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324

ISSN: 1646-0480 Revista da Faculdade de Cincias Humanas e Sociais, n 7, p. 324-334 (2010)Submetido/Submitted: 01 Jun. 2010 / Aceite/Accepted: 11 Set. 2010

AS RELAES LUSO-AMERICANAS: UM GRANDE DESAFIO, ENORMES POTENCIALIDADES

Joo Lus DiasAluno do Mestrado em Cincia Poltica e Relaes InternacionaisFaculdade de Cincias Humanas e Sociais Universidade Fernando Pessoa, Porto, [email protected]

Carla Pinto CardosoProfessora AuxiliarFaculdade de Cincias Humanas e Sociais Universidade Fernando Pessoa, Porto, [email protected]

325

RESUMOAs relaes entre Portugal e uma das naes mais poderosas do mundo, os Estados Unidos da Amrica, assumem uma especial importncia no contexto das relaes externas portu-guesas. Contudo, este tema no tem merecido a ateno devida. Desta forma, o presente trabalho, sem deixar de fazer uma breve reviso do passado, refere-se ao essencial da actu-alidade das relaes luso-americanas, nas reas em que estas so mais pertinentes, com o objectivo de demonstrar a relevncia do estudo das relaes entre estes dois pases.

PALAVRAS-CHAVERelaes externas de Portugal, relaes luso-americanas, diplomacia

ABSTRACTThe relations between Portugal and one of the worlds most powerful nations, the United States of America, are very important to the Portuguese foreign relations. Despite this fact, the issue is not granted the attention it deserves. So this paper makes a brief summary of the past and refers essentially the current US-Portugal relations in the more pertinent fields, with the goal of demonstrating the relevance of studying this two countries relations.

KEywORDSForeign relations of Portugal, Portuguese-American relations, diplomacy

326 INTRODUO

As relaes entre Portugal e os Estados Unidos da Amrica tm pouco mais de dois sculos, devido juventude da nao americana. Porm, assumem uma importncia fundamental no panorama diplomtico nacional.

Depois do colapso da Unio Sovitica, os Estados Unidos adoptaram o papel de nica su-perpotncia mundial e, actualmente, com base na sua superioridade econmica e militar, a nao americana domina tambm as atenes diplomticas mundiais.

Portugal sempre teve relaes privilegiadas com Washington, baseadas na atlanticidade dos dois pases, mas tambm por partilharem interesses comuns ao longo dos tempos. Prova disto o que referido no relatrio da biblioteca do Congresso americano:

The United States and Portugal traditionally considered each other friends and allies. These sentiments were reinforced by the large number of portuguese im-migrants to the United States and the growing economic and political importance of the Portuguese community. (Vicente 78)

Apesar disso, as relaes luso-americanas no tm granjeado, como diz Jaime Gama, um estudo sistemtico com a profundidade que, em princpio, mereceria matria de to reco-nhecida importncia. (Magalhes 9)

Uma das razes para isso suceder pode ter a ver com a integrao portuguesa na Unio Europeia, um actor internacional com uma grandeza bem mais comparvel dos Estados Unidos, o que fez com que ganhassem maior destaque as relaes entre esta instituio e o gigante do outro lado do Atlntico, relegando o papel de Portugal para segundo plano.

Contudo, o fortalecer da ligao portuguesa com os Estados Unidos no representar a ne-gao da Europa ou da Unio Europeia, porque, como diz, Rui Machete (Machete 48), uma relao privilegiada com os EUA permite, a Portugal, ter uma outra capacidade negocial na Europa. Tambm Jaime Gama defende esta posio, ao afirmar que a integrao de Por-tugal nas Comunidades Europeias deve significar no menos, mas cada vez melhor e mais exigente relacionamento com os Estados Unidos da Amrica. (Magalhes 12)

O objectivo deste trabalho tentar clarificar as ligaes de Portugal com os Estados Unidos, em vrias matrias cruciais, para melhor se compreender qual o verdadeiro estado da situ-ao das relaes de Portugal com o gigante norte-americano. Este tema assume grande importncia, particularmente no ano em que o presidente norte-americano, Barack Obama, visita Portugal.

1. ENqUADRAMENTO HISTRICO

A Guerra da Independncia Americana teve incio em 1775, quando os colonos se revolta-ram contra os britnicos e declararam a independncia dos Estados Unidos da Amrica. Por-tugal foi dos poucos pases a reconhecer, em 1783, a autonomia da jovem nao americana, ainda antes do Tratado de Paris que ps fim Revoluo Americana (os outros foram Pases Baixos e Espanha) (Melandri).

327Em 1808, Thomas Jefferson, o terceiro presidente americano, deu as boas vindas ao conti-nente americano ao Prncipe Regente e corte portuguesa, que tinham fugido para o Brasil em consequncia das invases napolenicas (Magalhes).

Portugal, que durante os primeiros anos da histria dos Estados Unidos, desempenhava um papel relevante no comrcio exportador americano por ser um grande importador dos ce-reais, apenas em 1816 teve o primeiro representante diplomtico em Washington: o Abade Jos Correia da Serra. Porm, mais tarde, Correia da Serra abandona os EUA, na sequncia de vrios ataques de corsrios americanos marinha portuguesa.

Aquando da independncia do Brasil, em 1822, os Estados Unidos no ficaram muito agra-dados com o facto de se instalar uma Monarquia na Amrica, um continente republicano, nem com a ligao das coroas brasileira e portuguesa. Como tal, no reconheceram o ttulo de Imperador do Brasil a D. Joo Iv. Quando D. Miguel rompe a ligao com o Brasil, o go-verno americano fica agradado e reconhece o governo miguelista em Portugal, apesar dos ataques da imprensa americana ao absolutismo.

Em 1840, finalmente conseguido o acordo de comrcio, que h muito era perseguido, entre Portugal e os Estados Unidos. Contudo, com a chegada de zachary Taylor presidn-cia dos Estados Unidos, as relaes luso-americanas sofrem um rude golpe. Este retoma o assunto do General Armstrong, um navio corsrio americano que tinha sido afundado por navios britnicos, em 1814, durante a guerra entre o Reino Unido e os Estados Unidos, no porto neutral da Horta, no Faial. Taylor, que pretende ser largamente compensado por Por-tugal, ameaa com a suspenso das relaes diplomticas entre os dois pases e com outras represlias. Mas Taylor morreu subitamente e o seu sucessor, Fillmore, aceitou a proposta de indemnizao portuguesa, tendo as relaes luso-americanas regressado normalidade. Terminava, assim,

um incidente que poderia ter tido graves consequncias nas relaes entre Portu-gal e os Estados Unidos, provocados por uma imprudente promessa feita por um presidente a um particular antes de exercer essas funes. (Magalhes 37)

Em 1861, d-se Guerra Civil Americana. Durante este conflito, que durou at 1865, Portu-gal colaborou com o governo da Unio, ao contrrio das maiores potncias europeias, que mantiveram a neutralidade, abrindo os portos aos navios do Norte, mas no aos corsrios a soldo das foras sulistas (a Confederao no tinha marinha).

Por esta altura, as relaes entre Portugal e os EUA so as melhores. Para isso, muito contribuiu a poltica de ligao mais estreita com os americanos por parte do Ministro dos Negcios Es-trangeiros Andrade Corvo e o papel de mediador desempenhado pelos Estados Unidos num conflito entre Portugal e o Reino Unido, num diferendo sobre a ilha de Bolama, em que deram razo aos portugueses. Contudo, este perodo de boas relaes terminou com a Conferncia de Berlim (1884-1885), onde a posio americana em relao aos interesses portugueses nas questes do Congo e dos caminhos-de-ferro de Loureno Marques provoca uma grave crise nas relaes luso-americanas, que s mitigada pela simpatia que o governo portugus nutre pela causa americana durante a guerra hispano-americana (1898).

A primeira dcada do sculo XX frtil em pactos entre os dois pases e so assinados seis acordos trs comerciais e trs sobre arbitragem, naturalizao e emigrao apesar da

328 denncia portuguesa do acordo de 1840, na sequncia da vaga proteccionista mundial no incio do sculo.

A 29 de Junho de 1911, os EUA reconhecem a Repblica Portuguesa foram a primeira po-tncia mundial a fazerem-no e d-se incio a um novo perodo nas relaes entre Portugal e os Estados Unidos, marcado por trs momentos fundamentais: as duas guerras mundiais e a guerra colonial portuguesa.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Portugal e os Estados Unidos so aliados na luta contra a Alemanha e Portugal cede aos EUA uma base naval nos Aores, para enfrentar a campanha submarina alem no Atlntico.

Na II Guerra, Portugal manteve-se neutro durante todo o conflito, mas cedeu a base das Lajes aos Estados Unidos, por fora do acordo luso-americano de Novembro de 1944. Aps o final do conflito, a cedncia das Lajes foi sendo renovada e, em 1951, d-se o Acordo de Auxlio Mtuo para a Defesa e ainda o Acordo de Defesa entre os dois pases.

J a questo colonial provocou uma srie crise entre Lisboa e Washington, j que os america-nos eram favorveis descolonizao, enquanto Salazar recusava tal cenrio. Quando John kennedy tentou dissuadir Salazar da guerra colonial, deu-se, porventura, a maior clivagem de sempre entre os dois pases. O presidente americano proibiu a venda de armamento americano a Portugal para utilizao em frica e Salazar, que nutria uma profunda antipatia pelos Estados Unidos, respondeu com o recurso sua arma diplomtica mais poderosa: a base das Lajes, cujos acordos de cedncia passariam a ser firmados a curto prazo. Como diz Norrie MacQueen: a atitude de Salazar para com os Estados Unidos durante o resto do tempo em que permaneceu no poder poderia ser considerada gaulista. (MacQueen 77).

Contudo, em 1963 kennedy assassinado e o seu sucessor, Lyndon Johnson, no nutre o mesmo interesse pelas questes africanas, o que permite um desanuviar das tenses entre os dois pases. Em 1968, Marcello Caetano substitui Salazar e institui uma poltica mais mo-derada, aproveitando a atitude menos agressiva do presidente americano, Richard Nixon, e as relaes voltam a melhorar.

Em Abril de 1974 d-se a Revoluo portuguesa que derruba a ditadura marcelista. Porm, em plena Guerra-Fria, a perspectiva de se erguer um Estado comunista na Europa Ocidental, preocupa de sobremaneira os americanos, que passam a agir com grande cautela em rela-o a Portugal. Em consequncia disso, o acordo das Lajes renegociado em 1979, mas com poucas contrapartidas para Portugal, e s em 1983 conseguido um acordo mais vantajoso para os interesses portugueses.

Mas a situao portuguesa estabilizou-se e o rumo seguido foi em direco a uma democra-cia ocidental. Em 1986, Portugal adere Unio Europeia e as relaes com os EUA normali-zaram-se e solidificaram-se.

Apesar de breve, esta perspectiva sobre a histria das relaes luso-americanas, incidindo, naturalmente, sobre a vertente poltica, diplomtica e militar, oferece uma clara imagem da relevncia desta ligao bilateral, entre dois pases que partilham o Atlntico.

3292. A EMIGRAO PORTUGUESA PARA OS ESTADOS UNIDOS

A presena portuguesa em solo americano remonta ao sculo XvI, quando o navegador Joo Rodrigues Cabrilho explorou a costa da Califrnia. Mais tarde, no sculo XvIII, um grupo significativo de judeus portugueses fixou-se em Nova Iorque, formando a primeira grande comunidade judaica em solo norte-americano. Porm, s no sculo seguinte que se veri-fica uma emigrao verdadeiramente expressiva de portugueses para o Novo Continente, maioritariamente oriundos dos arquiplagos da Madeira e, principalmente, dos Aores. Es-tes emigrantes portugueses dedicaram-se sobretudo a actividades piscatrias e agrcolas.

No sculo XX verificam-se dois momentos de grandes vagas de emigrao portuguesa para a Amrica. O primeiro foi no incio do sculo, at 1929, altura em que, devido Grande Depresso, os americanos levantaram grandes barreiras em relao imigrao. O segundo teve lugar aps a erupo do vulco dos Capelinhos, no Faial, em 1957. Na sequncia dessa catstrofe natural, os EUA mudaram a poltica de imigrao em relao ao nosso pas, o que permitiu que um grande nmero de cidados nacionais emigrasse para terras do Tio Sam (vicente).

Calcula-se que, no perodo de maior emigrao portuguesa para os Estados Unidos, entre 1820 e 1978, mais de 440 mil portugueses tenham migrado para o Novo Continente. Actu-almente, o fluxo migratrio de portugueses para os EUA apresenta nmeros mais reduzidos, apesar de se manter uma corrente regular. Segundo as ltimas estimativas do Departamen-to de Censos americano, de 2008, existiro mais de um milho e 400 mil portugueses em solo norte-americano, espalhados por todos os 50 Estados do pas, mas com destaque para a Califrnia, Massachusetts, Rhode Island e New Jersey (vicente).

Agora que a presena de cidados nacionais nos EUA se encontra relativamente estabilizada seria conveniente, como diz Rui Machete, considerar o estatuto das comunidades portu-guesas nos Estados Unidos e a necessidade do seu upgrading. (Machete 45). Isto porque estes emigrantes portugueses tm uma menor influncia na vida poltica e social americana do que outras comunidades de dimenso semelhante. Assim, desejvel que estes portu-gueses adquiram a nacionalidade americana, se inscrevam nos recenseamentos e votem, de modo a terem uma voz activa e participativa no pas que os acolheu. Alm disso, a natu-ralizao tambm importante para permitir o acesso a benefcios sociais e para precaver a deportao em caso de infraco lei o sistema jurdico americano prev a deportao de imigrantes legais que quebrem a lei. Foi com o objectivo de encorajar os portugueses nos EUA, que no tencionavam regressar a Portugal, a adquirirem a nacionalidade americana, que a Fundao Luso-Americana, com o apoio do governo portugus, criou o programa Portuguese American Citizenship Project.

Finalmente, existem tambm organizaes de interesse poltico com relevncia para a co-munidade luso-americana e para Portugal. O Portuguese-American Leadership Council of the United States (PALCUS) o nico lobby poltico luso-americano que actua nos EUA a nvel na-cional. No interior do Congresso existem o Portuguese Caucus, na Casa dos Representantes, e o grupo Friends of Portugal, no Senado, dois grupos que associam, em cada uma das Cma-ras, os polticos que tm entre os seus constituintes um grande nmero de luso-americanos.

330 3. OS NORTE-AMERICANOS EM PORTUGAL

Ao contrrio do que acontece com a comunidade portuguesa nos Estados Unidos, a pre-sena de cidados americanos no nosso pas diminuta. Segundo os dados do Servio de Estrangeiros e Fronteiras, em 2008 existiam 2228 americanos com estatuto legal de residn-cia em Portugal. Estes dividem-se entre o continente (1864), o arquiplago dos Aores (313) e da Madeira (51) (Instituto Nacional de Estatstica).

Mas se a comunidade de norte-americanos a residir em Portugal residual, o mesmo j no acontece em relao ao turismo, o que no de admirar, visto que os Estados Unidos so o segundo pas do mundo que mais gasta em turismo (mas tambm so o que mais recebem) e representam o oitavo maior pas emissor de turistas para Portugal.

Nos ltimos anos, o nmero de turistas americanos no nosso pas tinha vindo a aumentar consistentemente, mas, em 2008, registou-se uma acentuada quebra, fruto, porventura, da crise econmica que despoletou nesse ano. Actualmente, o cenrio , aparentemente de re-cuperao e, nos primeiros 11 meses de 2009, mais de 230 mil turistas americanos visitaram Portugal. O mesmo fenmeno observou-se com as receitas com os turistas provenientes dos Estados Unidos, que decresceram de mais de 300 mil euros em 2004, para 218 mil em 2008. De Janeiro a Novembro de 2009, assistiu-se a um tmido aumento de receitas. Todos estes dados esto ilustrados no quadro seguinte (AICEP).

Figura 1. Turismo dos EUA em Portugal

2004 2005 2006 2007 2008Var%a04/08

2008Jan/Nov

2009 Jan/Nov

Var%b08/09

Receitasc 303.325 287.767 276.180 298.070 218.001 -7,0 220.864 220.779 0,0

% Totald 4,9 4,6 4,1 4,0 2,9 -- 3,2 3,4 --

Posioe 5 5 5 5 7 -- n.d. 6 --

Hspedesc 232.483 239.650 258.076 274.275 240.173 1,2 230.927 231.206 0,1

% Totald 4,0 4,0 4,0 3,9 3,4 -- 3,4 3,7 --

Posiof 7 7 7 7 8 -- 8 8 --

Dormidasc 576.217 578.826 623.688 652.679 568.053 0,0 546.338 515.179 -5,7

% Totald 2,5 2,4 2,5 2,4 2,2 -- 2,2 2,3 --

Posiof 9 9 8 8 10 -- 10 10 --

Fontes: INE Instituto Nacional de Estatstica; Banco de Portugal

Unidades: Receitas (milhares de euros); Hspedes e Dormidas (Unidades)

Notas: (a) Mdia aritmtica das taxas de crescimento anuais no perodo 2004-2008

(b) Taxa de variao homloga

(c) Inclui apenas a hotelaria global

(d) Refere-se ao total de estrangeiros

(e) Posio enquanto mercado emissor, num conjunto de 55 mercados seleccionados

(f ) Posio enquanto mercado emissor, num conjunto de 22 mercados seleccionados

n.d.- no disponvel

3314. RELAES CULTURAIS E CIENTFICAS

A cultura um dos aspectos mais importantes nas relaes entre povos e assume uma especial importncia no caso das relaes luso-americanas, porque, como diz Rui Machete (Machete 25), os Estados Unidos, goste-se ou no, so hoje o palco do mundo para muitas batalhas, incluindo as travadas no campo cultural.

De entre as matrias culturais, destaca-se, obviamente, a questo da lngua portuguesa, uma das mais faladas do mundo. Havendo dois milhes de pessoas a falarem portugus nos Estados Unidos, entre portugueses, brasileiros e cabo-verdianos, necessrio garantir que os seus descendentes no abandonem a lngua dos seus pais. Para isso, reveste-se de especial importncia a aposta do ensino do Portugus, ao nvel do primrio e do secundrio. nesse sentido que o governo portugus tem realizado esforos para introduzir o Portu-gus como segunda lngua dos exames de admisso universitria SAT (Scholastic Assessment Tests). Tambm o Instituto Cames tem realizado um papel importante, dedicando cada vez maior ateno aos Estados Unidos.

caricato perceber que o conhecimento da cultura americana, pela larga maioria dos por-tugueses, advm do que nos chega atravs das sries televisivas norte-americanas e dos filmes de Hollywood. Em Portugal, muito escassa a compreenso da complexa realidade americana, seja ao nvel da cultura, do ensino, da cincia, ou mesmo da poltica. Ainda pior o conhecimento da cultura e da realidade portuguesa por parte dos americanos, sendo praticamente inexistente. Para mudar este facto, a Fundao Luso-Americana, fundada em 1985, tem trabalhado arduamente, atravs do incentivo cooperao entre a sociedade civil americana e portuguesa.

No campo da educao, a Comisso Fullbright em Portugal tem contribudo para o inter-cmbio de estudantes entre o nosso pas e os Estados Unidos, atravs da atribuio de bol-sas escolares. A presena de estudantes portugueses nos EUA comea a acentuar-se e a Portuguese American Post-Graduate Society conta j com cerca de 400 membros (Fullbright Portugal).

J a cooperao tcnica e cientfica entre os dois pases, segundo Rui Machete (Machete 45), tem progredido, mas ainda relativamente diminuta. Os Estados Unidos oferecem enor-mes recursos e possibilidades nestes domnios, fruto do seu vasto complexo universitrio e de institutos de investigao, que poderiam ser melhor aproveitados por Portugal. Da mesma forma, tambm os norte-americanos teriam a ganhar com uma maior aposta na cooperao luso-americana, pois o nosso pas tambm possui alguns centros de investiga-o de grande qualidade que podem permitir uma experincia europeia de qualidade aos nossos vizinhos do outro lado do Atlntico.

5. RELAES DE DEFESA E SEGURANA

As relaes luso-americanas nos campos da Defesa e da Segurana advm, principalmente, da cooperao no mbito da NATO e da cedncia portuguesa da base das Lajes aos norte--americanos.

332 Portugal e os Estados Unidos foram membros fundadores da Organizao do Tratado do Atlntico Norte, uma organizao internacional de Defesa constituda em 1949, no contexto da Guerra-fria, para fazer face ao poderio militar do bloco sovitico. Actualmente, apesar do fim da ameaa da URSS, a NATO ainda desempenha um papel de relevo nas relaes internacionais.

No contexto da participao portuguesa na NATO, Portugal tem cooperado com os Estados Unidos em vrios palcos de conflitos internacionais, como nos Balcs, no Iraque ou no Afe-ganisto. Actualmente, Portugal participa com efectivos militares no kosovo (295 militares) e no Afeganisto (167) (Estado-maior General das Foras Armadas). Outro ponto de contac-to crucial entre os dois pases tem sido, desde a II Guerra Mundial, a parceria luso-americana em relao base das Lajes. Este essencial ponto estratgico mesmo conhecido, entre os americanos, como o porta-avies do Atlntico. A base dos Aores proporciona s Foras Armados dos Estados Unidos o apoio s suas foras colocadas em diversos pontos, como no Mdio Oriente, na sia ou em frica. Ao longo dos anos, sucessivos acordos tm sido firmados entre as duas naes, permitindo a utilizao americana da base, em troca de contrapartidas para Portugal. Recentemente, esta parceria foi alvo de crticas, em Portugal, devido polmica relacionada com a escala nas Lajes de voos da CIA em direco priso de Guantnamo. Apesar disso, a relao luso-americana no que diz respeito base aoriana no parece ter sido afectada.

Na actualidade, e na ausncia de grandes conflitos, o cenrio internacional permite que Portugal e os Estados Unidos se dediquem a novas matrias, que proporcionem uma maior e mais apertada cooperao. O continente africano pode, nessa ptica, representar uma for-ma de Portugal recuperar algum protagonismo, j que os Estados Unidos, nos ltimos anos, tm aumentado o seu interesse por frica e Portugal tem procurado desenvolver uma maior cooperao luso-americana e um maior empenhamento da NATO em frica (Machete).

Ainda em relao s questes de Defesa e Segurana, e de Portugal mantm com os Esta-dos Unidos da Amrica um Acordo de Cooperao e Defesa, assinado em 2005, em Lisboa, e um Acordo sobre Segurana de Informaes Militares, celebrado em 1982, tambm em Lisboa (Gabinete de Documentao e Direito Comparado).

6. RELAES COMERCIAIS E ECONMICAS

Os fluxos comerciais entre Portugal e os Estados Unidos sempre tiveram uma grande impor-tncia para o nosso pas. Contudo, essa relevncia tem vindo a diminuir, nomeadamente ao nvel das exportaes.

Em 2007, os EUA assumiam-se como o nosso maior parceiro comercial fora da Unio Euro-peia, ocupando a 5 posio no ranking de clientes, mas, em 2009, tinham descido para o 9 lugar. As exportaes portuguesas para os EUA representavam 6,1% do total das exporta-es nacionais em 2006, enquanto que, em 2008, esse valor desceu para os 3,5%. Em relao s importaes, o panorama no mudou to substancialmente. Ainda assim, desde 2004, o peso das importaes provenientes dos Estados Unidos tambm diminuiu, especialmente em 2006, assistindo-se, a partir de 2007, a uma tmida retoma, como se verifica no quadro seguinte (AICEP).

333Figura 2. Importncia dos EUA nos fluxos comerciais de Portugal

2004 2005 2006 2007 2008

Como clientePosio 5 5 5 5 7

% 5,8 5,4 6,1 4,8 3,5

Como

fornecedor

Posio 8 9 10 11 11

% 2,3 2,2 1,5 1,7 1,7

Fonte: INE Instituto Nacional de Estatstica

J para a dimenso americana, as relaes comerciais com Portugal so relativamente pe-quenas. Segundo o Departamento de Estado norte-americano, em 2008 os Estados Unidos exportaram bens para Portugal no valor de 2,6 bilies de dlares, enquanto as importaes representaram cerca 2,4 bilies (US State Department).

O governo portugus tem reunido esforos para aumentar o impacto das exportaes de novas tecnologias e servios, mantendo ainda os produtos que, tradicionalmente, sempre exportou, como os txteis e o calado. No sentido inverso, as empresas americanas desem-penham no nosso pas um papel significativo nos sectores farmacuticos, de informtica e de retalho. Por outro lado, a indstria automvel norte-americana tem vindo, nos ltimos anos, a retirar a sua presena em solo portugus.

A nvel econmico, importa, ainda, apontar a grande relevncia que as remessas dos emi-grantes portugueses no estrangeiro assumem para as finanas do pas. Porm, nos ltimos oito anos, estes envios financeiros decresceram cerca de 33%. Em 2008, segundo o Banco de Portugal, as remessas provenientes dos Estados Unidos foram de 171.462 milhes de euros e representaram 6,9% do total. Estes valores fizeram da comunidade portuguesa nos EUA a terceira mais importante a nvel mundial (apenas ultrapassada pelas comunidades em Frana e na Sua) e a maior contribuidora fora do espao europeu.

CONCLUSO

Identificadas as vrias dimenses das relaes luso-americanas, ficam mais perceptveis as razes que tornam to fundamental uma ligao mais alargada, mais dinmica e mais pr-xima entre Portugal e os Estados Unidos da Amrica. Ficam tambm evidentes os interesses portugueses nos Estados Unidos, que so extremamente importantes e merecem um maior estudo e um maior destaque.

Portugal tambm possui algumas cartas na manga para conseguir contrabalanar o enor-me poderio americano. A base das Lajes o trunfo habitual, mas actualmente, dado o inte-resse revelado pelos Estados Unidos nas naes emergentes do Brasil e de Angola, o nosso pas pode valer-se das relaes de privilgio com esses pases para se aproximar dos EUA e ser visto por Washington como um actor internacional de relevo, com quem vale a pena construir uma relao slida de cooperao.

334 Portugal tem muito a ganhar com o estreitar de relaes com o gigante do outro lado do Atlntico. Como pas pequeno que Portugal, o estabelecimento de relaes de excelncia com um to poderoso actor internacional seria importante para aumentar a capacidade portuguesa de influenciar.

Assim, no melhor interesse do pas apostar nas relaes luso-americanas, aproveitando-se das possibilidades que a nossa costa atlntica nos proporciona, mas sem nunca negligenciar a nossa posio europesta que , sem dvida, a realidade a que pertencemos.

BIBLIOGRAFIA

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Fullbright Portugal. 2010. Internet. 17 Mar. 2010 .

Gabinete de Documentao e Direito Comparado. 24 de Agosto de 2009. Internet. 17 Mar. 2010 .

Instituto Nacional de Estatstica. Internet. 17 Mar. 2010 .

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MacQueen, N. Descolonizao da frica portuguesa. Mem Martins: Inqurito, 1998.

Magalhes, Jos Calvet de, et al. Paradoxo atlntico. Diagnstico das relaes luso americanas. Lisboa: Fim de Sculo, 1993.

Melandri, Pierre. Histria dos Estados Unidos desde 1865. Lisboa: Edies 70, 2002.

Relaes Econmicas Portugal-EUA. AICEP, Maro de 2010. Internet. 23 Mar. 2010 .

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vicente, Antnio L. Os portugueses nos Estados Unidos da Amrica. FLAD, 1998. Internet. 17 Mar. 2010 .