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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA AS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL CLARICE ESCOBAR DE ALENCASTRO Porto Alegre 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

AS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

CLARICE ESCOBAR DE ALENCASTRO

Porto Alegre2009

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CLARICE ESCOBAR DE ALENCASTRO

AS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado à Comissão de Graduação do Curso de Pedagogia/Licenciatura, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como requisito parcial e obrigatório para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia.Orientadora: Profª Dra. Luciane M. Corte Real

Porto Alegre2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULReitor: Prof. Dr. Carlos Alexandre NettoVice-Reitor: Prof. Dr. Rui Vicente Oppermann

FACULDADE DE PEDAGOGIADiretor: Johannes DollVice-diretora: Denise Maria Comerlato

COMISSÃO DE GRADUAÇÃOCoordenadora: Maria Bernadete Castro RodriguesCoordenadora Substituta: Eunice Aita Isaia Kindel

FACULDADE DE EDUCAÇÃOAv. Paulo Gama, 110Campus CentroPrédio 12201CEP: 90046-900Porto Alegre/RSFone: (51) 3308-3428Fax: (51) 3226-7060

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Clarice Escobar de Alencastro

AS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado à Comissão de Graduação do Curso de Pedagogia/Licenciatura, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como requisito parcial e obrigatório para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia.Orientadora: Profª Dra. Luciane M. Corte Real

Aprovado em ___/___/_____.

A Comissão Examinadora abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso As Relações de Afetividade na Educação Infantil, elaborado por Clarice Escobar de Alencastro, como requisito parcial e obrigatório para otenção do título de Licenciatura em Pedagogia.

______________________________________________Nome

Titulação

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Titulação

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Titulação

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RESUMO

O presente trabalho tem como tema central a afetividade na Educação infantil. Investiga as relações interpessoais entre o adulto e a criança, tratando da relação professor e aluno, assim como da relação família e criança. Para elucidar essas questões buscou-se o referencial teórico de Piaget, Maturana e Winnicott. Os principais objetivos da pesquisa foram conhecer como acontece o desenvolvimento da afetividade infantil e quais os fatores que contribuem no desenvolvimento da criança. A pesquisa apoiou-se na descrição de um diário de campo realizado em uma turma de Maternal I com crianças de aproximadamente três anos de idade em uma escola de Educação Infantil pública municipal de Porto Alegre e da elaboração de um questionário dirigido às educadoras e familiares da turma. A partir dos dados empíricos observou-se primeiramente a importância do vínculo família e criança que se amplia no vínculo professor e aluno na construção da afetividade. Palavras-chave: Afeto. Relação interpessoal. Desenvolvimento da afetividade.

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ABSTRACT

The present work is focused on the emotion in children's education. Investigates the interpersonal relationships between adult and child, dealing with the relationship between teacher and student, as well as for family and child. To elucidate these issues we sought the theoretical framework of Piaget, Maturana and Winnicott. The main objectives of the research were known as in the development of children's affection and the factors that contribute to the development of children. Research supported by the description of a diary held in a Maternal I class with children of about three years old in a school of early childhood education public schools of Porto Alegre and the development of a questionnaire addressed to teachers and parents class. From the empirical data it was first observed the importance of family and child bond that expands the link teacher and student in the construction of affection.Key-words: Affect. Interpersonal relationship. Development of affection.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................. 07

2 AFETIVIDADE E AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS ..................... 08

3 A APRENDIZAGEM E A AFETIVIDADE ......................................... 16

4 À PROCURA DAS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL .............................................. 18

4.1 Conhecendo a escola ..................................................................... 194.2 Alguns olhares sobre as relações de afetividade na turma do

Maternal I ......................................................................................... 20

5 A INFÂNCIA E AS RELAÇÕES AFETIVAS .................................... 28

REFERÊNCIAS ................................................................................ 31

APÊNDICE A — QUESTIONÁRIO .................................................. 32

APÊNDICE B — TERMO DE AUTORIZAÇÃO ............................... 33

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1 INTRODUÇÃO

As relações de afetividade na educação infantil, tanto as de professor-aluno

quanto as de família-criança, sempre chamaram a minha atenção. Como trabalho há

alguns anos nesta área, sempre tive como princípio norteador da minha prática o

afeto. Entendo como afeto o sentimento de carinho, atenção, acolhimento, respeito

pelo outro.

Sendo a afetividade essencial às relações humanas vejo o educando como

um sujeito em fase de formação, com características peculiares e que necessita de

educação e cuidados que favoreça sua constituição como indivíduo.

A afetividade está muito presente no processo de aprendizagem,

principalmente quando se trata de educação infantil. Ela é facilitadora deste

processo e o professor um mediador. Nessa fase, a construção do limite é muito

importante para a constituição de um indivíduo cidadão de direitos e com a

consciência de que também tem deveres.

Neste trabalho, meu principal foco é entender como se estabelecem as

relações de afetividade infantil entre o adulto e a criança e como elas influenciam no

processo de ensino-aprendizagem em uma turma de Maternal I de uma escola

municipal de Porto Alegre. Meus principais objetivos visam compreender a

importância do afeto no desenvolvimento infantil e identificar aspectos que podem

contribuir de maneira positiva e/ou negativa no desenvolvimento infantil.

Nesse sentido, procurei embasamento teórico para explicar os aspectos que

fazem parte da afetividade infantil e como podem contribuir para o desenvolvimento

das crianças. Busquei o referencial teórico de Piaget, Humberto Maturana e

Winnicott por serem autores com grande colaboração nesse tema. Não desprezando

os autores Vygotsky e Wallon, que também têm muito a acrescentar sobre o

assunto.

Para contribuir com meu trabalho, realizei um estudo exploratório-qualitativo,

com questionário e diário de campo. A pesquisa foi realizada em uma escola pública

municipal de educação infantil na cidade de Porto Alegre, onde realizei o diário de

campo com observações em uma turma de Maternal I, com crianças de

aproximadamente três anos de idade. O questionário foi dirigido às famílias e

educadoras dessa turma.

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2 AFETIVIDADE E AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

Se formos pesquisar no dicionário Michaelis (2008) encontraremos afetividade

como: “1. Qualidade de quem é afetivo. 2. Psico) Suscetibilidade a quaisquer

estímulos ou disposição para receber experiências afetivas”. E é dessas

experiências afetivas e das relações que as crianças estabelecem com o adulto que

pretendo falar, utilizando os autores Piaget, Maturana e Winnicott para abordar esse

tema.

Na teoria de Piaget, o desenvolvimento intelectual é considerado como tendo

dois componentes: um cognitivo e um afetivo. Afeto inclui sentimentos, interesses,

desejos, tendências, valores e emoções. O afeto se desenvolve no mesmo sentido

que a cognição ou inteligência, tornando difícil encontrar um comportamento apenas

da afetividade, sem nenhum elemento cognitivo e vice-versa.

Para Piaget (1971, p. 271):

A vida afetiva, como a vida intelectual é uma adaptação contínua e as duas adaptações são, não somente paralelas, mas interdependentes, pois os sentimentos exprimem os interesses e os valores das ações, das quais a inteligência constitui a estrutura.

Na teoria de Piaget (1982), os conceitos de assimilação e acomodação, para

se chegar à adaptação são essenciais para o desenvolvimento intelectual da

criança.

A assimilação consiste na tentativa do indivíduo em solucionar uma

determinada situação a partir da estrutura cognitiva já existente. O processo de

assimilação representa uma tentativa de integração de aspectos, experiências aos

esquemas previamente estruturados. Ao entrar em contato com o objeto do

conhecimento, o indivíduo busca retirar dele as informações que lhe interessam,

deixando outras que não lhe são tão importantes, visando atingir um equilíbrio.

A acomodação consiste na capacidade de modificação da estrutura mental

antiga para dar conta de dominar um novo objeto do conhecimento. A acomodação

representa o elemento complementar das interações sujeito-objeto. Toda

experiência é assimilada a uma estrutura de idéias já existentes.

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Os processos de assimilação e acomodação são complementares e acham-

se presentes durante toda a vida do indivíduo.

Segundo Piaget (1982), os estágios e períodos do desenvolvimento infantil

caracterizam as diferentes maneiras do indivíduo interagir com a realidade, de

organizar seus conhecimentos. Sendo assim, trago como destaque aqui, dois

estágios do desenvolvimento: o estágio sensório-motor e o estágio pré-operatório.

Piaget (1982) não determina idades fixas para cada estágio, mas eles se

desenvolvem em uma seqüência, respectivamente:

a) estágio sensorio-motor (de 0 a 2 anos, aproximadamente): a atividade

intelectual da criança é de natureza sensorial e motora. Neste período a

criança não representa mentalmente os objetos, sua ação é direta sobre eles;

b) estágio pré-operacional (de 2 a 7 anos, aproximadamente): neste período a

criança desenvolve a capacidade simbólica e surgem os primeiros

sentimentos sociais, onde os principais instrumentos utilizados são a

representação e a linguagem falada.

Esse estágio, de acordo com Beard (1978), é o período de preparação para

as operações concretas, abrange a transição de estruturas de inteligência sensório-

motoras para pensamento operacional. Durante todo período sensório-motor, as

crianças interessam-se apenas por seu ambiente imediato, coordenam movimentos

e percepções para atingir metas em curto prazo, mas não são capazes de examinar

rapidamente possíveis ações, avaliar a eficácia de técnicas alternativas ou agir para

alcançar uma meta distante no tempo ou no espaço.

No estágio pré-operacional, a capacidade de representar uma coisa por outra

aumenta a rapidez e o alcance do pensamento, particularmente à medida que se

desenvolve a linguagem. Pois, é através da representação que se criam imagens

das experiências, incluindo as experiências afetivas, possibilitando que os

sentimentos possam ser recordados.

A criança é capaz de transitar entre o passado e o presente. Se ontem ela

não gostava de um objeto ou pessoa, esse sentimento pode permanecer no

presente. Ela apresenta consistência entre o gostar e o não gostar.

Outra forma de representação no qual as crianças do período pré-operatório

se engajam é o jogo simbólico, um jogo de faz-de-conta. A natureza do jogo

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simbólico é imitativa, mas ele é também uma forma de auto-expressão. No jogo

simbólico, a criança constrói símbolos sem constrangimento, invenções que

representam qualquer coisa que ela deseja. Há uma assimilação da realidade ao eu

mais do que uma acomodação do eu à realidade. Nas palavras de Piaget (1971, p.

265):

O jogo simbólico é uma assimilação livre do real ao eu, tornada necessária pelo fato de que quanto mais a criança é jovem menos seu pensamento é adaptado ao real, no sentido preciso de um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.

O jogo simbólico é a representação corporal do imaginário, é onde a criança

exercita a sua capacidade de pensar, de representar simbolicamente as suas ações.

O faz de conta vai permitir a criança recriar experiências da vida cotidiana,

situações imaginárias e utilizar os objetos livremente, atribuindo-lhes significados

múltiplos.

De acordo com Piaget (1982) a natureza livre do jogo simbólico tem um valor

essencialmente funcional e não é uma simples diversão.

Conforme foi dito anteriormente:

A representação e a linguagem permitem que os sentimentos adquiram uma estabilidade e duração que não tinham antes. Os afetos ao serem representados duram além da presença dos objetos que os provocou. Esta capacidade para conservar os sentimentos torna possível os sentimentos interpessoais e morais (PIAGET,1982 p. 44).

Segundo Piaget (1982), com o aparecimento da linguagem e, mais adiante,

com a reversibilidade do pensamento, a atividade começa a dirigir-se para o outro. A

descentração da afetividade aparece juntamente com a socialização, em

conseqüência com as primeiras formas de sentimentos entre os indivíduos.

Piaget (1982) concebeu o desenvolvimento do raciocínio moral, ou seja, o

surgimento dos primeiros sentimentos morais como uma conseqüência do

desenvolvimento cognitivo e afetivo.

Para começar, as normas não são generalizadas, mas são válidas apenas sob condições particulares. Por exemplo, a criança considera errado mentir a seus pais e a outros adultos, mas não a seus companheiros (PIAGET, 1982, p. 55).

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O afeto se desenvolve no mesmo sentido que a cognição ou inteligência.

Quando percebemos o raciocínio das crianças sobre questões morais, percebe-se

que os conceitos morais das crianças são construídos do mesmo modo como os

conceitos cognitivos. A criança pré-escolar, quando acidentalmente sofre uma batida

com outra criança, não percebe o incidente como um “acidente”, porque ela ainda

não construiu o conceito de intencionalidade.

De acordo com Piaget (1982), embora as crianças de aproximadamente três

anos de idade estarem ainda em processo rudimentar dos conceitos morais, elas já

apresentam sentimentos afetivos formados, preferências e o sentimento de gostar e

não gostar. Estas experiências são necessárias para o desenvolvimento de

sentimentos morais e para o futuro desenvolvimento afetivo em geral. Assim, o

mundo infantil torna-se fortemente influenciado pelas interações com os outros.

Outro ponto que considero importante ressaltar é sobre a socialização do

comportamento, onde Piaget (1982) declara que o indivíduo não é um ser social ao

nascer, mas torna-se social progressivamente, no decorrer dos anos e no contato

com o outro. Assim, podemos dizer que a base para a relação social é a

reciprocidade de atitudes e valores entre as crianças e os outros.

Piaget (1971) entende que o desenvolvimento social age sobre o

desenvolvimento cognitivo e afetivo. Como o desenvolvimento afetivo não é

separado do desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento social está relacionado

ao desenvolvimento cognitivo e afetivo. O conhecimento social é constituído pela

criança à medida que ela interage com os adultos e com outras crianças.

As relações entre o sujeito e o meio consistem em uma interação radical, de tal modo que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é desse estado que derivam dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de acomodação das próprias coisas (PIAGET, 1971, p. 384).

Para Piaget (2001, p. 18), o termo afetividade também designa os “[ . . . ]

sentimentos propriamente ditos e, em particular, as emoções”.

Assim, busquei outro autor que contribui para entendermos as emoções e as

relações afetivas, principalmente o brincar entre mãe e filho. Maturana (2004) afirma

que vivemos numa cultura que desvaloriza as emoções em favor da razão. Valorizar

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a racionalidade como expressão básica da existência humana é positivo, mas não

podemos deixar de levar em conta as emoções.

Do ponto de vista biológico, o amor é a emoção que constitui o domínio de ações no qual o outro é aceito como é no presente, sem expectativas em relação às conseqüências da convivência, mesmo quando seja legítimo espera-las. O desenvolvimento biológico sadio de uma criança requer uma vida de amor e aceitação mútua – e sem expectativas sobre o futuro -, com sua mãe e os outros adultos com os quais ela convive (MATURANA, 2004, p. 223).

A criança precisa ser amada como ela é, com atenção no que ela produz, nas

suas próprias atividades e não com expectativas em seus resultados.

Segundo Maturana (2004), durante seu desenvolvimento a criança adquire,

através das interações com sua mãe e outros membros da comunidade em que vive,

as emoções próprias de sua família e cultura. Assim, o emocionar se dá nas

relações sociais como algo natural e cultural.

Mas também ocorrem os “desencontros emocionais” sem as interações com a

família ou cultura. Quando o interagir em desencontro emocional torna-se cotidiano

em uma família pode gerar conflitos emocionais.

Se esse desencontro emocional ocorre na relação mãe-filho a criança não cresce de modo natural, tanto em seu desenvolvimento sensomotor como no desenvolvimento de sua consciência corporal e autoconsciência. Ela cresce como uma criança incapaz de participar de relações interpessoais naturais de mútua aceitação e respeito na vida adulta (Maturana, 2004, p. 150).

Maturana (2004) sugere como “cura para tal sofrimento” a relação de mútua

aceitação, as relações de brincadeiras com sua mãe, essências para o

desenvolvimento da criança.

Assim, o brincar surge como uma atividade realizada em si mesma, vivida no

presente de sua realização, desempenhada de modo emocional (de modo

espontâneo), sem nenhum propósito que lhe seja exterior.

Para Maturana (2004), a mãe e o bebê se encontram na linguagem e no

brincar, ou seja, na congruência de uma relação biológica, em uma plena aceitação

da corporeidade. Assim, o bebê se confirma como um ser biológico, no decorrer de

seu crescimento como um bebê humano, em interações humanas. Mas a mãe pode

não se encontrar com o bebê na brincadeira, por razão de suas expectativas,

desejos, aspirações ou ilusões.

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Se essa negação do bebê só acontece de modo ocasional, não surge nenhuma dificuldade fundamental no seu crescimento. Porém, se o desencontro entre a mãe e o bebê se torna sistemático, prejudica-se o crescimento deste. Surge então uma criança com alterações fisiológicas e psíquicas (MATURANA, 2004, p.1 46).

Nesta perspectiva, Maturana e Verden-Zöller (2004) nos aponta sete itens

sobre a importância do brincar e a consciência de si e do outro:

a) a consciência individual surge a partir do desenvolvimento de sua

consciência corporal, na relação com seu próprio corpo, nas suas

possibilidades e na interação com os outros. Isso ocorre como um fator

normal do desenvolvimento, onde os aspectos sensório-motor, emocional e

intelectual acontecem a partir da aceitação e da confiança que a criança

estabelece com a mãe e o pai;

b) se não há por parte da mãe ou do pai a troca de olhares com o bebê ou os

pais não demonstram satisfação aos sons que o bebê produz a partir de suas

interações; a criança se torna um indivíduo sem identidade nem referência. É

a partir da troca com o outro que as coordenações sensório-motoras faz do

indivíduo um ser social, um ser humano;

c) a criança só adquire sua consciência social e autoconsciência quando

interage e atua sobre seu corpo. Isso só ocorre quando ela o faz numa

relação de confiança com o outro. É essa confiança que dá à criança a

possibilidade de crescer em auto-aceitação e auto-respeito que possibilita que

ela aceite o outro, o que forma a vida social;

d) quando nos tornamos adultos, geralmente, perdemos a capacidade de

brincar. Para sermos realmente pais e mães que agem e interagem com seus

filhos se faz necessário readquirir essa prática;

e) brinca-se quando se está atento ao que se faz no momento em que se faz.

Brincar é estar no presente. Uma criança que brinca está envolvida no que

faz enquanto o faz, sem se preocupar com o futuro. Brincar não é uma

preparação para nada, é se entregar para o que se está fazendo neste

momento;

f) desenvolvemos consciência corporal ao crescer quando há aceitação do

corpo a partir das relações de brincadeiras com nossas mães e pais. A

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consciência corporal se desenvolve conforme nos afirmamos como seres

sociais através da aceitação e confiança que prevalecem no brincar materno-

infantil;

g) a brincadeira é uma atitude fundamental e facilmente perdível, pois requer

total inocência. Brincadeira é qualquer atividade humana praticada em

inocência, isto é, qualquer atividade realizada no presente e com a atenção

voltada para ela própria e não para os seus resultados.

Winnicott (1971) é um autor que também nos trás considerações relevantes

sobre as relações de afetividade e o desenvolvimento cognitivo, e da importância do

vínculo afetivo entre a mãe e o bebê.

O referido autor demonstra que a evolução emocional da criança tem início no

começo da sua vida. Se quisermos julgar a maneira como um ser humano trata com

os seus semelhantes, e ver como edifica a sua personalidade, não podemos deixar

de fora o que sucede nos primeiros anos de sua vida.

Conforme Winnicott (1971), desde pequeno, ainda recém-nascido, o ser

humano utiliza a emoção para comunicar-se com o mundo. O bebê, antes mesmo

da aquisição da linguagem, consegue estabelecer relação com a mãe, ou pessoa

que dele cuida, através de movimentos de expressão (choro, necessidades

fisiológicas).

O recém-nascido não tem ainda outras formas de se comunicar com o outro,

que não pela emoção. Cada movimento, cada expressão corporal dessa criança,

acaba por receber um significado, atribuído pelo outro, significado esse do qual a

criança se apropria. Ao receber a atenção que necessita, ela vai construindo os

significados de cada ação sua.

Quando o bebê tem fome, ele chora; e a mãe, ao ouvir seu choro, o alimenta.

Essa relação de causa e efeito, de significante e significado, proporciona uma inter-

relação entre eu e o outro. Nesse sentido, podemos afirmar que o que a afetividade

humana busca é uma relação com o outro: um diálogo, uma permuta.

Segundo Winnicott (1971), pode-se dizer que a criança precisa de um bom

lar, de uma boa base familiar com que possa se identificar, necessita de um

ambiente emocional estável em que permita ter a oportunidade de realizar firmes e

naturais progressos, no devido tempo, no decorrer das fases iniciais do seu

desenvolvimento.

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Vai por mal caminho o bebê cuja mãe trate dele, ainda que o faça na melhor das intenções, acreditando que os bebês pouco mais são, no princípio, do que um feixe de fisiologia, anatomia e reflexos condicionados. Sem dúvida, esse bebê será bem alimentado, poderá alcançar uma boa saúde física e ter um crescimento normal, mas se a mãe não souber ver no filho recém-nascido um ser humano, haverá poucas probabilidades de que a saúde mental seja alicerçada com uma solidez tal que a criança, em sua vida posterior, possa ostentar uma personalidade rica e estável, suscetível não só de adaptar-se ao mundo, mas também participar de um mundo que exige adaptação (WINNICOTT, 1971, p. 118).

Para Winnicott (1971) uma necessidade da criança bem desenvolvida é ter

pais (ou pessoas que representam esses papéis) com quem se identifique. O que a

criança percebe é o pai e a mãe, a conduta de ambos e as relações dos pais, é isso

que ela absorve, imita ou reage contra, é o que ela utiliza num processo pessoal de

auto-desenvolvimento.

Uma criança não começa inicialmente como um indivíduo apto a identificar-se

com outras pessoas. É preciso uma elaboração gradual do eu como um todo e

também um desenvolvimento gradual da capacidade de sentir que o mundo externo

e o mundo interior são coisas relacionadas, mas não idênticas ao eu, o eu que é

individual e particular.

De acordo com Winnicott (1971), em termos de personalidade e crescimento

emocional é possível perceber a grande distância entre o bebê recém-nascido e a

criança de cinco anos. Essa distância não pode ser coberta se determinadas

condições não forem preenchidas.

Essas condições só precisam ser suficientemente boas, dado que a inteligência da criança se torna cada vez mais apta para ter em conta a possibilidade de fracassos e para dominar a frustração diante uma prévia preparação, como se sabe, as condições que são necessárias para o crescimento individual da criança não são estáticas, assentes e fixas em si mesmas; encontram-se num estado de transformação qualitativa e quantitativa, em relação à idade da criança e às necessidades em constante mutação (WINNICOTT, 1971, p. 203).

Desta forma, a afetividade assume papel fundamental no desenvolvimento

humano, determinando os interesses e necessidades individuais da pessoa.

No desenvolvimento do indivíduo, as necessidades afetivas tornam-se

cognitivas, e a integração afetividade e inteligência permite à criança atingir níveis

de evolução cada vez mais elevados.

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3 A APRENDIZAGEM E A AFETIVIDADE

A afetividade está sempre presente nas experiências empíricas vividas pelos

seres humanos, no relacionamento com o ‘outro social’, por toda a sua vida, desde

seu nascimento.

Sabe-se que a aprendizagem é um processo que, uma vez iniciado com o

nascimento, só finda com a morte. Isso significa que em qualquer etapa, em

qualquer situação, ou em qualquer momento, o indivíduo está aprendendo, sendo

que, à medida que aprende varia seu comportamento, seu desempenho, sua ótica,

seus enfoques.

Quando se fala em aprendizagem, como uma mudança relativamente

aparente, significa que o aprendido deve estar incorporado ao indivíduo não só em

situação temporária, mas por um tempo razoável. À medida que novas

aprendizagens surgem, vão sendo incorporadas às já existentes, propiciando o

surgimento de novos enfoques, idéias e atitudes.

Segundo Piaget (1982), na medida em que os aspectos cognitivos se

desenvolvem, há um desenvolvimento paralelo da afetividade. Os mecanismos de

construção são os mesmos. As crianças assimilam as experiências aos esquemas

afetivos do mesmo modo que assimilam as experiências às estruturas cognitivas.

Como já foi dito no item anterior:

O aspecto afetivo tem uma profunda influência sobre o desenvolvimento intelectual. Ele pode acelerar ou diminuir o ritmo de desenvolvimento. Ele pode determinar sobre que conteúdos a atividade intelectual se concentrará (WADSWORTH, 1997, p. 23).

O interesse e o desejo é o que determinará a seleção que faremos das

atividades intelectuais. Ao escolher um livro sobre determinado assunto, a

assimilação do conteúdo desse livro ocorrerá em função do meu interesse sobre

esse tema. Na visão piagetiana esta escolha não é provocada pelas atividades

cognitivas, mas pela afetividade.

A importância da afetividade no processo intelectual é apresentada também

por Hillal (1985, p. 18):

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A afetividade é o suporte da inteligência, da vontade, da atividade, enfim, da personalidade. Nenhuma aprendizagem se realiza sem que ela tome parte. Muitos alunos há cuja inteligência foi bloqueada por motivos afetivos; outros há cuja afetividade não resolveu determinados problemas, apresentando falha no comportamento. A afetividade constitui a base de todas as reações da pessoa diante da vida de todos os seus acontecimentos, promovendo todas as atividades.

Quando a criança ingressa na escola torna-se ainda mais evidente o papel da

afetividade na relação professor-aluno. A escola é a primeira aprendizagem no meio

social da criança e ela traz consigo muitas experiências afetivas.

No decorrer do desenvolvimento, os vínculos afetivos vão ampliando-se e a

figura do professor surge com grande importância na relação de ensino e

aprendizagem.

A criança ingressa na escola carregada de emoções, sentimentos, inclusive o

do medo, daí a importância do período adaptativo das crianças com o mundo

escolar. Sendo que o tempo que ela necessitará para envolver-se neste novo

universo é diferente entre cada criança e dependerá das relações afetivas que terá

com sua professora.

Nesse sentido, para a criança, torna-se importante e fundamental o papel do

vínculo afetivo, que inicialmente apresenta-se na relação pai-mãe-filho e depois vai

se ampliando para a figura do professor.

De acordo com Guillot (2008), uma criança não é um ser de pura razão, os

afetos, as emoções e os sentimentos são essenciais para a constituição do

indivíduo.

A criança pequena não aprende desvinculada de afeto, ela aprende

investindo sua corporeidade, sua sensibilidade e seu imaginário.

Para Guillot (2008, p. 12), “o professor é um mediador entre os valores éticos

universais, entre a criança e a lei, entre a criança e a aprendizagem, entre a criança

e a ação”. A criança é um ser de emoção e ação.

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4 À PROCURA DAS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Este trabalho apoiou-se em uma pesquisa qualitativa onde procurei identificar

aspectos que podem contribuir de maneira positiva e/ou negativa no

desenvolvimento infantil.

Para isso, utilizei como instrumento de registro de dados o diário de campo.

Bogdan e Biklen (1994, p. 50), referem que o diário de campo é: “[ . . . ] o relato

escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da

recolha refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”. Seu conteúdo é

descritivo e reflexivo. O registro descritivo é feito de forma objetiva e acompanha o

ponto de vista do observador sobre os acontecimentos, idéias, preocupações e

emoções a partir da experiência.

A pesquisa foi realizada em uma turma de Maternal I com crianças de

aproximadamente três anos de idade de uma escola pública de educação infantil no

município de Porto Alegre. A partir do meu olhar, descrevo experiências e

sentimentos sobre as relações de afetividade entre o adulto e a criança ocorridos

neste espaço e, por este motivo, inclui as relações de afetividade que tenho com as

crianças no diário de campo.

O diário de campo foi realizado no período do dias 14 a 21 do mês de

setembro, resultando em seis dias de registros. Usei o meu horário de trabalho, das

13h às 19h, para captar as diferentes relações de afeto presentes na turma.

Também optei em utilizar um questionário de perguntas abertas (APÊNDICE

A) com familiares dos alunos e educadoras da turma.

Para responder ao questionário destinado às famílias, fiz uso de uma

amostragem do número de alunos da turma (aproximadamente a metade do número

de crianças da sala). Como se trata de educação infantil, a família está muito

presente no cotidiano escolar e desempenha um papel fundamental para o

desenvolvimento da criança; por este motivo, considerei importante descobrir o que

pensam sobre afetividade. Na turma do Maternal I há quatro educadoras: duas

monitoras, uma professora e uma estagiária, assim, como o número é pequeno foi

possível contemplar toda a equipe.

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A escolha de realizar o questionário foi com a finalidade de dar um suporte ao

diário de campo e para oportunizar a participação da família na pesquisa.

A direção da escola assinou um termo de autorização (APÊNDICE B) para a

realização da pesquisa e as famílias, ao responderem o questionário, assinaram

concordando com os termos ali dispostos (APÊNDICE A).

Nos relatos do diário de campo, denominei as crianças pela inicial de seus

nomes e as educadoras apenas as dividi entre seus turnos de trabalho, educadoras

da manhã e educadoras da tarde.

Os dados coletados, então, foram sujeitos à análise e reflexão, contribuindo

para compreender as relações de afetividade entre as crianças e as educadoras e a

participação das famílias neste processo de desenvolvimento afetivo e infantil.

4.1 Conhecendo a escola

A pesquisa foi realizada em uma escola pública de educação infantil na zona

sul de Porto Alegre. Atuo nesta escola como monitora no turno da tarde, na turma do

Maternal I. Meu horário de trabalho é das 13h às 19h e aproveitei esse tempo para

realizar o diário de campo.

A escola atende 90 crianças com turmas de Berçário I e II, Maternal I e II e

Jardim A, em turno integral, das 07h às 19h. Os alunos ingressam na escola através

de um processo de seleção, onde alguns critérios estabelecidos pela Secretaria da

Educação são seguidos: situação de risco, proximidade da escola e baixa renda.

Na escola, recebem quatro refeições durante o dia, todas servidas no

refeitório com horários estabelecidos para cada turma.

A turma do Maternal I é composta de 20 entre dois anos e meio e três anos e

meio, com 12 meninas e nove meninos, sendo que 14 já eram alunos da escola

oriundos da turma de Berçário II e seis ingressaram em março, passando por

processo de adaptação.

Todas as crianças da turma moram na comunidade onde se localiza a escola,

alguns em moradias alugadas, outros em casebres construídos em uma área

invadida. As mães, em geral, são diaristas e os pais atuam como porteiros, em

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serviços gerais e pedreiros. Poucas mães trabalham e dedicam-se aos cuidados de

outros filhos, pois a maioria das crianças da turma possui irmãos mais velhos e mais

novos do que eles.

A equipe de educadoras da turma é dividida em dois turnos: pela manhã está

a professora e uma monitora e, à tarde, uma monitora (nesse caso, a pesquisadora)

e uma estagiária.

A professora atua no magistério há 15 anos e ingressou via concurso público

na rede municipal. Sempre atuou como professora de educação infantil e exerceu

um mandato de três anos no cargo de diretora. As monitoras também ingressaram

via concurso público e já atuam, em média, há 12 anos em escola de educação

infantil. As estagiárias que trabalham na escola são enviadas pela Secretaria

Municipal da Educação (SMED), estudantes do curso de Magistério ou Pedagogia,

com contrato de, no máximo, 22 meses.

Um pouco da rotina da turma no turno da tarde:

Quando chego à sala as crianças, elas estão dormindo em colchonetes e, em

torno das 14h elas levantam, se organizam com calçados, higiene e banheiro, para

então descermos para o refeitório e realizar o lanche.

Após o lanche, brincam no pátio com a turma do Maternal II e, às 16h, é o

momento da janta no refeitório. Posteriormente, seguimos para a sala para a

realização de diversas atividades: hora do conto, jogos pedagógicos, brinquedos e

brincadeiras.

O horário de saída ocorre paulatinamente, principalmente a partir do momento

da janta e segue até às 19h.

4.2 Alguns olhares sobre as relações de afetividade na turma do Maternal I

Partindo dos registros feitos através do diário de campo, destacarei alguns

fatos que considerei mais relevante. A partir das observações sobre as relações de

afetividade entre as educadoras da turma de Maternal I com as crianças e as falas

das mães quando buscavam seus filhos na escola.

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Irei apresentar também, mais adiante, o resultado dos questionários

destinados às educadoras da turma e às famílias. Este questionário serviu de apoio

às observações descritas no diário de campo.

Como a pesquisa trata de crianças pequenas e a participação da família no

universo escolar é importante, pois a criança ainda reflete e demonstra muito o que

acontece em seu lar, considerei o questionário um bom instrumento para perceber o

que as famílias pensam sobre afetividade.

Quando a criança ingressa na escola pela primeira vez, ela traz consigo

muitas experiências afetivas. É a sua primeira aprendizagem no meio social.

A interação professor-aluno é fundamental para uma boa adaptação escolar.

Assim, o primeiro professor de uma criança tem grande importância na atitude futura

desse educando, não só durante sua fase de aprendizagem, mas na sua relação

com seus sucessivos professores.

A mãe da menina ‘A’ pediu para falar comigo, disse que a menina não queria mais ir à escola pela manhã porque a profe da manhã era muito “chata” e que só “amava” a profe da tarde. A escola não permite a freqüência em apenas um turno e coloquei que as crianças, às vezes, tem maior afinidade com uma ou outra educadora, mas que não significava que elas não tinham uma boa relação (Diário de campo, 16/09/09).

As crianças elegem seus pares para brincadeiras, seus amigos, por diversos

critérios. Isso ocorre também com relação ao adulto. Naturalmente, a criança

quando integra um grupo de mais de uma educadora acaba elegendo sua preferida.

Isso não significa que não tenha um bom relacionamento com as demais. As

relações de afeto não são iguais a todos nem com todos da mesma maneira.

De acordo com Maturana (1998), para que haja história de interações

recorrentes, tem que haver uma emoção que constitua as condutas, as quais

resultam em interações recorrentes. Caso essa emoção não ocorra, não existe

história de interações recorrentes, mas sim encontros casuais e separações. Pode-

se dizer que existem duas emoções pré-verbais que tornem isto possível: a rejeição

e o amor.

A rejeição constitui o espaço de condutas que negam o outro como legítimo outro na convivência. A rejeição e o amor, no entanto, não são opostos, porque a ausência de um não leva ao outro, e ambos tem como seu oposto a indiferença. Rejeição e amor, no entanto, são opostos em suas conseqüências no âmbito da convivência: a rejeição a nega e o amor a

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constitui. A rejeição constitui um espaço de interações recorrentes que culmina com a separação. O amor constiui um espaço de interações recorrentes que se amplia e pode estabilizar-se como tal (MATURANA, 1998, p. 66).

Assim, o amor constitui um espaço de interações, no qual se abre um espaço

de convivência. Com a capacidade do pensamento representativo, presente no

período pré-operatório, o comportamento infantil pode assumir um elemento

consistente entre o amar e o não amar.

Mais no final da tarde, o menino ‘Y’ chorou novamente para não ir embora, quando a mãe ou pai chega para buscá-lo, se esconde pela sala e é necessário pegá-lo no colo para entregá-lo aos pais. Ele sai da escola chorando e dizendo: — “eu quero a minha escola” (Diário de campo, 16/09/09).

‘Y’ já estava desde a semana anterior com essa atitude no momento de ir

embora. Acreditava-se, inicialmente, que seria por não querer interromper uma

brincadeira ou abandonar algum brinquedo. Questionei-o do porque não querer ir

para casa e ele respondeu: — “é porque minha casa é feia”. Sua mãe ficava

espantada com sua atitude e, com muita paciência e diálogo, ela conseguia levá-lo

para casa.

Nessa situação, a criança estava estabelecendo, naquele momento, o

sentimento de rejeição com sua família, onde a escola servia como espaço de

acolhimento e bem-estar. Às vezes, ocorrem conflitos familiares e a criança encontra

diversas formas de demonstrar isso.

Vimos a partir de Winnicott (1971), que a criança necessita de um bom lar, de

uma boa base familiar, de um ambiente emocional estável em que permita ter a

oportunidade de realizar firmes e naturais progressos no decorrer do seu

desenvolvimento. Não esquecendo da importância do vínculo da mãe com o filho, da

relação de confiança.

Outro autor que nos traz essa idéia de interação entre mãe e filho e da

importância dela no desenvolvimento infantil é Maturana (2004), quando refere-se ao

brincar. Um brincar que ocorre como uma atividade realizada de modo emocional,

de modo espontâneo, sem nenhum propósito exterior. É quando mãe e o filho se

encontram em uma relação de aceitação, de um corpo com o outro, com a finalidade

de naquele momento se doar ‘de corpo e alma’.

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A mãe que falou comigo sobre a menina ‘A’, que não quer mais ir para a escola foi procurar a direção, relatando que a menina chegou em casa falando que a ‘profe’ da manhã deu um tapa no rosto dela. A mãe estava bem nervosa e foi combinada uma reunião com a professora na próxima manhã (Diário de campo, 17/09/09).

Parece o que ocorreu foi a criança ter se sentido ofendida, magoada com

alguma atitude dessa professora e no, momento de verbalizar, acabou fantasiando a

situação.

Vimos que, através do jogo simbólico, a criança representa o imaginário

através de suas ações. A natureza do jogo simbólico é livre e a criança estabelece

relações com a realidade da forma em que ela a interpreta.

Ao criar essa situação, a criança está tentando resolver alguns conflitos que

possa ter com essa professora.

A menina ‘P’, de três anos de idade, retirou recentemente as fraldas. Era a única criança da turma que ainda as usava, não pedia para utilizar o banheiro nem avisava quando necessitava fazer a troca da fralda. Após alguns dias sem ir para a escola, retornou no dia de hoje sem fraldas. Ela apresenta dificuldades em baixar e levantar suas roupas e fala que tem medo de sentar no vaso sanitário (com tamanho adaptado para crianças). Conseguiu solicitar a ida ao banheiro todas as vezes que sentiu necessidade não deixando escapar nada na roupa.No final do dia, a educadora foi parabenizar a mãe pela nova conquista da filha e incentivar para que a menina aprenda a baixar e levantar suas roupas. A mãe disse que não faria isso, pois sua filha ainda era um bebê (Diário de campo, 18/09/09).

O que chamou minha atenção neste caso não foi o fato da menina ter retirado

a fralda com três anos de idade, pois geralmente isso ocorre com dois anos, nem de

ainda não baixar e levantar sua roupa. Mas sim, da mãe dizer que não incentivará a

criança porque a considera ainda um bebê.

O desenvolvimento infantil ocorre de maneiras e em tempos diferentes para

cada criança, pois cada uma tem seu ritmo. Espera-se, em cada período do

desenvolvimento, conforme demonstra Piaget, que a criança seja capaz de certas

construções, mas não significa que ela tenha que alcança-las ao mesmo tempo.

Sabe-se que a criança precisa ser estimulada, encorajada a avançar no seu

desenvolvimento. Visto que a aprendizagem ocorre em qualquer etapa, em qualquer

situação ou em qualquer momento, sendo que, à medida que o indivíduo aprende,

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varia seu comportamento, seu desempenho, sua ótica, seus enfoques. Assim,

conforme surgem novas aprendizagens vão sendo agrupadas às já existentes,

favorecendo o surgimento de novos enfoques, idéias e atitudes.

Conforme vimos, o afeto se desenvolve no mesmo sentido que a inteligência,

tornando difícil encontrar um comportamento típico apenas da afetividade, sem

nenhum elemento cognitivo. Assim, o afeto se desenvolve no mesmo sentido que a

cognição ou inteligência. As crianças assimilam as experiências aos esquemas

afetivos, do mesmo modo que assimilam as experiências às estruturas cognitivas.

De acordo com Winnicott (1971), as condições necessárias para o

desenvolvimento da criança não são estáticas, fixas, elas transformam-se de forma

qualitativa e quantitativa, levando em conta a idade da criança. O fracasso e a

frustração são possibilidades que fazem parte do desenvolvimento da inteligência, a

criança não precisa ser poupada desses sentimentos.

O menino ‘PK’ não aceitou o lanche da tarde e nem a janta servida às 16h20min, quando retornamos do refeitório para a janta ele se queixou de dor na barriga. Perguntei se ele queria ir ao banheiro, se estava com enjôo e percebi que estava pálido e com os lábios sem cor. Dei para ele um pouco de água e solicitei que a direção da escola chamasse a mãe para buscá-lo, pois não se sentia bem. Assim fez a direção, ligando para a casa dele e falando com a mãe que disse que já estava indo buscá-lo. Já eram 16h30min aproximadamente.O horário de término do atendimento para as crianças é até às 19h, chegando esse horário e todas as crianças já em suas casa ‘P’ ainda encontrava-se na escola. A direção novamente ligou para a casa do menino e falou com o avô que não sabia o que estava acontecendo. Foi feita uma ligação para o pai do menino que ficou muito espantado com a notícia que ele ainda permanecia na escola. Às 19h20min, um tio foi buscar o menino (Diário de campo, 21/09/09).

O mais interessante nesta situação não foi só o fato da mãe ter deixado seu

filho após o horário da escola, mas saber que não se sentia bem e que ele a

aguardava para ir embora.

É através das relações sociais e das interações da criança com a mãe,

segundo Maturana (2004), que a criança conhece as emoções próprias de sua

família e cultura. Ela vai constituindo suas emoções a partir do que ela vivencia.

Quando ocorrem os ‘desencontros emocionais’, na relação mãe-filho, podem ocorrer

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prejuízos no desenvolvimento senso-motor, de consciência corporal e

autoconsciência, ocasionando futuramente dificuldades nas relações interpessoais.

Para este menino ficar doente na escola não tem significado nenhum, pois

sua família não respondeu ao seu estímulo.

Através da emoção, conforme nos coloca Winnicott (1971), que o ser

humano, ainda recém-nascido, utiliza a emoção para comunicar-se com o outro.

O bebê, mesmo sem a aquisição da linguagem, estabelece relação com

outras pessoas através do choro, por exemplo. Cria-se uma relação de causa e

efeito, de significante e significado, o bebê chora e alguém lhe dá atenção. Assim, se

proporciona uma inter-relação entre o eu e o outro e, nesse sentido, percebe-se que

a afetividade humana busca uma relação de trocas.

Quanto aos questionários, selecionei as respostas que indicavam o que a

família e as educadoras entendiam como afeto e se existiam momentos ou situações

de não afeto. Foram respondidos nove questionários pelas famílias e três pelas

educadoras.

A partir do questionamento sobre o que significa afeto e o que considera não

afeto, separei as respostas em dois grupos distintos, sendo o primeiro o que

considera afeto como sentimentos positivos e o segundo grupo aquele que, além

deste entendimento considera também como ato de educar.

Neste primeiro grupo o pai de ‘Al’ refere afeto como “carinho, amor, atenção,

dedicação” e não afeto como “este momento ainda não chegou”.

A mãe de ‘PK’, o menino que referi no diário de campo, entende afeto como

“demonstração mais simples de carinho” e percebe o não afeto como

“agressividade”.

Já a mãe de ‘A’, a criança que também destaquei no diário de campo, refere

afeto como: “Pra mim, significa dar carinho atenção estar perto quando a criança

mais precisa”. Como não afeto aponta para “em alguma estupidez”.

A mãe do ‘D’, entende como afeto “amor e carinho para os filhos” e não

respondeu o que o pensa sobre atitudes de não afeto.

E, finalizando este primeiro grupo, a mãe de ‘J’ percebe o afeto como: “Afeto

mim, é gosta,r ou seja, amar, querer o bem de uma pessoa. Apesar do que

aconteça”. E entende como não afeto “Não afeto pra mim é somente criticar, não

elogiar colocar no filho a culpa de algo que não pôde fazer e não cumprir com o

papel e mãe que é cuidar e proteger”.

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Assim, foi possível perceber que esses pais entendem o afeto como forma

positiva de expressar seus sentimentos aos seus filhos através, também, de

cuidados, dedicação e atenção para todas as necessidades da criança.

Quando a mãe de ‘J’ se refere ao afeto como “apesar do que aconteça”, ela

está possibilitando compreender que existe uma aceitação do outro, um respeito

pela individualidade.

Conforme foi visto a partir de Maturana (2004), o amor é a emoção que

permite perceber o outro como ele é no presente, sem expectativas sobre o futuro, é

uma relação de aceitação mútua entre mãe e filho. A criança precisa ser amada

como ela é.

Para Winnicott (1971), a criança necessita de uma boa base familiar com que

possa se identificar, possibilitando a criança perceber a relação do eu com o mundo

exterior.

Como atitudes de não afeto, os pais desse primeiro grupo destacam a

agressividade, a estupidez, somente criticar, ou seja, sentimentos negativos,

contrários ao amor e carinho.

Quando o pai de ‘Al’ afirma que para ele não afeto é “este momento ainda não

chegou”, ao contrário de outros pais que trazem como momentos de agressividade,

estupidez, somente criticar, tem como efeito a negação de atitudes e sentimentos

contrários ao amor e carinho. A agressividade, a frustração e o fracasso são também

sentimentos necessários para o desenvolvimento da criança.

O segundo grupo foi o que, além deste entendimento de afeto como

sentimentos positivos, o considera também como ato de educar.

Podemos perceber quando a mãe de ‘E’ afirma que afeto é “educação, amor,

carinho. Fazer dela uma pessoa de bem”. E as atitudes de não afeto são “quando

não há um respeito uma pela a outra, sendo que ela tem que ser educada a

respeitar os pais e os mais velhos”.

O pai de ‘Y’, criança no qual referi no diário de campo, entende como

significado de afeto “dar carinho, atenção e compreensão, não exageradamente”. E

não afeto como “quando brigo”.

Para a mãe de ‘C’ afeto é “muito carinho” e atitudes de não afeto significa

“Não abraçar, não dar carinho. Não dar atenção para o que eles comentam. Não

educar”.

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A mãe de ‘M’ entende que afeto é “uma forma de se mostrar amor...”, e “até

mesmo como um não, um castigo”. Para ela atitudes de não afeto referem “quando

alguém está agressivo. Quando uma criança nem liga para a mãe... quando uma

criança é protegida demais. Não dar atenção, não dar respeito, dizer sempre sim!”.

Nesse segundo grupo, foi possível perceber que o conceito de afeto está

relacionado com a educação e o limite, quando as famílias trazem a idéia de

“compreensão não exageradamente”, “tem que ser educada” e também quando

referem à atitude de não afeto como “não educar” e “dizer sempre sim”, “um não, um

castigo”.

Em relação ao questionário destinado às educadoras, foi possível encontrar o

conceito de afeto articulado aos sentimentos positivos de amor e carinho com a

noção de limites.

Quando perguntado para a professora ‘J’ o significado de afeto, ela

respondeu que era “demonstrar interesse (dar o aconchego quando necessário, o

limite e prestar atenção ao desenvolvimento do aluno). Abraço, beijo e carinho são

tão fundamentais quanto o limite. Ambos fazem a criança se sentir segura”.

Para a monitora ‘F’, “afeto é tudo. É o que nos move a vida. Tudo que

fazemos, até um simples gesto”. Quando questionada sobre como demonstra afeto

afirmou que “mesmo dando limite você está dando afeto; em todos momentos”.

Já a estagiária ‘S’ refere afeto como “essa palavra diz respeito àquilo que

toca, atinge, afeto é um sentimento que se manifesta sob a forma de emoções e

sentimento”. E quando questionada sobre atitudes de não afeto respondeu “falta de

atenção e carinho, maus tratos, violência, ou outras formas de desrespeito à

integridade física, moral e espiritual apresentam sintomas bem claros de não afeto”.

Foi possível identificar que as educadoras percebem a criança com um todo,

com necessidades de carinho e limites, com respeito ao seu desenvolvimento. Como

apareceu nas respostas dos familiares, as educadoras também associaram afeto

com sentimentos e emoções. Assim como a idéia de atitudes de não afeto,

representada através da agressividade, da violência.

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5 A INFÂNCIA E AS RELAÇÕES AFETIVAS

A pesquisa apoiou-se em compreender como se estabelecem as relações de

afetividade infantil entre o adulto e a criança e como elas influenciam no processo de

ensino-aprendizagem em uma turma de Maternal I de uma escola Municipal de

Porto Alegre.

Os principais objetivos foram compreender a importância do afeto no

desenvolvimento infantil e identificar aspectos que podem contribuir no

desenvolvimento da criança.

A partir do diário de campo realizado com a turma de Maternal I foi possível

perceber as diferentes formas de relacionamentos entre as educadoras e as

crianças e entre as mães e seus filhos.

Cabe compreender a importância de perceber a individualidade da criança e

que ela estabelece vínculos afetivos de maneiras diferentes com cada pessoa. Pois,

isso depende de como se dá o processo de identificação e consciência de si e do

outro.

Na construção desse processo, foi possível constatar a importância do

brincar para o vínculo entre mãe e filho. Mas se trata de um brincar sem

compromisso, desvinculado de expectativas e resultados.

Tendo conhecimento da importância do vínculo entre mãe e filho para o

desenvolvimento infantil, fica a dúvida de como esses vínculos estão sendo

estabelecidos com essas crianças que freqüentam a escola em turno integral. A

maioria delas, quando chega em casa, dorme em seguida, pois no dia seguinte

levantam cedo para retornarem para a escola. Algumas mães e pais só chegam em

casa à noite e encontram seus filhos já dormindo.

A afetividade se produz a partir de trocas, em dar e receber, na relação de

significante e significado. Como um bebê, por exemplo, que utiliza a emoção para

comunicar-se com o adulto, quando chora, espera uma resposta do outro.

A criança procura na escola também estabelecer essa relação de trocas. É o

ponto inicial para o processo de aprendizagem, é quando se estabelece o vínculo

entre a criança e o educador.

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Na educação infantil, as relações de afetividade entre o professor e aluno são

significativas, pois a escola representa o primeiro núcleo social, depois da família,

que a criança freqüenta. Quando a criança ingressa na escola, ela busca o

acolhimento, a paciência em respeito ao seu processo de desenvolvimento e

também o amor.

Quando isso não acorre, pode gerar, em alguns casos, o desinteresse da

criança em ir para a escola, conforme observamos no relato do diário de campo

(16/09/09) da menina ‘A’.

O primeiro professor de uma criança tem grande importância nas suas

próximas relações escolares.

A família está presente no cotidiano da educação infantil, a criança não

representa um ser isolado de sua família e, geralmente, ela demonstra na escola

conflitos existentes no interior de seu lar. Chorar para não ir para casa, como

notamos no relato do diário de campo (16/09/09), sobre o menino ‘Y’, pode significar

que algo não anda bem na família e que a escola pode representar um espaço de

segurança e equilíbrio para a criança.

Para cada criança, o espaço escolar tem diferentes significados e isso é

resultado das relações de afetividade que ela desenvolveu com seu professor.

Percebendo as relações criança-família-escola, foi fundamental entender,

através do questionário, o conceito de afeto.

A partir dos questionários, foi possível observar que as mães e pais entendem

por afeto os sentimentos positivos de amor, carinho, atenção, compreensão, querer

o bem de uma pessoa.

Outros sentimentos como frustração, fracasso, agressividade, também são

relevantes para o desenvolvimento da criança, algumas famílias citam esses

sentimentos como negativos e sem relação com o afeto.

As educadoras também se referem ao significado de afeto como sentimentos

positivos e ações de afeto como: beijo, carinho, prestar atenção ao desenvolvimento

do aluno.

A noção da importância da construção dos limites na educação dos filhos

também apareceu como significado de afeto, tanto para as famílias quanto para as

educadoras.

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Dos nove questionários respondidos pelos familiares, cinco apontaram para o

significado de afeto como apenas sentimentos positivos e quatro incluíram a

construção do limite como fator importante na afetividade.

Foram respondidos três questionários pelas educadoras e todas

apresentaram relação de afeto com a construção do limite.

Assim, podemos perceber que os sentimentos de amor e carinho estão

presentes também na forma de educar, tanto para pais e educadoras. A afetividade

se mostra essencial para o desenvolvimento infantil desde o nascimento, nas

interações mãe (ou pessoas responsável) e bebê, no desenvolvimento cognitivo e

nas futuras relações do indivíduo.

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REFERÊNCIAS

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BEARD, Ruth Mary. Como a Criança Pensa: a psicologia de Piaget e suas aplicações educacionais. São Paulo: Ibrasa, 1978.

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho,

imagem e representação. Rio de Janeiro: LCT, 1971.

____________ O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar,

1982.

MATURANA, Romicim Humberto & Verden – Zöller. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano do patriarcado à democracia. São Paulo: Palas Athena, 2004.

MATURANA, R. Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belu Horizonte: UFMG, 1998.

WADSWORTH, Barry J. Inteligência e Afetividade da Criança na Teoria de Piaget. São Paulo: Pioneira, 1997.

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GUILLOT, Gerard. Artigo, Revista Pátio nº 17, 2008.

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Page 33: AS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTILpeadgravatai9.pbworks.com/f/afetividade.pdf · os autores Vygotsky e Wallon, que também têm muito a acrescentar sobre o assunto

APÊNDICE A — QUESTIONÁRIO

QUESTIONÁRIO (destinado às famílias)

1. Para você o que significa afeto?2. Como e em quais momentos demonstra afeto com seu filho?3. Como e em quais momentos percebe o afeto de seu filho?4. Que atitudes considera sendo de não afeto?

Eu,........................................................................................, autorizo a ultilização dos dados fornecidos tanto em questionário, como em observação e em outras fontes, para fins de pesquisa sobre Afetividade na Educação Infantila. Por outro lado a pesquisadora Clarice Escobar de Alencastro, estudante da UFRGS compromete-se a manter em sigilo os dados que possamidentificar os sujeitos envolvidos, evitando, dessa forma, qualquer prejuízo que possa advir do uso dos mesmos, bem como, sua pesquisa não causará danos ao processo de ensino-aprendizagem proposto para o ano letivo de 2009.Porto Alegre, outubro de 2009.Assinatura: ________________________

QUESTIONÁRIO (destinado às educadoras)

1. Para você o que significa afeto?2. Como percebes o afeto das crianças com você?3. Em que momento da rotina costuma demonstrar afeto com as crianças?4. Em que momento da rotina encontra dificuldade em demonstrar afeto com as

crianças?5. Que atitudes considera sendo de não afeto?

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Page 34: AS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTILpeadgravatai9.pbworks.com/f/afetividade.pdf · os autores Vygotsky e Wallon, que também têm muito a acrescentar sobre o assunto

APÊNDICE B — TERMO DE AUTORIZAÇÃO

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