as prÁticas de leitura e a biblioteca escolar. para um projecto educativo integrado

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    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

    AS PRÁTICAS DE LEITURA E A BIBLIOTECA ESCOLAR.

    PARA UM PROJECTO EDUCATIVO INTEGRADO

    Jaquelina Laureano Duarte

    MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

    Área de especialização em Educação e Leitura 

    2006

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    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

    AS PRÁTICAS DE LEITURA E A BIBLIOTECA ESCOLAR.

    PARA UM PROJECTO EDUCATIVO INTEGRADO

    Jaquelina Laureano Duarte

    MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

    Área de especialização em Educação e Leitura 

    Dissertação orientada pelo Professor Doutor Justino de Magalhães

    2006

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    “O gesto construtivo é um fim em si mesmo,

     porque é um modo de abrir e habitar o espaço da construção.

    A obra nunca será uma propriedade

    mas sim a actividade incessante de um operário

    que se constrói a si mesmo em cada gesto construtivo.”

    António Ramos Rosa,

    O Aprendiz Secreto

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    AGRADECIMENTOS

    Para que este projecto educativo pessoal ganhasse forma, recebi de várias

     pessoas um apoio inestimável, a quem gostaria, neste momento, de expressar o meu

    agradecimento.

    Ao Professor Doutor Justino de Magalhães devo, desde a primeira hora, a

    disponibilidade para orientar a construção desta investigação. Os ensinamentos que

    me proporcionou e o seu interesse, nomeadamente com a leitura crítica e atenta do

    estudo, revelaram-se imprescindíveis para a realização do mesmo.

    Ao Professor Doutor Jorge do Ó agradeço o incentivo e estímulo intelectual, tal

    como a prontidão com que sempre me acolheu, colocando à minha disposição os

    seus materiais e auxiliando-me no processo de reflexão.O Professor David Tavares constituiu-se como uma peça fundamental na

    montagem de todo o aparelho metodológico, tal como na respectiva verificação.

    Com ele confirmei que o rigor é também possível nas ciências da educação.

    O Gabinete responsável pela Rede de Bibliotecas Escolares, na pessoa da sua

    Coordenadora – a Dra. Teresa Calçada – ao aceder colaborar comigo, auxiliou-me

    no processo de contacto e divulgação do estudo junto das escolas. Saliento aqui o

    Fernando do Carmo, por razões de ordem diferente. No âmbito da colaboraçãodispensada pelo Gabinete mostrou-se incansável, facilitando-me todas as

    informações necessárias e estabelecendo a ponte de contacto com as escolas.

    Todavia gostaria também de lhe manifestar o meu reconhecimento pessoal pela

    acção pioneira que desenvolveu no domínio das bibliotecas escolares e que, aquando

    do início da minha actividade como professora, me inspirou e desencadeou o

    interesse por esta área, nomeadamente com o trabalho que desenvolveu na

    Mediateca da Escola Secundária de Mem Martins.À Maria José Vitorino ficarei sempre grata pelo modo solidário como me

    acompanhou, facultando-me dados relevantes, mas, acima de tudo, por partilhar a

    sua experiência e entusiasmo comigo e por me oferecer a sua opinião sincera.

    Diversos foram os amigos e colegas que estiveram presentes neste caminho que

     percorri, com quem pude trocar ideias e me deram o encorajamento necessário,

     particularmente em momentos de algum desânimo. Destaco a Cristina Cruz, minha

    companheira nestas aventuras pelo conhecimento e que me tem ajudado a ler  a vida

    de uma maneira mais bonita e a Dália Santos, de quem colhi um contributo

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     precioso, com o seu trabalho de revisão crítica do texto, e uma atenção constante.

    Das duas retenho, essencialmente, o amparo e o melhor que me poderiam ter

    oferecido – a vossa amizade. Um obrigada especial também à Sónia Gomes, ao

    Artur Pereira e ao Fernando Ferreira.

    A finalizar, aqueles que ocupam em mim um lugar muito especial e com quem

    tenho consolidado um projecto de vida – a minha família. Aos meus pais e irmão

    (além de assessor informático) agradeço o apoio incansável, a paciência e o ânimo

    que sempre me concederam, mesmo quando nem tudo parecia fácil. Dedico-vos o

    que de melhor este trabalho possa encerrar, pois sem a vossa assistência ele não se

    teria, certamente, concretizado.

    Termino com palavras da autoria do Professor Doutor António Nóvoa, retiradas

    da introdução do livro Evidentemente. Histórias da Educação (2005), que, a partir

    de determinado momento, me acompanharam e das quais me apropriei,

    convertendo-as numa espécie de lema pessoal. Cito-as agora porquanto todos

    aqueles que aqui foram nomeados me ajudaram a assimilá-las: “Pensar exige

    tranquilidade, persistência, seriedade, exigência, método, ciência.”

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    RESUMO

    O aumento da informação disponível, nomeadamente com a dinamização das

    novas tecnologias da informação e comunicação no último quartel do século XX,

    sublinhou a importância da biblioteca escolar, no contexto educativo, como local

     privilegiado no acesso à informação. Comprovam-no a elaboração do  Manifesto das

     Bibliotecas Escolares, sob a égide da UNESCO e da  International Federation of

     Library Associations (IFLA), em 1976. Em Portugal este reconhecimento repercute-se

    na criação de uma Rede de Bibliotecas Escolares, em 1996, da responsabilidade do

    Ministério da Educação. A revisão da bibliografia levada a cabo no presente estudo

    centrou-se na teorização acerca do modo como a pedagogia escolar, portuguesa e

    estrangeira, esteve atenta e incorporou a leitura e a biblioteca nas práticas escolares.A investigação empírica incidiu sobre a verificação da forma como um universo

    de 70 escolas, todas pertencentes à Rede de Bibliotecas Escolares, integrou a biblioteca

    escolar e a sua acção num documento tido como de orientação educativa e construtor da

    autonomia de cada escola ou agrupamento de escolas – o projecto educativo de escola.

    Independentemente das práticas, intentou-se apreender o estatuto que a biblioteca

    escolar detém na representação oficial da escola, porquanto isso reflectirá qual o papel

    que àquela está reservado nos modelos pedagógicos que se propõe implementar.Constituiu-se como um trabalho de natureza qualitativa, assente na análise de conteúdo

    do referido documento.

    Da recolha e tratamento de dados emergiram indícios de que a biblioteca escolar

    não detém uma projecção significativa no interior do discurso, pois verificámos um

     baixo índice de referências directamente relacionadas com a mesma. A situação é

    complementada pela constatação de “silêncios” decorrentes da ausência de clarificação

    de alguns princípios relevantes, como qual o conceito e estatuto preconizados para esteórgão. Face a estas irregularidades estruturais e conjunturais, o nosso estudo permitiu-

    -nos apresentar algumas sugestões de mudanças.

    Palavras-chave:  biblioteca escolar; centro de recursos educativos; professor bibliotecário; promoção da leitura; competências de informação

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     ABSTRACT

    The increase of available information due to the development of new

    information and communication technologies in the last quarter of the 20th

     century hasstressed the importance of the school library in educational context as a privileged

    facility for the access to information. This is confirmed by the issue of the  School

     Library Manifesto under the patronage of both UNESCO and the IFLA in 1976. In

    Portugal, this acknowledgment translates into the creation of a School Libraries

     Network in 1966 by the Ministry of Education. In this study, bibliography assessment

    focused on theorizing about how school pedagogy, domestic and foreign, has been

    aware and embodied reading and the library itself in school practices. The empiricsurvey focused on checking how a whole of seventy schools, members of the School

    Libraries Network incorporated their school library and its activity into a document

    meant to ascertain educational guidelines and be instrumental in each school, or schools

    group’s autonomy – the school’s mission statement.

    Apart from individual procedures, we intended to comprehend the status held by

    the school library within the school’s official presentation, as such reveals the role the

    former is supposed to play in the pedagogic models which the latter intends to

    implement. It amounted to a study of a qualitative nature, based upon analysis of

    contents of the afore-said documents.

    From data gathering and processing, signs have shown up of school libraries not

    having significant projection into the discourse essentialness, as we established a low

    ratio of explicitly  related references. The overall picture is complemented with the

    existence of “silences” deriving from lack of clarification about relevant principles, such

    as the concept and role such a structure should play. In view of these structural and

    institutional irregularities, this study allowed us to make suggestions towards some

    changes.

    Key words: school library; learning resources center; school librarian; reading promotion; information skills 

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    ÍNDICE

    INTRODUÇÃO

    I.  A BIBLIOTECA ESCOLAR NO CONTEXTO PEDAGÓGICO

    1. Abordagem internacional da História das Bibliotecas Escolares2. Bibliotecas Escolares em Portugal: limites históricos de umaexperiência3. O Programa da Rede de Bibliotecas Escolares em Portugal4. Esclarecimento de conceitos5. A Biblioteca Escolar e s modelos pedagógicos

    5.1 Resenha histórica5.2 Sistematização das potencialidades

    5.2.1 Pedagogia da informação5.2.2 Pedagogia de projecto5.2.3 Modelos de processamento da informação5.2.4 Articulação com a Biblioteca escolar: campo de

     possibilidades6. Finalidades da Biblioteca Escolar

    6.1 Funções e objectivos6.1.1 Aproximação à Biblioteca Pública6.1.2 Considerações gerais acerca da sua organização egestão

    7. A Biblioteca Escolar no paradigma da «Sociedade da Informação»8. Os recursos humanos no contexto da Biblioteca

    II. O LUGAR DA LEITURA NA PEDAGOGIA ESCOLAR

    1. Leitura e sucesso educativo2. A Biblioteca e a leitura escolar3. Da leitura à literacia: a acção possível da biblioteca escolar4. Promoção da leitura na Biblioteca Escolar

    III. O ESTATUTO DO PROJECTO EDUCATIVO DE ESCOLA

    1. Definição do âmbito do documento

    2. O documento e o seu estatuto na cultura escolar3. O Projecto Educativo de Escola como discurso4.  Papel do Projecto Educativo de Escola na inovação: integração da

    Biblioteca Escolar

    IV. A INTEGRAÇÃO DA BIBLIOTECA ESCOLAR NO PROJECTOEDUCATIVO DE ESCOLA

    1. Definição do problema em estudo2. Metodologia

    2.1 Opções metodológicas

    2.1.1 Tratamento dos dados

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    2.1.2 Apresentação das categorias definidas para aanálise de conteúdo

    3. Caracterização do campo de investigação3.1 Critério de selecção das escolas3.2 Processo de recolha da documentação

    3.3 Caracterização do universo4. Apresentação e análise dos dados4.1 Biblioteca

    4.1.1 Redacção do projecto educativo de escola 4.1.2 Designação da biblioteca escolar4.1.3 Domínio de referência a propósito da bibliotecaescolar4.1.4 Conceito de biblioteca escolar4.1.5 Estatuto da biblioteca escolar4.1.6 Funções da biblioteca escolar4.1.7 Medidas relativas ao funcionamento da

     biblioteca escolar4.2 Diagnóstico da Escola4.3 Metas da Escola

    4.3.1 Referência a metodologias activas4.3.2 Promoção do espírito crítico4.3.3 Acesso à informação4.3.4 Leitura

    4.3.4.1 Promoção da leitura4.3.4.2 Formação de leitores4.3.4.3 Finalidade da promoção da leitura

    4.4 Estratégias4.4.1 Apelo à cooperação dos Encarregados deEducação4.4.2 Parcerias / contactos / protocolos estabelecidos

    4.5 Síntese dos principais resultados obtidos

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    BIBLIOGRAFIA

    ÍNDICE DE QUADROS

    Quadro 1 - Diferenças entre o Currículo Disciplina e o TransdisciplinarAdaptado de Tchudi e Lafer por Hernández (1998: 57)Quadro 2 - Enfoque na Pesquisa: uma Abordagem ao ProcessoQuadro 3 - Rubric for Appraising an Information Literate SchoolCommunityQuadro 4 – Modelo Crítico-Educativo de Biblioteca EscolarQuadro 5 - Cronologia Referente à Legislação a Aplicar ao Pessoal NãoDocente em Exercício de Funções nos Estabelecimentos Públicos deEducação e de Ensino Não Superior, na Área da BiblioteconomiaQuadro 6 - Linhas de Investigação no Domínio da Biblioteca Escolar

    Quadro 7 - Relação entre as Funções Definidas pelo «IASL PolicyStatement on School Libraries» e os Indicadores

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    Quadro 8 - Medidas que Envolvem a Biblioteca Escolar Agrupadas porCategoriasQuadro 9 - Diagnóstico do Projecto Educativo de Escola Agrupado porCategoriasQuadro 10 - Caracterização do Universo de Escolas por Níveis de Ensino

    Quadro 11 - Ano de Integração das Escolas no Programa da Rede deBibliotecas EscolaresQuadro 12 - Número de Apoios Financeiros Concedidos às EscolasQuadro 13 - Caracterização Geral do Universo de EscolasQuadro 14 - Funções da Biblioteca Escolar Analisadas por Ciclo de EnsinoQuadro 15 - Medidas Referentes à Biblioteca Escolar Analisadas por Ciclode EnsinoQuadro 16 - Diagnóstico Analisado por Ciclo de EnsinoQuadro 17 - Metodologias Activas Invocadas por Ciclo de Ensino

    ÍNDICE DE FIGURASFigura 1 - Estrutura-tipo dos projectos educativos de escola. 184Figura 2 - Participação dos elementos da equipa da biblioteca escolarna redacção do projecto educativo de escola. 186Figura 3 - Designação atribuída à biblioteca escolar. 187Figura 4 - Domínio de referência a propósito da biblioteca escolar. 188Figura 5 - Conceitos de biblioteca escolar. 189Figura 6 - Estatuto da biblioteca escolar. 191Figura 7 - Funções da biblioteca escolar. 191Figura 8 - Funções e respectivos indicadores agrupados segundo

     proposta da IASL. 195Figura 9 - Medidas relativas ao funcionamento da biblioteca escolar. 196Figura 10 - Medidas relativas ao funcionamento da biblioteca escolaragrupadas por categorias. 199Figura 11 - Diagnóstico da escola. 200Figura 12 - Diagnóstico da escola agrupado por categorias. 204Figura 13 - Metodologias activas invocadas. 205Figura 14 - Promoção do espírito crítico nos alunos (meta). 208Figura 15 - Acesso à informação. 209Figura 16 - Promoção da leitura. 210Figura 17 - Formação de leitores. 211Figura 18 - Finalidade da promoção da leitura. 212Figura 19 - Apelo à cooperação dos encarregados de educação (meta). 213Figura 20 - Parcerias, protocolos e contactos estabelecidos. 214

    ÍNDICE DE ANEXOSAnexo 1 – Candidatura de mérito 2005 (Programa Rede de Bibliotecas Escolares)Anexo 2 - IASL Policy Statement on School LibrariesAnexo 3 – Grelha de análise de conteúdo dos Projectos Educativos de EscolaAnexo 4 – Levantamento de exemplos textuais de análise de conteúdo dos ProjectosEducativos de EscolaAnexo 5 – Mensagem electrónica enviada pelo Gabinete da Rede deBibliotecas Escolares 

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      Introdução _________________________________________________________________________________

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    INTRODUÇÃO

    A assunção do paradigma de “Sociedade da Informação” colocou à escola novos

    desafios no âmbito do ensino-aprendizagem. Trata-se, agora, de habilitar o aluno a lidar

    com o manancial de informação com que se depara, veiculada através dos mais diversos

    suportes, por forma a prepará-lo a analisar essa mesma informação ao longo da vida,

    num contexto em esta rapidamente se altera. O repto que se coloca à escola consiste,

    agora, em preparar os alunos por forma a que se tornem cidadãos críticos, capazes de

    transformar a informação em conhecimento.

    Dentro da escola a biblioteca escolar 1  surge como o local privilegiado para

    centralizar os suportes de informação e possibilitar à comunidade educativa o acesso a

    essa mesma informação, convertendo os seus elementos em utilizadores de bibliotecas

    ao longo da vida. Na senda do estatuto que lhe havia sido concedido na sequência dos

     princípios preconizados pela chamada escola activa, já no final do século XIX, a

     biblioteca escolar ganha, no século XX, uma nova projecção com o crescimento da

    informação disponível, nomeadamente com a dinamização das novas tecnologias de

    informação e comunicação, em particular após a década de 70, momento em que surge

    uma primeira versão do Manifesto das Bibliotecas Escolares, sob a égide da UNESCO

    e da International Federation of Library Association.

    Esta revalorização repercute-se num novo conceito de biblioteca escolar,

     patenteado nas diversas designações que passam a ser conferidas a este local –

    mediateca, centro de documentação e, em larga maioria, centro de recursos educativos -

    abandonando-se o entendimento de biblioteca escolar centrado exclusivamente na

    conservação de livros. Com efeito, a versão mais recente do referido  Manifesto da

     Biblioteca Escolar , aprovada em 1999, define a missão deste órgão declarando que a

    “biblioteca escolar disponibiliza serviços de aprendizagem, livros e recursos que permitem a todos os membros da comunidade escolar tornarem-se pensadores críticos e

    utilizadores efectivos da informação em todos os suportes e meios de comunicação”

    (Federação Internacional das Associações de Bibliotecários e de Bibliotecas, 2000). Por

    esta via a biblioteca escolar converte-se no centro pedagógico da escola.

     No quadro actual do processo de ensino-aprendizagem é imprescindível que a

     biblioteca escolar, como centro de recursos educativos, seja entendida numa perspectiva

    1  Na parte I, no capítulo dedicado ao esclarecimento de conceitos, definiremos o âmbito em queempregamos este termo.

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      Introdução _________________________________________________________________________________

    2

    “pró-activa” e não como mais um recurso educativo (Canário et al., 1994; Sequeira,

    2000; Silva, 2002), conduzindo a uma alteração das práticas educativas tradicionais.

    Daqui decorre que uma valorização institucional da biblioteca escolar encontrará

    menções na documentação que determina as orientações pedagógicas e as opções

    estabelecidas pela escola. Nesta medida, “importa que as práticas e processos que se

    desenrolam nas escolas adquiram valor educativo e que as estrutura organizativas

    sirvam também, a par com o conteúdo do currículo, os objectivos educativos” (Diogo,

    1998: 8).

     No caso concreto do nosso país, e no seguimento da aplicação do Decreto-Lei

    n.º 115-A/98, de 4 de Maio, que confere uma maior autonomia às escolas, determina-se

    que a mesma se traduz na capacidade das escolas elaborarem um projecto educativo

     próprio. A biblioteca escolar, assumindo-se como o centro pedagógico da escola,

    inscreve-se na pedagogia inerente ao projecto educativo de escola (Canário, 1992,

    Araújo, 1993, Veiga, 1997; Sequeira, 2000, Silva, 2002). O projecto educativo é o

    grande elemento representativo da pedagogia escolar.

    A implementação de uma Rede de Bibliotecas Escolares, em Portugal, da

    responsabilidade do Ministério da Educação, em 1997, espelha uma preocupação em

    dotar as escolas desta infra-estrutura, quer apoiando projectos já em desenvolvimento,

    quer incentivando a sua criação. Trata-se, assim, de perceber se, por parte das escolas,

    assistimos a uma lógica de adição de recursos (Canário, 1994) ou ao incremento de uma

    nova pedagogia centrada numa perspectiva construtivista da aprendizagem.

    Consideramos, então, que a ocorrer uma transformação no plano pedagógico, a mesma

     projectar-se-á nas opções, na definição do “tipo de ensino” que se pretende, implícito ao

     projecto educativo de escola.

    O objectivo do nosso estudo relaciona-se com a intenção de verificar, através da

    análise de um conjunto de documentos correspondentes a diversos projectos educativosde escola, de que forma a biblioteca escolar foi incorporada na pedagogia desenvolvida

    nas escolas, procurando perceber qual o conceito de biblioteca escolar subjacente a estes

    documentos.

    A orientação das nossas pesquisas, por forma a atingir este objectivo principal,

    encaminhou-se para a resposta a uma questão de investigação principal:

    •  Qual o conceito de biblioteca escolar subjacente aos projectos educativos de

    escola?

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      Introdução _________________________________________________________________________________

    3

    Esta questão abarca dois campos – o da integração orgânica da biblioteca escolar

    no projecto educativo de escola e a representação formal da biblioteca escolar no

    interior do discurso.

    Procurando dar resposta à questão principal e tendo em mente o objectivo principal,

    delineámos os objectivos específicos seguintes:

    •  Descrever as categorias de apresentação da biblioteca escolar nos projectos

    educativos de escola;

    •  Relacionar as referências às bibliotecas escolares nos vários projectos educativos

    de escola;

    •  Sistematizar a representação privilegiada de biblioteca escolar na orgânica dos

     projectos educativos de escola analisados;

    •  Perspectivar a pedagogia inerente ao conceito de biblioteca escolar

     potencializado.

     Neste quadro teremos presente a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, que aprovou as

    Bases do Sistema Educativo, tal como o facto de muitas escolas terem sido já

    contempladas pelo Programa da Rede de Bibliotecas Escolares, da responsabilidade do

    Ministério da Educação.

    Considerámos que a via mais adequada para levar a cabo a investigação seria

    desenvolver uma investigação essencialmente qualitativa, assente na análise de um

    conjunto de projectos educativos de escola que nos possibilitassem uma visão

    sistematizada da forma como integram a biblioteca escolar no seu discurso.

    Independentemente das práticas preconizadas no terreno, desejávamos perfilar em que

    medida a orgânica geral da escola reflectia este órgão. Privilegiámos um nível meso,

    enfatizando a actuação da escola no plano das decisões educativas, curriculares e

     pedagógicas que lhe dizem respeito2 (Nóvoa, 1992).

    Constituímos um universo de 70 escolas, dos três ciclos de ensino, do distrito de

    Lisboa, todas integradas na Rede de Bibliotecas Escolares e analisámos os respectivos

     projectos educativos de escola. A opção pelo critério de os projectos educativos

    estudados pertencerem a escolas incluídas na Rede de Bibliotecas Escolares assenta no

     pressuposto de que exista nestes locais uma dinâmica já estruturada no que diz respeito

    ao trabalho implementado nas bibliotecas escolares.

    2 Acerca da importância de analisar a escola na especificidade inerente aos seus problemas educativos,

    António Nóvoa (Barroso, 2005 Maio 22) alerta: “Não conseguimos ter uma visão informada dos problemas educativos, tanto no plano da ciência como no plano das escolas e dos seus projectoseducativos.” (p. 71)

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      Introdução _________________________________________________________________________________

    4

    Privilegiámos um nível meso, enfatizando a actuação da escola no plano das

    decisões educativas, curriculares e pedagógicas que lhe dizem respeito (Nóvoa, 1992).

    O estudo encontra-se organizado em quatro capítulos, numa perspectiva

    essencialmente dedutiva, partindo de um enquadramento teórico assente na revisão da

    literatura. Inicialmente centrámo-nos na biblioteca escolar e na sua contextualização

     pedagógica. Procedemos a uma abordagem histórica a fim de enquadrar o panorama

    actual, nomeadamente a evolução que se registou no nosso país no domínio das

     bibliotecas escolares e a acção exercida no âmbito da implementação do Programa da

    Rede de Bibliotecas Escolares. O critério que levou a que apresentássemos só nesse

    momento um esclarecimento de conceitos prende-se com o facto de que o mesmo

    decorre da resenha histórica, porquanto esta configura as nossas opções. Avançámos,

    depois, com o levantamento do contributo da biblioteca escolar para o trabalho no

    âmbito pedagógico, delineando as suas potencialidades, sistematizando as suas

    funcionalidades, reforçando o seu contributo no contexto da chamada “Sociedade da

    Informação” e ilustrando o papel dos recursos humanos, ou seja, da equipa responsável

     pela biblioteca escolar. Este referencial teórico revelou-se pormenorizado, porém visou

    explorar as diversas virtualidades da biblioteca escolar e a sua integração na pedagogia

    escolar.

     Num segundo momento, dedicámo-nos em particular à questão da leitura, facto

    que se justifica por estar fortemente ligada ao papel a desenvolver pela biblioteca

    escolar e imanente às questões de índole pedagógica. O sucesso educativo depende, em

    grande medida, da aquisição e desenvolvimento desta competência e, assim, focámos o

    contributo da biblioteca escolar no campo da leitura escolar. Associada à “Sociedade da

    Informação”, surgiu a temática da literacia e a forma como a escola, concretamente

    através da acção da biblioteca escolar, pode promovê-la. Abordámos, ainda, o modo

    como se procede à promoção da leitura no âmbito desta estrutura. Na terceira parte encetámos uma breve perspectiva geral acerca do projecto

    educativo de escola e do seu estatuto, procurando aprender qual a sua importância e

    aquilo que representa no contexto do sistema educativo. Intentámos, também, mostrar

    em que medida a biblioteca escolar se poderá enquadrar neste documento e de que

    forma se podem articular no sentido de promoverem a inovação organizacional.

    O quarto momento corresponde ao desenvolvimento da investigação empírica,

    ou seja, à verificação da integração da biblioteca escolar nos projectos educativos deescola. Com base na questão de partida e nos objectivos definidos, apresentámos os

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      Introdução _________________________________________________________________________________

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     processos de recolha e tratamento dos dados, seguidos dos resultados e da respectiva

    análise. A finalizar, procedemos à apresentação das conclusões, cruzando-as com o

    enquadramento teórico e reiterámos algumas sugestões. Nesta parte deixámos, também,

    algumas questões a desenvolver em investigações futuras.

    Gostaríamos de esclarecer alguns aspectos referentes ao plano formal e

    metodológico. Recorremos, com alguma frequência, a artigos da imprensa como fonte

    de informação. Tal procedimento prendeu-se com factores de ordem diversa,

    nomeadamente: pela actualidade, pela relevância da informação disponibilizada e pelo

    facto de, em alguns casos, constituírem um testemunho histórico. No que se refere ao

     plano formal, refira-se que sempre que apresentámos citações da mesma obra ao longo

    de um parágrafo, identificámo-las numa única referência após a última citação, sendo

    que a localização das páginas respeitará a ordem do texto. Relativamente à designação

    de algumas instituições biblioteconómicas, optámos, em virtude desta ser a forma

    comummente utilizada, por recorrer ao emprego de siglas que, nesse caso, serão

    explicitadas aquando da primeira utilização.

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      Introdução _________________________________________________________________________________

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      A Biblioteca Escolar no contexto pedagógico _________________________________________________________________________________

    7

    I.  A BIBLIOTECA ESCOLAR NO CONTEXTO PEDAGÓGICO

    1. História das Bibliotecas Escolares: uma perspectiva internacional

    As bibliotecas escolares, constituídas como colecções organizadas e com a

    função de apoio à actividade escolar, remontam à Grécia clássica. Aqui criaram-seescolas destinadas ao estudo, ao diálogo e intercâmbio de ideias, como a de Isócrates,

     perto do local onde mais tarde Aristóteles estabeleceu o seu  Liceu, a  Academia de

    Platão ou a escola de medicina de Hipócrates, que instituiu a primeira biblioteca de

    carácter científico do mundo grego (Camacho Espinosa, 2004). Na Idade Média era

     possível encontrar nas Universidades espaços que disponibilizavam livros, embora

    limitando o seu acesso a especialistas e estudantes. Nesta época foi relevante o papel

    desenvolvido não só pelas ordens religiosas, mas também pelos Colégios Universitários,que tinham cada qual a sua biblioteca. Destacam-se os Colégios Universitários de Paris,

    Oxford, Cambridge (Silva, 2002). Com o Renascimento redescobrem-se os manuscritos

    antigos e, com a introdução da imprensa, o livro torna-se acessível a um público mais

    alargado.

    Com o surgimento das sociedades científicas e eruditas, no século XVII, as

     bibliotecas públicas expandem-se, evidenciando-se países como a Inglaterra, a Itália e a

    França (Garraio, 1994). Apesar disso, a função da biblioteca persistiu na conservação e

    transmissão do património cultural da humanidade, guardando manuscritos e

    armazenando livros, que só alguns consultavam. No século XVIII, com a independência

    dos Estados Unidos, erguem-se as suas primeiras universidades e, com elas, as vastas

    colecções bibliográficas que apoiaram os estudos desenvolvidos nos college. Entretanto,

    na Europa, instituem-se as primeiras grandes bibliotecas nacionais.

    Em meados do século XIX, em França, surge uma iniciativa que alia as

     bibliotecas escolares às chamadas bibliotecas populares. Numa circular de 1860, os

    governadores são aconselhados a privilegiar, entre o mobiliário a instalar nas suas

    escolas primárias, uma pequena «biblioteca-armário»3. Este armário-biblioteca não se

    destina exclusivamente a armazenar os instrumentos do professor, mas também a

    arrogar-se como o núcleo de uma instituição de leitura destinada às populações pouco

    familiarizadas ou não familiarizadas com a leitura.

    3 Jean Hébrard (2004) apresenta a seguinte descrição do objecto: “É um belo armário de dois batentes de

    1 metro de largura e 1,90 m de altura, solidamente fixado em um pedestal que o ultrapassa bastante eincrementado, na parte superior, como um ornamento simples mas bem desenhado. As quatro bordassuperpostas que compõem o batente superior podem ser envidraçadas ou fechadas com madeira.” (p. 17)

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    Gustave Rouland (ministro francês), em 1862, promulga um decreto em que

    organiza as bibliotecas escolares em escolas primárias públicas nas quais o professor

    exercerá gratuitamente as funções de bibliotecário, ou seja, a biblioteca-armário ascende

    ao estatuto de biblioteca escolar (Hébrard, 2004). Pouco tempo depois uma medida de

    teor semelhante implementar-se-á também em Portugal. Embora se procurasse proceder

    a uma separação entre a leitura pública e a leitura escolar, realizando-se aquela em

    espaços próprios para o efeito, a legislação (Decreto de 02/08/1870) contemplava a

    hipótese da biblioteca funcionar com sede provisória nas escolas e sob a

    responsabilidade de um professor que receberia, contudo, uma remuneração específica

    (Magalhães, 2003). A figura do professor primário associa-se à do bibliotecário e

    orientador de leitura.

    Registe-se o cuidado, desde o início, com a formação dos leitores, tendo a

    implementação das primeiras bibliotecas como preocupação central fazer do leitor um

    leitor acompanhado, mesmo que já tenha saído do circuito de escolarização. Nesta linha

    encontra-se uma curiosa recomendação do referido ministro francês para que se vigiem

     particularmente os romances e os livros de história, advertindo os inspectores da

    academia (responsáveis por examinar em detalhe o conteúdo de cada biblioteca) que

    sem proscrever imperiosamente as obras de pura imaginação, não as

    deixarão entrar na biblioteca escolar a não ser que reconheçam que as populações terão qualquer coisa a ganhar com sua leitura; não será uma vãsatisfação de curiosidade que eles deverão encontrar, mas bons e salutaresexemplos. (citado em Hébrard, 2004: 28)

    A diversificação e o desenvolvimento das bibliotecas, que se iniciou no século

    XIX, teve o seu apogeu no século XX. Para tal demonstrou-se particularmente relevante

    o papel assumido pela criação de associações profissionais como a  American Library

     Association, fundada em Filadélfia em 1876, a  Library Association, criada na Grã-

    Bretanha um ano mais tarde e a  International Federation of Library Associations 

    (IFLA) , que nasceu em 1927 com o fim de promover a cooperação para o empréstimo

    internacional, a normalização bibliográfica e a formação dos bibliotecários. Em 1947

    converteu-se em organismo consultivo da UNESCO (Camacho Espinosa, 2004).

    Além da IFLA (organização que envolve, actualmente, 150 países membros e

    apresenta 47 secções, entre elas uma dedicada às bibliotecas escolares e centros de

    recursos educativos), no século XX, em 1971, nasce a  International Association of

    School Librarianship  (IASL), que se manterá próxima da secção de bibliotecas

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    escolares criada em 1977, pela IFLA. Dentro desta secção dois organismos têm um

    carácter consultivo – a IASL e o International Board on Books for Young People.

    O processo que norteou o surgimento da IASL evidencia o interesse gradual dos

     professores por esta área. No final dos anos sessenta, um grupo de delegados

    interessados em bibliotecas escolares faz-se representar na Conferência Mundial de

    Assembleias de Profissionais de Educação, que se reúne para discutir as preocupações

    comuns. Os encontros conduziram, em 1971, à criação da IASL enquanto Membro

    Internacional Associado da Confederação Mundial dos Profissionais de Ensino. A

    associação trabalhou na redacção de uma declaração política sobre bibliotecas escolares,

    aceite em 1984 e revista em 1993, a fim de dar corpo às necessidades de mudança

    educacional, colocando especial ênfase na tecnologia de informação. O texto reforça a

    importância da biblioteca escolar na consecução das metas de educação e dos objectivos

    da escola.

    A IASL promove uma conferência anual determinante, entre outros aspectos,

     para a definição dos projectos internacionais de investigação mais necessários para a

    secção, de que são exemplo estudos já promovidos para avaliar o impacto dos

     bibliotecários no êxito escolar ou um projecto recente que visa analisar o trabalho

    conjunto dos directores de escola e dos professores bibliotecários, numa comunidade

    escolar formada no domínio da informação.

    A organização divulgou diversos documentos, entre os quais se destacam:

    Guidelines for the planning and organisation of school media centers, de F.L. Carroll e

    P. Beilke, actualizado e publicado em 1990 como Guidelines for School Libraries e o

    texto de S.K. Hannesdottir - Guidelines for the education and training of school

    librarians - que sofreu uma actualização posterior em 1986, dando lugar a uma nova

    denominação - School Librarians: guidelines for competency requirements. As referidas

    associações assumem um carácter importante como um “excelente termómetro” paramedir os graus de desenvolvimento das bibliotecas escolares no mundo (Salaberria,

    1998).

    A par da evolução das correntes pedagógicas e com o incremento da informação,

    nos Estados Unidos da América, no século XIX, promulgara-se uma lei que permitia

    que os distritos escolares destinassem parte do seu orçamento às bibliotecas das escolas.

    De registar o facto de, em 1892, se ter fundado, no estado de Nova Iorque, a Divisão de

    Bibliotecas Escolares e de, em 1896, a National Education Association estabelecer a suasecção de bibliotecas escolares. A associação foi responsável pela publicação, em 1918,

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    das primeiras normas relativas às bibliotecas escolares. Porquanto estas normas

    assumissem somente um carácter consultivo, na verdade revelaram-se assaz

    importantes, pois anteciparam-se muitos anos a outras europeias, como quando

     preconizaram a incorporação de meios audiovisuais nas bibliotecas (Camacho Espinosa,

    2004).

    As décadas de 60 e 70 do século XX revelaram-se, para diversos países, tanto do

    continente europeu, como americano, férteis no domínio das bibliotecas escolares. Nos

    Estados Unidos e Canadá, a evolução ocorrida alicerçou-se num movimento forte,

    gerado por educadores e bibliotecários, experiências inovadoras, dinheiro e pela

     publicação de importantes normas e linhas directrizes, como, nos Estados Unidos, em

    1960, um texto chave para as bibliotecas escolares – Standards for School Library

    Programs.

     Na Europa, ao longo do século XX, a situação diverge bastante consoante os países,

    nomeadamente nos países nórdicos, onde, na Suécia, em 1912, já se distinguiam as

     bibliotecas públicas das escolares através da legislação, ou na Dinamarca, onde, em

    1964, se preconizava a criação de bibliotecas escolares incluídas dentro do sistema

     bibliotecário do país ( Ibidem). Em países como a Alemanha ou a Grã-Bretanha, nos

    quais o sistema é muito descentralizado, a situação revela-se bastante heterogénea.

    Segundo Ana Pérez Lopez (citado em Camacho Espinosa, 2004), distinguem-se,

    em traços gerais, dois modelos de biblioteca escolar:

    •  os de tendência tradicionalista, instituição pública para a transmissão dos factos

    culturais, centrando a sua função no livro e na leitura;

    •  os de tendência sistemática, instituição pública dinâmica, evolutiva e interactiva

    com o seu ambiente, centrando a sua função na informação.

     No primeiro conjunto a autora inclui países como a Alemanha, a Áustria,

    Espanha, Grécia e Portugal, cujo modelo predominante é o da biblioteca pública que

    substitui a biblioteca escolar. No segundo integra a Dinamarca, Reino Unido, Suécia,

    Holanda, Luxemburgo ou Finlândia que se ajustam ao modelo preconizado pela

    UNESCO.

    Dois casos sintomáticos são os da Grã-Bretanha e França, embora distintos, pois

    historicamente, ao contrário das bibliotecas anglo-saxónicas, as bibliotecas francesas

    cresceram sob uma tradição de conservação e não sob uma dinâmica de difusão

    (Chartier, 2003; Butlen, 2004). O conceito de  public library anglo-saxónicoaproximava-se ao de um grande armazém, enquanto a concepção francesa era a de uma

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     biblioteca patrimonial onde a figura do bibliotecário surge como “gardien d’un trésor de

    livres morts” (Chartier, 2003: 6). A diferença sobressai também no tipo de documentos

    disponibilizados, pois enquanto nas bibliotecas americanas se encontravam jornais,

    revistas e livros de utilidades, a biblioteca francesa excluía este tipo de materiais,

    centrando-se sobre as letras e as ciências. Podemos afirmar que, na perspectiva anglo-

    saxónica, a biblioteca se encontrava mais próxima do serviço ao cidadão, enquanto na

     perspectiva francesa temos uma visão mais elitista.

     Na Grã-Bretanha existiam já, no final do século XIX, disposições que regulavam

    as bibliotecas nas escolas, mas a sua implementação ficou a dever-se, em primeiro

    lugar, às escolas privadas. Tal como nos Estados Unidos da América, as associações

     profissionais britânicas tiveram um papel relevante, sendo que, em 1937, se fundou a

    School Library Association e a School Library Section, incluída na Library Association.

    Ainda que com o Education Act , em 1944, se tenha generalizado a necessidade de uma

     biblioteca em cada escola, é na década de 70 que se modelam as maiores alterações. Isto

    ficou a dever-se à actualização das normas, em 1972 e 1977, que definiram a

     participação dos bibliotecários no desenvolvimento do currículo escolar e na

    organização dos recursos, ao mesmo tempo que determinavam a instrução bibliotecária

    que deveriam receber professores e alunos. Em 1984 publicou-se um dos documentos

    que teve maior influência desde então - School Libraries: The foundations of the

    curriculum – em que sobressai o peso da aprendizagem das competências de informação

    (Camacho Espinosa, 2004).

    As bibliotecas escolares surgem em França no século XIX, quando apareceram

    as bibliotecas populares das escolas públicas, mas só na segunda metade do século XX

    começaram a assumir maior importância nos documentos oficiais e nas práticas

    ( Ibidem). Em 1958 cria-se o primeiro serviço de documentação no  Lycée Jeanson de

    Sailly, em Paris. Estes serviços estenderam-se e, em 1966, transformaram-se emServices de documentation et d´information. 

    Entretanto, a crise na educação observada na década de 60, conduziu,

    igualmente, à necessidade de repensar o papel das bibliotecas escolares (Whotenark,

    1970). Atribui-se uma importância cada vez maior à informação, no contexto de uma

    nova concepção de aprendizagem. É neste cenário pós-guerra, em particular na década

    de sessenta, que se assiste à tendência universal de criação de mediatecas escolares a

     partir de bibliotecas. Inicialmente tiveram um incremento maior em países como osEstados Unidos da América e o Canadá (Quebeque), tendo-se progressivamente

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    generalizado ao conjunto de países industrializados (Canário, Barroso, Oliveira &

    Pessoa, 1994).

    Referindo-se ainda ao caso francês, porém sintomático do que ocorreu noutros

     países, Bayard-Pierlot e Birglin (1993) classificam a década de 70 como a da

    consolidação, salientando duas constatações: os anos 70 viram as consequências da

    explosão escolar ocorrida na década anterior e a assunção dos média, seja sob a forma

    impressa, os discos, cinema ou televisão. Surge a chamada escola paralela. Contudo, a

    criação das mediatecas, segundo R. Tucker, “insere-se já numa evolução tendencial do

    ensino pelos media para a aprendizagem através dos media” (citado em Canário et al.,

    1994: 18).

    O conceito de documentação impõe-se ao longo do século XX e origina o

    desenvolvimento e diversificação de técnicas documentais. As bibliotecas escolares

    tradicionais vêem-se obrigadas a repensar o seu papel e é neste contexto de evolução e

    transformação que surgem os centros de recursos (Canário, 1994).

     Na sequência disto, em França, as bibliotecas dos liceus que integravam serviços

    de documentação desde a década de sessenta, transformaram-se, em 1974, nos Centre

    de documentation et d’information  (CDI ), distinguindo-se da denominação que

     posteriormente, em 1984, foi atribuída às bibliotecas das escolas de educação primária

     Bibliothéque-centre documentaire (BCD). De início eram locais destinados ao material

     pedagógico utilizado pelos professores. Transformaram-se em centros de recursos para

    alunos sob a responsabilidade de documentalistas ou de professores que possuíam,

    frequentemente, uma formação complementar em literatura juvenil. Desde 1989 um

    concurso recruta profissionais que têm a seu cargo, a tempo inteiro, a biblioteca.

    (Chartier, 2003). Verificou-se que, em breve, a questão da documentação se sobreporia

    à da leitura (Chartier e Hébrad, 2000).

    Em 1976, num documento publicado pela UNESCO acerca da reconversão das bibliotecas escolares em centros multimédia (Guide pour la transformation de

    bibliothèques en centres multimédia), veicula-se a importância deste órgão nas escolas,

    tanto para contribuir para uma melhoria da qualidade do ensino, como para facilitar a

    auto-aprendizagem e a educação permanente (UNESCO, 1976). O documento defende

    que é o momento de reconhecer que a escola não é mais do que uma parte do ambiente

    total do aluno; que a formação secundária tende a transformar-se numa necessidade

    universal, correspondente a uma democratização real da educação e que as condições deaprendizagem se alteraram. Isto implica, nomeadamente, que os meios e as técnicas de

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    comunicação modifiquem profundamente os limiares de percepção e que, em

    simultâneo, as crianças sejam capazes, bastante mais do que antigamente, de manipular

    uma aparelhagem técnica e de fabricar os seus próprios documentos. O documento

    constata que o desenvolvimento considerável dos meios de comunicação social tende a

    suprimir na sociedade a hierarquia dos suportes de informação e conclui que só a escola

     persiste ainda a mantê-la, por oposição ao número crescente de pessoas que atribuem o

    mesmo valor aos materiais de ensino, sejam eles impressos ou audiovisuais.

    O livro perde o monopólio como fonte de informação na biblioteca escolar,

    diversificam-se os suportes de informação e as linguagens e a primazia do documento

    impresso é posta em causa, originando uma mudança nos circuitos tradicionais de

    informação, com reflexos no plano social e cultural (Canário et al., 1994).

    Todavia, esta realidade só ganhou alguma projecção no plano das teorias de

    aprendizagem baseadas em recursos educativos variados quando “a penetração dos

    audiovisuais foi suficiente para vencer alguma inércia das práticas tradicionais”. É,

    então, no momento em que ocorre “a mudança da ênfase de ensinar com recursos para

    aprender   por meio de recursos” (Bento, 1992: 109), que se repensa a anterior

    organização das bibliotecas escolares que são assimiladas e reconvertidas, em países

    como os Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha, em centros de recursos

    educativos, na transição da década de 60 para 70.

    Para a  implementação das bibliotecas escolares, contribuiu também um

    documento da responsabilidade da UNESCO – o  Manifesto das Bibliotecas Escolares.

    O documento surge em 1976, quando a Comissão australiana da UNESCO promoveu

    um seminário sobre planeamento e desenvolvimento de bibliotecas escolares. Uma das

    recomendações daí emanadas foi a de que se elaborasse um documento deste tipo, à

    semelhança do que já existia para as bibliotecas públicas. O documento foi enviado pela

    Comissão para o Secretariado da UNESCO, em Outubro de 1978, sendo confirmadooficialmente por este organismo, em Novembro de 1980, após ter sido discutido no

    Encontro da Secção de Bibliotecas Escolares da IFLA, em Manila.

    Em Agosto de 1998 surge uma nova proposta de Manifesto que foi preparado

     pela IFLA e aprovado pela UNESCO, na sua Conferência Geral, em Novembro de

    1999. Comparando os dois documentos, detectamos, no segundo, uma afirmação mais

    vincada da biblioteca escolar como fundamental para a educação e formação das

    crianças e dos jovens (Alves, 2000), a que não serão alheios os cerca de vinte anos que

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    medeiam entre as duas versões e em que várias mutações ocorreram no domínio da

    chamada “Sociedade da Informação”, influenciando as concepções de aprendizagem.

    Da primeira versão (anos 70) realça-se a opção pelo livre acesso, enquanto na

    segunda (anos 90) se reitera e confirma a necessidade de reunir suportes diversificados

    na biblioteca escolar, já avançada na primeira versão, com o reconhecimento de que “a

    tecnologia criou novas formas de registo que fazem parte, cada vez mais, do acervo da

     biblioteca” (Gonçalves, 1998: 23).

    Este documento assume a importância de constituir uma orientação para os

    governos, através das suas directrizes, na formulação das suas opções políticas neste

    domínio, como se pode depreender pelo terminus do texto, quando se refere à aplicação

    do Manifesto:

    Os governos, por intermédio dos Ministérios da Educação, são convidados adesenvolver estratégias, políticas e planos que apliquem os princípios desteManifesto. Devem ainda prever a difusão do Manifesto nos programas deformação inicial e contínua de bibliotecários e de professores. Incentivam-setodos os responsáveis a nível local e nacional e a comunidade de bibliotecários em todo o mundo a aplicar os princípios deste Manifesto.(Federação Internacional das Associações de Bibliotecários e de Bibliotecas,2000)

     Na senda desta declaração outras têm surgido, como é o caso da Declaração de

     Amsterdam sobre Bibliotecas Escolares e Literacia de Informação. Esta Declaração foi

    adoptada no seguimento de um encontro que reuniu representantes de associações de

     professores e de bibliotecários, bem como de alguns Ministérios da Educação de oito

     países europeus (Áustria, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Rússia, Suécia e Reino

    Unido) que se juntaram em Amesterdão, a 21 e 23 de Março de 2003. Portugal foi

    representado por um elemento do Grupo de Trabalho de Documentação e Informação

    Escolar, da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas

    (BAD). Na reunião os países presentes criaram um grupo de informação – a European

     Network for School Libraries and Information Literacy (ENSIL).  Refira-se que é um

    grupo de carácter mais informal, não sujeito, por exemplo, a um sistema de quotas e a

    adesão é individual.

    Sabemos que, na actualidade, o panorama internacional respeitante às bibliotecas

    escolares é muito heterogéneo e que as declarações políticas de pouco servem se não

    gerarem medidas. Guillermo Castán (2002) sistematizou alguns dos aspectos negativos

    referentes ao processo de implementação das bibliotecas escolares em diversos países

    europeus e no Canadá e alerta para a necessidade de se invocarem os casos de sucesso

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    de forma fundamentada, isto é, de confirmar se estão em causa bibliotecas escolares

    sonhadas ou se realmente existem.

    Um caso concreto é o do Canadá, tido como exemplar, mas cujos bibliotecários,

    recentemente, denunciaram a existência de uma deplorável. Jocelyne Dion, a

    desempenhar funções no domínio das bibliotecas escolares, numa entrevista concedida

    em 2002 à revista Educación y Biblioteca (Salaberria, 2002), atribui o facto à

    introdução das novas tecnologias na escola, nomeadamente a internet, que originou a

    ideia de que deixaria de ser necessário investir em pessoal ou manter um serviço

     bibliotecário.

    Guillermo Cástan (2002) advoga que os “modelos” não podem ser importados

    sem atender às diversidades sócio-educativas e à confirmação de que nesses países a

     biblioteca escolar funciona como se supõe, apesar de reconhecer a validade dos

    intercâmbios. Tal como o autor conclui relativamente a Espanha, consideramos também

    que, para o caso português, não existe um “modelo de sucesso”, pronto a ser aplicado,

     pelo que se torna necessário reflectir acerca daquilo que mais se adequa à nossa

    realidade. Seria útil construir essa reflexão em torno das experiências positivas de países

    que nos são próximos, e, em simultâneo, evitar alguns dos erros que os mesmos

    cometeram.

    2. Bibliotecas Escolares em Portugal: limites históricos de uma experiência

    Ao longo deste capítulo esboçaremos a evolução que se registou em Portugal no

    que diz respeito à transformação das tradicionais bibliotecas escolares nos actuais

    centros de recursos educativos, do período que medeia entre o século XIX até à

    implementação do Programa da Rede de Bibliotecas Escolares, da responsabilidade do

    Ministério da Educação, em 1996.

     No plano da legislação, quer o estabelecimento do ensino liceal quer o ensino

    técnico compreenderam desde cedo a existência da biblioteca escolar. Reporta-se a 17

    de Novembro de 1836 e a Passos Manuel a publicação de um Decreto, acerca da

    instrução secundária, que, no artigo 67º, determina que: “Haverá em cada um dos

    Lyceos uma Biblioteca, que servirá tambem para uso dos Professores, e Alumnos”

    (Ministério da Educação, 1989). Mais tarde, esta legislação estendeu-se às escolas

    técnicas, surgidas em 1852.

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    16

      No  Regulamento Novo dos Lyceus Nacionaes, em 1873, no capítulo dedicado

    aos estabelecimentos auxiliares do ensino, surge a biblioteca escolar como mais um

    recurso educativo, em que se abrangem também os gabinetes de física, o laboratório de

    química, uma colecção de objectos de História natural e instrumentos de planimetria.

     No tocante à biblioteca especificam-se alguns aspectos, como a necessidade de

    classificação dos livros (procedia-se a uma classificação por assuntos) e da existência

    de um catálogo na biblioteca, propõe-se que um dos professores seja nomeado

     bibliotecário e, quanto ao teor das obras, estas devem ser literárias ou científicas, “as

    necessárias para o serviço das aulas e dos exames” (Ministério da Educação, 1991: 42).

    Relativamente às escolas primárias, um Decreto de 1878, da Direcção Geral de

    Instrução Pública, determina que “serão providas de bibliothecas, contendo os livros

    necessários para o estudo das disciplinas de instrucção primaria elementar e

    complementar, que forem superiormente approvados” ( Ibidem: 59). Porém, ao longo do

    século XX, este foi o ciclo de ensino que, paradoxalmente, menos usufruiu de apoio no

    sentido de implementar e desenvolver as suas bibliotecas, visando ultrapassar, em

    muitos casos, a concepção de uma biblioteca associada a um armário com livros (Veiga,

    1997).

    A diferença entre o desenvolvimento verificado nas bibliotecas do primeiro ciclo

    e as dos outros ciclos constitui um paradoxo, visto que seria de esperar que fosse tido

    como prioritário um grau de ensino correspondente à escolaridade obrigatória.

    Guillermo Cástan (2002) observa que esta foi uma situação comum aos diferentes

     países europeus, no século XX. Atribui uma justificação histórica ao facto e refere que

    nos anos 50 e 60 os liceus não se encontravam tão massificados quanto hoje em dia e

     preparavam para os estudos superiores os filhos das classes média/alta urbanas, que

     possuíam uma visão muito mais clara da importância do capital escolar e possibilidades

    mais elevadas de influenciar as políticas ministeriais. Segundo o autor, proporcionam-se, desta forma, mais meios àqueles que menos necessitam (neste caso dotando,

     prioritariamente, os liceus com bibliotecas escolares, em detrimento do primeiro ciclo),

    o que leva a que as dificuldades, ao invés de diminuírem, aumentem.

    Comprovamos, no que diz respeito ao ensino liceal, que cedo houve uma

     preocupação com a instituição de bibliotecas, o que não significa que fossem

    devidamente dinamizadas. Correlativamente, este facto é atestado pela selecção de

    livros (e consequente promoção de leitura) levada a cabo. Numa lógica de centralização política, cerca dos anos 30, nos liceus, verifica-se uma enorme dificuldade,

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    senão mesmo uma resistência consciente, em adquirir obras relacionadascom o imaginário infantil. Autores como Júlio Verne, Stefan Zweig ouVirgínia de Castro e Almeida só excepcionalmente entraram para as estantesdas bibliotecas dos liceus; longe de quererem cativar novos leitores, permaneceram um território mais apropriado para os professores ou um localcom obras importantes a que se ia apenas para o estudo aprofundado dealguma matéria, estando a leitura de entretenimento quase impossibilitada.(Ó, 2003: 606)

    Por parte dos professores, desde cedo existiu uma preocupação com as

     bibliotecas escolares, vislumbrando o papel que poderiam desempenhar nas novas

     pedagogias que se desenhavam, reforçando a importância de dotar as escolas com este

    recurso educativo. Analisando, por exemplo, a imprensa da escola (séculos XIX e XX)

    encontramos diversas alusões à biblioteca escolar. No repertório dirigido por António

     Nóvoa (1993), intitulado  A imprensa de educação e ensino: Repertório analítico

    (séculos XIX-XX), encontrámos vinte publicações com referências às bibliotecas

    escolares, na sua maioria prendendo-se com a importância deste recurso no contexto do

     processo de ensino-aprendizagem. A menção mais antiga ocorre numa publicação

    intitulada A Voz da Mocidade, de Lisboa, que se publicou durante o ano de 1863.

    Verifica-se, no entanto, que a instituição generalizada de bibliotecas escolares

    nos liceus tem lugar na década de 40, do século XX. No caso do ensino primário, em

    1947, através da promulgação do Decreto-Lei n.º 36147, de 5 de Fevereiro, criou-se

    uma rede de bibliotecas que cobria todo o país e que funcionava nas escolas das sedes

    de freguesia rurais, tendo-se mais tarde reconvertido nas Bibliotecas Populares.

    Como tivemos já oportunidade de esclarecer, até recentemente as bibliotecas das

    escolas do 1.º ciclo foram as menos beneficiadas4. Tem-se procurado colmatar este

    facto com a acção desenvolvida pelo Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares e

    através da implementação de projectos como o THEKA-Projecto Gulbenkian de

    Formação de Professores Responsáveis pelo Desenvolvimento de Bibliotecas

    Escolares, especialmente dirigido a docentes do pré-escolar, 1.º e 2.º ciclos de ensino,

    sob a égide da Fundação Calouste Gulbenkian, através do Serviço de Educação e Bolsas

    e iniciado no ano lectivo 2004-2005.

    Apesar de tudo, as bibliotecas das escolas primárias foram “as que mais se

    aproximaram de um serviço de leitura para todos”, embora já se tivessem realizado

    4  Em 1996, ao proceder a um breve diagnóstico da situação das bibliotecas escolares no 1.º ciclo, orelatório Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares (Veiga, 1997) constata: ”Na maior parte das escolas do

    1.º ciclo não existe sequer espaço com estantes, na melhor das hipóteses, os livros são distribuídos pelassalas, mas mais frequentemente encontram-se em armário fechado no gabinete da direcção ou na sala dos professores.” (p. 20)

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    experiências de disponibilização dos fundos à comunidade em geral em algumas

     bibliotecas de escolas técnicas e de bibliotecas liceais, contemplando um horário

    nocturno, destinado essencialmente aos operários, porém “estes exemplos foram

    efémeros e localizados” (Melo, 2004: 156).

    Com este tipo de acção, aquelas bibliotecas, embora localizadas nas escolas

     primárias, permitiram “desescolarizar” a leitura, possibilitando uma maior difusão do

    acesso à leitura e ao livro (Magalhães, 2003; Melo, 2004). Segundo Daniel Melo,

    a biblioteca da escola primária não se limitaria a ser um vago «complementológico da alfabetização», servindo ainda para corresponder a diversascarências de ordem educativa e de ordem cultural enquanto instrumentodidáctico e doutrinário do professor, enquanto promotor do gosto pelaleitura, do convívio comunitário e da «expansão da cultura popular». (2004:160)

    Estas práticas foram alargadas, a posteriori, às bibliotecas liceais, observando-

    -se “um movimento de integração entre as bibliotecas escolares e as bibliotecas

     públicas” e é aos próprios professores do ensino primário que “era conferida a

    legitimidade e a incumbência de animarem e dinamizarem as bibliotecas públicas

    locais” (Magalhães, 2003: 95). Na época revestiu-se de um carácter inovador, já que as

     bibliotecas escolares encontravam-se abertas ao público e apoiavam a leitura pública.

    Em certa medida, constatamos que, com a evolução do tempo, ocorreu uma inversão

    nesse processo.

    A pensar no ensino liceal, publica-se a circular 14/209, de 10 de Janeiro de

    1951, em que se delibera que o professor responsável pela biblioteca escolar deve ser

     preferencialmente dos 8.º, 9.º e 10.º grupos disciplinares (Pessoa, 1994), isto é, da área

    das Línguas ou da História. Aos docentes era atribuída uma redução de duas horas que,

    como se depreende, dificilmente chegariam para as tarefas de organização. O serviço de

     biblioteca, a existir, era assegurado por pessoal auxiliar, sem qualquer formação

    específica, tal como a grande maioria dos docentes. A situação persistiu até à alteraçãointroduzida por um Despacho do Ministério da Educação5, de 2002 (que abordaremos

    adiante). A atribuição de mais horas de redução aos professores responsáveis pela

     biblioteca e às equipas ou a colocação de auxiliares a tempo inteiro nesse local,

    dependeu, então, da orientação preconizada pelas escolas, originando situações muito

    diversas e dependentes, em grande parte, do voluntarismo e interesse dos docentes.

    5 Despacho Interno Conjunto n.º 3 – I/SEAE/SEE/2002, de 15 de Março.

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      Ulteriormente surgiria um regulamento (21/04/1956) para as bibliotecas rurais

     junto das escolas primárias, emanado do Ministério da Educação Nacional (Direcção

    Geral do Ensino Primário). Este regulamento decreta que o responsável da escola fica

    também com a biblioteca a seu cargo, sendo que do texto se destacam algumas linhas de

    orientação, porquanto inovadoras, referentes à promoção da leitura. Com efeito, o

    regulamento contempla a realização de “reuniões de leitores” (na génese do que

    actualmente se constituem como as comunidades de leitores”, desenvolvidas, sobretudo,

    nas bibliotecas municipais), que consistiam em sessões de leitura para grupos de alunos

    que tivessem lido a mesma obra ou obras do mesmo género, a fim de se verificar o que

    tinham apreendido e clarificar-lhes o que não tivessem percebido.

     No caso dos alunos que ainda não sabiam ler propunha-se a organização de

    “reuniões para lhes lerem algumas obras curtas e de fácil inteligência, ou contarem-lhes

    resumidamente o entrecho de uma obra atraente”. Previa-se a extensão desta actividade

    a outros membros da comunidade local, concretamente aos “jovens e aos adultos mais

    assíduos à leitura, que sejam intelectualmente pouco desenvolvidos”, esclarecendo-se,

    em anexo, que “em relação aos adolescentes e adultos, uma actuação por parte do

     professor semelhante à que se sugere para as crianças será obra de grande mérito”

    (Ministério da Educação Nacional, 1992: 44, 46). O regulamento contempla um

    verdadeiro trabalho de educação para o livro, visível em questões tão pormenorizadas

    como a divulgação de “Preceitos a difundir quanto à utilização dos livros”. Esta prática

    de discussão e de orientação de leitura revela-se, assim, inovadora.

     Não obstante o contexto aqui apresentado, podemos dizer que privilegiadamente

    as bibliotecas escolares procuraram divulgar o gosto pela leitura e levar os alunos à

     biblioteca, no entanto o ensino continuava a assentar no manual único e no discurso do

     professor, numa escola que não promovia o espírito crítico (Pessoa, 1994). O acto de

    ensino podia, assim, ser resumido através da seguinte cadeia: “mestre diz-alunoreproduz-manual sistematiza-aluno reproduz” (Vitorino, 1992: 32). Neste pressuposto, a

    missão da biblioteca escolar limitava-se a complementar esse discurso e não se

     preconizava qualquer didáctica na área da pedagogia da documentação (Pessoa, 1994).

    Fazemos aqui um pequeno parênteses a fim de salientarmos o fenómeno

    marcante que constituíram, na década de 50 e 60, as bibliotecas itinerantes da Fundação

    Calouste Gulbenkian. Com a acção que desenvolveram, atenuaram as lacunas que se

    verificaram nas escolas no domínio das bibliotecas escolares, em particular nas escolasdo 1.º ciclo das zonas rurais. À época, o seu funcionamento assentava em três princípios

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    que podemos considerar inovadores, sendo hoje práticas habituais: o livre acesso às

    estantes, o empréstimo domiciliário e a gratuitidade dos serviços. A sua acção assumiu-

    se muito relevante na promoção do livro e da leitura junto das escolas e dos professores,

    reagindo contra a ausência de fomento da leitura verificada na época do Salazarismo

    (Magalhães, 2003)6.

     No final dos anos 60, com a criação do Ciclo Preparatório, introduziram-se os

    audiovisuais nas escolas, mas não forçosamente nas bibliotecas escolares. Este facto

    ficou a dever-se à constituição autónoma de sectores de audiovisuais, apesar das suas

     potencialidades como fontes de informação. A inovação não foi acompanhada de

    formação o que acarretou um outro problema, os audiovisuais eram tidos como algo de

    diferente, desligado da biblioteca escolar e a escola persistia em não corresponder às

    necessidades de informação dos alunos e dos professores (Pessoa, 1994).

    Com o 25 de Abril registaram-se várias inovações na área pedagógica, na linha

    de algumas reformas educativas levadas já a cabo pelo ministro Veiga Simão, em 1973.

    Face ao crescimento da informação “pede-se menos à escola que seja transmissora de

    conhecimentos e mais que prepare os jovens para serem capazes de os adquirir” (Santos,

    1981: 387). Os objectivos da aprendizagem centram-se em novos conteúdos que

    apelam mais à experiência dos alunos e aos problemas actuais, a uma maior integração

    entre a teoria e a prática. Os novos métodos contemplam os interesses dos alunos e a

    necessidade de actividade na aprendizagem, estimulando o espírito crítico e

    investigativo, recorrendo frequentemente a formas de trabalho de grupo ( Ibidem). Neste

    cenário as bibliotecas escolares existentes não correspondiam às novas solicitações.

    Impõem-se novas formas de trabalho e de auto-aprendizagem. A tradicional biblioteca

    escolar é posta em causa e surgem as primeiras tentativas de reconversão.

     No final da década de 70 e ao longo da década de 80 desenvolvem-se algumas

    actividades, a nível da formação, para apoiar professores que estavam ligados às bibliotecas escolares. O Ministério da Educação, através da Direcção-Geral do Ensino

    Secundário, fomentou cursos centrados na componente técnica. Em 1977, pela primeira

    6  À criação de uma rede de bibliotecas itinerantes, em 1958 (em 1972 existiam 60), seguiu-se aimplementação de uma rede de bibliotecas fixas, em 1960 (perfazendo, em 1972, um total de 166). OServiço de Bibliotecas Itinerantes, criado em 1957, (posteriormente redenominado Serviço de BibliotecasItinerantes e Fixas, em 1987, e Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura, em 1993), foi extinto em 2002, por decisão do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian e os fundos transferidos para as bibliotecas municipais, no âmbito do Serviço de Biblioteca do Programa Gulbenkian de Línguas e

    Literaturas Portuguesas. Daniel Melo (2004) defende que “a política cultural desta instituição predominousobre a do estado não só na promoção das bibliotecas públicas modernas, como na afirmação edesenvolvimento de uma estrutura nacional de leitura pública até 1985-1987.” (p. 21)

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    vez, decorre um Curso para professores Encarregados de Bibliotecas Escolares. Dada a

    sua curta duração (dois dias), considera-se como sendo

    apenas de sensibilização para a problemática da biblioteca escolar, querdentro da orgânica do sistema educativo, quer nas relações com a

    comunidade (pais, bibliotecas públicas, associações, etc.), espera-se que omesmo venha a constituir o despertar duma nova consciência profissional: ado professor-bibliotecário. (Nogueira, Sande & Carvalho, 1978)

    A Direcção-Geral do Ensino Secundário revela, ainda, o propósito deque

    num futuro mais ou menos próximo as nossas bibliotecas escolares acertarãoo «passo» pela Europa e se transformarão em Centres Multi-Media, com asfunções que a publicação da UNESCO «Guide for the conversion of schoollibraries into media centres» prescreve.” ( Ibidem: 176)

    As afirmações apresentadas revelam a preocupação com o perfil do professor

    responsável pela biblioteca e a tomada de consciência de que o conceito de biblioteca se

    alterava face às novas funções preconizadas pela UNESCO. 

    Paralelamente, a BAD promoveu, em 1986 e 1988, na Reitoria da Universidade

    Clássica de Lisboa, dois cursos sobre organização e animação de bibliotecas escolares.

    Esta associação dinamizou, também, a constituição, em 1987, de um Grupo de Trabalho

    de Bibliotecas Escolares (Pessoa, 1994). É de destacar o apoio que desde sempre foi

    disponibilizado por esta associação às bibliotecas escolares. Já em 1972, num artigo

     publicado na sua revista Cadernos BAD, intitulado “Elementos básicos para a

    organização de bibliotecas escolares”, na introdução explicita-se:

    Apesar de todas as interrogações que se põem hoje ao futuro do livro,continuamos a considerar desnecessário, por demais evidente, definir eexaltar o papel importantíssimo, imprescindível mesmo, duma bibliotecaescolar; ela tem que proporcionar leitura e, principalmente, criar hábitos deleitura nos jovens; de leitura em geral e de leitura de apoio ao estudo e fontede investigação. E hoje que tanto falamos em educação permanentemantemo-nos na convicção de que ela não poderá ser continuamente feita eactualizada sem o «hábito» da leitura, que será tanto mais enraizado e profícuo, quanto de mais tenra idade se trouxer. (Mendes, 1972: 175) 

    Subjaz a estas linhas o contributo da biblioteca escolar tanto para a promoção da

    leitura recreativa, como na promoção da leitura informativa e das competências de

    informação que esta implica, sendo também reforçada no suporte à aprendizagem ao

    longo da vida.

    Pela década de 80, o papel do professor e do aluno altera-se e já não é o mesmo

    do início da década anterior. Espera-se daquele, entre outras coisas, que seja um

    animador de grupos, manipulador de diversos recursos em diferentes suportes, umrecurso de que o aluno dispõe, apoia a sua evolução metodológica, produz documentos

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    e materiais de ensino para a escola, no pressuposto de que a mesma não constitui o

    único local de aprendizagem. Por sua vez, o papel do aluno passa privilegiadamente

     pelo informar-se e tornar-se autónomo. Como refere Hall, em 1986, “aprender a

    aprender, conduzir os alunos à procura, tratamento e apresentação da informação são

     princípios que passam a fazer sentido nos discursos pedagógicos” (citado em Garraio,

    1994: 19), ou seja, aconselha-se uma prática pedagógica baseada na pesquisa, no

    sentido de autonomizar o aluno. Esta autonomia passa por ensinar os alunos a investigar

    e a pesquisar e a criar hábitos de trabalho (quer individual, quer em grupo), isto é, uma

    autonomia assente na educação documental.

    A própria legislação sofre alterações e com a publicação da  Lei de Bases do

    Sistema Educativo, em 1986 (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro), no capítulo V, artigo 41º

    (recursos educativos), pela primeira vez surge um documento de orientação política em

    Portugal que nomeia as mediatecas, ou seja, que prevê a integração de novos suportes

    além do livro. Aquilo que constituiu um aparente avanço, envolve, ainda, diversas

    fragilidades. Ao definir, no ponto um, recursos educativos, o diploma refere:

    “Constituem recursos educativos todos os meios materiais utilizados para conveniente

    realização da actividade educativa”(Ibidem),  portanto a  biblioteca escolar é assimilada

    a uma perspectiva material7 (Canário, 1994).

    Quando a  Lei de Bases do Sistema Educativo enuncia os recursos educativos

     privilegiados mantém em primeiro lugar os manuais escolares, em segundo lugar, a

    referência às bibliotecas e às mediatecas escolares, paralelamente (subentendendo-se

    funções distintas para ambos os espaços), seguida de referências aos equipamentos:

    laboratoriais e oficinais, para educação física e desportos, para educação musical e

     plástica. Na opinião de Rui Canário, “é possível discernir aqui uma certa confusão, a par

    de um reducionismo” ( Ibidem: 95).

    7  Esta perspectiva material persistirá durante muito tempo e ainda hoje, em alguns casos, é este oentendimento que se produz. Cria-se uma mentalidade de lógica de adição de recursos como fonte desucesso, nas palavras de Canário (1994), “aquilo que é dominante nas preocupações da administração éuma preocupação de promover a «modernização» dos estabelecimentos de ensino, para fazer face a um«atraso educativo» neste domínio, fornecendo-lhe recursos materiais suplementares.” (p. 98)Confirmamos isto no relatório apresentado por Portugal à Conferência Internacional da UNESCO, em1990. No capítulo dedicado às mudanças e inovações, surgem as mediatecas escolares e a utilização dainformática “como um outro tipo de diversificação [que] é concretizado pelo plano de instalação deequipamento mediático (computadores, mediatecas, etc.)” (Ministério da Educação, 1990: 66),classificando-se as “Mediatecas Escolares” como um sub-programa que pretende dotar as escolas desteequipamento. Na verdade, sem recursos materiais não é possível estabelecer bibliotecas, mas estes não

    constituem tudo. A própria percepção que, muitas vezes, se opera, por parte das escolas, relativamente àscandidaturas propostas pelo Programa do Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares, centra-se naexpectativa de obter recursos financeiros a fim de garantir a aquisição de mais recursos.

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    Refira-se que o artigo contempla, ainda, numa última alínea, a instituição dos

    centros regionais de recursos educativos como apoio complementar aos recursos

    existentes nas escolas e de racionalização dos meios já existentes, tal como é promovida

    a criação de meios que permitam produzir “de acordo com as necessidades de inovação

    educativa” (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro). Estes centros de recursos educativos

    integraram-se nas Direcções Regionais de Educação e o seu objectivo prendia-se com o

    apoio à actividade docente, não se devendo confundir com a actividade das bibliotecas

    nas escolas.

    Também a Comissão de Reforma do Sistema Educativo, ao propugnar a

    introdução e uso das novas tecnologias na escola, defende que este seja acompanhado

    de “implantação e sistemas de gestão académica nas escolas, da formação de

     professores na área da tecnologia educativa e, finalmente, a criação das mediatecas

    escolares” (Garraio, 1994: 23), resultantes da actualização das bibliotecas escolares. A

    Reforma Educativa, então levada a cabo, fundou-se sob o modelo da chamada Escola

    Cultural, assente em três dimensões: a curricular, a extra-curricular e a interactiva. De

    entre os variados recursos educativos e culturais de que deve dispor esta escola, reforça-

    se a necessidade da biblioteca, do centro de documentação (Patrício, 1996).

    Após a publicação da  Lei de Bases do Sistema Educativo, diversas foram as

    referências que surgiram, em termos de legislação, às bibliotecas escolares e ao seu

     papel. Entre elas, veja-se, por exemplo, a Lei n.º 19-A/87, de 3 de Junho, que adopta

    medidas sobre o ensino-aprendizagem da língua portuguesa, cujo artigo quarto é

    dedicado às Bibliotecas escolares e que, dada a sua importância, de seguida se

    apresenta:

    1 - Serão criadas bibliotecas em todos os estabelecimentos de ensino que ainda asnão possuam e implementadas medidas no sentido de assegurar a permanenteactualização e o enriquecimento bibliográfico das bibliotecas escolares.

    2 - As bibliotecas escolares serão apetrechadas com os livros indispensáveis aodesenvolvimento cultural e ao ensino-aprendizagem da língua materna e adequadosà idade dos alunos, cabendo ao Ministério da Educação e Cultura criar as condiçõesde acesso e de orientação dos alunos relativamente à leitura.

    A própria proposta de reorganização dos planos curriculares dos Ensinos Básico

    e Secundário incide sobre um processo de ensino-aprendizagem conducente a uma

    maior autonomia do aluno, na sequência da reforma educativa, contexto que reforça a

    importância da biblioteca escolar.

    Contrariando a situação detectada no início dos anos 80 relativamente às

    mediatecas escolares, pelo  International Council for Educational Media, que colocava

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    Portugal “no ponto zero” (Canário, 1994: 95), surgiram experiências localizadas bem

    sucedidas, fruto da actividade de um conjunto de professores entusiastas e voluntários,

    “num movimento criado no interior das próprias escolas e cujo mérito cabe

    integralmente ao seus feitores, os professores” (Calçada, 1996: 32), como foi o caso do

    Centro de Recursos da Escola Preparatória Marquesa de Alorna, em Lisboa (cujo

     projecto de criação remonta a 1987), bem como da Mediateca da Escola Secundária de

    Mem Martins (tendo o seu projecto sido apresentado em 19908).

    Estes foram dois casos emblemáticos e instituíram-se como modelos.

    Relativamente ao primeiro, o Centro de Recursos da Escola Preparatória Marquesa de

    Alorna, revelou-se precursor a diversos níveis, implicando a sua utilização “uma clara

    relação com o tempo e o espaço da aula, influenciando directamente as práticas lectivas

    dos professores”. Um dado interessante decorre da constatação de que foram os alunos

    os responsáveis pela alteração da imagem do centro de recursos junto dos professores.

    Aqueles “foram um elo fundamental de ligação entre o CRE [Centro de Recursos

    Educativos] e os professores e constituíram-se como um dos recursos fundamentais para

    construir e consolidar esta inovação” (Canário e Oliveira, 1992: 80-81). No caso da

    Mediateca da Escola Secundária de Mem Martins, o primeiro aspecto a salientar reside

    no facto de se ter conseguido envolver toda a comunidade escolar na prossecução de um

    mesmo objectivo – a criação de uma mediateca, com um papel pioneiro em diversas

    áreas. Como refere o seu fundador:

    criámos, a partir de dentro, uma nova filosofia relativamente à bibliotecaescolar e antecipámos, de algum modo, a aplicação do regime de autonomiana nossa escola: adaptámos um espaço, determinámos o perfil de umaequipa, atribuímos-lhe horas específicas, representámo-la no ConselhoPedagógico através do seu coordenador, instituímos a obrigatoriedade daapresentação de um plano de actividades e de um relatório anual e,essencialmente, definimos objectivos que a colocavam no centro da

    actividade educativ