as redes sociais na era de sua reprodutibilidade técnica por fábio bito teles

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Neste artigo tento fazer uma reflexão e traçar um paralelo entre a observação de Walter Benjamin sobre reprodutibilidade e aura, dentro do contexto das redes sociais no mercado de comunicação no início do século XXI

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Page 1: As Redes Sociais Na Era De Sua Reprodutibilidade TéCnica   Por FáBio Bito Teles

As Redes Sociais na era de sua reprodutibilidade técnica: em

busca da restauração da aura

Por Fábio Bito Teles – [email protected]

Talk Interactive

A forma como o mercado de comunicação percebe e utiliza as redes sociais na primeira década

do século XXI sempre me chamou a atenção. Um tratamento massificador de organismos

essencialmente autênticos que me causa estranhamento, tanto quanto a fotografia e o cinema

causaram a Walter Benjamin, em relação à obra de arte.

Paro aqui a minha reflexão para, primeiro, situar no tempo e no espaço o meu objeto de

reflexão, que são as redes sociais dentro do mercado de comunicação social, publicidade,

jornalismo, marketing e relações públicas, no início do século XXI, época de extrema exposição

e valorização dos recursos chamados 2.0 na internet comercial.

Segundo, para me desculpar pela comparação do meu pensamento ao de um dos maiores

expoentes dos estudos de teorias da comunicação, ainda mais por usar um dos textos

frankfurtianos mais conhecidos e reconhecidos.

O objetivo foi me apropriar de uma construção já estabelecida para chamar a atenção e

também traçar um paralelo entre a reprodutibilidade técnica, a autenticidade e valor de

exposição, a aura, e o valor de eternidade, apontados por Benjamin no que se refere às obras

de arte, ao contexto das redes sociais.

Abro um outro parêntese para pontuar o que acredito que sejam redes sociais. Segundo

Augusto de Franco, em Escola de Redes – Novas visões sobre a sociedade, o

desenvolvimento, a internet, a política e o mundo glocalizado:

"O que é chamado de mundo das redes, todavia, não é o mundo físico que pode ser

visto, mas um multiverso de conexões que não se vê, ao qual só se pode ter acesso por

meio da ciência ou da imaginação" ... "Redes são sistemas de nodos e conexões. No

caso das redes sociais, tais nodos são pessoas e as conexões são relações entre essas

pessoas"(FRANCO, p 37)

Posto isso, me aproprio de algumas citações destacadas do texto A obra de arte na era de sua

reprodutibilidade técnica (livro Walter Benjamin – Obras Escolhidas: Magia e técnica, arte e

política – Editora Brasiliense) para construção deste paralelo.

Reprodutibilidade técnica

“... a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela somente podia

transformar em seus objetos a totalidade das obras de arte tradicionais, submetendo-

as a transformações profundas, como conquistar para si um lugar próprio entre os

procedimentos artísticos” (BENJAMIN, p.167).

Quando Walter Benjamin apontava que a reprodução infinita de uma obra de arte como a

Mona Lisa, por exemplo, sua argumentação indicava que as reproduções eram apenas

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simulacros dos seus referentes originais. Assim são também grande parte das redes sociais em

evidência na web atualmente.

Um recente vídeo produzido pela Agência Click (LINK:

http://www.youtube.com/watch?v=DmRsQibIOWg) mostra, sem ser este o seu objetivo,

como esta cultura da reprodutibilidade técnica atingiu um estágio tão avançado que não se

limita a reproduzir apenas obras e objetos tangíveis, mas também se aventura na reprodução

de relações sociais, conexões entre as pessoas e construção de conhecimento.

“Pesquisas apontam que só em 2008 mais de 12 milhões de PCs foram vendidos...”, diz o texto

do vídeo. E continua: “O brasileiro gasta em média 23 horas e 12 minutos por mês conectado à

internet” e “Entre estes brasileiros, 79% fazem parte de redes sociais”.

E o que consideram redes sociais? Orkut, Facebook, Twitter, Blog, Flickr, Youtube e uma

infinidade de ferramentas disponíveis por aí. No momento em que o mercado se apropria

destes números, se gabando de que “as redes sociais agregam mais de 55 milhões de

usuários”, fincam no coração da sociedade mundial a bandeira que indica o sucesso na

reprodutibilidade técnica das relações sociais.

Mas isso não é um privilégio da Agência Click, ou do mercado brasileiro. É um fenômeno

mundial. É só fazer uma pesquisa no Google para achar apresentações e mais apresentações

com o mesmo discurso construído, no qual o crescimento da exposição e do volume são muito

mais importantes e relevantes do que a autenticidade destas redes.

Autenticidade

“A esfera da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica, e

naturalmente não apenas à técnica” ... “A autenticidade de uma coisa é a

quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde

sua duração material até o seu testemunho histórico” (BENJAMIN, p 167 e 168).

Quando Benjamin destaca a inexistência de autenticidade em produtos oriundos da

reprodutibilidade técnica, vai ao cerne da questão do modo de produção capitalista – modo

este que o pensamento da Escola Crítica, da qual o autor faz parte, descasca e condena.

A reprodutibilidade técnica das relações sociais, expressas nesse fenômeno de uso das

ferramentas de redes sociais digitais, acaba com o caráter autêntico de tais relações.

Os vestígios existentes na construção de relações autênticas – lembranças, afinidades, espera,

saudade, desentendimentos etc – que são transmitidos pela tradição, simplesmente não

existem, ou são incidentais e quase imperceptíveis nas relações sociais construídas através da

reprodutibilidade técnica. Não é possível perceber o “aqui e agora” (BENJAMIN, p 167) destas

relações.

Ter 300 contatos no ICQ, ter 999 amigos no Orkut, fazer parte de uma comunidade com 15 mil

membros, ou possuir 70 mil seguidores no Twitter não significa, necessariamente, estabelecer

uma relação social com todo esse universo. Ao contrário, quando maior a exposição destas

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relações sociais e o acesso das pessoas a estes múltiplos canais, menor será a relação social

entre estes indivíduos.

Nestes casos, para grande parte da massa só são estabelecidos o que Mark Granovetter chama

de laços fracos (weak ties). Não se discute a importância de tais laços na formação e dinâmica

de redes sociais autênticas, quando analisados junto aos laços fortes. O ponto crítico destas

redes massificadas é justamente a inexistência de laços fortes (strong ties) que dão

estabilidade e caráter original ao sistema.

A pesquisa do antropólogo da Universidade de Oxford, Robin Dunbar, sugere que os seres

humanos não são capazes de administrar uma rede de amigos com mais de 150 indivíduos. Em

entrevista concedida ao Times

(http://technology.timesonline.co.uk/tol/news/tech_and_web/the_web/article6999879.ece),

do Reino Unido, o antropólogo afirma:

"O interessante é que você pode ter 1.500 amigos, mas, quando você olha o tráfego

dos sites, é possível notar que as pessoas mantêm o mesmo circulo de amigos que gira

em torno as 150 pessoas, o que ocorre também no mundo real”

Estas pseudo-redes com milhares de indivíduos pseudo-conectados não são autênticas, não

possuem tradição, e quando colocadas umas ao lado das outras, são iguais. São uma vaga

lembrança das relações sociais experimentadas em diversos ambientes, inclusive na internet,

mas, ao contrário destas, não têm força de transformação, muito menos de sustentação. São

ocas. Não possuem aura.

Não quero dizer aqui que toda manifestação proveniente destas redes não tem autenticidade.

Alguns flashmobs, por exemplo, possuem uma carga genuína e assustadoramente

transformadora. Mas estes não são maioria.

Aura

“Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e

temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”.

(BENJAMIN, p 170).

A destruição da aura anunciada por Benjamin, quer dizer a morte da ligação entre relações

sociais e uma história presa no passado, que não pode ser tocada, apenas sentida, no

presente. A reprodutibilidade de redes sociais não autênticas faz com que tenhamos uma

relação presente que não tem história passada, não tem os vestígios da autenticidade, e,

consequentemente, não tem aura.

“Fazer as coisas ‘ficarem mais próximas’ é uma preocupação tão aproximada das

massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos

através de sua reprodutibilidade técnica” (BENJAMIN p 170)

Destaco esta citação ainda dentro do contexto da definição de aura para tirar um pouco do

peso da responsabilidade das organizações – incluindo as agências de comunicação – neste

processo de reprodução artificial de relações sociais. Quem força este cenário hoje é a própria

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massa, desarticulada, pseudo-educada, faminta por relações artificiais por não conseguirem

dar conta de esperar a gênese de relações singulares e autênticas.

Estar nestas redes digitais nos dão uma impressão de pertencer a uma turma, a um grupo, a

uma comunidade, mas, na verdade, o indivíduo não pertence. O indivíduo participa como

mero espectador de outras relações às vezes tão vazias quanto as suas.

Por tanto, não temos aqui um problema mercadológico apenas. O problema é social e deve ser

encarado como tal. É preciso recriar a cultura da colaboração, participação e interação fora da

normatividade hierárquica e repressiva, que se disfarça de uma falsa cultura de colaboração e

engajamento ao se apoiar em ferramentas de fórum e debate extremamente controladas.

Valor de eternidade

“Os gregos só conheciam dois processos técnicos para a reprodução de obras de arte: o

molde e a cunhagem. As moedas e terracotas eram as únicas obras de arte por eles

fabricadas em massa. Todas as demais eram únicas e tecnicamente irreprodutíveis. Por

isso, precisavam ser únicas e construídas para a eternidade” (BENJAMIN, p 175).

Tal qual as esculturas gregas, irreprodutíveis àquela época, as relações sociais estabelecidas

antes da exposição massificada também eram construídas para a eternidade. Amizades,

correspondências, organizações de grupos eram estabelecidos sem as facilidades promovidas

pela sociedade da informação e conexões digitais.

O que aconteceu foi que perdemos a mão. De forma desenfreada deixamos de usar as

ferramentas como facilitadores na construção de relações para transformá-las na própria

essência da relação. Quando uma relação social é reproduzida nos moldes da

reprodutibilidade técnica, as conexões reais e duradoras estabelecidas não se dão entre os

indivíduos, mas entre as máquinas. A rede passa a ser técnica e não social, e pode ser

destruída ou substituída por qualquer outra ferramenta sem perda efetiva dos valores de

autenticidade, uma vez que eles quase não existem nestas condições.

Resgate da aura

A reflexão, no entanto, me leva a buscar formas de resgate da aura das relações sociais em

rede, principalmente no contexto das redes sociais digitais. Exemplos não faltam de redes

autênticas e singulares na internet.

Destaco organismos como o Couch Surfing, Mumsnet, The People Speak, Slice the pie,

Ebbsfleet United, Zopa e Linux, todos presentes no interessantíssimo documentário Us Now

(http://www.imdb.com/title/tt1555154/), dirigido por Ivo Gormely, que conta histórias de

como a sociedade organizada em rede distribuída baseada na colaboração e na internet está

transformando o nosso mundo.

No Brasil a Escola de Redes (http://escoladeredes.ning.com/), Movimento Blog Voluntário

(http://www.blogvoluntario.org.br/), e Voluntários Online

(http://www.voluntariosonline.org.br/), por exemplo, surgem como redes sociais que se

sustentam pelo desejo de permanência, de eternidade. E existem muitos outros por aí.

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Junto à “existência serial” (BENJAMIN, p 168)das redes sociais digitais, que parecem sufocar o

usuário e chamar toda a atenção do mercado, nascem e renascem relações que se utilizam da

internet para potencializar seu poder de transformação.

Ainda podemos resgatar a aura perdida das redes sociais, mas, para tanto, é preciso mostrar o

valor e o retorno possíveis com a construção de relações mais maduras e autênticas.