as moças pronto

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Página 1 de 57 AS MOÇAS: O BEIJO FINAL ISABEL CÂMARA PERSONAGENS TEREZA 30, anos. Reportagens para revistas, jornais, etc... ANA 22 anos. Atriz de televisão de muito talento que tem tudo para ser uma grande estrela. Aliás, tanto uma quanto outra tem tudo para... daí o flash, a explosão, a catarsis... um exercício de ator Este é um ato de suspense, alguma coisa que acontece na vida de duas pessoas que entre outras coisas podem ser grandes amiga um dia. Entre outras, uma love story. Ana e Tereza se conheceram no Rio e estão começando uma espécie de carreira de Free-Lancers onde tudo é possível. Self-kindness com elas. Há que temer a self-pity também. A situação deve parecer violenta, mas disso não há, sendo-se delicado no tratamento dos personagens.

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AS MOÇAS: O BEIJO FINAL

ISABEL CÂMARA

PERSONAGENS

TEREZA — 30, anos. Reportagens para revistas, jornais, etc...

ANA — 22 anos. Atriz de televisão de muito talento que tem tudo para ser

uma grande estrela.

Aliás, tanto uma quanto outra tem tudo para... daí o flash, a explosão, a

catarsis... um exercício de ator

Este é um ato de suspense, alguma coisa que acontece na vida de duas

pessoas que entre outras coisas podem ser grandes amiga um dia. Entre

outras, uma love story.

Ana e Tereza se conheceram no Rio e estão começando uma espécie de

carreira de Free-Lancers onde tudo é possível. Self-kindness com elas. Há

que temer a self-pity também.

A situação deve parecer violenta, mas disso não há, sendo-se delicado no

tratamento dos personagens.

E levar em conta que toda ficção ainda é pouco pra tantas realidades.

Viram-se pela primeira vez no dia em que Tereza foi escalada para

entrevistar Ana. Dois dias depois Ana estava instalada no apt°. de Tereza.

A peça se passa numa noite qualquer; dessa época, 1965-1970.

Em caso de ensaios, Domingo, LP de Gal e Caetano Veloso, da Philips é da

maior importância para o clima que o espetáculo deve evocar — e mais:

um documentário de hospitais (públicos e muitas músicas, todas as que as

atrizes tiverem direito.)

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Esta carta faz parte do espetáculo. Será lida pela atriz que representar Tereza que

dirá, ser esta, a responsável por toda a farsa que se mostrará a seguir.

Araruna, 29-9-1965

Maria Isabel querida, meu abraço de tão longe!

Nosso Senhor a abençoe; e a compensação dupla!

Com satisfação estou respostando tua amável carta como uma agradável

conversação com tua pobre tia que nunca te esqueceu, e daqui para diante es-

pero conversarmos sempre, mesmo privada pelo médico, que fez exame demo-

rado em meus olhos e disse-me que se não quiser cegar de vez nem leia, nem

escreva, nem faça trabalhos manuais... que necessite não levantar a vista e nem

precise demorar no que estiver fazendo. Mas tudo faço por ter precisão de fazer.

Não li bem tua carta, mas lendo quatro vezes sem ser seguidas,

compreendi. Se escrevesses a máquina eu gostaria bem, porque letras de meus

livrinhos de oração leio com facilidade. Clarinda estava presente quando o Dr.

Alberto, Wanderlei fez o exame prolongadíssimo e disse-lhe que eu desde

menina gostava de trabalhar a noite, e de 1er, e ele acrescentou: cansou a vista

de vez, e está com um começo de catarata. Passou a receita mas não sinto

melhora. É aquela neve pardacenta e uma água grossa nos olhos, que vezes

abro os olhos em água serenada dos depósitos que tenho no quintal, mas é

sempre a mesma coisa: a vista turva! Você esteve aqui em minha casa e eu

estava & demorou horas (fumou seu cigarrinho) e lembro-me bem de você...

Como você promete em sua cartinha que de outra vez manda mais e

desta vez vinha a importância que veio porque gasta com bobagem... vou fazer

um pedido (se possível for): É você não mandar 10 mil cruzeiros durante 2

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meses e juntar 20 mil e comprar um relogiozinho de pulso para meu braço já

tão veIhinho... magrinho... mais as mangas dos meus vestidos são compridas,

bem acima da mão... e ninguém vê. Não é por vaidade que quero, é porque

gosto de consultar as horas para qualquer coisa. Ao sair de casa para a Igreja,

ao chegar, ao ir a feira e voltar. Já desejo desde a minha mocidade de ter um

relogiozinho para mim somente e não para mostrar a quem quer que seja que

também tenho um relógio no pulso. Caso tenha de 20 mil, pois a corrente não

importa ser até mesmo de um cordel ou tira de pano quero é pelo relógio, e não

pela corrente: quero é que marque as horas. Quando estive auxiliando papai na

agência de correios, que ele exerceu como agente e depois coma tesoureiro, 33

anos, eu fiz embalagem de um relogiozinho de pulso daqui para a cidade de

Pombal (longínquo sertão). Um rapaz daqui noivou lá e mandou preparar uma

caxinha de madeira que chamam compensado e colocou o relogiozinho bem

forrado e todo calçadinho ao redor com algodão destes que compra-se nas

farmácias e chamam algodão higiênico e veio aqui em minha casa consultar-

me se chegaria direito em Pombal. E eu auxiliei na embalagem, que ficasse sem

o relóginho blazomar-se na caixinha de madeira.

E botou registrado, e pagou mais o aviso de recepção e depois chegou

uma carta da noiva acusando que recebeu direitinho, e deu corda, e estava

funcionando bem.

Portanto, se só for 20 mil você passe 2 meses sem mandar dinheiro e se

puder mande o relóginho para sua velha tia já com 74 janeiros e 5 meses e 23

dias de existência e ainda ter, este gosto dado por você. Já estou com a mortalha

prontinha com todas as coisas. Comprei a fazenda em Recife em 1961 porque

aqui não encontrei a cor do traje de Nossa Senhora das Dores, que é lilás.

Encontrando em Recife comprei e costurei e aguardo o dia do chamado de

Nosso Senhor e Nossa Senhora. Pode ser que custe e ainda dá tempo de você

mandar o rélóginho e eu dizer: foi Maria Isabel que mandou-me. Olha os

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olhões de muitos?!!

... duas coisas tinha vontade de ter, uma já tenho que era um Guarda-

Roupas, a minha vizinha mudou-se para Maceió e não podendo levar o

Guarda- Roupas deu-me. Que coisa boa hein? Só falta o relóginho. E conto

com ele dado por você minha querida: e repetindo ainda — é se for possível. Se

for sacrifício e for mais de 20 mil acabou-se a história viu? As vezes em segunda

mão, isto é, usado, compram por aqui de 3 mil e tem um senhor aqui que

indireita tudo usado, mas eu nunca sei quem quer vender. Encarreguei uma

minha amiga e ela só faz dizer-me que tem especulado e não acha quem queira

vender. E isto faz é tempo!

... já levantei-me umas dez vezes para descamar a vista, mais vou avante

ainda...

ATO ÚNICO

Ana está arrumando um ap. quarto-sala. Livros, posters, flores de papel,

cama, guarda- roupa, etc.

Ana já está meio de porre. Examina, olha, arruma uma coisa aqui outra

ali. Pára diante de um poster.

Latas de tinta amontoadas num canto.

ANA — Gracinha. Você é uma gracinha. E um chato.

Senta numa cadeira de balanço e fica pensativa. Levanta. Serve mais

bebida, volta, ri, olhando a bagunça que ela mesma fez.

Sua barriga é bonita, mas os seios são lindos, ela pelo menos acha.

ANA — (música da ópera Carmen).

Ela tinha milhões de amantes

e um elefante pra passear

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O elefante era viciado

e fazia ponto no Alcazar

Volta pra cadeira, senta, e fica pensando numa coisa inteiramente

diferente.

ANA — Que saudade...

Do lado de fora, alguém fala com o vizinho do lado, Fada, que adora

televisão.

FADA (explicativa) — Autógrafo... Diz pra ela que é pra minha sobrinha.

Ela coleciona...

TEREZA — Falo com ela sim, Fada, pode deixar...

Ana já sabe que Tereza vem chegando, então corre, pega um livro fingindo

que lê; põe disco na vitrola fingindo que ouve; senta/levanta, etc. Barulho

de chave, alguém quer entrar, mas passaram o trinco na porta.

Campainha.

Ana que estava toda pronta pra começar, voa pra porta, uma fúria.

TEREZA — Pensei que você tivesse dormindo.

ANA — Nem pensar. Espera aí, você só entra de olho fechado, tenho uma

surpresa procê.

Entram as duas. As mãos de Ana cobrem os olhos de Tereza. Depois ela

retira as mãos e a outra começa a olhar em torno.

TEREZA — Puxa, ficou bonito mesmo!

ANA — Não ficou? Gostou? Daqui pra frente tudo vai ser diferente. Só

que fiquei de tanga.

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TEREZA — Se você não arrumasse ficava do jeito que eu botei, até criar

mofo.

Silêncio. Ambas não sabem o que fazer com as mãos.

TEREZA — Você fez as flores hoje também? Tudo isso?

ANA — Tinha muito mais, mas me deu uma sapituca e dei uma porção pra

vizinha.

Ana nota que Tereza viu o poster.

ANA — Parece com quem?

TEREZA — Com quem?

ANA — Não é igualzinho? Eu olhei e disse na hora: Rodrigo!

Tereza pega um copo que Ana passa pra ela.

TEREZA — Não quero beber (mas bebe) (e desconversa). Que que você

fez hoje?

ANA — Fiquei em casa. Você queria que eu fizesse o quê? Fiquei em casa,

mudei sua velharia toda de lugar, fiz flor, não é muito?

TEREZA — É...

ANA — Escrevi milhões de cartas.

TEREZA — Pra Rodrigo?

ANA — Rodrigo, santinha? Escrever o quê pro Rodrigo? Ele não está

vivendo na mesma cidade que eu? Então?

TEREZA — Pensei.

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ANA — Você fez o quê?

TEREZA — Trabalhei o dia inteiro sem parar. Escrevi uma porção de

bobagem pra mandar pro jornal, fui numa reunião chatíssima pra organizar

um movimento que já furou na saída, fui ao médico, me enchi, trabalhei

feito um mouro, estou exausta, vou dormir ponto final.

ANA — Ponto final o escambal. Pensa que vai dormir é?

TEREZA — Tenho certeza.

ANA — Você disse que não tinha dinheiro pra continuar o tratamento?

TEREZA — Disse.

ANA — E ele?

TEREZA — Disse que não quero fazer o tratamento, por isso não dou

jeito de arrumar dinheiro. Mandou eu trabalhar mais.

ANA — Esses melecas acham que a gente tira dinheiro pra pagar análise,

do rabo da mãe deles. Fiz um mexido ótimo quer?

TEREZA — Agora não, estou sem fome.

ANA serve mais o copo de Teresa.

TEREZA — Você não tinha que tirar umas fotografias hoje?

ANA — Tinha mas não fui. São uns imbecis .

TEREZA — Acontece que estamos quase sem dinheiro e eu estou naquela

lona

ANA — Es la vida hijita, és la vida. Que se há de fazer?

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TÉREZA — Rodrigo apareceu?

ANA — Não.

TEREZA — Sei.

ANA — Sabe o quê?

TEREZA — Nada...

ANA — Que mulher chata aquela tal de Arminda. Também com esse nome

só pedindo a Deus que mate.

TEREZA — Queria te pedir uma coisa.

ANA — Fala.

TEREZA — Olha Ana... Nada!

ANA — Desembucha, que frescura.

TEREZA— (com dificuldade) Não queria que você comentasse o que

aconteceu aqui... Sei lá... Esse tipo de coisa é difícil pra mim.

ANA — Quer dizer de uma vez?. Claro!?

TEREZA — Não agride que é pior.

ANA — Eu, agredindo? Cruz!

TEREZA — O que aconteceu com Rodrigo. Pra mim é muito difícil. Acho

bacana tanto pra você quanto pra ele. Vocês são duas pessoas que eu gosto

muito... mas mesmo assim... sei lá. Você contou pra Arminda morrendo de

rir.

ANA — Tá bem, já sei, não falo mais.

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TEREZA — Certas coisas eu acho que a gente ainda tem que cuidar delas

direito... Esse negócio do Rodrigo não dormir com ninguém há um ano eu

acho muito sério.

ANA — Seríssimo.

TEREZA — Não debocha.

ANA — Você contou pra ele?

TEREZA — Pra quem?

ANA — Ora, pra quem. Pro psicanalista!

TEREZA — Contei, mas não quero falar nisso agora.

Silêncio.

ANA — Conseguiu falar com o cara a meu respeito?

TEREZA — Não.

ANA — Nem telefonou pra ele nem nada?

TEREZA — Não, não tive tempo.

ANA — Eu estou péssima, você sabe disso. Bem que podia ter resolvido o

negócio pra mim.

TEREZA — Acontece que eu também estava péssima.

ANA — Eu sei.

TEREZA — Sabe o quê?

ANA — Que você devia estar na maior fossa do mundo.

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TEREZA — Por quê?

ANA — Ora Tereza, por causa de ontem,

TEREZA — Sabe...

ANA — O quê?

TEREZA — Nada, deixa.

Silêncio entre elas. Acendem um cigarro. Tereza deita-se na cama e fica

olhando para o teto. Ana para em frente ao poster.

ANA — É... igualzinho...

TEREZA — O quê?

ANA — Rodrigo Ele fechava os olhos de repente. Parecia uma criança.

Que aflição. Ficou preocupadíssimo com você. Toda hora ele dizia: pero

que locura. Pero que locura!

TEREZA — Eu ouvi.

ANA — Você não estava dormindo?

TEREZA — Quando você viaja?

ANA — Nem sei se vou.

TEREZA — Por quê?

ANA — Não tenho vontade.

TEREZA — Mas você pode ser contratada, já pensou?

ANA — Mas pra ser contratada vou ter que dar praquele veado.

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TEREZA — Você sabe que não.

ANA — Ele está apaixonado.

TEREZA — Você sabe que não também.

Pausa.

ANA — Rodrigo vem aqui amanhã, vamos jantar fora. Você quer ir com a

gente?

TEREZA — Também não.

ANA — O mexido tá genial, você jura que, não quer um pouquinho? Tem

uma pimenta do cacête.

TEREZA — Porque vocês não foram pra um hotel?

ANA — E você pagava par gente ir prum hotel?

TEREZA — Você viu a carta?

ANA — Que carta?

TEREZA — Da minha tia.

ANA — Não.

TEREZA — Mas eu dei pra você ler.

ANA — Li e joguei por aí.

TEREZA — Não guardou nada?

ANA — Não.

TEREZA — Eu quero ver a carta, de novo.

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ANA — Depois...

TEREZA — Agora.

ANA — E o filme?

TEREZA — Desisti.

ANA — Genial.

TEREZA — Genial o quê?

ANA — Perder um milhão na hora.

TEREZA — Não tou aqui pra vender nada pra ninguém. Quem sabe meu

preço sou eu!

ANA — Genial

TEREZA — Genial o quê?

ANA — Não estar aí pra vender nada pra ninguém. Mais uma birita

madame Satã?

TEREZA — Põe.

ANA — Tá azeda hoje hein? Quando é que a boneca aparece?

TEREZA — Que boneca?

ANA — Tua namorada, ora.

TEREZA — Namorada?

ANA — Não vai me dizei que não é tua namorada?

TEREZA — E mulher namora mulher, menina? Mulher com mulher dá

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jacaré!

ANA — Você é fogo. Falsa falsa!

TEREZA — Escreveu dizendo que Brasil já era... aqui só pra boi dormir...

Que o quente agora é Paris!

ANA — Besta ela, né? Você vai ficar triste se eu for embora?

TEREZA — Claro.

ANA — E se eu não voltar?

TEREZA — Volta sim.

ANA — Você ficou triste?

TEREZA — Com quê?

ANA — Porque sua namorada não volta?

TEREZA — Deixa de ser boba né Ana? Claro que não.

ANA — Rodrigo quer ficar.

TEREZA — É mesmo?

ANA — Foi convidado.

TEREZA — E vai ficar?

ANA — Por enquanto não.

TEREZA — Hummmmm

Ana serve mais bebida e .muito bem humorada faz um brinde.

ANA — A sua saúde, meu prustizinho mineiro

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Tereza aceita o brinde até certo ponto.

Violenta.

TEREZA — Vocês podiam ter ido pro hotel.

ANA — Eu já te perguntei uma vez: você pagava pra gente ir trepar num

hotel?

TEREZA — Não precisa agredir ouviu?

ANA — E trepar, agora é agressão?

TEREZA — O modo de você falar é.

ANA — (Aos gritos pela sala) Trepar, trepar, trepar.

TEREZA — Porque você não foi?

ANA — Nem pensei nisso.

TEREZA — Sabia que eu estava dormindo... É desagradável Ana. Todo

mundo pode achar que não tem importância mas pra mim tem.

ANA — Porque você não pediu pra gente sair?

TEREZA — Também não sei fazer essas coisas.

ANA — Acha que a gente ia ficar brocha é?

TEREZA — Ana quer parar?

ANA — Da próxima vez ninguém vai fazer bobagem aqui não. Ou será

que você tá apaixonada pelo Rodrigo hein? (Jogando verde). Ah, acho que

é por mim.

TEREZA — Você parece burra.

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ANA — Claro, você não explica nada direito. Tua cuquinha já fundiu

inteira.

TEREZA — Olha, eu não estou chateada, nem tou na fossa. Não acredito

em fossa, pronto. Fiquei deprimida, sei lá...

ANA — (Bem dramática) Juro, quero que um raio me pique se eu fizer

amor de novo com Rodrigo na sua frente pensando que você está

dormindo.

TEREZA — Amanhã a gente conversa. Estou exausta.

ANA — Que conversa amanhã meleca nenhuma. E nem vou fazer amor

com Rodrigo, não gosto.

TEREZA — Não começa.

Ana pensa de novo numa coisa inteiramente diferente e vai embora.

ANA — Que saudade Tê, que saudade.

TEREZA — Depois passa. Amanhã você sai, encontra outras pessoas,

conversa e aí passa.

ANA — Você jura?

TEREZA — Juro.

Tereza se deita, coloca; o copo no chão, apaga a luz grande. Ana senta

perto da cama. Silêncio absoluto. Tereza virada pra parede. Ana começa a

chorar baixinho.

Como uma criança que quer chamar atenção o choro vai aumentando.

Tereza nem se vira.

ANA — Conversa comigo Tê. Conversa comigo. (BAIXINHO) Conversa

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comigo. Conversa comigo. Conversa comigo.

Vai aumentando até chorar mesmo Tereza se levanta e vai até ela.

TEREZA — Que é isso Aninha, eu estou aqui, fica calma...

Ana vai se acalmando aos poucos até...

TEREZA — Agora vou descansar tá bom?

ANA — Vou escrever uma carta pra mãe. Posso ficar com a luz acesa?

TEREZA — Pode.

Ana abre uma máquina de escrever. Tereza relaxa. Ana bate na máquina e

bebe. Tereza recita uma poesia de Holderlin.

TEREZA — Você e eu, a mesma pessoa Minha vida, minha morte a nossa

dor é a mesma. E mesma a infância e mesma, a dor revelada pela infância.

De repente Ana dá a maior gargalhada e joga tudo pro alto, fazendo um

barulho daqueles.

TEREZA — Aninha eu estou cansada... Olha os vizinhos, já passa das dez

horas.

ANA — Você não imagina que delícia. Uma história horrível que a

Arminda me contou. (Debochada dá gargalhadas gostosíssimas).

TEREZA — Ri baixo, por favor.

ANA — Que é isso agora de rir baixo? Esses merdas lá de cima vivem

dando porrada um no outro.

TEREZA — Por isso mesmo. A gente não precisa fazer o mesmo.

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ANA — E você acha que eu ia dar porrada em você?

TEREZA — Que foi que a Arminda contou?

ANA — Disse que na sauna onde ela vai tem umas mulheres enormes,

gordíssimas, que vão peladonas. A gordura escorre e elas não têm a menor

vergonha. Arminda disse que é cada peito que bate na coxa. Sabe do pior?

Disse que as gigantas ficam fazendo ginástica e que cada uma tem cada

uma... pois é... enorme. Arminda disse que parece planta carnívora. Se a

gente chega perto NECO! Arrancam a mão da gente. MASTIGAM!

TEREZA — Que história nojenta.

ANA — Tê, e se eu ficar grávida? O meu Deus, começou tudo de novo...

TEREZA — Vou ser madrinha.

ANA — Não sua burra, faço aborto.

TEREZA — Porque você não toma pílula?

ANA — Primeiro porque tou na lona, segundo porque mulher não faz filho

em mulher e terceiro porque o meu caso é mulher, sabia?

Tereza finge que não escuta.

TEREZA — Vou pegar um pouco do mexido.

ANA — Deixa que eu esquento e trago pra você.

TEREZA — Não precisa.

ANA — Faço questão.

Ana vai fazer o mexido no fogão.

Tereza fica na frente do espelho.

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Depois grita pra outra.

TEREZA — E a carta Ana? Você não leu?

ANA — Não amola menina, não sei de carta nenhuma.

TEREZA — (no espelho) Ela sabe sim... eu sei que ela sabe. Tô cheia, não

aguento mais. O quê? Sei lá? Um reloginho de pulso... Você vai ficar

igualzinha a ela: feia, solteirona e neurastênica.

ANA — Tá falando sozinha é?

TEREZA — Tou falando sozinha sim. Você não sabe que eu sempre falo

sozinha? Que eu adoro falar sozinha?

ANA — Você vai comigo tirar fotografia amanhã? .

TEREZA — Que fia coisa nenhuma... Não posso... Tenho que trabalhar.

Trabalhar. .. E adianta?

ANA — O quê?

TEREZA — Não estou falando com você. Ana dá um tremendo arroto.

TEREZA — Porca! E que Deus te crie também.

ANA — Não foi espirro, foi arroto mesmo.

TEREZA — E vice versa.

Tereza senta pra comer o mexido/ Ana prova/ brincam, etc.

TEREZA — Está uma delícia.

ANA — Podes crer.

Tereza comendo rapidamente.

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TEREZA — Estou cansada.

ANA — Eu também.

TEREZA — Vontade de dormir por exemplo, você não tem?

ANA — A diferença é que eu não preciso dormir, daí não tenho sono.

Reportagem.

TEREZA — Quantos anos você tem?

ANA — 22.

TEREZA — É feliz?

ANA — Não sei.

TEREZA — O que que é felicidade pra você?

ANA — Não sei.

TEREZA — Morar aqui?

ANA — Não sei.

TEREZA — Você tem trabalho?

ANA — Não.

TEREZA — Profissão?

ANA — Atriz.

TEREZA — Sucesso?

Ana faz que sim com a cabeça, gloriosa!

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TEREZA — Os homens gostam de você?

ANA — Gostam.

TEREZA — E as mulheres?

ANA — Gostam.

TEREZA —- Dorme com todo mundo?

ANA — Durmo.

TEREZA — Gosta?

ANA — Não sei.

TEREZA — Com quantos anos você tentou se matar?

ANA — 20.

TEREZA — Por quê?

ANA — Estava infeliz.

TEREZA — Por quê?

ANA — Não sei.

TEREZA — Profissão do pai.

ANA — Funcionário público.

TEREZA — Da mãe?

ANA — Mulher do pai.

TEREZA — Instrução da mãe?

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ANA — Primário.

TEREZA — Do pai?

ANA — Ginásio.

TEREZA — Você viu a carta?

ANA — Que carta?

TEREZA — Que chegou ontem.

ANA — Não. Não vi. Era de quem?

TEREZA — Eu li para você.

ANA — Não, não leu... bem, acho que leu sim.

TEREZA — Li ou não li?

ANA — Leu.

TEREZA — Você lembra como era?

ANA — Falava num relógio num falava?

TEREZA — Não tinha nada de engraçado.

Ana de repente tem outra sapituca: Dá um pulo, uma fúria.

ANA— Porra também! Que merda... E se eu ficar grávida?

TEREZA — Já disse repito e trepito: vou ser madrinha.

ANA — Não brinca cacete.

TEREZA — Pois manda mais um anjinho pro céu... Você não já mandou

um?

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ANA — Já tá de porre né sua...

TEREZA — Diz logo, você tá morrendo de vontade de dizer: “Já tá de

porre né sua vaca!”

ANA — Que isso Tê? Você recebeu carta?

TEREZA — De quem?

ANA — Dela.

TEREZA — Minha namorada? Não.

ANA — Como é que você aguenta tanto tempo sozinha?

TEREZA — Aguenta como? Eu não estou sozinha por causa dela.

ANA — É por causa de mim então?

TEREZA — Ora menina, é por causa de mim, pronto..

ANA — Tê, quantos anos você tem?

TEREZA — Trinta, não é engraçado?

ANA — Não acho graça nenhuma. Acho muito bacana.

TEREZA — Imagina alguém ter 22 anos. É impressionante olhar pra você

e saber que você só tem 22 anos.

ANA — Pois é...

TEREZA — Com 22 eu tava no hospital: tentativa de suicídio!

ANA — Besta besta minha filha. Eu tentei com 20, todo mundo tentou.

TEREZA — Pois é. Escuta... este mês nós dividimos o aluguel.

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ANA — Já sei. Não precisa dizer que eu estou vivendo às suas custas não.

Quando começo a ganhar dinheiro eu ganho o triplo de você. Este mês

pode deixar que eu pago inteiro.

TEREZA — Escuta Ana, eu disse que vamos dividir. Não complica as

coisas... Pra mim é difícil falar em dinheiro.

ANA — E daí?

TEREZA — A conversa mixou.

ANA — A gente divide, pronto... Vou alugar um apartamento pra mim.

TEREZA — Mas e se a viagem sair?

ANA — Vamos voltar agora pro papo da viagem é? Não se preocupe que

eu não demoro muito na sua casa não. Já tou aqui mais tempo do que

devia... Vou mudar amanhã, viajando ou não viajando. Pode deixar que eu

não atrapalho mais o teu soninho...

TEREZA — Sabe, com 20 anos eu me achava uma velha. Morria de

desespero de não ter mais 17, 18 anos. Quando fiz 19 quase morri. Sabe

que no dia que fiz 20 anos mandei um telegrama pra mim mesma dizendo

assim: “meus pêsames”?!

ANA — Parece maluca, eu hein?

TEREZA — Com 30 acho que não vou envelhecer nunca.

ANA — Pois eu pareço muito mais velha do que sou.

TEREZA — É, tem dias que parece sim.

ANA — Merda.

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TEREZA — Que que foi?

ANA — Não aguento mais de saudade, não aguento mais.

TEREZA — Isso passa logo, não tem a menor importância.

ANA — O que que passa e o que que não tem importância?

TEREZA — As tuas saudades. Rodrigo não está aqui?

ANA — Azar pra Rodrigo, quero que ele faleça. Eu disse que não podia

mais de tanta saudade não foi de Rodrigo, você sabe muito bem.

TEREZA — O que prova a minha teoria.

ANA — Que teoria?

TEREZA — Que vocês vieram pra cá pra fazer a brincadeirinha de vocês

só pra me chatear, que você estava mesmo com vontade de sei lá, que você

queria uma pessoa que estava na Conxinxina e veio fazer amor na minha

frente, com um sujeito que não tem nada a ver com a história só pra

descontar em cima de mim as tuas saudades.

ANA — Acabou é?

TEREZA — Não sei.

ANA — Pois se estiver grávida faço aborto.

TEREZA — Longe de mim.

ANA — Vai começar com o papo furado é? Olha aqui minha filha, esse

negócio de achar que tá matando um anjinho acabou faz muito tempo.

TEREZA — E dai?

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ANA — Daí que você fica dizendo essas coisas porque não dá. E quando

dá nem pega tá?

TEREZA — Sabe o que você é? Uma burra, uma estúpida, uma...

ANA — (FURIOSA) E você é uma mofada ouviu? Está coberta de mofo

dos pés a cabeça.

Pensa algum tempo/silêncio.

Sabe de uma coisa? Essa vida é uma merda.

TEREZA — Outras pessoas já disseram isso melhor e com palavras mais

sutis.

ANA — Pois então merda pra elas também. E sabe de que mais? Estou

cheia de você ficar querendo me dar lição ouviu? Não preciso. Ainda mais

vindo de quem vem.

TEREZA — Explica melhor.

ANA — Preciso? Basta você olhar no espelho que você vê. Mofada, mal

vestida deprimida. Parece uma velha. Chega a ser indecente sabia?

TEREZA — Mas foi aqui, na minha frente, na minha casa que você veio

dormir com o Rodrigo. Porque não foram pra um hotel? Foi pra se excitar

com meu mofo, foi?

ANA — Isso mesmo. Já que você disse que é porque é. Vim dormir em

baixo da sua cama pra me excitar, sua moralista de meia tigela. Vim, sabe

porque também? Porque tou cheia. Cheia de Rodrigo, de mim, de você da

sua casa. Vim porque sabia que você não ir dormir coisa nenhuma, que ia

ficar aí em cima da cama fingindo que não ouviu nada sem reclamar como

você faz sempre.

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TEREZA — Cala boca Ana.

ANA — Não calo não. E quer saber mais? É bom. É bom fazer amor

mesmo que a gente não sinta nada. Pelo menos a gente sacode a poeira

menina. Vai lá no espelho e se olhe. Você está um horror. Um horror de

tanto trabalhar de tanto dar duro o dia inteiro sem conseguir fazer merda

nenhuma tá ouvindo? Merda nenhuma. Nem trepar. Isso mesmo, trepar,

com todas as letras. É a única coisa que sobra né? Procê é assim não é?

Vim, vim dormir com Rodrigo aqui pra te dar uma lição. E outra coisa:

escuta bem. Escuta porque dagora em diante você não abre mais a

boquinha: se eu estiver grávida você vai comigo pra tirar. Vai pra ver. Nem

que seja olhar, ficar com nojo. Ver como é que a gente tira um negócio de

dentro da gente até podia gostar, mas não gosta. E nem pode.

TEREZA — Cala boca você, tá ouvindo? Já aguentei demais a sujeira que

você botou aqui dentro.

ANA — Agora é sujeira é? Antes você dizia que eu tinha ajudado você a

botar um pouco de vida aqui dentro desse museu. Isso aqui antes parecia

uma casa de velório.

TEREZA — Agora virou zona.

ANA — É maravilhoso sabia? Nunca vi uma coisa fazer tão bem pruma

pessoa. Até ontem você não era capaz de dizer nada disso do que tá

dizendo. Era sé “desculpa”... “sabe, pode ser que eu esteja errada...” Dói,

amizade, uma trepada na cara por exemplo...

TEREZA — Tou com sono Ana. SONO. Tenho que acordar amanhã cedo.

ANA — Mas eu não tenho que acordar amanhã cedo. Só acordo se quiser.

Você não, tá sempre preocupada em arrumar seu dinheirinho pra viver

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como uma moca muito bem comportadinha. Pois eu faço o que quero, na

hora que quero e como eu quero.

TERESA — E vive na casa dos outros.

ANA — Tem sempre um imbecil pra me aguentar.

TEREZA — Lésbiquinha de meia tigela. É isso que você é, de meia tigela!

Ana olha com toda insolência da raça pra Tereza e começa a arrumar as

malas.

TEREZA — Se pelo menos você gostasse do Rodrigo. Mas não. Fez, só

pra desforrar do fora que levou.

ANA — Vê como fala tá? Eu tou sofrendo.

TEREZA — E por acaso você sabe o quanto eu, eu estou sofrendo? Você

sabe se Rodrigo também não está? Você sabe o quanto ele está sofrendo?

Ou você não sabia que a mulher dele se matou?

ANA — Não tenho nada com a mulher dele, sabia? Nada. Matou azar dela.

Eu não trepei com nenhum defunto. E você Você teria coragem de dar pra

ele se, ele quisesse? Não, nem isso você tem coragem de fazer porque você

é uma covarde. Uma covarde está ouvindo? Ou você pensa que eu não sei

que você teve vontade de dormir comigo, de dormir com Rodrigo, de

dormir com o Chico e na hora morreu de medo hein?

TEREZA — Pára com isso Ana. Você não tem a menor idéia de nada do

que está falando e além do mais não tem o direito tá ouvindo? Não tem o

direito.

ANA — Em compensação os teus amigos são todos uns babacas feito você.

O que é que vocês fazem o dia inteiro, a noite inteira? Conversam é? Pra

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salvar o quê? Gente feito eu? Sou vulgar, grossa, suja! Mas tou viva.

Vivinha da Silva.

TEREZA — Desde que você botou o pé aqui dentro eles sumiram.

ANA — Eu sabia, pensa que eu não sabia? Por isso mesmo quando batem

eu nem abro. Respondo da janela: Tereza não está e não sei quando volta!

Assim dá papo tá sabendo? Pelo menos papo! Devem dizer, “Tereza agora

é outra, está se destruindo mais ainda, deixando aquela mulher morar na

casa dela”.

TEREZA — Pois é isso mesmo que eles dizem.

ANA — E você deve ficar enroscadinha de alegria não é mesmo? Nada

melhor do que ter uns melecas se preocupando com a gente.

Agora ela já está pronta pra sair de mala na mão e, tudo, tem até uma

garrafa de champanhe em baixo do braço. Pega a mala empunha a garrafa

e

ANA — Nada melhor do que uns melecas. Era a champanhe do seu

aniversário, agora vou levar comigo.

TEREZA (Tentando o cinismo) — Não adianta querer fugir não. Você

sofre de banzo meu amor, não adianta. Um dia vai ficando com saudade,

vira o olhinho pro céu e bye bye... você volta.

ANA (Da porta) — Você é muito sabida. Muito sabida mesmo. Se você

diz que eu volto é porque eu volto. E já que eu volto, eu nem vou. (Volta) E

já que eu não vou, eu vou ficar. E vou te comer. Você não disse que eu sou

lésbica?

Ana está uma fera

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Tereza, sentada na cadeira de balanço parece até que desistiu. Ana voa

pra ela.

ANA — Hum, vejamos. Mais ou menos um metro e sessenta e um

pouquinho. O corpo não é lá dos piores.

(Olhando as pernas da outra).

Até que não são feias. A coxa está um pouco flácida. E só marchar um

pouquinho mais que melhora. Exercício foi feito pra engrossar perna

também, sabia?

Seios pequenos, tai, até que são bonitinhos... Discordo do cabelo, horrível.

Não tem jeito de nada. Babosa nele minha filha. Vitamina A. Caspa, olho

vermelho, os óculos! Amanhã vamos comprar outros... Tem que ir ao

oculista, fazer limpeza de pele.

Você não é tão ruim assim não. Se cuidar dos olhinhos, do cabelo, da

flacidez e da fossa é capaz do mofo cair. Afirmar eu não afirmo nada, tou

dizendo que, é capaz... Estou fazendo um exame pré-nupcial em você meu

amor, pra ver se topo a parada. Pra ver se ponho um pouco de vida, de

sexo, de loucura até de sacanagem dentro da tua cabecinha... Afinal a , vida

não nasceu só pros seus amiguinhos ficarem pensando nela não. Vou

transformar você numa mulher da alta roda, numa senhora, numa moça que

dá está ouvindo? Que dá, da cabeça aos pés...

TEREZA — (Num desabafo existencial) Já falou tudo que tinha que falar

tá ouvindo Ana. Você já disse o que tinha que dizer, agora é a minha vez.

Estou com os olhos vermelhos sim e sabe por quê? Porque não tenho onde

cair morta, não tenho vontade, não tenho coragem e vai ver que eu nem

quero.

Saber disso, até agora não mudou nada, nada. Onde é que vai me levar tudo

isso? Você pode responder? Não. Porque você é melhor do que eu e nem

pergunta. Você sabia que eu acho você melhor do que eu?

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Tenho até inveja de você, uma inveja... Da sua coragem de nada... é... da

sua coragem de nada. Um trapinho. Um trapinho que dá e acha que dar é o

suficiente.

Pois eu não. Não tenho coragem nem pra isso. E sabe por quê? Porque

tenho medo de ter mau hálito, porque não tenho dinheiro pra ir ao dentista,

porque meu dinheiro não dá pra nenhuma alegria, porque eu não tenho ne-

nhuma alegria trabalhando, porque odeio o meu trabalho, porque tenho

medo quando alguém chega perto de mim e vê que tenho os dentes

falhando... que ouve que eu não tenho nada pra dizer. Que eu vejo que

afinal tudo o que eu queria não passa de um montinho de merda... Depois

eu só quero ter o que, vale a pena de ter e aí falta coragem, porque eu não

sei se vale tanto assim.

Já imaginou se você chega perto de mim e vê que tenho mau hálito? E só

porque tenho mau hálito desiste de passar a mão na minha cabeça? Já

imaginou? Mau hálito... porque trabalho feito uma doida e não tenho

dinheiro pra ir a um dentista. Só por isso Ana. Não é bobagem?

As vezes eu chego em casa, olho no espelho e digo pra mim: “Como é que,

pode Tereza, como é que pode, você tão merda, tão coisa nenhuma, ter tido

vontade de fazer alguma coisa da tua vida."

Sabe quantas cartas eu escrevi no ano passado, sabe? 358. Isso mesmo.

358. Quase uma carta por dia. E sabe por que eu escrevia cartas? Por medo.

Medo de ter de encarar as pessoas que queriam tanta coisa da vida, tanta. E

eu não queria nada.

E eu queria que os outros gostassem de mim, gostassem de mim feito

loucos.

Todo mundo quer a mesma coisa. Você, eu, todo mundo... e eu não sei se

vale a pena querer tanto. Depois eu tava cansada de levar porrada. Isso

porrada. Não por causa de Rodrigos, Anas, Abortos. Não. Por causa da

minha covardia, só isso, por causa do meu medo. Eu não queria incomodar

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ninguém com minha covardia, meu medo, minha cara. Serve?

Ana cai na maior gargalhada.

ANA — Ela tinha milhões de amantes

e um elefante pra passear

o elefante era viciado e

fazia ponto no Alcazar

Canta até ficar insuportável.

TEREZA (Aos berros) — Eu vou dormir ouviu? Eu vou dormir. Estou

cansada, com sono. Eu vou dormir. (Apaga a luz. A luz volta

imediatamente).

ANA — Dormir o quê minha lindinha? Você até que estava ótima

encenando sua vidinha íntima... Continua. Eu estava começando a me

emocionar.

Tereza quer desistir.

ANA — Continua. Você estava ótima, ótima.

TEREZA — Eu estou exausta... pelo amor de Deus, eu nunca fiz isso na

minha vida.

ANA — Ah, coitadinha! Ela nunca fez isso na vida dela... Está tão

cansadinha. Taí, descobri uma coisa: você deve ser péssima de cama. Vive

tão cansada que é capaz até de dormir no meio. Até de roncar. Deve ser en-

graçado ver você, míope, dormindo no meio. Quando a gente pensa que vai

ficar bom ela ronca, dorme.

Tereza fica muda e não olha para Ana. Ana coloca champanhe na boca e

fica esguichando champanhe nas paredes até chegar no poster de Rodrigo.

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ANA — Você é um chato. Um chato igual a ela. Dois chatos. Quer saber

de uma coisa? O mundo tá todo errado. Quem devia ter ficado com ele era

você e não eu. Podia funcionar melhor. Afinal os dois são muito parecidos:

medrosos e covardes.

(Pra Tereza) Sabe que ele não apareceu mais? Nem convidou pra jantar

coisa nenhuma. Vai ver que ficou com medo também.

(Aí Ana já não pára mais. — Imitando Tereza Down)

“Pára Ana, pára, eu não quero ouvir”. Mas se você não me ouvir quem é

que vai me ouvir? Só tenho você no mundo agora. Todo mundo sumiu e só

tem você e vocêzinha vai me suportar muitos anos. Muitos séculos. Séculos

e séculos. Você vai ficar durinha, virar uma pedra de 500 séculos e eu lá te

aporrinhando. Te aporrinhando até você ficar menos chata, menos mole. E

tem outra coisa que eu quero dizer pra você de uma vez por todas. Não

suporto os teus gemidinhos, não suporto. Nem tua mania de ficar quieta,

quietinha, feito fosse o Juiz do Mundo. Se eu grito, se eu berro, berra você

também... (irritada) Ela não consegue, ela não consegue.

(Esquece tudo) Aninha, o que é que você ia dizer pra moça ali? Lembre-se.

Concentre-se. Ah, já sei: aquele retrato do cara que você disse que morreu

não sei onde (Pega um porta retrato do armário) Pois é, não acredito. Você

deve ter inventado até isso só pra ver se eu mostrava o jogo. Aposto que

você nunca viveu com ele. Aposto que você comprou o retrato só pra dizer

que teve um amante, aposto que ele devia ser bicha, aposto!

(Imita Tereza) Você não sabe Ana, é uma coisa da gente. Só que o braço

não alcança. Ele morreu longe. Na hora que a gente ia se encontrar..

Sua besta, ele nunca existiu!

Ana enche novamente a boca com a champanhe e roda pelo quarto. Tereza

levanta o rosto e, olha pra ela, fica olhando. Tereza espera que ela acabe

de esvaziar a boca.

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TEREZA — Ana.

ANA — Levantou, meu amor?

TEREZA — Me dá um pouco dessa champanhe.

ANA — Cadê seu copo?

TEREZA — Eu não quero no copo.

ANA — Vai de gargalo?

TEREZA — Eu quero beber da tua boca.

ANA — Tê!

TEREZA — Põe champanhe na boca, anda!! Eu quero da boca.

Devagarinho, muito devagarinho mesmo. Eu quero saber como você é,

sentir pedacinho por pedacinho. Vou ver se vale a pena, se vale a pena a

experiência. Depois que a champanhe acabar vai ser uma delícia. Eu posso

até amar você, deixar você ver os dentes cariados que eu sinto vergonha.

Um por um. Você vai passar o rosto no meu rosto, nos meus olhos, eu vou

aprender a te ver.

Ana põe champanhe na boca, Tereza olha Ana bem de perto.

TEREZA — Engraçado, eu sempre pensei que você fosse bonita, mas não

é. Está com os olhos inchados, a pele cansada, até a boca está machucada,

mas não tem importância, eu gosto. Eu gosto de gente esquisita. Você não é

homem, não é mulher, não é lésbica, não é nada. E acha que dar é o

suficiente. Você é tão inocente Ana, tão inocente. Anda! Eu quero que você

me dê um beijo e fique sabendo que não é um beijo de sacanagem não. Eu

quero ouvir você dizer “Olha, Tereza, eu aqui.” Só isso. Isso você não

compreende está ouvindo? Não compreende. Anda, vem! Não, assim não.

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Deixa eu me arrumar primeiro. Quero ficar esperando e tudo, nada de

pressa. Quero sentir que você está chegando. Parece um sonho que eu tive:

eu olhava pra baixo, pra cima, nada. Agora diferente. Agora eu posso ver o

teu rosto chegando perto de mim, vou ficar esperando e vai aparecer o teu

rosto. Não estou sonhando mais. Estou acordada e vou receber um beijão

maravilhoso de uma criatura esquisita. E vai ser maravilhoso. Porque eu

vou pegar na tua cabeça, encostar teus cabelos nos meus olhos e vou gostar

só por causa de uma coisa: porque você não lava a cabeça há muito tempo.

Ana vai se aproximando, fascinada, de Tereza. A boca está cheia de

champanhe. A garrafa na mão.

TEREZA — Pode vir. Eu vou gostar de sentir o teu cheiro. O teu cheiro

humano, bom.Vem Aninha, vem.

Silêncio, de repente, Ana dá a maior gargalhada. Derruba champanhe

sobre Tereza, faz a maior lambança/ as duas riem muito.

ANA — (canta) Ela tinha milhões de amantes

e um elefante pra passear

o elefante era viciado

e fazia ponto no Alcazar lá lá lá lá

Tereza pára do meio.

Ana canta e dança em volta dela.

Máscaras mesmo.

TEREZA — Ana!

Ana não responde mas vai parando de dançar.

TEREZA — Não adianta fingir que não tá me vendo. Olha pra mim.

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ANA — Deixa de frescura. Não quero, não olho.

Silêncio.

ANA — Você tá cansada Tereza, precisa dormir. Amanhã você não vai

acordar cedo?

TEREZA — Você sabe que vou.

ANA — Pára com isso Tereza. Eu não tenho nada a ver com essa história,

pára.

TEREZA — Tem sim Aninha. Você pensava que não tinha mas tem. E eu

sei que tem porque você é igualzinha a mim, só que começou pelo meu

avesso... é elementar. E não demora muito a gente troca. Porque você é

igual a minha metade, igual a todas as metades que existem no mundo.

Você veio trepar aqui com Rodrigo pra me provar uma coisa. Uma coisa

mínima: que você só aguentava o Rodrigo se eu te ajudasse a aguentar o

Rodrigo. E ele topou pela mesma razão. Pra gente ficar eternamente numa

coisa sem nexo sem sentido, sem sexo! Essa coisa que é feita de uma

espécie de esmola, uma esmola que a gente mesmo se dá pra brincar de

estar vivo. Inveja, pedaço, culpa. No fundo é ingratidão. Ingratidão com o

mundo que a gente devia amar e não ama, que devia odiar e, não odeia.

Você é igualzinha a mim, igualzinha à minha metade, porque você é tão

insignificante que tem que vir trepar com Rodrigo aqui e eu sofrer com

isso. Com coisas insignificantes... É um modo de ter importância não é?

Tanto pra mim quanto pra você. A gente existe e não existe ,a gente quer e

finge que não sabe o que quer. Mas aí a gente ama, e aí a gente vê que no

fundo continua fazendo careta na frente do espelho.

TEREZA — E às vezes eu acho que é só assim que a gente aguenta essa

coisa chamada vida que a gente tem, só assim.

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ANA — Quantos anos você tem?

TEREZA — Trinta.

ANA — Profissão?

TEREZA — Não adianta Ana. Você sabe que a profissão não vem ao

caso.

ANA — Eu sou atriz.

TEREZA — E eu sei que você é atriz.

ANA — Ô meu Deus, ô meu Deus.

TEREZA — Você viu a carta Ana? Viu a carta? Só isso, a carta. Você

viu?

ANA — Que carta?

TEREZA — A carta da minha tia, Emília.

ANA — A carta da tua tia, Emília.

TEREZA — Isso mesmo, a carta da minha tia Emília.

ANA — Vi.

TEREZA — Repete.

ANA — Vi, vi, vi.

TEREZA — Quantos anos ela tem?

ANA — 74

TEREZA — E qual a única coisa que quis ter no mundo?

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ANA — Um relógio de pulso.

TEREZA — Por quê?

ANA — Porque um dia, em Araruna, quando era muito moça viu um rapaz

mandar um relóginho de pulso pra noiva que morava muito longe. Ela

nunca se esqueceu... Passou a vida inteira esperando um relógio de pulso, a

vida inteira.

TEREZA — Repete.

ANA — Ela nunca se esqueceu. A vida inteira querendo só um relóginho

de pulso.

TEREZA — Isso, você viu? Que a minha tia passou a vida inteira

querendo só um relóginho de pulso?

ANA — Ai, merda. A vida inteira querendo só uma merdinha de um

relógio de pulso.

TEREZA — Porque que você veio pra cá Ana?

ANA — Porque quis.

TEREZA — Ganhar dinheiro? Ganhar dinheiro, por exemplo?

ANA — Entre outras coisas...

TEREZA — Que coisas? Que coisas?

ANA — Sair de onde estava, serve?

TEREZA — E saiu?

ANA — Saí.

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TEREZA — Burra. Você não saiu de lugar nenhum... Nem dinheiro te

deram: não é mesmo?

ANA — Não amola, Você sabe perfeitamente que não!

TEREZA —. Eu também quis sair de onde eu estava.

ANA — Eu sei, é sempre a mesma história.

TEREZA — Não, é uma história diferente. É a mesma história, só que

diferente. E você sabe disso não é? Não sabe?

ANA — Você quer contar, conta logo.

TEREZA — A morte é sempre o pior exercício. Tem alguma novidade

nisso Ana?

ANA — Não, não e não.

TEREZA — Só que ninguém morreu dessa vez. Nem eu e nem ela. E

ninguém quer morrer quando tem 18 anos. Nem eu, nem ela, nem ninguém.

Só se não dão outra chance! Ela tomou comprimidos, eu, soda cáustica. E

quando a gente toma soda cáustica o esôfago fecha. Não entra ar. Não entra

água e ainda assim é fácil. Foram três anos assim, três anos entre o hospital

e a casa. No meio deles, o barbante que eu tinha que engolir pro tratamento

funcionar. Senão morria mesmo. Entrava pela boca, saia pelo estômago, e

dava milimetricamente certo. No hospital tinha um monte de baratas todas

as manhãs quando eu chegava, e junto das baratas muitas camas e nas

camas, as velhas. Velhas que riam umas para as outras, contentes, se

perguntando: “Passou bem a noite dona fulana?” “Doeu a barriga?” “Ah,

coitada!” Estavam contentes, alegres, porque ainda tinham um tempo a

mais para viver. Porque, tinham um tempo a mais para viver, junto de um

monte de baratas... . E isso não vinha ao caso. Elas não tinham tomado

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veneno nenhum, elas queriam viver. Não eram pela metade como você,

como eu... Pelo menos elas sabiam o que queriam.. Mas lá no hospital tinha

outras pessoas que tinham tomado o mesmo veneno que eu, só que não

tinham nada a ver comigo. Eu lembro que eram sujos, que fediam, mas teve

um que perguntou se eu aguentava aquilo porque tinha fé. Ele tinha. E não

podia entender porque não conseguia engolir o barbante antes de mim.

Nem ele nem nenhum dos outros engoliam o barbante antes que eu

chegasse... Eu. Eram quatro, cinco, seis, dez, sei lá, com os pedacinhos de

barbante pendurados no canto da boca esperando a hora de engolir aquele

ferro que descia até o estômago para poderem, um dia, ficarem bons e

viver. Viver. Eles esperavam por mim e eu tinha medo deles porque sabia

que não podia mais me queixar. Foi assim que eu aprendi o mundo: na

ponta de um barbante.

TEREZA — E de ponta a ponta dele o cheiro era o mesmo: fedia a medo.

ANA— (Se, sentindo bem pobre) Lá em casa a gente às vezes não tinha

dinheiro pra comer...

TEREZA— (Sem emoção) Sabe qual a única coisa boa que eu tenho,

sabe? É o meu medo. Medo que aprendi com eles. Medo. Medo do que

você nem eu a gente é. Tenho medo da tia Emília, que queria uma só coisa

do mundo, um relóginho de pulso. Aliás queria duas. A outra era um

guarda-roupas. Tenho medo porque no fundo eu ainda não quero nada, só

pedir que me amem, e até isso está fora da moda. E está fora da moda

porque DAR é uma coisa que se aprende!

ANA — Eu não tou pedindo nada.

TEREZA — Você finge quê não está, só isso. Me mostra uma alegria sua,

só sua.

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ANA — Rodrigo.

TEREZA — Mentira.

ANA — Minha profissão.

TEREZA — Mentira.

ANA — Eu eu eu.

TEREZA — Mentira, mentira tudo. Porque nem você acredita ainda...

Nem você. E a única coisa maravilhosa que você tem é seu cabelo imundo,

sua cara vulgar, igual a de todo mundo, e sua coragem que nem você sabe

se tem porque você nunca quis nada que valesse mesmo a pena. Porque

ainda falta muito amizade, muito!

ANA — E daí? E daí? Você... (Chora) E daí? Você pensa que eu não

penso um pouquinho aqui dentro de mim? Penso sim. E daí? A gente vai

tirar alegria de onde?

TEREZA — De uma fotografia, serve?

Tereza recua de onde estava.

Silêncio.

ANA — Estou cansada Tê, estou muito cansada.

TEREZA — Enquanto você estava aqui com Rodrigo, pensando que eu

estava dormindo, enquanto eu morria de medo, tia Emília olhava o relógio

de pulso que tinha vontade de ter desde que era mocinha.

ANA — E tem alguma novidade nisso?

TEREZA — Pra mim tem Ana, muita.

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Ana começa a arrumar o apartamento.

TEREZA — Deixa isso pra lá. Amanhã a gente arruma as coisas.

Enquanto você limpa a casa eu vou falar com o Zé pra ver se arrumo

dinheiro emprestado pra pagar o apartamento .

TEREZA — Você tem que tirar fotografia e, eu tenho que fazer as

traduções... Anda, vamos dormir.

Tereza vai até Ana.

ANA — Amanhã vou lavar a cabeça.

TEREZA — E sair um pouco mais. Faz bem. Acho que vou ao oculista.

Meus olhos estão vermelhos não estão? Ter os livros nas estantes... os

vestidos arrumados pra sair e a máquina dentro de mim, me fabricando, me

fabricando...

ANA — Um dia você quis muito as coisas não quis?

TEREZA — Quis. E meti muito a mão.

ANA — Nas baratas que ficavam no hospital?

TEREZA — Isso mesmo, nas baratas que ficavam no hospital.

ANA — E agora?

TEREZA — Não sei, você sabe?

ANA — Amanhã vou procurar uma casa pra mim, não precisa se

preocupar. .

TEREZA — Eu não estou preocupada. Eu gosto muito de você. Você é a

pessoa que eu mais gostei até hoje... Depois chega um dia a gente encontra

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outra pessoa e outra, e outra e pode ser que eu até descubra que você Ana e

eu Tereza, ou existimos mesmo ou é pura ilusão.

ANA — Mas você quis muita coisa, não quis?

TEREZÀ — Eu quero e você também quer.

ANA — Você conseguiu?

TEREZA — Claro.

ANA — Você é infeliz?

TEREZA — Sou. Você é?

ANA — Não sei, vai ver que sou.

TEREZA — Que horas você quer acordar amanhã?

ANA — Não tenho hora. E que horas você vai acordar?

TEREZA — As nove.

ANA — Você me chama pra tomar café com você?

TEREZA — Chamo.

As atrizes se beijam.

FIM

RIO, 1967

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ELIS REGINA — Bala com bala

Vida de bailarina

AS MOÇAS

Sérgio Bandeyra/ic

no quintal o poço

aonde lavo os olhos

no pulso o barbante

onde carrego o tempo

escurecendo os olhos

e eu esquisita

na vida

vivendo

escurecendo os olhos

e eu esquisita

na vida

vivendo

eu quero que me vejam

quero que me amem

eu quero o beijo

o beijo da criatura bonita