRA,Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá.  Riode Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972.807 AN, Caiena, Caixa 1192, Caiena, 28.04.1811.

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destinado, e assim corria uma proporção de maiores ou menores direitos, conforme as classes,

até o último consumidor”. Porém, pelo o que ressaltou o Intendente, a população estava

descontente com essas taxas, pois reforçava o monopólio em três casas comerciais, para quem

os estrangeiros costumavam negociar. Seguindo as orientações do ex-governador do Pará,

Magalhães de Menezes,808  Maciel da Costa aboliu esse imposto, assim como o imposto de

“quarenta e cinco reis e meio sobre a canada do tafiá, que nada rendia pelo sistema

confidencial com que foi estabelecido”.809 

Para evitar descontentamentos entre os negociantes e conseguir fazer a arrecadação

dos impostos, o Intendente passou a oferecer o recebimento da “capitação em gêneros

coloniais com as condições ali expedidas, como às vezes se praticam”. A proposta de seefetuar o pagamento em “gêneros coloniais” resolveria dois problemas que ele identificava

como “vantagens”: o primeiro é que haveria uma “facilidade da cobrança”; segundo, haveria

o “fornecimento necessário à tropa e aos estabelecimentos reais por bom preço, trocando-os

 pelos gêneros coloniais diretamente com os Americanos que daqui os exportam, em lugar de

os comprar aos negociantes da colônia com grande diferença de preço”. Entretanto esse

 projeto não foi adiante. Para o Intendente, esse fracasso podia ser explicado pela situação de

subordinação presente na colônia, estando os “agricultores endividados com os negociantes esuas colheitas avançadas com eles”, mas também aventava a possibilidade de ser em função

da “astúcia dos mesmos negociantes que para [ilegível] o tiro dirigido ao seu monopólio, se

meteram no meio oferecendo aos agricultores maiores preços que os da Ordenança, aliás bem

calculados, na certeza de se indenizarem sobre os das fazendas dadas em troca”. 810 

Essa situação descrita pelo Intendente Maciel da Costa, pode-se discutir a respeito das

relações de subordinação de pequenos produtores aos comerciantes, estudada por José Carlos

Chiaramonte, o qual afirma que essas relações se estruturavam dentro de um quadro de

monopólio colonial. O autor define esse mecanismo de subordinação como um “intercâmbio

não equivalente”, quando os grandes comerciantes, detentores de privilégios, estipulavam os

 preços das mercadorias que seriam postas à venda, assim como para as que compravam,

enquanto os pequenos produtores ficavam presos às taxações a que lhes eram impostas e

808 No momento que ele escreve esse dossiê, o governador José Narciso de Magalhães de Menezes já haviafalecido.809 AN, Caiena, Caixa 1192, Caiena, 28.04.1811.810 AN, Caiena, Caixa 1192, Caiena, 28.04.1811.

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acabavam vendendo suas mercadorias abaixo do valor de mercado.811 A partir dessas práticas

comerciais, pode-se pensar aqui a reiteração dos monopólios exercidos ao longo do tempo por

 parte dos negociantes estabelecidos em Caiena, bem como a manutenção de sua proeminência

naquela sociedade.812 

A carga salva do navio foi enviada para os armazéns da Alfândega de Caiena, sendo

acordado que todos os negociantes daquela praça poderiam participar da compra das

mercadorias. Seguindo a sugestão dos próprios negociantes de Caiena, ela seria vendida em

hasta pública para que fossem pagos os gastos que eles tiverem na consignação de

embarcações estrangeiras para realizar as viagens até onde o navio havia naufragado e na

contratação de pessoas para trabalhar na descarga das mercadorias. A administração daalfândega em Caiena também compensaria os seus gastos com o armazenamento da carga e

outras despesas que teve com o sustento da tripulação do navio, com o produto da venda e, só

depois de realizar a compensação de todas as despesas que foram listadas no decorrer do

 processo, os negociantes do Maranhão e de Lisboa, proprietários da carga transportada,

receberiam o seu pagamento.

Toda a carga foi listada e na relação apresentada em poder da alfândega havia: arroz

(3740 sacos do grosso e 220 do miúdo), 965 sacos de algodão, 475 peças de couro de boi,2.374 peças de vaquetas (couro de tipo fino), 57 paneiros de goma (látex), 57 sacos de

farinha, dois sacos de borracha, caixas de fazendas (mantas e retalhos diversos), uma saca de

café, moeda (1.998 pesos espanhóis em poder do Capitão do navio, José de Lima Fagundes) e

700 achas de lenha (estas não foram resgatadas, pois não havia interesse na compra). Essa

relação está inserida no processo que o Intendente Geral de Caiena elaborou para justificar as

suas deliberações em relação à carga, mas também foi utilizada para responder ao pedido de

indenização que o proprietário do navio, José Alves Viana fez. 813 

Ao final, a mercadoria perdida com o naufrágio ou no regaste e descarregada nos

armazéns da alfândega foi pequena, o que não trouxe grandes prejuízos aos seus proprietários.

Ao contrário da sorte que teve o proprietário do navio, que foi considerado inavegável pela

811 CHIARAMONTE, José Carlos. Mercaderes del Litoral: Economía y sociedad en la provincia de Corrientes, primera mitad del siglo XIX . México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1991.812  Segundo Barth, em suas análises é necessário perceber as práticas sociais dentro do cotidiano dos atoresatentando igualmente para os valores e recursos do presente que são alocados para garantir a segregação social.BARTH, Fredrik. Sohar, culture and society in an Oman Town.  Baltimore, Johns Hopkins University Press,

1983, (principalmente capítulo 5).813  “Mapa Comparativo: dos gêneros carregados no Maranhão, segundo o  resisto e declaração do Capitão, esalvos, transportados e vendidos em Caiena”. Caiena, 03.06.1811. AHU_ACL_CU_013, CX. 145, d. 11017.Pará, 16.05.1813. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

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vistoria realizada. No levantamento geral da carga havia sido perdido: sete sacas de arroz

grosso, mais de 2 sacas de algodão, duas peças de couro de boi e 77 de couro fino, uma saca

de farinha de mandioca e as 700 achas de lenha. 814 A mercadoria restante foi preservada na

mesma quantidade de quando saiu dos portos de São Luís do Maranhão.

Como representava a carga mais procurada para compra, foram estabelecidas algumas

cláusulas e condições para a venda do arroz e apresentadas aos compradores da cidade. Na

alfândega, organizaram para o leilão diversos lotes de 20 sacos de arroz cada um. Ao início da

venda os sacos seriam abertos para que os compradores pudessem conhecer a sua qualidade

que estava divida em arroz de “qualidade superior” ou “normal”. Contudo não caberiam

reclamações ou recusas sobre os sacos de arroz adquiridos. A oportunidade de verificar aqualidade do produto impediria reclamações futuras, pois os compradores poderiam se valer

das condições em que a carga havia chegado aos armazéns da alfândega para contestar o valor

cobrado “com o pretexto de que estão estragados ou que o pano está em más condições”,

nesse caso não seria “deduzida taxa alguma para os sacos” que foram vendidos. Alguns lotes

de arroz tinham uma quantidade reduzida e a soma total da carga embarcada no porto do

Maranhão apresentava um déficit em relação com o montante vendido ao final, tudo em

função do roubo logo depois que o navio naufragou, do “mau estado dos sacos” que foramcarregados e descarregados várias vezes até a condução à alfândega, por avarias causadas pela

chuva e dos roubos que ocorreram no próprio armazém da vila de Caiena, pois ele era um

 prédio público.815 

Depois de expostas essas condições, os produtos restantes seriam vendidos, assim

como o que ocorreu com o próprio navio “Santa Anna e Vigilante”. O pagamento seria

realizado de acordo com a aquisição que fosse feita, aos lotes de 20 sacos a quitação deveria

ser feita dentro de 24 horas depois da entrega do produto. Aos negociantes que comprassem

uma quantidade maior que a primeira, o pagamento seria feito de três vezes, da seguinte

forma: “um terço contando nas vinte e quatro horas; um terço em uma obrigação para um mês

814  “Tableau comparatif pour la cargaison du navire Ste. Anne Vigilante, echoué à Organabo”. AN, JCAFN,Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.815 “Vent de Riz”. Cayenne, 07.05.1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809 -1831. “Mapa comparativo dosgêneros carregados no Maranhão, segundo o registro e declaração do capitão, e salvos, transportados e vendidos

em Caiena”. AN, Caiena, Caixa 1192. Durante a Conquista, Maciel da Costa, por reiteradas vezes, acusou odesaparecimento de mercadorias dos armazéns, os quais eram justificados por “enganos” na contagem e registrodas mercadorias (carne, farinha, arroz e azeite) que chegavam para abastecer a tropa. APEP, Códice 653:Correspondências de Diversos com o Governo (1810-1817), Caiena, 02/04/1811.

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e outro terço em outra obrigação para dois meses; o total a datar da liberação que será feita

 pelo inspetor da aduana”, tudo feito em espécie.816 

A venda foi realizada e os negociantes de Caiena compraram as mercadorias. Pode-se

afirmar que vários compradores aproveitaram a oportunidade da venda e compraram pequenas

quantidades de lotes de 20 sacos de arroz cada uma. Entretanto, outros negociantes adquiriram

grandes quantidades dos lotes oferecidos, além de comprarem outros produtos que também

foram à leilão. No quadro abaixo, pode-se visualizar a compra dos produtos e os seus

 principais compradores. Nesse caso, na listagem foram selecionados os nomes dos

negociantes franceses que compraram outros produtos, além das sacas de arroz. Sendo que os

últimos três negociantes da lista adquiriram apenas as peças de couro e os tecidos.

Quadro 5.3: Relação dos negociantes de Caiena que participaram da compra da carga

do navio “Santa Anna Vigilante”. 

Nome dos negociantes: Carga adquirida:

M’. João Senat e Companhia.  Arroz, algodão.

M’. Jonathan Barry  Arroz, Borracha (goma elástica), navio “Santa Anna Vigilante”. 

M’. Brue Tonat  Arroz, Couro de boi, algodão.

M’. Ste Mary Arroz, Couro de boi, Fazendas (“Londres Blanche” e lençol),

algodão.

M’. Beauregard  Arroz, Couro de boi, Vaqueta.

M’. Bénoit  Arroz, Fazendas (“tecido de seda”). 

M’. Bourou  Arroz, Fazendas (Indiana).

M’. Lejeunne Power (Jean/John

Power)

Arroz, paneiros de Goma (látex), Fazendas (“Blonde noire”),

algodão.

M’. Farnous & Frere  Couro de boi.M’. Roustan  Fazendas (mantas escarlates).

M’. Grives  Fazendas (retalhos de sarja, tecido de “pano riscado”). 

Fonte: AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

O processo da venda em hasta pública de toda a carga salva do navio e do próprio

navio causou descontentamento aos “proprietários carregadores” no Maranhão e em Lisboa.

Os proprietários da carga estabelecidos em Lisboa se organizaram em fazer um “abaixo

assinado”, no qual passaram uma procuração ao proprietário do navio, o senhor José Alves

816  Idem.

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Viana, para representá-los nessa questão. A princípio, os proprietários da carga esperavam

que o salvado ainda estivesse guardado nos armazéns da alfândega de Caiena. Para tanto,

esclareciam que José Alves Viana ficaria responsável de “receber os gêneros que

transportavam o sobredito navio, ou seu produto caso estejam vendidos ou arrematados como

se disse e empregar o mesmo produto pelo mesmo que entender e julgar mais útil” . Ele

também poderia empregar os valores do salvado “em gêneros do país e enviá-los aonde mais

conveniente for ou em letras sobre quaisquer praças com quem estamos em paz”. 817 

Entretanto, no momento da escritura desse abaixo assinado, a carga já havia sido

vendida e com parte do produto de sua venda fizeram o pagamento das despesas. A divisão

seguiu em duas formas: primeiramente as “despesas comuns ao navio e carga” (de ondesubtraíram o gasto com o frete das embarcações que atuaram no salvamento da carga em

Caiena), o pagamento dos homens que fizeram a descarga, víveres vendidos para manter a

tripulação e despesas com medicamentos aos que adoeceram. Além das seis sacas de arroz e

dos quatro paneiros de farinha consumidos pela tripulação, há duas solicitações de

mantimentos para a tripulação do navio, todas elas feitas ao senhor Lejeunne Power, do qual

receberam em seu primeiro pedido “quatro caixotes com bacalhau, ter barris de bolacha, um

 barril de [tafiá], três barris de carne de boi, dois barris de carne de por co e um saco de feijão”.Passados dois meses, o piloto do navio passou a fazer nova solicitação de mantimentos, dessa

vez pedia “dez barris pequenos de carne de vaca e um barril de genebra para mantimentos das

 pessoas que se acham a bordo do navio”.818 

Por fim, contabilizaram as despesas que foram realizadas com o armazenamento e

venda da carga na alfândega em Caiena. Depois disso, as “despesas que pertencem ao Navio

só” (pagamento da equipagem referente às viagens de “Lisboa ao Maranhão e d’ali até

Caiena” e as “despesas diversas relativas ao Navio”). No decorrer do processo, foi realizado o

 pagamento do prático, capelão, cirurgião e dos marinheiros pela viagem que realizaram de

Lisboa a São Luís e de lá até Caiena, onde o navio naufragou. 819 

Uma vez que o salvamento da carga deveria ser pago pelos proprietários, a conta

apresentada na “Repartição das somas pagas” fazia referência aos valores abatidos pelo o que

havia sido gasto com “o produto da carga, do navio e do frete” . O que foi apurado com a

817  Ao final do documento, há a assinatura de 15 negociantes de Lisboa. “Abaixo Assinados”, Lisboa,17/04/1817. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.818 Solicitação do Piloto, Caiena, 28/04/1810; 03/06/1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.819  Carta de José Alves Viana ao Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da Costa. Lisboa,28.07.1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831. Recibos diversos assinados pelo tesoureiro da duana deCaiena. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

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venda de tudo, a alfândega de Caiena deveria restituir aos proprietários da carga o valor de

288.297,81 francos que seria “rateado” entre os proprietários em Lisboa e em São Luís, ao

 proprietário do navio caberia o valor de 316.476, 57 francos.820 

Para o grupo de negociantes que passou procuração para José Alves Viana, a entrega

dos valores competentes ao que foi arrecadado com a venda chegou com certa demora.

Entretanto, os negociantes que fizeram representação individualmente ao Intendente, por meio

de procuradores ou pessoalmente, obtiveram sem tanta demora o resultado da venda de suas

mercadorias. Em algumas situações, os proprietários agenciaram a venda da sua carga

 pessoalmente à alfândega de Caiena ou aos negociantes locais.

Como foi afirmado anteriormente, para que os proprietários da carga e do navio pudessem reaver o produto da venda que foi realizada em Caiena seria necessário que eles

estivessem presentes e assim poderem “reclamar uma partilha feita sem audiência sua, na qual

é manifesto que podem se excitar gr andes e intricadas questões”. Diante da representação dos

 proprietários da carga, o Intendente de Caiena decidiu que aqueles que se pronunciassem

contra a venda pública do salvado poderiam reaver os seus devidos pertences, desde que se

manifestassem por procuração ou pessoalmente junto à alfândega e pagassem as despesas

com o resgate da carga. Com isso, alguns proprietários da carga que também estavam nonavio tiveram mais sorte, pois enviaram as cartas e os recibos da carga embarcada em São

Luís para requerer o que lhes pertencia por direito. Para esses casos, os proprietários deveriam

apresentar na alfândega as provas da “sua propriedade e assinado declaração de pagar as

despesas feitas com a condução e descarga” dos produtos resgatados do navio que havia

naufragado.821 

Os primeiros que passaram a apresentar documentos de propriedade da carga foram os

 passageiros e a tripulação do navio.822  Foi o caso do capelão, João Teixeira de Melo, que

apresentou recibo garantindo a posse da carga que levava em seu camarote, a saber: “200

vaquetas sem marca, 4 paneiros de goma e 2 arrobas de café”. 823  O piloto do navio, José

Antonio Vieira, levava consigo “56 arrobas de algodão e 418 vaquetas” e o cirurgião, Simão

820 AN, Caiena, Caixa 1192.821 “Parecer”, Caiena, 27/04/1810. AN, Caiena, Caixa 1192. 822  Manuel Lucena Giraldo escreve que os empregado da coroa espanhola destacados para o serviço dasdemarcações de limites podiam levar para a América os “baúles de generala”. Segundo ele, esses “baúles degenerala” eram constituídos de mercadorias diversas que os oficiais podiam transportar consigo para negociar nacolônia para o “seu lucro pessoal”. Nesse caso, pode ser que a tripulação do navio “Santa Ana e Vigilante”

tivessem essa permissão para transportar mercadorias em suas acomodações sem a obrigação do pagamento defrete. GIRALDO, Manuel Lucena.  Laboratorio tropical: la expedición de limites a Orinoco (1750-1767). Espanha: Monte Avila Editores Latinoamericana, 1993, p. 268.823 Carta de João Teixeira de Melo ao Intendente de Caiena, Caiena, 04/04/1810. AN, Caiena, Caixa 1192.

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Bento, era dono de “8 sacas de algodão”. Um marinheiro e o prático eram donos de “3 sacas

de arroz” e “34 vaquetas e 5 paneiros de goma”, respectivamente. 824  Em seus recibos,

constavam que o frete dessa carga transportada no navio era grátis, entretanto eles deveriam

 pagar as despesas com o salvado. Depois de reaverem a sua propriedade, eles as venderam

 para a aduana de Caiena e logo tiveram por finalizada a sua participação nesse evento.

Os passageiros do navio também se apresentaram junto à alfândega para requerer os

seus bens. Nesse caso, eles preferiram encaminhar solicitações de licença para retirar a carga

dos armazéns públicos onde estavam para transportá-los a um armazém particular. O fim seria

o mesmo, a venda daqueles produtos aos negociantes de Caiena. O senhor Luis José da Cunha

solicitou ao Intendente de Caiena licença para retirar a sua carga, visto que “a mesmaalfândega se acha já bastantemente ocupada o suplicante pretende dar extração aos seus

efeitos extraídos para um armazém particular como não pode fazer sem licença”, por isso

 pedia para “tirar a sua carga do dito Armazém”.825 A carga consistia em “306 sacas de arroz

com 23 arrobas e 13 libras e 152 vaquetas”. Ele deve ter vendido a carga para o proprietário

do sobredito armazém, uma vez que não há referências sobre pagamentos ou outro recibo

entregue pela alfândega, apenas os gastos comuns com o resgate e o tempo que a carga ficou

no armazém.Aos proprietários que estavam ausentes, caberiam duas possibilidades acima citadas

 para resolver a situação em relação ao naufrágio: aguardar o recebimento do resultado da

venda da carga ou apresentar em Caiena um representante legal para requerer a carga ou o

resultado da sua venda. Nesse caso, os negociantes das praças de Lisboa e de São Luís

começaram a constituir procuradores na cidade de Belém para que fossem representados tanto

em Belém como em Caiena. Um desses negociantes foi Francisco Carneiro Homem de Souto

Maior que remetia pelo navio “20 sacas de algodão com 99 arrobas e 10 libras”.826 Essa carga

seria entregue em Lisboa a sua irmã, a “Ilustríssima senhora” dona Ana Joaquina Carneiro.827 

O valor do frete cobrado pela carga era de 800 reis por arroba.828 

824  Recibos diversos assinados pelo tesoureiro da duana de Caiena e documentos diversos assinados pelos passageiros do navio “Santa Anna e Vigilante”. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.825 Carta de Luis José da Cunha a Intendente de Caiena, Caiena, 05/04/1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01,1809-1831.826 Recibo. São Luís do Maranhão, 14/02/1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.827  Para uma análise sobre as alianças matrimoniais e as relações comerciais da família Souto-Maior no

Maranhão, ver: COSTA, Ariadne Ketini. Uma “casa” irlandesa no Maranhão: Estudo da trajetória da famíliaBelfort, 1736-1808. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2013. (Dissertação de Mestrado).828 O tabelião da cidade de Belém, Marcelino Herculano Perdigão, passou a receber as procurações e passar“Certidão em Pública Forma” e “Conhecimento de letra e assinatura” das procurações que foram feitas em

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Anos antes ao incidente, Ana Joaquina Carneiro havia passado procuração concedendo

“poderes em direito” para ser representada nos assuntos de dote e de partilha d e bens que

ficaram por falecimento de seus pais. Para isso constituiu a Antonio José Bastos “e na sua

falta a meu irmão o Ilustríssimo Francisco Carneiro Homem de Souto Maior e na ausência

deste a Bernardo José dos Santos e na de todos a José Caetano de Ne iva” para que eles

 passassem a representá-la na cidade de São Luis do Maranhão “ou em outra qualquer parte

que for necessário requerer”. Com base nessa procuração, o senhor Antonio José Bastos a

substabeleceu aos senhores Francisco José Gomes Pinto e a Marcelino dos Santos Lopes na

cidade do Pará, “os quais poderão substabelecer este em quem lhes parecer aonde convier”. 829 

O fato de substabelecer a procuração que lhe fora concedida garantia à senhora AnaJoaquina Carneiro que a procuração passada ao senhor Antonio José Bastos fosse subdivida

em quantas procurações fossem necessárias para assegurar a sua representação onde fosse

requerida. Nesse caso em particular, o negociante Francisco José Gomes Pinto, fora

constituído procurador em Belém para tratar de todas as questões referentes ao incidente do

naufrágio. Com o intuito de assegurar uma representação maior, concedeu “os poderes desta

 procuração da mesma forma que me são concedidos na vila de Caiena deste Estado ao Senhor

Antonio Pereira de Carvalho,

830

  ficando para mim sempre em seu vigor”. Essa nova procuração por substabelecimento poderia, se fosse necessário, se transformar em outra

 procuração e constituir outros procuradores para continuar representando-a.831 

Lisboa e em São Luís. Em função disso, as procurações desses negociantes foram transcritas e anexadas ao processo.829 “Certidão em Pública Forma”. Maranhão, 03/07/1813. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.830 Desde o início da Conquista, Antonio Pereira de Carvalho era o responsável pelo Armazém Geral de Caiena.APEP, Códice 653 (1810-1817). Caiena, 22/01/1810.831 “Certidão em pública forma virem que por Francisco José Gomes Pinto me foi apresentado uma procuraçãocom substabelecimento”. Pará, 05/10/1813. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

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Organograma 5.1: Procurações de Ana Joaquina Carneiro substabelecidas para Belém e

Caiena.

Fonte: AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

A estratégia utilizada pela senhora Ana Joaquina Carneiro para reaver o que lhe

 pertencia ao final da venda da carga deu certo. Visto que, na “Conta de pagamento do produto

líquido da salvação da carga”, entre as pessoas que haviam reclamado pelo “líquido dos

gêneros”, o nome do senhor Antonio Pereira de Carvalho constava como um dos que

receberam o que lhe competia, depois de abatido o valor do frete. 832 

O negociante Francisco José de Souza se utilizou da mesma estratégia de

substabelecer procuração para reaver os seus bens ou o que lhe cabia como resultado do

incidente do navio. Ele havia remetido para Lisboa “30 sacos de algodão com 133 arrobas e

28 libras, a frete de 800 réis por arroba”, para serem entregues ao senhor Antonio José Batista

de Sales ou a João Batista da Cunha Oliveira. 833  Ainda no mês de setembro de 1810, ele

 passou procuração para a cidade do Pará e constituiu como seus procuradores aos senhores

832 “Conta de pagamento do produto líquido da salvação da carga”. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809 -1831.APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818). Caiena, 27/01/1815.833 Recibo. Maranhão, 07/02/1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

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Jacinto José Ferreira, ao capitão João Manoel Rodrigues e a Francisco Pedro Ardasse.834 Eles

foram acionados  para atuar em defesa de seus interesses “em todas as dependências em que

for autor ou réu, principalmente, para receber trinta sacas de algodão, que carreguei no navio

“Santa Ana Vigilante”, que saiu deste porto, para a cidade de Lisboa”. 835 

Organograma 5.2: Procurações de Francisco José de Souza para Belém e Caiena.

Fonte: AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

 Na procuração também havia a possibilidade dos seus procuradores substabelecerem

“em um ou mais procuradores e revogá-los quando lhe parecer”. Diante dessa situação, um

dos seus procuradores, o senhor Jacinto José Ferreira, fez uso dessa prerrogativa. Jacinto José

Ferreira era capitão da sumaca “Gerais”, que estava aportada em Belém, e substabeleceu uma

 procuração para a cidade de Caiena ao senhor Senat e Companhia, negociante francês, “a

quem dava todos os poderes nela declarados ficando para ela sempre em seu vigor”.836 Tal

como no caso anterior, o senhor Senat conseguiu reaver o resultado da venda das mercadorias

que pertenciam ao negociante Francisco José de Souza.837 

Outros proprietários da carga passaram procurações em nome de negociantes de

Belém para serem representados junto à alfândega de Caiena. Para essas situações, os

834 Francisco Pedro Ardasse era negociante reconhecido na praça mercantil de Belém e possuía sócios na cidadede São Luís e Lisboa. Essas relações foram apresentadas no capítulo 3, sobre a relação comercial entre Belém eSão Luís.835 Procuração Bastante e Geral que faz Francisco José de Souza. Maranhão, 14/09/1810. AN, JCAFN, Caixa373, pct. 01, 1809-1831.836 “Termo de Substabelecimento”. Pará, 16/10/1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.837 “Conta de pagamento do produto líquido da salvação da carga”. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

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negociantes João de Araújo Rozo e Manuel Fernandes Vasconcelos foram constituídos

 procuradores de três negociantes de Lisboa e de São Luís, mas que também tinham

correspondentes em Londres, o que revela as conexões comerciais que esses sujeitos

entretinham. Francisco José Pinto era negociante de São Luís e despachou para Lisboa “10

sacas de algodão em pluma que fazia cinco arrobas e 24 libras, com frete de 640 reis por

arroba”. Essa carga deveria ser entregue em Lisboa a Manuel Fernandes e, na sua ausência,

deveria ser entregue a Diogo Burni, na Grã-Bretanha.838 O mesmo deveria ser feito com a

carga que Manuel Fernandes remetia para Lisboa. O negociante remetia “20 sacas de algodão

com 118 arrobas” pagando por frete 800 reis por arroba. Manuel Fernandes receberia a carga

em Lisboa, mas diante da sua falta, Diogo Burni, da Grã-Bretanha poderia ser o receptor dacarga.839  Em ambos os casos, os negociantes receberam letras de câmbio e tiveram por

resolvido o seu problema originado com o naufrágio do navio.

As requisições dos proprietários da carga se encerram diante das atuações de seus

 procuradores e o envio dos valores correspondentes às mercadorias. Entretanto, para os

 proprietários da carga que constituíram José Alves Viana como seu procurador e para ele

mesmo, proprietário do navio, a negociação se estendeu por alguns anos. Uma vez que José

Alves Viana passou a questionar as deliberações do Intendente de Caiena sobre a venda donavio e reclamava a falta de resposta às suas solicitações.

Ao ser questionado sobre como procedeu em relações às indenizações da carga e do

navio, o Intendente Geral de Caiena, Maciel da Costa, escreveu que o proprietário do navio, o

 português José Alves Viana, só havia se manifestado por carta que lhe foi enviada de Lisboa

com a data de 28 de julho de 1810, quando não poderia mais impedir que o navio fosse

vendido.840 Ressalta-se aqui que a venda em hasta pública da carga e do navio foi realizada

em Caiena entre os dias 18 de maio e 4 de junho de 1810.

 Na carta, José Alves Viana escrevia sobre “a lamentável notícia” que havia recebido

sobre o incidente ocorrido com o seu navio e os procedimentos adotados em relação à venda

da carga e da embarcação. Por mais que soubesse do procedimento utilizado pelo Intendente

de Caiena para salvar a embarcação e a sua carga, o proprietário ressaltava estar admirado por

“não se encontrar avaria nos Gêneros descarregados a vista da muita água, que diziam fazer o

 Navio, e esperava V.Sa. tão somente  achar alguma no Fundo, pois em tal caso devemos

838 Recibo. Maranhão, 20/02/1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.839 Procuração Bastante e Geral que faz Manoel Fernandes. Lisboa, 03/03/1812. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01,1809-1831.840 “Exposição...”. Op. Cit. 

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considerar que o Navio estará ainda capaz de qualquer concerto para seguir sua Viagem para

esta” cidade de Lisboa.841 

A solução indicada pelo Intendente para o proprietário do navio reaver o produto da

venda das mercadorias seria “procurar Letras sobre Londres para algumas d’essas Ilhas

Inglesas”. Este era o procedimento mais acertado, visto que o dono do navio tinha “naquela

cidade Fundos suficientes para o dito Efeito” e estava por encaminhar esta mesma solicitação

aos senhores Holfford Gonne e Companhia de Londres.842  Porém, pelo que foi relatado por

Maciel da Costa, o negociante inglês não se apresentou na administração da alfândega para

reclamar a carga do navio.843 

José Alves Viana se comprometia em escrever ao negociante inglês o quanto antes ealertava que as informações sobre o naufrágio lhe chegaram muito tarde, o deixando sem

orientações para resolver tal problema. Diante da incerteza sobre o andamento desse processo,

José Alves Viana concluía a sua carta enfatizando que por estar o Intendente “à testa deste

desgraçado lance, [tinha] ao menos esta consolação” de que ele seguiria “os meios mais

idôneos para [o] livrar de maiores prejuízos, o que espero de sua bondade, agradecendo a

V.Sa. todos esses incômodos, aflições que teve neste ocorrido”.844 

Após os andamentos da venda e da compensação dos gastos com a carga e o navio, onegociante José Lima Viana se mostrou completamente contrário ao que foi resolvido pelo

Intendente Geral de Caiena. Diante disso, ele passou a reclamar pela revisão da quantia que

foi estipulada para indenizar os “proprietários carregadores” dos gêneros que eram

transportados pelo navio quando ocorreu o naufrágio. O proprietário do navio passou a

encaminhar diversas reclamações e petições ao governo português em Lisboa para que fossem

revistas as decisões que foram tomadas em Caiena sobre o produto da carga que foi salva e

vendida.

Outros processos foram abertos em diferentes cidades tais como: Belém, São Luís e

Lisboa, visto ser necessário comprovar a propriedade da carga por meio de documentação

legal e com isso requerer o pagamento dos fundos resultantes da negociação da carga do navio

841  Carta de José Alves Viana ao Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da Costa. Lisboa,28.07.1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.842 O Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, em oficio para o Conde de Linhares, emBelém, comunicava sobre as relações comerciais que os franceses ainda entretinham com os comerciantesingleses. A casa Gonne e Companhia e a casa Alegre e Famie de França faziam grandes transações comerciais e possuíam várias propriedades em Caiena, porém essas propriedades passaram à administração portuguesa em

função da Conquista, em janeiro de 1809. Caiena, 28.11.1811. AN, Caiena, Caixa 1192.843 “Exposição...”. Op. Cit. 844  Carta de José Alves Viana ao Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da Costa. Lisboa,28.07.1810. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

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“Santa Anna e Vigilante”. Como apresentado, diversas procurações f oram enviadas ao

Intendente de Caiena para justificar a sua propriedade e receber o que lhe cabia, divisão que

foi registrada como encerrada apenas em 1815. José Alves Viana nomeou como seu

 procurador Constantino Guelfi e seu sócio José Joaquim Teixeira, “ambos de partida para as

Ilhas dos Açores,” para requerem no porto de Belém ou no de Caiena todos “os fundos da

negociação do navio ‘Santa Ana e Vigilante’, encalhado no porto de Organabo, do qual ele

outorgante foi proprietário e caixa, cuja cobrança farão de quaisquer autoridades, cofres,

depósitos ou de que direito for”.845 Guelfi era mestre do Barco “Paquete do Pará” e enviou

diversas cartas ao Intendente de Caiena para obter respostas sobre o andamento da

indenização que José Alves Viana requeria em suas representações.846

 Em uma de suas cartas, Guelfi relata ao intendente de Caiena sobre a mobilização dos

 proprietários da carga em Lisboa e que eles “estavam prontos a passarem recibos e assinarem

 procurações”, já em poder de Guelfi. Porém ainda aguardava a decisão de Maciel da Costa em

liberar os contos, ou letras, restantes “pela via do Pará, pois estes senhores estão esperando

 por isso”. A proposta de Guelfi era que se resolvesse o quanto antes o impasse para o envio

das letras restantes, visto que os negociantes estabelecidos em Lisboa, não tendo mais a quem

recorrer, passaram a escrever “desaforos com que (...) ultrajavam” Maciel da Costa “noCorreio Brasiliense e nas folhas Francesas”.847 Para concluir o seu pedido, apresentava uma

relação de negociantes para quem Maciel da Costa poderia enviar as letras que restavam para

as cidades da Bahia em nome de Rafael José Viana ou então para João Ferreira; em

Pernambuco, para José dos Santos Ribeiro ou Manoel Rodrigues d’Aguiar; no Rio de Janeiro

 para Domingos Antunes Guimarães ou Domingos José Loureiro ou para seus irmãos; no

Maranhão para Antonio Francisco de Sá ou José Gonçalves da Silva848 e no Pará ao Coronel

845 Procuração Bastante e Geral que faz José Alves Viana. Lisboa, 24/09/1813. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01,1809-1831.846 AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831. Em outras referências, Constantino Guelfi aparece como capitãode diversos navios com destino ao Pará. Em 1803, ele enviou requerimento “solicitando o pagamento dos prejuízos provocados com o naufrágio do bergantim “Espandarte Brilhante”, na costa do Grão-Pará”.AHU_ACL_CU_013, cx. 128, d. 9804, Lisboa, 29/11/1804.847 Após o exercício de sua administração em Caiena, João Severiano Maciel da Costa escreveu um folheto sedefendendo das acusações que lhes foram feitas, não só relacionadas aos procedimentos adotados nesse episódiodo naufrágio do navio, mas, principalmente, a respeito das intervenções e cobranças interpostas em Caiena. Ver:LYRA, Augusto Tavares de. Op. Cit. 848 Segundo o viajante, Henry Koster, o “coronel” José Gonçalves da Silva era “cavaleiro confesso da Ordem deCristo e depois comendador, fidalgo da Casa Real, Brigadeiro dos Reais Exércitos”, além de ser um dos “mais

 prestigiosos negociantes e plantadores” da cidade de São Luís. Além de plantações de algodão, o negociante possuía diversos sítios, além da fazenda “Bonito, no rio Iguará, distrito de Icatu” com mais de duas mil cabeçasde gado. As suas propriedades na cidade de São Luís contam com “uma capela de São José, alamedas, vinhedostamarineiras, captação d’água para irrigação e soberba residência confortável”. Em períodos de guerra, chegou a

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João de Araujo Rozo849  ou a Domingos José Antunes.850  Sendo que alguns desses nomes

indicados, eram de grandes negociantes estabelecidos na praças indicadas, mas com relações

comerciais nos portos de Lisboa e que, segundo a prerrogativa para poder passar Letras de

câmbio, eram “pessoas abonadas e de crédito”.851 

Organograma 5. 3: Relação de Negociantes para receberem letras e recibos em nome de

José Alves Viana.

Fonte: AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

O processo que José Alves Viana abriu em Lisboa contra as deliberações que o

Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, tomou em relação à venda donavio e da carga é representativo da articulação política e econômica que se tecia entre as

doar “1.800 sacos de arroz anuais e 58 moios de farinha de pão (mandioca)”. KOSTER, Henry. Viagens aonordeste do Brasil.  Vol. 1. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massagana, 2002, pp. 302-320.VIVEIROS, Jerônimo de.  História do Comércio do Maranhão (1612-1895). São Luís: Edição da AssociaçãoComercial do Maranhão, 1954, 268. GAIOSO, Raimundo José de Sousa. Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro (Coleção São Luis-1), 1970, p.115.849 Em 1807, o coronel João de Araujo Rozo teve problemas com alguns negociantes de Belém, isso porque osnegociantes de Belém queriam que o navio “Modesta”, do qual Rozo era o consignatário, ficasse alguns diasancorado no porto de Belém. Uma vez que, os negociantes de Belém haviam recebido informações para que não

deixassem embarcação alguma sair para os portos de Portugal, enquanto a situação política naquela metrópolecontinuasse incerta. Sobre essa questão, ver o capítulo 3.850 AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831, Lisboa, 07.03.1815.851 “Abaixo Assinados”. AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.

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diversas praças do Império português. De Lisboa, José Alves Viana conseguiu passar

 procurações para negociantes e mestres de embarcações com destino às Américas,

encaminhou pedidos ao secretário de governo do Reino de Portugal, D. Miguel Pereira Forjáz

Coutinho, para avaliar o comportamento do Intendente Geral que continuava retardando a

entrega dos documentos e da indenização fruto da venda do seu navio naquela colônia.

Argumentava José Alves Viana que havia chegado ao seu conhecimento que o

Intendente havia feito “especulação para África”, para onde teria enviado uma quantia em

dinheiro e em gêneros e produtos para comercializar (“tabaco traçado, espingardas e outros

efeitos diversos da carregação do Navio Santa Anna Vigilante [ilegível] em Arroz e algodão

que os Africanos não quiseram”). O Intendente se defendeu das acusações explicando que umnegociante de Caiena, Mr. Jonathan Barry,852 que o teria feito, mas que não havia tido sorte

nesse comércio, assim como nos outros em que costumava se ater este negociante francês. O

Intendente argumentava que o negociante francês é “honrado, mas infeliz desta Colônia, e que

o foi também nessa especulação”, por isso Maciel da Costa se defende das acusações

afirmando que se queria mesmo realizar um comércio grande como esse “não procuraria um

negociante infeliz, e uma operação tão mesquinha”.853 

O episódio do naufrágio permitiu que negociantes, ou grupos de negociantes,emergissem dos processos por eles elaborados para uma situação presente numa dimensão

mais ampla: as relações comerciais entre o Pará, São Luís, Lisboa e a região do Caribe.

Entretanto, as relações sociais tecidas por esses sujeitos, as alianças firmadas e os controles

que se instituem ainda carecem de mais informações.

A singularidade do naufrágio do navio “Santa Anna e Vigilante” consiste na

documentação que foi gerada. Esse corpo documental apresenta a contestação dos

comerciantes proprietários da carga do navio, vendida aos negociantes de Caiena, assim como

indica o contexto em que toda essa relação ocorreu. A partir do protesto formalizado pelos

negociantes de Lisboa e de São Luis, surgem nomes de diversos homens de negócio que

atuavam nas praças mercantis dessa região, assim como as conexões existentes entre estas

 praças. Desse modo, as relações comerciais existentes entre os grupos de negociantes no

Grão-Pará, na Guiana Francesa e no Maranhão passam a ser visíveis. Pode-se inferir que esses

negociantes pertençam a uma elite local com negócios e redes comerciais com outras praças

852 Quando o Sr. Barry efetuou essa viagem para a África, os ingleses “o embaraçaram desta negociação por elenão ser português”. APEP, Códice, 647: Correspondência da Metrópole com os Governadores (1809-1810),Caiena, 17/11/1810.853 AHU_ACL_CU_013, cx. 145, d. 11035, Pará, 26/08/1813.

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mercantis para além de Caiena e Belém, como ficou registrado nas procurações que os

negociantes de São Luís passaram aos negociantes de Belém e nas procurações

substabelecidas que ampliam ainda mais essa esfera de atuação desses sujeitos.

A formação de uma elite local articulando as praças de Belém e de São Luis pode ser

 pensada a partir das estratégias de casamentos firmadas por esses grupos de negociantes. As

relações parentais concorreriam para firmar essas alianças locais e articular “redes de alianças

supracapitanias”. Segundo Fragoso, em sua análise sobre as elites do centro -sul da América

 portuguesa, o estudo mais aprofundado das redes de alianças parentais pode elucidar outras

questões dessas relações, atentando também para cultura política do contexto em questão. 854 

 Nesse sentido, o estudo sobre as relações comerciais envolvendo as praças de Caiena e deBelém pode elucidar outras questões que também perpassam por relações não-econômicas.

De uma forma diferenciada aos trabalhos já realizados sobre o tema, é possível

 perceber as relações comerciais desses sujeitos “como resultado de uma constante negociação,

manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante uma realidade normativa que, embora

difusa, não obstante oferece muitas possibilidades de interpretações e liberdades pessoais”.855 

Atentando para as redes856  sociais que esses indivíduos tecem com outros grupos sociais e

como se percebem dentro desses grupos e do contexto aqui privilegiado.Com base nas informações trocadas entre as autoridades portuguesas, foi possível

conhecer a dimensão das atividades comerciais realizadas naquela região, que segue desde a

costa do Grão-Pará à cidade de Caiena, assim como a existência de ramificações desse

854  FRAGOSO, João. “‘Elites econômicas’ em finais do século XVIII: Mercado e política no centro -sul daAmérica lusa. Notas de uma pesquisa”. Op. Cit. p. 862. 855  LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história”. In: BURKE, Peter (org.).  A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p.135.856 O conceito de rede nessa relação que se estabelece entre os negociantes de Belém e de outras praças reforçaas estratégias e as sociedades que são construídas e firmadas através das trocas comerciais e sociais. Para ManuelBustos Rodríguez, a ideia de rede se configura a partir de “uma malha sutil, formada de polos diversosinterconectados entre si e através de fluxos de diferentes direções, saltando por cima das fronteiras tradicionais,capazes de criar vínculos mútuos de caráter clientelar e/ou de fidelidade, de âmbito, às vezes (...) transnacional”.RODRÍGUEZ, Manuel Bustos. “La problemática acerca de los comerciantes de La Carrera de Indias”. In:SOLANA, Ana Crespo (Coor.). Comunidades transnacionales: colonias de mercaderes extranjeros em el mundoAtlántico (1500-1830). Madrid: Ediciones Doce Calles, 2010, pp. 29-46. Ao longo das análises elaboradas nesseestudo, a rede que os negociantes da praça de Belém tecem articula e conecta vários polos e estendem as suas práticas mercantis para outras praças na América portuguesa, Caribe e Europa. Fábio Pesavento analisa aarticulação mercantil além da fronteira da América portuguesa ao conceituar essas redes como transimperiais eas suas subdivisões (intra e extra-imperiais). PESAVENTO, Fábio. Op. Cit., pp. 98-99. Nesse caso, ao searticular essa rede de negócios com diferentes espaços as barreiras impostas pelo controle do deslocamento

desses sujeitos são transpostas, favorecendo a troca de mercadorias, de pessoas, de informações e de ideias.Fazer parte de uma rede possibilita criar vínculos em diferentes lugares, pois além da participação de grandesnegociantes estruturando essas redes, outros sujeitos passam a compor essa trama, o que permite estar emdiferentes circuitos.

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comércio para outros portos da região caraibo-amazônica e as suas conexões (entre o

Maranhão e o Caribe). Ciro Cardoso escreve sobre essas ramificações do comércio de

reexportação de víveres e de mão de obra entre Caiena e outras áreas do Caribe como

Suriname e Martinica.857 As informações sobre as ações de corsários nesse circuito também

 permite conhecer as relações comerciais que se estabeleciam entre os portos do Caribe, dos

Estados Unidos e do Brasil.858 

Analisar os grupos de comerciantes estabelecidos em Caiena e Belém possibilita

elaborar comparações sobre como esses grupos se comportam e se articulam diante as

situações apresentadas pelo contexto político que as duas colônias vivenciam nesse período.

As relações econômicas que se entretecem entre os negociantes das duas praças podem serentendidas com base nas indicações de Fredrik Barth, por afirmar que as formas de

comportamento dos grupos “refletem as circunstâncias externas às quais os atores têm que s e

acomodar”.859 Tais comportamentos são representativos das estratégias e dos valores que os

sujeitos lançaram mão para otimizar os seus ganhos, tanto diante das trocas comerciais por

eles realizadas durante o contexto da conquista como das relações sociais que se entretecem

entre os grupos. Algumas dessas trocas sociais que expressam a interação dos dois grupos

 passam a ser documentadas e registradas pelos administradores locais.O contexto da conquista possibilita um estreitamento das relações comerciais entre os

negociantes de Caiena e de Belém, até então considerada ilegal em função dos tratados entre

as duas possessões, mas que nem por isso impedia que os sujeitos fixados nessa área fizessem

trocas comerciais e tivessem laços sociais. As estratégias aplicadas para contornar o controle

sobre o comércio e as incertezas da situação política presente nas duas praças podem ser

significativas para perceber que comportamentos passaram a ser institucionalizados pelos

indivíduos e pelos seus grupos num momento de mudança política e social. Barth escreve que

“para entender a mudança social, o que precisamos fazer (...) é descrever toda a sociedade em

termos tais que nós vejamos como ela persiste, se mantém e muda com o tempo”. 860 Nesse

caso, para se perceber os eventos da mudança social e, a partir disso, entender como as

transformações na sociedade tomam forma, Barth sugere o uso de conceitos capazes de

retratar a sociedade como um conjunto de frequências de interações mantidas pelos sujeitos ao

857 CARDOSO, Ciro. Op. Cit. 858 Esse ponto será discutido em outro item desse capítulo.859  BARTH, Fredrik. O guru e o iniciador e outras variações antropológicas.   Rio de Janeiro: Contra CapaLivraria, 2000, p. 30.860 BARTH, Fredrik.  Process and form in social life. Londres: Routledg & Kegaqn Paul, vol. 1, 2003, p. 105.(tradução livre).

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longo do tempo. Sendo assim, é possível observar e descrever os eventos de mudança a partir

das ações dos sujeitos que passaram a ser descritas pelas autoridades. 861 

A documentação sobre a administração da Conquista pouco reflete este quadro de

mudanças para Caiena, embora tenha passado a ser realizado por uma junta composta de

negociantes e juristas franceses, sob o comando do intendente geral João Severiano Maciel da

Costa.862  Porém, a descrição das atividades dos negociantes e administradores atuantes na

Conquista é que torna possível perceber os eventos de mudança operados naquela sociedade.

Tal documentação apresenta as diferentes questões tratadas pela administração sobre outros

 pontos inerentes à presença portuguesa na Guiana Francesa, como a arrecadação de impostos,

a produção agrícola, as transações comerciais, os problemas de abastecimento da cidade e a própria administração local. Diante das informações administrativas, o cotidiano da cidade é

apresentado, assim como as atividades comerciais que os negociantes entretecem para além da

cidade de Caiena.

Sendo essas informações que permitem, a priori, estabelecer que possíveis alterações a

sociedade de Caiena experimentou com a presença de portugueses, assim como as mudanças

que a cidade de Belém registrou, visto que parte das relações comerciais e recursos

administrativos (pagamentos de soldos e abastecimentos das tropas) foram redirecionados para a Conquista. Pode-se argumentar que a atuação de João Severiano Maciel da Costa tenha

sido singular na administração de Caiena por seu incentivo às atividades comerciais entre as

duas praças e o envio constante de especiarias de Caiena para o Pará e Rio de Janeiro.863 Com

861  Idem, p. 110.862 CARDOSO, Ciro. Op. Cit. 863  João Severiano Maciel da Costa, Visconde de Queluz, integrou o “primeiro Conselho de Estado do Brasilindependente”. A sua família fazia parte da “antiga nobreza da terra” e que ao longo dos tempos passou a firmar“alianças parentais que lhes assegurava um poder supracapitanias”. Ver: FRAGOSO, João. “‘Elites econômicas’

em finais do século XVIII: Mercado e política no centro-sul da América lusa. Notas de uma pesquisa”. In:JANCSÓ, István. (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec: FAPESP, 2005, pp. 849-879. Durante a sua vida exerceu os cargos de “desembargador do Paço e deputado a Mesa da Consciência eOrdens, o de fiscal da Junta dos Arsenais do Exercito, Fábricas e Fundições”. Na sua carreira política atuoucomo deputado na Constituinte de 1823, conselheiro de Estado e ministro do Império, presidente da Bahia,senador pela Paraíba e ministro dos Negócios Estrangeiros e da Fazenda. Em 1810, Maciel da Costa passou aatuar como Intendente Geral na Guiana Francesa durante a Conquista. Esteve diretamente relacionado aos projetos de desenvolvimento econômico para aquela região, o que se refletiu nos mapas da balança comercial dePortugal. Apesar de haver descompassos entre as importações e as exportações, as atividades comerciaisentretidas no porto de Caiena possibilitaram o contato entre negociantes luso-brasileiros e das Antilhas. Afirmeza com que tratou das finanças e os custos de manter a Conquista fez com que fosse acusado de ser“violento e intolerante” durante a sua administração, pois chegou a confiscar propriedades francesas de colonosexilados, o que contrariava um artigo da capitulação. Hypólito da Costa, um de seus defensores, argumentava

que as medidas empregadas na Guiana Francesa para cobrança de impostos não foram iguais às disposições queos franceses impuseram em Portugal durante a invasão. Sobre as acusações de enriquecimento ilícito, continuousua defesa argumentando que o seu soldo de Intendente Geral era pago em espécie, lhe favorecendo meios pararealizar um lucrativo comércio com os ingleses. LYRA, Augusto Tavares de. Op. Cit. 

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 base nas indicações de Giovanni Levi sobre a ação dos mediadores articulando a sociedade

local com os centros de poder, aqui se ressalta a atuação de João Severiano Maciel da Costa

como um mediador nessa sociedade. Por ser a principal figura da administração portuguesa na

Conquista, Maciel da Costa desempenhou as suas atividades de intendente, além de atuar nas

mediações entre os diferentes grupos de negociantes presentes em Caiena (portugueses,

franceses e ingleses). O Brigadeiro Maciel da Costa esteve presente principalmente na

condução e nos desdobramentos das representações de negociantes de Lisboa e de São Luís

 para reaverem os bens naufragados na costa de Caiena.

Segundo Barth, as ações desenvolvidas no cotidiano dos sujeitos são observadas como

“resultante do comportamento de vários atores, separadamente moldando seus próprios atosde acordo com a visão subjetiva das oportunidades oferecidas pelo mundo e pela

sociedade”.864 Nesse caso, a interação que se estabelece entre os grupos de negociantes das

duas praças aqui destacadas pode tornar perceptível como eles se identificam como grupo e

quais as diferenças que são possíveis de se verificar diante as relações comerciais que

entretecem com os outros grupos.

Barth escreve que, “pertencer a uma categoria étnica implica ser um certo tipo de

 pessoa e ter determinada identidade básica, isto também implica reivindicar ser julgado e julgar-se a si mesmo de acordo com os padrões que são relevantes para tal identidade”. Nesse

sentido, as interações entre os sujeitos e os diferentes grupos possibilitam que as diferenças

 permaneçam e que as suas identidades sejam reforçadas tanto pelos integrantes dos grupos

como pelos sujeitos com quem entretecem relações comerciais. 865 

O reconhecimento866 dos negociantes de Caiena e de Belém é possível por meio das

caracterizações expressas na documentação coletada. O grupo de negociantes da praça de

Caiena é reconhecido como um grupo estabelecido pelo próprio Intendente Geral de Caiena,

João Severiano Maciel da Costa. Diante das pendências referentes ao naufrágio do navio

864 BARTH, Fredrik. Process and form in social life. Op. Cit. p. 30. (tradução livre).865 Idem, p. 32.866  Para Elias, a questão da autoimagem é o princípio para manter a coesão do grupo ao se atribuir“características humanas superiores”, gozar do “carisma do grupo” e, com isso, legitimar o controle social pormeio da “fofoca elogiosa”. Para o autor, o grupo superior passa a ditar normas para o restante da sociedade e ogrupo excluído dessa relação aceita o estigma de inferior, anômico por não ser, nem apresentar a coesão grupaldos estabelecidos.  No entanto, Elias afirma que o “grupo só pode estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é excluído”. Para tanto, o discurso deantiguidade de associação, de tradição atuavam como um fator de coesão para o grupo estabelecido, pois a partir

disso este grupo se agregava a uma identidade “coletiva e as normas comuns capazes de induzir à euforiagratificante que acompanha a consciência de pertencer a um grupo de valor superior, com o desprezocomplementar por outros grupos”. ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEd., 2000, pp. 21-23.

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“Santa Anna e Vigilante”, o Intendente responde ao governador do Estado do Grão-Pará que

os negociantes de Caiena o auxiliaram no resgate da carga do navio e só foi possível pela

“humanidade e espírito empreendedor dos senhores Lejeunne Power e Companhia,

 Negociantes respeitáveis desta Vila” e ao senhor Brue Tonat, outro negociante reconhecido

daquela praça.867 

Outro ponto de reconhecimento foi atribuído aos negociantes de Belém, agora pelo

 próprio governador do Estado, ao documentar para a secretaria dos Negócios Estrangeiros as

doações que os negociantes de Belém fizeram para as despesas do Estado e da Guerra, por

ocasião das ameaças de invasão francesa do território contestado. No relatório, o governador

listava os nomes dos negociantes e a contribuição que havia sido feita, além de pequenoscomentários sobre o que foi doado e sobre o doador. Essa última observação serviria para que

“pelas quantidades oferecidas se notam aqueles que pelos seus Donativos merecem alguma

 particular contemplação às graças de S.A.R., e outros que pela mediocridade dos mesmos à

 proporção de suas forças e esta belecimentos”, pouco haviam contribuído para a ocupação.868 

Cabe ressaltar a descrição feita para o negociante Ambrósio Henriques,869  a qual é

significativa desse reconhecimento e carisma, visto que ele era o “Proprietário da maior casa,

ou que faz o maior vulto nesta Capitania pelos seus muitos e grandes estabelecimentos (...) oque pode julgar-se do Patriotismo e verdadeira generosidade deste homem”. No entanto,

descrição diferente foi feita para o negociante João de Deus da Silva, “este homem é tido por

um dos ricos avarentos desta Cidade; não obstante o acaso fez com que eu tivesse com ele

uma conferência em que preguei tudo quanto pôde ministrar-me o meu entusiasmo

Patriótico”. Nesse sentido, foi pensado um mapeamento das relações sociais que os

negociantes de ambas as praças entretecem com seus grupos e qual o comportamento

impresso na sociedade da qual fazem parte. Do mesmo modo, perceberam-se as hierarquias

internas e as tensões que existiam dentro dos grupos, principalmente em relação aos

negociantes de Belém que ocuparam espaço no comércio com Caiena e suas conexões.

867  “Exposição dos meios empregados pela Intendência Geral de Caiena em socorro do Navio Santa AnnaVigilante, saído do Maranhão e naufragado nesta Costa, e bem assim a conta do que se salvou”. Caiena,03.06.1811. AN, Caiena, Caixa 1192, documento impresso.868 Pará, 16.03.1810. AN, Ministério do Reine e Império Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833).869 Ao longo deste estudo, o negociante Ambrósio Henrique esteve envolvido em diversos ramos do comércio da

capitania do Pará, Maranhão e Mato Grosso para onde era convidado pelos governadores da capitania parainvestir na navegação e comércio no Estado do Grão-Pará. Entretanto, ele não teve atuação comercial em Caiena,em função do seu falecimento nesse mesmo contexto. O seu neto, Ambrósio Henriques da Silva Pombo, deucontinuidade às atividades comerciais do avô.

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Quanto maior o grau de coesão do grupo, maiores se expressam as relações de poder

dos indivíduos com os outros. Diante disso, Elias escreve que um maior grau de coesão social

“permite que esse grupo reserve para os seus membros as posições sociais com potencial de

 poder mais elevado e de outro tipo, o que vem reforçar sua coesão, e excluir dessas posições

os membros dos outros grupos”.870 Assim, essa coesão grupal serve para garantir as diferenças

entre o “nós e os outros” , como também para reforçar a análise do autor sobre o papel dos

indivíduos nesses laços de interdependência. Nesse sentido, o indivíduo para gozar do

“carisma do grupo” deve se submeter às obrigações e às normas grupais dos do minantes.

Pode-se pensar que a ação dos indivíduos e a sua inter-relação estão condicionadas ao grupo

social do qual fazem parte. Assim, os laços sociais que os negociantes destacados para essa pesquisa estabelecem com outros indivíduos podem ser representativos dessa coesão a partir

das redes de relações que eles estabelecem com seus grupos.

A documentação produzida por comerciantes e autoridades que atuavam nessas áreas

 permite perceber as estratégias dos negociantes para ampliar as suas redes de atuação, para

reaverem a carga arrematada ou retida em situações de naufrágios das suas embarcações,

assim como para articular os seus grupos de negociantes a outros grupos estabelecidos em

outras praças comerciais. Tal perspectiva pode ser entendida diante das estratégias adotadas pela senhora Ana Joaquina Carneiro e pelo negociante de Lisboa, Francisco José de Souza,

que usaram de mecanismos permitidos na procuração para ampliar o seu raio de influência e

de atuação. A procuração por substabelecimento serviu no caso do naufrágio da “Santa Ana e

Vigilante” para ampliar as redes de negociação desses sujeitos e, com isso, garantir os seus

interesses. Nota-se que esse tipo de procuração articula indivíduos atuantes em áreas distintas

e, em algumas situações, até então desconhecidos.

Revel sugere uma nova perspectiva de análise para entender as identidades dos grupos

como uma construção que parte das experiências sociais dos indivíduos e de sua relação com

o seu grupo e com outros sujeitos, o que possibilita uma articulação entre a experiência

singular e a ação coletiva.871 Ressalta-se que dentro dessa perspectiva o indivíduo não excede

os recursos, as obrigações e as estratégias que o grupo disponibiliza para nortear seus valores,

no entanto, segundo Revel, a identidade do grupo também passa por processos de negociação

e de constante construção.872 

870ELIAS, Norbert. OP. Cit., p. 12.871 REVEL, Jacques. “Apresentação”. Op. Cit. p. 10.872 REVEL, Jacques. “Microanálise e construção do social”. In: REVEL, Jacques (Org.). Op. Cit., p. 22.

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A análise micro para as relações comerciais entre as duas colônias permite identificar

a constituição dos grupos de negociantes a partir das relações que são tecidas entre eles e os

outros sujeitos, tanto para o contexto de Caiena como para o de Belém. Visto que as

ramificações do comércio dessas duas praças lançam esses negociantes em contato com

outros sujeitos com experiências e cotidianos diversos aos que vivenciam em suas realidades

sociais. Os processos gerados por negociantes que têm suas embarcações naufragadas

 permitem conhecer essas relações comerciais para além de suas áreas de atuação, como o que

ocorreu com o navio, entre a costa do Grão-Pará e às proximidades de Caiena em 1810, como

foi discutido anteriormente. A partir do processo gerado pela venda da carga desse navio foi

 possível identificar alguns negociantes das praças de Caiena e de Belém, assim como as suasdiversas articulações com a cidade de São Luis, Londres e Lisboa.

Os diversos relatos sobre a atuação de corsários franceses e de naufrágios de

embarcações portuguesas na costa da capitania do Grão-Pará também geraram informações

 pertinentes para o objetivo destacado nesse capítulo, assim como perceber as articulações

entre negociantes que tiveram suas mercadorias apresadas. A coleta dessa documentação

 possibilitou acompanhar os “itinerários individuais” dos negociantes que tiveram as suas

cargas e embarcações completamente perdidas, ao serem apresadas pelos corsários franceses.Ao se buscar a construção desses itinerários, é possível perceber a “multiplicidade das

experiências, a pluralidade de seus contextos de referência, as contradições internas e externas

das quais elas são portadoras”.873 

De acordo com Revel, as indicações de trajetórias individuais possibilitam pensar a

articulação entre os sujeitos e, a partir de diferentes informações sobre eles, “tentar

compreender de que maneira esse detalhe individual, aqueles retalhos de experiências dão

acesso a lógicas sociais e simbólicas que são as lógicas do grupo, ou mesmo de conjuntos

muito maiores”.874 À luz de um evento, como o naufrágio, uma parte das relações comerciais

que tiveram lugar entre os negociantes de Caiena e de Belém foram ressaltadas. Esses

itinerários foram refeitos com base nas representações apresentadas pelos negociantes

envolvidos nessas situações de perda e de incerteza diante às ações de corso, como também de

suas estratégias nas situações de associação e nas construções de redes sociais para diminuir

as incertezas desse contexto.

873 Idem.874 REVEL, Jacques. “Apresentação”. Op. Cit. p. 13.

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As redes sociais tecidas no cotidiano das relações comerciais entre franceses e

negociantes de Belém podem ser identificadas a partir dos relatos das autoridades de ambas as

cidades. Para tanto, durante a Conquista, percebe-se pela documentação que os portugueses

 produziram algumas diferenciações na atuação dos negociantes em Caiena e na sua relação

com outras colônias. As relações existentes em Caiena são descritas apenas pelas autoridades

 portuguesas, o que impossibilita perceber as particularidades das relações culturais dos

franceses diante as relações econômicas.

Diante das questões políticas traçadas entre Portugal e França, pretende-se entender o

cotidiano desses sujeitos e as suas estratégias para dinamizar e transformar as práticas

comerciais que teciam com outros sujeitos num contexto de incertezas diante os conflitos políticos que experimentaram. Tal perspectiva é proposta por Levi, visto que nesses contextos

tanto o poder central como a sociedade local passam por transformações. Levi indica que “os

conflitos e as contradições vêm acompanhadas da contínua formação de novos níveis de

equilíbrio, instavelmente sujeitos a novas rupturas”.875  As fissuras e contradições dentro

dessas relações podem ser significativas o bastante para que, uma vez constituída, possam

fazer parte das normas sociais.

 Nesse sentido, a proibição do comércio entre as duas colônias não era respeitada, a ponto de serem comuns as informações sobre o comércio entre elas, o qual era realizado de

forma clandestina. Após a Conquista, as relações comerciais que se fixaram entre os

negociantes de ambas as colônias e as outras possessões não foram eliminadas, pois

condicionaram determinadas ações que serviram para reafirmá-las e impulsioná-las no

decorrer do século XIX, principalmente o comércio de víveres realizado entre os negociantes

estabelecidos na Ilha do Marajó e os negociantes de Caiena.

Segundo Levi, há uma “racionalidade específica” do mundo dos sujeitos em análise, a

qual se pauta não apenas nas relações de resistência às normas, como também atuando na sua

“transformação e utilização do mundo social e natural”, onde se estabelece o espaço para a

negociação e para as escolhas dos sujeitos, ou seja, as estratégias que afloram em situações de

incertezas ou imprevisibilidades.876  Sendo assim, essa racionalidade também pode ser

 percebida pelas limitações que o próprio contexto vivido impõe aos seus indivíduos e aos

grupos para agir em meio às normas sociais. Pode-se argumentar que as ações e as

875  LEVI, Giovanni.  A Herança Imaterial: Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII . Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 45.876 Idem, p.45.

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negociações dos indivíduos devem ser pensadas como uma das escolhas tida com a mais

 possível de se ter sucesso em meio às restrições que o sistema normativo apresenta aos seus

indivíduos e ao grupo do qual fazem parte e compartilham certos valores.

Em relação a isso, o naufrágio do navio, as cartas, os ofícios e as solicitações para

obter mais informações sobre o navio e a carga podem ser entendidos, diante uma gama de

 possibilidades, como a opção mais válida para que os negociantes de Belém, São Luis e

Lisboa pudessem reaver a carga do navio. Nesse caso, seria uma forma de diminuir as

incertezas que vivenciavam desde o momento do naufrágio. Mesmo nas situações em que o

dono do navio, o português José Alves Viana, passava procurações, enviava petições ao

governo português em Lisboa ou encaminhava suas cartas ao Intendente de Caiena, era orecurso que fazia uso para resolver a situação que se arrastava por cinco anos. Nesse caso, a

forma que o proprietário do navio apresentava as suas queixas, tanto ao Intendente como ao

governo em Lisboa, pode não ter sido a melhor estratégia a ser utilizada, visto que nas cartas e

nas petições enviadas era comum o negociante José Alves Viana fazer críticas às atuações do

Intendente que estava tratando de sua situação.877  Entretanto o centro do poder havia se

deslocado para a América, como anotado anteriormente, o contexto em que se desenvolvem

essas questões “é único da história de Portugal”, o que provocou uma “redefinição delealdades e um reposicionamento do locus de poder”.878 As estratégias de José Alves Viana

não acompanharam essa perspectiva, o que deve ter levado ao fracasso das suas

reivindicações.

 Num contexto de conflitos, as pessoas que atuam em sociedade tendem a mudar as

suas estratégias diante as situações de incerteza. Para Levi, as relações são generativas. Por

isso, a constante transformação das normas é uma forma de diminuir as incertezas que se

apresentam no cotidiano dos indivíduos. Quando o indivíduo ou seu grupo cristalizam as suas

ações, eles tendem ao fracasso. No quadro das articulações entre os diferentes grupos tem-se o

indivíduo que sobressai ao grupo, mas sem exceder os recursos e valores que o próprio grupo

disponibiliza. Nesse caso, o mediador, que atua entre o poder central e a sociedade local, sabe

articular e aplicar os recursos que possui para ter, em situações de crise, a capacidade de

amenizar e de transformar as suas estratégias e continuar servindo de elo entre as normas

gerais e a localidade onde entretece suas relações sociais e comerciais.879 

877 AN, JCAFN, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.878 SCHULTZ, Kristen. Op. Cit., p. 125.879 LEVI, Giovanni. Op. Cit., p. 51.

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 No processo relacionado ao naufrágio, pode-se conjecturar que o negociante francês

que é chamado pelo Intendente para ajudar no resgate da carga e, posteriormente, na venda do

que foi recuperado atuasse como um mediador entre os negociantes de Caiena e os de Belém

ou mesmo entre os interessados na carga do navio e o Intendente Geral. Lejeunne Power

costuma aparecer nas fontes sobre a ocupação de Caiena880  como um negociante muito

reconhecido naquela praça. As autoridades portuguesas em Caiena fazem referências à casa

comercial de Lejeunne Power & Companhia. No entanto, as informações sobre esse

negociante variam em cada documentação.

Segundo Carlo Ginzburg, diante da fragmentação das fontes, os indivíduos são

apresentados de diferentes formas dependendo da natureza da fonte que se investiga. Osregistros civis, os cadastrais e os autos apresentam o indivíduo em situações esparsas, porém

mesmo em fontes mais complexas em riquezas de detalhes como os processos criminais, o

 pesquisador pode “perder a complexidade das relações que ligam um indivíduo a uma

sociedade determinada”. Nesse caso, “as séries documentais podem sobrepor -se no tempo e

no espaço de modo a permitir-nos encontrar o mesmo indivíduo ou grupos de indivíduos em

contextos sociais diversos” e o que guia o  pesquisador nessa busca e diferenciação entre os

indivíduos é o “nome”. Ginzburg escreve que a busca pelo nome possibilita a reconstituiçãodas estratégias desses indivíduos, mas como o “trajeto pode começar em qualquer ponto da

cadeia”, o autor sugere que ele comece nos arquivos paroquiais.881  No entanto, para esse

estudo, buscou-se um processo relativo ao naufrágio que foi aberto para apurar a

responsabilidade do capitão sobre o ocorrido, avaliar as perdas da carga e do navio para que

seus proprietários fossem indenizados, assim como apresentar os negociantes que

 participaram dos leilões da carga.

O processo do naufrágio forneceu elementos para elencar uma parte dos negociantes

que atuavam nessas praças, na medida em que a listagem com os nomes de negociantes

franceses, ingleses e portugueses (das praças de Lisboa, Belém e São Luis) que atuavam nesse

circuito mercantil passaram a compor as trocas de missivas oficiais. Em função das

informações apresentadas nessa documentação, os nomes dos negociantes destacados nessas

listagens indicaram que eles tinham estabelecimentos reconhecidos em suas praças,

independente deles terem sido apresentados numa situação inusitada como a discutida aqui (o

naufrágio de uma embarcação carregada de gêneros passíveis de venda para outros portos da

880 AN, fundo Caiena, Caixa 1192 e códice 89.881 GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989, pp. 171-178.

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região). Ressalta-se que as informações contidas nessa documentação permitiram que se

construíssem breves trajetórias desses sujeitos, como organizavam as suas redes de relações

comercias e, principalmente, como esses grupos de negociantes franceses se integravam

dentro desse circuito mercantil e para além dele.

Além disso, foi possível vislumbrar as relações e as mediações mantidas por esses

sujeitos, as aproximações que permitiram aos negociantes de São Luís passar procurações

 para os negociantes de Belém e desta para a cidade de Caiena, para reaverem os seus produtos

ou resultado da venda deles. Outro ponto que a documentação permitiu analisar foi a

construção das redes de relações desses sujeitos entre negociantes estabelecidos em outros

 portos do Caribe e da Europa. Entender o significado que essas redes de relações tinham paraesses grupos é relevante nesse estudo, visto que “a análise das redes de relações pode se tornar

o caminho para desenhar –  finalmente de maneira contextual  –  o horizonte social dos atores,

 para definir seus interesses para além de sua profissão ou de seu estatuto social”.882 Nesse

sentido, o cruzamento dessas informações com outras fontes sugere um painel diversificado

desse circuito mercantil. Mas também acena para o entendimento sobre os recursos que esses

grupos passam a construir dentro desse contexto, em que a administração de Caiena ficou sob

o controle dos portugueses.O processo sobre o naufrágio da embarcação se tornou representativo a partir das

informações e das tramas que são expressas pelos sujeitos envolvidos na arrematação da carga

e na reivindicação dela. A partir de processos de naufrágio foi possível identificar os

 proprietários das embarcações, os negociantes consignatários da carga, as relações que

entretinham com negociantes de outras praças, bem como a carga que era transportada e as

estratégias que foram utilizadas diante as situações de perda, de conflitos e da organização de

sociedades.

Simona Cerutti escreve que “a utilização de classificações profissionais como

elementos descritivos precede aí a análise detalhada dos diferentes aspectos da vida da cidade

que o pesquisador se propõe examinar”.883 Nesse sentido, classificar os negociantes a partir

dos produtos que negociam e dos portos onde atuam permitiu entender como as praças

comerciais estavam organizadas, como os sujeitos controlavam as suas relações comercias e a

 pensar sobre a existência de “escalas de hierarquias” dentro desses grupos. Nesse sentido,

882 CERUTTI, Simona, “Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim no século XVII”. In:REVEL, Jacques (org.). Op. Cit., p. 183.883 Idem. 176.

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 buscou-se verificar nos processos sobre o naufrágio as relações sociais que os negociantes

estabeleciam nas suas áreas de atuação, procurando destacar como as relações sociais

 perpassam pelas atividades econômicas. Polanyi afirma que “a economia do homem, como

regra, está submersa em suas relações sociais”,884 para tanto é também objetivo desse capítulo

entender como essas relações sociais são construídas e como elas se apresentam diante de

situações não-econômicas.

5.3- Contexto da Guerra e a redef inição do transporte de mercador ias: o contr ol e

das embarcações e a ação de corsários na costa do Grão-Pará.

A partir das discussões de Polanyi sobre as relações econômicas em sociedades pré-

capitalistas, percebe-se que o funcionamento do mercado operava não apenas seguindo as

regras de oferta e de procura, mas se estabelecia por meio de relações sociais, culturais e

 políticas vigentes naquele meio social.885 Nesse sentido, entender as relações comerciais e o

mercado entre as duas colônias (Pará e Guiana Francesa) deve também atentar para essa

 perspectiva. O comércio no período em questão esteve articulado ao contexto político deguerra no mundo atlântico, bem como às relações de poder vigentes numa sociedade de

Antigo Regime. Além disso, as relações de comércio na fronteira, realizadas em grande

medida através de contrabando, dependiam também de uma intricada rede de negociações e

de alianças envolvendo os comerciantes e as populações indígenas que habitavam a região.

Diversas negociações e atos diplomáticos886 acompanharam as ações das autoridades e

dos militares (proteção, invasão ou deserção em ambas as direções) na faixa de terra entre a

Guiana Francesa e o Grão-Pará. Em um tratado redigido por Alexandre Rodrigues Ferreira, a

 posse das terras do Cabo Norte pela Coroa portuguesa é insistentemente ratificada pelo autor,

seja pelo investimento feito para ocupar e proteger aquela faixa de terra, seja pela afirmação

de descoberta e conquista do “Rio das Amazonas” e a sua Costa do Norte pelo portugueses.887 

Entretanto, a população que habitava aquela região entretinha relações sociais tanto

com os portugueses que formavam a “legião auxiliar”, quanto com os franceses que

884 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 65. 885 Idem.886 Ver GOYCOCHÊA, Castilhos. Op. Cit.887  FERREIRA, Alexandre Rodrigues.  Propriedade e posse das Terras do Cabo do Norte pela Coroa de Portugal deduzida dos Annaes Históricos do Estado do Maranhão; e de algumas memórias e documentos poronde se achão dispersas as suas provas. Pará em 24 de Abril de 1792.

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 penetravam os rios além dos limites para obter informações ou negociar víveres e produtos

como os moradores locais. A maior preocupação se voltava para a população que habitava a

região de Macapá e da Ilha de Marajó, pela proximidade que havia com os limites franceses e

 pela falta de destacamentos que pudessem fazer resistência aos invasores. Por ser uma região

conhecida pela criação de gado e por fazer “frente para os principais Estabelecimentos do

Estado”, se a Ilha do Marajó fosse atacada e ocupada pelos franceses, segundo Souza

Coutinho, ocasionaria a perda da exportação do gado e da “subsistência da Capital e de todos

os habitantes do Estado”.888 

Em 1793, o governador da capitania do Grão-Pará, Francisco de Souza Coutinho,

oficiou a Martinho de Melo e Castro, Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, sobre osresultados da expedição realizada pelo sargento do regimento de Macapá, na região do Cabo

 Norte. Na correspondência, o sargento foi informado pelos “Índios da Povoação Francesa do

Lago do Carapoporis” que naquela localidade havia a presença de tropas francesas envolvidas

na construção de um forte. Ele continua o seu relato informando que “o s Franceses talvez

antes de saberem em Caiena da declaração da Guerra com a Holanda e Espanha tenham

algumas vistas sobre esta Costa [da Capitania do Pará]”. Entretanto, a ação dos franceses foi

obstada “para cuidarem na conservação dos seus próprios Estabelecimentos, e pode ser queessa Gente que os Índios chamam Ilhéus sejam alguns expatriados das Ilhas de que os

Ingleses se hajam apoderado”.889  A possibilidade dos franceses construírem

“estabelecimentos” naquela região representava uma dupla preocupação para as autoridades

 portuguesas, pois, em época de paz, tais estabelecimentos serviriam de “entreposto para o seu

comércio clandestino com estes Habitantes”, porém, em tempos de guerra, seria um

destacamento certo para o abastecimento das tropas invasoras. 890 

888  Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Coleção Manoel Barata  –  Memória sobre a defesa dacapitânia do Pará no governo D. Francisco de Souza Coutinho; e outros documentos do tempo do seu governo.Plano de conquista da Guiana Francesa. 1791-1797-Lata 281, pasta 6, 102 fls. Pará, 08/04/1797. In: GOMES,Flávio dos Santos, QUEIROZ, Jonas Marçal de, COELHO, Mauro Cezar (orgs.).  Relatos de fronteiras: fontes para a História da Amazônia séculos XVIII e XIX. Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.889 Em 1808, D. Rodrigo de Souza Coutinho oficiou ao governador da capitania do Pará a informação de que osingleses prestariam o socorro necessário para a proteção da costa do Pará, pois eles já estavam estacionados nos“portos de Suriname, Demerara e Ezequibo” e auxiliariam as tropas luso-brasileiras na proteção da fronteiraentre o Pará e a Guiana Francesa. APEP, Códice 642: Correspondência da Metrópole com os Governos (1808-1813), Rio de Janeiro, 22/03/1808.890 Segundo a descrição da costa de Macapá, o lago Carapaporis deságua no rio Araguari, no Cabo Norte. Nesse

mesmo documento, segue uma “Coleção de todos os papeis (...) relativos à disputa dos Limites das duasColônias”, com o intuito de justificar a apreensão das autoridades militares daquela área frente às  investidas dosfranceses desde 1713, quando data o primeiro documento da referida coleção. AHU_ACL_CU_013, cx. 103, d.8179, Pará, 01/10/1793.

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A articulação comercial que os franceses teciam com as populações da Capitania do

Grão-Pará era uma descrição frequente na documentação coletada. Essas relações eram

relatadas com certo receio pelas autoridades portuguesas, pois, além das práticas de

contrabando e da ação de corsários, o contato com os franceses podia representar uma

influência negativa. No ofício que Francisco de Souza Coutinho, governador do Estado do

Pará, enviou para Rodrigo de Souza Coutinho, informava sobre as medidas que deveriam ser

tomadas para a salvaguarda da fronteira com a Guiana Francesa. Tendo em vista as

ocorrências e diligências para conter as fugas de escravos e de índios para Caiena, Francisco

de Souza Coutinho chegou a propor o abandono de

“alguns Estabelecimentos princi piados nas Ilhas de Caviana, eMexiana [ilhas na foz do rio Amazonas] chamando os seus proprietários para o interior do Marajó, e que os Índios Aroans deChaves e Rebordelo [vilas no Marajó], que são os que têm mais parentes com os franceses, (...) tudo a fim de dificultar a comunicaçãonão só pelo meio desta considerável distancia entre os nossos e os seusEstabelecimentos, mas pelo de efetivas Embarcações armadas e deRonda”.891 

 Nota-se que essas disposições serviam para conter a ação dos franceses que

ultrapassassem os limites portugueses, mas também para obstar o contato dos franceses com

as povoações fixadas naquelas regiões. Em respostas às recomendações para “evitarem

contrabandos”, ressaltava Souza Coutinho, que apesar de receber ofícios denunciando que

“Nações Estrangeiras os praticam no Porto desta Cidade [Belém], e com escândalo, Eu até ao

 presente não tenho a mais remota notícia que uma só Embarcação estrangeira aqui aparecesse

(...) nem em qualquer paragem nas Costas do distrito dele”. Francisco de Souza Coutinho

solicitava informações sobre como atuar diante dessa situação (“caso de fato ela

ocorresse”)892  e que práticas usar, visto que a grande distância entre Salinas e Belém

891 AHU_ACL_CU_013, cx. 112, d. 8712, Pará, 20/04/1798.892 Em 1809, quando a tomada de Caiena passou a ser um fato iminente, as ordens das autoridades militares sevoltaram para as áreas fronteiriças à Guiana e para as outras ações estratégicas para impedir o avanço defranceses e estrangeiros pelo Estado do Grão-Pará e do Brasil. Pensando nisso, D. Rodrigo de Souza Coutinhoenviou ao governador do Pará, José Narciso de Magalhães de Menezes, os planejamentos necessários para a“abertura e seguimento da navegação para Goiás donde espera o mesmo Augusto Senhor não só que resulta afacilidade das comunicações (...) mas que também se siga ao interior do Brasil um aumento incalculável deriqueza, visto que de Goiás pode descer ao Pará algodão, tabaco, arroz, couros e peles de veados, carnes secas e

salgadas e muitos outros objetos, que dali se exportem e enriqueçam ambos os países”. Diante disso, nota-se queos preparativos para a ocupação de Caiena serviram aos propósitos políticos, mas principalmente aos propósitoseconômicos de dinamização das relações comerciais entre as capitanias do oeste do Brasil, pois anterior a esse período, a navegação pelo Rio Tocantins que ligava o Pará a essas capitanias eram interditados para a circulação

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impossibilitava controlar o desembarque de qualquer sorte de produtos em portos particulares

às margens dos rios. O extravio aos direitos da alfândega era contínuo devido o constante

movimento de canoas, a facilidade de desembarcar mercadorias em qualquer ponto, assim

como “a navegação para muitas partes pelos imensos Rios e R ibeiras que formam este

Arquipélago”, não terem a devida fiscalização.893 

Além do contrabando com as povoações próximas aos limites entre as duas

 possessões, a proximidade com a possessão francesa rendia outras preocupações às

autoridades e comerciantes do Grão-Pará, tais como: a ação de corsários e o apresamento de

embarcações portuguesas na costa da cidade. Com o intuito de prevenir o apresamento das

embarcações pelos franceses, Francisco de Souza Coutinho passou a autorizar a formação decomboios, que na proteção de navios armados em guerra, saíam para os portos de Lisboa e da

mesma forma regressavam para os portos do Grão-Pará. As embarcações do Maranhão

também passaram a integrar esses comboios, porém a vinda delas para os portos de Belém (a

sotavento), por várias vezes, foi acompanhada de mal tempo ou tiveram o seu percurso

alterado pela ação dos fortes ventos e das correntes marítimas que lançavam as embarcações

em direção à costa ao norte da cidade de Belém. Foi isso que ocorreu com o navio “Santa Ana

e Vigilante”, que em fevereiro de 1810, saiu com carga do porto do Maranhão com destino àLisboa. O naufrágio ocorreu em março nas proximidades de Caiena e teve a sua carga e

tripulantes salvos por negociantes franceses, o dano no navio foi grande e não pôde ser

resgatado.894 

A ação de corsários foi tão presente que, em oficio para D. Rodrigo de Souza

Coutinho, o governador do Pará alertava para o receio apresentado pelos negociantes de

Lisboa, do Pará e do Maranhão diante os constantes ataques e apresamentos aos comboios

saídos daquele porto. Ressaltava o incidente ocorrido com parte do comboio que os bergantins

“Espadarte” e “Minerva” escoltavam, mas a atenção se voltava para o comboio que havia

saído em outubro sem o acompanhamento das embarcações do Maranhão, que se distanciaram

em função do mau tempo. Isso porque, justificava D. Francisco de Souza Coutinho, além do

cuidado para não afundarem próximos à costa da cidade, os navios do Pará padeciam “sempre

 pela necessidade de esperarem fundeados” os navios vindos do Maranhão para seguirem até

de particulares. APEP, Códice 642: Correspondência da Metrópole com os Governos (1808-1813), Rio deJaneiro, 29/04/1809.893 AHU_ACL_CU_013, cx. 118, d. 9100, Pará, 09/11/1800.894 AHU_ACL_CU_013, cx. 145, d. 11017, Pará, 16/05/1813.

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Lisboa. A espera prejudicava os negócios, mas era necessária, visto que os avisos alertando a

existência de corsários desde a costa do Pará até o Suriname eram cada vez mais frequentes.

Segundo as informações enviadas pelo mensageiro que regressava de Caiena, “além

de cinco Corsários que se diz terem expedido a Corso para esta Costa, e um que partiu dois

dias antes que o mensageiro, dizem terem sobre as Costas de Suriname outros seis”. A

 providência para esse problema viria da ação dos ingleses, outra nação de corsários, mas que

ajudariam os portugueses a se “livrarem daquele Covil de Ladrões”. 895 De 1797 a 1800, foram

relatados 12 episódios de ataques de corsários às embarcações portuguesas, sendo registrados

 para o ano de 1798 quatro episódios de corso. Nota-se, porém, que mesmo após a ocupação de

Caiena pelos portugueses, ações de corsários franceses na região do Caribe continuaram, talcontexto acabava por afetar também o próprio funcionamento do comércio regular com as

outras praças da região. No período da ocupação portuguesa em Caiena, os registros e

informações sobre corsários naquela costa ficaram mais frequentes. Em algumas situações, as

embarcações que navegavam pela região escapavam de terem suas cargas apresadas, pois o

interesse dos corsários era a obtenção de dinheiro.896 

Outra possibilidade de preservar as embarcações e a carga com destino aos portos de

Lisboa e o seu retorno, foi “armar em guerra” os navios no porto de Belém, como ocorreucom o navio “Maranhão”. Isso garantiria a segurança das embarcações em comboio, como

também preservava o correio marítimo que seria enviado para Lisboa. Entretanto, isso não

 bastava para gerar confiança aos negociantes e aos comandantes, pois “a notícia de estarem

tantos Corsários de Caiena a corso sobre esta costa”, dificilmente permitiria que os comboios

fundeados na cidade saíssem para outros portos em segurança.897 Mas qual o significado da

atuação de corsários franceses na costa do Grão-Pará nesse contexto?

Em artigo sobre o corso em Portugal na segunda metade do século XVIII, Sérgio

Ferreira aborda as distinções presentes na ação dos corsários e a pirataria. A diferença está no

serviço que os corsários prestavam à sua comunidade, nesse caso em contextos de guerra “se

sujeitavam a normas de atuação muito restritas, tais como prazos e áreas de atuação, montante

do valor das presas a respeitar”, deixando de lado o caráter aventureiro que essa atividade

também possui.898 

895 AHU_ACL_CU_013, cx. 118, d. 9100, Pará, 09/11/1800.896 APEP, Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818), Caiena, 25/02/1817.897 AHU_ACL_CU_013, cx. 118, d. 9111, Pará, 27/11/1800.898  FERREIRA, Sérgio. “O corso na segunda metade do século XVIII: reflexos de um cartório notarial portuense”. História, Porto, III Série, vol. 6, 2005, pp. 237-268.

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Embora houvesse corsários-mercadores, estes além de armarem as suas embarcações

em guerra, também se dedicavam ao comércio, sendo esta a sua atividade prioritária. Diante

dessa modalidade de corso, os comerciantes portugueses passaram a ter permissão para

“equipar e armar em guerra” suas embarcações. Segundo o autor, a necessidade de defesa

 pesava muito na hora de investir em “munições de guerra e armas próprias” para seguir

viagem para os portos da América. Para a coroa portuguesa, não restava outra solução, tinha

que permitir esse tipo de defesa, pelo fato de possuir uma “incipiente armada e um

mecanismo que tinha tanto de segurança como de chamariz de corsários, os comboios”. Em

diferentes situações, os portugueses apelavam para os seus aliados ingleses os protegerem da

ação dos corsários franceses que atuavam naquela região.899

 Dentro do quadro das relações internacionais, Ferreira divide o corso em três fases

distintas, sendo a última (1793 a 1799) o período de maior índice de apresamentos, 56

episódios dentro de um universo de 90 casos coletados desde 1756. Para o autor, o aumento é

resultado das situações de conflitos/guerras que marcaram a segunda metade do XVIII.900 

Estando as ações de corso relacionadas às disputas políticas na Europa, logo essa situação se

refletiria nas águas da América portuguesa, como na costa do Estado do Grão-Pará. Esse

 período marca também o contexto em que figuram as ações de corsários franceses na costa doGrão-Pará e as ressalvas que Francisco de Souza Coutinho faz em relação à proteção dos

limites contra a invasão de franceses em território português, às práticas de contrabando, à

atividade mercantil e ao apresamento de embarcações portuguesas.

O mensageiro enviado em diligência para Caiena relatava da seguinte forma o roteiro

da sua viagem e o que tinha visto: no dia 18 de agosto de 1800, saíram da cidade de Belém, o

alferes Florentino José da Costa, um soldado e seis índios com destino à vila de Chaves

(localidade ao norte da Ilha de Marajó), onde chegaram no dia 24.901  De lá, trocaram de

montaria e em companhia de mais um alferes e mais nove índios seguiram com destino ao

Calçoene, onde ficaram 11 dias parados em função da maré baixa, que não permitia o

deslocamento da equipagem até Caiena. No dia 28 de setembro, a diligência aportou em

Caiena e -como lhe foi ordenado- se dirigiu ao governador queixando-se “da tirania dos

Portugueses de quem lhe disse [vinham] fugindo”. O alferes respondeu que o governador de

Caiena se compadeceu deles e mandou que “o Comissário [lhes] desse dos Armazéns da

899  Idem.900  Idem, p. 241.901 AHU_ACL_CU_013, cx. 118, d. 9100, Pará, 09/11/1800.

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república um paneiro de farinha, um barrelinho de água, e um machado para [voltarem] ao

[seu] novo Estabelecimento” que o alferes havia dito ser no Cunani 902 para ganhar a confiança

das autoridades francesas. Nessa condição, lhe foi possível “observar tudo miudamente”,

afirmando que até o momento não havia percebido aumento ou reforço das tropas, muito

menos o presenciado o “melhoramento de Fortaleza”, tudo permanecia da mesma forma que

observara no início no ano, como já havia participado. Ao tratar do movimento portuário na

costa de Caiena, o alferes Florentino José da Costa descreve:

no Porto achavam-se somente duas Goletas armadas em Guerradas quais uma havia recolhido a ele seis Navios Portuguesesapresados segundo se dizia por uma Fragata, e dos mesmosainda se estava descarregando Arroz, e Algodão, e averiguandoas Embarcações de Guerra que tinham saído a Corso, soube que

 para barlavento e sobre a nossa Costa andavam cinco, e para asIlhas Inglesas de sotavento seis; estando demorado n’estasdiligências quatro dias.903 

As informações apresentadas pelo alferes permitiram tomar conhecimento de outro

aspecto presente na colônia francesa, a falta de víveres “que ali geralmente se

experimentava”. Souza Coutinho havia elaborado um relatório com as informações queobtinha dos comandantes e equipagem que eram tomadas pelos corsários franceses

estacionados na costa do Grão-Pará.904  Em 1797, a sumaca “Minerva”, armada em guerra,

transportou das localidades do Cabo Norte as tripulações das embarcações (as sumacas

“Beleza” e “Santo Antonio” e a galera “Amável Donzela”) que foram apresadas pelos

corsários franceses. Os tripulantes foram feitos prisioneiros e a carga das embarcações

descarregada no armazém de Caiena. Ao regressarem para a cidade de Belém, Francisco de

Souza Coutinho os interrogou para saber a situação daquela colônia, diante as agitações políticas na Europa e os seus desdobramentos na América. Fizeram diversas perguntas sobre

artilharia, fortificações, a quantidade da tropa regular e se havia reforços vindo de outros

 portos; o número de colonos, de mestiços e de escravos; como era a entrada do porto de

902 Segundo levantamento feito por Vicente Salles, a região do Cunani (norte do Amapá) era uma reconhecidaárea de quilombo e destino de soldados desertores. Ver: SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime daescravidão. Belém: FGV, 1971.903 AHU_ACL_CU_013, cx. 118, d. 9100, Pará, 09/11/1800, anexo datado em Pará, 06/11/1800.904 IHGB, Coleção Manoel Barata  –  Memória sobre a defesa da capitânia do Pará no governo D. Francisco de

Souza Coutinho; e outros documentos do tempo do seu governo. Plano de conquista da Guiana Francesa. 1791-1797-Lata 281, pasta 6, 102 fls. Pará, 31/03/1797. In: GOMES, Flávio dos Santos, QUEIROZ, Jonas Marçal de,COELHO, Mauro Cezar (orgs.). Relatos de fronteiras: fontes para a História da Amazônia séculos XVIII e XIX.Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.

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Caiena (se fácil ou de difícil acesso). Entretanto, ao serem questionados “se havia abundância

de víveres” para a subsistência dos franceses, as respostas eram sempre as mesmas: “que

havia muita falta, e tudo lhes vinha dos Americanos, Ingleses ou das presa que faziam” nas

embarcações portuguesas.905 Havia registros de que esses apresamentos às embarcações luso-

 brasileiras eram orquestradas pelo governador de Caiena, como uma forma encontrada de

garantir o abastecimento da colônia, prejudicado pelos conflitos no Atlântico.

 Nos registros da historiografia francesa sobre a região, a atuação do governador de

Caiena, Victor Hugues, é muito controversa. Em 1795, ele foi enviado ao Caribe com o

objetivo de “consolidar a paz assinada com a Espanha e os seus territórios ultramarinos, para

conter o avanço da Grã-Bretanha na região”.906

 Por outro lado, nesse mesmo período, “ele serodeou de uma guarda de corsários negros e créoles, que semeavam o terror nos territórios

espanhóis”.907  Essa relação entre Victor Hugues e os corsários garantia ao governador de

Caiena informações sobre o andamento político das ilhas do Caribe, “graças ao seu sistema de

espionagem nas ilhas inglesas e as suas redes instaladas nas possessões aliadas ou neutras”.908 

Victor Hugues era comerciante na ilha de Guadalupe antes de ser enviado para Caiena, 909 

onde ele continuou desenvolvendo suas atividades mercantis além de comercializar as

mercadorias apresadas pelos corsários por ele contratados. Segundo Ho Choung-Ten, a partirde 1804, Victor Hugues passou a encorajar “a guerra de corso e a favorecer o desembarque

das cargas por eles apresadas, como mercadorias e escravos” no porto de Caiena, o que se

tronava um comércio muito rentável para o governador daquela colônia. Entre as cinco

embarcações de corsários listadas pelo autor, o valor da carga apresada ultrapassava a

1.500,000 francos.910 

Em análise sobre as atividades de corsários franceses na América, Paulo Knauss

caracteriza a ação de corsários como uma “associação entre a iniciativa privada e o Estado”,

905 Esse relatório serviria para o plano de conquista da Guiana Francesa que se estruturaria melhor 9 anos depois,com a tomada de Caiena pelas tropas portuguesas sob o comando do Tenente Coronel Manoel Marques. AN,Secretaria de Governo da Capitania do Pará, Códice 89.906 REY, Nicolas. Quand la révolution, aux Amériques état nègre...: Caraïbes noirs, negros franceses et autres«oubliés» de l’Histoire. Paris: Editions Karthala, 2005, p. 138. 907  Idem. 908  Idem, p. 147.909 Victor Hugues era descendente de uma família de comerciantes de Marseille. Em 1772, como marinheiro,circulou pelas Antilhas até escolher se fixar em Saint-Domingue para ajudar o seu tio com o comércio que tinhana colônia. Atuou como capitão de navio pela região acumulando uma grande fortuna. A eclosão da Revolução edos conflitos políticos daquela colônia arruinou os seus negócios, o que lhe levou a retornar à França em 1793.

Sobre outros aspectos de sua trajetória, ver: RÉGENT, Frédéric. “Victor Hugues, de la Guadalupe à la Guyane,de l’abolition au rétablissement de l’esclavage”. In: ZONZON, Jacqueline, MAM LAM FOUCK, Serge (Ed.). L’histoire de la Guyane: depuis les civilisations amérindiennes. France: Ibis Rouge Editions, 2006, pp. 207-219.910 HO CHOUNG-TEN, Jean-Claude. Op. Cit ., p. 199.

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tendo em vista que desde o início da marinhara europeia se articulavam as atividades

econômicas com as militares.911 Victor Hugues era dominador desses dois aspectos e por isso

conseguia controlar e apresar as embarcações que navegavam pela costa da capitania do Pará.

 Nota-se, a partir dos relatos de soldados ou da tripulação das embarcações apresadas

nos portos de Caiena, indícios sobre o comércio realizado naquela possessão. O interesse por

gêneros como algodão e arroz e a indicação de relações comerciais com negociantes ingleses

ficam mais evidentes a partir da documentação produzida durante a ocupação portuguesa em

Caiena. Os relatórios apresentados por João Severiano Maciel da Costa, Intendente Geral de

Caiena, sobre o cotidiano da Conquista expressam as relações comerciais realizadas na

colônia, assim como os sujeitos que dela participavam.Em ofício, o Intendente Geral de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, informava

ao governador do Pará sobre a continuidade das ações de corso912  que ocorriam naquela

região. A última notícia que havia recebido foi a respeito da “presa de duas goletas pequenas

 pertencentes à casa de João Serrat e companhia desta vila, pelo brigue “Corsário, o Diligente”

comandado pelo francês Alexis Grassin,913 bem conhecido pela sua temeridade e felicidade no

corso”. Uma das goletas, a “Coimbra”, seguia viagem para Belém e a outra retornava de

Suriname, a carga que transportavam “entre efeitos dos proprietários e carregadores apenasmontava a quatro contos de réis”. Além dessas duas embarcações, o francês Alexis Grassin

havia feito o corso de outras embarcações inglesas, entre elas um navio “ricamente carregado

da Bahia, que tinha a bordo grande soma de dinheiro, que viera a esta costa com o único

intento de fazer aguada no dito ancoradouro [das Ilhas da Salvação]”.   Esse relato de corso

 permite entender as articulações que essas embarcações faziam nos portos do Caribe e do

reino do Brasil, além dos portos dos Estados Unidos. Isso porque, segundo as informações

que Maciel da Costa havia obtido, o francês Alexis Grassin remeteria o resultado do corso

911 KNAUSS, Paulo. “O Brasil terra de corsários. Du Clerc e Dugauy-Trouin. O conde d’Estaing”. In: VASCO,Mariz (Org.). Op. Cit., pp. 117-136.912 Segundo Knauss, somente na Época Moderna foi possível fazer uma diferenciação jurídica entre pitaria ecorso. Nas palavras do autor, a atividade dos corsários foi “legalizada como recurso de afirmação do poder deEstado no quadro das rivalidades nacionais”. Knauss, Paulo. Op. Cit., p. 121.913 O corsário francês Alexis Grassin era “membro da Legião de honra e cavaleiro do Império, comandante do

‘Brieck’ corsário”. Essa identificação foi apresentada na carta que o próprio corsário escreveu ao Intendente deCaiena à bordo de seu barco, em 23/03/1811. AN, Caiena, Caixa 1192. Ele e seus companheiros atuavamtambém na costa dos Estados Unidos, principalmente em Charleston, onde um deles foi capturado. APEP,Códice 653, Correspondência de Diversos com o Governo. Caiena, 08/06/1811.

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 para o porto de Nova York, “onde tem o seu principal armador, o negociante [Gaofen] que ali

se fora estabelecer depois da tomada da Guadalupe”.914 

Esse relato de corso apresenta outras situações relevantes para entender os

desdobramentos das ações dos corsários sobre o comércio das localidades onde ele acontecia.

A goleta que teve a carga apresada pelo francês Alexis Grassin foi doada ao seu capitão

senhor Marin, dias depois de acontecido o corso, ele apareceu com a goleta no porto de

Caiena e disse aos proprietários da embarcação que “não queria nada dela e só sim que os

 proprietários lhe pagassem a perda que sofrera”. Diante essa questão, o Intendente Ger al de

Caiena descontente com a situação apresentou quatro argumentos que invalidavam a referida

doação feita pelo corsário. Primeiramente, ele afirmava que o corsário, “mesmo em virtudedas ordens de Napoleão, não podia dar as embarcações que deviam ser queimadas”.915 

 Nesse caso, se ratifica a situação de que os corsários franceses que atuavam na costa

do Estado do Grão-Pará estavam sob as ordens das autoridades francesas. Segundo, a

embarcação foi entregue ao capitão Marin para que ele e a tripulação voltassem em segurança

ao porto de Caiena, mesmo que fosse uma doação, essa deveria vir acompanhada de

testemunhas, porém o testemunho do capitão e da equipagem era “suspeito, pela mesma razão

de receio de conluio contra a confiança dos armadores” da mesma goleta . Em seu terceiroargumento, ele não considerava válido que um português recebesse uma doação “de presas

 portuguesas”, tanto por ela não ter sido “julgada boa em qualquer Almirantado, como é direito

sabido, para se averiguar se o apresador se conduziu conforme o direito comum das Nações,

cuja infração qualifica o corsário, pirata e as presas verdadeiros roubos”. Por fim, concluiu os

seus argumentos citando a lei que trata “Das presas”, das ordenanças da marinha, “segundo o

qual o navio que sem ser retomado, é abandonado pelos inimigos e voltar onde está o

 proprietário por qualquer caso que seja, é restituída ao mesmo, casco e carga”.916 

Fato relevante dessa situação são os desdobramentos dessa ação de corso, pois se faz

conhecer os conflitos presentes no cotidiano da Conquista. Isso é possível com base na

 justificativa que o capitão Marin lança para “fazer citar os proprietários perante o tribunal de

 primeira instancia, porque dizia ele, estava aconselhado que as leis francesas lhe fossem mais

favoráveis que as portuguesas”. Para o Intendente, a questão sobre a “doação da goleta” não

914 AN, Caiena, Caixa 1192. Ofício do Intendente de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, ao Conde deAguiar, Ministro e Secretário de Estado do Interior, Caiena, 26.04.1811.915 AN, Caiena, Caixa 1192. Ofício do Intendente de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, ao Conde deAguiar, Ministro e Secretário de Estado do Interior, Caiena, 26/04/1811.916 AN, Caiena, Caixa 1192. Ofício do Intendente de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, ao Conde deAguiar, Ministro e Secretário de Estado do Interior, Caiena, 26/04/1811.

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“pertencia ao Tribunal de Justiça”, pois não podia admitir que um português fosse julgado por

leis francesas. Em dossiê anteriormente citado, o Intendente solicitava informações sobre os

 procedimentos que deveria adotar na Conquista em relação aos crimes que ocorressem

envolvendo somente portugueses, envolvendo portugueses e franceses e nos crimes que

envolvessem ingleses e franceses. Isso porque, segundo o tratado de Capitulação, a Guiana

Francesa continuaria sob a orientação jurídica do Código Napoleônico, 917  entretanto, os

 portugueses das tropas e do corpo administrativo sob as leis portuguesas. O Intendente achava

isso descabido, pois “nós conquistadores, não devíamos ter a condescendência de nos

sujeitarmos às leis estranhas e dos conquistados”. Contudo, essa era uma questão que ainda

não havia sido definida pelas autoridades portuguesas, ponto que sempre era questionado nascorrespondências oficiais. Para essa questão da presa do corsário francês e o seu resultado,

esperava receber as informações necessárias para deliberar sobre o assunto. 918 

Essas situações decorrentes do contato com a Guiana Francesa possibilitaram lançar

questões para entender as relações comerciais e o próprio funcionamento desse mercado

colonial, que se estabelece dentro do contexto político acima destacado e imbricado às

relações sociais presentes na fronteira entre as duas colônias. A atuação dos negociantes de

Belém se estendeu para outros espaços, bem como lhes permitiu a integração e expansão deseus negócios, antes limitados às capitanias do oeste do Brasil.

O comércio entretido nesse circuito transcaribenho permitiu que a circulação de

mercadorias, de pessoas e de informações não se limitasse às rotas utilizadas antes da

Conquista. Nesse contexto, a trajetória de diferentes negociantes e sujeitos políticos se

interconectou com o objetivo de diminuir as incertezas presentes no comércio de longa

distância. Tanto que, quando os negociantes de Lisboa e Maranhão precisaram resolver as

 pendências sobre o seus negócios (como o naufrágio do navio) a rede comercial foi tecida

com as tramas possibilitadas pelo recurso das procurações, que de São Luis foi possível

estabelecer contato com agentes em Caiena.

917 O Intendente, Maciel da Costa, afir ma que os franceses, diante a capitulação, tiveram a “escrupulosa cautelade estipular (...) que seriam sempre julgados por seus Códigos”. Ciro Cardoso afirma que essa foi uma das falhas

 presentes do tratado de Capitulação assinado em Caiena, pois não submetia os conquistados às leis dosconquistadores. Conferência em Comemoração aos 200 anos da Tomada de Caiena.918 AN, Caiena, Caixa 1192. Ofício do Intendente de Caiena, João Severiano Maciel da Costa, ao Conde deAguiar, Ministro e Secretário de Estado do Interior, Caiena, 26/04/1811.

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Conclusão:

O interesse de analisar a configuração das redes de comércio e os seus negociantes no

vale do Amazonas entre 1790 e 1830 teve como objetivo a indicação de outras interpretações

voltadas para a economia colonial no Estado do Grão-Pará e Rio Negro. As fontes que foram

coletadas em muito contribuíram para o entendimento desses processos sociais, seja pelo

ineditismo de algumas, seja pelas perspectivas diferenciadas atribuídas a outras. Essa abordagem

 para as trocas mercantis foi sustentada pela historiografia recente sobre a temática do mercado

regional dentro da economia colonial durante o Antigo Regime. Outros estudos919 direcionados

 para o comércio no vale do Amazonas apresentavam um discurso genérico dessa economia

colonial, cujos esquemas repetitivos essa tese pretendeu rever.

Logo, a documentação utilizada e a historiografia sobre o tema permitiram construir uma

 perspectiva de análise sobre a produção nos sertão e nas vilas do interior da capitania do Pará, a

circulação entre os diversos pontos envolvidos nesse comércio e o seu consumo, tanto na cidade

como nos outros espaços econômicos. Com isso, procurou-se perceber o mercado interno

colonial vinculado com outras economias, bem como os seus intercâmbios motivados pelos

fluxos das diferentes mercadorias que circulavam entre essas vilas na rede fluvial do Grão-Pará.Diante disso, a cidade de Belém foi compreendida como um espaço humano que

articulava diferentes estruturas, mas que ao percebê-la como uma cidade-marítima, a capital do

Pará passa a articular os diferentes espaços econômicos dispersos pelo interior. Nesse sentido, os

centros produtivos dos sertões se conectavam com os portos de Lisboa por meios das relações

existentes com os negociantes da praça de Belém. Esse centro urbano aparece como um vetor

dessas relações com as outras capitanias, outras colônias e a metrópole.

 No capítulo inicial desse estudo, a análise sobre as rotas de navegação fluvial foram

apresentadas com o intuito de localizar as vilas que estavam aplicadas ao mercado interno.

Inicialmente foi abordada a constituição das rotas mercantis durante o controle dos jesuítas sobre

as aldeias nas margens dos maiores afluentes do rio Amazonas e da calha principal desse rio.

Logo essas rotas haviam sido constituídas pelas comunidades unidades que ocupavam aquela

919  SIMONSEN, Roberto.  História Econômica do Brasil (1500-1870). São Paulo: Companhia Editora Nacional,1978. REIS, Arthur Cézar Ferreira. A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: SECULT, 1993.

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área e conheciam os rios e caminhos de fácil acesso para entreter contato com outras

comunidades. Nesse sentido, essas vias de comunicação passaram a ser utilizadas pelos jesuítas

(para dinamizar o comércio que faziam na região), pelos negociantes que passaram a circular por

esses espaços, mas principalmente pela Companhia de Comércio que reestruturou essas rotas com

o objetivo de estreitar as distâncias entre os pontos de abastecimento e, com isso, tornar regular

as saídas das embarcações do porto de Belém para Lisboa. A análise da circulação e do controle

sobre as embarcações e os seus proprietários foi possível com base no censo das canoas de

algumas vilas da capitania do Pará, para onde estava voltada a atenção das autoridades

administrativas para fiscalizar o circuito interno das atividades mercantis protagonizadas pelos

diversos sujeitos que circulavam nesses espaços.

A modificação das relações comerciais e das trocas mercantis impulsionou a

diversificação dos investimentos dos negociantes da praça de Belém. Essa alteração foi visível na

documentação notarial analisada, em que as escrituras de venda, de obrigação de dívida e de

empréstimos (juramento de alma e ação de assinação de dez dias) foram as principais fontes

analisadas no segundo capítulo. A compra de bens urbanos se apresentou em maior quantidade

numérica, entretanto no que diz respeitos aos maiores valores transacionados, os bens rurais

concentraram os maiores investimentos. A aquisição desses bens se constituiu na forma mais

usual dos negociantes de Belém diversificar os seus investimentos, mas principalmente garantia oacesso desses sujeitos ao mercado de terras, antes apenas possível por meio de casamentos e

sociedades. Na análise sobre o mercado de crédito identificaram-se as relações de empréstimo,

mas o dado interessante dessa abordagem ficou para as práticas mercantis presentes no comércio

dos sertões, no qual os empréstimos garantiam o acesso e a circulação de pequenos comerciantes

nos fluxos mercantis. Os processos de juramento de alma e de assinação de dez dias

apresentavam o cotidiano das relações comerciais inviáveis de serem identificadas nos registros

das escrituras.

As vinculações mercantis dos negociantes da praça de Belém foram identificadas a partir

das procurações e das escrituras de sociedade mercantil. As áreas para onde esses documentos

eram indicados foram significativos para conhecer os locais mais aplicados ao comércio, mas

também para onde se dirigiam as relações sociais que os negociantes de diferentes portos teciam

com os seus agentes. Diante dessas procurações se formalizaram relações econômicas e sociais

 para as vilas do interior da capitania, para as capitanias do oeste do Estado do Brasil e para a

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Europa. A relevância dessa análise se voltou para a percepção que os negociantes tinham sobre as

distâncias desse comércio. Como analisou Sampaio para o Rio de Janeiro, era mais comum a

assinatura de sociedades para os fluxos transatlânticos, 920  entretanto na praça de Belém a

formalização de sociedade mercantis foram mais comuns para os sertões que as dirigidas para o

 porto de Lisboa, sendo essas sociedades acordadas apenas na palavra.

As diferentes redes comercias que se estabeleceram entre as comunidades mercantis da

capitania do Pará foram permeadas de arranjos, de acordos e de conflitos envolvendo os

segmentos mercantis das diferentes praças envolvidas nesse circuito, como também a

 possibilidade de expansão das atividades comerciais presentes no porto de Belém. A atuação

desse circuito mercantil dentro do quadro de abastecimento do mercado interno e das suas

vinculações com outros mercados regionais e da região do Caribe, possibilitou a identificação dos

negociantes de Belém e das vilas do interior, bem como as diversas relações que se construíram

diante desses espaços de trocas mercantis.

Analisar as possibilidades de permanência ou rompimento de laços comerciais urdidos

durante a ocupação da Guiana Francesa, como também as estratégias dos negociantes de ambas

as praças para manter ou estabelecer o controle sobre as redes comerciais presentes no Caribe foi

uma das argumentações desenvolvidas no quinto capitulo. O contexto político do período

influenciou diretamente na circulação de produtos e de pessoas na área do Caribe, o que permitiuanalisar como os sujeitos sociais envolvidos no comércio se conectaram e modificaram suas

 práticas comerciais em um período marcado por conturbações políticas, militares e sociais. Nesse

sentido, ressalta-se que a ocupação militar da Guina Francesa, em 1809-1817, por tropas luso-

 brasileiras, foi uma ação de caráter político-militar, mas que acarretou em mudanças no circuito

mercantil das praças de Belém e Caiena, tendo em vista que negociantes reconhecidos daquela

cidade passaram a frequentar os portos da Guiana e de outras colônias no Caribe francês e inglês.

Esse contexto político representou uma reorganização das conexões mercantis entre o

Grão-Pará e os portos de Caiena, visto que a ocupação da Guiana Francesa agregou não somente

os mercados desses portos, como também esse processo articulou o circuito mercantil do Pará às

rotas dos portos da região do Caribe. Os negociantes do Grão-Pará que se firmaram na praça de

Caiena já formavam a elite mercantil do Pará, pois gozavam de grande representatividade política

920 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicasno Rio de Janeiro (c. 1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 251.

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na capitania desde fins do século XVIII, e fizeram valer seu prestígio tanto na administração

 pública arrematando contratos como na indicação para ocupar cargos públicos.

A pesquisa e os desdobramentos foram apresentados de forma a suscitar outras questões

ainda pouco debatidas sobre o Estado do Grão-Pará em fins do XVIII e início do XIX. A temática

não foi esgotada, mas a pesquisa buscou apresentar outras fontes e discussões para ampliar as

análises voltadas para a produção nos sertões, as formas de circulação desenvolvida para essa

economia e as formas de consumo aplicadas na economia local, bem como em outros espaços

econômicos.

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Fontes:

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ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO - PROJETO RESGATE

Maranhão: AHU_CU_009, Cx. 125, D. 9472.

Mato Grosso: AHU_ACL_CU, Cx. 21, d. 1311.

AHU_ACL_CU, Cx. 31, d. 1695.

AHU_ACL_CU, Cx. 37, d. 1862.

AHU_ACL_CU, Cx. 39, d. 1964.

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360

AHU_ACL_CU, Cx. 40, d. 1984.

AHU_ACL_CU_008, Cx. 52, d. 2917.

AHU_ACL_CU_010, Cx. 16, d. 1030.

AHU_ACL_CU_010, Cx. 17, d. 1059.

AHU_ACL_CU_010, Cx. 17, d. 1064.

AHU_ACL_CU_010, Cx. 19, d. 1185

AHU_ACL_CU_010, Cx. 30, d. 1677.

AHU_ACL_CU_010, Cx. 31, D. 1695.

AHU_ACL_CU_010, Cx. 31, d. 1696

AHU_ACL_CU_010, Cx. 31, d. 1701.

AHU_ACL_CU_010, Cx. 39, D. 1959.

Pará: AHU_ACL_CU_009, Cx. 134, D. 9878.

AHU_ACL_CU_009, Cx. 155, D. 11097.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 1, D. 1.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 1, D. 152.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 1, D. 232.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 1, D. 37.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 1, D. 378.AHU_ACL_CU_013, Cx. 103, D. 8179.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 103, D. 8193.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 112, D. 8712.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 116, D. 8955.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 117, d. 9029.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 118, D. 9100.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 118, D. 9100.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 118, D. 9111.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 125, D. 9643.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 128, D. 9804.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 133, D. 10065.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 133, D. 10130.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 136, D. 10376.

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361

AHU_ACL_CU_013, Cx. 137, d. 10379.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 14, D. 1319.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, d. 10982.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, d. 10995

AHU_ACL_CU_013, CX. 145, D. 11017.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, D. 11017.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, d. 11030.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 145, D. 11035.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 148, d. 11331.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 148, d. 11365.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 161, d. 12304.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3049.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 35, D. 3243.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 35, D. 3310.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 37, D. 3499.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 38, D. 3585.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 42, D. 3859.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 50, D. 4584.AHU_ACL_CU_013, Cx. 51, d. 4689.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5030.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5049.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5258.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 88, D. 7164.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 96, D. 7618.

AHU_ACL_CU_013, Cx.100, D. 7959.

AHU_ACL_CU_013, Cx.104, D. 8267.

AHU_CU_013, Cx. 72, D. 6137.

AHU_CU_013, Cx. 87, D. 7078.

AHU_CU_013_Cx.154, d. 11855.

AHU_CU_013_Cx.154, d. 11861.

AHU_CU_013_Cx.154, d. 11938.

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362

AHU_CU_013_Cx.154, d. 12311.

ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY

 Descrição Geográfica da capitania do Mato Grosso oferecida ao Ilmo e Exmo senhor Caetano

 Pinto de Miranda Monte Negro, cavaleiro confesso na Ordem de Cristo do Conselho de sua

 Majestade, 6º. Governador e capital general da mesma capitania, escrita pelo engenheiro

Ricardo Franco de Almeida Serra. 1797, 2º. Via

Ofícios da Província do Pará (1825-1841).

ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO.

Caiena, Caixa 1192.

Capitania do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa 747,  Roteiro Corográfico da

Viagem do Governador da Capitania, Martinho de Souza e Albuquerque, 27/10/1785  (1764-

1815).

Códice 1013, Alfândega do Pará (1816).

Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, Caixa 373, pct. 01, 1809-1831.Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 449, Caiena, 1811-1817.

Ministério do Reine e Império Capitania do Pará, Série Interior, IJJ9-771 (1808-1833).

 Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a

Corte, cartas e anexos (1790). 

 Negócios de Portugal (códice 99); Correspondência original dos governadores do Pará com a

Corte, cartas e anexos (1795).

Vice-Reinado/Capitanias do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento, Caixa 747, (1764-

1815).

ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO.

Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão,

Livro 177 (Registro das Cobranças da Companhia Geral).

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363

Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão,

Livro 216 (Copiador dos Particulares Administradores).

Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, 177 (1808-1826).

Feitos Findos – Juízo de Índia e Mina-CX17-LETRAB-MC17; Autos Cíveis de Libelo remetidos

da Provedoria dos Defuntos e Ausentes da Cidade do Pará em que é autor Bento Pereira Chaves,

1806.

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ.

 

Relatório do Presidente da Província:

Pará (Província). Presidente (Araújo Brusque) Relatório dirigido pelo Exc. Sr. Dr. Francisco

Carlos de Araújo Brusque Presidente da Província à Assembleia Legislativa da Província do Pará

na 2a. Sessão da XII Legislatura, em 17 de agosto de 1861. Pará: Typ. Do Diário do Grão-Pará,

1861.

Pará (Província). Falar dirigida pelo Exm.o senhor conselheiro Jerônimo Francisco Coelho,

 presidente da província do Grão-Pará á Assembleia Legislativa Provincial na abertura da segunda

sessão ordinária da sexta legislatura no dia 1.o de outubro de 1849. Pará, Typ. de Santos & filhos,

1849.  Documentação manuscrita.

Autos de Inventário de Partilhas. Juízo de Órfãos da Vila de Ourém, Thiago Peres da Silva, 1817.

Autos de Inventário e Partilhas, Juízo Ordinário e Órfãos da Vila de Bragança, Bartolomeu

Alves, 1810.

Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos  –   Autos de Ação d’Alma de Bento Vieira

Coelho (1811-1812).

Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos –  Autos de Ação d’Alma de João Manoel Lopes

Guimarães (1811-1812).

Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos  –   Autos de Ação d’Alma de Manuel Luis

Esteves (1811-1812).

Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos  –   Cartas de Sentença (1810-1814),  Ação de

 Assinação de dez dias em que é réu Manuel Pereira de Souza, 1811.

Caixa do Juízo Ordinário da Comarca de Óbidos –  Cartas de Sentença (1810-1814).

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364

Cartório de Óbidos- Escrituras, Livro 1820-1823.

Códice 297, Termos de Assinatura de todos os comboieiros e comerciantes das Minas (1775-

1824)

Códice 528; Encarregados de Negócios (Cônsules em países estrangeiros) (1795-1834).

Códice 642: Correspondência da Metrópole com os Governos (1808-1813).

Códice 647, Correspondência de Diversos com os Governadores (1809-1810).

Códice 653: Correspondência de Diversos com os Governadores (1808-1818).

Códice 659, Correspondência de Diversos com o Governo (1812-1816)

Códice 693, Correspondência de Diversos com o Governo (1817-1820)

Códice 701, Correspondência de Diversos com o Governo (1818-1819)

Códice 701, Correspondência de Diversos com o Governo (1818-1819).

Códice 828, Correspondência de Diversos com o Governo (1826).

Juízo da Provedoria, Resíduos e Capelas da Capital; Autos de Libelo, 1826.

Juízo Ordinário da Capital, Autos de Devassa (1807), Autuação da Representação que dirigiram

os negociantes desta Praça ao Ilmo Senhor General.

Livro de Escrituras de Óbidos (1820-1823).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão (1816-1819).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão (1817-1819)Livro de Notas do Tabelião Perdigão, (1808-1809).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1152 (1820-1821).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1159 (1821-1821).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1170, (1817-1818).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1171 (1821-1822).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1172, (1809-1810).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1176.

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1181 (1793-1795).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1182.

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1183 (1829-1830).

Livro de Notas do Tabelião Perdigão, Livro 1190.

Registro de Carta de Data de Sesmaria, Livro 19.

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365

CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA.

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará. Cartório Fabilino Lobato. Ofício de Notas, 11º. Vara-

cível, 1817.

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará. Cartório Fabilino Lobato. Ofício de Notas, 11º. Vara-

cível, 1843.

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará. Cartório Fabilino Lobato. Ofício de Notas, 11º. Vara-

cível, (1819; 1833).

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará. Cartório Fabilino Lobato. Ofício de Notas, 11º. Vara-

cível, 1819.

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará. Cartório Fabilino Lobato. Ofício de Notas, 11º. Vara-

cível, 1845.

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará. Cartório Fabilino Lobato. Ofício de Notas, 11º. Vara-

cível, 1813.

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará. Cartório Fabilino Lobato. Ofício de Notas, 11º. Vara-

cível, 1840.

Arquivo do Tribunal de Justiça do Pará, Cartório da Provedoria de Resíduos e Capela. Fabilino

Lobato, 11ª. Vara Cível, ano de 1845.Cartório da Provedoria e Resíduos (CPR)/11º. Vara Cível. Autos de Testamento de Izabel

Caetana, 1833.

MINISTÉRIO DO OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES -

ARQUIVO HISTÓRICO:

Superintendência Geral dos Contrabandos. Fundo: Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão.

Junta de liquidação dos fundos. Correspondência recebida e expedida (1824-1825). Cggm 1.

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