as narrativas crÍsticas da revoluÇÃo no terceiro … · degradação a conduzem à luta contra o...

36
Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com AS NARRATIVAS CRÍSTICAS DA REVOLUÇÃO NO TERCEIRO MUNDO: Circulações e Apropriações Estéticas de O Evangelho Segundo São Mateus (1964) em A Idade da Terra (1980) Quezia Brandão ** Wagner Pinheiro Pereira *** RESUMO: O artigo analisa, sob o viés da História Conectada e das Transferências Culturais, os profícuos diálogos entre as obras cinematográficas de Glauber Rocha e de Pier Paolo Pasolini, dois dos cineastas mais representativos dos movimentos cinema-novistas na América Latina e na Europa, que apresentaram nos filmes O Evangelho Segundo São Mateus (1964) e A Idade da Terra (1980) uma narrativa crística para a abordagem político-ideológica dos processos revolucionários no Terceiro Mundo. PALAVRAS-CHAVE: A Idade da Terra; O Evangelho Segundo São Mateus; Glauber Rocha; Pier Paolo Pasolini. THE CHRIST-NARRATIVES OF THE REVOLUTION IN THE THIRD WORLD: Circulations and aesthetics appropriations of The Gospel According St. Mathews (1964) in The Age of the Earth (1980) ABSTRACT: The article analyzes, under the bias of the Connected History and Cultural Transfers, the fruitful dialogue between the films of Glauber Rocha and Pier Paolo Pasolini, two of the most representative filmmakers of the New Cinemas’ movements in Latin America and Europe, who presented in the movies The Gospel According to St. Matthew (1964) and The Age of the Earth (1980) a Christ-narrative to the political-ideological approach to revolutionary processes in the Third World. KEY-WORDS: The Age of the Earth; The Gospel According to St. Mathew; Glauber Rocha; Pier Paolo Pasolini. *** O presente artigo é resultado dos estudos desenvolvidos por Quezia Brandão em suas pesquisas: “Entre o Transe e o Subdesenvolvimento: Cinema e Política na América Latina de Glauber Rocha e Tomás Gutierrez Alea” (Rio de Janeiro: Monografia de Conclusão do Curso de História – IH-UFRJ, Orientação: Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira, 2014) e “A Idade da Terra: Glauber Rocha e seu projeto político e cultural para a América Latina” (São Paulo: Pesquisa de Mestrado em Andamento – PPGHS- FFLCH-USP, Orientação: Profa. Dra. Maria Helena Rolim Capelato, 2014-2015.). ** Mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora no Laboratório de Estudos Históricos e Midiáticos das Américas e da Europa (LEHMAE), no Laboratório de Imagem, Arte e Metrópoles (IMAM) e na Cátedra José Bonifácio (CIBA-USP). E-mail: [email protected] *** Professor de História das Américas e História do Audiovisual nos cursos de Bacharelado em História e de Bacharelado em Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PGHC – UFRJ). Coordenador do Laboratório de Estudos Históricos e Midiáticos das Américas e da Europa (LEHMAE). E-mail: [email protected]

Upload: dangkhuong

Post on 08-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

AS NARRATIVAS CRÍSTICAS DA REVOLUÇÃO NO TERCEIRO MUNDO:

Circulações e Apropriações Estéticas de O Evangelho Segundo São

Mateus (1964) em A Idade da Terra (1980)

Quezia Brandão** Wagner Pinheiro Pereira***

RESUMO: O artigo analisa, sob o viés da História Conectada e das Transferências Culturais, os profícuos diálogos entre as obras cinematográficas de Glauber Rocha e de Pier Paolo Pasolini, dois dos cineastas mais representativos dos movimentos cinema-novistas na América Latina e na Europa, que apresentaram nos filmes O Evangelho Segundo São Mateus (1964) e A Idade da Terra (1980) uma narrativa crística para a abordagem político-ideológica dos processos revolucionários no Terceiro Mundo. PALAVRAS-CHAVE: A Idade da Terra; O Evangelho Segundo São Mateus; Glauber Rocha; Pier Paolo Pasolini.

THE CHRIST-NARRATIVES OF THE REVOLUTION IN THE THIRD WORLD: Circulations and aesthetics appropriations of The Gospel According St. Mathews

(1964) in The Age of the Earth (1980)

ABSTRACT: The article analyzes, under the bias of the Connected History and Cultural Transfers, the fruitful dialogue between the films of Glauber Rocha and Pier Paolo Pasolini, two of the most representative filmmakers of the New Cinemas’ movements in Latin America and Europe, who presented in the movies The Gospel According to St. Matthew (1964) and The Age of the Earth (1980) a Christ-narrative to the political-ideological approach to revolutionary processes in the Third World. KEY-WORDS: The Age of the Earth; The Gospel According to St. Mathew; Glauber Rocha; Pier Paolo Pasolini.

***

O presente artigo é resultado dos estudos desenvolvidos por Quezia Brandão em suas pesquisas: “Entre o Transe e o Subdesenvolvimento: Cinema e Política na América Latina de Glauber Rocha e Tomás Gutierrez Alea” (Rio de Janeiro: Monografia de Conclusão do Curso de História – IH-UFRJ, Orientação: Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira, 2014) e “A Idade da Terra: Glauber Rocha e seu projeto político e cultural para a América Latina” (São Paulo: Pesquisa de Mestrado em Andamento – PPGHS-FFLCH-USP, Orientação: Profa. Dra. Maria Helena Rolim Capelato, 2014-2015.). **

Mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora no Laboratório de Estudos Históricos e Midiáticos das Américas e da Europa (LEHMAE), no Laboratório de Imagem, Arte e Metrópoles (IMAM) e na Cátedra José Bonifácio (CIBA-USP). E-mail: [email protected] ***

Professor de História das Américas e História do Audiovisual nos cursos de Bacharelado em História e de Bacharelado em Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PGHC – UFRJ). Coordenador do Laboratório de Estudos Históricos e Midiáticos das Américas e da Europa (LEHMAE). E-mail: [email protected]

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

A investigação sobre as transferências culturais tinha que admitir que se pode apropriar um objeto cultural e se emancipar do modelo que o constitui, isto é, realizar uma transposição, que, por mais distante que seja, tem tanta legitimidade quanto o original.

Michel Espagne – A Noção de Transferência Cultural (2013)

Glauber Rocha & Pier Paolo Pasolini: Diálogos & Conexões entre a América Latina e a Europa

ntre os anos de 1950 e 1970 houve uma grande circulação de

propostas e programas de cunho revolucionário, seja em seu viés

estético e/ou ideológico, entre o ambiente político e cinematográfico

da Europa e da América Latina. Na década de 1950, muitos jovens aspirantes a

cineasta partiram rumo à Europa para estudar nas grandes escolas de cinema de onde

importariam experiências e modelos cinematográficos para por em prática na

América Latina, compartilhando o desenvolvimento de uma renovação

cinematográfica que ocorria na Europa. Corolário do Neorrealismo Italiano, da

Nouvelle Vague Francesa, do Free Cinema Inglês e das vanguardas históricas37, ocorreu

na América Latina o autodenominado movimento do Nuevo Cine Latinoamericano.

Ao nos debruçarmos sobre a produção do Nuevo Cine Latinoamericano é

possível identificar um sem número de paralelos estéticos e ideológicos com as

produções europeias. Linguagem, recursos de montagem, movimentos de câmera,

entre outros aspectos técnicos e estéticos, são apropriações verificáveis nos filmes de

realizadores do Nuevo Cine Latinoamericano. Para nós, historiadores, é importante

analisar como funcionou essa circulação de ideias, imagens e práticas

cinematográficas produzindo o que Sanjay Subramanyam e Serge Gruzinski

chamaram de História Conectada38.Essa história conectada se daria dentro de um

fenômeno que Michel Espagne denominou de transferências culturais39. Para Espagne

37

Ver: DEL VALLE D’ÁVILA, Ignácio. Cámaras en Trance. El nuevo cine latino-americano, un proyeto cinematografico subcontinental. Santiago: Ed. Cuarto Propio, 2014. p.16. 38

Ver: SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, Vol I, N 3, 1997.; e GRUZINSKI, Serge. O historiador, o macaco e a centaura: a “história cultural” no novo milênio. Revista Estudos Avançados, 17/49, 2003. 39

No caso do cinema, as Connected Histories de Sanjay Subrahmanyan e de Serge Gruzinski operam dentro daquilo que Michel Espagne denominou de Transferências Culturais, sobre as quais entende: “Toda passagem de um objeto cultural para outro, resulta em uma transformação de seu significado, uma ressignificação dinâmica, que não podemos reconhecer plenamente sem ter em conta os vetores históricos

E

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

não seria produtivo pensar a noção de “influência”, e sim de “transferências”, pois esta

última nos conduz a pensar acerca das traduções, interpretações e ressignificações,

que uma cultura/grupo pode realizar de determinados modelos artísticos, políticos,

econômicos, etc. Assim, paraalém de pensar aqui uma comparação entre os dois

filmes, ou os dois cineastas, tentará se demonstrar os resultados dos contatos e das

transferências através da circulação de ideias políticas e estéticas cinematográficas. A

partir dessa chave teórica, pretende-se analisar como se deram as conexões e

apropriações do filme Il Vangelo Secondo Matteo (O Evangelho Segundo São Mateus,

1964), do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, no filme A Idade da Terra (1980), do

cineasta brasileiro Glauber Rocha, procurando apontar para a existência de afinidades,

diálogos e conexões entre a filmografia dos dois cineastas, contemporâneos entre si e

de linguagens e estéticas semelhantes e influentes cada qual no cinema do outro.

Duvaldo Bamonte, em sua tese de doutorado em Ciências da Comunicação,

“Afinidades eletivas: o diálogo de Glauber Rocha com Pier Paolo Pasolini (1970-1975)”,

recorda que o cineasta italiano Bernardo Bertolucci foi um dos primeiros a apontar as

semelhanças entre Manuel, personagem de Deus e o Diabo na Terra do Sol40 (dir.

Glauber Rocha, 1964), e Accatone, personagem de Desajuste Social41(Accatone, dir.

dessa passagem” (Traduzido pela autora). ESPAGNE, Michal. La notion de Transfert Culturel. Revue Sciences/Lettres.Nº1. 2013. pp.2 e 5. 40

O filme apresenta um retrato realista e dramático de uma família sertaneja cuja pobreza e degradação a conduzem à luta contra o latifúndio e a Igreja, simbolizando exemplarmente as rebeliões populares nos sertões brasileiros através do recurso das alegorias e alusões folclóricas regionais. Depois de matar um patrão inescrupuloso, Manoel foge com a mulher Rosa para as terras áridas do sertão. Convertidos em foras-da-lei, depois que a sociedade os julga indignos de tratamento justo e respeitabilidade, encontram primeiro Sebastião, um místico negro que prega a proximidade de um levante milenarista quando “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. No entanto, Sebastião acaba sendo morto por Rosa e seus seguidores são assassinados por Antonio das Mortes, uma figura misteriosa, contratada por latifundiários e membros da Igreja católica. Em seguida, Manoel e Rosa encontram Corisco, o “Diabo Louro”, um dos últimos cangaceiros ainda vivo. Após ingressarem no cangaço, sofrem a perseguição empreendida por Antonio das Mortes contra os cangaceiros. Ao final, Corisco acaba sendo assassinado por Antonio das Mortes, enquanto Manoel e Rosa são obrigados a fugir, ainda rebeldes, mas conscientes de que nem a marginalidade nem o misticismo podem resolver seus problemas. 41

Trata-se de um filme dramático italiano ambientado na cidade de Roma na década de 1960, cenário onde Accattone, o protagonista da trama, representa a figura de um cafetão da periferia pobre romana que, acossado pela fome e decidido a não procurar um emprego, abandona a sua esposa e seus filhos, passando a roubar e a ficar a maior parte do tempo ocioso em cafés com os seus amigos, enquanto vive do dinheiro ganho pela sua nova companheira, a prostituta Maddalena. Por sua vez, quando Maddalena é presa por perjúrio, Accatone encontra-se sem a sua fonte de rendimento e, sem ninguém para sustentá-lo. Neste cenário, chega a passar fome até que conhece a bela e inocente jovem Stella. De início, pretende iniciá-la na prostituição, mas acaba se apaixonando pela jovem e decide tentar arranjar uma forma – honesta ou não – de sustentá-la e recuperar sua sorte financeira, apesar de acabar

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Pier Paolo Pasolini, 1961)42. Da mesma forma, ainda segundo Duvaldo Bamonte, o

crítico cinematográfico italiano Lino Miccichè também apontou sutis semelhanças,

em certos posicionamentos comuns que teriam guiado a incursão política e cultural

dos cineastas, principalmente a partir do final da década de 196043.

Até mesmo o cineasta Glauber Rocha também sinalizou para os pontos de

aproximação em comum entre os seus filmes Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e A

Idade da Terra (1980) com o filme O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo

Secondo Matteo, 1964), de Pier Paolo Pasolini. Em seu livro O Século do Cinema (1981),

uma reflexão sobre as experiências cinematográficas de Hollywood, do Neorrealismo

Italiano, da Nouvelle Vague Francesa e de suas influências no Cinema Novo Brasileiro,

Glauber Rocha apresentou em quatro textos – “Pasolini”, “Um Intelectual Europeu”,

“O Cristo Édipo” e “Paso Sado Mazo Zalo” – vários comentários sobre o cinema

italiano e o cineasta Pier Paolo Pasolini, procurando marcar tanto as suas

aproximações e semelhanças quanto os seus distanciamentos e diferenças em relação

aos filmes e a estética desenvolvida pelo cineasta italiano, sua crítica à apropriação

fílmica do Terceiro Mundo feita por Pasolini – segundo Glauber, Pasolini procurava no

Terceiro Mundo um álibi para a sua perversão –, assim como pontuou a relevância de

fazendo a única coisa que sabe: pensar em si mesmo e prosseguir tendo uma vida miserável, sobrevivendo e não vivendo. 42

Homenageado do Seminário Internacional de Cinema – CineFuturo em julho de 2011, o cineasta italiano Bernardo Bertolucci gravou uma saudação à Bahia em que diz que seu relacionamento com o Brasil foi intensificado com a chegada de Glauber Rocha na Europa: “O primeiro filme brasileiro que lembro ter visto foi Barravento. Glauber me balançou com aquele filme e depois Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe, Etc., Etc.”. Bertolucci lembra ainda que ele e o cineasta baiano chamavam seus filmes de miúra, “uma raça de touros, os mais blindados das touradas, como diria Glauber, que nem um mosquito poderia entrar no cú deles. Nossos filmes eram tão fechados que nenhum espectador entrava para vê-los”. (Cf. MEIRELES, Adalberto. “Será que estamos cansados de Glauber?”. Blog .C de Cinema. http://pontocedecinema.blog.br/blog/sobre-o-blog/. Acessado em 22/05/2015, às 22:55). Francisco Luiz de Almeida Salles recorda o encontro entre Glauber Rocha e Bernardo Bertolluci: “Uma vez eu estava em Paris, era adido cultural da embaixada, Glauber estava comigo, e vieram me anunciar que o Bertolucci estava na portaria então o mandei entrar. Ele viu o Glauber e disse Barravento! E o Glauber respondeu Prima della Rivoluzione! (risos). Eram os dois grandes diretores jovens daquele momento”. Sobre a relação entre Glauber e Pasolini, apontada por Bernardo Bertulluci, ver também: Glauber aereo. In: GIUSTI, Marco (a cura di). Prima e dopo la rivoluzione. Brasile anni’ 60: dal cinema novo al cinema marginal. Turim: Lindau, 1995. p.95. 43

MICCICHÈ, Lino. Rocha: saggi e invettive sul nuovo cinema. Turim: ERI Edizioni RAI, 1986. p.10 ;e MICCICHÈ, Lino. Un cineasta tricontinentale. In: Glauber Rocha: scritti sull cinema. Veneza: XLIII Mostra Internazionale del Cinema, 1986. p.27, nota 65, no qual Lino Miccichè afirma: “[...]Vale a pena notar [...] como a atitude de Glauber Rocha tem notável ponto de contato com a de Pier Paolo Pasolini”. (traduzido pelos autores deste artigo). Apud. BAMONTE, Duvaldo. “Afinidades eletivas: o diálogo de Glauber Rocha com Pier Paolo Pasolini (1970-1975)”. São Paulo: Tese de Doutorado em Ciências da Comunicação (ECA-USP), Orientação: Prof. Dr. Ismail Norberto Xavier, 2002. p.09.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Pasolini na representação cinematográfica da Itália e na realização de um retrato

realista da decadência da sociedade italiana da época44. Em uma das passagens do

livro, Glauber Rocha recorda os seus primeiros encontros pessoais com Pier Paolo

Pasolini, assim como descreve a personalidade polêmica do cineasta italiano:

Gustavo Dahl, que conhecia profundamente o cinema mundial, me disse: “...Olha, só tem dois filmes bons na Itália, tirando os velhos comunistas do sistema, como Visconti ou De Sica, os místicos financiados pela Democracia Cristã, como Rosselini, Antonioni e Fellini... De coisa mais nova tem o filme de Francesco Rosi, Salvatore Giuliano [O bandido Giuliano, 1962] e Il Vangelo Secondo Matteo, de Pier Paolo Pasolini, que é uma porra louca genial, uma mistura de Jean-Luc Godard com Che Guevara...”. Salvatore Giuliano precedia a Deus e o Diabo..., eu conheci Pasoloni no festival de Karlov Vary, Tchecoslováquia, (ele apresentou Accattone [Desajuste Social, 1961] e eu Barravento (1961) e quando voltei de Gênova para Roma fui ver Il Vangelo....

Como tinha filmado Deus e o Diabo ...quase ao mesmo tempo, o filme de Pasolini me revelava comuns identidades tribais, bárbaras... Mas eu já pensava em Terra em Transe, no mar que sucede ao sertão, ondas além da Nouvelle Vague

45.

[...] ROMA 1965: os jovens cineastas italianos Gianni Amico e Bernardo

Bertolucci levaram Pierre Paolo Pasolini, romancista, filólogo, poeta, cientista e cineasta para uma sessão privada de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Esperei do lado de fora com meu amigo Arnaldo Carrillo. Quando terminou a projeção não pude falar muito tempo com Pasolini porque ele estava gripado. E o encontro esperado não veio porque ele partia no dia seguinte para o Marrocos, onde filmaria Édipo Rei [Edipo Re, 1967]. Ia tratar do lançamento de Il Vangelo secondo Matteo [O Evangelho segundo São Mateus, 1964], a vida de Cristo modernizada segundo preceitos do papa João XXIII a quem o filme é dedicado.

O reencontro se deu em Veneza, 1967, onde Pasolini apresentava a sua versão de Édipo Rei.

Pier Paolo, como os amigos o chamam na intimidade, tem por volta de 44 anos, é baixo, magro, usa óculos, cabelos pretos: é violento, tímido e irônico ao mesmo tempo. É personagem lendário na Itália. Começou sua vida intelectual como professor de línguas romanas numa escola de província. Foi envolvido num escândalo de corrupção sexual de menores. Expulso da escola e processado, Pasolini iniciou a vida de poeta e romancista, mas sua

44

No artigo “Um Intelectual Europeu”, Glauber exalta a obra cinematográfica de Pier Paolo Pasolini, indicando a importância de cada filme: “Accatone é o último grito do neo-realismo. Mamma Roma é uma ópera psicolinguística. Il Vangelo é integração do artista ao Vaticano Comunista. Uccellacci e uccellini é a primeira blasfêmia. Édipo Rei é o primeiro pecado capital. Teorema é o primeiro escândalo. Porcile é a primeira comunhão. Medea é a primeira missa. Il Decameròn é a Capela Sixtina. Il racconti di Canterbury, o dilúvio. Il fiore dele mille e una notte é ritual estetificado pela frustração sexual”. No entanto, no mesmo texto, não deixa de criticar o filme Il fiore dele mille e una notte [As Mil e Uma Noites, 1974], afirmando: “Neste filme, Pasolini revolucionário do cinema vira costureiro da montagem, maquiador de heróis decadentes, fotógrafo de turismo, um sonoplasta oco e poeta católico de tendência espanholizante. Pasolini não se liberta da frustração de virilidade perdida, a beleza não o erotiza, a violência é um maneirismo, universo escuro de idealista onipotente. Il fiore é exposição audiovisual de fantasmas cristãos que desfilam no Terceiro Mundo encantados com a flexibilidade sexual dos primitivos. Pasolini colonializa o sexo do pobre, o subproletariado é máquina indefesa diante da sua morbidez”. Cf. ROCHA, Glauber. “Um Intelectual Europeu”. In: O Século do Cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p.282. 45

ROCHA, Op.cit., p.256.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

evidência começa por volta de 1965, dez anos depois da guerra. Amigo de Alberto Moravia, grande incentivador de valores literários. Pasolini é consagrado como inovador da língua italiana no romance e, politicamente, é ligado ao Partido Comunista, que faz publicidade do jovem rebelde

46.

Glauber faria ainda outra referência a Pasolini em 1981, quando, realizando

quase uma homenagem póstuma tributária à memória do cineasta italiano,

assassinado em 2 de novembro de 1975, relata a importância do filme O Evangelho

Segundo São Mateus para a concepção do “Cristo Terceiro Mundista” do seu último

filme, A Idade da Terra:

No dia em que Pasolini o grande poeta italiano, foi assassinado, eu pensei em filmar a Vida de Cristo no Terceiro Mundo. Pasolini filmou a Vida de Cristo na mesma época em que João XXIII quebrava o imobilismo ideológico da Igreja Católica em relação aos problemas dos povos subdesenvolvidos do Terceiro Mundo, e também em relação à classe operária europeia. Foi o renascimento, a ressurreição de um Cristo que não era adorado na cruz, mas um Cristo que era venerado, vivido, revolucionado no êxtase da ressurreição. Sobre o cadáver de Pasolini eu pensava que o Cristo era um fenômeno novo, primitivo, numa civilização muito primitiva, muito nova

47.

Por sua vez, encontramos poucas referências feitas por Pasolini sobre o cinema

de Glauber Rocha. A primeira delas seria feita no seu famoso texto-manifesto Il

Cinema de Poesia (1965) no qual aponta o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de

Glauber Rocha, como exemplo da poética cinematográfica que estava sendo

desenvolvida em vários países na década de 196048. A segunda referência é realizada

46

ROCHA, Glauber. “Pasolini”. In: O Século do Cinema, pp.276-277. 47

Esta passagem por ser encontrada em Roteiros do Terceiro Mundo. Ver: ROCHA, Glauber. Roteiros do Terceiro Mundo. Organizado por Orlando Senna. Rio de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1985. p. 461. 48

A princípio, a obra de Pasolini é percebida como um “cinema de poesia” (cf. SAVERNINI, Erika. Índices de um cinema de poesia: Pier Paolo Pasolini, Luis Buñuel e Krzysztof Kieslowski. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.) que o próprio Pasolini identificou em alguns filmes da década de 1960. Ele defendeu esta hipótese no texto “Cinema de Poesia” (Ver: PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo Herege. Lisboa: Assírio & Alvim, 1982), onde propõe que certo tipo de abordagem cinematográfica pode ser compreendida a partir do mesmo ponto de vista linguístico utilizado na distinção entre a prosa e a poesia. De acordo com Pasolini, no cinema é mais difícil distinguir entre linguagem da prosa e linguagem da poesia porque não sabemos com clareza qual é a linguagem do cinema. Ele não explicita se existe uma relação correspondente entre palavra e imagem, mas afirma que a distinção que fez entre a prosa e a poesia no cinema era muito empírica; a linguagem da poesia é aquela onde se sente a câmera, assimcomo na poesia se pode sentir imediatamente os elementos gramaticais da função poética; na linguagem da prosa, não sentimos a câmera, a presença do autor e seu estilo não são aparentes. (Cf. SITI, Walter; ZABAGLI, Franco (eds.) Pier Paolo Pasolini per Il Cinema. Milão: Mondadori, 2001. Entrevista concedida ao Cahiers du Cinéma, nº 169, agosto de 1965. Vol. II, p.2891.) Para ele, o naturalismo da linguagem em prosa leva ao limite a própria vocação naturalística do cinema: com uma só imagem, o cinema pode mostrar um rosto em detalhe. Na superação do naturalismo, a linguagem da poesia, que não é natural, inundaria a imagem com metáforas: construção de um vocabulário de comunicação através de imagens; inventar as próprias imagens. Entretanto, conclui

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

no texto Il Cinema impopulare (1970), onde descreve o rompimento do modelo de

narrativa cinematográfica como uma forma de expressão de liberdade autoral,

considerando exemplar o caso do filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro

(1969):

Também Glauber Rocha sofreu a chantagem avanguardista-gauchista (quanto a mim, me reservo o direito de lançar esta pedra), e “Antonio das Mortes” (O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro) o testemunha: os destinatários de categoria A o levaram para trás de suas barricadas, desta vez seguidos também dos pávidos comunistas tradicionais que leram neste filme a esquemática reinvindicação revolucionária de que se acontentam

49.

Pier Paolo Pasolini e Glauber Rocha: os cinemas europeu e latino-americano em diálogo.

Ao refletir sobre as conexões Glauber-Pasolini, Maria Rita Nepomuceno

considera ser preciso levar em conta que:

Antes de tudo entre os dois autores existe um diálogo estético: se identificam na épica de Cristo, no arquétipo do deserto, dialogam os manifestos “Estética da Fome”, 1962 e “Estética do Sonho”, 1971, com “O Cinema de Poesia”, 1965. O “irracionalismo” das estéticas de vanguarda da teorização pasoliniana de um cinema de poesia (em que Glauber Rocha é usado como exemplo do aspecto internacional) é também a base a crítica à

Pasolini, “isto depende em primeiro lugar dos poderes e da qualidade da metáfora e das abstrações do cineasta. Mas não acredito que nenhum filme tenha nunca ultrapassado este limite – nem mesmo o mais poético dos filmes”. (Idem, p. 2893.) Apesar de referenciar o “cinema de poesia”, Pasolini não se incluiu como exemplo, advertindo que: “[...] provavelmente, meus filmes não pertencem a esta corrente. Ou então só em parte: isso valeria exclusivamente para meu último filme, O Evangelho Segundo São Mateus [Il Vangelo Secondo Matteo, 1964]”. (Idem, p. 2899.) Contudo, citava alguns filmes de Bernardo Bertolucci, Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard, Milos Forman e Glauber Rocha como exemplos. Referência que repete no texto “A Poesia do Novo Cinema”, resultado da mesa-redonda sobre o tema “Crítica e Novo Cinema”, realizada durante a Primeira Mostra Internacional do Novo Cinema (de 29 de maio a 6 de junho de 1965), em Pésaro (Itália), onde afirma: “Como exemplos concretos de tudo isso, levarei ao laboratório Antonioni, Bertolucci e Godard – mas também poderia acrescentar Glauber Rocha, do Brasil, ou alguém da Tchecoslováquia, e naturalmente muitos outros (muitos dos autores do Festival de Pésaro, presumivelmente)”. Cf. PASOLINI, Pier Paolo. “A Poesia do Novo Cinema”. Revista Civilização Brasileira, nº.07. Maio de 1966. p.280. 49

PASOLINI, Pier Paolo. “Il Cinema Impopulare”. In: SITI, Walter (Org.). Saggi sulla letteratura e sull’arte, vol.1. Milão: Mondadori, 2001.p.1607. Apud. NEPOMUCENO, Maria Rita. “A visita de Pasolini ao Brasil: um Terceiro Mundo melancólico”. Ciberlegenda (UFF. Online), v. 23, p. 38/4-48, 2010. p.44, nota 21.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

“estética da recusa” – que em torno ao escândalo linguístico e comportamental revelava o conformismo de esquerda, o “neo-zdanovismo”

50 das novas vanguardas

51.

Após o período de diálogo e apropriação do Neorrealismo Italiano52, Glauber

Rocha, em sua admiração pelo cinema de Pier Paolo Pasolini, dá continuidade a um

intenso diálogo com o Fórum Cinema Novista italiano, que já vinha se estabelecendo

desde os fóruns de debate do Cinema Novo Brasileiro na Itália, através da iniciativa do

Columbianum, um instituto cultural, criado pelo padre jesuíta Angelo Arpa em julho de

1958, que, segundo Miguel Pereira,

[...] teve uma importância fundamental não apenas na divulgação do cinema latino-americano na Europa, mas também como espaço privilegiado de avaliação crítica da produção e de discussão sobre propostas estéticas, além de grandes retrospectivas do cinema argentino, mexicano e brasileiro. Foi também pela primeira vez que o cinema cubano pós-revolucionário, enquanto uma cinematografia nova e engajada, foi mostrado na Itália

53.

50

“Neo-zdanovismo” em referência ao secretário de cultura do partido comunista soviético Andrej Zdanov. 51

NEPOMUCENO, Op.cit., p.44. 52

O Neorrealismo Italiano foi uma corrente cinematográfica que se tornou importante após a Segunda Guerra Mundial. Pretendiam os seus autores um regresso ao realismo, que marcou a segunda metade do século XIX, e o qual procurava descrever a realidade com objetividade, sem uso do embelezamento poético, ou recurso a explicações sobrenaturais e artificiais. Uma série de filmes se caracteriza por um conjunto de traços comuns: o uso de cenários naturais em vez de filmagens em estúdios, má iluminação, por vezes o uso de atores não profissionais, forte atenção aos problemas sociais, eprincipalmente temas próximos do povo anônimo, que surgia como personagem principal, e uma temática atual, que coincidia com uma filmagem quase em estilo de documentário. Pretendia-se, assim, fugir ao cinema Hollywood, com os seus temas de heróis, aventura e romance, que era seguido por parte do cinema italiano. Cf. FABRIS, Mariarosaria. O neo-realismo italiano: uma leitura. São Paulo: Edusp-Fapesp, 1996, pp. 33-51. Glauber Rocha, já em A Idade da Terra, encontrava-se em rompimento (ao menos em nível teórico) com o Neorrealismo italiano. Geraldo Sarno revela em seu livro uma conversa com Glauber Rocha, em finais da década de 1970: “‘Eu tenho uma concepção épica e trágica da vida’. E fala de cinema, e faz um ataque frontal ao neorrealismo”, conta Geraldo Sarno. Ver: SARNO, Geraldo. Glauber Rocha e o cinema Latino-americano. Rio de Janeiro: CIEC-UFRJ/Rio Filmes, 1995. p.11. Nesta época, Glauber queria romper as ligações com qualquer “Estética do colonizador”. Em Projeto de um filme a ser realizado em Cuba (Proyecto de una película a realizarse en Cuba – de 9 de março de 1972), Glauber Rocha, claramente identificando o Neorrealismo Italiano como uma linguagem do colonizador, explica à direção do Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos (ICAIC): “A influência do estilo de fotografia, montagem e direção de atores do cinema latino-americano revela constantemente submissão aos métodos da Nouvelle-vague, do Neo-realismo e menos do cinema americano, devido às impossibilidades econômicas de imitá-lo. Um cinema não pode ser descolonizador se utiliza da linguagem colonizadora: zooms, estilo de montagem fragmentado de efeitos visuais, câmera na mão, montagem a partir de textos escritos, uso literário e sonoro que se limita às velhas práticas de Resnais e Chris Marker (o documentário) e práticas de Truffaut, Godard (com as diferenças que cada estilo apresenta), vinculação humanista ao Neo-Realismo e a consideração que se tem por cineastas recolonizados pelos americanos como Gavras, Petri, Rosi”. Ref.: ROCHA, Glauber. Proyecto de una película a realizarse en Cuba. Apud. SARNO, Op.cit., p.14. 53

PEREIRA, Miguel. “O Columbianum e o cinema brasileiro”. Alceu, vo.8, nº15, pp.127-142, jul./dez. 2007. p.128.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

O Istituto Columbianum tornou-se um importante centro difusor da cultura

latino-americana na Europa, divulgando e discutindo, dentre outras manifestações

artístico-culturais, a literatura54 e o cinema produzidos na América Latina. Dentre as

várias atividades realizadas por este instituto cultural destacou-se a criação da

Rassena del Cinema Latino-Americano, um importante festival dedicado ao cinema da

América Latina, realizado nas cidades de Santa Margherita Ligure (I Rassegna: 7 a 15

de junho de 1960; II Rassegna: 19 a 27 de maio de 1961), Sestri Levanti (III Rassegna: 1

a 8 de junho de 1962; IV Rassegna:25 maio a 1º de junho de 1963) e Gênova (V

Rassegna: 21 a 30 de janeiro de 1965). Além das competições pelas premiações do

festival, julgadas por um júri composto de importantes nomes da cinematografia e da

intelectualidade europeia e latino-americana, era um evento que promovia simpósios,

mesas-redondas, exposições, cursos de cinema com análise e discussão de filmes na

moviola, realizando, assim, um profícuo debate sobre temas da cultura latino-

americana. Gianni Amico, organizador da Prima Rassegna del Cinema Latino-

Americano, ao ser entrevistado pelo jornal Il Lovoro Nuovo (4 de junho de 1960),

afirmou:

Duas razões principais motivaram a nossa escolha: o interesse pela cultura latino-americana, cujo estudo o Columbianum há muito se dedica e a vontade de propor, de um modo orgânico e documentado, um discurso sobre cinematografias ainda desconhecidas, em sua maior parte, na Europa. Estaremos, por isso, associando um trabalho de estudos a uma ação informativa

55.

Os cinco Festivais do Cinema Latino-Americano organizados pelo Instituto

Columbianum, indubitavelmente, representaram uma intrigante iniciativa intelectual,

responsável pela tentativa de criar e de desenvolver provavelmente o primeiro espaço

de interlocução de intelectuais e artistas engajados em promover uma resistência

cultural ao processo avassalador de globalização da cultura de massas que os Estados

Unidos da América estavam desenvolvendo desde a década de 1930 e que ganhou

54

Segundo Miguel Pereira: “Uma das iniciativas importantes foi a edição de alguns livros que traziam para a Itália um pouco da cultura latino-americana. Em colaboração com a Editora Silva do Milão, o Columbianum criou uma coleção de livros de iniciação à cultura ibero-americana do século XX, cujos títulos principais, segundo Amos Segala foram: – Ruggero Jacobbi: Lirici brasiliani dal modernismo ad oggi, 1960; – Leopoldo Zea: América Latina e cultura occidentale, com introdução de Manuel Tuñón de Lara, 1961; – Rómulo Gallegos: Canaima, com introdução de Juan Liscano, 1962; – Octavio Paz: Il labirinto dela solitudine, com introdução de Giuseppe Bellini, 1963; – Miguel León Portilla: La memoria dei vinti, 1964; e – Jorge Luis Borges: Antologia personal, 1965”. Cf. PEREIRA, Op.cit., p.131. 55

Apud. PEREIRA, Op.cit., p.133.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

força maior após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Destes cinco festivais,

certamente o de maior repercussão foi a V Rassegna del Cinema Latino-Americano

(1965), responsável pela criação do megaevento cultural denominado Congresso Terzo

Mondo e Comunità Mondiale, “um estimulante encontro de culturas” (segundo dizia a

impressa italiana da época) que reuniu renomados intelectuais da América Latina, da

Europa e da África na busca de efetivação de um projeto de estreitamento cultural

entre a Europa, especialmente a Itália, e o Terceiro Mundo. Inserido no cenário da

Guerra Fria, o Congresso Terzo Mondo e Comunità Mondiale representava a tentativa

italiana de recuperação da hegemonia cultural europeia sobre os países do Terceiro

Mundo (em especial a América Latina e a África) em detrimento do poderio cultural

exercido pelos Estados Unidos da América (EUA) ou pela União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS)56. Neste sentido, o Congresso propiciou uma maior

exposição do cinema latino-americano através de empreendimentos como a

realização da Mesa-Redonda e da Mostra Informativa sobre o Cinema Novo Brasileiro,

a formação de um grupo de trabalho reunido para a criação de uma revista chamada

“América Latina” e a apresentação e divulgação do texto-manifesto do movimento

cinema-novista “Cinema Novo e Cinema Mundial”, de Glauber Rocha, que viria depois

a ser publicado no Brasil, na Revista Civilização Brasileira, número 3, de julho de 1965,

sob o título A Estética da Fome.

Neste profícuo cenário artístico-cultural para a América Latina, Glauber Rocha,

que desde a década de 1960 vinha teorizando acerca do Cinema Novo Brasileiro e

Latino-Americano, árduo defensor de um cinema de autor, viu no Fórum Cinema

Novista italiano postulados e perspectivas promissoras para se fazer cinema na

América Latina. Nos moldes do “cinema de poesia”, seu referencial mais forte foi o

filme O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo).

56

Miguel Pereira aponta que na ata da fundação do Columbianum (1958) o padre jesuíta Angelo Arpa sublinhou as motivações de criação desta instituição cultural e fundamentou sua origem na necessidade de a Europa rever sua vocação como “força de ordem espiritual e moral”, ameaçada pelo “surgimento de dois grandes blocos, o Leste e o Oeste, que lutam para conquistar novas hegemonias mundiais. Aos povos da Europa se coloca, de imediato, um dilema simples e grave: unir-se ou desaparecer”. Cf. PEREIRA, Op.cit, p.130.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Pier Paolo Pasolini e “O Evangelho Segundo São Mateus”

Mais que um cineasta, Pier Paolo Pasolini foi um intelectual, um artista, que

teve considerável protagonismo e influência em todos os conturbados

acontecimentos históricos da Itália após a Segunda Guerra Mundial, tendo sido

responsável por quebrar preconceitos e tabus, escandalizar a sociedade italiana,

polemizar política e ideologicamente com os seus inimigos e até mesmo conseguir

unir elementos opostos como o Comunismo, a Igreja Católica e a Homossexualidade.

Graduado em Literatura pela Universidade de Bologna aos 20 anos, Pasolini trabalhou

como professor, romancista e poeta, publicando poesias e romances, que o levaram a

tornar-se um intelectual engajado. Quando resolveu se dedicar ao cinema, começou

atuando como colaborador em vários roteiros cinematográficos – dentre os quais,

Noites de Cabíria (Le notti di Cabiria, dir. Frederico Fellini, 1957) – antes de realizar a sua

estrondosa estreia como diretor em Desajuste Social (Accatone, 1961), filme que cria

uma mistura de esquerdismo marxista com cristianismo, aspectos que seriam

recuperados em sua versão cinematográfica de O Evangelho Segundo São Mateus.

Apesar de fundada no Neorrealismo Italiano, a produção cinematográfica de

Pasolini é singular pelo fato de que ele apropriava os princípios do realismo para

expressar em seus filmes a sua própria realidade, permeada de ideologia, mitologia,

metáforas e alegorias. Como em seus romances romanos, o realismo dos lugares, das

personagens e das situações vai além dos limites de questões estilísticas,

configurando-se em uma espécie de realismo transfigurado com elementos épicos e

religiosos. Dessa forma, Pasolini mostrou-se particularmente interessado no

enquadramento da cena mais do que na edição, por isso os seus filmes tendiam a

focar na intensidade de expressão da imagem, num gesto ou olhar isolados do

contexto, quase como se ele quisesse que esta fosse mais real do que a própria

realidade.

Pasolini nutria profunda rejeição pela sociedade burguesa, industrial e

massificada, pontuando, assim, a sua inquietude frente à uniformização da sociedade

italiana, que vinha perdendo sua cultura diversificada e ancestral. Segundo Alexandre

A. Fernandez, doutor em Cinema pela Universidade de Paris III, Pasolini, ateu e

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

marxista, profundamente incomodado com uma cultura de massa cada vez mais

crescente entre os anos 1950 e 1960 na Itália, traz uma contraposição com os

elementos “poéticos e míticos da cultura ancestral”:

É o caso de filmes como O Evangelho Segundo São Mateus (1964), Édipo Rei (1967) e Medéia (1969-1970), por exemplo, que apresentam mitos ligados ao sacrifício, ato indispensável à sacralização e ao renascimento. O sacrifício está intimamente relacionado com o cristianismo, que Pasolini absorveu da mãe, apesar de ter abraçado o marxismo ainda na juventude. Mesmo sendo ateu e anticlerical, o cineasta não ignorava que estava impregnado de dois mil anos de cristianismo

57.

Ainda para Fernandez, Pasolini recupera o mito, o irracional e o instintivo para

lançar como dados de uma experiência coletiva ameaçada, indispensáveis para que a

humanidade não perca suas referências58. Neste sentido, o cineasta reconhecia que a

sua cultura histórica estava impregnada de dois mil anos de cristianismo, e que este –

ontologicamente – demarcava a dinâmica sócio-histórica da Itália. Em uma entrevista,

Pasolini discute essa questão:

Nunca fui religioso, a menos que considere uma ridícula crise religiosa, aos 14 anos de idade, eu ainda era muito inocente. Daí, de um dia para o outro eu não acreditava mais. Nasci católico, por acaso, porque nasci na Itália, mas nunca fui particularmente católico e critiquei a Igreja como qualquer católico intelectual. Eu tive uma criação muito agnóstica. Isso me levou ao marxismo. Portanto, cheguei lá de modo mais óbvio e natural. A Igreja na Itália sempre foi um instrumento de poder. Mas não creio que um poder ideológico, em oposição ao poder prático que tenha influência sobre o camponês italiano. O italiano não é religioso. Não quero dizer pagão, o que seria uma generalização, mas ele é pré-católico, ele permaneceu no estado em que o catolicismo chegou, principalmente no sul. O catolicismo é uma crosta superficial sobre o povo italiano e acredito que basta um confronto forte para destruir estes ideais. Acho que o Evangelho é um dos livros de propaganda religiosa que foram escritos. Vai chegar o tempo em que o Evangelho vai ser linguisticamente incompreensível para a humanidade. O Evangelho cabe no seu tempo e no seu lugar histórico. A Igreja só sobreviverá se mudar continuamente em crise sua própria institucionalidade. Estou preparando agora um filme sobre São Paulo, no filme questionamos não a validade da Igreja, mas a sua existência moral. A Igreja, provavelmente, poderá continuar a séculos a vir ainda que criando assembleias clericais que continuamente se negam e se recriam. Minha crítica é contra a Igreja como poder, de como ela é hoje. Eu disse que quando era garoto, eu acreditava, eu rezava, mas não era nada sério. Acho que há algumas facetas no meu caráter que têm algo de uma qualidade mistificadora. Digo que isso faz parte do trauma que domina a minha existência. A natureza não me parece natural é um ato entre mim e a naturalidade da natureza. Filosoficamente, nada que eu já fiz foi mais adequado a mim que “O Evangelho Segundo São Mateus”, devido à minha

57

FERNANDEZ, Alexandre A. DVD “O Cristo austero de Pasolini”. Revista História Viva. Dez, 2003. 58

Idem.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

tendência de ver sempre algo mítico, sagrado e de uma qualidade épica, mesmo em objetos e eventos mais banais

59.

O filme O Evangelho Segundo São Mateus foi uma das primeiras produções

cinematográficas de Pier Paolo Pasolini a ser influenciada livremente pelas tradições

religiosas, marxistas e neorrealistas, apresentando-se como um filme épico bíblico

bem diferente dos filmes hollywoodianos e europeus realizados até aquele momento.

Em uma reportagem do cinejornal LUCE sobre a viagem de Pasolini a Israel para dar

início ao seu projeto cinematográfico, o cineasta afirmou: “Quero filmar a história mais

extraordinária já escrita. Não será um filme para as massas, no senso comum da palavra

porque a história não traz nada novo ao público, mas se me permite usar uma expressão

popular, é uma história que dá tudo, sem entregar nada”60.

No documentário cinematográfico Locações na Palestina para O Evangelho

Segundo São Mateus (Sopralluoghi in Palestina per Il Vangelo secondo Matteo, dir. Pier

Paolo Pasolini, 1965), sobre os preparativos para a realização do filme, o cineasta

realiza uma viagem para a Palestina, com o Padre Don Andrea Carraro, com o objetivo

de procurar cenários apropriados para as filmagens, na esperança de encontrar os

lugares que lembrem o mundo bíblico arcaico. No entanto, ao longo do percurso pelos

lugares da pregação de Cristo, reconhece neles os elementos típicos da campanha no

sul da Itália, assim como fica surpreendido pela modernidade de algumas áreas de

Israel, como Tel Aviv e a parte israelense de Jerusalém, em contraste com as aldeias

arcaicas miseráveis do mundo árabe. Ele constata ainda que o mundo judaico é muito

ocidentalizado e industrializado para servir como cenário das filmagens. Da mesma

forma, ao entrar em contato próximo com a população local, ele percebe que seria

impossível encontrar o elenco para atuar no filme, pois considera que os judeus

possuem rostos muito modernos, enquanto os árabes da região apresentam rostos

pré-cristãos. Próximo à cidade de Nazaré, Pasolini chega a entrevistar alguns

59

Entrevista do cineasta Pier Paolo Pasolini concedida para o documentário Pier Paolo Pasolini (dir. Carlo Hayman-Chaffey, Itália, 1971), vídeo extra presente na edição definitiva em dvd do filme O Evangelho Segundo São Mateus. Versátil Home Video, 2014. 60

Entrevista do cineasta Pier Paolo Pasolini concedida para um cinejornal da LUCE na época do início das filmagens de O Evangelho Segundo São Mateus, vídeo extra presente na edição definitiva em dvd do filme O Evangelho Segundo São Mateus. Versátil Home Video, 2014.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

moradores de uma Kibbutz, conhecendo a sua organização social e sistema de

educacional.

O cineasta Pier Paolo Pasolini e o ator Enrique Irazoqui durante as filmagens de O Evangelho Segundo São Mateus.

Antes de entrar em Jerusalém, o diretor afirma estar desapontado com a sua

investigação e levanta a possibilidade de ter de recriar em outros lugares o cenário do

seu filme, embora reconheça que a simplicidade e a pequenez dos lugares da

pregação de Cristo eram, para ele, uma lição de vida. O documentário termina com

uma visita a Jerusalém, cuja grandeza fascina Pasolini, e a Belém, com imagens da

gruta onde, segundo a tradição, Cristo nasceu.

Próximo ao final do documentário, o cineasta concede uma entrevista ao seu

amigo e companheiro de viagem, o Padre Don Andrea Carraro, onde sintetiza a

experiência de sua viagem à Israel e as mudanças de planos para as filmagens de O

Evangelho Segundo São Mateus:

PADRE DON ANDREA CARRARO: Dr. Pasolini, à sua frente está a divisa entre Israel e Jordânia. Aqui você pode ver a área crucial dos últimos dias da paixão e vida de Jesus. O monte das Oliveiras, o vale Kidron, com o Getsêmani, a antiga fundação do templo, Sião. Agora que você visitou toda a Palestina e Israel, talvez vá a Jordânia. Qual é a sua impressão desta terra, destes lugares, onde Jesus andou e falou?

PIER PAOLO PASOLINI: Se entendi corretamente esta cerca não apenas separa Israel da Jordânia, dividindo a nossa viagem em duas, mas ela também divide os estudos para nosso filme em dois. Vimos os lugares onde Jesus pregou e estamos prestes a ver os lugares de sua paixão. Já falamos muito sobre os lugares onde ele pregou. Não posso dizer que estou decepcionado, isto seria totalmente absurdo. Talvez de um ponto de vista prático, sim, esteja decepcionado. Não encontrei nada que possa usar no filme, nem na paisagem, nem nos personagens. A paisagem é composta por quatro colinas estéreis e os personagens são judeus com rostos muito modernos, que mostram toda a cultura moderna a partir do Romantismo. São pessoas marcadas por ela e perderam todos os aspectos “arcaicos” que eu gostaria em meu filme. O que mais me intriga é esta paisagem, que Cristo tenha escolhido um lugar tão árido, tão estéril, sem nenhum conforto. Quatro colinas estéreis, a base de um lago, calor escaldante e nada mais. Tudo isto pode ser reconstruído em outro lugar.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

PADRE DON ANDREA CARRARO: Doutor Pasolini, você fala de decepção prática. Podemos achar que, na época de Jesus, a Galiléia era diferente, que a Palestina, antes das invasões árabes era mais enfeitada, mais rica. Quais as suas impressões espirituais da locação?

PIER PAOLO PASOLINI: Veja, para nós, a palavra “espiritual” tem significados diferentes. Quando você diz “espiritual”, você quer dizer, acima de tudo, religioso, íntimo e religioso. Para mim, “espiritual” corresponde à estética. Ao chegar aqui, quando experimentei uma decepção prática não teve importância. Mas, uma profunda revelação estética corresponde a esta decepção prática. E esta revelação estética é muito mais importante porque se desdobra num campo que pensei que fosse totalmente meu. Minha ideia de que quanto menor e mais humilde as coisas forem, mais profundas e bonitas elas são, foi abalada porque é mais verdadeira do que eu imaginava que fosse. Então, a ideia destas quatro colinas estéreis, de Cristo pregando se tornou uma ideia estética, e assim espiritual. [...] Jerusalém é um lugar como nenhum outro em Israel. É um mundo dentro de um mundo. E se antes as inspirações estilísticas do meu filme eram de uma certa natureza sobre a qual venho falando de modo confuso até agora, ver Jerusalém me sugeriu outras possibilidades graças a estes aspectos diferentes. Jerusalém é grandiosa, sem dúvida. Há algo historicamente sublime em sua aparência. E é evidente que quando Jerusalém aparece no filme, ela não pode evitar incutir no filme uma identidade estilística diferente. Jerusalém aparece na história contada por Mateus no momento em que Cristo está pregando. Até então solenemente religioso não por vontade direta de Cristo, nem pela dos apóstolos, mas devido a eventos objetivamente históricos se torna um fato político e público, assim como religioso. Obviamente, isto não vai ser dito explicitamente no filme, seria absurdo. Mas será dito implicitamente. E isto acontecerá através de uma mudança estilística na história. Onde antes tudo era puro, simples, articulado com absolutismo extremo, a chegada em Jerusalém marcará uma virada no filme. Haverá uma sensação de grandeza no filme. Foi assim que Cristo provavelmente entrou em Jerusalém

61.

As filmagens de O Evangelho Segundo São Mateus, uma produção franco-

italiana62, acabaram sendo realizadas principalmente nas ruínas de Matera, ao sul da

Itália, em 1964. Pasolini buscou utilizar-se de cenários mínimos e de enquadramentos

simples para criar um retrato convincente Palestina63 da Era Bíblica. Herdeiro da

61

Entrevista do cineasta Pier Paolo Pasolini ao Padre Don Andrea Carraro concedida para o documentário Locações na Palestina para o Evangelho Segundo São Mateus (Sopralluoghi in Palestina per Il Vangelo secondo Matteo, dir. Pier Paolo Pasolini, Itália, 1965), vídeo extra presente na edição definitiva em dvd do filme O Evangelho Segundo São Mateus. Versátil Home Video, 2014. 62

Produção: Arco Film (Roma) / Lux Compagnie Cinématographique de France (Paris). Distribuição: Titanus Distribuzione S.p.A. (Itália). 63

Também denominada – especialmente por historiadores brasileiros – como Bacia do Mediterrâneo. No entanto, neste artigo prefere-se utilizar o termo ‘Palestina’ para designar esta região em que viveu Jesus, por concordarmos com as observações feitas pelo historiador Reza Aslan, que afirma: “Embora a Palestina fosse a designação romana não oficial para a terra que engloba o território moderno de Israel, Palestina, Jordânia, Síria e Líbano durante a vida de Jesus, não foi senão até os romanos sufocarem a revolta de Bar Kochba em meados do século II que a região foi oficialmente nomeada Síria Palestina. No entanto, a expressão ‘Palestina do século I’ tornou-se tão comum nas discussões acadêmicas sobre a era de Jesus que não vejo nenhuma razão para não usá-la neste livro”. Cf. ASLAN, Reza. Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. Notas. p.234.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

tradição do Neorrealismo Italiano, Pasolini escalou atores não-profissionais, figurantes

escolhidos entre a população local de camponeses e alguns amigos pessoais para

atuarem no filme. Para o papel de Jesus Cristo seria escolhido inicialmente um ator

alemão, mas o cineasta acabou selecionado Enrique Irazoqui, um estudante espanhol

de 19 anos, enquanto que para o papel de Maria na fase idosa, o cineasta escalou a sua

própria mãe, Susanna Pasolini.

Cartazes do filme O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo, 1964)

O filme é uma adaptação do texto bíblico de Mateus, considerado o mais

realista de todos os Evangelhos de Cristo64. Narrando desde o nascimento de Jesus de

64

A palavra “Evangelho” é de origem grega e significa a “Boa-nova” ou “Boa Notícia”. Os Evangelhos são escritos que contam a boa-nova da vinda entre os homens daquele que se fez “filho do homem”, a fim de que nos possamos tornar “filhos de Deus”. Estes livros foram escritos em grego, em décadas distintas, muito tempo depois da crucificação de Jesus Cristo. Mas antes de ser um livro, o Evangelho foi a palavra pregada: antes de ser lido, ele foi ouvido. Como o Senhor Jesus tinha falado, assim falaram os apóstolos depois de sua morte. Mas eles não se contentaram em transmitir sua doutrina: acrescentaram-lhe um testemunho sobre sua vida e suas ações, como descreve Lucas em Atos dos Apóstolos: “Em minha primeira narração, ó Teófilo, contei toda a sequência das ações e dos ensinamentos de Jesus, desde o princípio até o dia em que, depois de ter dado pelo Espírito Santo suas instruções aos apóstolos que escolhera, foi arrebatado (ao céu). E a eles se manifestou vivo depois de sua Paixão, com muitas provas, aparecendo-lhes durante quarenta diase falando das coisas do Reino de Deus”. (At-1:1-3.). Pericopes retiradas de: Bíblia Sagrada. Tradução dos originais grego, hebraico e aramaico mediante a versão dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica). São Paulo: Editora Ave-Maria, 2013. p.1413.O ensinamento dos apóstolos se inseria no quadro seguinte: 1.a pregação de João Batista; 2.a missão de Jesus na Galiléia; 3.a missão de Jesus na Judeia e em Jerusalém; 4.sua paixão, sua morte e sua ressurreição. É esse o quadro em que se amolda a narrativa dos três primeiros evangelistas. Segundo os historiadores André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo A. Funari: “O primeiro deles [os Evangelhos] e o mais curto, o de Marcos, escrito a partir de 70 d.C., é considerado o testemunho mais fidedigno. Marcos, Mateus e Lucas são chamados de sinóticos, que em grego significa ‘com a mesma visão’, pois seus relatos são paralelos e seguem fontes comuns. O Evangelho de João segue caminhos próprios e foi escrito mais tarde, entre 90 e 110. O Ato dos Apóstolos é um relato ‘histórico’ dos primeiros seguidores de Jesus e deve

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Nazaré até a sua morte e ressurreição, Pasolini constrói uma narrativa austera e

desmistificada da figura de Cristo, apresentando-o não como Deus, mas como

homem revolucionário, envolvido de corpo e alma nas questões de seu tempo e sua

sociedade65.

A narrativa cinematográfica pasoliniana da vida de Jesus Cristo em O

Evangelho Segundo São Mateus é distinta da clássica visão religiosa – e

cinematográfica – sobre o nazareno, que era produzida até então, pois o cineasta não

acreditava que Jesus era o filho de Deus. Além disso, o filme reinventa a figura mítica

do Cristo partindo da reprodução fiel de algumas passagens do texto bíblico: todos os

diálogos foram extraídos diretamente de O Evangelho Segundo Mateus66, pois o

cineasta considerava que Mateus era o mais mundano e revolucionário dos

ter sido escrito entre 64 e 85. As cartas ou epístolas constituem um gênero literário próprio, referente à correspondência entre os primeiros cristãos. As cartas de Paulo são os mais antigos documentos que sobreviveram. Elas foram escritas, provavelmente, entre os anos 40 e 60, sendo anteriores ao Evangelho de Marcos. A carta mais antiga é a Primeira aos Tessalonicenses, escrita entre 50 e 51, vinte anos após a morte de Jesus. Não há evidências de que Paulo tenha conhecido pessoalmente Jesus. Por isso, pouco nos fala sobre a vida do nazareno. Por fim, o livro do Apocalipse consiste em uma visão profética do futuro e tampouco se volta para o Jesus da Galileia. Portanto, as principais fontes sobre a vida de Jesus são os Evangelhos”. CHEVITARESE, André Leonardo & FUNARI, Pedro Paulo. Jesus Histórico. Uma Brevíssima Introdução. Rio de Janeiro: Kline, 2012.p.11. 65

Como o título sugere, todo o filme foi construído a partir dos relatos do Evangelho de Mateus (primeiro Evangelho do Novo Testamento, de acordo com a ordem do Cânone bíblico). Como é possível constatar a partir da leitura, e como afirmam teólogos e historiadores da religião, o Evangelho de Mateus, dentro os quatro evangelhos (sendo os outros três: os de Marcos, Lucas e João) é o que apresenta o Cristo mais “humano”, diferente, por exemplo, do Cristo miraculoso de Marcos e Lucas, e do Cristo ressurreto – Deus – de João. Dadas essas características, o Evangelho de Mateus apresentava o conteúdo narrativo mais adequado à proposta do filme de Pasolini. Ver: CHEVITARESE, André Leonardo. Cristianismos. Questões e debates metodológicos. Rio de Janeiro: Kliné, 2011; CHEVITARESE, André Leonardo e FUNARI, Pedro Paulo A. Jesus Histórico. Uma Brevíssima Introdução. Rio de Janeiro: Kliné, 2012. 66

Se os Evangelhos Sinóticos se assemelham a ponto de apresentarem às vezes uma reprodução textual de certas narrativas, nem por isso deixam de ter entre si grandes diferenças que destacam a originalidade de seus autores. Embora fosse judeu, Mateus, conhecido como Levi nos Evangelhos de Marcos e de Lucas, foi coletor de impostos do governo romano, uma atividade lucrativa, porém desprezível entre o povo hebreu. Mateus deixou seu emprego para seguir a Jesus (Mt. 9.9-13) e foi um dos que acompanharam Jesus todo o tempo, começando desde o batismo de João até o dia em da ressurreição de Cristo (At.1:21-22). O Evangelho Segundo Mateus foi escritona Palestina em aramaico (dialeto do hebraico), provavelmente, entre 60 a 65 d.C., embora alguns tenham sugerido uma data nos anos 50 d.C. Esse texto, não conservado, foi depressa traduzido para o grego, idioma que era comum ao mundo e por meio do qual o conhecimento de Cristo seria transmitido mais efetivamente a todas as nações da Terra. Mateus escreveu especialmente aos leitores hebreus. Seu principal objetivo era provar que Jesus é o Messias, o Salvador e o Rei eterno. Ela faz isso ao mostrar como Jesus cumpriu as profecias do Antigo Testamento. Seu Evangelho inclui 53 citações e 76 referências ao Antigo Testamento – mais do que qualquer outro escritor do Novo Testamento. Informações extraídas de: Bíblia Sagrada. Tradução dos originais grego, hebraico e aramaico mediante a versão dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica). São Paulo: Editora Ave-Maria, 2013. pp.43-44; e Bíblia de Estudo Matthew Henry (The Matthew Henry Bible). Rio de Janeiro: Ed. Central Gospel, 2014.p.1393.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

evangelistas, assim como era o mais próximo a entender os problemas da época de

Cristo. “Ninguém na Itália lê o Evangelho. O filme sugere que os italianos comecem a lê-

lo”, advertia Pasolini.

Vida e Paixão de Jesus Cristo: Cenas do filme O Evangelho Segundo São Mateus (1964)

O Cristo pasoliniano é um intelectual num mundo de pobres revolucionários

em potencial. Em vez do cordato pastor, Pasolini apresenta Jesus Cristo como

um homem pequeno, grave, que vive em movimento permanente, lançando imprecações aos fariseus. Severo e inflexível, diz que não veio trazer a paz, mas a espada. A força dramática do personagem e de seu

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

verbo é enfatizada pelos enquadramentos que destacam o rosto do ator, o desconhecido Enrique Irazoqui...

67.

Ao apresentar Jesus como um líder que reivindica e se enfurece, que não é

pacífico e amoroso, e cujo discurso não é indulgente ou clemente, a intenção de

Pasolini era mostrar Cristo como um homem de seu tempo68. Neste aspecto, o

cineasta italiano seleciona os elementos da narrativa bíblica que corroboram o seu

discurso político-ideológico no filme, excluindo as passagens de amor, compaixão e

auxílio ao próximo, apenas encenando as passagens de sermões e parábolas aos

fariseus. Da mesma forma, os discípulos de Jesus Cristo são retratados como um

grupo de jovens com consciência social, que trabalham por uma causa revolucionária.

A juventude e a inexperiência dos atores revela a natureza tênue dos primórdios do

movimento cristão, cheio de incertezas e ainda por ganhar forma. É como se Pasolini

quisesse apagar 2000 anos de dogma e tradição para examinar os Evangelhos de um

novo ângulo. Sobre isso, no documentário A Vida de Pasolini (dir.Ivo Barnabò Micheli,

1995), Pasolini afirmou:

Minha visão do mundo é sempre épico-religiosa no final. Logo, mesmo no caso dos personagens mais miseráveis, aqueles sem nenhuma consciência histórica e me refiro especificamente à consciência burguesa, estes elementos épico-religiosos têm um papel muito importante. A pobreza sempre foi intrinsecamente épica. E os elementos que existem na psicologia de um infeliz, um pobre, um subproletário, são, de certo modo, sempre puros, sem autoconsciência e logo, essenciais

69.

O filme é, em suma, um claro manifesto contra uma nação com uma profunda

clivagem sócio-econômica, é um discurso contra o poder político da elite italiana. Pier

Paolo Pasolini busca ainda inspiração em outras manifestações artístico-culturais para

conseguir apresentar uma aura de espiritualidade para essa histórica ser contada e

interpretada de forma a manter a simplicidade original da vida de Jesus Cristo. Para

alcançar esse efeito, o filme possui poucos diálogos entre os personagens, que são

retratados através dos recursos cinematográficos dos close-ups icônicos que lembram

67

FERNANDEZ, Op.cit., p.10. 68

Para compreender como essa visão de um Cristo Revolucionário se constrói nos estudos acerca do Jesus Histórico, ver: CROSSAN, J. D. Jesus. Uma Biografia Revolucionária. Rio de Janeiro: Imago, 1995; e MEIER, J. P. Um Judeu Marginal. Repensando o Jesus Histórico. Rio de Janeiro: Imago, 1992. 69

Declaração do cineasta Pier Paolo Pasolini apresentada no documentário A Vida de Pasolini (dir. Ivo Barnabò, 1995), vídeo extra presente na edição definitiva em dvd do filme O Evangelho Segundo São Mateus. Versátil Home Video, 2014.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

as pinturas religiosas medievais. A trilha sonora é composta por missas dos

compositores de música clássica Johann Sebastian Bach e Wolfgang Amadeus

Mozart, mescladas com blues. Além disso, a trilha sonora do filme tornou-se um

inteligente artifício cinematográfico para auxiliar a interpretação e a mise-en-scène

realizadas por um elenco inexperiente, que, por vezes, parece ter dificuldades para

expressar suas emoções na tela de cinema. Por tudo isso, Pasolini conseguiu realizar

um filme marcante e inovador a partir do Evangelho Segundo Mateus, e ao mesmo

tempo fazer – sem assaltar visceral e intelectualmente o espectador – uma crítica

marxista à cristandade.

Glauber Rocha e “A Idade da Terra”

O cineasta Glauber Rocha, baiano de Vitória da Conquista, passou a

adolescência em Salvador, onde começou a fazer cinema aos 13 anos, como crítico de

um programa da Rádio Sociedade da Bahia, Cinema em Close-up. Três anos depois,

fundou a sociedade Cooperativa de Cultura Cinematográfica Yemanjá, e tentou, no

ano seguinte, produzir o curta-metragem Senhor dos Navegantes. Depois de uma

viagem ao Rio de Janeiro, onde conheceu o cineasta Nelson Pereira dos Santos, que

então realizava Rio, Zona Norte (1957), retornou a Salvador, em 1958, para dedicar-se

a uma intensa atividade jornalística e dirigir o seu primeiro curta-metragem O Pátio

(1959). Pouco depois iniciou Cruz na Praça, seu segundo curta-metragem, não

finalizado. Em seguida atuou como produtor executivo de A Grande Feira (1960), de

Roberto Pires, e realizou as filmagens de Barravento, projeto escrito e iniciado por Luís

Paulino dos Santos, que se afastou da realização depois de alguns dias de filmagem.

Mudou-se para o Rio de Janeiro, tornou-se jornalista e escreveu o livro Revisão Crítica

do Cinema Brasileiro (1963), na mesma época em que assinou o roteiro e dirigiu Deus e

o Diabo na Terra do Sol (1964), um dos filmes mais representativos do Cinema Novo

Brasileiro. Realizou os curtas-metragens documentários Amazonas, Amazonas (1966)

e Maranhão 66 (1966). Repetiu o feito de produzir outra obra-prima do Cinema Novo

brasileiro com Terra em Transe (1967) – um marco poético e estético para todo o

Cinema Novo Latino-americano – e, perfeitamente integrado ao Rio de Janeiro,

dividiu com Vinícius de Moraes, Leon Hirszhman e Eduardo Coutinho o roteiro de

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Garota de Ipanema (1967). Ainda no Rio de Janeiro, Glauber Rocha filmou as

manifestações populares contra a ditadura militar em 1968. Em 1969, fez o roteiro, o

argumento, a cenografia e dirigiu O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e, no

ano seguinte, saiu do Brasil. Viveu um ano em Cuba, onde realizou o filme Historia do

Brazyl (1972-1974), transferindo-se depois para a Itália, onde realizou diversos

trabalhos, incluindo longas-metragens em Super-8 como Mossa (1971), Super Paloma

(1972) e A Viagem (1974), com Juliet Berto. Em Brazzaville, África, filmou Der Leone

Has Sept Cabeças/O Leão de Sete Cabeças (1970); em 1970 fez Cabeças Cortadas, na

Espanha; em 1975 estava na Itália para dirigir Claro, levando pelo mundo suas ideias e

câmera. Ao regressar ao Brasil produziu dois curtas-metragens documentários Di

Cavalcanti (1977) e Jorjamado no Cinema (1977). Glauber produziu ainda entre 1979 e

1980 um quadro semanal para o programa de televisão Abertura, e muitos textos:

Poemas (em 1989 a editora Alhambra publicou alguns Poemas eskolhydos de Glauber

Rocha), uma peça de teatro sobre João Goulart, uma série de romances, dos quais

apenas um chegou a ser publicado, Riverão Sussuarana (1978), e principalmente uma

grande quantidade de críticas e ensaios teóricos sobre cinema, dentre os quais

“Estética da Fome” (1965) e “Estética do Sonho” (1971), os seus textos-manifestos

mais famosos e representativos, que foram publicados na coletânea Revolução do

Cinema Novo (1981). Após ter uma série de roteiros e projetos cinematográficos não

realizados, tais como Ciro, Lua do Oriente; Alexandre, o Sol do Ocidente; O Destino da

Humanidade; e O Testamento da Rainha Louca, Glauber Rocha recuperou a ideia de

seu roteiro América Nuestra para realizar o seu testamento cinematográfico em A

Idade da Terra (1980)70.

O projeto cinematográfico de A Idade da Terra tem suas origens em 1965 com

o roteiro – nunca filmado – de America Nuestra71. Glauber Rocha começa o projeto

70

As informações biográficas foram extraídas do catálogo: Glauber Rocha: Um Leão ao Meio-Dia. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1994. p.15. 71

Glauber Rocha começou a redigir o roteiro de América Nuestra logo depois de terminar as filmagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964). Na versão original o título constante do roteiro era “América Nuestra (A terra em transe)” e, em sua concepção primária, toda a história girava em torno de uma “história da América Latina”. O primeiro personagem, ao invés de Paulo Martins, chamava-se Juan Morales. A primeira versão fora escrita entre janeiro de 1965 e abril de 1966, durante as suas estadias em Roma e no Rio de Janeiro. E foi em Roma, que, partindo de América Nuestra, Glauber Rocha acabou desenvolvendo a ideia do filme Terra em Transe (o roteiro de Terra em Transe aparece, precisamente, depois da polêmica com seu livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, tendo 700 páginas, que mais

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

logo depois de escrever o manifesto Eztétyka da Fome, e deste roteiro – que pretendia

fazer um filme épico e didático, que contasse os grandes dilemas políticos, sociais e

culturais enfrentados pelos países latino-americanos – saíram quase todos os filmes

subsequentes, a começar por Terra em Transe, de 1967. Em uma carta a Alfredo

Guevara, datada de 1967, Glauber falou sobre o desejo de realizar America Nuestra:

Para os cineastas é necessário fazer filmes na América Latina. Por isto, sobretudo por causa do meu próximo filme, America Nuestra, precisarei de tráfego “livre” para filmar no Peru, Chile, Argentina e Uruguay. Agora já tenho a ideia do filme mais desenvolvida e devo fazê-lo em co-produção com Achugar. É um filme muito ambicioso, onde quero mostrar o processo de destruição e libertação da América Latina, desde a destruição dos Incas pelos conquistadores, a influência da igreja, a criação dos latifúndios e da opressão, a chantagem da política civil e por fim as guerrilhas como caminho de liberação. Deve ser um filme épico e violento

72.

No entanto, ao contrário da ideia inicial, a versão final de A Idade da Terra

tornou-se um filme que não possui um enredo narrativo clássico, inclusive pelo fato de

ter sido idealizado para ter os seus rolos exibidos sem uma sequência pré-ordenada.

Contendo 160 minutos de duração, o filme reúne 16 sequências autônomas, sem a

existência de qualquer vinculo narrativo entre elas. O filme é, na realidade, uma

constante desconstrução no plano estético, poético, linguístico e, sobretudo,

convergiam para uma teoria histórica, política e cinematográfica do que para a estória propriamente.). O ponto de partida dessa trajetória era a matriz reflexiva e histórica de Deus e o Diabo na terra do Sol, pois, segundo Glauber Rocha: “Senti a necessidade de prosseguir a estória de Manuel e Rosa correndo para um mar libertador. Esse mar banhava uma nova terra, esta terra estava em crise, dividida, estraçalhada – era uma terra possuída pelas paixões políticas e atormentada pelos problemas sociais”, de luz tropical e “mau gosto operístico nas mansões milionárias”; um “país ou ilha interior” onde os partidos “ofereciam ideologias fechadas, os capitalistas estavam às portas da falência, os escritores mudos, o povo esquecido de sua própria condição”. O filme que Glauber começa a filmar ainda em 1966, Terra em Transe, é na realidade uma fusão dos dois roteiros: A ideia do primeiro – situar a ação num país imaginário, Eldorado, “uma tentativa de sintetizar o chamado terceiro mundo subdesenvolvido e discutir alguns de seus problemas mais importantes” (Em entrevista à Revista Artes, de 1967, Glauber Rocha afirma: “Situei o filme no país interior de Eldorado porque me interessava o problema geral do transe latino-americano e não do brasileiro, em particular”.) – se funde a proposta do segundo – que deveria, sobretudo, se passar no Brasil, entre o mar do Rio e o sertão do Nordeste. Cf. informações extraídas de: AVELLAR, José Carlos. A Ponte Clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Getino, García Espinosa, Sanjinés, Alea – Teorias de cinema na América Latina. (Rio de Janeiro / São Paulo: Ed.34 / Edusp, 1995. p.9.); SANCHES, Pedro Alexandre. Terra em Transe e Panis et Circensis. In: Tropicalismo: decadência bonita do samba. (São Paulo: Boitempo, 2000.); e PEREIRA, Wagner Pinheiro & BRANDÃO, Quezia. As memórias do transe latino-americano: os bastidores político-culturais dos filmes Terra em Transe (1967) e Memórias del Subdesarrollo (1968). In: ALVES, Gracilda et alli (Org.). A História que ensinamos e o Ensino da História. Rio de Janeiro: Ed. Autografia, 2015. pp.138-139. 72

ROCHA, Glauber. Cartas ao Mundo (Organização: Ivana Bentes). São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 292.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

histórico73. O sentido da obra se dá a partir de associação das cores, dos sons e dos

cenários arquetípicos. O cineasta afirmou em 1980, numa entrevista ao jornal O

Estado de S. Paulo, que:

A Idade da Terra é a desintegração da sequência narrativa sem a perda do discurso infra-estrutural que vai materializar os signos mais representativos do Terceiro Mundo, ou seja: o imperialismo, as forças negras, os índios massacrados, o catolicismo popular, o militarismo revolucionário, o terrorismo urbano, a prostituição da alta burguesia, a rebelião das mulheres, as prostitutas que se transformam em santas, as santas em revolucionárias

74.

Em A Idade da Terra, Glauber Rocha procurou realizar uma adaptação livre de

passagens do Novo Testamento, em especial do Evangelho Segundo João e do

Apocalipse, leituras que o cineasta indicou aos seus atores para poderem personificar,

de maneira bem improvisada, as figuras de quatro Cristos no Terceiro Mundo.

Neste sentido, podemos perceber como a religião marcou profundamente a formação

de Glauber Rocha, conforme nos relata a biografia sobre o cineasta produzida por

João Carlos Teixeira Gomes:

Glauber foi criado com rigor dentro dos princípios presbiterianos, tendo frequentado regularmente com Dona Lúcia e os irmãos a igreja Batista Sião, no Campo Grande, em Salvador, onde, cantando no coro, se fez intérprete de hinos religiosos. [...] Dos 12 aos 14 anos de idade, Glauber aprofundou conhecimentos sobre assuntos bíblicos, integrando a Sociedade Evangélica dos Moços do Brasil, onde exercia um papel de liderança, que sempre lhe foi inerente, e já demonstrava vocação política. [...] Em síntese, duas inclinações se conciliaram prematuramente na personalidade de Glauber, com projeções decisivas sobre o seu futuro: a religiosa (ou, mais propriamente, a bíblica, como adiante veremos) e a política, ambas visceralmente presentes em sua obra de cineasta. Na Bíblia, um dos capítulos que mais o comoviam era a narrativa da paixão de Cristo. E, quando menino, costumava escrever breves textos de conteúdo político, refletindo sobre as distinções entre pobreza e riqueza

75.

73

No Dicionário de Cinema Brasileiro, de Mauro Baladi, encontramos a seguinte tentativa de redigir uma sinopse do “enredo” do filme: “Drama operístico mítico-carnavelesco-político. No Rio de Janeiro, em Brasília e na Bahia, quatro derivações de Cristo (um negro em luta pela liberdade, um índio acaboclado, um guerrilheiro revolucionário e um político populista), cavaleiros do apocalipse da hecatombe tropical, lutam contra o poderoso Brahms, uma encarnação do estrangeiro explorador de nossas riquezas e misérias. Em seu último filme, Glauber Rocha une os principais temas de sua obra”. Cf. BALADI, Mauro. Dicionário de Cinema Brasileiro. Filmes de longa-metragem produzidos entre 1909 e 2012. São Paulo: Martins Fontes, 2013.p.816. 74

ROCHA, Glauber. Entrevista a Reali Júnior, O Estado de S. Paulo (1980). In: ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2004.pp. 497-498. 75

GOMES, João Carlos Teixeira. Glauber Rocha, esse vulcão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. pp.10 e 12.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Em entrevista concedida à Tribuna da Imprensa (16 de junho de 1978) e

posteriormente à revista Manchete, Glauber Rocha falou sobre a sua formação

religiosa e a importância da religião em sua produção artística:

Estudei para ser pastor protestante até os 13 anos de idade. Sei a Bíblia de cor. Li os Cânticos de Salomão e os Salmos de Davi, e trago a angústia da alma do judeu. Minha verdadeira origem é judaica. Sou cristão-novo

76.

Eu nasci lendo a Bíblia. Porque sou protestante, sou judeu, descendente

direto de Davi. Judeu, cristão-novo, protestante. Nasci em Vitória da Conquista, na Bahia. Aliás, o meu livro Riverão Sussuarana trata disso. Nele eu mostro as minhas origens. É por isso que sou um sujeito diferente dentro da sociedade brasileira. Não fui criado pelos padres nem pelos catecismos. Fui criado pela Bíblia. Sobretudo pelo Velho Testamento, que considero mais forte que o Novo

77.

Em determinada sequência do filme A Idade da Terra, mais especificamente na

cena do Cristo negro de Antônio Pitanga, que grita a plenos pulmões em direção à

Brasília – “Está é a Terra do futuro!”– ao lado de uma mulher negra que o ajuda a

segurar um quadro do Cristo Nazareno78 – detalhe emocional, desafiador, profético

dentro do discurso engendrado pela cena –, Glauber Rocha, em voz-over, explicita a

proposta do filme:

No dia em que Pasolini, o grande poeta italiano, foi assassinado, eu pensei em filmar a Vida de Cristo no Terceiro Mundo. Pasolini filmou a Vida de Cristo na mesma época em que João XXIII quebrava o imobilismo ideológico da Igreja Católica em relação aos problemas dos povos subdesenvolvidos do Terceiro Mundo, e também em relação à classe operária europeia. Foi o renascimento, a ressurreição de um Cristo que não era adorado na cruz, mas um Cristo que era venerado, vivido, revolucionado no êxtase da ressurreição. Sobre o cadáver de Pasolini eu pensava que o Cristo era um fenômeno novo, primitivo, numa civilização muito primitiva, muito nova. [...] São quinhentos anos de civilização branca, portuguesa, europeia misturada com índios e negros. [...] Aqui, por exemplo, em Brasília, este palco fantástico no coração do planalto brasileiro, fonte, irradiação, luz do Terceiro Mundo, uma metáfora que não se realiza na História, mas preenche um sentimento de grandeza: A visão do paraíso

79.

76

TRIBUNA DA IMPRESSA, 16.06.1978. (Lurdes Gonçalves). Apud. REZENDE, Sidney (Org.). Ideário de Glauber Rocha. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986.p.112; Excerto também citado em: GOMES, Op.cit., p.12. 77

MANCHETE, julho de 1978 (Sheila Dunaevits). Apud. REZENDE, Sidney (Org.). Ideário de Glauber Rocha. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986. p.112; Excerto também citado em: GOMES, Op.cit., p.13. 78

“Cristo Nazareno” é a designação dada por Glauber Rocha no Roteiro de A Idade da Terra. ROCHA, Glauber. Roteiros do Terceiro Mundo. Organizado por Orlando Senna. Rio de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1985. p.460. 79

Esta passagem por ser também encontrada em Roteiros do Terceiro Mundo. Ver: ROCHA, Glauber. Roteiros do Terceiro Mundo. Organizado por Orlando Senna. Rio de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1985. p.461.Glauber Rocha afirmou que a escolha por Brasília era justificada pela seguinte razão: Brasília é a representação do El Dorado (País fictício onde é ambientado o filme Terra em Transe), e o El

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Glauber Rocha parte de Pasolini. A Idade da Terra é uma resposta – não direta – ao

filme O Evangelho Segundo São Mateus (1964). Não apenas interessado pela

abordagem social e política que tem o Cristo do filme de Pasolini, mas instigado por

usar a figura de Cristo como revolucionário, como alegoria80 escatológica da Guerra

de Liberação latino-americana, desejando filmar sua trajetória no Terceiro Mundo.

Toda a carga ideológica que pesa sobre a imagem crística do filme de Pasolini inspira

Glauber Rocha a realizar um filme que recuperasse essa narrativa mítica, irracional,

religiosa. A diferença de Glauber para Pasolini é que o Cristo de O Evangelho Segundo

São Mateus veio para reafirmar e recuperar referências culturais, associando valores

milenares com um humanismo revolucionário; em Glauber, Cristo (ou melhor, “os

Cristos”), é uma subversão da história. Os Cristos de Glauber não reafirmam,

desconstroem. Assim como Cristo é o “marco zero” do Mundo Ocidental, Glauber

Rocha utiliza-se dessa narrativa/imagem como uma alegoria para dar aos povos do

Terceiro Mundo, à América Latina, um marco zero, concretizando, assim, um discurso

revolucionário e de descolonização cultural. Afinal, segundo Glauber Rocha:

Toda a representação de Cristo foi feita pela estética medieval renascentista europeia. Meu Cristo é materializado dentro do complexo barroco brasileiro, da fusão das mitologias católicas, negras e Índias

81.

O interesse de Glauber Rocha pelo filme de Pasolini fica exposto em um de

seus textos sobre cinema. Glauber está transpondo a alegoria crística de Pasolini pelo

discurso deste acerca do Terceiro Mundo. A ideologia predominante na construção de

Dorado é a América Latina, é seu estigma histórico. Ainda segundo Glauber Rocha Brasília era o signo de “uma revolução cultural do Brasil, com a sua construção, o Brasil pode se livrar do seu complexo diante do colonialismo. O despertar político e a consciência do subdesenvolvimento datam da construção de Brasília. Isto é bastante contraditório porque Brasília era uma espécie de Eldorado, a possibilidade que os brasileiros tinham de criar eles mesmos alguma coisa”. Cf. ROCHA, Glauber. Reflexões sobre o novo tempo no cinema. Revista Civilização Brasileira, nº3, Rio de Janeiro, set.1978. Apud. VENTURA, Tereza. A Poética Polytica de Glauber Rocha. Rio de Janeiro: Funarte, 2000.pp.382-383. 80

Aqui entendemos por alegoria as definições dadas por Ismail Xavier em suas obras sobre arte, modernidade e cinema (sobretudo o cinema de Brasileiro). Xavier comenta: “A noção de alegoria aparece muito no discurso sobre arte contemporânea e há toda uma discussão em torno de alguns momentos da produção cultural, no Brasil, onde se utiliza essa noção para caracterizar determinadas estratégias dos artistas – formas de construção e de montagem – e determinadas relações entre obra e contexto social”. XAVIER, Ismail. Alegoria, Modernidade, Nacionalismo. Revista Novos Rumos. Instituto Astrojildo Pereira. São Paulo: Ed. Novos Rumos. Ano 5 – nº16 – 1900. p.51; XAVIER, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012. 81

ROCHA, Glauber. Manchete. Rio de Janeiro, maio de 1978. Apud. VENTURA, Op.cit., p.385.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

O Evangelho Segundo São Mateus é o que motiva Glauber a apropriar elementos em A

Idade da Terra.

Na passagem do texto a seguir é possível ver a aproximação de Glauber com o

ideário de Pasolini, e a disposição de elementos narrativos crísticos de O Evangelho

Segundo São Mateus que estão presentes em A Idade da Terra:

Pier Paolo Pasolini em 1964, filmou Il Vangelo Secondo Matteo. Versão moderna da vida de Cristo, análise histórica de fenômeno judaico e tentativa de nova moral revolucionária, o filme de Pasolini foi atacado por setores da crítica francesa. Pasolini respondeu e deu a chave do problema: “A sordidez da crítica francesa recusa admitir a existência de um subproletariado em evolução nos países subdesenvolvidos, recusa compreender os valores destas novas forças. A cultura francesa caiu num racionalismo que Sartre já denunciou como aristocrático e decadente...”.

Passolini deixou claro que a crise da consciência do cinema moderno é o reflexo da crise da Europa Ocidental capitalista.

Seu Cristo – que prega a intolerância antes da piedade, que prega a violência antes da complacência, que se revolta contra o Pai quando, na Cruz, se vê desamparado – é o porta-voz da nova moral: a moral do homem subdesenvolvido consciente.

O Cristo de Pasolini é um estigma contra a alienação: alienação é a piedade, a complacência, a hipocrisia, o tabu sexual, o servilismo, todos comportamentos que caracterizam o homem subdesenvolvido, ou melhor, o homem colonizado.

O Cristo de Pasolini é um revolucionário que sucede ao Cristo anárquico de Buñuel

82.

Em outro capítulo do livro O Século do Cinema, Glauber Rocha continua

expondo a importância do filme O Evangelho Segundo São Mateus no cenário

cinematográfico mundial da época:

A primeira novidade desta vida de Cristo era o contexto: a Judéia era um país miserável, colônia romana. Nada do luxo visto nos filmes de Cecil B. De Mille. Cristo era o homem do povo, vestido pobremente. Os governantes hebreus a serviço do imperialismo romano. Cristo surgia subversivo, capaz de atirar o povo contra os vendilhões da pátria.

Há uma trama que mistura moralismo com medo político – Cristo é traído por um dos seus, crucificado e na hora da morte grita desesperado:

– Pai, por que me desamparastes? O Cristo de Pasolini é forte, viril, sem complacência para com os

opressores e canalhas. Cristo é violentíssimo. Na pregação usa tom incisivo de agitador social. O texto de São Mateus, usado na íntegra, ganha nova dimensão: este Cristo desmitificado e revolucionário parece ter saído das encíclicas de João XXIII. A nova Igreja o premia. A esquerda ortodoxa acusa Pasolini de fazer aliança socialista-cristã. Pasolini não reza pela cartilha do Kremlin, embora se professe marxista convicto e intransigente

83.

82

ROCHA, Glauber. O século do cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p.188. 83

ROCHA, 2006, p.278.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Cartaz do filme A Idade da Terra (1980) e o cineasta Glauber Rocha preparando a encenação do ator Geraldo Del Rey (o “Cristo-Guerrilheiro”) durante as filmagens de “A Idade da Terra”.

É dessa “nova moral revolucionária” e desse direcionamento de Pasolini para o

Terceiro Mundo, que Glauber vai se inspirar para produzir A Idade da Terra:

No meu último filme, A Idade da Terra (1978-1980), falo de Pasolini, digo que desejava fazer um filme sobre o Cristo do Terceiro Mundo no momento da morte de Pasolini. Pensei nisso porque queria fazer a verdadeira versão dum Cristo Terceiro-Mundista que não teria nada a ver com o Cristo pasoliniano. Pasolini procurava no Terceiro Mundo um álibi para a sua perversão. Para mim, o conceito de subversão é muito diferente do conceito de perversão, porque a perversão culturalmente constituída pelos intelectuais sadianos não é a minha. Para mim a subversão é inverter verdadeiramente essa perversão por um fluxo amoroso que não exclui a homossexualidade

84.

Em entrevista para o jornalista Luís Fernando Silva Pinto, da TV Globo, no

Festival de Veneza de 1980, Glauber Rocha faz a seguinte afirmação sobre A Idade da

Terra:

[...] Disseram que o filme era louco, incompreensível que eu tinha deixado de ser marxista para virar cristão. E que a minha visão do mundo já não estava mais comprometida: disseram que eu tinha traído os princípios revolucionários. Quer dizer, me atacaram ideologicamente querendo me imputar responsabilidades políticas, e foram incapazes de entender o sentido e a novidade formal do filme porque são ignorantes.

[...] Essa concepção de Cristo do Terceiro Mundo já foi uma coisa que a impressa criou aqui. A jogada é a seguinte: Eu mostro no filme que o mito cristão, que é o mito solar, vem da Ásia, vem da África, vem do Oriente Médio e que a Europa sequestrou a verdadeira identidade de Cristo, entende, importando um Deus. Então, eu disse que como o filme mostra um Cristo-Negro, interpretado por Antônio Pitanga; um Cristo-Pescador e místico, interpretado pelo Jece Valadão; mostra o Cristo que é o Conquistador português, o São Sebastião, o Dom Sebastião, interpretado por Tarcísio Meira e mostra o Cristo Guerreiro-Ogum de Lampião, interpretado pelo Geraldo Del Rey. Quer dizer, os quatro Cavaleiros do

84

Idem, pp.285-286.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Apocalipse que ressuscitam o Cristo no Terceiro Mundo, recontando o mito através dos quatro evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João

85 e os quatro

cavaleiros do Apocalipse cuja identidade eu revelo no filme quase como se fosse um Terceiro Testamento. E o filme assume um tom profético, realmente bíblico e religioso. Não é um filme comercial, não é um filme político, não é um filme de western, não é uma pornochanchada, é apenas um filme religioso. Sendo um filme religioso é uma novidade. Então, eu rezei, cheguei na catedral e rezei uma missa bárbara, uma missa bárbara, bárbara, uma missa bárbara, e o pessoal se assustou, porque se eles entrassem no barato, eles tinham de ajoelhar e rezar nessa missa. Então, eu disse para eles: Olha aqui: é como Cristo chegando, o Cristo bárbaro, chegando, os cristãos chegando na catacumba. E vocês estão me acusando, porque vocês tem o costume de jogar, vocês romanos e italianos, tem o costume de jogar os cristãos no paço dos leões. Mas eu não tenho medo de leão, como o profeta Daniel, que dominará os leões na arena. Então eles fundiram a cuca e o assunto continuou neste campo. Daí prossegue o pau

86.

Quando Glauber fala que os quatro Cristos são os Quatro Cavaleiros do

Apocalipse ele está evocando a terceira visão profética do livro de Apocalipse de João.

Os quatro cavaleiros do Apocalispse são: Peste, Guerra, Fome e Morte. As referências

para tal compreensão no livro Bíblico são Apocalipse 6:2; 4; 6; 887. Os Quatro

85

Os Evangelhos são escritos religiosos, doutrinais, destinados a alimentar a fé e a comunicá-la, fazendo conhecer a pessoa de Jesus Cristo. Cada autor, ao escrever, tinha seu ponto de vista particular: O Evangelho Segundo Mateus é escrito, provavelmente entre 60 e 65 d.C., na Palestina para leitores judeus; seu texto se particulariza pela abundância de citações do Antigo Testamento. O Evangelho Segundo Marcos, escrito sob a orientação de Pedro, em Roma, entre 55 d.C. e início da década de 60 d.C., e baseado na pregação dele, antes da perseguição aos cristãos instigadas por Nero, é curto, não possuindo uma narrativa tão completa dos sermões de Cristo, mas objetiva apresentar Jesus aos pagãos que habitavam Roma, fazendo notar, sobretudo, o que havia de extraordinário e de valor probatório de sua missão nos milagres por ele operados. O Evangelho Segundo Lucas, escrito entre de 60 d.C. e 80 d.C. (há divergência entre os estudiosos sobre a data correta),para Teófilo (“amigo de Deus”), que possivelmente era um oficial romano ou ao menos uma pessoa importante, e para um público de gentios, tinha a visível preocupação de apresentar Jesus sob um aspecto mais atraente e comovedor, fazendo notar, antes de tudo, a bondade e a misericórdia do Salvador. Ele frequentemente usa termos gregos em vez de hebraicos e enfatiza que o Evangelho é para o mundo todo. Por último, O Evangelho Segundo João, pode ter sido escrito antes de 60-70 d.C ou entre 80-95 d.C., é um pouco diferente dos evangelhos sinópticos. Enquanto os outros três Evangelhos se concentram em recordar os acontecimentos da vida e do mistério de Jesus, João procura mostrar aos leitores – provavelmente gregos – a divindade de Jesus e revelar-lhes um pouco de sua realidade invisível, mas conservando o cuidado de apresentá-lo como um homem no concreto de seus atos e de seus discursos. Ou seja, João permanece no significado espiritual do que Jesus disse e fez, assim como coloca grande ênfase nos sinais de Jesus, nos milagres que provam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. Malgrado todas essas diferenças, a Igreja Católica considera que não houve jamais senão um Evangelho, uma só Boa-Nova de salvação, mas esta foi apresentada sob quatro formas: segundo Mateus, segundo Marcos, segundo Lucas e segundo João. Informações extraídas de: Bíblia Sagrada. Tradução dos originais grego, hebraico e aramaico mediante a versão dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica). São Paulo: Editora Ave-Maria, 2013. p.44; e Bíblia de Estudo Matthew Henry (The Matthew Henry Bible). Rio de Janeiro: Ed. Central Gospel, 2014. pp.1393; 1481; 1535 e 1615. 86

Retirado do documentário sobre o filme. DVD. Extras. A Idade da Terra. Produção: Paloma Cinematográfica. Versátil Vídeo. 2005. 87

Apocalipse 6:2 – E olhei, e eis um cavalo branco; e o que estava assentado sobre ele tinha um arco; e foi lhe dada uma coroa, e saiu vitorioso e para vencer./ Apocalipse 6:4 – E saiu outro cavalo, vermelho; e ao

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Cavaleiros do Apocalipse são os fenômenos dos quatro primeiros selos, que são

abertos para dar sequência ao Armagedom, a Batalha Final. A referência de Glauber

aos Quatro Cavaleiros é uma alegoria dos fenômenos da liberação do Terceiro Mundo

na América Latina. Peste, Guerra, Fome e Morte são as catástrofes que vão acontecer

antes do fim do mundo colonizado, antes que o Terceiro Mundo torne-se livre. Cada

um dos Cristos carrega uma dupla alegoria: são agentes histórico-culturais inerentes

ao processo revolucionário; são negros, índios, militares e revolucionários que se

confrontam consigo mesmos, dando a impressão, no filme, de um colapso, uma crise

destruidora de todos os modelos históricos88.

Os Quatro Cristos de A Idade da Terra:

o Cristo-Índio (Jece Valadão), o Cristo-Militar (Tarcísio Meira), o Cristo-Negro (Antônio Pitânga) e o Cristo Guerilheiro (Geraldo Del Rey)

89

que estava assentado sobre ele foi dado que retirasse a paz da terra e que se matasse uns aos outros; e foi lhe dada uma grande espada./ Apocalipse 6:6 – E ouvi uma voz no meio de quatro animais, que dizia: uma medida de trigo por um dinheiro; e não danifiques o azeite e o vinho. Pericopes retiradas de: Bíblia de Estudo Matthew Henry (The Matthew Henry Bible). Rio de Janeiro: Ed. Central Gospel, 2014. P. 2112-2113. (A escolha de uma versão protestante da tradução da Bíblia se deve ao fato de que a matriz religiosa cristã de Glauber Rocha é protestante, então preferiu-se buscar referências diretas de sua influência religiosa). 88

Ismail Xavier aponta que “(...) A Idade da Terra deixa como testamento a exposição implacável de uma crise”. XAVIER, Ismail. A Idade da Terra e sua visão mítica da decadência. Cinemais: Revista de Cinema e outras questões audiovisuais. N.13, Set/Out, 1998. p.183. 89

Estes fotogramas foram retirados do filme A Idade da Terra, de Glauber Rocha. Edição Especial, versão restaurada sob a direção de Paloma Rocha, 2008.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

Segundo a análise da historiadora Tereza Ventura:

O amor é associado à possibilidade de redenção da humanidade no caminho trágico onde Cristo se alia à guerra. Esta tragicidade estará presente no A Idade da Terra, sendo que a figura de Cristo torna-se carnal e sexualizada como nos desenhos feitos por Glauber quando esteve na prisão. No A Idade da Terra, o Cristo realiza milagres, multiplicando os objetos ou dejetos das multinacionais simbolizados pela Pepsi Cola e pelos cachorros-quentes. O Cristo do A Idade da Terra regressa, diante do decadente império americano, como um homem comum que realiza milagres. A figura de Cristo impõe à coesão religiosa a força do amor entre os homens, superando assim o sentimento do nada e a divisão do mundo entre ricos e pobres, fortes e fracos, capitalistas e socialistas. O Cristo é um gesto de integração afetiva e emocional entre os homens contra toda a razão dominadora.

O gesto/verbo, seja religioso e/ou emocional, projeta-se não para um futuro possível, mas para a vivência carnal presentificada no tempo real. No A Idade da Terra a fé permanece como fonte de ingenuidade e pureza; contudo, ela conduz ao amor, que conciliará a política à religião, ou seja, guerra e Cristo. Em Terra em Transe ele reclamava a impotência da fé e reivindicava a coesão do amor. No A Idade da Terra a fé é potência, vontade transfiguradora e força dionística, que rompe com a dinâmica do tempo e da linguagem, enfrentando as trevas da razão para criar o novo

90.

O Cristo-Índio é o trabalhador, que, assim como Adão, foi expulso da

eternidade do paraíso (leia-se o paraíso como o Novo Mundo, o Eldorado). Não

acredita mais em Deus, e diz: “O pássaro da eternidade me traiu. Só o real é eterno”.

Não acredita mais em seus colonizadores, dominadores e patrões. O Cristo-Negro é a

encarnação de todo o sofrimento de uma raça negra, explorada e escravizada. Em

uma de suas falas no filme, parafraseia uma das bem-aventuranças de Jesus: “Bem-

aventurados os que têm fome! Bem-aventurados os famintos!”91, utilizando, assim, a

miséria como um elemento liberador. O Cristo-Militar é a figura dos valores nacionais,

de uma nação cristã-católica, da civilização pela força. Se parece contraditório

apresentar um militar/conquistador como alegoria do processo revolucionário isso se

desconstrói ao compreendermos que Glauber Rocha vivia em uma América Latina

sitiada por ditaduras militares que se diziam revolucionárias, e ele as compreendia

como fase importante e indispensável para a descolonização. É o militarismo que vai

gerar a violência que vai desembocar em lutas revolucionárias. Por fim, o Cristo-

Guerrilheiro é o próprio filho de Brahms (o anticristo), que se encontra indignado com

90

VENTURA, Tereza. A Poética Polytica de Glauber Rocha. Rio de Janeiro: Funarte, 2000. p.371. 91

No texto bíblico original a passagem diz exatamente: Mt 5:6 – “Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”. Ver: Bíblia de Estudo Matthew Henry (The Matthew Henry Bible). Rio de Janeiro: Ed. Central Gospel, 2014.p.1402.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

seu pai que não lhe dá sua herança, seus espólios e sua parte no império comercial.

Desse modo, ele representa a Revolução como sendo resultado de uma indignação do

papel da América Latina, dos povos do Terceiro Mundo, enquanto subdesenvolvidos

no plano econômico e cultural. Enquanto Cristos, cada um representa uma “missão

revolucionária”, e encarnam valores políticos, históricos e culturais importantes ao

processo de descolonização cultural, política e econômica. Enquanto Cavaleiros do

Apocalipse, cada um traz sua mensagem – Peste, Guerra, Fome e Morte – e a

impregna de propósito e justificativa.

Desse modo, os Cristos de Glauber Rocha representam a Revolução como

sendo resultado de uma indignação do papel da América Latina, dos povos do

Terceiro Mundo, enquanto subdesenvolvidos no plano econômico e cultural.

Enquanto Cristos, cada um representa uma “missão revolucionária”, e encarnam

valores políticos, históricos e culturais importantes ao processo de descolonização

cultural, política e econômica. Neste sentido, estes cristos, em A Idade da Terra,

possuem uma dupla função: uma referente ao passado e outra ao futuro. No passado

porque suas diversas facetas – como índio, negro, militar e guerrilheiro – recuperam

símbolos e elementos fundamentais da história latino-americana. Os índios como

elemento ancestral do continente, os negros e a africanidade presentes em todos os

povos latino-americanos, os militares como referência fundamental às políticas

governamentais recorrentemente impostas na América Latina e a figura do

guerrilheiro, personagem icônico do século XX latino-americano, tendo como ponto

de partida a Revolução Mexicana de 1910 e, posteriormente, a Revolução Cubana de

1959, consagrando as figuras históricas de Emiliano Zapata e Ernesto Che Guevara.

Enquanto Cavaleiros do Apocalipse, cada um traz sua mensagem – Peste, Guerra,

Fome e Morte – e a impregna de propósito e justificativa.

Em outra direção, estes Cristos apontam para o futuro na medida em que essa

reinterpretação histórica conduz a um novo olhar e uma nova perspectiva para os

rumos dos povos latino-americanos: é a construção de um projeto político-cultural

para a América Latina. O desenvolvimento destes personagens ao longo do filme

apresenta um constante movimento entre o passado histórico e um discurso para o

futuro, em um incessante diálogo que utiliza a repetição de falas, movimentos e cenas

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

para concretizar um conceito: uma nova América Latina, independente histórica,

cultural, religiosa e politicamente.

A associação com a Bíblia e o tema religioso foi, logo de início, considerada a

maior loucura de Glauber em A Idade da Terra. No entanto, essa associação é tanto

metafórica quanto literal. É metafórica por retomar, com a figura de Cristo, o

Apocalipse e o próprio Novo Testamento, a noção de um novo tempo, um novo

milênio, uma ruptura de estruturas tradicionais e patriarcais; ao mesmo tempo é

literal por recuperar todo o sentido religioso da vida no “Novo Mundo”, apresentando

uma América Latina que vive suas tensões sociais e políticas por meio da ótica

religiosa e mística. Não obstante, Glauber Rocha apresenta um “caminho místico”

para a libertação dos povos latino-americanos, sem trazer toda a aridez e ceticismo do

socialismo, mas construindo um projeto onde a verdadeira independência histórica do

continente deve vir a partir da sua cultural fundamental, da sua religiosidade.

A figura do tirano Brahms também está em uma chave alegórica apocalíptica.

De igual modo, a cena (entre as primeiras sequências do filme) de um diabo quase

carnavalesco com um globo nas mãos, no qual ateia fogo, e recita exaustivamente:

“Minha missão é destruir a terra! Esse planeta miserável!”. Ambas apresentam uma

alegoria do anticristo, figura apocalíptica responsável por levar a cabo a Batalha Final;

são alegorias do fim e da descolonização. Brahms personifica o norte-americano, o

espanhol, o francês, o inglês. Brahms é, ao mesmo tempo, todos os colonizadores, é o

imperialismo cultural e econômico dos EUA no século XX.

Brahms: a figura do Anti-Cristo Americano Imperialista no “El Dorado”.

Neste sentido, Ismail Xavier, especialista no cinema de Glauber Rocha, faz a

seguinte consideração:

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

[...] A transação com o espírito messiânico de inclinação popular, dado constante na obra de Glauber Rocha, assume em Idade da Terra uma tônica religiosa definida, contrastando com as ambiguidades que tornam mais ricos seus filmes dos anos 60, notadamente Deus e o Diabo na Terra do Sol. De modo incisivo, a salvação é agora apresentada como processo intramundo onde simultaneamente devem-se instaurar o reino de Deus na Terra e o “reinado do povo”. Muito genérico, o diagnóstico do presente se apega aos sinais de degenerescência das figuras do mal (potências imperialistas) e aos sinais de energia em expansão nas figuras do Bem massas arregimentadas pela fé, pela resistência cultural, renovando as suas forças sob os escombros da opressão tecnológica). [...]

A figura de Brahms e certas presenças mais ou menos evanescentes em sua vizinhança se põem definitivamente como personificações (figurações sensíveis) de conceitos abstratos, de forças ou princípios, à maneira do poema enciclopédico medieval: cada figura repete sempre o mesmo gesto e só é convocada para atualizar o povo, repetir o princípio, força, vício ou virtude que encarna. [...] Brahms será sempre obsceno, reunindo os atributos da decadência, da corrupção, do poder cínico – consciente de sua ilegitimidade e reduzido à evocação das glórias dos antepassados. Brahms é “instinto de morte”, princípio de destruição, a que se opõe a nova mensagem de esperança do Cristo multiplicado e imenso no coração do povo que é sede da beleza, do carisma, da festa, da coesão na fé, elementos que injetam um princípio de vida na cidade. Exceto o movimento dos ritos nos espaços abertos, o universo urbano na representação do filme é puro monumento, bloco de pedra, túmulo

92.

Como vemos, a matriz ideológica do discurso fílmico de Glauber Rocha é uma

interpretação livre que o cineasta realiza do filme de Pier Paolo Pasolini. Não apenas

ao nível discursivo, mas também estético, é possível encontrar paralelos nas duas

obras. Se em Pasolini o Evangelho de Mateus é a referência para a adaptação e

alegoria, em Glauber serão mobilizados os quatro evangelhos bíblicos, capturando a

polissemia da figura crística. Em Pasolini, o Cristo é destacado em sua posição de

confronto e de embate ideológico, sem que se perca a matriz bíblica da história. Em

Glauber, são valorizadas as mesmas situações de tensão, mas a narrativa e a

construção dos personagens são feitas de maneira livre, desprendidas de uma

fidelidade aos relatos bíblicos.

Em termos estéticos, o filme de Pasolini trabalha com recursos técnicos do

Neorrealismo Italiano; Glauber, em A Idade da Terra, extravasa estes parâmetros,

dando um tom muito particular para a linguagem que pretende construir no filme.

Ambos os filmes, por sua estrutura de montagem, possuem narrativas extremamente

fragmentadas – no filme de Glauber muito mais no que de Pasolini –, gerando um

92

XAVIER, Ismail. Evangelho, Terceiro Mundo e as Irradiações do Planalto. Filme Cultura, nº38-39, Rio de Janeiro, ago.-nov./1981.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

filme épico-didático. Glauber utiliza o mesmo tipo de plano-sequência e de travellings.

O recurso de utilizar a câmera em contra-plongé para dar a dimensão emocional dos

personagens representantes das classes mais altas, e em plongé para dar a diminuta

sensação do proletariado miserável e faminto, estão presentes nos dois filmes. À

diferença de Pasolini, que mantém essa estrutura de ângulo de câmera durante todo o

filme, Glauber vai desconstruindo esse tipo de enquadramento para, com ele,

descontruir posições sociais e históricas, não importando em que angulação de

câmera aparecerá ricos e pobres, senhores e servos.

A breve análise das conexões entre estes filmes de Glauber Rocha e Pier Paolo

Pasolini nos deixa a importante contribuição para pensar como o cinema latino-

americano (e brasileiro) esteve em diálogo com os debates políticos e estéticos do

cinema europeu, e em que medida se deu a circulação de modelos de pensamentos

que, transpostos de uma realidade para outra, não se anulam, mas se complementam

num cenário artístico e político mundial, onde a questão do Terceiro Mundo e da

ideologia revolucionária mobilizam intensos esforços.

Bibliografia:

ASLAN, Reza. Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. AVELLAR, José Carlos. A Ponte Clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Getino, García

Espinosa, Sanjinés, Alea – Teorias de cinema na América Latina. Rio de Janeiro / São Paulo: Ed.34 / Edusp, 1995.

BALADI, Mauro. Dicionário de Cinema Brasileiro. Filmes de longa-metragem produzidos entre 1909 e 2012. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

BAMONTE, Duvaldo. Afinidades eletivas: o diálogo de Glauber Rocha com Pier Paolo Pasolini (1970 -1975). São Paulo: Tese de Doutorado - Pós-Graduação ECA-USP, 2002.

BENTES, Ivana (Org.). Glauber Rocha: Cartas ao Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

BERNARDET, Jean-Claude et alli. Glauber Rocha. Coleção Cinema Volume 1. São Paulo: Paz e Terra, 1977.

Bíblia de Estudo Matthew Henry (The Matthew Henry Bible). Rio de Janeiro: Ed. Central Gospel, 2014.

Bíblia Sagrada. Tradução dos originais grego, hebraico e aramaico mediante a versão dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica). São Paulo: Ave-Maria, 2013.

BRANDÃO, Quezia. Entre o transe e o subdesenvolvimento: repensando a América Latina no cinema de Glauber Rocha e Tomás Gutiérrez Alea. Rio de Janeiro: Monografia de Conclusão do Curso de História (IH-UFRJ), Orientação: Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira, 2014. 74p.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

CHEVITARESE, André Leonardo. Cristianismos. Questões e debates metodológicos. Rio de Janeiro: Kliné, 2011.

CHEVITARESE, André Leonardo e FUNARI, Pedro Paulo A. Jesus Histórico. Uma brevíssima introdução. Rio de Janeiro: Kliné, 2012.

CROSSAN, J. D. Jesus. Uma Biografia Revolucionária. Rio de Janeiro: Imago, 1995. DEL VALLE D’ÁVILA, Ignácio. Cámaras en Trance. El nuevo cine latino-americano, un

proyeto cinematografico subcontinental. Santiago: Ed. Cuarto Propio, 2014. ESPAGNE, Michal. La notion de Transfert Culturel. Revue Sciences/Lettres. Nº1. 2013. FABRIS, Mariarosaria. O neo-realismo italiano: uma leitura. São Paulo: Edusp-Fapesp,

1996. FERNANDEZ, Alexandre A. DVD “O Cristo austero de Pasolini”. Revista História Viva.

Dez, 2003. GIUSTI, Marco (a cura di). Prima e dopo la rivoluzione. Brasile anni’ 60: dal cinema novo

al cinema marginal. Turim: Lindau, 1995 Glauber Rocha: Um Leão ao Meio-Dia. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil,

1994. GOMES, João Carlos Teixeira. Glauber Rocha, esse vulcão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

GRUZINSKI, Serge. O historiador, o macaco e a centaura: a “história cultural” no novo milênio. Revista Estudos Avançados, 17/49, 2003.

MEIER, J. P. Um Judeu Marginal. Repensando o Jesus Histórico. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

MICCICHÈ, Lino. Rocha: saggi e invettive sul nuovo cinema. Turim: ERI Edizioni RAI, 1986.

MICCICHÈ, Lino. Un cineasta tricontinentale. In: Glauber Rocha: scritti sull cinema. Veneza: XLIII Mostra Internazionale del Cinema, 1986.

NEPOMUCENO, Maria Rita. “A visita de Pasolini ao Brasil: um Terceiro Mundo melancólico”. Ciberlegenda (UFF. Online), v. 23, p. 38/4-48, 2010.

PASOLINI, Pier Paolo. “A Poesia do Novo Cinema”. Revista Civilização Brasileira, nº.07. Maio de 1966.

PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo Herege. Lisboa: Assírio & Alvim, 1982. PASOLINI, Pier Paolo. “Il Cinema Impopulare”. In: SITI, Walter (Org.). Saggi sulla

letteratura e sull’arte, vol.1. Milão: Mondadori, 2001. PEREIRA, Miguel. “O Columbianum e o cinema brasileiro”. Alceu, v°.8, nº15, pp.127-

142, jul./dez. 2007. PEREIRA, Wagner Pinheiro & BRANDÃO, Quezia. As memórias do transe latino-

americano: os bastidores político-culturais dos filmes Terra em Transe (1967) e Memórias del Subdesarrollo (1968). In: ALVES, Gracilda et alli (Org.). A História que ensinamos e o Ensino da História. Rio de Janeiro: Ed. Autografia, 2015.

PIERRE, Sylvie. Glauber Rocha. Textos e entrevistas com Glauber Rocha. Tradução: Eleonora Bottmann. Campinas, SP: Papirus, 1996.

REZENDE, Sidney (Org.). Ideário de Glauber Rocha. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986. ROCHA, Glauber. O século do cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006. ROCHA, Glauber. Roteiros do Terceiro Mundo. (Organizado por Orlando Senna). Rio de

Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1985. ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2004. SANCHES, Pedro Alexandre. Terra em Transe e Panis et Circensis. In: Tropicalismo:

decadência bonita do samba. São Paulo: Boitempo, 2000.

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

SARNO, Geraldo. Glauber Rocha e o Cinema Latino-Americano. Rio de Janeiro: CIEC-UFRJ/Rio Filmes, 1995.

SAVERNINI, Erika. Índices de um cinema de poesia: Pier Paolo Pasolini, Luis Buñuel e Krzysztof Kieslowski. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004

SITI, Walter; ZABAGLI, Franco (eds.) Pier Paolo Pasolini per Il Cinema. Milão: Mondadori, 2001.

SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, Vol I, N 3, 1997.

VENTURA, Tereza. A Poética Polytica de Glauber Rocha. Rio de Janeiro: Funarte, 2000. XAVIER, Ismail. A Idade da Terra e sua visão mítica da decadência. Cinemais: Revista

de Cinema e outras questões audiovisuais. N.13, Set/Out, 1998. XAVIER, Ismail. Alegoria, Modernidade, Nacionalismo. Revista Novos Rumos. Instituto

Astrojildo Pereira. São Paulo: Ed. Novos Rumos. Ano 5 – nº16 – 1900. XAVIER, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema

marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012. XAVIER, Ismail. Evangelho, Terceiro Mundo e as Irradiações do Planalto. Filme

Cultura, nº38-39, Rio de Janeiro, ago.-nov./1981.

Artigo recebido em: 29 de Março de 2015 Artigo aprovado em: 30 de Abril de 2015