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AS LINGUAGENS DA ARTE – ARTES CÊNICAS, MÚSICA E ARTES VISUAIS – NO UNIVERSO ESCOLAR

Loris Graldi Rampazzo1

Resumo: Projeto desenvolvido com alunos do 1º ao 3º ano do ensino médio da Escola Estadual

Senador Paulo Egydio de Oliveira Carvalho, localizada na Rua Araritaguaba, 1264, no

bairro da Vila Maria, zona norte da cidade de São Paulo (Diretoria de Ensino Região

Leste 5). A opção pelas séries do grau médio é a de ampliar a visão para o campo das

artes em escolas da periferia da capital. Com auxílio de três bolsistas, cada qual na sua

especialidade, ou seja, alunos cursando as habilitações em cênicas, música e artes

visuais, com acompanhamento semanal por meio de reuniões com os bolsistas, o projeto

foi desenvolvido na escola, durante o ano letivo, com encontros semanais de três horas

de duração, nos quais os alunos participaram de oficinas de artes cênicas, música e artes

visuais. Devemos salientar que fomos muito bem recebidos, tanto por parte da direção da

escola como por seu corpo docente e pelos alunos. Trata-se de uma escola de grande

porte e seus alunos estão ávidos para se atualizar e estar em contato com o ensino

superior, sonho de muitos deles.

Palavras-chave: artes cênicas, música, artes visuais, teatro, canto coral.

1. HISTÓRICO

O projeto teve como objetivo estabelecer parceria com a escola pública, principalmente

da periferia, no sentido de incentivar, inserir e propiciar um espaço de pesquisa, produção direta e

experimental, discussão e reflexão sobre a prática artística do mundo que a cerca.

Nesta perspectiva, o projeto pretendeu atender, informar, atualizar, sensibilizar o

potencial criador, estético e crítico dos alunos, dando-lhes oportunidades para iniciarem um possível

desenvolvimento artístico.

Sabemos como os alunos das escolas mais distantes do centro da cidade de São

Paulo são carentes em todos os sentidos; nas artes, as oportunidades são mínimas. Sabemos

também como a arte-educação pode contribuir para uma melhor formação do educando. Podemos

1Professora assistente doutor do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes de São Paulo – UNESP e da Universidade São Judas Tadeu (Endereço: Rua dos Campineiros, 31 Mooca - CEP 03167-020 • Fone Res idencial: 6606-5345 • Fone Comercial: 6950-3950 • Celular: 9914-3956).

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citar vários autores que provam isso, como, por exemplo, o professor doutor João Francisco no livro

Por que arte-educação?:

... na arte-educação o que importa é o produto final: não a produção de boas obras de arte. Antes, a atenção deve recair sobre o processo de criação. O processo pelo qual o educando deve elaborar seus próprios sentidos em relação ao mundo à sua volta. A finalidade da arte-educação deve ser, sempre, o desenvolvimento de uma consciência estética.

... significa muito mais do que a simples apreciação da arte. Ela compreende uma atitude mais harmoniosa e equilibrada perante o mundo, em que os sentimentos, a imaginação e a razão se integram; em que os sentidos e os valores dados à vida são assumidos no agir cotidiano. (p. 73)

Herbert Read, em uma palestra proferida em Paris no ano de 1957, afirmou: "... a

educação por meio da Arte é a educação para a paz...".

Poderíamos citar tantos outros pesquisadores sobre o assunto do ensino das artes,

mas apenas queremos justificar a necessidade de o educando ter a oportunidade de trabalhar um

pouco mais com arte para uma melhor formação, tanto de personalidade quanto cultural.

A partir de tais reflexões que buscam vislumbrar novos caminhos para os educandos,

elaboramos um projeto que foi desenvolvido nas três linguagens artísticas: artes cênicas, música e

artes visuais. Para tanto, envolvemos três bolsistas2 do Instituto de Artes de São Paulo, cada um em

sua área específica. Ressaltamos que a escola em questão recebe um público de classe social

bastante carente, crianças de favelas da proximidade. Então, por que trabalhar com esta

população?... Ao contrário do que muitos imaginam, o teatro é sinônimo de disciplina, autocontrole,

trabalho. O processo de formação de um grupo teatral e a montagem de um espetáculo possibilitam

aos participantes uma riqueza enorme de vivências; questões ligadas ao desenvolvimento psíquico,

social, educacional são trabalhadas de forma lúdica. Na linguagem musical, a preocupação foi a de

incentivar a formação de um coral, dar pequenas noções sobre a técnica vocal e incentivar o gosto

pela música. As artes visuais voltaram-se para sensibilizar o potencial criador do educando,

utilizando-se da expressão bidimensional e tridimensional, com pesquisa de materiais alternativos,

contextualização de história da arte, finalizando com exposição das produções.

Após contatos com a Escola Senador Paulo Egydio, passamos a desenvolver o projeto

junto aos alunos da 8ª série até 3º ano do ensino médio. O primeiro passo do trabalho foi, juntamente

2 Maurício Boldrin Zampaulo – Artes Cênicas; Gabriella Maria Bonifácio Silvestri – Música e Márcia Sales de Barros – Artes Visuais.

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com os três estagiários e uma funcionária da escola, passar de sala em sala, convidando os alunos,

do período da manhã, interessados em participar das oficinas de arte do projeto cujo horário seria no

período da tarde, das 13:30 às 16:30. A divulgação foi feita em aproximadamente 15 salas de aula. A

procura foi bastante significativa: 53 alunos para as artes cênicas, 40 para música e 30 para as artes

visuais. É evidente que no decorrer do processo houve desistências por inúmeros fatores.

2. IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE ESCOLAR*

• Identificação da Escola.

Código do CIE = 000673

Coordenadoria = COGSP

Diretoria de Ensino = Diretoria de Ensino da Região Leste 5

Município = São Paulo

Nome da Escola = E.E. "Senador Paulo Egydio de Oliveira Carvalho"

Endereço = Rua Araritaguaba, 1264 – Vila Maria – CEP 02122–011

E-mail: [email protected]

Telefones = (011)6954-4757; 6631-4457; 6631-0204; Fax: 6631-1180

Cursos = Ensino Fundamental – Ciclo II

Ensino Médio

Tele-salas E.F. e E.M. –Lei nº 2111 de 27/121952 e Res. SE 24/76.

Centro de Línguas: Espanhol, Francês e Italiano CEL. Res. SE 84 de

22/05/2002 – D.º E. 23/05/2002.

• Organização da Escola

Período de Funcionamento e distribuição de classes por turno.

• Manhã – das 7h às 12h; 5as séries E.F. (03); 8as séries E.F. (03); 1as séries E.M.

(09); 2as séries E.M. (06); 3as séries E.M. (05)

CEL: 2 turmas de Francês e 3 turmas de Espanhol.

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• Tarde – das 13 h às 18h; 5as séries E.F. (03); 6as séries E.F. (05); 7as séries E.F. (07); 8as

séries E.F. (05)

CEL: 05 turmas de Espanhol e 01 de Italiano

Correção de Fluxo: 6as séries (02) e 8as séries E.F. (01)

• Noite – das 19 h às 23 h; 8as séries (02); 1as séries E.M. (06); 2as séries E.M. (07)

Correção de Fluxo: 6as séries (04) e 8as séries E.F. (02)

Tele-sala: E.F. (02)

E.M. (02)

• Sábado – das 13h às 17h: CEL: 1 turma de Italiano

• Identificação dos Recursos Humanos da Escola

A. Núcleo de Direção

Direção: Luiz Antonio Ferraz Cário

Vice-diretor de Escola: Arli José Fernandes

Nara Regina Braglia

________________________________________

B. Núcleo Técnico Pedagógico

Professores Coordenadores: Elizabeth Bagatin Bambace (Diurno)

Maria Aparecida Pareira Costa (Noturno)

• Característica da Escola

A Escola "Senador Paulo Egydio de Oliveira Carvalho" situa-se no bairro da Vila Maria,

bairro de classe média baixa, rodeada por favelas como a da Funerária e Parque Vila Maria.

Grande parte dos alunos é do próprio bairro, sendo que a grande maioria – 60% –

pertence ao Parque Vila Maria.

A Unidade Escolar conta com uma comunidade participativa na A.P.M. (Associação de

Pais e Mestres) e Conselho de Escola e também nas atividades da escola em geral.

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Hoje, de um modo geral, as escolas estão bastante defasadas em seu módulo de

Agente de Organização Escolar (inspetor de alunos); desta forma, os pais têm ajudado nas horas e

intervalo, entrada e saída dos alunos. A comunidade está presente no dia-a-dia da escola.

• Recursos Físicos

Salas de aula = 27; Salas de Coordenação = 2; Sala dos Professores = 1; Sala do CEL = 3;

Diretoria = 1; Sala de vice-diretor = 2; Sala da Secretaria = 1; Secretaria = 1; Secretaria do CEL =

1 Biblioteca = 1; Laboratório de Informática = 1; Sala de Vídeo = 1; Cantina = 1; Cozinha = 1;

Sanitários masculinos = 4; Sanitários femininos = 4; Sanitários da administração = 2; Teatro = 1;

Quadras = 3.

• Comunidade Local

A. Com relação à comunidade de pais e responsáveis, há participação do Conselho de Escola,

A.P.M. e nas reuniões de Pais e Mestres.

B. Comunidade de Entorno

A escola está cercada por favelas, como já foi anteriormente citado; o nível socioeconômico é

de baixa renda, com a seguinte escolaridade: 70% com Ensino Fundamental incompleto; 20%

com Ensino Médio e 10% com Ensino Superior.

Nos finais de semana, a escola é invadida pela comunidade para a prática de esportes, razão

pela qual tem parceria com o Projeto da Secretaria da Educação Estadual (SEE) "Parceiros do

Futuro", onde a Unidade Escolar fica aberta para a comunidade.

No bairro, existe uma biblioteca Municipal que colabora com os alunos da escola em

pesquisa, leituras e exposições. Porém a comunidade em geral sente falta de um teatro e um cinema.

A escola tenta sanar estas lacunas, apresentando, no seu anfiteatro, peças teatrais e cinema para os

alunos e comunidade em geral.

3. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

Nas Artes Cênicas, segundo os relatórios do bolsista Maurício Boldrin Zampaulo, no

primeiro encontro com o grupo de adolescente, na sua maioria meninas, houve uma longa conversa

sobre teatro, as regras de funcionamento de um grupo, sobre os objetivos propostos e exercícios

práticos. Inicialmente, tratava-se de um grupo grande (53 alunos), o que evidentemente criou alguns

problemas com concentração e conversa em excesso, nada que os futuros encontros não

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resolveriam. A princípio, o que foi observado é que o grupo era muito agitado e com dificuldade para

exercícios de relaxamento. No encontro seguinte, houve desistências de alguns alunos, porém outros

que não haviam participado do primeiro encontro iniciaram o projeto. Nas aulas práticas, com

exercícios de aquecimento e integração do grupo, doação, jogos dramáticos, improvisações e criação

de cenas, o grupo demonstrou ser bastante ativo e interessado.

No decorrer do projeto, o grupo se mostrou satisfeito e motivado para realizar as cenas

criadas durante a semana. Os exercícios propostos em aula, foram feitos com mais concentração.

Em pouco tempo de trabalho, o grupo começou a criar um vínculo sentimental muito importante, pois

demonstrou segurança e interesse para com o ensino que estava sendo proposto. Muitas

particularidades dos alunos participantes foram relatadas, como, por exemplo, ir para a escola sem

almoçar, se o projeto não oferecia lanche, a necessidade de arrumar algum emprego para ajudar em

casa, entre outros. O grupo formado para o desenvolvimento das artes cênicas foi realmente

surpreendente. Foi um grupo de alunos com muita disposição, brilho nos olhos, embora fossem

pessoas que não tinham consciência dessa força e muitas vezes chegavam a menosprezar. O que

ocorreu quase no final do projeto, já próximo ao final do ano, foi uma acentuada desistência por

muitos alunos, devido a questões de sobrevivência. Nesse período, as lojas e firmas oferecem

trabalho extra devido às vendas de final de ano e empregam muitos jovens para serviços temporários

e é evidente que a necessidade fala mais alto. Cursando regularmente o ensino fundamental ou

médio pela manhã, o período da tarde e da noite ficam livres para ajudar no orçamento da casa. As

ofertas de outros ensinamentos como o caso do projeto em desenvolvimento, ficam em plano

secundário. É realmente muito doloroso quando um jovem ou uma criança quer fazer algo – e os

educadores podem avaliar quando essa vontade é verdadeira, para enriquecer o aprendizado desses

alunos – e isso não é possível de realizar por motivos socioeconômicos.

O grupo preparou para o encerramento do curso a montagem da peça Morte e vida

Severina, de João Cabral de Melo Neto.

Na parte musical, desenvolvida pela bolsista Gabriella Maria Bonifácio Silvestri, foi

proposta a montagem de um grupo coral com alunos de 1º, 2º e 3º colegiais. Segue um trecho do

relatório final da bolsista:

"A montagem de um coro ou de qualquer grupo de pessoas reunidas para fazer arte envolve uma série de obrigações prévias e paralelas ao trabalho com o coro. É preciso observar com atenção os candidatos à atividade coral. Quais são os sons que compõem o ambiente escolar deles? De que música eles gostam? Que música eles cantam muito facilmente? Qual a realidade social deles? Que tipo de experiência

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musical eles tiveram anteriormente a esse trabalho? Essa questões devem ser desvendadas antes mesmo de um primeiro contato direto entre professor e aluno.

Depois de uma breve observação, notei alguns sons na escola que eram os mais

latentes: barulho da reforma, como marteladas e tábuas caindo, e notei também o sinal que parecia

uma sirene de fábrica, que era tocado na troca de aulas. Escutei por várias vezes alunos cantando

músicas evangélicas ou rap nacional. Procurando saber sobre a realidade social dos alunos,

conversei com um dos professores de Português, que me informou que cerca de 70% dos alunos do

período matutino eram moradores de uma favela ali perto.

Todas essa informações e observações foram levadas em conta para que eu

elaborasse o método de ensino da atividade coral a ser aplicado nesses alunos".

Os alunos tiveram um processo preparatório preliminar, que durou algumas aulas.

Foram montados cânones. O primeiro era o cânon silábico americano intitulado Duba, composto por

Jordan Constantin. Além desse, outros como Vem cantar saudade e a também americana Summer

sun.

A turma de música foi integrada com a turma de cênicas na apresentação final;

portanto, além desse repertório, os alunos do coral fizeram a trilha sonora da peça Morte e vida

Severina.

Levando em consideração a proximidade do Natal, para a apresentação final foram

introduzidos dois cânones natalinos para serem cantados a duas vozes: um em português Tocam os

sinos e outro em latim Hodie christus natus est. Os alunos aprenderam com facilidade.

Na montagem da trilha sonora para a peça teatral, após pesquisa, houve uma seleção

das músicas fundamentais para constarem da peça. Foram ensaiadas com auxilio do violão tocado

pela bolsista para acompanhá-los.

Devido à necessidade de mais ensaios para apresentação durante os meses finais, as

aulas de música foram dobradas semanalmente, sempre num entrosamento com as outras áreas,

música cênicas e plásticas. Após as músicas da peça já ensaiadas, foram feitos alguns encontros dos

alunos para realizar a fusão da trilha sonora com a peça. Uma semana antes da apresentação final,

foram feitos vários ensaios extras da apresentação do coro sozinho e também ensaios gerais da peça

com a trilha sonora. Na apresentação final, o coro, além de participar na peça teatral, apresentou as

músicas ensaiadas durante o ano na seguinte ordem: Summer sun, Hodie christus natus est e Tocam

os Sinos, Duba e Saudade.

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Nas artes visuais, a bolsista Márcia Sales de Barros desenvolveu junto aos alunos, por

meio de exercícios e atividades, o gosto para a expressão plástica, sem a preocupação do produto

final. Foram trabalhos realizados na expressão bidimensional, ou seja, por meio do desenho, da

pintura na técnica de guache, na tridimensionalidade, com o auxílio de argila para confecção de

formas. Também fizeram parte da criação do cenário. Para coroar esse desenvolvimento, no final do

ano os alunos apresentaram sua produção na entrada do teatro, onde se apresentaram as turmas de

artes cênicas e visuais. "A intenção não foi torná-los técnicos em pintura, cenografia ou cerâmica, e

sim tentar abrir possibilidades de leituras partindo das obras de arte e fazendo ligações com a vida de

cada um", conforme relata a bolsista Márcia.

No trabalho da sala de aula, após os exercícios elaborados pelos alunos, houve

sempre discussão, explicações para tirar as possíveis dúvidas. A idéia básica também foi a de

desmistificar e acabar com o fantasma "eu não sei desenhar" e o mesmo aconteceu com a pintura.

Neste processo inicial, o que importou foram a expressão, o desejo de realizar e acreditar de que

havia potencial para se desenvolver. É esta confiança que queremos passar para os alunos, além, é

claro, de um pouco de conhecimento das artes visuais, tanto na prática quanto na histórica da arte.

A importância do fornecimento do material foi primordial, visto que os alunos puderam

realizar seus trabalhos tendo à mão papéis, tintas, pincéis, grafites, giz de cera, nanquim, argila, entre

outros. Esta disponibilidade de materiais foi fantástica para aquela população tão carente. Poder usar,

experimentar várias técnicas sem restrições monetárias, sem limites de um simples bloco de folhas

em branco e alguns lápis coloridos foi um forte fator de contribuição para soltar a criatividade dos

educandos. Deve-se deixar claro que os alunos respeitaram o material fornecido, não houve

desperdício, os alunos usaram o que foi necessário e ficaram muito entusiasmados quando foram

informados de que daquele material ali oferecido podiam-se fazer trabalhos de grande importância

como os grandes mestres já realizaram, que era o mesmo tipo. Era somente uma questão de

desenvolver o manuseio dos mesmos e isso era coisa que só o estudo, a experiência e o tempo

fariam. A diversidade de técnicas oferecidas para os alunos, principalmente dos últimos anos do

ensino fundamental e médio, teve desdobramento positivo, como, por exemplo, o interesse de alguns

alunos em saber onde poderiam dar continuidade ao ensino das artes visuais e como poderiam fazer.

O interesse em fazer cursos técnicos de designer gráfico e moda, de fazer uma faculdade de arte foi

notado. Todos os trabalhos produzidos pelos alunos foram dados a eles, para que pudessem mostrar

em casa a produção elaborada durante o desenvolvimento do projeto, no período do ano letivo.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, defrontei-me com situações que desafiaram o seu

desenvolvimento; porém, juntamente com o entusiasmo dos bolsistas e apoio da direção,

coordenadores e funcionários da escola, buscamos a realização do projeto.

A idéia do projeto, na sua concepção, foi a de ajudar ambos os lados: Universidade e

Escola Pública. A primeira, com o saber a ser transmitido à comunidade com a coordenação do

projeto, bolsista e mais verba para os materiais artísticos; a segunda, com os alunos ávidos por

aprender. Bastava apenas juntá-las.

O primeiro passo foi na Diretoria de Ensino da Região Leste 5. Apresentei o projeto

para uma supervisora que, com sua análise, nos indicou a Escola Paulo Egydio (como é comumente

conhecida). Em contato com a escola, na qual fui atenciosamente recebida por seu diretor que

imediatamente abriu "as portas para o projeto", vi as possibilidades de desenvolver o trabalho e

atingir os objetivos.

Com todo esse carinho e mais os bolsistas selecionados que magnificamente

desempenharam as suas tarefas, o projeto se desenvolveu. Devo salientar que todo trabalho só

produz um bom resultado quando a equipe é coesa e tem os mesmos ideais. Para os estagiários, a

experiência foi única, apesar de alguns deles já estarem dando aulas. Para eles que, no final da

graduação, têm a oportunidade de perceberem como funcionam as escolas estaduais da periferia,

como é a sua clientela e quais são suas dificuldades, foi uma experiência positiva para a sua

formação como futuros educadores.

Para a realização do projeto com os alunos dessa escola especificamente, foi

fundamental levar em conta a situação social deles. Muitos faltavam porque tinham que trabalhar com

os pais para ajudar nas despesas da casa, outros vinham para a escola mal alimentados, ficando

cansados rapidamente; ainda assim, demonstravam interesse em aprender.Creio que com pouco

investimento, como foi o caso, podemos ajudar muito a comunidade destas escolas da periferia que

conta com alunos interessados, espaços físico disponível, apoio da Diretoria de Ensino e Diretores da

escola, dos pais ou responsáveis. A despesa financeira que o projeto teve com relação às artes

cênicas ou à música foi somente a verba paga aos bolsistas de cada área. Em contrapartida, a

contribuição cultural que eles ofereceram para aqueles alunos e para a comunidade escolar em geral

foi de infinita grandeza, pois a apresentação final teve grande repercussão, tanto dentro da escola, na

Diretoria de Ensino, nos supervisores, como em outras escolas da redondeza. Portanto,

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continuaremos a oferecer esse tipo de projeto para as escolas da periferia, pois é o papel da

universidade estender seu saber à comunidade. A única verba pedida é para os bolsista. A verba

usada na área de artes plásticas é mínima, uma vez que trabalhamos muito com materiais

alternativos.

Devo salientar que sem o apoio oferecido pela UNESP, Universidade Estadual

Paulista, em particular pela Pró–Reitoria de Graduação, a realização do projeto não seria possível.

Como disse anteriormente, para a realização de um projeto é importante uma equipe unida,

acrescento aqui que o apoio financeiro, por mínimo que seja, também se faz necessário. Quero

lembrar que, no ano de 2003, tornei a oferecer o mesmo projeto, para duas escolas em iguais

condições; infelizmente, somente um foi aprovado.

Dia virá em que terei a oportunidade de favorecer, para outras escolas da periferia, o

saber artístico. Sabemos que todo indivíduo é fazedor de arte. A escola é o acesso à educação,

porém o processo educativo não é exclusivo ao ambiente escolar. Estudar arte amplia a percepção

em todos os sentidos, a visual, a sonora, de expressão, participativa, entre tantas outras. A ação

educativa é um ato político. A formação de um indivíduo não pode se basear apenas nas demandas

básicas, mas no compromisso com a formação integral dos sujeitos. Aprofundar as discussões sobre

arte com os educandos, aproximá-los de espaços como museus, galerias, teatros, espaços culturais,

contribui para inclusão e apropriação dos indivíduos à posse de novos universos culturais.

Nos relatórios finais dos bolsistas, estão explicitados os pontos positivos e o

envolvimento deles com o projeto e com os alunos. O que anteriormente era ansiedade, por se tratar

de uma experiência nova, foi traduzido por satisfação, realização, amizade por aqueles alunos que

depositaram confiança no trabalho a ser desenvolvido, interesse em querer continuar a adquirir novos

conhecimentos artísticos.

A bolsista Gabriella Maria B. Silvestri, após agradecer a direção da escola, disse:

Para o bolsista de teatro Maurício Zampaulo:

“Apesar das dificuldades financeiras, deram todo o apoio e demonstraram muito interesse em melhorar a qualidade de vida de seus jovens. Sou eternamente grata aos meus alunos que sempre serão os meus melhores professores (...). A melhor das conclusões que tirei desse trabalho foi muito pessoal: realmente eu gosto de dar aula de música e é isso que eu quero fazer na minha vida. É isso que me enche de felicidade e me traz a paz comigo mesma’.

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Para o bolsista de teatro Maurício Zampaulo:

"É realmente muito doloroso quando um jovem ou uma criança quer fazer algo, e, como educadores, podemos avaliar quando essa vontade é verdadeira, e não podem por motivos socioeconômicos. Nasceu pra sofrer!!???

Espero que os jovens com os quais trabalhei tenham muita força e que, apesar de todas as barreiras impostas pela sociedade, eles consigam trilhar um caminho digno, justo, e contribuir para mudar essa realidade. Pois, mudanças, só com muita luta, no dia-a-dia.

Espero, do fundo do coração, que a esperança vença o medo!"

Para Márcia Sales de Barros:

"Nunca poderemos realmente acompanhar as contribuições que este projeto proporcionou nas vidas dos envolvidos.

Sinto que a UNESP (professores e alunos) cumpriu o papel social que toda instituição pública deve ter com a comunidade, só assim poderemos construir conhecimento e dividi-lo com o próximo".

5. BIBLIOGRAFIA

TEATRO

PEIXOTO, FERNANDO. O que é teatro. São Paulo, Brasiliense, 1995.

REVERBEL. OLGA. Um caminho do teatro na escola. São Paulo, Scipione, 1997.

SPOLIN, VIOLA. Improvisação para o teatro. São Paulo, Perspectiva, 2000.

MÚSICA

BERNET, ROY. Uma breve história da música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1986.

JEANDOT, NICOLE. Explorando o universo da música. São Paulo, Scipione,1990.

LACERDA, OSVALDO. Teoria elementar da música. 12. ed. São Paulo, Ricord Brasileira, s/d.

SHAFER, R. M. O ouvido pensante. São Paulo, Fundação Editora da Unesp, 1991.

ARTES VISUAIS

ARNHEIM, RUDOLF. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo, Pioneira/ Edusp, 1986.

DONDIS, D.A. As sintaxes da linguagem visual. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

PLOWMAN, JOHN. Técnicas escultóricas. Espanha, Editorial Acanto, S.A., 1995.

SIMPSON, IAN. Técnicas de Dibujo. Buenos Aires, Editorial Isla, 1995.

WONG, WUCIUS. Princípios de forma e desenho. Tradução Alvamar Helena Lamparelli. São Paulo, Martins Fontes, 1998.