as políticas populacionais e o planejamento famíliar na américa latina e no brasil

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Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE Escola Nacional de Cincias Estatsticas

Textos para discusso Escola Nacional de Cincias Estatsticas nmero 21

AS POLTICAS POPULACIONAIS E O PLANEJAMENTO FAMILIAR NA AMRICA LATINA E NO BRASIL

JOS EUSTQUIO DINIZ ALVES

Rio de Janeiro 2006

i

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE Av. Franklin Roosevelt, 166 - Centro - 20021-120 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Textos para discusso. Escola Nacional de Cincias Estatsticas, ISSN 1677-7093

Divulga estudos e outros trabalhos tcnicos desenvolvidos pelo IBGE ou em conjunto com outras instituies, bem como resultantes de consultorias tcnicas e tradues consideradas relevantes para disseminao pelo Instituto. A srie est subdividida por unidade organizacional e os textos so de responsabilidade de cada rea especfica.

ISBN 85-240-3895-0

IBGE. 2006

Impresso Grfica Digital/Centro de Documentao e Disseminao de Informaes CDDI/IBGE, em 2004. Capa Gerncia de Criao/CDDIAlves, Jos Eustquio Diniz As Polticas populacionais e o planejamento familiar na Amrica Latina e no Brasil / Jos Eustquio Diniz Alves. - Rio de Janeiro : Escola Nacional de Cincias Estatsticas, 2006. 52p. - (Textos para discusso. Escola Nacional de Cincias Estatsticas, ISSN 1677-7093 ; n. 21) Inclui bibliografia. ISBN 85-240-3895-0 1. Planejamento familiar Brasil. 2. Planejamento familiar Amrica Latina. 3. Brasil Poltica populacional. 4. Amrica Latina Poltica populacional. 5. Direitos das mulheres Brasil. 7. Direitos das mulheres Amrica Latina I. Escola Nacional de Cincias Estatsticas (Brasil). II. Ttulo. III. Srie. Gerncia de Biblioteca e Acervos Especiais RJ/2006-20 DEM CDU 314.336(81)

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SUMRIO1. INTRODUO...................................................................................................... 6 2. AS POLTICAS POPULACIONAIS: DEFINIES ........................................................ 7 2.1. Polticas que afetam os trs componentes da dinmica demogrfica e a nupcialidade: ...................................................................................................... 10 2.2. Polticas que buscam alterar o ritmo do crescimento demogrfico:...................... 12 2.3. Nveis de aplicao das polticas populacionais:................................................ 13 2.4. O carter pblico ou privado das polticas populacionais:................................... 13 2.5. Polticas populacionais explcitas e implcitas:................................................... 14 2.6. Polticas populacionais intencionais e no-intencionais: ..................................... 14 2.7. Polticas populacionais proativas ou reativas: ................................................... 15 2.8. O modelo sueco versus o modelo chins: .................................................. 15 3. AS POLTICAS POPULACIONAIS NA AMRICA LATINA ......................................... 16 4. AS POLTICAS POPULACIONAIS NO BRASIL......................................................... 19 5. O PLANEJAMENTO FAMILIAR NO BRASIL: 1964-1979 .......................................... 24 6. O MOVIMENTO FEMINISTA E A SADE INTEGRAL E REPRODUTIVA....................... 27 7. O PLANEJAMENTO FAMILIAR: DO PAISM LEI 9.263/96 ..................................... 29 8. DIREITOS REPRODUTIVOS E A CONFERNCIA DO CAIRO ...................................... 33 9. O DEBATE SOBRE PLANEJAMENTO FAMILIAR E DIREITOS REPRODUTIVOS NO GOVERNO LULA: 2003 e 2004 ............................................................................... 36 10. CONSIDERAES FINAIS.................................................................................. 42 11. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 46 ANEXO ................................................................................................................. 50

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RESUMO

Este texto apresenta um panorama das polticas populacionais e do planejamento familiar na Amrica Latina e no Brasil. Inicialmente apresentam-se algumas definies sobre as polticas populacionais e um quadro sinttico sobre as finalidades e as abrangncias destas polticas. O panorama geral da Amrica Latina serve para contextualizar o quadro regional em que o Brasil est inserido. A maior parte do texto dedica-se a acompanhar as polticas populacionais no Brasil, com nfase para o sculo XX, especialmente as quatro ltimas dcadas. Foi dado destaque para a Conferncia Internacional de Populao e Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994 e para a questo dos direitos reprodutivos. Finalmente, apresenta-se um panorama do debate recente sobre o planejamento familiar no Brasil durante os trs anos e trs meses do governo Lula.

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ABSTRACT

This paper presents a scenario of population policies and family planning in Latin America and Brazil. Initially, it presents some definitions of population policies and a synthetic table concerning the purposes and the scopes of these policies. The general panorama in Latin America serves to contextualize the regional picture in which Brazil is inserted. Greater part of the text is devoted to follow the population policies in Brazil, with emphasis in the XX Century, especially the last four decades. It was given prominence to the International Conference of Population and Development, carried out in Cairo in 1994 and to the issues of reproductive rights. Finally, it presents a scenario of the recent debate on family planning in Brazil during the first two years of Lulas government.

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1. INTRODUO

Com a expresso vita activa, pretendo designar trs atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ao (...) As trs atividades e suas respectivas condies tm ntima relao com as condies mais gerais da existncia humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade (...) O labor e o trabalho, bem como a ao, tm tambm razes na natalidade, na medida em que sua tarefa produzir e preservar o mundo para o constante influxo de recm-chegados que vm a este mundo na qualidade de estranhos, alm de prev-los e lev-los em conta. No obstante, das trs atividades, a ao a mais intimamente relacionada com a condio humana da natalidade; o novo comeo inerente a cada nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recm-chegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto , de agir1

O objetivo deste texto abordar o controverso tema das polticas populacionais, no de maneira exaustiva, mas sim como uma reviso da bibliografia e do debate recente sobre o assunto. Pretende-se discutir trs questes: 1) o que uma poltica populacional, especificamente na rea da natalidade; 2) quais as diferenas entre poltica populacional, planejamento familiar, controle da natalidade e regulao da fecundidade; 3) discutir a situao dos direitos reprodutivos frente s ameaas do conservadorismo moral e do fundamentalismo religioso. No se tem a pretenso de responder todas as questes levantadas e nem cobrir todas as possibilidades existentes de polticas populacionais. A pretenso bem menor, trata-se apenas formular perguntas e pontuar questes para ajudar no debate sobre os problemas populacionais neste incio do sculo XXI. O tema polticas populacionais controverso e tem fortes marcas ideolgicas. um tema cercado de tabus. Exatamente por conta disto, os demgrafos buscam contornar o assunto ou situ-lo em contextos especficos das polticas pblicas, particularmente da poltica de sade. Durante cerca de 200 anos, desde fins do sculo XVIII, houve um acirrado debate sobre polticas populacionais controlistas e natalistas. Mas na Conferncia Internacional sobre Populao e Desenvolvimento (CIPD), realizada na cidade do Cairo em 1994, houve uma mudana de paradigma com a introduo do conceito de direitos reprodutivos. O objetivo deste texto refletir e colocar questes sobre as polticas populacionais na Amrica Latina e no Brasil neste incio do sculo XXI1

ARENDT, Hannah, A Condio Humana, Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2003, p. 15, 16 e 17 6

e tambm discutir como a noo de direitos reprodutivos pode contribuir para a superao do paradigma de Huntington2 (Caetano et al., 2004). A questo das polticas populacionais no Brasil, ao longo das trs ltimas dcadas do sculo XX, ficou muito contaminada por uma associao espria entre poltica populacional, planejamento familiar e controle da natalidade. Entretanto, estes trs conceitos no so sinnimos. Um poltica populacional refere-se aos trs componentes da dinmica demogrfica: mortalidade, natalidade e migrao. Planejamento familiar, um termo ambguo e que serve a vrios propsitos, tem a ver com idade ao casar e do primeiro filho, espaamento das gestaes, parturio por terminao e mtodos de concepo e contracepo. O controle da natalidade, mesmo sendo um direito do ponto de vista individual, se torna uma forma coercitiva de planejamento familiar se for adotado como exigncia do Estado. Martine e Camargo j advertiam h 20 anos atrs: No decorrer das ltimas duas dcadas, diversos aspectos da questo populacional tm sido amplamente debatidos mas, na maioria das vezes, tem faltado profundidade e objetividade a essa discusso. Interesses polticos, econmicos e ideolgicos, a nvel nacional como internacional, tm impedido a maturao de avaliaes mais adequadas quanto inter-relao entre populao, desenvolvimento e bem estar ou quanto s implicaes dessa inter-relao para a formulao de polticas (1984, p. 129).

2. AS POLTICAS POPULACIONAIS: DEFINIESPara Aristteles, o ser humano um animal social (zoon politikon). A poltica surge nos Estados organizados (polis) que admitem ser um agregado de muitos membros, e no uma simples famlia, tribo, religio, interesse ou tradio. A poltica surge da aceitao do fato da existncia simultnea de diferentes grupos e, conseqentemente, de diferentes interesses e tradies, dentro de uma unidade territorial que necessita ser regida por uma lei comum. O bem supremo da poltica buscar a maior unidade possvel de toda a polis (Crick, 1981). A poltica nacional a atividade por meio da qual os interesses divergentes so conciliados, dentro de um determinado territrio, com vistas obteno da maior satisfao da coletividade. A poltica internacional a atividade que busca conciliar os interesses internacionais e as relaes inter-Estados. Segundo o Dicionrio de Cincias Sociais (1987), a poltica : a) uma atividade livre, no sujeita a normas jurdicas; b) uma atividade polmica, ou uma deciso que concilia posies conflitantes; c) unio que se manifesta como poder normativo; d) um poder sobre uma ordem vinculadora que se formaliza atravs das normas jurdicas; e) orientao para a realizao de fins e para a seleo dos meios adequados. O mesmo dicionrio define da seguinte maneira a poltica populacional:2

Trata-se do amplamente divulgado paradigma sobre o Choque de Civilizaes. 7

Denomina-se comumente poltica populacional o conjunto de medidas destinadas a modificar o estado de uma populao de acordo com interesses sociais determinados. Tal modificao se refere tanto s mudanas no volume e no ritmo de aumento (ou decrscimo) da populao, quanto distribuio e densidade desta dentro de um territrio dado, assim como tambm sua composio qualitativa e quantitativa em relao a atividades especficas. Quanto aos interesses sociais, consistem em fazer cada vez mais extensiva a participao dos grupos sociais majoritrios nos benefcios do desenvolvimento econmico e social (p. 923). Segundo o Dicionrio de Economia (1985) a poltica populacional : Conjunto de procedimentos que objetivam alterar elementos da dinmica populacional, ou seja, as taxas de natalidade, mortalidade e migrao. Esses procedimentos visam basicamente ao tamanho da populao e a sua distribuio etria e geogrfica, procurando integr-los s metas de desenvolvimento do pas. Na maioria dos casos, entretanto, a poltica populacional est ligada quase exclusivamente ao controle da natalidade. O interesse pela questo devido ao crescimento demogrfico acelerado constatado em determinadas regies, especialmente as subdesenvolvidas () No Brasil, no h uma poltica populacional clara, embora se observe uma tendncia pr-natalista em vrias leis, como a do salrio-famlia, as de proteo da trabalhadora gestante, as do auxlio-natalidade e auxlio-maternidade, e a proibio do aborto (p. 336). Uns dos primeiros demogrficos brasileiros a publicar sobre polticas populacionais foi Cndido Procpio Ferreira de Camargo que, escrevendo na poca dos governos militares e na ausncia de um Estado de Direito no pas, assim colocou a questo: Definidas em seu sentido lato, polticas populacionais correspondem a intenes e aes do Estado e de instituies variadas visando a alterar, em um dado momento do tempo, as tendncias dos fatores demogrficos dinmicos e influenciar, desta maneira, o nmero, a composio e a distribuio da populao. No se pode, igualmente, ignorar o essencial contedo social e ideolgico da orientao assumida pela poltica populacional. Na realidade, somente ocorre poltica populacional quando setores hegemnicos da sociedade definem como desfavorveis e inconvenientes tendncias demogrficas observadas e determinadas, sem intervenes voluntrias e explcitas, por fatores biolgicos, econmicos, sociais e culturais. Visam, portanto, as polticas populacionais alterar o comportamento dos fatores dinmicos no caso em estudo, a fecundidade de modo a conseguir um ritmo de crescimento da populao considerado desejvel face ao desenvolvimento das foras produtivas, das necessidades de mo-de-obra e dos bices econmicos das chamadas despesas demogrficas (Camargo, 1982, p. 86). Nota-se assim vrios elementos nas definies acima relacionadas. A poltica entendida como um processo por meio do qual interesses so transformados em objetivos e os objetivos so conduzidos formulao de tomada de decises. As polticas populacionais ocorrem atravs de aes voltadas para a dinmica demogrfica visando o bem pblico e o acesso da populao s fontes de emprego, ao sistema de educao, aos programas de sade e outros direitos econmicos, sociais e culturais. As8

polticas populacionais podem ter um carter ex post, ou serem concebidas ex ante, isto , como medida preventiva que atendesse eventualidades futuras mais ou menos previsveis. Contudo, as polticas tm a ver com quem manda, por que manda e como manda. Elas no so abstratas, mas sim sociais e histricas. Desta forma, as aes e os discursos polticos referentes populao no esto isentos de uma forte carga doutrinria e ideolgica. Numa primeira aproximao, podemos definir as polticas populacionais como sendo aquelas aes (proativas ou reativas) realizadas por instituies (pblicas ou privadas) que afetam ou tentam afetar a dinmica da mortalidade, da natalidade e das migraes nacionais (e/ou internacionais), aes essas que buscam influenciar as taxas de crescimento demogrfico (positivo ou negativo) e a distribuio espacial da populao. As polticas populacionais podem ser intencionais ou no-intencionais, explcitas ou implcitas, democrticas ou autoritrias e podem ser definidas ao nvel macro-institucional ou micro (indivduos e famlias). Elas sintetizam poder, conflitos e finalidades. O quadro 1 apresenta um esboo da abrangncia, do carter, dos meios e dos nveis das polticas populacionais. Evidentemente, nem sempre estas questes esto colocadas de maneira clara na legislao. Alm disto, existem pases que no possuem uma poltica populacional explicita e intencional. Mas, mesmo que haja neutralidade em relao s metas demogrficas a serem alcanadas, dificilmente as polticas sociais de um pas deixam de ter, em um sentido ou noutro, algum efeito sobre a dinmica demogrfica. Quadro 1: POLTICAS POPULACIONAIS Mortalidade/esperana de vida Natalidade/fecundidade/fertilidade Migrao nacional e internacional Nupcialidade Expansionista (natalista) Reducionista (controlista) Neutra (laissez-faire) Individual Familiar (casal) Institucional Pblica Sobre o carter das polticas Privada Implcitas Sobre a transparncia dos objetivos Explcitas9

Sobre a dinmica demogrfica

Sobre o ritmo de crescimento

Sobre o nvel de aplicao

Intencionais/antecipadas (stricto sensu) Sobre a finalidade dos propsitos No-intencionais/no-antecipadas (lato sensu) Proativa (prevenir) Sobre a tempestividade das aes Reativa (remediar) Democrtica/consensual (modelo sueco) Sobre o carter da implantao Autoritria/coercitiva (modelo chins)

2.1. Polticas que afetam os trs componentes da dinmica demogrfica e a nupcialidade:Quanto mortalidade: as polticas pblicas voltadas para a reduo da mortalidade e para a elevao da esperana de vida da populao contam com o apoio e a simpatia geral das pessoas e das instituies de todos os pases do mundo. Combater a morte, defender a vida e aumentar e melhorar as condies de sobrevivncia dos povos um objetivo que vem sendo almejado ao longo da histria da humanidade, mas que s comeou a apresentar ganhos significativos, nos pases desenvolvidos, nos ltimos 200 anos e, nos pases subdesenvolvidos, nos ltimos 60 ou 70 anos. Para obter vitrias sobre a mortalidade (infantil, materna, adultos, etc.) evitando ou reduzindo as doenas, as epidemias, as ms condies ambientais, a fome, a desnutrio, etc. os indivduos, as famlias, as instituies da sociedade civil e os governos desenvolveram uma srie de polticas pblicas nas reas de sade, educao, habitao, saneamento, assistncia social, etc. Estas polticas visam avanar com a cidadania, os direitos humanos e o bemestar da populao. Elas, geralmente, no so classificadas como polticas populacionais explcitas e intencionais, mas possuem evidentes resultados demogrficos noantecipados. Tomada de forma isolada, poderia-se pensar que as polticas visando a reduo da mortalidade seriam uma forma de propiciar a expanso da populao. Contudo, a norma no tratar estas polticas como parte de objetivos polticosdemogrficos, mas sim como objetivos de direito vida. Atualmente, o combate epidemia da AIDS tem mobilizado esforos nacionais e internacionais. Quanto migrao: muitas migraes acontecem a partir de decises de indivduos, casais, famlias ou redes de parentesco ou amizade. Mas tambm existem migraes que so estimuladas por polticas populacionais explcitas dos governos e das naes. Depois das descobertas de Colombo (1492) e Cabral (1500), Portugal e Espanha, para citar dois casos, tiveram uma poltica de ocupao populacional de emigrao para a colonizao de suas colnias. Por outro lado, os pases latinoamericanos, aps suas independncias, tiveram uma poltica populacional de imigrao. O Brasil, por exemplo, criou vrios incentivos estatais para atrair imigrantes europeus e japoneses aps o fim da escravido em 1888. (inclusive com objetivos10

eugnicos de branqueamento da populao). Internamente, tambm houve vrias polticas visando a redistribuio espacial da populao j que os portugueses foram incapazes de povoar o interior do Brasil ficando concentrados no litoral arranhando as costas como caranguejos3. Nesse sentido, a transferncia da Capital Federal para o Planalto Central, definida desde a Constituio de 1891, no deixa de ser uma poltica de redistribuio da populao e de ocupao do interior do pas. A construo de Braslia foi definida no governo JK, perodo em que prevalecia o Estado de Direito no pas. J no regime militar, vrias polticas de ocupao da fronteira e dos espaos vazios4 foram definidas de forma autoritria como a construo da rodovia Transamaznica e vrios projetos de colonizao da regio Norte. A poltica de populao, para Martine e Carvalho (1984), tem um forte componente relacionado migrao: Este conceito envolve aspectos relacionados no somente com o ritmo de crescimento (i.e a interao entre taxas de natalidade e mortalidade) mas, sobretudo, com a distribuio da populao no espao (p.131). Quanto natalidade: na luta pela sobrevivncia da espcie, as sociedades humanas se organizaram para garantir taxas de natalidade maiores que as taxas de mortalidade. No longo prazo, aquelas que conseguiram este feito sobreviveram e as que no conseguiram desapareceram. Existem muitas evidncias de sociedades que desapareceram, como aquela existente na ilha de Pscoa, no sul do oceano Pacfico. Como na maior parte da histria humana as taxas de mortalidade sempre foram muito altas, a maioria das sociedades tambm mantinham altas taxas de natalidade. Alm, disto as populaes humanas eram muito pequenas e existiam continentes inteiros quase desabitados. Assim, no de se estranhar que a ocupao dos territrios e a expanso populacional eram objetivos estabelecidos pelos povos das mais diferentes sociedades. Polticas (explcitas ou implcitas) de apoio natalidade sempre fizeram parte da histria humana. Polticas (explcitas ou implcitas) de reduo da natalidade so aes recentes na histria (especialmente nos ltimos 200 anos) e s comearam a serem implantadas aps a reduo das taxas de mortalidade. Este ponto ser abordado em um item separado deste texto, dado complexidade das questes envolvidas nas polticas de controle ou expanso da natalidade. Quanto nupcialidade: o casamento heterossexual indissolvel uma instituio que vem de tempos imemorveis. Devido s necessidades de se obter uma alta fecundidade, no tempo em que as taxas de mortalidade eram muito elevadas, as sociedades se organizavam incentivando o casamento precoce e desestimulando as rupturas matrimoniais. As igrejas sempre estiveram na linha de frente da defesa do casamento indissolvel e monogmico. Algumas permitiam ou toleravam a poliandria, mas proibiam e perseguiam a poliginia. Com a separao entre Estado e Igreja, passou aEscrevendo a primeira Histria do Brasil, em 1627, Frei Vicente do Salvador lamentava o carter predatrio da colonizao e o fato de que os portugueses tinham sido at ento incapazes de povoar o interior da nova terra, arranhando as costas como caranguejos (Fausto, 1995, p.91) 4 Espao vazio uma expresso com forte contedo ideolgico, pois geralmente nenhum espao vazio do ponto de vista ambiental. Como disse Gilberto Gil na cano, de 1974, Copo Vazio: sempre bom lembrar/Que um copo vazio/Est cheio de ar. Em 113

existir o casamento civil, mas eram comuns as proibies ao desquite e ao divrcio. No Brasil, o divrcio s se tornou legal em 1977, quase 500 anos depois da descoberta do pas. Em quase todo mundo se tem uma grande resistncia aos novos arranjos familiares tais como pessoas vivendo sozinhas, mes criando filhos sem a presena dos pas, crescimento da incidncia de nascimentos fora do casamento, maior nmero de mulheres chefes de famlia, etc. No incio do sculo XXI, uma questo que tem estado presente na mdia mundial a do casamento gay, ou seja, do casamento entre pessoas do mesmo sexo. As resistncias so muitas, principalmente das Igrejas e das foras sociais que defendem o conservadorismo moral que vem o casamento como uma unio heterossexual com finalidade generativa/reprodutiva.

2.2. Polticas que buscam alterar o ritmo do crescimento demogrfico:Poltica populacional expansionista e natalista: as polticas populacionais expansionistas predominaram na maior parte da histria da humanidade, como vimos no item anterior. As Igrejas e o Estado foram as principais instituies promotoras da expanso populacional. Obviamente, o expansionismo populacional e a colonizao de povos e regies favoreciam determinadas elites econmicas e polticas em cada local e momento da histria. Na Amrica Latina, isto , na Amrica ps-colombiana, houve o extermnio de muitas populaes indgenas e uma reposio de uma nova populao, vinda basicamente da Europa, frica e, em menor proporo, da sia. Em seu conjunto, a Amrica Latina sempre foi subpovoada. Assim, muitos governos adotaram polticas expansionistas quer sejam por meio de incentivos imigrao, quer sejam incentivos e normas para a obteno de altas taxas de natalidade e nupcialidade. Esta realidade foi sintetizada por um embaixador argentino que afirmou: Governar povoar (Miro, 1987, p. ?) Poltica populacional reducionista e controlista: as polticas populacionais de reduo do ritmo de crescimento populacional e de controle da natalidade so recentes na histria da humanidade e, mais recentes ainda, na histria da Amrica Latina. Elas comearam a ser implantadas aps a queda generalizada das taxas de mortalidade que nos pases desenvolvidos tiveram incio no final do sculo XVIII e prosseguiram de forma lenta mais constante nos sculos seguintes. Na Amrica Latina, as taxas de mortalidade comearam a cair de maneira rpida e consistente a partir da dcada de 1940. Houve, ento, uma acelerao do ritmo de crescimento populacional. Esta acelerao, conhecida como exploso populacional foi o combustvel que moveu as polticas de reduo do fogo demogrfico. Foram nas dcadas de 1950 e 1960 que tiveram incio as campanhas de controle da natalidade na Amrica Latina, como veremos mais frente. Poltica populacional neutra (laissez-faire): pelo exposto anteriormente fica evidente que uma poltica populacional neutra ou no existe, ou coisa muito rara. Polticas populacionais explcitas ou implcitas sempre existiram nas reas de mortalidade, migrao, natalidade e nupcialidade. comum dizer que o Brasil no tem uma poltica explcita de populao. Realmente no existe uma lei de populao como existe no Mxico. Mas existem muitas polticas pblicas brasileiras que possuem efeitos12

no-antecipados sobre a dinmica demogrfica. No Brasil, existem leis e normas (federais, estaduais ou municipais) quanto distribuio espacial da populao (como polticas para evitar o xodo rural, para a desconcentrao econmica e populacional das megalpoles, polticas de apoio s cidades mdias, etc), de controle da migrao internacional, diversas polticas pblicas de combate mortalidade, epidemia de AIDS, combate fome e desnutrio, segurana alimentar, combate mortalidade maternoinfantil, etc. e, na rea de natalidade, existe o pargrafo 7 do art. 226 da Constituio Brasileira e uma lei especfica (n. 9263/96) que trata da questo do planejamento familiar. Desta forma, dizer que o pas tem uma poltica populacional neutra dizer que no existe nenhuma meta populacional, mas que existe uma poltica existe, mesmo porque, a no-poltica neste caso, uma forma de poltica, ainda que seja uma poltica laissez-faire.

2.3. Nveis de aplicao das polticas populacionais:Quanto ao nvel institucional: existem polticas populacionais que so formuladas para disciplinar as instituies pblicas ou privadas. Por exemplo, regulamentar o sistema de ensino, os programas de sade pblica, o controle da ao das entidades privadas, o controle das fronteiras, etc. A poltica de saneamento bsico (gua, esgoto, coleta de lixo, higiene pblica) tipicamente uma ao que atinge a comunidade como um todo e que definida ao nvel macro, apesar de ter muitos efeitos ao nvel micro. Quanto ao nvel familiar: existem polticas populacionais que so formuladas visando afetar o tamanho da famlia e as suas normas de funcionamento. Existem polticas que adotam o lema a famlia pequena vive melhor e existem estudos mostrando que a mobilidade espacial e social da famlia pequena maior e que, portanto, fatores micro econmicos-demogrficos podem ajudar na melhoria das condies de vida. Para Louis Dumont (1911-1998) o desejo para limitar o nmero de filhos pode decorrer das aspiraes de mobilidade social: tal como uma coluna de lquido, que deve ser fina para subir sob os efeitos da capilaridade, assim tambm a famlia deve ser pequena para ascender na escala social (apud Oliveira e Szmrecsanyi, 1980, p. 195) Quanto ao nvel individual: existem polticas populacionais que so formuladas no s ao nvel institucional e familiar, quanto tambm ao nvel individual. Por exemplo, incentivando as pessoas permanecerem solteiras, regulando a idade ao casar, nmero de filhos que cada pessoa pode ter, etc.

2.4. O carter pblico ou privado das polticas populacionais:Quanto ao carter pblico: existem polticas populacionais que concentram todas as suas aes no setor pblico, mas permitem a atuao de entidades privadas e outras que probem a ao dessas entidades. No Brasil, a Constituio permite a atuao de instituies privadas, mas com restries, apesar de no comeo do processo de transio da fecundidade no Brasil, especialmente na dcada de 1970, existirem vrias13

entidades privadas atuando no campo do planejamento familiar, no vaco da omisso do governo. Quanto ao carter privado: existem pases que o setor pblico no tem atuao, ou apenas uma atuao muito pequena, enquanto so as entidade privadas que atuam no mbito da poltica populacional. Porm, quando a populao mais pobre, especialmente nos pases do Terceiro Mundo, fica a merc da lgica do mercado (lucro) o acesso aos mtodos contraceptivos se torna mais difcil e pode ter um efeito perverso, j que os mais necessitados no teriam como verem atendidas as suas demandas.

2.5. Polticas populacionais explcitas e implcitas:Polticas explcitas: as polticas explcitas acontecem quando a sociedade resolve tomar uma posio sobre as questes referentes dinmica populacional. As polticas populacionais explcitas so fceis de serem identificadas, pois as aes e normas quanto mortalidade, natalidade, nupcialidade e migrao esto definidas pela legislao nacional. O problema que nem sempre os objetivos, as aes e as normas esto colocadas de forma clara e transparente. Polticas implcitas: identificar as polticas populacionais implcitas mais problemtico, pois determinadas aes e normas podem no ser formuladas com objetivos demogrficos. Por exemplo, polticas restringindo o trabalho feminino, especialmente das mulheres grvidas, so polticas com objetivos de elevao da fecundidade, so medidas de carter patriarcal ou os dois? A proibio do aborto uma poltica de elevao da fecundidade ou uma norma moral de defesa da vida desde a contracepo? Nota-se, assim, que no fcil dizer quando uma poltica tem carter populacional ou no.

2.6. Polticas populacionais intencionais e no-intencionais:Polticas intencionais (antecipadas): fcil identificar as polticas populacionais que tm carter intencional e so antecipadas, isto , aquelas que estabelecem resultados quantitativos ou qualitativos. Contudo, nem sempre os objetivos explcitos so aqueles alcanados. Alm disto, difcil saber quais so os efeitos demogrficos das polticas populacionais stricto sensu e quais so aqueles resultados das polticas lato sensu. Geralmente, as polticas intencionais requerem um processo de monitoramento para avaliar os objetivos alcanados. Polticas no-intencionais (no-antecipadas): difcil, entretanto, estabelecer os objetivos populacionais de polticas pblicas que afetam a dinmica demogrfica, mas de forma no-intencional e no-antecipada. Por exemplo, a queda da fecundidade no Brasil, segundo Vilmar Faria (1989), foi influenciada por 4 polticas pblicas que no tinham objetivos demogrficos explcitos e nem implcitos, mas que tiveram efeitos noantecipados sobre a reduo da demanda de filhos. As 4 polticas so: a) crdito direto14

ao consumidor; b) telecomunicaes e mdia; c) poltica de ateno sade e processo de medicalizao; d) expanso da previdncia social. Vrias pesquisas demogrficas no Brasil confirmaram as hipteses de Faria, reafirmando o carter no intencional destas 4 polticas sobre a transio da fecundidade no Brasil. As pesquisas mostram tambm que a elevao dos nveis educacionais, especialmente das mulheres, um determinante da queda da fecundidade. H, inclusive, aqueles que defendem o seguinte lema: a educao o melhor contraceptivo, ou de maneira mais geral: o desenvolvimento o melhor contraceptivo. Todos estes exemplos mostram que as polticas pblicas e o processo de modernizao podem ter um forte impacto demogrfico, mesmo sem haver uma explicitao de objetivos populacionais.

2.7. Polticas populacionais proativas ou reativas:Polticas pr-ativas: as polticas populacionais pr-ativas ou preventivas so mais comuns na rea da reduo da mortalidade, como as campanhas de vacinao e preveno de doenas. As medidas de combate epidemia da AIDS se encaixam nesta categoria. Outras medidas que visam alterar a dinmica demogrfica precisam ser tomadas com certa antecedncia, pois os fenmenos populacionais envolvem a relao entre geraes e so afetados pela inrcia demogrfica. Polticas reativas: as polticas populacionais reativas so feitas para remediar problemas que se avolumaram ao longo do tempo. So aquelas que buscam remediar ao invs de prevenir. No caso da epidemia de AIDS, por exemplo, o custo de combate doena muito maior do que o custo de preveno. Da mesma maneira, o custo para recuperar reas ambientais degradadas muito maior do que o custo de prevenir danos no meio ambiente e a preservao da fauna, da flora, da gua potvel, etc.

2.8. O modelo sueco versus o modelo chins:O modelo sueco: existem polticas demogrficas que so elaboradas em um contexto poltico democrtico e so implementadas atravs de medidas participativas, como no caso do modelo adotado na Sucia j nos anos de 1930. Ao contrrio das polticas de estmulo natalidade e barbaridade das medidas eugnicas adotadas pelo fascismo italiano e o nazismo alemo, a poltica populacional da Sucia foram antecessoras imediatas das polticas para a famlia, base modelar do Estado do bem-estar social sueco. Segundo Faria (1997) as taxas de fecundidade na Sucia haviam cado muito no perodo compreendido entre as duas Guerras Mundiais apesar de toda a estrutura do welfare state, com sua vasta gama de servios pblicos e mecanismos de transferncias de recursos do bero ao tmulo. Em meados da dcada de 30, j sob a gide social-democrata, foram adotadas abrangentes medidas de seguridade social sob a forma de polticas populacionais ou polticas para a famlia, atendendo o relativo consenso quanto necessidade de se conter o drstico declnio das taxas de natalidade. O papel do casal Alva e Gunnar Myrdal como cientistas sociais, ativistas social15

democratas e policy makers considerado crucial no processo que levou elaborao de uma agenda de reformas sociais partindo do que antes era apenas uma preocupao conservadora quanto ao futuro da nao caso as taxas de fecundidade continuassem caindo. Existem dvidas quanto intencionalidade das polticas social-democratas adotadas na Sucia, mas o fato que o consenso nacional obtido apoiou as reformas sociais, quer sejam elas entendidas como polticas populacionais natalistas ou simplesmente como polticas de bem-estar. A poltica populacional sueca tinha preocupaes de harmonizar os aspectos quantitativos (elevar as taxas de natalidade) e qualitativos (melhorar as condies de vida dos cidados), por esta razo as reformas adotadas de forma democrtica tenham sido denominadas de pr-natalismo de esquerda, em contraposio ao pr-natalismo autoritrio da direita nazi-fascista5. O modelo chins: a China j era o pas mais populoso do mundo quando o Partido Comunista tomou o poder em 1949. As medidas sociais e de sade pblica adotadas logo aps a revoluo permitiram uma acentuada queda da mortalidade. Com a permanncia de altas taxas de natalidade (o aborto e a esterilizao eram proibidos) houve uma acelerao do crescimento populacional. Em 1958, o governo lana uma poltica desenvolvimentista conhecida como O Grande Salto para a Frente, mas que resultou em grande fracasso. Segundo Mundigo (1987), a grave crise econmica do incio dos anos 60 faz o governo chins apoiar o controle da natalidade legalizando o aborto e a esterilizao e permitindo o funcionamento de clnicas de planejamento familiar. Contudo, com o incio da Revoluo Cultural em 1966, houve uma reviravolta natalista e os casais foram incentivados a terem mais filhos, resultando em um baby boom temporrio. O rpido crescimento da maior populao do mundo fez o governo mudar novamente a orientao, lanando, em meados dos anos 70, a poltica mais tarde, mais longe, significando que o matrimnio deveria ocorrer mais tarde e o intervalo de nascimento entre os filhos deveria ser maior. Aps a morte de Mo Tse Tung, o novo governo chins lana a poltica populacional um casal, um filho, implementando o controle da natalidade mais draconiano que se tem notcia. Segundo Li (1995), o governo passou a exigir o certificado do filho-nico, dando incentivos para os casais que utilizassem contraceptivos, esterilizao ou aborto e criando punio para aqueles que violassem as determinaes estatais. O governo passou a estabelecer metas demogrficas anuais e se tornou o nico pas do mundo a penalizar diretamente os indivduos por violar a regra do filho-nico. Por tudo isso, a poltica populacional autoritria e coercitiva adotada na China passou a caracterizar o modelo chins.

3. AS POLTICAS POPULACIONAIS NA AMRICA LATINAAt meados do sculo XX as polticas populacionais na Amrica Latina eram explcita ou implicitamente expansionistas e pr-natalistas. Com populaesApesar de considerar que as reformas sociais implantadas na Sucia respeitaram as liberdades sexuais e reprodutivas, Faria (1997) faz vrias ressalvas como o fato das polticas de famlia, da metade do sculo XX, realarem o casamento heterossexual com finalidade generativa e que o pas no ficou totalmente isento da ideologia eugnica. 165

relativamente pequenas e territrios escassamente povoados, era quase natural que as naes latino-americanas adotassem medidas de crescimento da populao e de ocupao dos espaos vazios. Segundo Carmen Mir (1987), os pases latinoamericanos adotaram, alm de polticas imigratrias ativas, vrias disposies legais com aberto propsito natalista. Estas disposies eram de natureza variada, sendo as mais notrias as que se materializavam em programas de proteo famlia, maternidade e infncia. Eram importantes os sistemas de salrio-famlia. Por outro lado, a maioria dos pases da regio proibia o aborto e a esterilizao, sendo que muitos deles consideravam ilegal a venda e a propaganda de produtos contraceptivos. Apesar das posies expansionistas, apenas um pas, o Mxico, havia legislado (atravs da Lei geral de populao de 1947) com o propsito expresso de estimular o crescimento da populao por meio do crescimento vegetativo, apoiado por medidas de sade destinadas a reduzir a mortalidade infanto-juvenil e por meio da imigrao. Segundo a autora, o abandono da orientao natalista ocorreu com o processo de transio demogrfica e a conseqente acelerao do ritmo de crescimento da populao. A densidade demogrfica da Amrica Latina e Caribe (8 habitantes por km2) que era um tero da densidade demogrfica da Europa, em 1950 e passou para quase dois teros, em 1975. As projees indicam que a densidade demogrfica da Amrica Latina e Caribe dever ultrapassar a densidade europia no primeiro quarto do sculo XXI. Portanto, os argumentos pr-natalistas que tinham como base o sub-povoamento da regio foi ficando desatualizado: A taxa de crescimento da populao da Amrica Latina, que at o ano de 1940 se havia mantido abaixo de 2% por ano, registrou uma marcada acelerao, passando de 2,2% no perodo 1940-1950 a quase 2,9% entre 1960 e 1965. De um pouco mais de 124 milhes em 1940, a populao da regio havia praticamente duplicado em 1965, passando para mais de 241 milhes em um perodo de 25 anos. Esta populao crescente, com uma estrutura etria muito jovem e com tendncia a concentrar-se nas cidades, unida a uma expanso de suas aspiraes sociais, comeou a colocar desafios que a maior parte dos governos da Amrica Latina se viu incapacitada de enfrentar de maneira satisfatria (Mir, 1987, p. 88). Assim, a queda das taxas de mortalidade, especialmente infantil, provocou uma maior demanda por regulao da fecundidade. No nvel macro, o alto crescimento populacional provocou a elevao da taxa de dependncia demogrfica demandando recursos sociais, enquanto as necessidades de investimento necessrias para a alavancagem do desenvolvimento demandavam recursos econmicos que competiam com os recursos sociais. No nvel micro, houve um aumento do nmero de filhos sobreviventes e, juntamente com a reverso do fluxo intergeracional de riqueza provocado pelas mudanas sociais do perodo, fizeram com que a fecundidade observada passasse a ser maior que a fecundidade desejada. Vrios pases da Amrica Latina, especialmente depois da Conferncia Internacional de Populao e Desenvolvimento de Bucareste em 1974, criaram organismos ocupados expressamente como os assuntos de populao e17

desenvolvimento. Em 1976, pelo menos 14 pases da regio contavam com alguma comisso, conselho, comit, departamento ou direo entre cujas funes se inclui a de integrar o fator demogrfico nos planos setoriais e globais de desenvolvimento (Miro, 1987, p.91). No Mxico, a reduo das taxas de mortalidade e a continuidade das altas taxas de natalidade fizeram com que o pas apresentasse taxas de crescimento demogrfico acima de 3% na dcada de 1960, com alta proporo de populao jovem. Contudo, o alto crescimento econmico do perodo no fazia do alto crescimento populacional uma preocupao poltica. Esse quadro s iria mudar no incio dos anos 70, quando a crise econmica mundial reduziu o crescimento econmico, agravando os histricos problemas sociais da maioria dos pases latino-americanos. A mudana de uma poltica expansionista para reducionista, no Mxico, aconteceu em 1974 quando foi aprovada uma Lei cuja misso regular os fenmenos que afetam a populao quanto ao seu volume, estrutura, dinmica e distribuio no territrio. Foi criado o Conselho Nacional de Populao CONAPO cujos objetivos da poltica de populao so: El objetivo de la poltica de poblacin es contribuir a que los mexicanos y las mexicanas participen justa y equitativamente de los beneficios del desarrollo econmico y social, mediante la regularizacin de los fenmenos que afectan a la poblacin en cuanto a su volumen, estructura, dinmica y distribucin territorial. La poltica de poblacin reclama un enfoque integral, claramente inserto en las prioridades del desarrollo social, que propicie un cambio de mentalidad e intensifique el espritu de previsin y planeacin en las familias, as como el afn de igualdad entre sus miembros, especialmente en cuestiones de gnero; que fomente tambin una alta valoracin parental de los hijos y que extienda y arraigue una cultura demogrfica sobre las repercusiones de la poblacin en el medio ambiente y la sustentabilidad del desarrollo (Disponvel em ). Em fins da dcada de 1970, a nova realidade demogrfica da Amrica Latina se traduzia em polticas para reduo do alto crescimento populacional ou em polticas de planejamento familiar para atender a demanda de regulao da fecundidade. Segundo Mir e Potter (1980), j em 1978, oito pases (Barbados, Colmbia, Repblica Dominicana, El Salvador, Guatemala, Jamaica, Mxico e Trinidad-Tobago) tinham adotado polticas de reduo da fecundidade como meio de reduzir o crescimento geral da populao. Doze pases (Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, Haiti, Honduras, Nicargua, Panam, Paraguai, Peru e Venezuela) tinham ou includo servios de planejamento familiar em seus programas oficiais de sade ou tinham permitido a atuao de entidades privadas de planejamento familiar. Somente trs pases (Argentina, Bolvia e Uruguai) tinham apenas programas privados de planejamento familiar operando. A tabela 1 mostra alguns indicadores demogrficos para a Amrica Latina e o Caribe entre 1950 e o ano 2000. Nota-se que nos anos 50 e 60 estava havendo uma acelerao das taxas de crescimento populacional devido queda das taxas de mortalidade e o aumento da expectativa de vida, enquanto as taxas de natalidade continuavam altas. Na segunda metade dos anos 60 as taxas de natalidade e18

fecundidade comearam a cair, desacelerando o ritmo de crescimento demogrfico e aumentando a idade mediana, que um indicador do processo de envelhecimento que ocorre quando diminui a proporo de crianas nascidas a cada ano. Nota-se, ainda, que houve uma reverso na razo de sexo, mostrando que a proporo de mulheres ultrapassou a proporo de homens a partir dos anos de 1970. Tabela 1 Indicadores demogrficos da Amrica Latina e Caribe: 1950-2000Indicadores 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Populao (1.000) 167.097 218.300 284.856 361.401 441.525 520.229 Razo de sexo 100,2 100,1 100 99,6 98,9 98 Densidade demogrfica (hab/km2) 8 11 14 18 22 25 Taxa de crescimento anual 2,8 2,9 2,4 2 1,7 1,4 Taxa bruta de natalidade 42 41 35 30 25 21 Taxa bruta de mortalidade 15 12 10 8 7 6,4 Taxa de fecundidade total 5,9 6 5 3,9 3 2,5 Mortalidade infantil 126 101 81 57 40 32 Expectativa de vida (anos) 51 57 61 65 68 70 Idade mediana (anos) 20,1 19,1 18,7 19,7 21,8 24,2 Fonte: http://esa.un.org/unpp/

4. AS POLTICAS POPULACIONAIS NO BRASILAssim como em outros pases latino-americanos, o lema governar povoar tambm vlido para os primeiros 450 anos da histria brasileira. A despeito da chegada de Pedro lvares Cabral no ano de 1500, a Coroa Portuguesa s iniciou uma colonizao sistemtica nos anos de 1530. O sucesso da lavoura canavieira garantiu as bases econmicas da colonizao, enquanto os jesutas garantiam a evangelizao e a difuso da religio catlica, da cultura e da lngua portuguesa. A populao indgena passou por um processo de depopulao depois de sofrer o efeito de vrias doenas e epidemias trazidas pelo colonizador europeu6. Estimativas da populao brasileira em 1798 a 1872 esto apresentadas na tabela 2. Nota-se que a populao branca europia (principalmente portugueses) representavam um tero da populao brasileira de pouco mais de 3 milhes de habitantes, sendo que a populao negra representava mais de trs quintos do total e os escravos representavam quase a metade de todos os brasileiros no fim do sculo XVIII e a populao indgena representava apenas 7,8%. Em 1872, cresceu a participao da populao europia com a vinda de imigrantes de outros pases alm de Portugal, diminuiu um pouco a participao da populao de origem africana, mas aumentando muito o nmero de africanos livres, diminuindo o nmero de escravos. A populao indgena tambm diminui em termos relativos, apesar de ter crescido em termos absolutos.6

Existem estimativas muito variadas sobre o contingente da populao indgena do Brasil em 1500, que variam de 500 mil a 10 milhes. Mas Livi-Bacci (2002) considera mais realistas as estimativas em torno de 2,5 milhes de indgenas. 19

Tabela 2 Populao brasileira por etnia: 1798-1872 (em 1.000)Origem tnica Europeus Africanos (e mista) Livres Escravos ndios Total Fonte: Merrick e Graham, 1798 1.010 1.988 406 1582 252 3250 1981 1872 3.787 5.756 4.245 1.511 387 9.930 Taxa de crescimento % 1,79 1,44 3,17 -0,06 0,58 1,51 Distribuio % 1798 1872 31,1 61,2 12,5 48,7 7,8 100,0 38,1 58,0 42,7 15,2 3,9 100,0

A contribuio da populao negra para o povoamento do Brasil descrito da seguinte maneira por Livi-Bacci (2002): O povoamento do Brasil deve-se principalmente pelo menos at a grande imigrao europia da segunda metade do sculo XIX ao trfico de escravos africanos. Na poca do primeiro recenseamento (1872), 58% dos quase 10 milhes de brasileiros eram de origem africana, pura ou mestia. At a abolio do trfico negreiro (1850), 3,5 milhes de escravos haviam sido transportados em navios negreiros para o Brasil, o que representava 38% de todo o trfico transatlntico (p. 147). Com o fim do trabalho escravo, em 1888, o Estado brasileiro passou a promover polticas explcitas de atrao de imigrantes europeus e, depois de 1908, de imigrantes japoneses. Como salientou Camargo (1980): A grande migrao estrangeira s ocorreu, entretanto, nas dcadas posteriores a 1880 at 1920. O Estado de So Paulo, grande produtor de caf quando em 1888 ocorreu a abolio da escravatura, participou ativamente do processo de migrao da mo-de-obra estrangeira, que veio substituir o trabalhador agrcola escravo e iniciar, nas cidades, pequenas oficinas e indstrias de pequeno porte (p. 309). A partir da dcada de 1920 houve uma diminuio da contribuio da imigrao internacional para o crescimento da populao brasileira e aumentou os fatores internos do crescimento, especialmente a queda das taxas de mortalidade. O xodo rural e as migraes internas passaram a ter grande importncia na distribuio espacial da populao. A tabela 3 mostra dados da populao brasileira e vrios indicadores demogrficos entre 1920 e 2000. Nota-se que as taxas anuais de crescimento da populao subiram de 1,49% nas dcadas de 20 e 30, para 2,39% na dcada de 40 e para 2,99% na dcada de 1950. Este aumento se deu basicamente devido reduo da Taxa Bruta de Mortalidade (TBM). As TBMs continuaram caindo no restante do sculo, mas a um nvel menor, enquanto as Taxas Brutas de Natalidade (TBN) e as Taxas de Fecundidade Total (TFT) comearam a cair rapidamente, especialmente aps 1960, provocando uma desacelerao do crescimento demogrfico brasileiro. Neste perodo de 80 anos houve uma duplicao da esperana de vida ao nascer e uma enorme reduo20

da mortalidade infantil, indicando que o Brasil superou, em grande medida, as baixas taxas de sobrevivncia prevalecentes nos quatro sculos anteriores. Tabela 3 Indicadores demogrficos da populao brasileira: 1920-2000Ano 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 Populao TBN TBM TFT (em 1.000) (em 1.000) (em 1.000) (n. filhos) 30.636 41.165 51.942 70.070 93.139 119.003 146.825 43,5 44,4 43,3 42,1 33,7 30,3 22,7 24,8 20 14,2 12,6 9,9 8,4 7,2 6,2 6,2 6,2 5,8 4,3 2,9 Esperana Mortalidade Taxa mdia de crescimento infantil de vida annual (em 1.000) (anos) 32 1,49 36,7 2,39 43 134 2,99 55,5 109 2,89 59,5 91 2,48 63 64 1,93 65,8 45 1,64 68,1 33 http://esa.un.org/unpp>

2000 169.799 20 7,1 2,4 Fonte: Merrick, Graham, 1981, censos do IBGE e