as múltiplas faces da cartografia escolar brasileira · a partir do pressuposto que para o estudo...
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Gabriel de Melo Neto
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Geografia, Instituto de Geografia da
Universidade Federal de Uberlândia (PPGG/IG/UFU).
Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano – Campus
Avançado Catalão (IF Goiano/CAC). E-mail: [email protected]
As múltiplas faces da cartografia escolar brasileira
Introdução
As relações entre geografia e cartografia, segundo a literatura científica
consultada é intrínseca. A conceituação adotada nesta pesquisa caracteriza a ciência
geográfica como o estudo do espaço geográfico que é constituído por um conjunto
complexo e indissociável de aspectos naturais e humanos que tem na cartografia um
importante instrumento e/ou processo de representação do espaço por meio de cartas,
mapas, gráficos, esquemas, entre outros elementos que possibilitam a leitura,
compreensão e/ou interpretação dos fenômenos estudados.
No cotidiano escolar da educação básica o ensino da geografia é pautado por
diretrizes presentes em documentos oficiais com destaque para os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), direcionados ao ensino fundamental, pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). Em 2014 foi lançada a
proposição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), inicialmente prevista na
Constituição Federal (1988) e que encontra-se em processo de construção/consulta
nacional (BRASIL, 1997;1998; 2000).
É importante destacar o papel do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
instituído em 1929 de forma embrionária e localizada, mas que nas últimas décadas tomou
proporções nacionais e presença efetiva na maioria das unidades escolares e salas de aula
do país, como referencial norteador de muitas práticas escolares. Através do livro didático
que a maioria das crianças e jovens tem contato com as representações cartográficas,
sendo por vezes o único subsídio de apoio para docentes diante do cenário de precariedade
da educação pública brasileira (OLIVEIRA, 2010).
O presente trabalho relaciona-se a pesquisa desenvolvida junto ao Programa de
Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia (PPGG/IG/UFU). Apresenta-se como objetivo a necessidade de identificar as
distintas compreensões teórico-metodológicas em torno da cartografia escolar brasileira,
permitindo a caracterização do cenário da cartografia em sala de aula. Através da pesquisa
bibliográfica em torno de produções científicas nesta área, bem como a apreciação de
documentos educacionais pertinentes.
Para a obtenção dos objetivo proposto foram realizados os seguintes
procedimentos metodológicos: a) Pesquisa na literatura científica sobre o tema da
cartografia escolar, com destaque para o levantamento de trabalhos de conclusão de
cursos em programas de pós-graduação em geografia de diferentes universidades
brasileiras; b) Levantamento e análise de diretrizes curriculares, documentos oficiais e
legislações relacionadas ao ensino de cartografia; c) Construção de quadro teórico-
conceitual com os principais autores nacionais que pesquisam a temática; d)
Sistematização dos dados/informações coletados (MINAYO, 2010).
As múltiplas faces da cartografia escolar brasileira contemporânea
contextualizam um território pedagógico com diferentes projetos em disputa, sem ignorar
a hegemonia de práticas identificadas como tradicionais ou a simples negação da
cartografia como parte indissociável e necessária para a compreensão do espaço
geográfico, relegando-a a uma condição acessória. Faz-se necessário aperfeiçoar
dispositivos de formação acadêmica inicial e continuada dos docentes, atenção com as
diretrizes legais, com destaque para a construção da BNCC e o material pedagógico
disponibilizado, seja através de livros didáticos ou de dispositivos eletrônicos.
Cartografia Geográfica
Com o desenvolvimento da pesquisa foi possível perceber a diversidade das
concepções presentes na cartografia escolar, em um arco de distintas matrizes teóricas e
práticas pedagógicas. Destaca-se que a cartografia não se constitui em uma ciência
inteiramente autônoma, mas sim um importante campo científico com instrumentos e
processos importantes para diferentes áreas do conhecimento, tendo na geografia um
papel de grande vulto, sendo difícil imaginar uma descolocada da outra (GIRARDI,
2003).
Em estudos sobre a cartografia contemporânea Matias (1996, p. 50 e 51) registra
que “é uma tarefa difícil delimitar com exatidão cada uma das correntes teóricas que se
apresentam ao debate da Cartografia, uma vez que, em muitos casos, tais grupos se
apresentam como complementares ou com sobreposições significativas”. Todavia, o
referido autor propõe quatro agrupamentos, a Comunicação Cartográfica, Semiologia
Gráfica, Cognição (Percepção), Teoria Social. Reconhece desta forma a diversidade de
compreensões em torno da cartografia de forma geral, situação que indica as
possibilidades do ensino da cartografia no ambiente escolar.
Isso posto, é importante destacar que a cartografia não é uma exclusividade da
geografia, realidade que propicia uma variedade de compreensões que necessitam ser
refletidas antes do debate em torno da cartografia escolar. Diante desta situação,
diferentes autores, defendem a existência de uma cartografia geográfica que distingue a
forma na qual a mesma deve ser abordada junto a geografia.
A Cartografia Geográfica deve distinguir-se da Cartografia no
momento de buscar elementos teóricos e conceituais mais adequados
para o seu desenvolvimento e aplicação dentro da Geografia. [...] Os
geógrafos, principalmente aqueles que acreditam, com o seu
conhecimento sobre o espaço geográfico, poder contribuir para a
transformação deste mesmo espaço em prol de uma sociedade mais
justa e igualitária, não podem desconhecer o arsenal que os mapas
contemplam como importante elemento de representação do espaço
geográfico a ser usado para perpetuar ou transformar as desigualdades
existentes (MATIAS, 1996, p. 111 e 112).
Nesta perspectiva que se encadeiam postulados da epistemologia da geografia
apresentados por Yves Lacoste (2008) na obra "A Geografia serve, em primeiro lugar,
para fazer a guerra", diante do poder presente nos processos de elaboração e interpretação
de mapas.
Gisele Girardi (2003), reflete quanto a ressignificação da cartografia geográfica
tendo por objetivo contribuir para o ensino de cartografia em cursos superiores de
geografia, visando melhorias na atuação profissional. Enfatiza o fato de que a cartografia
geográfica não é meramente técnica, mas sim, raciocínio geográfico baseado nas técnicas
cartográficas. Indica também que a mesma é articuladora de conteúdo na formação,
instrumento de cognição e meio de comunicação.
Cartografia Escolar no Brasil
A linguagem cartográfica – através de suas ferramentas, instrumentos,
metodologias – na contemporaneidade está presente em diferentes áreas do
conhecimento, seja em questões de planejamento urbano, aspectos da agropecuária ou da
produção mineral. O mesmo ocorre nas diferentes disciplinas escolares que cada vez
mais, a partir do discurso da interdisciplinaridade, utilizam mapas, gráficos, tabelas, entre
outros produtos cartográficos. Todavia, a cartografia enquanto campo de conhecimento
científico, tem a sua presença evidente no ambiente escolar através da geografia, que a
categoriza como “cartografia escolar”.
Vania Vlach (1988) indica que a implementação da disciplina escolar de
geografia no Brasil, é semelhante a realidade francesa. Através da institucionalização da
geografia, por meio da criação do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro (1837), espelhando-
se nos liceus franceses, criados em anos anteriores, teve por objetivo difundir ideais
patrióticos na população, visando a manutenção da unidade nacional. O simples culto da
pátria presente em uma disciplina sem aprofundamento de conteúdos era suficiente.
Aldo Gonçalves de Oliveira (2010) com o estudo a partir dos livros didáticos,
registra que no século XX a geografia escolar apresenta uma perspectiva cartográfica
evidente a partir das obras de Delgado de Carvalho – que tem o mérito se ser o primeiro
a utilizar mapas em um livro didático em 1913 – e Aroldo de Azevedo com a sua
orientação francesa, mediante a publicação de livros didáticos sendo os materiais de
referência até meados do século. No período pós golpe civil-militar de 1964 é
caracterizado por um economicismo da geografia escolar e cartografia presente no
trabalho didático de Zoraide Victorello Beltrame. Tal panorama é modificado com a
geografia crítica escolar defendida por José William Vesentini e a nova abordagem do
material cartográfico.
A partir do pressuposto que para o estudo da cartografia escolar é essencial o uso
de produtos cartográficos, tais como mapas, cartas, gráficos, tabelas, a presença em sala
de aula na realidade brasileira apenas foi possível através da introdução de livros didáticos
nas redes de ensino no território nacional. O marco importante da oferta de livros em
grande escala relaciona-se ao ano de 1927, referência para a constituição décadas depois,
do PNLD/MEC. Diante desta justificativa, a compreensão da cartografia escolar
necessariamente vincula-se a questão do livro didático de geografia.
Desta forma, a partir do esforço em identificar resultados de pesquisas junto a
produções acadêmicas relacionadas a programas de pós-graduação em geografia, sobre
cartografia escolar, bem como da cartografia presente nos livros didáticos de geografia,
foi possível propor um agrupamento para fins didáticos, em três grupos, o primeiro,
hegemônico, a “cartografia tradicional”, pautada no ensino de normas, regras e
informações técnicas relacionadas a cartografia, estimulando a memorização de
informações e a observância de técnicas. A mesma tem por instrumento principal no
processo de ensino/aprendizagem o livro didático. No segundo grupo é possível reunir as
ditas “novas cartografias” que representam uma postura pedagógica de vanguarda ao
propiciar a aplicação de procedimentos em muitos casos não convencionais e/ou usuais
para o ensino cartográfico com a proposição de atividades inovadoras e uso de
instrumentos que permitem uma maior reflexão em torno do conteúdo estudado. Por fim,
o terceiro agrupamento relaciona-se a uma postura pedagógica crítica e reflexiva, que
possibilita ao educando maior protagonismo no processo de aprendizagem, constituindo-
se assim uma “cartografia escolar crítica” (ALMEIDA, 2007; CANTO, 2014;
FRANCISCHETT, 2007; OLIVEIRA, 2010; SEEMANN, 2012).
Diretrizes Curriculares e a Cartografia Escolar
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 os princípios gerais da
educação brasileira foram definidos, sendo indicado a necessidade da instituição de leis
complementares. Ao longo da primeira década de 1990 debates em uma importante arena
de disputas, fomentaram a elaboração da Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional
(LDB), sancionada em 1997. Por sua vez a LDB em consonância com a Constituição
Federal pontuou a obrigatoriedade da elaboração de diretrizes específicas para o conteúdo
escolar nos diferentes níveis de ensino.
Entre os anos de 1997 e 2013 foram publicados os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Fundamental (PCN) séries iniciais em 1997, PCN Ensino
Fundamental séries finais e Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI) em 1998, Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio (PCNEM) no ano
de 1999, Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN+) em 2002, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio em 2006
e as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica em 2013. São esses os
principais documentos legais de referência para a educação básica no país.
A partir da análise dos documentos acima citados, constatou-se em termos gerais
uma questionável relevância conferida a questão da cartografia escolar. Nos RCNEI
constituídos de 3 volumes, a palavra “mapa” foi citada 4 vezes enquanto “cartografia”
uma única vez. É importante destacar que nessa fase da vida escolar, compreendida entre
0 e 6 anos, conforme legislação em vigor a época da redação das referidas diretrizes,
conceitos importantes relacionados a noções de espaço e tempo são trabalhados.
Constituindo-se um importante momento para o processo formativo que propiciará
elementos basilares para a compreensão de conceitos espaciais e consequentemente da
cartografia. Não é apenas a pequena citação dos termos mapa/cartografia que preocupa,
mas a compreensão meramente técnica que conferida as mesmas (BRASIL, 1998).
Os PCN séries iniciais, compreendido entre 7 e 10 anos, no período de redação
do documento, mas com a expansão do Ensino Fundamental para 9 anos em 2006, inicia-
se atualmente com 6 anos de idade, há menção direta a questões cartográficas, com o
estímulo incipiente na elaboração e importância de mapas no cotidiano escolar. Processo
que contribui para a compreensão de conceitos cartográficos, no entanto o embasamento
teórico conceitual que norteia as referidas diretrizes não permite atingir o âmago das
possibilidades cartográficas para a idade, por meio de proposição de atividades práticas
que podem ser trabalhadas nessa fase escolar (BRASIL, 1997).
A relevância da cartografia escolar fica de fato evidenciada nas diretrizes
relacionadas a segunda fase do ensino fundamental, de 5ª a 8ª série à época da redação do
documento, com a nova legislação do 6º ao 9º ano, com crianças e adolescentes em
situação regular na relação idade/série entre 11 e 14 anos. É neste documento que a
linguagem cartográfica apresenta-se de forma clara, por meio da disciplina geografia.
Com a introdução de termos como “alfabetização cartográfica” e “leitura crítica de
mapas” (BRASIL, 1998).
No ensino médio, mediante a avaliação dos três documentos citados, com
diretrizes específicas para o referido nível de ensino, é patente o entendimento de uma
cartografia escolar que não se restrinja apenas ao emprego de técnicas, mas que propicie
reflexões sobre o espaço geográfico através da compreensão da linguagem cartográfica
(BRASIL, 1999; 2002; 2006).
Através da comparação dos resultados das análises realizadas, percebe-se que
nos documentos relacionados a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental
a presença da cartografia escolar é bastante limitada, no entanto nas diretrizes para as
séries finais do ensino fundamental e ensino médio a proposta de ensino da linguagem
cartográfica apresenta uma substancial melhora, com a presença de proposições teóricas
ancoradas em uma perspectiva crítica e reflexiva.
É importante registrar que encontra-se em curso a construção de um novo
documento de referência curricular intitulado Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) promulgado em 2014. O referido
documento apresenta o audacioso projeto de propor uma base curricular que seja comum
em todo território nacional, mas que esteja articulado com especificidades regionais. Há
um campo de disputas dos diferentes agentes sociais envolvidos no processo e com
contribuições de especialistas, movimentos sociais e representantes de distintos setores
da sociedade. Constitui-se uma possibilidade para a correção dos equívocos identificados
nas diretrizes em vigor, relativo a cartografia escolar.
Isso posto torna-se necessário o aprofundamento de pesquisas da geografia
escolar para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Destaca-se que
os conceitos geográficos relacionados a cartografia não compartimentados dentro de
conteúdos engessados em disciplinas escolares sob a nomenclatura de geografia, mas que
possa permear o currículo escolar nas diferentes áreas do conhecimento, compreendendo
que a cartografia deve figurar como uma linguagem, promovendo uma formação
transdisciplinar.
A “alfabetização” e o “letramento” cartográfico
A alfabetização cartográfica tornou-se um conceito significante difundido como
resposta as fragilidades relacionadas ao ensino da cartografia escolar e a necessidade de
uma abordagem que colabore para uma prática pedagógica que possibilite ao educando
uma formação geográfica que vá além da memorização e reprodução técnica de conceitos
cartográficos.
São evidentes as contribuições dos defensores da alfabetização cartográfica que
de fato colocaram no “mapa” da sala de aula, proposições pedagógicas que permitiram
avanços no ensino da cartografia escolar, sobre tudo tendo em vista as deficiências
percebidas tanto na formação dos escolares, mas também dos docentes e estudantes de
licenciaturas. Não é desprezível a produção científica disponível no momento sobre a
questão (ALMEIDA, 2007; MARTINELLI, 2002; PASSINI, 2012).
No entanto, teóricos da aprendizagem da leitura, escrita e alfabetização, tem
questionado os métodos tradicionais e refletido quanto a necessidade de novas
possibilidades diante de graves problemas como a questão do analfabetismo funcional.
Os métodos de alfabetização escolar atualmente são relacionados em quadro grupos,
sintético, analítico, misto e o construtivismo. Esse é um debate importante para o
aprendizado de qualquer linguagem, como é o caso da linguagem cartográfica, no entanto,
são poucas as produções científicas no campo da geografia a esse respeito (SOARES,
2011).
A educadora Magda Soares advoga a metodologia denomina letramento que leva
em conta a especificidade de cada estudante e o estímulo da compreensão do espaço onde
está inserida. Proposta com similaridades com a proposição de Paulo Freire sobre a
proposta de “leitura do mundo” como forma de alfabetização. Propostas que vão além
dos métodos tradicionais de ensino que permeiam as diferentes correntes teóricas nos
distintos campos científicos, sejam as mais conservadoras como as progressistas
(SOARES, 2011; FREIRE, 1992).
Nas práticas de ensino de alfabetização cartográfica estão presentes diferentes
matrizes teóricas da geografia, algumas antagônicas, mas que reconhecem a necessidade
do ensino da linhagem cartográfica com a devida adequação pedagógica conforme a faixa
etária. Todavia, como identificado nos currículos escolares e nos cursos de formação de
docentes o foco principal está voltado para as séries finais do ensino fundamental e médio,
diante da justificativa de que é a partir do 6º ano que os estudantes e os professores
licenciados em geografia na maioria absoluta dos casos estabelecem o primeiro contato
(BRASIL, 1998).
Porém, é justamente nos períodos anteriores a esta fase escolar que ocorre o
processo de “alfabetização e/ou letramento” escolar através da “conquista” da leitura,
escrita e interpretação de textos de diferentes gêneros textuais, além de aspectos da
linguagem matemática e de outras áreas do conhecimento.
Diante desta questão é relevante o deslocamento do debate realizado na
geografia escolar sobre a alfabetização cartográfica para além do 6º ano do Ensino
Fundamental, torna-se necessária uma atuação direta da geografia na educação infantil e
nas séries iniciais. Bem como ponderações relacionadas a metodologia do ensino da
linguagem cartográfica, frente as questões já estudadas sobre a alfabetização de crianças
e o problema do analfabetismo funcional, por exemplo, sob o risco da reprodução de
equívocos na geografia. Isso posto, abrem-se possibilidades para que reflexões similares
sejam realizadas quanto a necessidade de repensar a alfabetização cartográfica em um
patamar de leitura do mundo que configure um “letramento cartográfico”.
Considerações
Conforme proposta da pesquisa que fundamenta o presente trabalho, a
‘descoberta’ das possíveis faces da cartografia escolar brasileira, essencialmente
relaciona-se ao debate em torno da cartografia de forma geral e no reconhecimento da
cartografia geográfica e sua transposição escolar. Tendo em vista que o livro didático
constitui-se em um instrumento portador de elementos que compõem a linguagem
cartográfica, e permitiu o acesso a mesma, torna-se indissociável a necessidade de
pesquisá-los neste contexto, assim como, a relevância das diretrizes curriculares que
norteiam a prática docente na educação básica no país.
Ressalta-se a necessidade do aprofundamento teórico em torno do debate da
cartografia escolar, sem ignorar e/ou reduzir o próprio debate da cartografia e de sua
epistemologia dentro da geografia. Há uma fragilidade evidente em suas práticas
pedagógicas que minimiza as possibilidades da mesma. O entendimento de que a
cartografia é um mero instrumento ou procedimento periférico, adicional e/ou de segunda
categoria na geografia escolar precisa ser revisto.
A aclamada alfabetização cartográfica defendida por autores de relevância e
reproduzida por muitos como um mantra, também necessita de reflexões profundas diante
dos resultados alcançados. As deficiências formativas de profissionais que lidam com as
crianças nos primeiros anos escolares, bem como as opções pedagógicas, adotadas como
política de estado, como no caso da rede de educação do estado de São Paulo que visando
atingir indicadores escolares, prioriza a leitura, escrita e a álgebra básica, são fatores
preocupantes para o aprendizado da linguagem cartográfica, que deve iniciar-se na mais
tenra idade.
Isso posto, torna-se necessário superar as compreensões limitadas de
alfabetização cartográfica, através da materialização de práticas pedagógicas que levem
a uma melhor leitura de mundo e valorize as especificidades de cada estudante em um
processo de letramento cartográfico a exemplo do importante movimento pedagógico em
curso nas últimas décadas no ensino da leitura/escrita, aliado a uma formação inicial e
continuada de profissionais das séries iniciais do ensino básico, bem como daqueles que
se dedicam a geografia nas séries finais e no ensino médio, a partir de uma perspectiva da
“cartografia escolar crítica”.
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