as mudanças climáticas

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As Mudanças Climáticas RISCOS E OPORTUNIDADES Novembro de 2015

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  • As Mudanas ClimticasRISCOS E OPORTUNIDADES

    Novembro de 2015

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    Ficha Tcnica

    WWF-BRASIL

    CARLOS NOMOTOSecretrio Geral

    MAURO ARMELINSuperintendente de Conservao

    ANDRE COSTA NAHURCoordenador de Clima e Energia

    MARK WILLIAN LUTESEspecialista em Clima

    LIGIA PITTA RIBEIROAnalista de Conservao

    KARINA MARQUESINI KOLOSZUKCoordenadora de Finanas para Sustentabilidade

    FABIO LUIZ GUIDOEspecialista em Finanas para Sustentabilidade

    BANCO DO BRASIL

    OSMAR FERNANDES DIASVice Presidente de Agronegcios e Micro e Pequenas Empresas

    ASCLEPIUS RAMATIZ LOPES SOARESGerente Geral Unidade Negcios Sociais e Desenvolvimento Sustentvel

    WAGNER DE SIQUEIRA PINTOGerente Executivo

    ANA MARIA RODRIGUES BORRO MACEDOGerente de Diviso

    JORGE ANDRE GILDI DOS SANTOSAssessor Empresarial

    Equipe Tcnica ResponsvelPROGRAMA DE CLIMA E ENERGIA WWF-BRASIL

    Andr Costa Nahur - Coordenador de Clima e EnergiaMark Willian Lutes - Especialista em Clima

    Lgia Pitta Ribeiro - Analista de Conservao

    CoordenaoAndr Costa NahurFabio Luiz Guido

    Jorge Andre Gildi dos Santos

    Design e diagramaoGuilherme K. Noronha / gknoronha.com

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    Sobre o gua Brasil

    Em 2010, quatro importantes instituies brasileiras uniram-se por um objetivo comum: a preservao da gua. E, da parceria entre o Banco do Brasil, a Fundao Banco do Brasil, a Agncia Nacional de guas e a WWF-Brasil surgiu o Programa gua Brasil.

    O Programa gua Brasil representa o posicionamento de sustentabili-dade do Banco do Brasil e sua misso promover transformaes em diversas regies do pas a favor da conservao e da gesto da gua.

    Por meio de boas prticas de recuperao e conservao ambiental, gesto integrada de resduos slidos e aes de incluso e promoo social, o Programa gua Brasil desenvolveu projetos modelo que pode-ro ser replicados em todo o pas.

    Com quatro eixos de atuao - Projetos Socioambientais, Comunicao e Engajamento, Mitigao de Riscos e Negcios Sustentveis -, o Pro-grama gua Brasil est presente em sete bacias hidrogrficas e cinco cidades brasileiras.

    O Programa desenvolve ainda estudos para mitigao de riscos na con-cesso de crdito junto ao Banco do Brasil e incentivos para o financia-mento de negcios sustentveis.

    O tema Mudanas Climticas um dos grandes desafios da humani-dade para o sculo XXI. H fortes evidncias cientficas de que essa mudana se deve ao aumento da concentrao de determinados gases na atmosfera, resultantes da atividade humana. O processo de aqueci-mento global afetar os recursos naturais, o acesso gua, a produo de alimentos, a sade e o meio ambiente.

    A questo do clima comeou a ser analisada pela sua dimenso am-biental e, em seguida foram feitos estudos sobre sua relao com a produo e consumo, inclusive de energia, at que se concluiu que a

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    transio para uma economia de baixo carbono imprescindvel para a humanidade.

    O Banco do Brasil, ciente da relevncia e urgncia do tema das mu-danas climticas e a importncia do engajamento do setor privado nos esforos para reduo dos gases de efeito estufa e para a adaptao de comunidades em reas de vulnerabilidade climtica, est compro-metido com a transio para uma economia de baixo carbono e o papel de liderana que o Brasil pode assumir neste tema.

    Para saber mais sobre o gua Brasil, acesse:

    http://bbaguabrasil.com.br

    http://bbaguabrasil.com.br

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    Apresentao

    O presente material tem por finalidade apresentar informaes e con-sideraes sobre questes referentes s mudanas climticas e aos principais impactos relacionados, a fim de fomentar a reflexo e a dis-cusso sobre o assunto.

    importante destacar que o setor financeiro tem uma dupla ligao com o tema: ao financiar, investir e viabilizar negcios para os setores econmicos governamentais/pblicos, industriais, agropecurios/rurais, extrativistas e de servios; e nas suas prprias atividades do dia a dia.

    No mundo atual, monitorar as mudanas climticas e avaliar os princi-pais impactos sobre o nosso cotidiano e sobre a nossa forma de fazer negcios so iniciativas fundamentais.

    Fonte: UNEP Finance Initiative 2014 Online Course on Climate Change: Risks and Opportunities for the Finance Sector.

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    Sumrio

    Sobre o gua Brasil 3

    Apresentao 1

    1. Introduo 3

    2. O que so mudanas climticas? 6

    3. Por que importante se falar de mudanas climticas consequncias/impactos 14

    4. O histrico das mudanas climticas 17

    5. O Protocolo de Quioto 29

    6. Poltica Nacional de Clima no Brasil 34

    7. Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas IPCC e o Painel Brasileiro de Mudanas Climticas PBMC consideraes sobre os impactos das mudanas climticas 37

    8. Os setores econmicos e os impactos climticos no Brasil 75

    9. As mudanas climticas e o setor financeiro 106

    10. Financiamentos e instrumentos econmicos relacionados s mudanas climticas 111

    11. Referncias Bibliogrficas 123

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    1. Introduo

    O tema mudanas climticas um dos grandes desafios da humanida-de para o sculo XXI. Anlises cientficas compiladas pelo Painel Inter-governamental para Mudanas do Clima (IPCC, sigla em ingls) ressal-tam que existe probabilidade de mais de 95% de que as mudanas no clima sejam ocasionadas pelo aumento de Gases de Efeito Estufa (GEE) provenientes de aes humanas. As mudanas climticas j afetam a disponibilidade de recursos naturais, impactando o acesso gua, a produo de alimentos e a sade1. Os impactos oriundos das mudan-as climticas podem gerar grandes perdas econmicas. S no Brasil, estima-se perdas anuais de 7 bilhes at 20202. Centenas de milhes de pessoas podero passar fome, sofrer com a falta de gua, enfrentar eventos climticos extremos e inundaes costeiras, medida que o clima no mundo vai se alterando.

    A questo das emisses dos Gases de Efeito Estufa (GEE) comeou a ser analisada pela sua dimenso ambiental, mas atualmente qualquer poltica relacionada reduo de emisses est diretamente relacio-nada com a produo e o consumo da economia mundial. A transio para uma economia de baixo carbono, alm de imprescindvel para a humanidade, pode trazer um aumento anual de US$ 2,6 trilhes adi-cionais at 2030, se polticas governamentais melhorarem a eficincia energtica, a gesto de resduos e o transporte pblico3,4.

    Um dos pases lderes nas discusses sobre as mudanas do clima, em funo de sua relevncia para as emisses mundiais, de sua economia crescente e da abundncia de recursos naturais, o Brasil tambm

    1 STERN, N. The economics of Climate Change. The Stern Review.Cambridge University. Cambridge, 2006.

    2 Relatrio do Painel Brasileiro de Mudanas Climticas, lanado em 2014.3 Banco Mundial, Climate-Smart Development: Adding Up the Benefits of Actions that Help

    Build Prosperity, End Poverty and Combat Climate Change, 2014.4 Barros, A.F.G. O Brasil na governana das grandes questes ambientais contemporneas, pas

    emergente? Textos para discusso CEPAL 40. IPEA, 2010.

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    um dos pases mais impactados pelas mudanas climticas no mundo. Ao instituir a Poltica Nacional de Mudanas Climticas5 e assumir o compromisso nacional voluntrio de adotar aes de mitigao de GEE, com a meta de reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emisses projetadas at 2020, por meio de planos setoriais de reduo de emisses, o pas busca meios para mitigar as mudanas do clima de forma efetiva e ga-rantir o bem-estar de seus cidados no longo prazo. Nesse sentido, a articulao entre outras polticas pblicas brasileiras e os financiamen-tos de baixo carbono so fundamentais para o Brasil implementar um futuro de baixo carbono e baixo impacto para a populao.

    As consequncias das mudanas climticas tm sido um tema im-portante na discusso do desenvolvimento econmico das principais naes do mundo, criando riscos e oportunidades para os principais setores econmicos. A balana dos riscos e oportunidades decorren-tes das mudanas climticas tem mostrado que o desenvolvimento de baixo carbono pode ser uma oportunidade econmica associada ao respeito ambiental, desenvolvimento e incluso social. Contudo, para que esta oportunidade seja uma realidade, necessrio um es-foro coletivo e integrado de diferentes setores da sociedade, para um futuro em que a qualidade de vida das prximas geraes seja garantida. Esse compromisso aumentar a responsabilidade corpo-rativa do setor privado, com medidas de mitigao e adaptao dos processos produtivos, e dos indivduos, na reavaliao de seus pa-dres de consumo.

    No Brasil, a vulnerabilidade climtica pode se manifestar em diversas reas: aumento da frequncia e intensidade de enchentes e secas, per-das na agricultura, ameaas biodiversidade, mudana do regime hi-drolgico (com impactos sobre a capacidade de gerao hidreltrica), expanso de vetores de doenas endmicas, etc. Alm disso, a eleva-

    5 Lei n 12.187, de 29 de dezembro de 2009, regulamentada pelo Decreto n 7.390, de 9 de dezembro de 2010.

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    o do nvel do mar pode afetar regies da costa brasileira, em especial as metrpoles litorneas.

    As mudanas climticas, portanto, representam um tema essencial para que se possa discutir a sustentabilidade em nosso planeta e em nossas atividades.

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    2. O que so mudanas climticas?

    Muito tem se falado em mudanas climticas, nos ltimos tempos. Vamos ten-tar entender um pouco mais sobre esse assunto.

    2.1. Como funciona o clima na Terra

    O clima uma dimenso ampla de fatores que descrevem o estado atual da atmosfera. Basicamente, o clima influenciado por variveis, como a temperatura, componentes de vento, presso, concentrao de vapores dgua e concentrao de gua em diferentes estados.

    O sistema climtico da Terra um conjunto altamente complexo, for-mado por cinco componentes principais: a atmosfera (gases, partculas e vapor dgua), a hidrosfera (gua superficial e subterrnea), a criosfe-ra (parte gelada do planeta), a superfcie terrestre (terras emersas, com diferentes tipos de solo) e a biosfera (conjunto dos seres vivos terrestres e ocenicos). A dinmica do clima terrestre determinada por fenme-nos que ocorrem dentro dos componentes citados e entre eles. Todos esses fatores se autoinfluenciam e a evoluo da atmosfera influencia os oceanos pela presso dos ventos em sua superfcie, o que provoca movimentos de guas superficiais (oceanos e outros) que interferem diretamente na temperatura da atmosfera, que determina a evaporao das guas6. (Brasil, 2004; IPCC, 2007).

    A biosfera tambm tem grande influncia em questes climticas. O carbono armazenado na biosfera regulado e influenciado pela fotos-sntese, que responsvel por transferir o dixido de carbono da atmos-fera para a biosfera e pela respirao, absorvendo oxignio e liberando

    6 Brasil. Protocolo de Quioto e legislao correlata. Braslia: Secretaria Especial de Editoraes e publicaes, 2004. Senado Federal (Ed.) Coleo Ambiental, 3. PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANAS CLIMTICAS (IPCC). Mudana do Clima 2007: Adaptao e Vulnerabilidade. Contribuio do Grupo de Trabalho II ao Quarto Relatrio de Avaliao do Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas. Sumrio para polticos. Genebra. 2007.

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    dixido de carbono. A decomposio de matria orgnica tambm importante no fluxo de carbono da biosfera para a atmosfera, na forma de dixido de carbono ou monxido de carbono ou, ainda, metano. A composio da biosfera ainda responsvel por importantes questes da temperatura do planeta Terra, variando em funo da sua cobertura florestal e sua superfcie. A refletividade da superfcie (chamada de al-bedo) depende do tipo de cobertura do solo, sendo maiores em reas sem cobertura vegetal, o que influencia na liberao de vapor de gua, alm da evaporao das superfcies de gua e da transpirao das plantas (Brasil, 2004; IPCC, 2007).

    Um dos principais elementos para o clima a radiao solar, que atinge a Terra na forma de luz e calor. Essa radiao aquece e coloca todo o sistema climtico em funcionamento. O calor afeta todos os sistemas e fundamental para a manuteno da vida no planeta Terra. A Terra inter-cepta a radiao solar, e uma parte dela refletida de volta para o es-pao pela atmosfera e pela superfcie terrestre. O restante absorvido pelos cinco componentes do sistema climtico mencionados anterior-mente. A prpria Terra tambm emite radiao que ela recebe de fora, mantendo a temperatura do planeta dentro de determinados limites.

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    Figura 1: efeito estufa natural. Fonte: IPCC.

    Disponvel em: http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/faq-1-3.html

    Esse balano de energia fundamental para a manuteno da vida na Terra. Sem a composio e a relao harmnica entre atmosfera, bios-fera, criosfera, hidrosfera, superfcie terrestre e o efeito estufa natural, o planeta no seria habitvel. Se compararmos com a Lua, as temperatu-ras sem a atmosfera poderiam chegar a 100C durante o dia e -150C durante a noite.

    A energia do Sol que entra na atmosfera em grande parte refletida, mas outra parte se mantm e distribuda uniformemente, aquecendo mais os trpicos do que os polos. O ar mais quente tende a se expandir e tende a se mover para os locais mais frios. Em conjunto com o movi-mento de rotao da Terra, todos estes fatores se conectam, gerando um movimento complexo da atmosfera, que responsvel pelo clima no planeta.

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    Figura 2: Clula de Hadley Walker, que mostra a circulao atmosfrica Disponvel em: http://serc.carleton.edu/images/eslabs/hurricanes/3d_hadley_md.v3.jpg

    2.2. Fatores que podem afetar o equilbrio climtico

    Diferentes fenmenos podem afetar o equilbrio entre a radiao que entra e a que sai da Terra, levando ao aquecimento ou ao resfriamento do sistema climtico. Tais fenmenos podem ser naturais ou fruto de atividades humanas. Dentre esses fenmenos, destacam-se: a ativida-de solar, alteraes na rbita da Terra, a variao climtica natural, os aerossis e alteraes no efeito estufa.

    Os trs primeiros so fenmenos naturais, porm os dois ltimos, alm de serem processos naturais, so tambm influenciados pelas ativida-des humanas, conforme explicado a seguir.

    2.3. As mudanas climticas

    A Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre a Mudana do Clima (CQNUMC) define Mudanas no Clima como:

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    Significa uma mudana de clima que possa ser dire-ta ou indiretamente atribuda atividade humana que altere a composio da atmosfera mundial e que se some quela provocada pela variabilidade climtica natural observada ao longo de perodos comparveis (Brasil, 2004, p.69).

    J o Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC) apre-senta outra definio de mudana climtica:

    Mudana climtica refere-se a uma variao estatisti-camente significativa nas condies mdias do clima ou em sua variabilidade, que persiste por um longo pe-rodo geralmente dcadas ou mais. Pode advir de processos naturais internos ou de foramentos natu-rais externos, ou ainda de mudanas antropognicas persistentes na composio da atmosfera ou no uso do solo. (IPCC, 2001).

    O aquecimento global, fenmeno ocasionado pelo aumento da con-centrao de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera tem se apre-sentado como um problema de gravidade crescente, impactando sig-nificativamente as condies de vida na Terra. O aumento do nvel dos oceanos, o crescimento e o surgimento de desertos, o aumento do n-mero de furaces, tufes e ciclones e a observao de ondas de calor em regies de temperatura tradicionalmente amena so os exemplos mais notrios desse fenmeno, motivando a adoo de medidas para o seu combate.

    Dessa forma, aquecimento global o aumento da temperatura mdia dos oceanos e da camada de ar prxima superfcie da Terra, que pode ser consequncia de causas naturais e de atividades humanas.

    O efeito estufa corresponde a uma camada de gases que cobre a su-perfcie da Terra. Essa camada composta principalmente por gs car-

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    bnico ou dixido de carbono (CO2), gs metano (CH4), xido nitroso (N2O) e vapor dgua, e um fenmeno natural fundamental para a manuteno da vida na Terra, pois sem ela o planeta poderia se tornar muito frio, inviabilizando a sobrevivncia de diversas espcies.

    Normalmente, parte da radiao solar que chega ao nosso planeta re-fletida e retorna diretamente para o espao; outra parte absorvida pelos oceanos e pela superfcie terrestre e uma parte retida por essa camada de gases, o que causa o chamado efeito estufa. O problema no o fen-meno natural, mas o agravamento dele. Como muitas atividades humanas emitem uma grande quantidade de gases formadores do efeito estufa, os chamados GEE, essa camada tem ficado cada vez mais espessa, reten-do mais calor na Terra, aumentando a temperatura da atmosfera terrestre e dos oceanos e ocasionando o aquecimento global.

    Entre os principais Gases de Efeito Estufa (GEE), o vapor dgua, ape-sar de ser o mais poderoso, gerado apenas por evaporao, podendo ser aumentado pela emisso dos outros gases que elevam a tempera-tura e geram mais liberao de vapor dgua. Os outros gases (CO2, CH4 e N2O) so provenientes de processos naturais e de fontes antr-picas aquilo que resulta da ao humana. O CO2 atualmente o gs mais lanado na atmosfera e, dentre os trs, o com maior potencial de gerar efeito estufa, seguido pelo CH4 e N2O. Porm, o foramento ra-dioativo7 desses gases inverso, sendo o metano 21 vezes e o xido nitroso 310 vezes maior do que o CO2. Existem ainda gases produzidos exclusivamente pela ao humana, como o clorofluorcarbono (CFC), os hidrofluorcarbonos (HFC), o perfluorcarbono (PFC) e o hexafluoreto de enxofre (SF6). A porcentagem e a liberao desses gases tm efeitos na manuteno do equilbrio climtico global.

    7 Foramento radioativo: capacidade de um gs em causar alteraes no clima (IPCC, 2007).

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    2.4. Exemplos de alguns acontecimentos recentes decorrentes das mudanas climticas

    Apenas para ficar em alguns exemplos, podemos mencionar que uma consequncia da estiagem e das altas temperaturas est assombrando So Paulo, a maior metrpole da Amrica do Sul: o esgotamento dos mananciais que fazem parte do Sistema Cantareira, que abastece boa parte da regio metropolitana de So Paulo e outras grandes cidades do Estado, como Campinas. As perspectivas futuras no so positivas: a precipitao de chuvas, at outubro de 2014, ficou aqum do espera-do, e a cidade pode chegar ao colapso do seu sistema de abastecimen-to de gua potvel. Se o prximo vero for ainda mais seco, o abasteci-mento de gua na capital paulista estar fortemente comprometido no curto e no mdio prazo. Na situao em que estamos hoje, para recupe-rar os mananciais e estabilizar a captao de gua para abastecimento seria necessrio que chovesse acima da mdia dos ltimos anos nos prximos trs veres. Se a situao piorar, a recuperao se torna ainda mais complicada de acontecer em um futuro prximo.

    No hemisfrio norte, o inverno, em 2014, foi disfuncional. Na Amrica do Norte, o vrtice polar congelou o Canad e o norte dos Estados Unidos por semanas, com temperaturas que chegaram at a faixa entre -40C e -50C. No norte da Europa, por outro lado, eventos esportivos de inver-no tiveram que ser cancelados pela falta de neve na Escandinvia. Em boa parte do continente europeu, o inverno foi muito mais quente que a mdia de anos recentes.

    Em uma dimenso maior e bem mais cruel, os Blcs, particularmente a Bsnia-Herzegovina, a Srvia e a Crocia, vivenciaram a pior catstrofe climtica dos ltimos 120 anos. Em pouco mais de quatro dias, em maio de 2014, choveu o previsto para trs meses. O prejuzo foi de bilhes de dlares e 49 pessoas morreram.

    Na Amrica do Sul, em contraste com a seca no sudeste brasileiro, a Bolvia viveu um dos seus veres mais chuvosos da histria recente, o

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    que resultou na cheia histrica dos rios da bacia amaznica, entre fe-vereiro e maro de 2015. No Brasil, houve reflexo. O excesso de gua isolou fisicamente o Estado do Acre do restante do pas por semanas.

    A associao entre esses eventos climticos especficos e as mudan-as do clima no factualmente simples, mas a maior ocorrncia des-ses eventos nos ltimos meses nos ajuda a entender como viver em um mundo climaticamente instvel.

    2.5. Concluso

    O que podemos tirar desse cenrio mais extremo que as mudanas climticas nos trazem desafios que vo alm da reduo das emisses de Gases de Efeito Estufa (GEE). O desafio da adaptao se torna cada vez mais dramtico na medida em que avanamos o farol vermelho do aumento da temperatura mdia global. Em grande parte, sua urgncia est associada com a nossa incapacidade de agir efetivamente nas l-timas duas dcadas estamos discutindo mudanas climticas h pelo menos 20 anos para reduzir as emisses globais de GEE. O Protocolo de Quioto (acordo internacional voltado para a reduo das emisses de GEE), assinado em 1997, somente entrou em vigor em 2005, e mes-mo assim sem a presena do ento principal emissor do planeta, os Estados Unidos. Hoje, ainda em vigor, ele trata apenas de uma parte do problema, visto que o Protocolo no prev compromissos obrigatrios de reduo para os pases emergentes, que hoje so muito mais repre-sentativos no consumo das emisses do que h 20 anos (especialmente China, ndia e Brasil).

    Mais adiante, neste material, voltaremos ao assunto.

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    3. Por que importante se falar de mudanas climticas consequncias/impactos

    As consequncias das mudanas climticas criam riscos e oportunida-des para os principais setores econmicos.

    As alteraes climticas so um dos grandes desafios que a sociedade enfrenta na busca pelo desenvolvimento sustentvel. As consequncias das mudanas climticas afetam no apenas o bem-estar humano e os ecossistemas, mas tambm os padres de consumo e de produo.

    A preocupao com os efeitos das mudanas climticas na vida do pla-neta tem ganhado cada vez mais espao nos estudos acadmicos, nas polticas governamentais, nas aes dos setores pblico e privado e em iniciativas de organizaes no governamentais, enfim, da sociedade como um todo. O maior interesse pelas consequncias das alteraes no clima aumentou com a intensificao dos fenmenos naturais, como ondas de calor, secas, furaces, enchentes e aumento do nvel do mar. Tambm as pesquisas cientficas colaboram para que o tema tenha maior evidncia, pois apontam que, com o crescimento da concentra-o na atmosfera de Gases de Efeito Estufa (GEE), resultantes princi-palmente da queima de combustveis fsseis (carvo mineral, petrleo e gs natural), e da derrubada de florestas tropicais, a temperatura do planeta subiu quase 1 grau Celsius nos ltimos 100 anos, e em algumas regies esse aquecimento chegou a at 2 graus Celsius.

    Historicamente, por conta do desenvolvimento industrial, os pases de-senvolvidos tm sido responsveis pela maior parte das emisses de GEE, mas os pases em desenvolvimento vm aumentando considera-velmente suas emisses.

    Existem vrias maneiras de reduzir as emisses dos Gases de Efeito Es-tufa (GEE) e os efeitos no aquecimento global. Diminuir o desmatamento; investir no reflorestamento e na conservao de reas naturais; incentivar o uso de energias renovveis no convencionais (solar, elica, biomassa

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    e Pequenas Centrais Hidreltricas); preferir a utilizao de biocombus-tveis (etanol, biodiesel) a combustveis fsseis (gasolina, leo diesel); investir na reduo do consumo de energia e na eficincia energtica; reduzir, reaproveitar e reciclar materiais; investir em tecnologias de baixo carbono; e melhorar o transporte pblico com baixa emisso de GEE so algumas das possibilidades. E essas medidas podem ser estabelecidas por meio de polticas nacionais e internacionais de clima.

    Em outra frente, as batalhas por alimento e gua devem eclodir den-tro de cinco a dez anos, devido aos efeitos das mudanas climticas. Essa projeo, do presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, foi feita durante entrevista ao jornal britnico The Guardian, em abril de 2014. A fim de manter o aquecimento global abaixo do limite acordado inter-nacionalmente, de 2 graus Celsius, Kim observou que o mundo precisa de um plano para mostrar que est comprometido com a meta. Ele deli-neou quatro reas em que o Banco Mundial poderia ajudar a combater a mudana climtica: investir em cidades mais limpas e sustentveis, encontrar um preo estvel para o carbono, reduzir os subsdios aos combustveis fsseis e desenvolver uma agricultura mais inteligente e resistente ao clima.

    Os comentrios de Kim seguem a publicao da segunda parte do quin-to relatrio do IPCC, que advertiu que nenhuma nao ficaria intocada pelo aquecimento global. O relatrio tambm alertou para os efeitos que as mudanas climticas teriam sobre os preos dos alimentos, assim como em muitas outras reas, como recursos hdricos. A produtividade agrcola pode cair 2% por dcada at o final do sculo, ao passo que a demanda dever aumentar 14% at 2050.

    Atualmente, no Brasil, as mutaes climticas com rios e crregos to-talmente secos, em algumas regies, assustam. A navegabilidade do Rio Tiet, em So Paulo, est praticamente interrompida em todo o seu curso. O governo brasileiro j pensa em criar, por exemplo, novas usi-nas nucleares; a Usina Nuclear Angra 3 j est em andamento, para ser entregue em 2018.

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    Analisando as mudanas climticas, Rachel Kyte, do Banco Mundial, reconhece o problema. A escassez de gua ameaa a viabilidade em longo prazo de projetos de energia em todo o mundo. Mostrando a gra-vidade do quadro, Kyte observa que, apenas no ano passado, a falta de gua forou o fechamento de usinas trmicas na ndia, causou o declnio nas plantas de produo de energia nos Estados Unidos, e a capacidade hidreltrica foi ameaada em muitos pases, incluindo Sri Lanka, China e Brasil. So Paulo, a maior cidade brasileira, sente o dra-ma em seu cotidiano.

    So vrias as consequncias do aquecimento global e algumas delas j podem ser sentidas em diferentes partes do globo. Os cientistas ob-servam que o aumento da temperatura mdia do planeta tem elevado o nvel do mar devido ao derretimento das calotas polares, podendo ocasionar o desaparecimento de ilhas e cidades litorneas densamente povoadas. E h previso de uma frequncia maior de eventos extremos climticos (tempestades tropicais, inundaes, ondas de calor, secas, nevascas, furaces, tornados), com graves consequncias para popu-laes humanas e ecossistemas naturais, podendo ocasionar a extin-o de espcies de animais e de plantas.

    Em nosso pas, as mudanas do uso do solo e o desmatamento so res-ponsveis pela maior parte das nossas emisses. As reas de florestas e os ecossistemas naturais so grandes reservatrios e sumidouros de carbono, por sua capacidade de absorver e estocar CO2. Mas quando acontece um incndio florestal ou uma rea desmatada, esse carbono liberado para a atmosfera, contribuindo para o efeito estufa e o aque-cimento global. Alm disso, as emisses de GEE por outras atividades, como agropecuria e gerao de energia, vm aumentando considera-velmente ao longo dos anos.

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    4. O histrico das mudanas climticas

    Desde o ano de 1750, a atividade humana tem se transformado e alte-rado o equilbrio dinmico do processo climtico no planeta. Isso tem acontecido por causa do aquecimento global, do efeito estufa e de ou-tros fenmenos, como por exemplo, o aumento da reflexibilidade do so-lo.8 A Revoluo Industrial, iniciada na segunda metade do sculo XVIII, foi o incio do aumento substancial das emisses de Gases de Efeito Estufa (GEE) de fonte antrpica (resultante da ao do homem) para a atmosfera. Foi uma revoluo que reorganizou atividades humanas, trazendo novos materiais e processos, o que demandou um aumento da necessidade de energia. A produo industrial cresceu vertiginosa-mente em todos os setores e isso exigiu um aumento da demanda por recursos naturais.

    O papel da ao humana no aquecimento global fica evidente em an-lises da oscilao da temperatura no decorrer do sculo XX, quando foram considerados resultados esperados para a temperatura com a atividade humana (faixa vermelha na figura a seguir) e somente com foramentos naturais (faixa azul na figura a seguir); a linha preta mostra a temperatura efetivamente observada.

    8 IPCC, 2007.

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    Figura 3: Simulaes de temperatura - IPCC, 2007

    Essas simulaes indicam a forte ligao da ao antrpica com a osci-lao da temperatura no sculo passado. O aquecimento global perce-bido no ltimo sculo foi registrado pela comunidade cientfica como au-mentos anmalos de temperatura em relao aos 1.300 anos anteriores.

    Com relao s mudanas climticas, os primeiros estudos de impacto comearam a aparecer na dcada de 1980, com o marco do Relatrio Brundtland Nosso Futuro Comum (1987), que mencionou as mudan-as climticas como o maior desafio ambiental a ser enfrentado pelo desenvolvimento.

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    A partir da, podemos mencionar os seguintes marcos:

    1988: aconteceu a Conferncia Mundial sobre Mudanas Atmos-fricas (The Changing Atmosfere: Implications for Global Security), quando foi agilizada a adoo de uma conveno internacional so-bre o tema. Em novembro desse mesmo ano de 1988, o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (UNEP United Nations Environment Programme), em colaborao com a WMO (World Me-tereological Organization), criou o Painel Intergovernamental so-bre Mudanas Climticas (IPCC Intergovernamental Panel on Climate Change), um grupo de trabalho responsvel pela compi-lao da evoluo tcnica e cientfica das questes climticas, composto por uma equipe de mais de dois mil cientistas do mundo inteiro, que frequentemente emitem um relatrio sobre a evoluo dos aspectos das mudanas climticas e seus possveis impactos9. O IPCC permanece sendo o principal rgo de anlise e elaborao de relatrios sobre o conhecimento do estado da arte das mudanas climticas globais.

    1990: o IPCC publica o seu Primeiro Relatrio de Avaliao, confirmando a evidncia cientfica das mudanas climticas. Esse relatrio afirma que, para os Gases de Efeito Estufa (GEE) de lon-ga vida, como o dixido de carbono (CO2), seriam necessrias re-dues imediatas das emisses geradas pelas atividades humanas acima de 60%, para poder estabilizar suas concentraes atmosf-ricas em nveis de 1990.

    Com a publicao do relatrio, que ressaltava o significativo aumento da concentrao de GEE nos ltimos 150 anos, a preocupao com as mudanas climticas comeou a chamar a ateno dos polticos internacionais.

    Neste primeiro relatrio, o IPCC anunciou que os cincos anos mais

    9 Avzaradel, Pedro Curvello Saavedra, 2008. Mudanas Climticas: risco e reflexividade/ UFF/ Programa de Ps- Graduao em Sociologia e Direito.

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    quentes jamais registrados haviam ocorrido na dcada de 1980. Dali em diante, essa afirmao ganharia atualizaes frequentes, revelando recordes cada vez mais preocupantes.

    1992: com a preocupao cientfica, na Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED Uni-ted Nations Conference on Environment and Development), a cha-mada Cpula da Terra, sediada no Rio de Janeiro, foi instituda a Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre a Mudana do Clima (CQNUMC ou, em Ingls, UNFCCC The United Nations Framework Convention on Climate Change), uma iniciativa global para o encaminhamento do problema do aquecimento atmosfrico10.

    A criao da Conveno-Quadro foi assinada pelos governos presentes na Cpula da Terra, incluindo o ento presidente dos EUA, George Bush. Nela, os pases industrializados adotaram uma meta no obri-gatria para, at o ano 2000, retornar as emisses aos nveis de 1990.

    1994: entra em vigor a UNFCCC, obrigatria para os pases que a ratificaram.

    1995: divulgado o segundo relatrio de avaliao do IPCC, que afirmou que os ltimos anos estavam entre os mais quentes (IPCC, 1995). Esse relatrio aborda a seguinte questo: os humanos esto causando as mudanas climticas ou as mudanas climticas ocor-rem por uma flutuao natural? Para responder a essa questo, o relatrio atesta que o balano das evidncias sugere que h uma influncia humana perceptvel no clima global.

    1995: realizada a Primeira Conferncia das Partes da UNFCCC (COP 1) em Berlim, na Alemanha. D origem ao chamado Manda-to de Berlim, uma rodada de dois anos de conversas para negociar um protocolo ou outro instrumento legal para reduo de emisses.

    10 KLIGERMAN, D.C., Multilateral Environmental Agreements (Meas) and Adaptation, SSN Adaptation Program Report, Programa de Planejamento Energtico, COPPE, UFRJ, agosto de 2005.

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    1997: firmado o Protocolo de Quioto (PK), em Quioto, no Japo (COP 3), contendo metas de reduo de emisses obrigatrias, para os pases desenvolvidos, a serem cumpridas ao longo do per-odo de 2008 a 2012.

    2001: lanado o terceiro relatrio de avaliao do IPCC, que afirmou que 1998 e os anos 1990 foram o ano e a dcada mais quentes que se tinha registro (IPCC, 2001). O relatrio indicou que h evidncias novas e mais fortes de que a maior parte do aquecimento observado, durante os ltimos 50 anos, atribuvel a atividades humanas.

    2001: durante a stima Conferncia das Partes da UNFCCC (COP 7), formado o livro de regras para os mecanismos do Protocolo de Quioto, como o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), a Implementao Conjunta e o comrcio de emisses.

    2005: entra em vigor o Protocolo de Quioto, aps a ratificao da Rssia. Realizada a Primeira Reunio das Partes do Protocolo de Quioto formal (COP / MOP 1 - do ingls meeting of parts), em paralelo com a COP 11 da UNFCCC); as partes concordam em ne-gociar novos compromissos no mbito do protocolo, como o acordo de no haver lacunas depois de 2012. Outras informaes sobre o protocolo esto no item 5 deste material.

    Lanado o Relatrio Stern. O Relatrio Stern (relatrio do econo-mista britnico Nicholas Stern, encomendado pelo governo britnico e lanado em 2006) revolucionou o debate em torno das mudanas climticas ao expressar, pela primeira vez de forma quantitativa, que o total dos custos e riscos das alteraes climticas ser equivalente perda anual de, no mnimo, 5% do PIB global, permanentemente, e que se forem levados em conta uma srie de riscos e impactos mais amplos, as estimativas dos danos poderiam aumentar para 20% ou mais do PIB global.

    A concluso central do estudo que a inao consideravelmente mais cara que a ao, pois os custos da adoo de medidas de mitigao

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    que estabilizem as emisses em 500 ppm e o aumento da temperatura em menos de 2C at 2100 giram em torno de 1% a 3% do PIB mundial anual. Ou seja, os benefcios de uma ao forte e imediata para enfren-tar as mudanas climticas ultrapassam de longe os custos de poster-gar a ao ou no agir em absoluto (FGVCes, EPC, 2010).

    O relatrio tambm afirma que, se no forem tomadas medidas para a reduo das emisses, a concentrao dos Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera poder atingir o dobro do seu nvel pr-industrial j em 2035, sujeitando-nos praticamente a um aumento da temperatura mdia global de mais de 2C. O relatrio apontou ainda que, em longo prazo, h mais de 50% de possibilidade de que o aumento da tempera-tura venha a exceder os 5C.

    2007: o IPCC lanou seu quarto relatrio de avaliao, com dados atualizados, relatando que entre 1995 e 2006 estariam os onze dos doze anos mais quentes registrados (IPCC, 2007)11.

    2009: na Cpula de Copenhague (COP 15 / MOP 5), foi firmado o Acordo de Copenhague (no vinculante a metas obrigatrias), com anexos de metas nacionais submetidas pelos pases, tais como a meta de 2 graus (tambm no obrigatria) e um pacote de fast-tra-ck finance (compromisso dos pases desenvolvidos de mobilizar US$ 100 bilhes em financiamento climtico at 2020).

    2010: os Acordos de Cancun, na COP 16, formalizam as pro-postas do Acordo de Copenhague dentro do processo da ONU, formando uma estrutura para novas negociaes e compromissos em diversas reas, como adaptao, transferncia de tecnologia, desmatamento, novos mecanismos de mercado e monitoramento, alm de reporte e verificao.

    11 Albuquerque, Laura. Anlise Crtica das Polticas Pblicas em Mudanas Climticas e dos Compromissos Nacionais de Reduo de Emisso de Gases de Efeito Estufa no Brasil/Laura Albuquerque Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2012.

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    2011: na COP 17, em Durban, na frica do Sul, so dados os lti-mos passos para a extenso de mdio prazo do Protocolo de Quioto no ps-2012, para a estrutura de um novo acordo global em longo prazo (a Plataforma Durban), bem como para o set-up e operaciona-lizao do Fundo Verde para o Clima.

    2012: na COP 18, em Doha, no Qatar, foram finalizadas as regras para um segundo perodo do Compromisso do Protocolo de Quio-to (CP2). O Protocolo de Quioto foi prorrogado at 2020 (visto que muitos pases no atingiram as metas estabelecidas). Foram tam-bm discutidos avanos para aumentar a ambio pr-2020, para desenvolver uma estrutura ps-2020 e para consolidar outras reas de negociao.

    2013: na COP 19, em Varsvia, na Polnia, o foco foi na mudan-a para discusses de alto nvel mais abstratas, buscando um pro-gresso mais concreto nas negociaes, que garantam as bases ne-cessrias para colocar em vigor um acordo global a ser alcanado em 2015. Isso exige a construo de um impulso poltico para 2015, que desenvolva os ingredientes principais, tais como: o Fundo Verde para o Clima; aes nacionais em todos os pases; a ratificao e a entrada em vigor do segundo perodo de compromisso do Protoco-lo de Quioto; bem como os progressos no mbito da Plataforma de Durban para uma Ao Reforada ou o reforo da ambio pr-2020 por meio de uma srie de aes possveis.

    2014: o IPCC divulgou seu quinto relatrio de avaliao, relatan-do, com uma probabilidade de mais de 95% de intervalo de confian-a, que as mudanas nas temperaturas globais esto sendo ocasio-nadas por atividades humanas.

    2014: na COP 20, em Lima, no Peru, primeira Conferncia de Clima na Amrica do Sul, os pases concordaram nos elementos base do novo acordo, previsto para ser concludo na COP 21 em Paris (2015).

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    Ao mesmo tempo, acordaram as regras bsicas sobre como todos os pases podem enviar contribuies para o novo acordo12.

    2015: ser realizada, em Paris, a COP 21, que poder ser um mar-co nas negociaes internacionais, pois ter o objetivo de finalizar as negociaes do prximo acordo climtico, que comear a vigorar aps 2020.

    2020: fim do segundo perodo do Compromisso de Quioto (CP2); pra-zo para o novo acordo global previsto para entrar em vigor. O finan-ciamento climtico poder crescer acima de US$ 100 bilhes ao ano, a partir de 202013. Prazo suficiente para a ambio de mdio prazo ter sido alcanada, mantendo o aumento de temperatura em 2C.

    A UNFCCC, ou Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre a Mu-dana do Clima, que entrou em vigor em maro de 1994, foi assinada por 189 pases e iniciou suas negociaes baseando as discusses na responsabilidade comum de todos os pases em combater as mudan-as climticas, mas com responsabilidades diferentes diante da contri-buio histrica dos pases para a emisso de Gases de Efeito Estufa (GEE). Tambm determinou que pases industrializados e de economias em transio deveriam conduzir esforos na mitigao das mudanas climticas e apoio financeiro aos pases em desenvolvimento em aes de mitigao e adaptao s mudanas climticas. A Conveno teve como objetivo ltimo a estabilizao da concentrao de Gases de Efeito Estufa na atmosfera em tal nvel que mantivesse a elevao da temperatura em nveis seguros para os processos socioambientais no mundo, permitindo que os ecossistemas se adaptassem naturalmente s mudanas climticas.

    12 http://unfccc.int/resource/docs/2014/cop20/eng/10a01.pdf#page=213 http://unfccc.int/bodies/green_climate_fund_board/body/6974.php

    http://unfccc.int/bodies/green_climate_fund_board/body/6974.php

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    Figura 4: Aumento das emisses e da temperatura. Fonte: United Nations Environment Programme UNEP (ou, em Portugus, Programa das

    Naes Unidas para o Meio Ambiente PNUMA), 2012.

    As Conferncias das Partes de Clima da UNFCCC (COP Confe-rence of Parties), reunies de negociao intergovernamental mundial para a regulamentao sobre questes referentes s mudanas clim-ticas, discusso e implementao das aes necessrias para concre-tizar a UNFCCC, desde 1995, promovem encontros regulares e devem observar o cumprimento dos compromissos assumidos para alcanar os objetivos da Conveno, divulgar novas questes cientficas e verifi-car a eficcia dos programas nacionais de mudanas climticas. Uma das tarefas principais da COP revisar as Comunicaes Nacionais e a submisso dos inventrios de GEE. De posse dessas informaes, a COP analisa os efeitos das medidas tomadas pelas partes e o progres-so em atingir o respectivo objetivo da Conveno (UNFCCC, 2012).

    O ltimo relatrio do Painel de Cientistas da ONU quinto relatrio de avaliao do IPCC , divulgado em 2014, reafirma que os combustveis

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    fsseis continuam sendo o maior vilo das mudanas climticas, sendo o gs carbnico (CO2) responsvel por 76% das emisses de GEE, e 10 pases so responsveis por mais de 70% das emisses mundiais. O relatrio ressalta que, para manter o aumento da temperatura abaixo de 2C at o ano de 2100, sero necessrias grandes mudanas na matriz energtica e grandes redues nas emisses nas prximas dcadas.

    Apesar da crise econmica global de 2007/2008 ter reduzido as emis-ses nesse perodo, a tendncia de aumento das emisses continua, e as emisses globais cresceram mais rapidamente ao longo dos ltimos 10 anos (em 2,2% ao ano) do que ao longo de todo o perodo de 30 anos, de 1970 a 2000 (1,3% por ano), e tendem a continuar crescendo. Ao longo das ltimas quatro dcadas, a quantidade total de CO2 na at-mosfera duplicou, passando de cerca de 900 GtCO2, para o perodo de 1750 a 1970, para 2.000 GtCO2, englobando o perodo de 1750 a 2010.

    Mais de 75% do aumento das emisses anuais de GEE entre 2000 e 2010 ocorreram a partir do setor industrial (30%). O relatrio reafirma que, na ltima dcada, o crescimento econmico e da populao tem impulsionado o aumento das emisses. Sem esforos explcitos para reduzir essas emisses, a tendncia de aumento deve continuar.

    Outros pontos importantes ressaltados pelo quinto relatrio do IPCC:

    A concentrao de mais de 530 partes por milho (ppm) de CO2 na atmosfera ir, provavelmente, conduzir a um aquecimento global su-perior a 2C em relao aos nveis pr-industriais o limite mximo para o aquecimento global, que os governos acordaram nas nego-ciaes climticas da ONU em Cancun, no Mxico, em 2010. Em 2013, o mundo ultrapassou a marca de 400 ppm pela primeira vez.

    Ser necessrio triplicar a percentagem de fontes energticas de baixo carbono ou que no emitem carbono em sua operao, pelo menos at 2050, enquanto as emisses de Gases de Efeito Estufa (GEE) tero de ser reduzidas em 40% a 70%, tambm at 2050 (em relao a 2010).

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    Para manter o aumento da temperatura abaixo de 2C at 2100, mu-danas significativas nos fluxos anuais de investimento entre 2010 e 2029 sero necessrias.

    A transformao para uma economia de baixo carbono tambm exigi-r novos padres de investimento. Especificamente, o investimento em combustveis fsseis, em usinas de energia e de extrao. Ser neces-sria uma diminuio de US$ 30 bilhes por ano, entre 2010 e 2029 (mdia: -20%), nessas matrizes, enquanto o investimento em energias de baixo carbono dever aumentar em US$ 147 bilhes (mdia: +100 %). Para uma perspectiva, o investimento total anual global no sistema de energia de cerca de US$ 1,2 trilho.

    O relatrio termina enfatizando que as promessas feitas pelos gover-nos nas negociaes sobre o clima em Cancun no sero suficientes. A ltima parte do relatrio refora a urgncia ambiental que o mundo est enfrentando; se forem postergados investimentos e iniciativas de mitigao das emisses para depois de 2030, ser muito difcil manter o aquecimento global abaixo dos nveis de 2C.

    Para manter o aumento da temperatura abaixo dos 2C, cobenefcios adicionais sero necessrios:

    Tornar menos custoso o caminho para atingir a segurana energti-ca e os objetivos de qualidade do ar.

    Reduzir os impactos sobre a sade humana e os ecossistemas.

    Melhorar a capacidade dos pases para atender s suas necessida-des de energia, o que levar a uma menor volatilidade dos preos e a interrupes de fornecimento.

    Mais informaes sobre o quinto relatrio de avaliao do IPCC esto no item 7 deste material.

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    Governana da UNFCCC

    A Conferncia da Partes COP a maior autoridade na UNFCCC. uma associao que inclui todos os pases membros do Protocolo de Quioto e, em geral, se rene anualmente, durante duas semanas. O pblico da conferncia inclui delegados de governos, observadores de organizaes e jornalistas. J foram realizadas 20 conferncias.

    Alm do IPCC e da COP, foram criadas outras entidades para auxiliar na implementao da UNFCCC. So elas:

    CLIMATE CHANGE SECRETARIAT Secretariado da Conveno do Clima (UNFCCC), responsvel por organizar as COP, elaborar e transmitir relatrios, prestar assistncia s partes, estabelecer mecanismos administrativos e contratuais e demais funes de secretariado.

    SBSTA (Subsidiary Body for Scientific and Technical Advice) Corpo Subsidirio para o Conselho Cientfico e Tcnico, que deve manter a COP informada e aconselh-la sobre as questes cientfi-cas e tecnolgicas relacionadas ao IPCC e ao UNFCCC.

    SBI (Subsidiary Body for Implementation) Corpo Subsidirio para Execuo, que auxilia os participantes da UNFCCC na avaliao e na implementao da Conveno.

    GEF (Global Environment Facility) Fundo Ambiental Global, es-tabelecido em 1991, para operar como financiador da UNFCCC, dando suporte aos pases elegveis para que eles alcancem seus objetivos. Tido atualmente como o maior fundo do planeta para projetos ambientais.

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    5. O Protocolo de Quioto

    O Protocolo de Quioto, assinado em 1997 e que entrou em vigor em 2005, um tratado internacional que estipulou metas de redues obrigatrias dos principais Gases de Efeito Estufa (GEE), em uma mdia de 5,2%, para o perodo de 2008 a 2012, em relao aos nveis de 1990. Apesar da resistncia por parte de alguns pases desenvolvidos, foi acordado o Princpio da Responsabilidade Comum, porm Diferenciada. Assim, os pases desenvolvidos e industrializados (integrantes do Anexo I da UN-FCCC), por serem responsveis histricos pela maior parte das emisses e por terem mais condies econmicas para arcar com os custos de-correntes, seriam os primeiros a assumir as metas de reduo at 2012.

    O tratado referente ao Protocolo fundamentou-se basicamente em dois princpios: o Princpio da Precauo e o Princpio da Responsabili-dade Comum, porm Diferenciada. O Princpio da Precauo, seme-lhante ao princpio bsico do Direito Ambiental, declara que a falta de plena certeza cientfica no deve ser usada como argumento para se postergar medidas quando houver ameaa de dano srio ou irreversvel ao meio ambiente e sociedade. E o Princpio da Responsabilidade Comum, porm Diferenciada atribui a liderana pelo movimento de mu-dana do clima aos pases desenvolvidos, que emitiram GEE tempos antes dos pases em desenvolvimento comearem a emitir. Esse princ-pio leva em conta a contribuio histrica de cada pas.

    Assim, os pases foram considerados em dois grupos:

    Anexo I pases mais industrializados, e consequentemente gran-des emissores histricos de GEE.

    No Anexo I pases menos industrializados, que, para atender s suas necessidades bsicas de desenvolvimento, precisam aumentar a sua oferta energtica e, potencialmente, suas emisses de GEE.

    Para o cumprimento das metas do Protocolo de Quioto, foram desen-volvidos trs mecanismos de flexibilizao para ajudar os pases do

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    Anexo I a atingirem suas metas de reduo de emisses de GEE e minimizarem os custos dessa reduo. J para os pases do No Ane-xo I, ou seja, pases em desenvolvimento, esses mecanismos flexveis representam uma oportunidade de aporte de capital para investimento em projetos que reduzam as emisses de GEE e fomentem o desenvol-vimento sustentvel, compensando as emisses em outras regies14.

    Os trs mecanismos de flexibilizao so: comrcio de emisses (CE), Implementao Conjunta (IC) e Mecanismo de Desenvolvimento Lim-po (MDL). Os mecanismos apresentam grandes diferenas quanto aos participantes e quanto dinmica. Os dois primeiros so restritos par-ticipao de pases pertencentes ao Anexo I e apenas o MDL permite a participao dos pases em desenvolvimento. Com relao forma de operacionalizao dos instrumentos, o CE baseia-se na comerciali-zao de permisso de emisso, enquanto os outros dois instrumentos baseiam-se na elaborao de projetos que levem a uma reduo de emisso. Estes mecanismos so abordados a seguir.

    Em 2012, a meta de reduo das emisses de GEE de 5% em relao a 1990 durante o primeiro perodo de compromisso do Protocolo de Quio-to (2008 a 2012) no foi atingida.

    Durante a COP 18, em Doha, no Qatar, foi adotada uma emenda ao Pro-tocolo de Quioto definindo o segundo perodo de compromisso do Proto-colo de Quioto (1 de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2020) e que manteve em operao o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MDL.

    Em 2020, quando o Protocolo de Kyoto perder sua validade, espera--se que os pases busquem um novo acordo com metas para todos os pases, incluindo os pases em desenvolvimento. Essa ser a principal discusso da COP de 2015, em Paris15.

    14 SOUZA, P. F. de M. e. Metodologias de monitoramento de projetos de MDL: uma anlise estrutural e funcional [Rio de Janeiro], COPPE/UFRJ, M.Sc., Planejamento Energtico, 2005.

    15 http://unfccc.int/kyoto_protocol/items/2830.php

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    5.1. Mecanismos de Flexibilizao

    5.1.1. Comrcio de Emisses (CE)

    O CE permite apenas a participao de pases do Anexo I, pois lida com elementos relacionados s metas de reduo de emisso. Como os pases do No Anexo I no possuem metas, no podem participar desse mecanismo. Os pases tm uma grande heterogeneidade em re-lao s suas condies polticas, modernidade do parque industrial, hbitos da sociedade ou dependncia de combustveis fsseis. Assim, h pases com maior facilidade de reduo de emisso e outros com maior dificuldade.

    Em funo disso, permitiu-se que os pases possam negociar os seus direitos de emitir. Ou seja, um pas A que consegue reduzir suas emis-ses a um custo baixo tem um incentivo para reduzir o mximo possvel, podendo ento comercializar a diferena entre sua reduo de emisso e sua meta para pases que apresentam uma maior dificuldade de re-duo de emisso, ou seja, um maior custo. Essa permisso que o pas A possui foi definida no Protocolo de Quioto como AAU (Unidade de Quantidade Atribuda), tambm conhecida no mercado como Allowan-ces, ou seja, permisses, pois se tratam da comercializao do direito de emitir quantidades de GEE16.

    5.1.2. Implementao Conjunta IC (do ingls Joint Implementation JI)

    Foi um instrumento proposto pelos EUA, que permite a negociao bi-lateral de implementao conjunta de projetos de reduo de emisses de GEE entre pases integrantes do Anexo I.

    16 SOUZA, P. F. de M. e. Metodologias de monitoramento de projetos de MDL: uma anlise estrutural e funcional [Rio de Janeiro], COPPE/UFRJ, M.Sc., Planejamento Energtico, 2005.

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    Conforme definido no Artigo 6.1 do Protocolo de Quioto, por meio da IC um pas industrializado ou empresa pode compensar suas emisses participando de sumidouros e projetos de reduo de emisses em ou-tro pas do Anexo I. Implica, portanto, em constituio e transferncia de crdito de emisses de Gases de Efeito Estufa do pas em que o projeto est sendo implementado para outro pas. Este pode comprar crdito de carbono e, em troca, constituir fundos para projetos a serem de-senvolvidos em outros pases. Os recursos financeiros obtidos sero aplicados necessariamente na reduo de emisses ou em remoo de carbono (UNFCCC, 2007).

    5.1.3. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

    A criao do instrumento de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), suas normas e condies para implementao so definidas no Artigo 12 do Protocolo de Quioto. O propsito do MDL prestar a mtua assistncia entre Partes do Anexo I e No Anexo I, para que viabilizem o desenvolvimento sustentvel e contribuam para o objetivo final da Con-veno (UNFCCC), a reduo de emisses de Gases de Efeito Estufa.

    O objetivo final de mitigao de GEE atingido por meio da implemen-tao de atividades de projetos nos pases em desenvolvimento que resultem na reduo dessas emisses. Para que sejam consideradas elegveis no mbito do MDL, as atividades de projetos devem contribuir para o objetivo primordial da Conveno e observar alguns critrios fun-damentais, entre os quais, o da adicionalidade, ou seja, resultar na re-duo de emisses de Gases de Efeito Estufa e/ou na remoo de CO2, de forma adicional ao que ocorreria na ausncia da atividade de projeto do MDL. As quantidades relativas s redues de emisso de Gases de Efeito Estufa atribudas a uma atividade de projeto resultam em Redu-es Certificadas de Emisses (RCE), medidas em tonelada mtrica de dixido de carbono equivalente (tCO2e). As RCE representam crditos que podem ser utilizados pelas Partes do Anexo I que tenham ratificado

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    o Protocolo de Quioto, como uma maneira de cumprimento parcial de suas metas de reduo de emisses de GEE.

    As atividades de projeto do MDL, bem como as redues de emisses de GEE a estas atribudas, devem ser submetidas a um processo de aferio e verificao por meio de instituies e procedimentos estabe-lecidos na Deciso n 17 da COP 717.

    17 SOUZA, P. F. de M. e. Metodologias de monitoramento de projetos de MDL: uma anlise estrutural e funcional [Rio de Janeiro], COPPE/UFRJ, M.Sc., Planejamento Energtico, 2005.

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    6. Poltica Nacional de Clima no Brasil

    O Brasil confirmou o Acordo de Copenhague, na COP 16, em 2010, em Cancun, no Mxico. Nessa Conferncia, o Brasil apresentou sua NAMA (Nattionaly Apropriated Mitigation Action), ou seja, o conjunto de aes visando reduo de emisses, incluindo, sua meta nacional vo-luntria de reduo de emisses de GEE. A submisso feita pelo Brasil previa redues entre 36,1% e 38,9% das emisses nacionais projeta-das at 2020, com base em nveis de referncia de 1994, 1995 e 2004. Tais metas foram definidas na Poltica Nacional sobre Mudana do Clima (PNMC), Lei 12.187 / 2009, aprovada pelo Congresso Nacional.

    A PNMC foi importante para amparar as posies brasileiras nas dis-cusses multilaterais e internacionais sobre combate ao aquecimento global, sendo um marco legal para a regulao das aes de mitigao e adaptao no pas. Marco esse que dita princpios, diretrizes e instru-mentos para a consecuo dessas metas nacionais, independentemen-te da evoluo dos acordos globais de clima18.

    Em dezembro de 2010, foi editado o Decreto no 7.390, que regulamen-tou os Artigos 6, 11 e 12 da Lei n 12.187/2009, que instituiu a PNMC e deu outras providncias. Entre elas, estabeleceu, em consonncia com a PNMC, planos setoriais de mitigao e de adaptao s mu-danas climticas, visando consolidao de uma economia de baixo consumo de carbono. Esse decreto permitiu esclarecer e definir vrios aspectos regulatrios do texto legal quanto mensurao das metas e formulao dos planos setoriais.

    Dentre outras coisas, em relao s metas brasileiras, o Decreto projeta as emisses nacionais de GEE para o ano de 2020 em 3.236 milhes de toneladas mtricas de dixido de carbono equivalente (tCO2e), sem considerar nenhuma ao de mitigao. Esse mesmo documento diz

    18 Seroa da Motta, R. A Poltica Nacional sobre Mudana do Clima: aspectos regulatrios e de governana. Em: Seroa da Motta et al (EDITORES). Mudana do Clima no Brasil: aspectos econmicos, sociais e regulatrios. Braslia: IPEA, 2011.

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    ainda que, para alcanar esse compromisso nacional voluntrio, o pas se compromete a reduzir entre 1.168 milhes de tCO2e, equivalente aos 36,1%, e 1.259 milhes de tCO2e do total das emisses projetadas para 2020, equivalente aos 38,9%. As emisses de GEE projetadas para 2020, totais e por setor, constam do Artigo 6 do Decreto e as redues de emisses projetadas para 2020 constam do Artigo 5.

    Por outro lado, para o atingimento da meta publicada pelo Brasil, o De-creto contou com uma lista de aes de mitigao das emisses:

    I. reduo de oitenta por cento dos ndices anuais de desmatamen-to na Amaznia Legal em relao mdia verificada entre os anos de 1996 a 2005;

    II. reduo de quarenta por cento dos ndices anuais de desmata-mento no Bioma Cerrado em relao mdia verificada entre os anos de 1999 a 2008;

    III. expanso da oferta hidroeltrica, da oferta de fontes alternativas renovveis, notadamente centrais elicas, pequenas centrais hi-dreltricas e bioeletricidade, da oferta de biocombustveis, e in-cremento da eficincia energtica;

    IV. recuperao de 15 milhes de hectares de pastagens degradadas;

    V. ampliao do sistema de integrao lavoura-pecuria-floresta em 4 milhes de hectares;

    VI. expanso da prtica de plantio direto na palha em 8 milhes de hectares;

    VII. expanso da fixao biolgica de nitrognio em 5,5 milhes de hectares de reas de cultivo, em substituio ao uso de fertilizan-tes nitrogenados;

    VIII. expanso do plantio de florestas em 3 milhes de hectares;

    IX. ampliao do uso de tecnologias para tratamento de 4,4 milhes de m3 de dejetos de animais; e

  • 36

    X. incremento da utilizao na siderurgia do carvo vegetal origin-rio de florestas plantadas e melhoria na eficincia do processo de carbonizao.

    Ao regulamentar a PNMC, o decreto federal n 7.390/2010 dispe que os Planos Setoriais se integrariam com os Planos de Preveno de Des-matamento e o Plano Nacional de Mudanas Climticas. No decreto, foram definidos dois Planos de Preveno ao Desmatamento (PPCDAM e PPCERRADO) e trs planos setoriais de emisses (Plano Decenal de Energia, Plano de Agricultura de Baixo Carbono e o Plano de Reduo de Emisses da Siderurgia). Os demais planos previstos pela PNMC foram finalizados em 2013, sendo eles: (i) Plano Setorial da Indstria, (ii) Plano Setorial da Minerao, (iii) Plano Setorial de Transporte e (iv) Plano Setorial da Sade. Todos esses planos esto disponveis no site do Ministrio do Meio Ambiente.

  • 37

    7. Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas IPCC e o Painel Brasileiro de Mudanas Climticas PBMC consideraes sobre os impactos das mudanas climticas

    7.1. IPCC

    O Grupo de Trabalho II (WGII, da sigla em Ingls) foi o responsvel pela compilao de resultados do quinto relatrio de avaliao (AR5) do IPCC, divulgado em 31 de maro de 2014. O Grupo de Trabalho II est encarregado de discutir impactos, adaptao e vulnerabilidade em di-ferentes cenrios. O relatrio contempla dados disponveis sobre os im-pactos das mudanas climticas em: recursos hdricos; biodiversidade e ecossistemas; reas costeiras e de baixa altitude; sistemas marinhos; produo de alimentos e segurana alimentar; perdas econmicas glo-bais; sade pblica; segurana humana; e pobreza.

    Os pontos que se seguem destacam os impactos previstos em nvel mundial e para a Amrica do Sul e Central, com base na verso final do quinto Relatrio de Avaliao do IPCC, aprovado entre os dias 25 e 29 de maro de 2014, em Yokohama, no Japo.

  • 38

    Projeo de mudanas nas temperaturas anuais

    Fonte: 5 Relatrio do IPCC, 2014.

    O mapa no topo indica as temperaturas mdias anuais registradas no perodo de referncia, entre 1986 e 2005. Os dois mapas do meio in-dicam diferentes cenrios para meados do sculo, entre 2046 e 2065. Finalmente, os ltimos dois mapas indicam cenrios para o final do sculo, entre 2081 e 2100.

  • 39

    Mudanas nas precipitaes anuais

    Fonte: 5 Relatrio do IPCC, 2014.

    O mapa no topo indica as precipitaes mdias anuais registradas no perodo de referncia, entre 1986 e 2005. Os dois mapas do meio in-dicam diferentes cenrios para meados do sculo, entre 2046 e 2065. Finalmente, os ltimos dois mapas indicam cenrios para o final do sculo, entre 2081 e 2100.

  • 40

    Ocorrncia de eventos climticos extremos ondas de calor

    Fonte: AR5 Climate Change 2013: The Physical Science Basis.

    Tendncias em frequncia anual de temperaturas extremas durante o perodo de 1951-2010, para (a) noites frias (TN10p), (b) dias frios (TX10p), (c) noites quentes (TN90p) e (d) dias quentes (TX90p) (Box 2.4, Tabela 1). Tendncias foram calculadas apenas com dados acu-mulados por ao menos 40 anos durante o perodo e quando os da-

  • 41

    dos no terminaram antes de 2003. reas cinzentas indicam dados incompletos ou em falta. Preto com sinais de adio (+) indicam ten-dncias significativas (ou seja, uma tendncia a zero est fora do in-tervalo de confiana de 90%). A fonte de dados para mapas tendn-cia HadEX2 (Donat et al., 2013c), atualizado para incluir a verso mais recente do conjunto de dados europeus de avaliao climtica (Klok e Tank, 2009). Ao lado de cada mapa esto as sries tempo-rais quase-abrangentes de anomalias anuais desses ndices no que diz respeito aos ndices globais de 1961-1990 por trs conjuntos de dados: HadEX2 (vermelho); HadGHCND (Csar et al, 2006; Azul) e atualizado para 2010 e GHCNDEX (Donat et al, 2013a; Verde). Mdias globais so calculadas usando os trs conjuntos de dados sempre que apresentem pelo menos 90% dos dados durante o perodo de tempo. Tendncias so significativas (isto , uma tendncia de zero se encontra fora do intervalo de confiana de 90%) para todos os n-dices gerais mostrados.

  • 42

    Fonte: 5 Relatrio do IPCC, 2014.

    Na legenda, o verde escuro indica a cobertura florestal, enquanto o verde mdio e o bege indicam reas cobertas por vegetao de di-ferentes densidades. As bolas vermelhas apontam localidades que sofreram secas intensas e alta mortalidade de rvores devido a ondas de calor desde 1970. Finalmente, as formas ovaladas assinalam re-as mencionadas em diferentes publicaes, devido ocorrncia de eventos climticos intensos.

  • 43

    7.1.1. Riscos futuros em reas especficas

    7.1.1.1. Disponibilidade de gua

    A Amrica do Sul e a Amrica Central tm uma distribuio muito de-sigual de recursos hdricos, por inclurem reas extremamente midas, como as florestas tropicais, e outras muito secas, no topo dos Andes. A principal consumidora de gua da regio a agricultura, seguida pela populao de cerca de 580 milhes de pessoas. A gua tambm essencial para a matriz energtica do subcontinente. De acordo com a Agncia Internacional de Energia, a gerao hidreltrica responsvel por 60% da eletricidade consumida na regio, em contraste com o que ocorre em outras partes do mundo, onde a contribuio mdia da hidro-eletricidade fica na casa de 20%.

    Em razo da dependncia da Amrica do Sul e Central dos recursos h-dricos, as mudanas climticas tero um impacto substancial na econo-mia da regio, afetando o bem-estar da sociedade. Mudanas na vazo e na disponibilidade de gua j foram observadas e a perspectiva de que continuem no futuro, afetando ainda mais reas j vulnerveis.

    O gelo e os glaciares nos Andes esto diminuindo em um ritmo alarman-te, afetando o perodo e o volume das vazes. A bacia do Rio da Prata (Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai) tem sofrido crescentes inunda-es e uma reduo dos escoamentos na parte central dos Andes (no Chile e na Argentina) e na Amrica Central. A diminuio das precipita-es e o aumento da evapotranspirao em reas que j so semiridas afetaro ainda mais o abastecimento de gua das cidades, a gerao de energia hidreltrica e a agricultura.

  • 44

    Principais concluses:

    q No mundo

    Ao final deste sculo, o nmero de pessoas expostas a enchentes fluviais recordes ser trs vezes maior e as regies mais secas pro-vavelmente enfrentaro estiagens mais frequentes.

    A cada grau de elevao da temperatura, projetada uma reduo do estoque de gua disponvel em pelo menos 20%, problema agra-vado pelo crescimento de 7% da populao global.

    q Na Amrica do Sul e Central

    Os glaciares tropicais esto perdendo massa em ritmo acelerado, en-tre 20% e 50% desde a dcada de 1970. Inicialmente, esse fenme-no aumentou as vazes de rios da regio, mas agora diminuiu, como fica evidenciado na Cordillera Blanca, no Peru. Alguns deles podem desaparecer completamente em um perodo entre 20 e 50 anos, com um declnio contnuo na disponibilidade de gua durante os meses de seca. Estima-se que o completo derretimento dos glaciares nos Andes peruanos levaria a uma reduo de 2% a 30% na descarga anual, au-mentando ainda mais a vulnerabilidade da regio seca.

    Os glaciares, os campos de gelo e a camada de neve na zona sub-tropical dos Andes (regies central e sul do Chile e da Argentina) devero derreter ainda mais, j que esperada uma reduo dos fluxos nas estaes de seca e um aumento nas estaes de chuva. Nessas regies, a diminuio das precipitaes associadas ao esco-amento deve continuar, com perdas significativas na disponibilidade de gua fresca.

    A previso de perda de gerao hidreltrica devido ao derretimento das geleiras estaria em torno de US$ 100 milhes, no caso do abas-tecimento de gua de Quito, no Equador, e entre US$ 212 milhes e US$ 1,5 bilho, no conjunto do setor energtico peruano.

  • 45

    A reduo da precipitao e o aumento na evapotranspirao prova-velmente diminuiro o escoamento na maior parte dos rios da Am-rica Central, incluindo uma reduo de 20% no escoamento da ba-cia do Rio Lempa, que cobre partes da Guatemala, Honduras e El Salvador, uma das maiores da Amrica Central. Isso poderia ter um enorme impacto na gerao de energia hidreltrica na regio.

    A reduo da disponibilidade de gua afetaria substancialmente a agricultura, com impactos econmicos que tm o potencial de pro-mover uma grande emigrao no Nordeste brasileiro.

    7.1.1.2. Ecossistemas terrestres e aquticos: extino de espcies

    A Amrica do Sul e a Amrica Central possuem um conjunto nico de ecossistemas e a maior biodiversidade do planeta. Infelizmente, esse capital natural est ameaado pelo estresse climtico e a expanso da industrializao e da agricultura. A ocupao dos ambientes naturais a principal responsvel pela perda de biodiversidade e ecossistemas no subcontinente, especialmente na Mesoamrica, no Choc-Darin (Colmbia), na poro oeste do Equador, nos Andes tropicais, no Chile central e na Mata Atlntica e no Cerrado brasileiro. As mudanas cli-mticas contribuiro para o aumento do ritmo de extino de espcies. A mudana do uso do solo, somada transformao dos padres de precipitao, provavelmente obrigaro diversas espcies a deixarem seus habitats atuais, levando extino de algumas delas. No Brasil, por exemplo, alguns pssaros da Mata Atlntica, bem como espcies endmicas de aves e plantas do Cerrado, sero empurrados mais ao sul, onde sua sobrevivncia estar ameaada por haver pouqussimos habitats naturais remanescentes.

  • 46

    Projeo de queda no potencial mximo de pesca

    Fonte: 5 Relatrio do IPCC, 2014.

    Redistribuio global projetada do potencial mximo de pesca. A anlise inclui aproximadamente 1000 espcies de peixes e inverte-brados considerando um aquecimento de 2C. Projees compara-ram as mdias de 10 anos do perodo 2001-2010 e 2051-2060 sem anlise dos potenciais impactos da sobrepesca ou da acidificao dos oceanos.

    Em nvel global, a mudana climtica est projetada para causar uma redistribuio em grande escala do potencial de pesca, com um au-mento mdio de 30 a 70 % no rendimento em altas latitudes. Em latitu-des mdias o potencial de pesca mdia deve permanecer inalterado. Uma queda de 40 a 60% ir ocorrer nos trpicos e na Antrtica. Isso destaca altas vulnerabilidades nas economias dos pases costeiros tropicais.

  • 47

    Principais concluses:

    q No mundo

    As mudanas climticas oferecem um risco adicional de extino a uma grande parcela de espcies terrestres e aquticas que j es-to expostas a outros elementos de presso, como as mudanas no habitat, a superexplorao, a poluio e a presena de espcies invasoras.

    Nas regies onde as mudanas climticas ocorrero em ritmo mdio ou acelerado ao longo deste sculo, muitas espcies sero incapa-zes de se deslocar a tempo de encontrar um novo local onde possam se adaptar. Estima-se, tambm, que a produtividade dos oceanos cair globalmente at 2100.

    q Na Amrica Latina e Central

    At a metade ou o final deste sculo, a reduo das chuvas, a eleva-o das temperaturas e o estresse hdrico podem levar a uma substi-tuio abrupta e irreversvel da Floresta Amaznica por uma vegeta-o similar da savana africana, com impactos de larga escala para o clima, a biodiversidade e os habitantes locais.

    As mudanas climticas so parcialmente responsveis pela acele-rao do desaparecimento de espcies animais e vegetais da Amri-ca do Sul e Central. O Brasil est entre os pases com o maior nmero de espcies ameaadas de pssaros e mamferos. O pas tambm tem um grande percentual de espcies de peixes de guas doces com distribuio restrita e que provavelmente sero afetados pelas mudanas climticas.

    Espcies de altitudes elevadas dos Andes e da Sierra Madre (Mxi-co) so especialmente vulnerveis s mudanas climticas, devido sua pequena rea de distribuio e grande demanda de energia e espao.

  • 48

    7.1.1.3. reas costeiras e de baixa altitude: centenas de milhes de pessoas em risco

    A elevao do nvel do mar continuar causando impacto sobre os sis-temas costeiros e martimos em toda a Amrica do Sul e Central. Os pa-ses costeiros dessa regio tm uma populao de mais de 610 milhes de habitantes, dos quais 75% vivem a menos de 200 quilmetros da costa e poderiam ser seriamente afetados pelas mudanas climticas. El Salvador, Nicargua, Costa Rica, Panam, Colmbia, Venezuela e Equador, em particular, tm 30% de suas populaes vivendo em reas costeiras diretamente expostas a eventos climticos.

    O problema particularmente grave na costa prxima a grandes aglo-merados humanos. Ali, a elevao do nvel do mar se soma a fatores de estresse no climticos, como a sobrepesca, a poluio, a presena de espcies invasoras e a destruio dos habitats. Tais fatores de presso ameaam os estoques de peixes, corais e mangues, comprometem a recreao e o turismo e dificultam o controle de doenas.

    Principais concluses:

    q No mundo

    Mais de 70% das guas litorneas globais tiveram aquecimento sig-nificativo nos ltimos 30 anos. Esse fenmeno, somado acidifica-o das guas costeiras, tem causado impactos diretos e indiretos nos ecossistemas naturais.

    Diante do aumento dos nveis do mar registrados desde o incio des-te sculo, os sistemas costeiros e as reas de baixada enfrentaro um aumento de eventos adversos, como submerso, inundaes e eroso costeira.

    At 2100, devido s mudanas climticas e aos padres de desen-volvimento, e na ausncia de aes de adaptao, centenas de mi-

  • 49

    lhes de pessoas sero afetadas por inundaes costeiras e sero deslocadas devido perda de suas terras.

    A maioria das pessoas afetadas vive nas pores leste, sul e sudeste da sia. Os custos relativos de adaptao vo variar imensamente de regio para regio.

    q Na Amrica do Sul e Central

    Locais que tiveram mais de 40% das mudanas no aumento do nvel do mar apresentaro um incremento nas enchentes no futuro. Dentre eles, esto o litoral sul de Cuba, a Repblica Dominicana, o Haiti, o litoral norte da Jamaica, as Ilhas Cayman, Honduras, a Nicargua, a Costa Rica, o Panam, a Colmbia e a Venezuela.

    Os maiores nveis de inundao da regio ocorrem no Rio da Prata, esturio formado pela confluncia dos rios Uruguai e Paran, na fron-teira entre Argentina e Uruguai. Elas devero aumentar ainda mais, devido s mudanas climticas.

    reas urbanas ao longo do litoral leste do Brasil tm enfrentado inun-daes costeiras excepcionais e esta situao dever piorar no futuro.

    A eroso das praias um problema srio para vrios pases costeiros e tende a piorar com a elevao do nvel do mar e as inundaes do litoral. O risco particularmente alto no litoral norte de Cuba, no Haiti, na Repblica Dominicana, na costa leste de Antgua e Barbuda, na ilha de Dominica e em Santa Lcia, Barbados, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Brasil, Chile, Mxico e Colmbia.

    Ondas maiores e mais fortes, associadas ao aumento no nvel do mar, poderiam afetar significativamente a infraestrutura e a estrutura costeira de algumas cidades ao longo da costa oeste da Amrica do Sul e Central.

    A elevao das temperaturas, a acidificao dos oceanos e a perda de recifes de coral poderiam reduzir significativamente o volume da

  • 50

    pesca marinha e afetar negativamente os meios de subsistncia das comunidades em reas costeiras. Algumas projees indicam que os recifes de coral mesoamericanos entraro em colapso at a meta-de do sculo (entre 2050 e 2070), causando grandes perdas econ-micas na regio, especialmente em Belize, Guatemala e Honduras. Graas ao turismo baseado em atividades marinhas, pesca e proteo costeira, os recifes mesoamericanos contribuem com algo entre US$ 395 milhes e US$ 559 milhes por ano para a economia de Belize.

    Muitos manguezais de importncia ecolgica e econmica, sobre-tudo nas costas atlntica e pacfica da Amrica Central, podem ser perdidos nos prximos 100 anos se as ameaas climticas e no climticas, como o desmatamento, a converso do uso da terra e os criadouros de camares, continuarem a avanar. O colapso dos mangues poder levar reduo da pesca e ao comprometimento dos meios de subsistncia de pases da Amrica Central, bem como do Brasil, da Guiana Francesa e da Colmbia.

    Peru e Colmbia so dois dos oito pases com atividade pesqueira mais vulnervel s mudanas climticas, por diversos motivos, inclu-sive a importncia da pesca para a sua economia e dieta e pela limi-tada capacidade social de adaptao a impactos e oportunidades potenciais.

    7.1.1.4. Produo de alimentos: risco para a segurana alimentar

    As mudanas climticas afetaro substancialmente a produtividade agrcola, com consequncias para a segurana alimentar da populao mais pobre, mas seus impactos tero grandes disparidades regionais. reas com maior pluviosidade, segundo as projees, mantero ou am-pliaro a sua produtividade mdia at o meio do sculo. Entretanto, a Amrica Central, o Nordeste do Brasil e as regies andinas provavel-

  • 51

    mente tero um aumento nas temperaturas e diminuio das chuvas e podero perder produtividade no curto prazo, at 2030.

    Os impactos climticos vm se somar a outros fatores de presso sobre a regio, como a mudana no uso da terra, a industrializao e o aumen-to da demanda por alimentos. Alm disso, o desenvolvimento e a rpida expanso da produo agropecuria e bioenergtica ameaam o capi-tal natural regional e intensificam os impactos climticos negativos.

    Dentre as culturas que provavelmente sero mais afetadas pelo aumen-to nas temperaturas, podemos incluir o arroz no Sudeste do Brasil, o milho em toda a Amrica do Sul e Central, e a soja na regio central do Brasil. Para enfrentar tais desafios, algumas medidas de adaptao sero necessrias, como o investimento na gesto da gua e o melho-ramento gentico.

    Como a Amrica do Sul e Central (sobretudo, Brasil, Chile, Colmbia e Panam) so regies fundamentais para a agropecuria global, tere-mos o desafio de aumentar a qualidade e o volume de alimentos produ-zidos, mantendo a sustentabilidade do meio ambiente, a despeito das mudanas climticas.

    Principais concluses:

    q No mundo

    Se no houver investimento em adaptao, conforme mencionado, um aumento da temperatura local de pelo menos 1C acima dos n-veis pr-industriais ter um impacto negativo em lavouras dos maio-res cultivos (trigo, arroz, e milho), em regies tropicais e temperadas.

    Independentemente da ocorrncia de medidas adaptativas, as mu-danas climticas reduziro a produo em at 2% por dcada at o fim do sculo. Esses impactos sero amplificados, dada a projeo de aumento de demanda de reas cultivadas, que poder crescer em at 14% por dcada at 2050.

  • 52

    q Na Amrica do Sul e Central

    As mudanas climticas tm o potencial de afetar severamente as populaes mais pobres e a sua segurana alimentar, aumentando o quadro atual de subnutrio crnica. Hoje, a Guatemala o pas com o pior ndice de segurana alimentar na regio por percentual da populao (30,4%), e o problema tem crescido nos ltimos anos.

    O aumento das precipitaes e da umidade do solo levou a uma me-lhor produtividade das plantaes de vero e dos pastos, e expan-diu as reas dedicadas agricultura no sudeste da Amrica do Sul. Se compararmos as condies climticas observadas entre 1970 e 2000 com as registradas no perodo entre 1930 e 1960, veremos que houve um aumento dos campos de cultivo de milho e soja (de 9% para 58%) na Argentina, no Uruguai e no Sul do Brasil, uma tendn-cia que deve continuar no futuro.

    O aumento do calor e da umidade poder beneficiar as plantaes em reas do sul e do oeste dos Pampas e do Sul do Brasil. A produ-tividade das plantaes de arroz e feijo irrigadas deve aumentar.

    A produo de cana-de-acar pode ser beneficiada, visto que o aquecimento permite a expanso das reas cultivadas no sul, onde hoje as temperaturas so um fator limitante.

    O aumento da produtividade das lavouras poderia chegar a 6% no Estado de So Paulo em 2040. Resultados menos homogneos so projetados para os campos de soja, milho e trigo no Paraguai.

    Uma reduo nas precipitaes poderia ameaar a sustentabilidade dos sistemas agrcolas em regies que j so marginais. A prtica con-tnua da agricultura nessas reas poderia levar a fortes tempestades de poeira, mortalidade do gado, quebras de safra e migrao rural.

    No Chile e no oeste da Argentina, as lavouras poderiam ser redu-zidas devido s limitaes de disponibilidade de gua. Na regio central do Chile, o aumento das temperaturas, a reduo das horas

  • 53

    de frio e a escassez de gua podem diminuir a produtividade das culturas de inverno, das plantaes de frutas, dos vinhedos e dos pinheiros da espcie Pinus radiata.

    A diminuio das precipitaes e a subsequente reduo na mdia dos fluxos hdricos na bacia do Rio Neuqun (no norte da Patagnia, Argentina) poderia afetar negativamente a produo de frutas e de vegetais na regio.

    Na poro norte da Bacia de Mendoza (Argentina), a combinao das mudanas climticas com o aumento da demanda por recursos hdricos devido ao crescimento populacional poderia comprometer a disponibilidade de gua subterrnea para a irrigao e forar muitos produtores a deixar a agricultura at 2030.

    As colheitas de culturas de subsistncia, como feijo, milho e mandio-ca, provavelmente declinaro no Nordeste do Brasil, e reas que hoje so favorveis ao plantio do feijo caupi provavelmente encolhero.

    A produo de caf altamente sensvel s mudanas climticas. Ela poder tornar-se invivel em cenrios de altas temperaturas em alguns Estados brasileiros, como Minas Gerais e So Paulo, no Su-deste. Portanto, poder ter de ser transferida para regies mais ao sul, onde as temperaturas so mais baixas e o risco de geada me-nor. Uma elevao de 3C poder levar a expanso da variedade de caf arbica para o extremo sul do Brasil, perto da fronteira com o Uruguai, e para o norte da Argentina.

    Nos piores cenrios, estima-se que as lavouras de soja tero uma retrao de 44% na regio amaznica.

    Alteraes climticas podero reduzir a rea adequada para a ocor-rncia do pequi (Caryocar brasiliense, uma rvore frutfera impor-tante para a economia do cerrado brasileiro). Isso poder afetar as comunidades mais pobres da regio central do Brasil.

  • 54

    7.1.1.5. Sade humana: expanso de doenas tropicais

    Nas prximas dcadas, as mudanas climticas causaro impacto sobre a sade humana e exacerbaro problemas j existentes, especialmente em regies com altos ndices de crescimento populacional, expostas poluio, ou que sejam vulnerveis nas reas de sade, abastecimento de gua, saneamento e nutrio. Na Amrica do Sul e Central, fatores relacionados ao clima esto aumentando a morbidade, a mortalidade e o surgimento de deficincias. Eles tambm esto expandindo a ocor-rncia de doenas para reas antes no endmicas.

    Alteraes na temperatura e nas precipitaes esto associadas a doenas respiratrias e cardiovasculares, doenas com origem ou transmitidas pela gua e por vetores (malria, dengue, febre amarela, leishmaniose, clera e outras doenas diarreicas), hantavrus e rotav-rus, doenas renais crnicas e traumas psicolgicos. A vulnerabilidade varia de acordo com a geografia, idade, sexo, raa, etnia e status socio-econmico, e crescente nas grandes cidades.

    Principais concluses:

    q No mundo

    Um dos cenrios com projees at 2100 indica que, em algumas reas, a combinao de altas temperaturas e umidade durante par-tes do ano ir comprometer as atividades humanas normais, incluin-do o cultivo de alimentos e o trabalho ao ar livre.

    q Na Amrica do Sul e Central

    Furaces e enchentes induzidos pelo clima podero afetar a sade e comprometer a sobrevivncia de milhares de pessoas na regio. Isso ficou evidente em 1998, quando o furaco Mitch desencadeou surtos de doenas de veiculao hdrica ou provocados por vetores e, em 2010 e 2012, quando a Colmbia sofreu enchentes que cau-

  • 55

    saram a morte de centenas de pessoas e fizeram com que milhares perdessem suas casas.

    O nmero de casos de malria aumentou na Colmbia e em outras regies urbanas e rurais da Amaznia durante as ltimas cinco dca-das. Sem uma preveno efetiva, as mudanas climticas continua-ro multiplicando os casos da doena.

    A transmisso da malria tambm est aumentando vertiginosamen-te nos Andes bolivianos. Atualmente, os vetores so encontrados em altitudes mais altas, desde a Venezuela at a Bolvia.

    Nos ltimos 25 anos, a incidncia da dengue, influenciada pelas con-dies climticas, aumentou nas reas tropicais da Amrica, cau-sando perdas econmicas anuais da ordem de US$ 2,1 bilhes.

    Apesar das amplas campanhas de vacinao, o risco de surtos de febre amarela aumentou, principalmente nas reas urbanas pobres e densamente povoadas da Amrica.

    O aquecimento climtico dever aumentar as ocorrncias de esquis-tossomose, especialmente em reas rurais do Suriname, na Vene-zuela, nas reas altas dos Andes e nas reas rurais e nas periferias urbanizadas do Brasil.

    Temperaturas mais altas e a deteriorao da qualidade do ar nas reas urbanas esto aumentando as ocorrncias de doenas cr-nicas respiratrias e cardiovasculares, e tambm a morbidade da asma e da rinite.

    Outras doenas, como a clera, a doena de Chagas e a leishmanio-se cutnea ou visceral so afetadas por variaes climticas como os fenmenos meteorolgicos El Nio e La Nia, e podem piorar com as mudanas climticas.

  • 56

    7.1.1.6. Segurana humana: mais migraes

    Ao longo do sculo 21, as mudanas climticas influenciaro signifi-cativamente no padro das migraes, o que poder comprometer a segurana humana. Elas criaro novos desafios para diversos pases e moldaro cada vez mais as polticas de segurana nacional. Peque-nos estados insulares e outros altamente vulnerveis elevao do n-vel do mar j enfrentam grandes desafios sua integridade territorial. As alteraes climticas tambm podem ter impactos transfronteirios associados a mudanas na configurao do gelo marinho, ao compar-tilhamento dos recursos hdricos e migrao das populaes de pei-xes. Tais impactos podem, potencialmente, aumentar a rivalidade entre diferentes populaes e naes.

    7.1.1.7. Perdas econmicas e pobreza

    Ao longo deste sculo, as mudanas climticas certamente contribuiro para desacelerar o crescimento econmico, erodir a segurana alimen-tar e reverter a tendncia de reduo da pobreza. Esse cenrio exa-cerbar a pobreza em pases de baixa e de mdia/baixa renda e criar novos nichos de pobreza em pases de mdia/alta a alta renda, aumen-tando a iniquidade. Programas de seguro, medidas de proteo social e o gerenciamento dos riscos de desastres naturais podem aumentar a resilincia da populao pobre e marginalizada no longo prazo, caso as polticas pblicas tratem a pobreza de maneira multidimensional.

    Como tendncia mundial, um aumento mdio de temperatura de 2,5C acima dos nveis pr-industriais poder levar a uma perda econmica agregada de 0,2% a 2% da renda global, o que fatalmente reforar impactos quanto ao aumento de pobreza. As perdas crescero signi-ficativamente com a elevao da temperatura, mas no h estimativas quanto aos impactos econmicos associados a uma elevao acima dos 3C.

  • 57

    7.1.2. Administrando riscos futuros e aumentando a resilincia

    Princpios para uma adaptao efetiva:

    O esforo de adaptao altamente recomendado e varia conside-ravelmente, conforme o contexto.

    Os custos globais das adaptaes tero de ser substancialmente maiores do que os investimentos atuais, particularmente em pases em desenvolvimento, e isso sugere que existe uma lacuna no seu financiamento e um dficit crescente de demanda de adaptao.

    As estimativas mais recentes do custo de adaptao global sugerem que os pases em desenvolvimento precisaro investir entre US$ 70 bilhes e US$ 100 bilhes por ano entre 2010 e 2050.

    Caminhos de resilincia climtica e transformao:

    Caminhos de resilincia climtica so modelos de desenvolvimento sustentvel que combinam adaptao e mitigao com a finalidade de minimizar as mudanas climticas e seus impactos. Eles incluem um processo contnuo que visa assegurar que uma gesto de riscos eficaz seja implementada e mantida.

    As mudanas climticas, em um cenrio muito pessimista, podem atingir tal magnitude que excedam a capacidade de adaptao que surge a partir da interao entre as alteraes climticas e as restri-es biofsicas e socioeconmicas.

    Mudanas de paradigmas e metas podem levar a transformaes nos sistemas polticos, econmicos e tecnolgicos, e isso poder facilitar adaptaes e mitigaes, promovendo o desenvolvimento sustentvel.

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    7.1.3. Diferenas entre o quarto e o quinto relatrios de avaliao do IPCC (AR4 e AR5)

    O grau de certeza de que haver impactos climticos sobre as guas doces cresceu e h mais clareza de qual ser a escala dos impactos em diferentes cenrios.

    H um elevado grau de certeza de que uma grande parte das esp-cies terrestres e aquticas enfrenta um maior risco de extino nos cenrios de mudanas climticas projetados para o sculo 21 e da em diante. Algumas espcies de plantas e animais tero de se adap-tar a novos locais. H tambm um elevado grau de certeza de que os impactos projetados sobre o sistema costeiro e as reas de baixada afetam e continuaro a afetar centenas de milhes de pessoas.

    Segundo o quinto relatrio, as principais culturas (trigo, arroz e mi-lho) perdero produtividade com um aumento da temperatura local acima de 1C, alm dos nveis pr-industriais, ao contrrio do previs-to no relatrio anterior.

    H um maior grau de certeza de que as mudanas climticas tero impacto sobre a populao humana, com maior probabilidade de leses, doenas e bitos.

    H um alto grau de certeza de que as mudanas climticas promo-vero mais migraes.

    Os gastos com os projetos de adaptao que sero necessrios so estimados entre US$ 70 bilhes e US$ 100 bilhes por ano para pa-ses em desenvolvimento, no perodo entre 2010 e 205019. As mudan-as climticas contribuem para aumentar a insegurana alimentar e a pobreza e do origem a novos focos de fome.

    19 Esse valor se baseia no estudo do Banco Mundial de 2010, ou seja, posterior ao AR4, que de 2007, sendo possvel contempl-lo no AR5. Fonte: http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/wg2/WGIIAR5-Chap17_FINAL.pdf

    http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/wg2/WGIIAR5-Chap17_FINAL.pdfhttp://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/wg2/WGIIAR5-Chap17_FINAL.pdf

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    7.1.4. Concluses IPCC

    O risco associado s mudanas climticas real, amplo e variado.

    A existncia de divergncias sobre os graus de certeza/incerteza no razo para adiar a tomada de decises e a implementao das aes necessrias.

    As comunidades pobres e marginalizadas sero as mais atingidas.

    No h medidas adaptativas que solucionem todos os problemas especficos de cada regio.

    A capacidade de adaptao tem limite.

    Enfrentar as alteraes climticas exige cooperao internacional em conjunto com polticas locais, nacionais e regionais eficazes.

    As emisses cresceram mais rapidamente ao longo dos ltimos 10 anos (em 2,2 % ao ano) do que ao longo de todo o perodo de 30 anos de 1970 a 2000 (1,3% por ano).

    A crise econmica mundial de 2007/2008 reduziu temporariamente as emisses, mas no alterou a tendncia geral de crescimento.

    As emisses de dixido de carbono (CO2) de combustveis fsseis continuam a crescer. O crescimento foi de cerca de 3% entre 2010 e 2011 e de cerca de 1-2% entre 2011 e 2012.

    O CO2 continua a ser o gs de efeito estufa mais comum, represen-tando 76% das emisses totais de GEE em 2010.

    Ao longo das ltimas quatro dcadas, a quantidade total de CO2 na atmosfera duplicou, passando de cerca de 900 GtCO2 para o per-odo de 1750 a 1970 para 2.000 GtCO2, considerando o perodo de 1750 a 2010.

    Os padres regionais de emisses de GEE esto mudando de acor-do com