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“AS MEMÓRIAS SECRETÍSSIMAS DO MARQUÊS DE POMBAL” E AS

REPRESENTAÇÕES DA AÇÃO JESUÍTICA EM PORTUGAL

Rafael de Paula Cardoso1*

RESUMO: Esse trabalho tem por objetivo investigar a representação da ação jesuítica

no Reino de Portugal entre os séculos XVI e XVIII. Escolhemos como objeto de estudo

a obra Memórias Secretíssimas do Marquês de Pombal, um conjunto de reflexões,

relatos, notas e leis referentes ao ministério de Sebastião José de Carvalho e Melo, o

Marquês de Pombal, ministro de D. José I, compilados e organizados por diversos

autores. Dentre as principais preocupações destacadas na obra estão: a decadência

política e econômica do Reino de Portugal, além do atraso intelectual em relação à

Europa. A ação jesuítica é apontada como principal causadora desse atraso e decadência

por meio de sua influência política e concepções pedagógicas. Para compreender essa

representação buscamos identificar quais elementos balizaram a interpretação feita por

Pombal sobre o cenário lusitano. Nesse contexto das Luzes destaca-se a consolidação da

racionalidade, do processo de secularização e descristianização, além da consolidação

do espaço público, elementos que compunham a chave para o progresso do Reino e

formação moral do indivíduo. Dessa forma constroem-se representações dicotômicas:

“progresso” e “decadência”, “antigos” e “modernos”, onde os jesuítas são associados a

uma moral de cunho aristotélico e escolástico que teria “viciado” não só a política, mas

também a educação; descambando na decadência do Reino. Acreditamos que esse jogo

de representações é significativo para analisar a forma como a ação dos jesuítas foi

representada, assim como compreender os novos paradigmas proposto pela visão de

mundo dos pensadores ilustrados, apontando para uma nova compreensão de homem e

de educação nesse contexto.

PALAVRAS-CHAVE: Reformas pombalinas, Portugal, Jesuítas.

1. Introdução

Em meados do século XVIII emerge no espaço político português a figura de

Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o famoso Marquês de Pombal. Figura

política ligada à uma série de Reformas que tiveram como objetivo resgatar o reinado de

D. José I da situação de decadência em que se encontrava. Submeteu as reformas todos

* Mestrando em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, Piracicaba-SP.

Integrante do Núcleo História e Filosofia da Educação (PPGE-UNIMEP) – E-mail:

[email protected]

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os espaços do Reino, desde o comércio, à indústria, o Ultramar e principalmente a

educação, seja a menor ou a maior (superior); como forma de garantir o progresso de

Portugal. Nesse conjunto de reformas uma série de obstáculos são identificados, desde a

ingerência Inglesa na economia portuguesa, o atraso da corte e, o principal deles, a

influência da Companhia de Jesus sobre o Reino de Portugal. Nas reformas os jesuítas

são representados como um obstáculo a ser superado. Representantes de um

pensamento “escolástico” e “medieval”, são vistos como elemento arcaico a ser

extirpado em nome da modernização e progresso do Reino.

Esse diagnóstico não é constatado durante a administração de Pombal. Antes

diversos intelectuais apontavam a influência negativa dos inacianos. Podemos destacar

Verney, em o Verdadeiro Método de Estudar (1746). Porém, nesse trabalho procuramos

identificar a forma como a ação dos jesuítas foi representada na obra Memórias

Secretíssimas do Marquês de Pombal. Um conjunto de cartas, notas, avisos, decretos e

alvarás organizados depois do ministério pombalino, provavelmente durante o século

XIX. O editor da obra não é identificado, mas ao longo das notas identificamos nomes

como Oliveira Viana e outros autores de relevo que organizaram e refletiram sobre a

obra de Pombal. Nesse balanço focaremos na representação dos jesuítas nesse período.

2. Iluminismo, Reformas pombalinas e o obstáculo jesuítico.

Até o século XVIII os Jesuítas eram uma das proeminentes ordens religiosas na

Europa. Conhecidos por sua regularidade, ordem e disciplina, legaram grandes

contribuições nas artes e nas ciências, assim como tiveram uma peso decisivo no campo

da educação (BANGERT, 1985, p.134-137). No entanto o que vemos a partir de

meados desse século é uma ruptura com esse legado. Em 1757, em Portugal, temos os

primeiros atritos durante o governo de D. José I, culminando na permanente expulsão de

seus domínios em 3 de setembro de 1759. Essas tensões se estenderam ao longo de toda

a Europa. Na França, em 18 de novembro de 1764, o rei expulsa os inacianos de seus

domínios. Na Espanha os jesuítas acusados de se voltarem contra o rei apoiando o

papado, acabam sendo expulsos em 1 de abril de 1767. Depois de serem expulsos de

Viena e de vários reinos da Itália, a Ordem foi extinta pelo papa Clemente XIV pela

Bula Dominus ac Redemptor, com data de 21 de Julho de 1773. Segundo Paul Hazard, a

forma como os jesuítas sucumbiram a essas investidas assemelhasse à “tremores de

terras, as guerras e inversões de alianças”, tendo como força avassaladora o “espírito

dos novos tempos, isto é, as luzes” (HAZARD, 1989, p.106).

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O Iluminismo emerge no século XVIII, o século das luzes. A razão tornava-se a

diretriz principal de pensadores e ideólogos que vão submeter a exame as mais diversas

instâncias da vida: a religião, a política, a filosofia, o homem e a sociedade. Os filósofos

submeteram ao livre pensar as transformações que se processavam orientados por um

ambicioso programa de secularização, humanidade, cosmopolitismo e liberdade.

Configurando-se como uma “República das Letras”, produziram obras, circularam

textos e compartilhavam visões de mundo por meio de instituições de caráter

transnacionais (CHATIER, 1997, p.137-9). Segundo Falcon, o Iluminismo caracterizou-

se essencialmente por “um vasto movimento de ideias, marcadas pela secularização e

pelo racionalismo, concretizando-se em formas variadas, de cultura para cultura,

segundo dois princípios básicos: o pragmatismo e o enciclopedismo” (FALCON, 1986,

p. 12-9). No campo político é notável, por exemplo, o avanço das concepções políticas

de pacto ou contrato entre governantes e governados, sociedade civil, natureza da

soberania, regime ou sistema político mais racional, das liberdades e direitos inerentes à

cidadania. No entanto, isso não significou uma necessária oposição ao absolutismo,

forma de governo consolidada desde o século XV, mas segundo Silva, o poder

monárquico deixa de ser submetido a sua vontade, passando a atentar-se aos ideais de

“utilidade pública” e aos “preceitos da ética”, ficando comprometidos com o progresso

do Reino, ideais de bem comum e felicidade pública, tais quais formulados pelo Direito

Natural (SILVA, 2006, p. 33-34).

Nessa tênue mediação entre o Estado, ainda sob claras tendências absolutistas, e

os novos ideais do século, emerge a figura do homem público, o funcionário. Aquele

intelectual comprometido com a racionalização da administração e o progresso público,

mas acima de tudo comprometido com as reformas encaminhadas pelo reino na

absorção das Luzes. Uma relação de interdependência marcada pela necessidade da

velha ordem em adequar-se aos novos tempos e dos filósofos em garantir seu sustento

material. Assim o conjunto de representações aqui colocadas não pode ser reduzido a

uma ruptura radical da estrutura de pensamento, mas como um “processo feito de

hesitações, de retrocessos, de bloqueios” (CHARTIER, 1990, p. 52).

Outro aspecto a ser destacado para esse estudo é o contexto da secularização e

laicização da sociedade a partir do século XVIII. A relação entre fé e razão deve ser

compreendida dentro de uma tendência geral de descristianização. Hobsbawm aponta

esse fenômeno principalmente entre os intelectuais que passaram a pensar a sociedade e

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a política de forma secular. O deísmo era quase um acordo comum entre nobres e

intelectuais, mas a reação a religião tradicional era de desprezo (HOBSBAWM, 2005, p.

304). Tal processo não significou um rompimento com os ideais cristãos, mas uma

profunda reflexão sobre a instituição católica que ganhava força desde a Reforma

Protestante. A noção de decadência se constitui nesse momento também como

decadência religiosa, seja ela moral ou pela “tirania crescente do papado” (LE GOFF,

2003, p. 403). Segundo Silva, essa crítica a instituição da Igreja Católica abriu espaço

para práticas como o “regalismo”, princípio norteador de muitos Estados,

principalmente na Península Ibérica. Ele se define como um “sistema jurídico-religioso,

preconizador da intervenção excessiva do rei ou Estado na vida eclesiástica, fundando-

se no suposto dever dos monarcas de procurar o bem, inclusive espiritual, dos súditos,

pondo a Igreja sob sua dependência” (SILVA, 2006, p. 43).

Esse conjunto de ideias e percepções de mundo influenciaram a realidade

portuguesa e orientaram o conjunto de representações feitas sobre ela. Segundo

Chartier, as representações tem grande influência sobre a forma como uma sociedade é

pensada, organizada e “dada a ler”, orientando suas classificações, organizações e

projetos para si. (CHARTIER, 1990, p.16-17). Podemos constatar isso a partir dos

intelectuais “estrangeirados” que tomaram contato com essas ideias e pensaram a

situação de Portugal no “contexto internacional de fermentação das novas ideias e

avanços científicos, bem como propostas reformistas norteadas pela ótica da

necessidade de uma reforma global da sociedade lusitana, à luz do progresso europeu”

(SILVA, 2006, p. 39). Dentre eles destaca D. Luís da Cunha, Luís Antônio Verney e

Ribeiro Sanches; intelectuais intimamente ligados às reformas pombalinas e que foram

unânimes em diagnosticar o “atraso cultural” e “decadência econômica” do Reino. Nas

análises desses pensadores sobressai a “preocupação com o atraso das ciências e do

pensamento em Portugal, onde faltava o espírito crítico e o experimentalismo” (SILVA,

2006, p. 36-42).

Nesse cenário ganha força Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782).

Também um estrangeirado, Melo era filho de uma família de fidalgos. Chegou a estudar

leis na Universidade de Coimbra, mas não completou seus estudos. Inicia sua carreira

política graças ao apoio do tio Paulo de Carvalho e Ataíde, sacerdote e lente da

Universidade de Coimbra. Como diplomata, trabalhou nas cortes de Londres e Viena,

observando o progresso das outras nações perante Portugal. Ao retornar, conquista

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cargo de destaque na corte de D. José I como Secretário de Estado dos Negócios

Interiores do Reino, conquistado após as decisões e comando durante o abalo sísmico de

1755, o qual destruiu Lisboa, mas fez emergir dos destroços a figura mítica de Pombal,

título nobiliárquico a ele concedido em 1770. (MAXWELL, 1996, p.5-25).

A obra Memória Secretíssima nos ajuda a observar toda essa trajetória de

Pombal. Nela ele dialoga com os novos ideários do século, se colocará como verdadeiro

“lugar-tenente” de D. José I, buscando justificar seu poder ao mesmo tempo que buscou

reformar o Reino para garantia de seu progresso. Em seu diagnóstico podemos perceber

como ele identifica o atraso do Reino apontando principalmente para uma hegemonia

predominante da ideologia eclesiástica no Reino. Está identificada com a presença

jesuítica. A dissolução da Companhia de Jesus – após um poder que em Portugal lhe

pertenceu de 1540 a 1750 – representou o fato mais decisivo no estabelecimento de uma

instrução pública com caráter secular e nacional. Em outros termos, à quebra do

obstáculo à introdução das ideias divulgadas desde os primeiros estrangeirados

setecentistas, voltadas para a superação da defasagem cultural do Reino. Substituição

por uma “pedagogia do concreto e do imediato”, muito influenciada pelas reformas

promovidas no ensino francês, pelos padres de Port-Royal contra a pedagogia jesuítica

(SILVA, 2006, p.68-69).

Segundo a Lei pela qual S.M. é servido exterminar, proscrever e mandar

expulsar dos seus reinos e domínios os regulares da companhia denominada de jesus,

etc... de 3 de setembro de 1759, a extinção da ordem jesuítica era importante não só para

o intento das reformas, mas para acabar com o “façanhoso projeto com que havia

intentado e clandestinamente prosseguido sua usurpação de todo o Estado do Brasil”

(MELO, s/d, p.124).

A visão de uma ordem religiosa entranhada no seio do Estado é vista por Pombal

como algo temeroso dentro do contexto já apontado de descristianização,

principalmente em relação aos “corrompidos” jesuítas:

deploravelmente alienados do seu santo instituto; e manifestamente

indispostos com tantos, tão abomináveis, tão inveterados, e tão

incorrigíveis vícios para voltarem à observância dele, por notórios

rebeldes, traidores, adversários e agressores que têm sido e são

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actualmente contra a minha real pessoa e Estados, contra a paz pública

dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis

vassalos (MELO, s/d, p.125).

Ofuscar as trevas e combater a ignorância. Tais empreitadas ganham sentido

perante um processo de secularização gestado no cerne do Iluminismo. A afirmação do

poder temporal sobre o espiritual aparece como critério derradeiro para a organização da

vida terrena do homem. Programar as reformas do reino subentendia restringir a

influência religiosa dos jesuítas para garantir uma série de reformulações educacionais

de espaços antes controlados pela ordem inseria-se num contexto maior de

descristianização e secularização. Segundo Hazard “a força que fulminou os Jesuítas

foi, também, o instinto e a vontade do Estado, que se secularizava definitivamente, e

não queria admitir, nem acima de si, nem ao seu lado, outra força sobre a qual não

tivesse domínio” (HAZARD, 1989 p.107).

Nessa perspectiva podemos perceber uma íntima ligação entre a política e a

educação. Segundo José Eduardo Franco, a política não pode ser vista como simples

gestão do mundo social, mas como instrumento de transformação das estruturas da vida

humana. Nesse processo a educação é vista como pilar essencial consolidando no

campo político um projeto ético como visão pedagógica de formação dos indivíduos

(FRANCO, 2008, p.23). As reformas pombalinas emergem como projeto político-

pedagógico para a construção de uma nova concepção de indivíduo no Reino,

consolidando assim os alicerces necessários para o progresso do Reino. As palavras de

ordem propostas pelos intelectuais ilustrados do século XVIII como a razão, a ciência e

o progresso trouxeram a necessidade de sistematização dos novos valores e

conhecimentos da natureza, o que tornava urgente a reforma do ensino público. Explica-

se, assim, a preocupação presente desde os filósofos e literatos até aos governos em

esboçar novos sistemas pedagógicos, bem como a fundação de diversas instituições

científicas, como Escolas e Academias, consolidando, simultaneamente, esses novos

valores. (BOTO, 1996, p.21-67).

3. Conclusões: representação sobre os jesuítas na tensão entre decadência e

progresso, Antigos e Modernos.

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Nesse breve balanço sobre a “decadência” de Portugal devemos ter clara as

ideias ilustradas que orientavam a visão sobre o Reino e principalmente como elas

dialogavam com concepções que ganhavam força no século XVIII, como a ideia de

“progresso”. Jacques Le Goff nos alerta. Ao lidarmos com conceitos tão subjetivos

como a noção de decadência, sobre o perigo de “mutilarmos a história”. Ao pensar o

passado pensado pelos povos devemos recorrer a mentalidade da época para

compreender a consciência que os homens tinham do seu próprio passado. Apesar da

própria “Idade Média” comportar ideias como a de decadência. No século XVIII ela

emerge como conceito, banalizando-se entre vários autores. Um conceito que tem sua

origem escatológica laicizada e moralizada, diluindo o sagrado no profano. Constitui-se

uma oposição entre os valores e concepções de mundo medieval criando-se na

necessidade de “manter distância a época execrável de que humanidade saiu, a bárbara

Idade Média, essa idade das trevas, agora dissipadas” (LE GOFF, 2003, p.376-388).

Essa contraposição entre Idade Média e Idade Moderna nem sempre foi tão

clara. Ela cristalizou no seio da querela entre Antigos e Modernos que ganha força a

partir do século XVI. Segundo Le Goff, o Renascimento cria o conceito de Idade Média

como uma necessidade para preencher o fosso entre dois períodos “positivos, plenos de

significados, da história: a história antiga e a história moderna” (LE GOFF, 2003,

p.180-184). Essa dicotomia ganha força com a emergência da ciência por meio da

matematização e racionalização do espaço fez o indivíduo ator de uma nova concepção

humanista que ganhava folego nos grandes círculos intelectuais. O ideal monástico

medieval marcado pela penitência e supressão das vontades do indivíduo por meio de

uma rigorosa doutrina asceta não comportava a expansão da visão de mundo que

ganhou força a partir do século XV (CAMBI, 1999, p.221-239).

Essas ideias orientaram a elaboração das representações sobre os jesuítas,

instrumentalizando dentro de si o debate entre Antigos e Modernos, sem o qual não

seria possível atribuir sentido as reformas baseadas nas luzes regeneradoras. Os jesuítas

são eleitos como bodes expiatórios. Segundo a lógica dos textos pombalinos, Teria

havido uma idade dourada das instituições pedagógicas, das Letras e das Ciências em

Portugal antes de 1540. Entretanto, a partir da chegada dos Jesuítas o Reino definhou

com a instauração de uma idade de ferro, que atingiu o seu extremo no século XVIII,

consequência dos “horrorosos estragos” operados pelos Inacianos. O modelo trágico de

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leitura do passado é completado pela ideação de uma nova era iluminada reconstruída

pelo governo pombalino (FRANCO, 2008, p.42).

No texto Discurso sobre as vantagens que o reino de Portugal pode tirar da sua

desgraça por ocasião do terremoto de 1º de novembro de 1755, que compõe as

Memórias Secretíssimas, Pombal afirma: “Enquanto uma nova luz se derramou na terra,

Portugal só ficou nas trevas da mais espessa ignorância”. No entanto, com as reformas

promovidas

Portugal, está abrir hoje os olhos sobre o perigo em que se tem achado

(...) Quando os princípios de um governo estão de uma vez

corrompidos, quando a sua constituição foi moldada sobre abusos,

quando os preceitos antigos rem servido a formar um novo gênio,

quando um grande luxo se senhorou da nação, quando as máximas

depravadas tomaram o lugar das boas, quando o povo perdeu a norma

dos seus antigos costumes, digo que as melhores leis não acham em

que pegar: é preciso então, para me explicar assim, é necessário um

golpe de raio, que abisme e subverta tudo, para tudo

reformar”(MELO, s/d, p.188)

Nessa passagem final das Memórias, pode-se perceber os “antigos costumes” aos quais

o necessário “golpe de raio” resgatou:

O estado da filosofia ou das belas-letras, que servem de base a todas

as ciências e à multidão de prosas e de poesias que apareceram na

mesa censória, compostas nas línguas portuguesa, latina, grega,

hebraica e arábica, com pureza de estilo e elegância dos séculos dos

Demóstenes, dos Homeros, dos Túlios, dos Virgílios e dos Horácios,

em Roma; e dos Teives, Andrades, Gouveias, Resendes, Barros,

Camões e Bernardes, em Portugal. Também fizeram ver

demonstrativamente que estes estudos preparatórios se não achavam

mais florescentes ao tempo da invasão dos jesuítas, do que hoje se

acham (...) abolindo os expurgatórios romano-jesuíticos, fecharam aos

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livros perniciosos as portas que abriram aos de sã e útil erudição, e

encheram estes reinos de claríssimas luzes em que hoje abundam

(MELO, s/d, p.246).

Emerge na fala os pilares para a “revolução” necessária. Acima de tudo a

necessidade de arejar o Reino com as novas ideias ilustradas garantindo seu progresso a

partir do resgate de uma cultura clássica, concepção que passa a generalizar-se a partir

do século XVIII. Em meio a esse embate as representações se cristalizam ainda mais

quando comando atos que tem por objetivo a construção do mundo social. Nesse

processo os grupos sociais e instituições constroem suas próprias identidades. Nesse

caminho tortuoso temos uma emergência de si, assim como a construção do outro ao

qual muitas vezes o discurso se opõe. Percebemos essa tensão na forma como os

intelectuais pensaram sua realidade e, por meio da análise dos conceitos que balizaram

esse diagnóstico, percebemos como se inseria num processo muito mais amplo de

consolidação do pensamento moderno, muitas vezes em oposição ao pensamento

medieval.

Portanto colocar em debate as noções de “decadência” e “progresso” no século

XVIII, assim como a querela entre Antigos e Modernos nos mostra como as

representações estão sempre

num campo de concorrência e de competições cujos desafios se

enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de

representações têm tanta importância como as lutas econômicas para

compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta

impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e

o seu domínio (CHARTIER, 1990, p.17).

Dessa forma a Memórias Secretíssimas do Marquês de Pombal expressa uma

visão do poder. Ao levantar um libero antijesuítico, desenvolve a própria ideia de poder

pombalino: secularizar a ordem política e educacional segundo a lógica do Estado.

Necessitando para isso a construção da imagem dos jesuítas como o atraso,

identificando-os com um hiato histórico a ser superado em nome das luzes

regeneradoras.

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REFERÊNCIAS

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Trad. Lisboa: Presença, 1997.

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