as relaÇÕes brasil-japÃo e seus reflexos no processo de ocupaÇÃo do território brasileiro

Upload: luxamazonia

Post on 10-Feb-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    1/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    137

    AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAODO TERRITRIO BRASILEIRO

    Paulo Henrique Faria Nunes

    Bacharel em Direito, especialista em Relaes Internacionais, mestre em Geografia pelo Instituto deEstudos Scio-ambientais da Universidade Federal de Gois. Professor na Universidade Catlica de

    Gois e na Universidade Salgado de Oliveira. E-mail: [email protected].

    RESUMO

    As relaes nipo-brasileiras e o modo como essas influenciaram o processo de ocupao doterritrio brasileiro o objeto deste texto. Traa-se um paralelo da situao dos pasesquando houve os primeiros contatos oficiais no final do sculo XIX com vistas imigraode japoneses no Brasil. Em seguida, analisa-se a influncia da populao de origemjaponesa e, sobretudo, dos investimentos japoneses no processo demodernizao/industrializao brasileiro. O estudo dos investimentos segue uma linha

    histrica, com nfase nos altos e baixos motivados pela conjuntura poltica econmicamundial e nacional. A pesquisa dos investimentos no Brasil permite inferir que o capitaljapons teve um papel de maior relevncia do que o indivduo de origem japonesa noprocesso de ocupao do territrio brasileiro, ainda que esses investimentos tenham sofridoacentuada queda na dcada de 1980 e s apresentem significativa revitalizao a partir dasegunda metade dos anos 1990, com especial destaque do setor automotivo e a expectativade novos investimentos aps o Memorando da TV Digitalde junho de 2006.

    Palavras-chave: territrio; migrao; investimentos; Brasil; Japo.

    ABSTRACT

    This article aims the relations between Brazil and Japan and the way they have influencedthe process of occupation of the Brazilian territory. It is presented a comparative outlook ofthe situation of both countries when they began the earliest official contacts, in the end of the19th century, that pointed out the migration of Japanese individuals to Brazil. Moreover, it isdiscussed the influence of the Japanese people and their descendents and, above all,the impact of the Nipponese investments in the process of Brazilianmodernization/industrialization. The study of the investments follows a historical line andemphasizes the up and down motivated by the political and economic variations thathappened world-wide and nationally. The research of the investments in Brazil makesconclude that Japanese capital had a most relevant role than the population that descends

    from the Japanese immigrants in the process of occupation of the Brazilian territory, eventhose investments have suffered a strong decline in the 1980s and just have showed anotable renewal in the second half of that 1990s, with special prominence of the automotivesector and the expectation of new investments with the Digital Memorandum signed in Juneof 2006.

    Keywords: territory; migration; investments; Brazil; Japan.

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    2/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    138

    INTRODUO

    O enfoque principal deste artigo a anlise das relaes entre Brasil e Japo.

    Mais precisamente, o modo como essas relaes influenciaram o processo de ocupao do

    territrio brasileiro.

    A anlise ser conduzida de maneira que o objeto principal do trabalho no seja

    simplesmente a presena dos japoneses no Brasil, sobretudo a partir do incio do sculo XX.

    Buscar-se- uma abordagem ampla que englobe tanto o deslocamento humano do Japo

    para o Brasil quanto os investimentos japoneses que estimularam movimentos migratrios

    internos relacionados s atividades agrcola, mineradora e industrial.

    OS PRIMEIROS CONTATOS

    Os primeiros contatos que os portugueses tiveram com a costa atlntica da

    Amrica do Sul ocorreram muito proximamente dos primeiros contatos que mantiveram com

    o Japo. Adotou-se, por conveno, o ano de 1500 como referncia maior chegada dos

    portugueses ao que hoje chamamos Brasil. A presena lusitana na sia levou a uma

    primeira aproximao com o Japo no ano de 1543, um feito indito ainda que acidental

    para os Europeus: aps um naufrgio ao sul de Kyushu, portugueses desembarcaram na

    ilha de Tanega1.

    Apesar desse primeiro contato no sculo XVI, somente no sculo XIX o Japo

    manteria relaes considerveis com o Ocidente.

    No fim do sculo XIX, com a dinastia Meiji, o Japo d incio a um processo de

    modernizao de seu sistema produtivo e de insero no sistema geopoltico mundial. Pode-

    se afirmar que Terra do Sol Nascenteno passa por um mero processo de modernizao,

    mas de ocidentalizao econmica e poltica. Jovens japoneses so enviados s

    universidades europias; so institudas as primeiras trading companies; um projeto

    expansionista com vrias investidas contra vizinhos asiticos colocado em prtica: em

    1905 conquista Taiwan, territrio chins, e as ilhas Sakhaline e Kouriles da Rssia; em 1910

    anexa a Coria; toma a Micronsia da Alemanha em 1914. Esse projeto expansionista

    perduraria at os anos que precedem a Segunda Guerra Mundial.

    Os Estados Unidos do Brasil, repblica recente, tambm era rotulado como

    expansionista e/ou imperialista por muitos de seus vizinhos. O perodo no qual se d o incio

    da modernizao e expanso japonesa coincide em grande parte com a transformao

    poltica brasileira (fim do Imprio e advento da Repblica) e com a consolidao dos

    acordos internacionais que definem oficialmente o traado do territrio brasileiro. No incio

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    3/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    139

    do sculo XX, Brasil consegue finalmente a anexao do territrio do Acre mediante

    assinatura do Tratado de Petrpolis, em novembro de 1903, com a Bolvia2.

    As relaes formais entre Brasil e Japo tm incio logo aps o advento do

    perodo republicano brasileiro. Em novembro de 1895, foi assinado um Tratado de Amizade,Comrcio e Navegao. Pouco antes, o Poder Legislativo brasileiro aprovara a Lei n. 97

    (05/10/1892), que permitia a livre entrada de imigrantes chineses e japoneses no territrio

    nacional.

    O desenvolvimento econmico japons impulsionado no final do sculo XIX no

    foi capaz de satisfazer s necessidades de uma populao que se espremia em um territrio

    bastante acidentado e desprovido de recursos naturais em quantidade suficiente para

    abastecer seu sistema produtivo. Assim, fatores polticos e econmicos levam a uma intensa

    emigrao de japoneses, que buscam melhores oportunidades no continente americano.

    As condies geopolticas desfavorveis a muitos japoneses desemprego,

    instabilidade poltico-econmica, conflitos armados vo ao encontro dos interesses da

    jovem repblica. As primeiras tentativas de implantao de projetos de colonizao dirigida

    em terras brasileiras aconteceram ainda no perodo colonial, em meados do sculo XVIII.

    Aps a independncia e o estabelecimento do regime imperial, as idias de ocupao dos

    vazios do territrio ganham fora, fato que resulta no estmulo vinda de imigrantes:

    inicialmente europeus; num segundo momento, japoneses3. O projeto de ocupao visava

    tambm ao branqueamento do povo brasileiro e ao recebimento de mo-de-obra dotada

    de melhor qualificao do que a nacional.

    curioso notar que as elites de pases to distantes e diferentes como Brasil e

    Japo tinham, no limiar do sculo XX, uma percepo marginal de si mesmas, isto ,

    identificavam-se como Estados margem das principais decises polticas de alcance

    mundial. Tanto Brasil quanto Japo em grau varivel obviamente passam a questionar a

    influncia poltica dos principais centros de poder mundial; no entanto, buscam uma

    aproximao cultural com os Estados europeus. No Brasil, eram admirados os padres

    europeus e havia o anseio de ver a plebe rude alcanar, num futuro prximo, algo que

    lembrasse o modus vivendi requintado do velho continente. No Japo, o interesse pelos

    padres ocidentais de cultura, somado s rgidas condies socioeconmicas para uma

    parcela considervel da populao, fomenta em muitos o sonho de fazer a Amrica.

    A condio marginal dos dois pases favorece a vinda de japoneses para o

    Brasil. Nesse perodo, o Brasil era umponto luminosono sistema econmico mundial devido

    produo da borracha na regio amaznica.Os dilogos entre os dois pases resultam,

    ainda em 1898, na instalao de dois consulados brasileiros no Japo: um em Yocoama,

    outro em Kobe. Em Tquio, a representao brasileira foi promovida categoria de

    embaixada em 1923 e houve a criao de um Consulado Honorrio em 19284.

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    4/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    140

    Embora a maior concentrao da colnia japonesa no Brasil esteja nas regies

    Sudeste mormente So Paulo e Sul, uma quantidade razovel de japoneses integrou

    projetos pblicos de colonizao agrcola: regio do Vale do Ribeira, So Paulo, em 1908,

    onde houve a introduo da cultura do ch; colnia de Tom-Au, Par, em 1929, ondehouve a introduo do cultivo da pimenta do reino; ncleo colonial de Santa Alice, Rio de

    Janeiro, em 1955; ncleo de Rio Bonito, Pernambuco, em 1958.

    A mo-de-obra japonesa foi fundamental para o desenvolvimento de certas

    regies e para o sucesso, ainda que parcial, de algumas colnias agrcolas. Em muitos

    assentamentos o sucesso de japoneses foi muito superior ao de colonos oriundos de outras

    regies do Brasil, devido principalmente a capital trazido do Japo ou obtido por meio de

    programas de financiamento vinculados ao Japan Immigration Service nvel de

    escolaridade e domnio de tecnologias aplicadas agricultura.

    As relaes entre Brasil e Japo sero prejudicadas pela conjuntura poltica

    internacional da Segunda Guerra Mundial. A situao se agrava e, em 1942, os pases

    rompem relaes diplomticas. Em junho de 1945, o governo brasileiro declara guerra ao

    Japo. Somente na dcada de 1950 que os laos diplomticos sero restabelecidos e um

    outro navio com imigrantes japoneses chegar a um porto brasileiro.

    No obstante o dilogo Brasil-Japo ter tido incio no final do sculo XIX, quando

    analisadas a documentao produzida pelos dois pases, nota-se que o nmero de acordos

    firmados pelas duas potncias regionais no to grande. Num primeiro momento, vale

    registrar que negociaes foram interrompidas em virtude do rompimento de relaes

    diplomticas; em seguida, quando observado o reatar dos laos a partir da dcada de 1950,

    percebe-se que a diplomacia esteve a servio dos grandes projetos nacionais e do

    incremento das relaes comerciais.

    2. Japo e Brasil: Reaproximao em Funo dos Investimentos Japoneses no SetorProdutivo Brasileiro

    Conforme dito anteriormente, o contexto que envolve a Segunda Guerra Mundial

    caracterizado pela deteriorao das relaes nipo-brasileiras. Inicialmente, o Brasil

    mantm uma posio de neutralidade, oficializada no Decreto n. 8.403 de 17 de dezembro

    de 19415. Todavia, medida que o conflito se agrava o Estado brasileiro se v forado a

    manifestar apoio a um dos lados envolvidos. Assim, em 6 de junho de 1945, Getlio Vargas

    assina o Decreto 18.811, por meio do qual declarava-se guerra formalmente ao Japo6.

    A reconciliao diplomtica tem incio num novo ambiente. A guerra j havia

    acabado, Japo se tornara um Estado desprovido de foras armadas e inserido na ordeminternacional marcada pela criao da Organizao das Naes Unidas. Brasil e Japo

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    5/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    141

    assinam em So Francisco Califrnia um Tratado de Pazem setembro de 19517. Em

    1953, acontece a chegada dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil aps o fim da

    guerra.

    Conquanto o Japo tenha sado derrotado da guerra, sua reconstruoaconteceu num ritmo espantoso. O acirramento da Guerra Fria e o ranger dos dentes das

    grandes potncias de um mundo novo bipolarizado favorece Japo, Itlia e Alemanha

    Ocidental. O avanar da frente sovitica estimular e/ou forar investimentos sobretudo

    norte-americanos nesses pases, fenmeno pouco usual aps um conflito armado de

    grandes propores. Comumente, Estados derrotados numa guerra atravessam longas

    temporadas de penria devido ao ressarcimento dos gastos efetuados pelos vencedores.

    O Japo, de modo mais especfico, tambm foi beneficiado pela Guerra da

    Coria.

    A indstria japonesa passa por um verdadeiro boom e logo se torna uma

    referncia mundial inicialmente, indstria pesada e qumica; em seguida nos setores

    eletroeletrnico e automobilstico, dentre outros. O Japo, rapidamente, consegue acumular

    grandes reservas em moeda norte-americana. Bancos japoneses chegaram a emprestar

    quantias vultosas aos EUA para cobrir seu dficit, agravado demasiadamente no fim da

    dcada de 1970. Na dcada de 1980, o Japo chegaria condio de maior potncia

    financeira mundial.8

    Quando foram retomadas as relaes com o Japo, o Brasil tambm tinha um

    projeto de modernizao9. Nesse momento, tornava-se meta nacional a continuidade e o

    aprofundamento das reformas estruturais que marcaram as dcadas de 1930 e 1940: o

    desenvolvimento do setor energtico, o criao de uma indstria nacional que viabilizasse a

    substituio de importaes, a ocupao dos vazios do territrio que culminaram na

    implantao de projetos como a transferncia da capital federal e de modernizao das

    regies Norte e Centro-oeste. No ambiente do ps-guerra houve a criao de rgos

    estratgicos e empresas pblicas brasileiros tais como Companhia Siderrgica Nacional

    (1946), Conselho Nacional de Energia Nuclear (1951)10, Petrobrs (1954).

    A retomada das relaes oficiais nipo-brasileiras nas dcadas de 1940 e 1950 se

    mostram ainda tmidas. Em 1958, a Usiminas (Usinas Siderrgicas de Minas Gerais S/A)

    transformada numa joint venture que conta com destacado percentual de acionistas

    japoneses. Em novembro de 1960, assinado umAcordo de Migrao e Colonizaoe, em

    janeiro de 1961, um Acordo Cultural. Essas relaes sero impulsionadas e atingiro um

    nvel mais significativo na segunda metade da dcada de 1960, quando j havia se instalado

    o regime militar no Brasil. Novamente os interesses brasileiros e japoneses se convergem,

    sobretudo no que diz respeito produo agrcola e mineral. Japo, potncia industrializada

    dependente da importao de alimentos e matrias-primas; Brasil, Estado dotado de

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    6/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    142

    condio natural favorvel capaz de fornecer o que a indstria japonesa buscava e

    dependente de investimentos externos. A aproximao de Brasil e Japo integrar a

    consolidao da poltica externa brasileira dos anos 1960 e 1970 que almejar a

    multilateralidade e a conquista de novos mercados11. Nessa nova conjuntura firmado oAcordo Bsico de Cooperao Tcnicaem 22/09/1970.

    No tocante ao setor mineral, vale ressaltar que nos anos 1970, vrios pases

    industrializados criam sistemas de financiamento voltados para atividades de

    geoprospeco em Estados em desenvolvimento12.

    At 1973, as importaes japonesas de recursos minerais eram provenientes

    na maior parte de Canad, Austrlia, EUA. Poucos anos depois, essa situao se

    transforma: Austrlia permanece no posto de principal fornecedor japons, mas seguida de

    pases do Sudeste Asitico e da Amrica Latina13. O Brasil, grande fornecedor de minrio de

    ferro, beneficiado por um outro fator: a concentrao dos investimentos industriais

    japoneses em setores industriais com maior agregao de valor eletroeletrnica,

    informtica, aeronutica... que privilegia alguns pases fornecedores com maiores

    investimentos tanto na extrao mineral quanto na atividade de fundio14.

    Voltando a ateno para o tema central deste trabalho ocupao do territrio

    brasileiro , verifica-se que os investimentos japoneses se enquadram nos programas

    pblicos de desenvolvimento da Amaznia brasileira. Em 1953, foi criada a

    Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia(SPVEA), transformada

    na Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia(SUDAM) em 1966. No mesmo ano

    foi instituda a Zona Franca de Manaus15. Em setembro de 1974 foi criado o POLAMAZONIA

    (Programa de Plos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia).

    Grandes projetos so idealizados e colocados em prtica na Amaznia brasileira

    com suporte de investimentos externos, inclusive japoneses: Plo Mnero-Metalrgico dos

    Carajs; Plo Metalrgico do Tocantins (Marab-Tucuru); Plo Metalrgico de Belm-

    Barcarena; Plo Metalrgico de So Luiz; Usina Hidreltrica de Tucuru16.

    Esse momento marcado, tambm, pela instalao de diversas empresas

    multinacionais japonesas no Brasil. Alguns nomes se tornaram, nas dcadas seguintes,

    elementos integrantes do cotidiano da populao brasileira. Dentre as companhias de

    origem ou participao japonesa instaladas na Zona Franca de Manaus, pode-se citar Fuji,

    Fujitsu,Honda, Panasonic, Sanyo, Sharp, Sony, Semp Toshiba,Yamaha17.

    No tocante poltica agrcola dos projetos nacionais de desenvolvimento do

    regime militar, vale citar a criao do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados

    (POLOCENTRO), um dos programas regionais do Segundo Plano de Desenvolvimento

    Anual (II PND, 1975-1979), lanado em setembro de 1974 durante o governo Geisel18. O

    POLOCENTRO institudo pelo Decreto n. 75.320 de 20/01/1975 tinha como objetivo o

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    7/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    143

    desenvolvimento e a modernizao da agropecuria na regio Centro-Oeste e no Oeste de

    Minas Gerais. A expanso do cultivo da soja, que daria destaque ao Brasil como grande

    fornecedor mundial resultado desse programa.

    O dilogo Brasil-Japo foi um instrumento complementar no desenvolvimento daagricultura brasileira. Pouco depois de assinadoAcordo Bsico de Cooperao Tcnica, de

    1970, teve incio o Programa Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado

    (PRODECER). Esse programa

    [...] promove o assentamento de agricultores experientes do Sudeste e doSul do pas na regio do Cerrado. Para tanto, o programa financiado comemprstimos da Agncia Japonesa de Cooperao e DesenvolvimentoInternacional (JICA), com contrapartida do governo brasileiro.[...] O principal instrumento do PRODECER o crdito supervisionado, queprev emprstimos fundirios, de investimento, de cobertura de despesasoperacionais e de subsistncia do muturio. O PRODECER no umprograma governamental, mas sim administrado por organizao de direitoprivado, dirigida conjuntamente por executivos brasileiros e japoneses.19

    As aes do PRODECER alcanaram Estados das regies Sudeste (Minas

    Gerais), Centro-Oeste (Gois, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul), Norte (Rondnia) e

    Nordeste (Maranho). Embora no tenha tido o mesmo impacto do POLOCENTRO, o

    PRODECER teve funo de destaque na expanso da fronteira agrcola na dcada de 1980.

    Os nmeros apresentados em um estudo publicado pelo WWF (World Wide Fund) Brasil,fornecem uma idia geral de suas atividades:

    Um balano realizado pela empresa CAMPO, executora do projeto, apontapara nmeros expressivos: incorporao de 350 mil hectares de cerrados,em 21 projetos de colonizao, com 758 produtores assentados. Osinvestimentos realizados montam meio bilho de dlares, gerando 620 miltoneladas de gros e receita da ordem de 165 milhes de dlares.20

    Apesar do incremento das relaes nipo-brasileiras e do xito de vrios projetos

    conjuntos, durante a dcada de 1980 houve uma forte queda dos investimentos japoneses

    no Brasil. O desenvolvimento brasileiro viveu um boomno apenas em funo dos projetos

    nacionais que foram impulsionados nas dcadas precedentes em um perodo que coincide

    em grande parte com o regime ditatorial. A conjuntura internacional fora favorvel

    formao do ambiente desenvolvimentista, todavia o pas conduzira uma poltica econmica

    altamente dependente do ingresso de capital externo, obtido por meio de investimentos

    diretos e emprstimos junto a banqueiros norte-americanos, europeus e japoneses. Assim,

    o crescimento econmico apresentava a mais alta taxa sustentada desde os anos 50. O

    PIB subiu mdia anual de 10,9 por cento de 1968 a 1974 21.

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    8/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    144

    O Brasil pde atravessar a primeira crise do petrleo (1973) com aparente

    tranqilidade pois, embora dependesse da importao de algo em torno de 80% do petrleo

    consumido, ainda desfrutava da confiana de investidores e credores. Com a segunda crise

    do petrleo em 1979 acarretada pela revoluo iraniana e incio do conflito entre Ir eIraque , a situao poltico-econmica mundial atinge negativamente a economia brasileira.

    Alm do aumento do preo do petrleo, a dvida externa brasileira mormente a partir da

    dcada de 1980 crescer exponencialmente devido ao aumento das taxas de juros

    internacionais.

    Os projetos desenvolvimentistas brasileiros beberam de uma fonte sedutora,

    mas perigosa: o capital externo. Os formuladores e executores da poltica econmica no

    souberam identificar o incio da embriaguez bastante feliz que acabou num grande

    porre. A dcada de 1980 foi o momento de amargar uma forte ressaca. A ascenso de

    Ronald Reagan e do Partido Republicano agravaria essa situao; [...] em 1981 Reagan

    promoveu uma violenta elevao da taxa de juros, tendo como um dos objetivos aumentar a

    dvida externa dos pases do Sul. Assim, a crise da dvida constitua um instrumento de

    presso contra a poltica econmica dos mesmos e um golpe mortal no projeto de

    desenvolvimento de naes como o Brasil22.

    A crise da dvida e o processo inflacionrio revelam a fragilidade da estrutura

    econmica brasileira e afastam os investidores japoneses. O capital excedente japons na

    dcada de 1980 se destinar aos EUA. A Era Reagan antecedida por intensos gastos do

    governo norte-americano (intervenes militares, projeto Guerra nas Estrelas, crise do

    petrleo) caracterizada pelo aumento da taxa de juros, supervalorizao do dlar e

    dficit comercial, quadro que conduz os EUA posio de maiores devedores do mundo.

    No desenrolar dos anos 1980, Japo assume o papel de principal aliado econmico e

    suporte financeiro da hegemonia norte-americana23. Essa medida, de certo modo,

    necessria ao Japo pois suas reservas eram (... e so) majoritariamente em dlares norte-

    americanos, ao contrrio de outras potncias que conservam uma poro considervel de

    suas reservas em ouro.

    Assim, as relaes diplomticas e econmicas entre Brasil e Japo mais do

    que satisfatrias nas dcadas precedentes sero bastante prejudicadas pelo panorama

    desenvolvido nos anos 1980. O PRODECER se tornaria uma reminiscncia relevante devido

    ao aumento da importncia do papel brasileiro na condio de exportador mundial de gros.

    A Tabela 1 apresenta os investimentos estrangeiros diretos na forma de capital

    acionrio das principais potncias estrangeiras no Brasil, incluindo-se a o Japo.

    TABELA 1INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO EM US$ (1950-1985)

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    9/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    145

    CAPITAL ACIONRIO

    Pasat

    19501951 a1960

    1961 a1970

    1971 a1979

    1980 1981 1982 1983 1984 1985 Total

    Alemanha

    OcidentalInvestimentos 8 101.413 216.623 1.095.127 251.146 373.119 153.094 258.398 12.318 10.398 2.471.644Reinvestimentos - 7.809 115.323 456.132 56.630 99.596 79.604 50.596 169.880 39.424 1.074.994Total 8 109.222 331.946 1.551.259 307.776 472.715 232.698 308.994 182.198 49.822 3.546.638Canad

    Investimentos 93.928 43.814 91.264 165.205 10.774 268.518 45.397 45.125 71.818 -1.365 834.478Reinvestimentos 81 10.156 33.381 152.853 23.433 51.370 8.475 15.128 113.260 9.387 417.524Total 94.009 53.970 124.645 318.058 34.207 319.888 53.872 60.253 185.078 8.022 1.252.002EUA

    Investimentos 40.508 208.444 322.313 2.541.490 321.755 548.887 637.840 436.187 146.370 83.962 5.287.756Reinvestimentos 57.437 199.482 368.477 1.215.395 239.779 250.764 292.079 100.636 64.170 -20.965 2.767.254Total 97.945 407.926 690.790 3.756.885 561.534 799.651 929.919 536.823 210.540 62.997 8.055.010Frana

    Investimentos 3.911 14.272 11.732 263.701 53.449 51.367 43.235 28.241 -4.732 5.600 470.776Reinvestimentos 1.112 13.958 62.069 110.236 24.644 20.349 59.461 37.412 54.005 71.806 455.052Total 5.023 28.230 73.801 373.937 78.093 71.716 102.696 65.653 49.273 77.406 925.828Itlia

    Investimentos 8.711 5.031 26.597 273.327 88.347 130.416 245.607 -11.752 24.435 24.770 815.489Reinvestimentos - 226 39.528 7.496 614 12.588 20.456 14.431 38.234 7.254 140.827Total 8.711 5.257 66.125 280.823 88.961 143.004 266.063 2.679 62.669 32.024 956.316Japo

    Investimentos 2.614 28.631 101.723 1.364.563 99.040 101.890 107.100 78.110 109.484 75.192 2.068.347Reinvestimentos - 147 8.519 138.727 27.002 43.269 34.531 19.625 27.865 17.144 316.829Total 2.614 28.778 110.242 1.503.290 126.042 145.159 141.631 97.735 137.349 92.336 2.385.176Reino Unido

    Investimentos 13.414 19.101 13.452 403.817 8.664 49.939 11.261 61.376 171.745 20.609 773.378Reinvestimentos 11.595 30.262 60.111 276.387 25.184 37.213 67.380 57.715 75.933 14.638 656.418

    Total 25.009 49.363 73.563 680.204 33.848 87.152 78.641 119.091 247.678 35.247 1.429.796Fonte: BACEN

    3. Aps a Dcada Perdida

    No incio da dcada de 1990, o Brasil adota uma srie de medidas destinadas ao

    controle da inflao e obteno da estabilidade. Havia uma preocupao em ganhar

    novamente a confiana dos investidores estrangeiros e de retomar o crescimento industrial.

    A indstria havia perdido espao e sua participao no PIB diminura: enquanto em 1980 a

    produo industrial respondia por 33,7% do PIB; em 1993, por 29,1%24.

    Em 1994 foi lanado o Plano Real que teve como meta principal a estabilidade

    monetria. Juntamente com as medidas de controle monetrio, vieram programas para

    enxugar a mquina pblica. A se inserem as privatizaes, lastro de sustentao do

    incio do Plano Real. As vendas de companhias estatais no contexto do Plano Real se

    concentraram no setor de infra-estrutura, mais acentuadamente em reas como

    telecomunicaes e energia.

    Nessa nova fase estvel , o Brasil volta a atrair investimentos estrangeiros. O

    interesse dos novos investidores estiveram voltados para as boas possibilidades de negcio

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    10/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    146

    oferecidas pelas privatizaes, bem como pelo investimento no setor industrial. Pinheiro

    registra que na dcada de 90, e at junho de 1999, o Brasil privatizou 119 empresas

    estatais, com a gerao de US$ 70,3 bilhes em receitas e a transferncia para o setor

    privado de dvidas pblicas no montante de US$ 16,6 bilhes25. Os investimentos diretostambm foram substanciais e at 1998 j tinham chegado cifra de US$ 25,9 bilhes 26.

    As tabelas 2 e 3 apresentam os investimentos estrangeiros entre 1996 e 2004, o

    que permite uma anlise comparada dos nmeros de investidores japoneses e de outros

    pases. Percebe-se que o Japo perdeu espao para outros pases, dentre eles a Espanha

    que a partir de 1998 teve pujante participao no setor de telecomunicaes.

    TABELA 2INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO EM US$ MILHES (1996-2000)

    Ingressos por Empresas Receptoras de US$ 10 milhes ou mais ao ano

    31/12/1995 1996 1997 1998 1999 2000Pases Estoque % Fluxo % Fluxo % Fluxo % Fluxo % Fluxo %

    Alemanha 5.828,04 13,98 212,02 2,77 195,93 1,28 412,79 1,77 480,83 1,74 374,56 1,25Canad 1.818,98 4,36 118,51 1,55 66,20 0,43 278,63 1,20 445,37 1,62 192,82 0,65Espanha 251,01 0,60 586,63 7,65 545,79 3,56 5.120,23 22,00 5.702,20 20,68 9.592,86 32,11EstadosUnidos 10.852,18 26,03 1.975,38 25,77 4.382,33 28,62

    4.692,4720,16 8.087,61 29,33

    5.398,7118,07

    Frana 2.031,46 4,87 969,94 12,651.235,25 8,07 1.805,39 7,76 1.982,13 7,19 1.909,71 6,39Itlia 1.258,56 3,02 12,30 0,16 57,40 0,37 646,60 2,78 408,51 1,48 488,02 1,63

    Japo 2.658,52 6,38 192,19 2,51 342,11 2,23 277,77 1,19 274,27 0,99 384,74 1,29Reino Unido 1.862,61 4,47 91,46 1,19 182,52 1,19 127,90 0,55 1.268,83 4,60 393,74 1,32Fonte: BACEN

    TABELA 3INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO EM US$ MILHES (2001-2004)

    INVESTIMENTOS GERAIS

    Estoque Estoque Ingressos

    Pas 1995 2000 1995 2000 2001 2002 2003 2004

    Alemanha 5.828,04 5.110,24 5.828,04 5.110,24 1.047,46 628,29 507,61 794,73Canad 1.818,98 2.028,30 1.818,98 2.028,30 441,10 989,35 116,78 592,54

    Espanha 251,01 12.253,09 251,01 12.253,09 2.766,58 586,90 710,47 1.054,93

    Estados Unidos 10.852,1824.500,11 10.852,18 24.500,11 4.464,93 2.614,58 2.382,75 3.977,83

    Frana 2.031,46 6.930,85 2.031,46 6.930,85 1.912,82 1.814,97 825,23 485,86

    Itlia 1.258,56 2.507,17 1.258,56 2.507,17 281,27 472,50 390,44 429,21

    Japo 2.658,52 2.468,16 2.658,52 2.468,16 826,60 504,48 1.368,35 243,17

    Reino Unido 1.862,61 1.487,95 1.862,61 1.487,95 416,23 474,36 254,22 275,36Fonte: BACEN

    A participao japonesa foi bastante tmida se comparada a dos demais pases.Pode-se mencionar a participao acionria da Nippon Steel na Usiminas e da Kawasaki na

    CST (Companhia Siderrgica de Tubaro). Da mesma forma, investimentos de cinco

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    11/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    147

    tradings japonesas com investimentos na ordem de 4,6 bilhes financiados pelo JBIC

    (Banco Japons de Cooperao Internacional). A finalidade das tradings japonesas o

    desenvolvimento de campos petrolferos na Bacia de Campos (RJ)27.

    Destaque especial merecem os investimentos japoneses diretos ou indiretos no setor automotivo brasileiro. Atualmente, so associadas Associao Nacional de

    Veculos Automotivos (ANFAVEA): Honda, Komatsu, Mitsubishi Motors, Nissan, Toyota.

    Muitas dessas montadoras traaram uma estratgia para o mercado brasileiro e para o

    Mercosul, assim como enxergaram a possibilidade de exportar seus produtos para outros

    continentes.

    A Honda inaugurou sua primeira unidade em Manaus em 1970, onde se dedicou

    produo de motocicletas. Em 1997, inaugurou uma nova unidade para a produo de

    veculos em Sumar (SP).

    A Komatsu iniciou suas atividades no Brasil em 1995. Talvez por causa da febre

    da agricultura, j que se dedica produo de mquinas agrcolas. Sua fbrica est

    instalada em Suzano (SP).

    A Mitsubishi inaugurou sua planta de produo em Catalo (GO) em setembro

    de 1998. Afora a produo em Gois, importante lembrar que a Mitsubishi selou uma

    aliana com a Daimler-Chrysler (resultado da fuso da Daimler-Benz com a Chrysler) que

    inaugurou uma fbrica em Juiz de Fora (MG) em abril de 1999.

    A Nissan, em parceria com a Renault voltada para o Mercosul, construiu uma

    unidade montadora em So Jos dos Pinhais (PR), inaugurada em dezembro de 2001.

    A Toyota est presente no Brasil desde o fim da dcada de 1950. Comeou com

    uma fbrica na capital paulista, que foi transferida para So Bernardo do Campo em 1962.

    Em 1998 foi inaugurada uma nova indstria na cidade de Indaiatuba (SP).

    Alm dos investimentos citados, vale mencionar a expectativa de investimentos

    futuros devido ao Memorando entre os Governos do Brasil e do Japo sobre a

    implementao do sistema brasileiro de TV digital e a cooperao para o desenvolvimento

    da respectiva indstria eletroeletrnica brasileira. O Memorando da TV Digital firmado em

    13 de abril de 2006 pelos Ministros de Relaes Exteriores Celso Amorim e Taro Aso, em

    Tquio um texto vago e sua negociao envolve o perodo de definio do padro do

    Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Ademais, trata-se apenas de uma carta de boas

    intenes vinculada adoo do padro japons de TV digital (ISDB-T Integrated Services

    Digital Broadcasting Terrestrial) no Brasil, pas que adota um sistema de transmisso

    analgica (PAL-M).

    O memorando se refere textualmente revitalizao das relaes econmicas

    nipo-brasileiras e almeja o desenvolvimento de projetos conjuntos; dispe sobre a

    organizao por parte do governo brasileiro de um comit, com seus diversos

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    12/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    148

    segmentos industriais, destinado atrao de investimentos e desenvolvimento de

    indstrias de ponta, com o qual o governo japons cooperar ao mximo. O governo

    japons tambm se compromete a auxiliar o desenvolvimento de um plano estratgico com

    o objetivo de desenvolver uma indstria brasileira de semicondutores. Outrossim, o Japose prontifica a colaborar na capacitao de pessoal brasileiro e a apoiar empresas

    japonesas que invistam no Brasil, embora o memorando no deixe expresso como se dar

    esse apoio. Enfim, registra-se que o o Governo japons recebe de bom grado a dispensa

    de pagamento, pelo Brasil, de royalties relativos a patentes das prprias tecnologias ISDB-

    T.

    O Brasil optou pelo padro japons. Alm do ISDB-T, foi cogitada a possibilidade

    de adoo dos padres de TV digital europeu (DVB) e norte-americano (ATSC). A escolha

    foi oficializada pelo Decreto 5.820, de 29 de junho de 2006, e na solenidade para o anncio

    esteve presente o Ministro das Comunicaes japons, Heizo Takenaka. Estima-se que a

    implantao do SBTVD, prevista para os prximos sete anos, exigir investimentos em torno

    de dez bilhes de reais28.

    Ainda cedo para avaliar o impacto dos investimentos japoneses mais recentes

    na ocupao e no fluxo migratrio no territrio brasileiro. Todavia, nota-se que Estados sem

    tradio na produo de veculos automotores foram beneficiados. Obviamente, a abertura

    de uma indstria automotiva um elemento que possibilita a gerao de uma quantidade

    razovel de empregos. A Mitsubishi Motors, por exemplo, emprega diretamente 700

    pessoas e gerou cerca de 5.000 empregos indiretos29.

    No tocante implementao do SBTVD, o que h so expectativas de

    investimentos para os prximos anos e uma aposta no desenvolvimento de indstrias de

    ponta que possam contribuir com a produo brasileira de tecnologia.

    Os prximos anos revelaro como e em que grau esses investimentos

    podero ter influenciado o movimento populacional brasileiro.

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    13/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    149

    CONSIDERAES FINAIS

    A partir da anlise dos investimentos japoneses feitos no Brasil, percebe-se que

    o capital tem um papel bem mais relevante do que o indivduo de origem japonesa no

    processo de desenvolvimento econmico e da ocupao do territrio brasileiro (regies

    Centro-Oeste e Norte, principalmente). A produo mineral e industrial no Norte do pas e a

    produo agropecuria no Centro-Oeste realmente foram elementos fundamentais para o

    deslocamento de nmero expressivo de pessoas de outras partes do pas para essas

    regies.

    verdade que o Brasil o pas no qual se encontra o maior contingente

    populacional de origem nipnica do mundo. Todavia, quando comparada a presena do

    indivduo e do capital japons, fica evidente que este quem realmente exerce um papelpreponderante. Os imigrantes japoneses no foram capazes de imprimir marcas culturais

    relevantes no modus vivendido pas que lhes acolheu. A pouca participao dos japoneses

    na formao cultural brasileira parte da distncia cultural entre os pases; pode-se ainda

    levantar a hiptese que, de algum modo, a "marginalizao" dos japoneses e de seus

    descendentes no perodo da Segunda Guerra Mundial tenha aumentado o abismo cultural

    entre os dois pases.

    A influncia dos investimentos no setor produtivo nos movimento migratrios

    brasileiros demonstra que a transferncia da capital federal do Rio de Janeiro para o DistritoFederal em 1960 um fato que no favoreceu por si s o desenvolvimento das pores

    central e setentrional do territrio brasileiro. O que mantm o indivduo em determinado local

    so as oportunidades. A criao de novos Estados ou cidades sem critrios plausveis se

    torna um devaneio administrativo por demais oneroso, pois tende a enfrentar um triste ciclo:

    a euforia e a corrida pelas novas oportunidades; o estabelecimento de servidores pblicos e

    do setor de comrcio e servios que atender a demanda que cresceu subitamente;

    finalmente, a estagnao acompanhada de decepo e provvel retrao.

    Os investimentos japoneses no Brasil, que resultaram na formao de plos

    econmicos, demonstram que a descentralizao da atividade produtiva levam a uma maior

    distribuio populacional. Ao futuro cabe mostrar os erros e acertos cometidos na

    implementao que garantam a sustentabilidade socioeconmica dos projetos nacionais.

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    14/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    150

    NOTAS

    1LACOSTE, Yves (Dir.). Dictionnaire de geopolitique. Paris: Flammarion, 1995.2 Cf. WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amaznia: expanso e decadncia (1850-1920). Trad.Llio Loureno de Oliveira. So Paulo: USP; Hucitec, 1993; MAGNOLI, Demtrio. O corpo da ptria:imaginao geogrfica e poltica externa no Brasil (1808-1912). So Paulo: UNESP; Moderna, 1997.3TAVARES, Vnia Porto; CONSIDERA, Cludio Monteiro; SILVA, Maria Thereza L. L. de Castro e.Colonizao dirigida no Brasil: suas possibilidades na regio amaznica. Rio de Janeiro: IPEA, 1972.4As relaes diplomticas e consulares entre Brasil e Japo so caracterizadas por altos e baixos.O Decreto n. 81.193, de 9 de janeiro de 1978, chegou a enumerar sete consulados honorriosbrasileiros no Japo (Fucuoca, Hiroxima, Naha, Nagasaque, Nagoia, Quioto e Saporo). Atualmente,alm da Embaixada em Tquio, h dois consulados gerais Nagia e Tquio e um consuladohonorrio Kobe.5 O Decreto se refere ao conflito armado Japo versus Gr-Bretanha, Irlanda do Norte, NovaZelndia, Austrlia, Unio Sul-Africana e Pases Baixos.6 Entre a neutralidade e a declarao de hostilidade, outras medidas foram tomadas a exemplo dofechamento de escolas de idiomas estrangeiros, em 1938, e medidas especiais referentes aempresas que contassem com a participao de alemes, italianos e japoneses (Decreto-lei n. 4.717de 21 de setembro de 1942)7 O Tratado de Paz entre Brasil e Japo s entraria em vigor no ano seguinte. Os atos internosbrasileiros necessrios validade do acordo so o Decreto-legislativo n. 29/1952 e o Decreto n.30.948/1952.8Cf. GILPIN, Robert. A economia poltica das relaes internacionais. Trad. Srgio Bath. Braslia:UNB, 2002.9Para melhor compreenso, vale lembrar que a industrializao brasileira dos anos 1950 pode servista sob dois grandes projetos: o nacional-desenvolvimentismo (1951-1954) e o desenvolvimentismo-associado(1956-1961)10Desde a dcada de 40 foram realizadas pesquisas, no Brasil, para a procura de minriosradioativos.O primeiro e segundo Acordos Atmicos do Brasil com os EUA, assinados, respectivamente, em 1945e 1952, se referiam exportao de monazita, minrio de terras raras e trio, e se mantiveramsecretos at virem tona na CPI instalada em 1956 (SCLIAR, Claudio. Geopoltica das minas noBrasil: a importncia da minerao para a sociedade. Rio de Janeiro: Revan, 1996. p. 109).11 Cf. VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre:UFRGS, 1998.12GIRAUD, Pierre-Nol. Geopolitique des ressources minires. Paris: Economica, 1983.13Ibid.14 Giraud observa que as companhias mineradoras japonesas so mais modestas do que as deorigem anglo-saxnica. Em funo dessa particularidade os investimentos diretos foram maismodestos, fato compensados por contratos comerciais com indstrias dos pases fornecedores (op.cit.).15MATTOS, Carlos de Meira. Uma geopoltica pan-amaznica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito,1980.16

    SANTOS, Breno Augusto dos. Amaznia: potencial mineral e perspectivas de desenvolvimento.So Paulo: EDUSP, 1981.17 Informaes mais detalhadas sobre empresas japonesas no Brasil podem ser obtidas junto Cmara de Comrcio e Indstria Japonesa do Brasil .18SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Trad. Mario Salviano Silva. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1988.19ALHO, Cleber J. R.; MARTINS, Eduardo de Souza (editores). De gro em gro, o Cerrado perdeespao: Cerrado: impactos do processo de ocupao. Braslia: WWF Brasil, 1995. p. 21.20 BUSCHBACHER, Robert (Coord.). Expanso Agrcola e perda da biodiversidade no cerrado:origens histricas e o papel do comrcio internacional. Braslia: WWF Brasil, 2000. p. 85.21SKIDMORE, op. cit., p. 276.22VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre: UFRGS,1998. p. 272.23

    Cf. GILPIN, Robert. A economia poltica das relaes internacionais. Trad. Srgio Bath. Braslia:UNB, 2002.

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    15/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    151

    24

    PINHEIRO, Armando Castelar; GAMBIAGI, Fabio; GOSTKORZEWICZ, Joana. O desempenhomacroeconmico do Brasil nos anos 90. In: GAMBIAGI, Fabio; MOREIRA, Maurcio Mesquita (Org.).A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999. p. 11-41.25 PINHEIRO, Armando Castelar. Privatizao no Brasil: Por qu? At onde? At quando?. In:

    GAMBIAGI, Fabio; MOREIRA, Maurcio Mesquita (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio deJaneiro: BNDES, 1999. p. 178.26MOREIRA, Maurcio Mesquita. Estrangeiros em uma economia aberta: impactos recentes sobre aprodutividade e concentrao em comrcio exterior. In: GAMBIAGI, Fabio; MOREIRA, MaurcioMesquita (Org.).A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999. p. 333-374.27CONFEDERAO NACIONAL DA INDSTRIA; KEIDANREN. Brasil-Japo: aliana para o sculoXXI. Braslia: CNI, 2000.28LOBATO, Elvira. Sob crticas, Lula assina acordo com Japoneses para a TV digital. Disponvel em. Acesso em 29 jun. 2006.29 Informao obtida no stio oficial da Mitsubishi Motors do Brasil (www.mitsubishimotors.com.br).Acesso em 23 abr. 2006.

    REFERNCIAS

    ALHO, Cleber J. R.; MARTINS, Eduardo de Souza (editores). De gro em gro, o Cerradoperde espao: Cerrado: impactos do processo de ocupao. Braslia: WWF Brasil, 1995.

    BUSCHBACHER, Robert (Coord.). Expanso Agrcola e perda da biodiversidade nocerrado: origens histricas e o papel do comrcio internacional. Braslia: WWF Brasil, 2000.

    CONFEDERAO NACIONAL DA INDSTRIA; KEIDANREN. Brasil-Japo: aliana para osculo XXI. Braslia: CNI, 2000.

    GILPIN, Robert.A economia poltica das relaes internacionais. Trad. Srgio Bath. Braslia:UNB, 2002.

    GIRAUD, Pierre-Nol. Geopolitique des ressources minires. Paris: Economica, 1983.

    LACOSTE, Yves (Dir.). Dictionnaire de geopolitique. Paris: Flammarion, 1995.

    LOBATO, Elvira. Sob crticas, Lula assina acordo com Japoneses para a TV digital.Disponvel em .

    MAGNOLI, Demtrio. O corpo da ptria: imaginao geogrfica e poltica externa no Brasil(1808-1912). So Paulo: UNESP; Moderna, 1997.

    MATTOS, Carlos de Meira. Uma geopoltica pan-amaznica. Rio de Janeiro: Biblioteca doExrcito, 1980.

    MOREIRA, Maurcio Mesquita. Estrangeiros em uma economia aberta: impactos recentessobre a produtividade e concentrao em comrcio exterior. In: GAMBIAGI, Fabio;MOREIRA, Maurcio Mesquita (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro:BNDES, 1999. p. 333-374.

    PINHEIRO, Armando Castelar. Privatizao no Brasil: Por qu? At onde? At quando?. In:GAMBIAGI, Fabio; MOREIRA, Maurcio Mesquita (Org.).A economia brasileira nos anos 90.Rio de Janeiro: BNDES, 1999. p. 147-182.

  • 7/22/2019 AS RELAES BRASIL-JAPO E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO DE OCUPAO do territrio brasileiro

    16/16

    NUNES, Paulo H. F. As relaes Brasil-Japo e seus reflexos no processo de ocupao...

    Geografia - v. 17, n. 1, jan./jun. 2008 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias

    152

    ______; GAMBIAGI, Fabio; GOSTKORZEWICZ, Joana. O desempenho macroeconmicodo Brasil nos anos 90. In: GAMBIAGI, Fabio; MOREIRA, Maurcio Mesquita (Org.). Aeconomia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999. p. 11-41.

    SANTOS, Breno Augusto dos. Amaznia: potencial mineral e perspectivas dedesenvolvimento. So Paulo: EDUSP, 1981.

    SCLIAR, Claudio. Geopoltica das minas no Brasil: a importncia da minerao para asociedade. Rio de Janeiro: Revan, 1996.

    SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Trad. Mario SalvianoSilva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

    TAVARES, Vnia Porto; CONSIDERA, Cludio Monteiro; SILVA, Maria Thereza L. L. deCastro e. Colonizao dirigida no Brasil: suas possibilidades na regio amaznica. Rio de

    Janeiro: IPEA, 1972.

    VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre:UFRGS, 1998.

    WEINSTEIN, Barbara.A borracha na Amaznia: expanso e decadncia (1850-1920). Trad.Llio Loureno de Oliveira. So Paulo: USP; Hucitec, 1993.