as raÍzes do nazismo e sua relaÇÃo com o capitalismo
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AS RAÍZES DO NAZISMO E SUA RELAÇÃO COM O
CAPITALISMO
INTRODUÇÃO
O fenômeno do totalistarismo sempre foi indicado como uma das maiores catástrofes
do século XX, devido às atrocidades cometidas contra diversos grupos humanos, com
destaque para o tratamento dado aos judeus pelos nazistas. Buscando evitar que essa barbárie
se repetisse através do seu entendimento, muitos autores se debruçaram (e ainda se debruçam)
sobre esse tema.
Este breve artigo tem como intenção apresentar as condições históricas, econômicas e
sociais que permitiram o surgimento desse fenômeno. Nesse processo, busca-se apresentar as
questões materiais presentes na conjuntura do momento histórico do entre guerras, mas
também apresentar uma outra vertente analítica que ressalta questões culturais construídas ao
longo de toda a história de formação nacional alemã e que explica porque o país foi terreno
fértil para o surgimento e rápida ascensão do movimento nazista.
Em seguida, analisa-se a relação entre nazismo e capitalismo, a partir da contribuição
dos pensadores de esquerda. Essa questão é importante pois, mesmo que se concorde que o
nazismo não é um modo de produção específico, mas apenas um formato que o capitalismo
possa se apresentar, pode-se fazer inferências diferentes sobre o tipo de capitalismo que o
nazismo foi, o que pode ajudar a caracterizar cada vez melhor esse processo cuja dinâmica
ainda é obscura para a sociedade.
DESENVOLVIMENTO
O surgimento do nazismo na Alemanha está intimamente ligado à crise econômica. A
situação do país estava muito complicada devido às perdas da Primeira Guerra Mundial
quando todos os países foram atingidos pela Crise de 1929. Tal situação grave levou a
Alemanha a ser, segundo Coggiola, o centro da contrarevolução anti-comunista e o motor da
Segunda Guerra Mundial. Este autor assim descreve a situação econômica da Alemanha com
o agravamento da crise:
A crise de 1929, na Alemanha, agravou os resultados da hiper-inflação de 1923, depois de uma “prosperidade” relativamente breve. Dentro
da burguesia, só os grandes industriais e banqueiros sobreviveram: a média e pequena burguesia, arruinada pela inflação e deflação alternantes, acabou sub-proletarizada. Os camponeses, menos atingidos pela crise, eram uma minoria nesse país industrializado. Os trabalhadores industriais sofriam, com o desemprego de massa, uma miséria densa, na qual a procura de um emprego parecia interminável. A juventude carecia de qualquer perspectiva de trabalho, ou de vida “normal”: milhões de jovens viraram “nômades”, muitos enchiam os “campos de trabalho”. Fenômenos de decomposição social se desenvolveram em grande escala (droga, alcoolismo, prostituição...). (COGGIOLA, s.d., p. 2)
Os problemas econômicos resultavam em problemas sociais e, como o governo não
conseguia resolvê-los, a população se resoltava contra o governo social-democrata. Nessa
situação de desespero, o nacionalismo, a xenofobia e a exaltação da superioridade alemã
ganhavam cada vez mais espaço, porque mobilizavam a pequena-burguesia que estava
desesperada (explorando seu medo da proletarização e do nivelamento social), mobilizavam
também aqueles que se sentiam “traídos” pela derrota na guerra. (COGGIOLA, s.d., p. 1-2)
Além disso, o nazismo conseguiu aumentar as suas fileiras de adeptos pois oferecia
uma saída para a juventude desempregada através de um emprego seja nas milícias armadas,
nas SA (tropas de assalto) e, depois, nas SS (Schutzstafel, destacamento da guarda). “O
emprego, o salário, a farda, devolviam aos jovens o que eles julgavam ser uma existência que
a sociedade lhes negava”. (COGGIOLA, s.d., p. 2)
Essa é uma análise clássica das origens do nazismo. Porém há uma questão que se
impõe: todas essas circunstâncias são suficientes para explicar a origem do nazismo, ou será
que há algo a mais na história da Alemanha que explique um fenômeno tão suis generis?
Tentando contemplar essa questão, Norbert Elias (apud FAUSTO, 1998) vai buscar na
história alemã algo que explique melhor a ascensão do nazismo. Ele o faz porque acredita que
há uma tendência a dar importância secundária a crenças sociais e políticas, como se elas
fossem apenas reflexos dos interesses de grupos ou classes. Porém para ele, o exemplo do
nazismo e da sua decisão de pôr em prática o plano de limpeza étnica, explicita que não há
apenas critérios que costumamos chamar de racionais ou realistas, mas, principalmente, uma
crença central e profundamente enraizada na história alemã:
A crença de que a grandeza presente e futura da Alemanha e de toda a “raça ariana” dependia da luta pela “pureza racial”; essa “pureza”, concebida em termos biológicos, impunha o afastamento e, no limite, a destruição dos grupos humanos “inferiores”, cujo epítome era representado pela “raça” judaica. (FAUSTO, 1998, p. 143).
Elias não desconsidera a importância da crise econômica e a intensificação do conflito
de classes daí resultante para o triunfo do nazismo. Mas, ele considera que, para se entender o
fenômeno em toda a sua extensão, é necessário retomar as características do desenvolvimento
da Alemanha, através de um longo processo histórico. (ELIAS apud FAUSTO, 1998, p.143)
A análise parte, desde a situação instável das tribos de fala alemã, passando pelas
características do Sacro Império Romano-Germânico, formado no século X, e que, enquanto
muitos Estados vizinhos estavam se transformando em monarquias centralizadas e
internamente pacificadas, o Império tinha uma frágil integração, gerando muitos e
intermináveis conflitos internos, recebendo muitas invasões. (FAUSTO, 1998, p.144).
Continuando, Elias aponta para um quadro de fraqueza da nação germânica usando diversos
exemplos históricos : a guerra dos Trinta Anos (1618-1648), a invasão pelas tropas de Luis
XIV, no fim do século XVII; a invasão de Napoleão, entre outros. (FAUSTO, 1998, p.144).
Mesmo com a unificação, as rivalidades dinásticas continuavam a ser decisivas nas relações
com as outras grandes potências. Isso explica, por exemplo, a derrota na Primeira Guerra
Mundial e a humilhação imposta pelo Tratado de Versalhes. (FAUSTO, 1998, p.145).
Essa análise de Elias, historicamente, não traz novidades. A questão é a consequência
desses acontecimentos históricos. Para ele essas consequências formam um habitus.
(FAUSTO, 1998, p.145). Esse habitus dos membros da sociedade alemã tem origem na
fragmentação que marca sua história, por isso revela sinais de depressão e de perda de
identidade. “Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a posição secundária dos estados alemães,
no concerto da Europa, trouxe como consequência a baixa de auto-estima do povo germânico,
acompanhada de um sentimento de humilhação”. (FAUSTO, 1998, p.147). E esse sentimento
de inferioridade presente no habitus alemão teve sua contrapartida na ênfase exagerada no
sentimento de grandeza e do poder da nação alemã.
Com tais características, o habitus, transmitido de geração em geração, produziu no povo alemão um desejo ardente de unidade, que emergiu recorrentemente na Alemanha em situações de crise. A auto-imagem de que os alemães não eram capazes de conviver sem discórdias e disputas encontrou expressão no sonho de encontrar um soberano ou um líder poderoso, capaz de produzir a unidade e o consenso. Da alta sensibilidade dos alemães pelas disputas internas, consideradas enfraquecedoras do ideal de unidade, resultou, por sua vez, no passado recente, uma aversão pela democracia parlamentar, com suas tensões incessantes e conflitos entre os diferentes partidos. (FAUSTO, 1998, p.147).
Depois de explicadas as origens históricas, sociais e econômicas que permitiram a
ascensão do nazismo, pode-se analisar a relação entre o nazismo e capitalismo. Apesar de
algumas vertentes apontarem o nazismo como uma forma de socialismo ou como um terceiro
modo de produção, este artigo se baseia na concepção de que o nazismo foi uma forma de
organização dentro do sistema capitalista, tese que é explicada por diversos autores.
Em primeiro lugar podemos apontar o fato de que o nazismo se beneficiou do apoio de
capitalistas no mundo dos negócios e no exército. (COGGIOLA, s.d., p. 1) Essas classes
apoiaram o nazismo porque viam nesse movimento uma forma de se proteger contra o avanço
comunista e também de ter as relações capitalistas de produção garantidas e protegidas através
da ação de um Estado forte. Mesmo que essa interpretação escapasse aos olhos de muitos
intelectuais de esquerda da época, Trotsky já aponta o caráter antiproletário do nazismo:
O fascismo põe em pé aquelas classes imediatamente acima do proletariado, e que vivem com receio de serem obrigadas a cair em suas fileiras; organiza-as e militariza-as às custas do capital financeiro, com a cobertura do governo oficial (...). O fascismo não é apenas um sistema de represálias, de força brutal, de terror policial. O fascismo é um determinado sistema governamental baseado na erradicação de todos os elementos da democracia proletária dentro da sociedade burguesa. (TROTSKY apud COGGIOLA, s.d., p. 7)
Boris Fausto (1998, p.142) aponta para um risco nessa interpretação. Mesmo que os
grandes industriais alemães e expoentes do mercado financeiro financiaram o nazismo, não se
pode definir a relação entre esses grandes capitalistas e o Partido Nazista como se esse último
fosse subordinado aos primeiros. Na verdade foi o Partido, na figura do Estado nazista que
determinou os rumos fundamentais da política, “encarando com desprezo uma grande
burguesia pragmática cuja colaboração lhe era, entretanto, indispensável.”
Uma outra interpretação sobre a relação nazismo x capitalismo é feita pela Teoria
Crítica, também corrente de pensamento de esquerda. Para Pollock, por exemplo, o nazismo
se caracteriza como um Capitalismo de Estado. Pollock desenvolve esse conceito a partir de
ideias que trabalhava desde o início dos anos 30, definindo-o como uma nova ordem social
que contrasta com a ordem em declínio, o capitalismo privado.
As diferenças essenciais entre ambas [capitalismo de estado e capitalismo privado] seriam as seguintes: 1) a deposição do mercado de sua função de controle na coordenação da produção e distribuição, o que implica no “desaparecimento do mercado autônomo e das assim chamadas leis econômicas”; 2) a transferência do controle para o Estado, que lança mão de dispositivos antigos e novos (inclusive um “pseudomercado”) na execução desta tarefa; e 3) na forma totalitária do capitalismo de Estado, o Estado é o instrumento de poder de um novo grupo dominante, formado pela fusão das burocracias estatal, empresarial e do partido vitorioso; enquanto que na forma
democrática o Estado tem a mesma função de controle, mas é controlado pelo povo. (PEDROSO, 2009, p. 154)
Essa caracterização de Pollock recebeu a crítica de Neumann no sentido de que
capitalismo de Estado e capitalismo privado não seriam coisas diferentes. Nesse sentido,
Neumann (apud PEDROSO, 2009, p. 158-159) afirma que o sistema monopolista e os lucros
se beneficiam do sistema autoritário, pois:
Se o poder político totalitário não tivesse abolido a liberdade de contrato, o sistema de cartéis teria ruído. Se o mercado de trabalho não fosse controlado por meios totalitários, o sistema monopolista estaria em risco; se as agências de matérias-primas, suprimentos, controle de preços e racionalização, se os gabinetes de controle do crédito e do câmbio estivessem nas mãos de forças hostis aos monopólios, o sistema de lucros ruiria. O sistema se tornou tão completamente monopolizado que ele deve por natureza ser hipersensível a mudanças cíclicas, e tais mudanças devem ser evitadas. Para se obter isso é necessário o monopólio do poder político sobre o dinheiro, o crédito, o trabalho e os preços. Em poucas palavras, a democracia colocaria em risco o sistema totalmente monopolizado. A essência do totalitarismo é estabilizá-lo e fortificá-lo. Esta não é, é claro, a única função do sistema. O Partido Nacional-Socialista só está preocupado com o estabelecimento do domínio de mil anos, mas para alcançar este fim eles não têm outra opção senão proteger o sistema monopolista, o qual lhes fornece a base econômica para a expansão política.
Independente da relação do nazismo com o capitalismo monopolista, ambas as
posições explicam muito bem porque o nazismo é uma forma de capitalismo. Enquanto
Pollock defende que o capitalismo de Estado praticado pelo nazismo é uma superação do
capitalismo privado e monopolista que prosperou durante o século XIX, Neumann aponta
para uma consonância entre esses capitalismos, pois o surgimento do nazismo acabou por
ajudar na preservação de características essenciais ao capitalismo monopolista, mesmo que o
capitalismo tenha que ter aberto mão do controle social via mercado, o totalitarismo político e
social não foi um prejuízo, mas antes a garantia do lucro.
CONCLUSÃO
Estudar esse fenômeno do totalitarismo, escolhido aqui pelo exemplo do nazismo
alemão, é imprescindível para entender melhor o século XX e inclusive características do
século XXI, como a xenofobia e o endurecimento de políticas sociais devido à crise
econômica.
Podemos perceber a importância do contexto histórico e das questões materiais para
explicar a vulnerabilidade popular e o desespero dos capitalistas no período entre guerras.
Também ajuda retomar questões culturais e de habitus para explicar porque a Alemanha foi o
cenário ideal para o surgimento do nazismo.
Também pudemos explicar esse processo e sua relação com o modo de produção. O
nazismo não só é uma expressão do capitalismo, mas se relaciona com este de uma forma
muito complexa e intrínseca, sendo uma modificação necessária ao capitalismo monopolista,
ou seja, foi uma das formas que o capitalismo se moldou para realizar as mudanças
necessárias para adentrar no século XX.
BIBLIOGRAFIA:
COGGIOLA, Osvaldo. Trotsky, a ascensão do nazismo e o papel do stalinismo. Disponível em http://www.rebelion.org/docs/9198.pdf acessado em 10/04/2012.
FAUSTO, Boris. A interpretação do nazismo, na visão de Norbert Elias. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp. 141-152. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2429.pdf acessado em 10/04/2012.
PEDROSO, J. T. Gustavo. Entre o capitalismo de Estado e o Behemoth: o Instituto de Pesquisa Social e o fenômeno do fascismo. In: Cadernos de Ética e Filosofia Política 15, 2/2009, pp. 151-179. Disponível em http://www.fflch.usp.br/df/cefp/Cefp15/pedroso.pdf acessado em 10/04/2012.