as ideias e seu lugar. fhc

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""I'

Neste livro Fernando Hen-rique Cardoso passa em revistaas teorias contemporâneas so-

bre o desenvolvimento: do pen-samento da CEPAL às teoriasda dependência; do libertarismomarxista nos países periféricos

às propostas de uma nova or-dem internacional; das utopiasexistenciais dos novos filósofosàs propostas de um "desenvolvi-mento voltado para as necessi-

dades" e à noção de eco-desen-volvimento. Examinando çompoderosa visão crítica os impas-ses teóricos e as deformações

, ideológicas do pensamento em

curso, Fernando Henrique Car-doso não permanece apenas nomundo das idéias. Os diversosensaios procuram examinar as

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Fernando Henrique Cardoso   éMinistro das Relações Exterioresdesde o início do Governo ItamarFranco (outubro de 1992). Sena-

dor da República fundador doPartido da Social Democracia

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP

âmaraBrasileira do Livro, SP, Brasil

Cardoso, Fernando Henrique,

  93

-

  sidéias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do

desenvolvimento   Fernando Henrique Cardoso.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

ISBN 85-326-0931-7

  América Latina - Condições econômicas 2 Dependência

3

Desenvolvimento econômico

I

Título.

93-0459

Índices

para

catálogo sistemático:

  Desenvolvimento econômico 338.9

CDD-338.9

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Fernando

Henrique ardoso

 

IDÉIAS

E SEU LUGAR

 

nsaios

sobre as

teorias

do

desenvolvimento

 

Petrópolis

 99

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Diagramação:

Daniel Sant' Annae

Rosane Guedes

©   1993, Editora Vozes Ltda.

Rua  Frei Luís, 100

25689-900 Petrópolis,   RJ

Brasil

ISBN 85-326-0931-7

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 Dedico este livro   à memória de José Medina Echevarrla e de

Gino Germani, por suas contribuições

às ciências sociais na América Latina.

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SU ÁR O

Apresentação da nova edição 9

Introdução

I Originalidade da cópia: a CEPAL e a idéia de

desenvolvimento 27

II A dependência revisitada 8

III O consumo da teoria da dependência nos Estados

Unidos 125

IV Por um outro desenvolvimento

V O desenvolvimento na berlinda 179

  l Adendo: Alternativas econômicas para a América Latina 227

02SS 2

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 PRESENT ÇÃO

 

NOV

E IÇÃO

Na hora de reeditar

um

conjunto de ensaios publicadqs

no decorrer da década de 70 é de se perguntar se algum

sentido há nisso. A meu ver impõe se hoje uma recoloca-

ção da temática do desenvolvimento econômico e da de-

pendência e é

 om

termos nós brasileiros e latino ameri-

canos alguma clareza a respeito das abordagens anteriores

para analisarmos a situação contemporânea.

Tenho ocupado a maior parte da minha vida acadêmica

no esforço para compreender as possibilidades e os limites

do processo de desenvolvimento sócio econômico da A-

mérica Latina e tendo nos últimos anos consagrado o

melhor das minhas energias para ajudar na reconstrução da

democracia no Brasil sinto me tentado hoje

 m aventurar-

m

m temas mais amplos s m cuja compreensão dificil[-

mente será possível integrar países  m desenvolvimento

econômico retardatário às grandes correntes da transforma-

ção do mundo contemporâneo.

A primeira edição deste livro Introdução e cinco

capítulos oferecia um panorama do debate i n t e l e ~ u l

sobre o desenvolvimento desde a crença no Estado Ilumi

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nado dos Cepalinos até o utopismo do outro desenvolvi

mento , as idéias evoluindo ao sabor das lições da prática.

Acrescentei num Adendo o texto de uma conferência

bem

mais recente. Alternativas econômicas para a Amé

rica Latina que sintetiza os desafios postos no limiar do

TerceiroMilênio.

 o lado do casamento entre ciência, tecnologia e liber

dade, que faz com que Manuel Castells qualifique a nossa

sociedade contemporânea de informacional , a grande

tendência do mundo moderno é a globalização da econo

mia, ou, em outras palavras, é a unificação do processo

econômico em escala mundial.

Trinta anos atrás, para expressar o início deste processo,

falávamos em  internacionalização dos mercados , mas o

que ocorreu de fato foi a internacionalização do próprio

processo produtivo, apoiada na revolução tecnológica da

microeletrônica. A conseqüente reorganização dos merca

dos financeiros mundiais provocou não apenas novas ondas

industríalizadoras no mundo os Nics asiáticos e latino-a

mericanos), como também a unificação de enormes espa

ços econômicos, como o Mercado ComumEuropeu. Hoje,

encontramos na Initiative usch

de um sómercado nas três

Américas,

um

prolongamento dessa última tendência.

Saúdo,

en passant

a memória de Prebisch que não

concebeu a integração latino-americana como um movi

mento excludente de fechamento de mercados, mas como

a possibilidade de inserção dos blocos regionais na econo

mia internacional, e se tornou um precursor na abertura de

caminhos trilhados hoje pelo MERCOSUL.

 s novos termos para qualquer discussão sobre o de

senvolvimento são dados portanto pela revolução produti

va - o amálgama entre ciência e produção - que continua

criando novos produtos e novas técnicas de processamento

da produção, e que acarreta a constituição de grandes

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blocos regionais, donos de mercados de tamanho nunca

antes imaginado.

Essa marcha irresistível   derrotou as economias cen

tralmente planificadas do Leste Europeu e provocou as

modificações observadas na China. Esses países deverão

caminhar dentro do seu próprio mundo, certamente com

muitas dificuldades, até encontrarem os resultados favorá

veis do  ggiorn m nto que farão.

E o Terceiro Mundo? Conceito confuso, de serventia

cada vez menor, ele qualifica mais hoje os países ininte

gráveis aos grandes espaços econômicos regionais: a Áfri

ca, especialmente a do Sahel, partes significativas da Amé

rica Latina, especialmente no mundo andino e na América

Central, e regiões superpovoadas daÁsiameridional cons

tituem o público alvo deste mundo da desesperança. e da

miséria.

Por certo países, continentais como índia, Indonésia,

Paquistão e Brasil, se não se integrarem ao sistema econô

mico global, ainda disporão de alternativas com a explora

ção de seus mercados internos fechando-se e mantendo

ilusões de um outro desenvolvimento . O mais provável

é que desenvolvam uma estratégia dupla ou ambígua)

abrindo-se às correntes econômicas internacionalizadoras

e, ao mesmo tempo, absorvendo aos poucos suas áreas mais

atrasadas através de políticas compensadoras que impeçam

a pura marginalização das massas rurais e das populações

periféricas das grandes cidades.

A revolução do nosso século: o casamento entre uni

versidade, empresa e poder político, se não atingiu o con

junto do nosso planeta, reduziu o alcance das grandes

utopias.

Depois do colapso do Socialismo real , o mundo

parece defrontar-se com a dicotomia antiga entre o neoli

beralismo triunfante e uma pálida socialdemocracia lutan-

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do por sua sobrevivência como ideologia ainda moderna ,

sem ter, porém, o charme da utopia. Pois a única utopia

 viável ou utopia de alcance médio , para parafrasear

Robert Merton com suas

middle range theories

que se

oferece para a esquerda, é a criação de um espaço público

no qual a idéia da justiça permita compatibilizar o élan do

coletivo com as liberdades individuais e permita, sem

substituir a antiga teoria política da democracia repre

sentativa, institucionalizar formas de democracia partici

pativa.

  efato, é preciso conciliar direitos e motivações indi

viduais como fato de os jndivíduos pertencerem a situações

comuns, coletivas; é preciso incorporar a angústia pela

sobrevivência da humanidade lutas ecológicas e segurança

coletiva) e, sem menosprezar o espontâneo na vida social,

deve-se propor meios institucionais para a participação

direta inclusive com a utilização da informática).

A questão do desenvolvimento econômico, hoje, no

Brasil e naAmérica Latina, passapela resolução da absor

ção sócio-político-econômica de suas áreas atrasadas

em

termos totalmente diferentes daqueles de vinte e cinco anos

atrás.

O Estado que, no começo da história do desenvolvi

mento, era o mocinho , tornou-se o vilão , como conse

qüência do estilo de desenvolvimento que prevaleceu. Ho

je para enfrentar a estagnação econômica, a dívida externa

e a inflação que nos afligem, tudo aquilo enfim que nos

impede de entrar na modernidade, o Estado precisa aplicar

mecanismos de correção à sua própria organização para

encontrar o respaldo da sociedade que o capacite a encon

trar os mecanismos necessários

à

absorção econômica,

social e política dos setores marginalizados da população.

Fernando Henrique Cardoso

Dezembro de 992

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 NTRO UÇÃO·

Faz algumas décadas que intelectuais, técnicos e polí

ticos daAmérica Latina repisam a tecla do desenvolvimen

to. Não se pode negar que houve um avanço no plano

conceitual e também que houve avanço na transformação

das sociedades latino-americanas. Mas até que ponto as

modificações de colocação teórica foram mais do que

meramente verbais e até que ponto as mudanças ocorridas

 

nossos países atingiram, de fato, os alvos proclamados

como desejáveis?

A questão do desenvolvimento na América Latina é

marcada por

insights

esclarecedores no plano teórico, por

algumas realizações espetaculares no plano econômico e,

ao mesmo tempo, por repetições cansativas de velhas

idéias, por algo de mistificação e de imitação das modas

culturais do mundo desenvolvido e pela persistência dos

problemas crônicos damiséria, do desemprego e da violên

cia.

 

Publicado originalmente  Inter Regional Co Operation in the Social Sciences

  rDevelopment

Paris, OECD 5 , New Series, 1980.

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Não obstante já existe terreno sólido para fincar as

bases

de

uma compreensão razoável da questão do desen

volvimento. Nesta exposição não analisarei diretamente as

questões práticas. Tentarei apenas esboçar

como

evoluiu o

pensamento sobre o desenvolvimento e a dependência eco

nômica.

Repisando o

sabido: nos fins da década de quarenta

o ponto de partida latino-americano na análise dos princi

pais problemas econômicos da região foi a teoria do comér

cio internacional. Percebia-se o agravamento dos proble

mas da região pelo reinício de

um

processo de endivida

mento externo depois do período de acumulação de divisas

por causa da guerra e pelo gargalo que se formava graças

aos chamados produtos gravosos isto é pela dificuldade

de manter competitivos internacionalmente os preços de

alguns produtos que na fase anterior haviam encontrado

saída

no

mercado externo.

Noutras palavras finda a guerra mundial o comércio

internacional se reorganizava e a velha ordem econômica

voltava a cobrar seus direitos sobre os recém-chegados à

corrida do desenvolvimento. Os donos do poder mundial

queriam obrigar os países de economia periférica a retro

ceder.

Que

a Argentina exportasse carne e trigo e o Brasil

ou

Colômbia café era considerado normal.

Mas

parecia

descabido

que

estes

ou

outros países latino-americanos

continuassem a exportar produtos não tradicionais para os

quais as dificuldades da guerra tinham aberto ocasional

mente um

mercado. Mais descabido ainda seria promover

a industrialização maciça da periferia do sistema produtivo

mundial.

Foi nesse contexto que se afirmou a luta pela indus

trialização na América Latina e pela reorganização

do

comércio mundial. A   PAL foi o grande forum deste

debate. As lutas políticas pela emancipação nacional deram

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o f1avor de reivindicação popular às teses eruditas que se

sustentava.

Que teses eram estas?

Dizendo simplesmente: que as leis do livre-comércio

internacional baseadas nas vantagens comparativas da es

pecialização da produção beneficiam os países industriali

zados   detrimento dos países produtores de matérias

primas e de gêneros alimentícios. E que, conseqüentemen

te, haveria que industrializar a periferia e haveria que

estabelecer regras nomercado internacional que defendes

sem os produtos agro-exportadores.

Por que dar-se-ia esta situação?

Porque os ganhos de produtividade das economias

centrais proporcionadas pela industrialização e pela tecni

ficação agrícola

 ã

se transferiam aos países subdesenvol

vidos por intermédio da baixa relativa de preços dos produ

tos importados. Os textos da CEPAL são claros: a transfe

rência de ganhos de produtividade não ocorre porque os

trabalhadores dos países centrais se organizam e defendem

seus salários e porque os produtores também se organizam

e defendemos preços. Não existindo de fato uma economia

concorrencial, mas sim uma economia oligopólica e tendo

os operários capacidade de luta, bloqueava-se a mola fun

damental da justificativa ideológica do livre-comércio. Es

se passou a ser defendido como um embuste para assegurar

a exploração nas trocas internacionais. Mais ainda: como

os trabalhadores dos países subdesenvolvidos, especial

mente os do campo, não têm condições para defender os

salários, e como a produção agro-exportadora faz-se,

 

geral, a partir de patamares tecnológicos baixos, dá-se ao

mesmo tempo a possibilidade de que os produtos indus

trializados sejam trocados por produtos agrário-exportado

res em condições de existência de um deterioro de los

terminos de intercambio , sem que sejam afetados os ga

nhos dos produtores locais.

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Qual seria a receita para escapar dos males diagnosti

cados?

Industrializar, aumentar o coeficiente técnico

 

produ

ção agrícola e aumentar os salários das camadas traba

lhadoras.

Como implementar esta política?

Àquela altura década de 1950 os textos cepalinos

propunham, com variáveis graus de empenho, o apelo ao

capital estrangeiro - de preferência sob a forma de emprés

timos intergovernamentais - para promover a rápida indus

trialização; propunham tambémuma política fiscal adequa

da, alterações substanciais no regime de propriedade

d

terra e, sobretudo, propugnavam pela ação coordenadora

do Estado para conduzir o desenvolvimento nacional. Nis

so consistiria, grosso modo, o   esenvolvimento

Tratava-se de obter na periferia resultados equivalentes

aos que se obtiveram nos países centrais, alterando-se a

posição relativa das economias periféricas no comércio

internacional, urbanizando-se a região como conseqüên

cia da alteração da divisão social do trabalho entre campo

e cidade , industrializando-se a economia e tecnificando-se

a produção agrário-mineradora.

Estes objetivos - que hoje parecem conservadores

provocaram uma onda enorme de reações. As grandes

unidades capitalistas de produção os trustes e cartéis

opunham-se, então, à internacionalização da produção in

dustrial. Os banqueiros internacionais estavam acostuma

dos a fazer empréstimos para assegurar o controle de co

mercialização agrária ou para explorar investimentos mi

neradores ou de infra-estrutura transportes, energia, etc. ,

quase sempre com o aval dos Estados Nacionais e muitas

vezes  om

garantias que incluíam o controle de impostos

para assegurar o retomo dos juros de capital. E a possibi

lidade de planejamento estatal ou de coordenação oficial

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de investimentos sobre os investimentos públicos   in

fra-estrutura para os defensores do

st tu qu

tinha o cheiro

de sovietismo...

Não espanta, portanto, que as teses desenvolvimentis

tas tivessem um tom polêmico. Polêmica que s tornou

ainda mais aguda quando,

à

esquerda, defrontaram-se teses

conflitantes na avaliação do sentido do desenvolvimento.

Boa parte da esquerda latino-americana engolfou-se na

corrente nacionalista. Esta via com satisfação o papel cres

cente do Estado na economia, embora não fosse entusiasta

quanto aos outros aspectos do desenvolvimentismo cepali

no, a saber, a reforma agrária e a redistribuição da renda.

Não faltaram, porém, opiniões minoritárias

à

esquerda que

criticassem o fortalecimento capitalista pela via do estado

e os efeitos perversos que tal tipo de desenvolvimento

provocaria na sociedade.

A partir de meados dos anos cinqüenta o contexto

internacional mudou. Não cabe nesta introdução discutir os

pormenores deste processo. Mas o fato é que o capitalismo

oligopólico refez as relações entre Estado e Empresa nas

economias centrais. Poroutro lado, seja porque as políticas

nacional-desenvolvimentistas haviam dado frutos prote

gendo osmercados locais e incentivando

a

industrialização,

seja porque as Grandes Empresas internacionais passaram

a operar e a competir à escala mundial, começou a porces

sar-se uma nova divisão internacional do trabalho.

Assim, o que fora o sonho da CEPAL veio a se con

substanciar por intermédio da ação das Empresas Multina

cionais. O momento de ápice desse reencontro inesperado

 e talvez não desejado deu-se na conferência de Punta del

Este de 1961. Ardorosos tecnoburocratas cepalinos sur

preenderam-se

 

posições coincidentes com a diplomacia

Kennediana. Até mesmo a reforma agrária e a reforma

fiscal - bandeiras avermelhadas do desenvolvimentismo

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mais conseqüente - foram agitadas pela Aliança pelo Pro

gresso.

Tanta coincidência favoreceu o despertar da consci

ência crítica latino-americana a respeito dos males do pre

sente e das esperanças do futuro: deveria haver algo de

podre no reino da Dinamarca. E foi o Che Guevara quem

denunciou

em

Punta deI Este a ··Revolução das Latrinas .

A denúncia era direta contra o reformismo. Tinha a

sustentá-lamoralmente a saga dasmontanhas cubanas. Mas

trouxe consigo uma análise algo anacrônica: a de que o

imperialismo não promoveria a modificação estrutural

(embora capitalista) das relações sociais nos países perifé

ricos. Não foi Guevara quem formulou assim, foi Regis

Debray.   aso fato é que na crítica ao estilo de desenvol

vimento abastardado que se pregava em Punta del Este

havia subjacente a concepção de que a relação Centro-Pe

riferia continuaria a dar-se através da exploração de produ

tos primários e da aliança latifúndio-imperialismo, que

seria salvaguardada pelos exércitos (de · ocupação , dizia

se) e pelo Estado local.

 m

meados da década de sessenta começou a ser arti

culada uma argumentação algo diversa sobre o tema do

desenvolvimento. Refiro-me à corrente de opinião que

punha ênfase nas análises sobre a dependência. Esta sempre

fora reconhecida como característica das economias sub

desenvolvidas. Nos estudos da CEPAL sobre o comércio

exterior sublinhava-se muito a dependência externa das

economias latino-americanas. Quandoo processo de indus

trialização se acelerou, depois da guerra, dizia-se que ele

substituiria as importações tradicionais de produtos indus

trializados e que, para isso, seria preciso, ao mesmo tempo,

gerar divisas, via exportações tradicionais, pflta poder im

portar máquinas e insumos industriais básiéos. Daí o gar

galo que a deterioração dos termos de intercâmbio produzia

no processo de desenvolvimento. A vulnerabilidade das

 

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economias latino-americanas às flutuações do comércio

externo, a fome de divisas e o aumento da dívida externa,

quando havia desequilíbrio entre geração de divisas e sua

necessidade, eram ciclicamente constantes.

A novidade das análises da dependência não consistiu,

portanto,

em sublinhar a dependência

extern

da economia

que já fora demonstrada pela   PAL. Ela veio de outro

ângulo: veio da ênfase posta na existência

de

relações

estrutur is

e

glo is

que unem as situações periféricas ao

Centro. Os estudos sobre a dependência mostravam que os

interesses das economias centrais e das classes que as

sustentam) se articulam

no interior

dos países subdesenvol

vidos

com

os interesses das classes dominantes locais.

Existe pois uma articulação

estrutur l

entre o Centro e a

Periferia e esta articulação é global: não se limita ao circuito

do mercado internacional, mas penetra na sociedade, soli

darizando interesses de grupos e classes externos e internos

e gerando pactos políticos entre eles que desembocam no

interior

do

estado.

Este tipo de abordagem rompeu, portanto, com a tradi

ção de análise que via a questão do desenvolvimento como

um

processo de reposicionamento entre

p íses

na divisão

internacional de trabalho. Por certo, os cepalinos sabiam

que o desenvolvimento econômico capitalista supõe a ex

ploração entre as classes, assim como os dependentistas

sabemque o Estado-Nação é uma instância político-econô

mica pela qual passam necessariamente as relações de

classe.

Mas

a ênfase que antes era posta globalmente na

relação entre o externo o imperialismo) e o interno a

Nação) passou a ser mediatizada, nas análises sobre a

dependência, pelo processo de luta entre as classes. Dessa

forma, a questão do desenvolvimento deixou de ser uma

questão econômica para ser uma questão política.

Pode-se, por certo, criticar o alcance insuficiente da

abordagem política da escola da dependência: ela não

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chegou a explicitar se o pólo oposto da dependência supu

nha a autonomia ou o socialismo. Se fosse válida a

primeira hipótese, de qualquer modo, deveria mostrar quais

as classes e grupos capazes de tal proeza: a burocracia

estatal?  smilitares? A burguesia? O proletariado? Uma

aliança entre eles? etc.  m caso contrário, demonstrada a

inviabilidade do desenvolvimento nacional autônomo, co

mo se chegaria ao socialismo e quais os problemas para

relacioná-lo como problema da Nação, embora, neste caso,

a relação entre o Estado e a Nação não passasse mais pela

burguesia e sim pelos trabalhadores e pelo povo? Pode-se

tambémcriticar os dependentistas pelo fato de aceitarem

acriticamente comoo fizeram os cepalinos) o mesmo estilo

de desenvolvimento que a história do capitalismo ocidental

gerou, substituindo-se apenas os beneficiários dele. Não se

chegou a questionar na análise sobre a dependência os

estilos de desenvolvimento, nem se incorporou aos traba

lhos a temática hoje

em

voga principalmente entre os

intelectuais críticos da Ásia, da África e da Europa do

Norte) sobre estilos alternativos de desenvolvimento.

Mas não se pode dizer que os dependentistas hajam

negligenciado a caracterização do que lhes pareceu funda

mental na análise estrutural do subdesenvolvimento: a in

ter-relação entre as economias centrais e as periféricas

como fenômeno global.

Nesta linha, a contribuição principal dos latino-ameri

canos foi a de mostrar que a partir de meados dos anos

cinqüenta, como eu disse, havia uma nova dinâmica no

capitalismo internacional, impulsionado pelas empresas

multinacionais, e que ela levaria a uma nova divisão inter

nacional do trabalho. Estava

em

curso a internacionaliza

ção da produção c pit list A linha de separação entre o

mercado interno e o externo se redefinia: o imperialismo,

que fora obstáculo à industrialização da periferia, passava

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a sermola propulsora de um certo tipo de desenvolvimento

industrial.

Houve é verdade divergências de interpretação. Não

faltaram análises apressadas para mostrar que havia uma

tendência à estagnação econômica da periferia graças à

estreiteza dos mercados. Mas a linha predominante nas

análises academicamente sólidas foi outra. Ela tende a

mostrar que dependênci e desenvolvimento c pit list

podemmarchar paralelos.

 

este o cerne da questão que se debate hoje: neste caso

não se cogitaria antes da

interdependênci

do que da

de-

pendênci

Novamente as análises disponíveis são claras. Que eu

saiba nenhum autor do Terceiro Mundo inspirado pela

escola da dependência deixou mostrar que se é certo que

os laços estruturais de dependência entre o Centro e a

Periferia

se

transformam com a industrialização depen

dente-associada mais certo ainda é que repõem noutro

plano a assimetria estrutural entre economias centrais e

periféricas.

Como?

A reprodução da dependência dá-se basicamente de

dois modos:

 ument

o desequilíbrio crônico entre a gera

ção de divisas e a necessidade de importações; por outro

lado o funcionamento do sistema produtivo industrial na

Periferia continua a requerer a importação de equipamentos

e tecnologia que são fabricados e criados nos países do

Centro.   sdois fenômenos se inter-relacionam e derivam

da acentuação do que na linguagem cepalina se chamava

de

 a

insuficiência dinâmica da capitalização .

Noutras palavras: se é certo que a atual fase da indus

trialização mundial requer a dispersão de partes do sistema

produtivo à escala mundial os fundos de acumulação con

tinuam centralmente retidos e o desenvolvimento

de

novos

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processos e técnicas produtivas faz-se monopolicamente

no Centro. Disso deriva que o relacionamento entre as

economias

industri liz d s

do Centro e da Periferia é

 interdependente mas

  ssimétrico

verdade que no pro

cesso de expansão capitalista as Multinacionais requerem

a mão-de-obra e o mercado da Periferia e desenvolvemnela

partes substanciais do processo produtivo. Mas tanto o

guarda-chuva financeiro para assegurar a circulação das

mercadorias a nível mundial é retido pelo capital fInanceiro

internacional controlado pelas próprias multinacionais e

pelos grandes bancos) como o elemento dinâmico do setor

de produção de bens de produção que inclui a pesquisa e

o desenvolvimento de novas técnicas produtivas) continua

controlado pelos países do Centro. Neste sentido, de repo

sição de assimetrias, sempre houve inter-dependência

entre as economias Centrais e as Periféricas. Mesmo no

mais puro colonialismo, o Centro dependia das matérias

primas extorquidas.

 om

este argumento não estou querendo negar que

houve modifIcações nas formas de dependência. O ponto

de vista sustentado pelos autores que caracterizam a emer

gência de

um

estilo de desenvolvimento dependente-as

sociado sempre foi o de que a industrialização da periferia

implica

em

modifIcações substantivas na forma de depen

dência.

 

primeira vista, quando se toma o caso de uma

economia periférica que passa a ser integrada ao sistema

produtivo industrial internacional, tem-se a impressão de

que se trata de mera otimização dos custos comparativos,

especialmente da mão-de-obra. E nos casos das economias

industrializadas da Periferia que se constituem como pla

taformas de exportação tem-se mesmo a réplica de uma

situação de enclave, tão comum nas economias agromine

radoras

 o

passado.

Mas essa caracterização é restrita: ela abrange apenas

alguns casos Singapura, Coréia, por exemplo) e mesmo

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neles os efeitos

em

cadeia dos elos para frente e para trás

  linkages forward and backward ), como os caracteriza

Hirschman, acabam por promover alterações que afetam o

conjunto

d

economia local. Commais forte razão, quando

ocorre· a industrialização, como no caso da maioria dos

países latino-americanos,

com

mira principalmente

à

subs

tituição das importações, o

merc do interno

toma-se o

canal principal da absorção da oferta. Mesmo que parte da

produção industrial seja exportada e que os circuitos fe

chados intermultinacionais redistribuam entre si partes

dos componentes dos produtos finais, a expansão do mer

cado interno passa a ser fundamental para permitir a circu

lação das mercadorias e a continuidade do processo produ

tivo do resto da economia.

A argumentação falaciosa que acreditava na estagnação

provável das economias periféricas industrializadas devido

à

estreiteza do mercado interno,

bem

como a saída alterna

tiva que consistiria na expansão das exportações e eventual

mente na luta entre nações subimperialistas para as

segurarem mercados, desfez-se na última década.  e fato,

o crescimento do mercado interno de países como o Brasil,

o México

ou

a Colômbia foi o elemento fundamental para

permitir a absorção da produção crescente de automóveis,

máquinas, produtos de línea branca etc.

 e

igual modo,

a industrialização dos produtos de alimentação e dos bens

de salário em geral encontrou mercado na expansão do

consumo

de

produtos industrializados pela classe média e

pela classe trabalhadora.

À

base da fomia atual de industrialização dependente

existe portanto uma transformação de monta na

estrutur

d própri socied de

emergem setores novos nas classes

médias, expande-se o setor assalariado da mão-de-obra

rural e urbana.

Quer isto dizer que a nova forma de dependência resol

ve os problemas do povo?

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Obviamente não. Mercado não é sinônimo de popula

ção. A expansão do mercado não significa a melhoria dos

níveis de vida do conjunto

d

popul ção Por certo como

 m

todo desenvolvimento capitalista certos segmentos da

sociedade ganhamcoma industrialização: o empresariado

os segmentos gerenciais setores técnicos e setores compos

tos por profissionais liberais por exemplo. Pode ocorrer

mesmo que parte do operariado industrial - dependendo de

sua capacidade de luta - ganhe com o desenvolvimento

econômico. Mas nada assegura que o piso da sociedade

os trabalhadores rurais e o setor urbano que ganha salário

mínimo oumenos do que isso - obtenha uma melhoria. De

igual modo na reciclagem das funções da baixa classe

média - os empregados de colarinho branco - podem

ocorrer até mesmo perdas de renda relativa e

m

certos

momentos absoluta.

Subsistem portanto na forma atual do desenvolvimen

to dependente as questões centrais que haviam sido colo

cadas pela opinião crítica latino-americana nas décadas

anteriores: desenvolvimento para quem? Qual o papel do

Estado neste processo? Emque termos semantém a questão

daNação?

 s

respostas entretanto não podem mais ser as mes

mas. A ninguém ocorreria hoje que o processo de interna

cionalização da economia elimina a burguesia nacional.

Mas todos vêem que sua função e seu papel político se

redefmem: ela se associa às multinacionais m

função

sibordinada no processo da acumulação global. Luta e

esperneia; busca apoio no Estado rechaça-o quando este

avançamuito para cumprir sua função de sustentáculo geral

da acumulação e portanto de ordenador e protetor tanto das

empresas locais como das multinacionais. O Estado ao

mesmo tempo investe em áreas dinâmicas cresce seu peso

na economia e exerce funções contraditórias pois na mes

ma medida

 m

que estimula o setor privado compete com

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ele. A velha crença de que o eixo do desenvolvimento

dar-se-ia através de uma relação entre empresariado nacio

nal e estado v sus empresas multinacionais ficou mais do

que abalada com a nova articulação econômica que solida

rizou o crescimento do mercado interno com o dinamismo

  s empresas multinacionais e do setor estatal.

E os trabalhadores e o povo?

Já que a questão nacional deixou de ser privilégio do

empresariado local e do Estado talvez possa ser recolocada

do ângulo das classes populares. Mas para que isso se

cumpra e para que o estilo capitalista de desenvolvimento

seja revertido evitando-se amarginalização e amiséria ao

invés da ênfase ser posta apenas nas questões da acumula

ção teria de ser posta simultaneamente na questão da

igualdade.

Deste ângulo a análise da interdependência não de

veria repor os temas da autonomia nos tennos antigos.

Seria preciso mostrar - tal como os dependentistas sugeri

ram - que estamos em face de um problema estrutural e

global. Rever os padrões de dependência implica por

conseqüência em rever as fonnas de exploração entre as

classes e

 

dominação política.

É este o desafio da próxima década: ou temos a imagi

nação a coerência e a força política necessária para colocar

de fato no centro da questão do desenvolvimento a questão

operário-popular para a partir desta repensar a questão

nacional ou continuaremos condenados a fazer anatomias

de estruturas de interdependência que podem até resol

ver os problemas de alguns segmentos da população mas

não resolverão os da maioria.

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 apítulo

ORIGINALIDADE

 

CÓPIA

A CEPAL E A IDÉIA

 E

DESENVOLVIMENTO

Introdução

Entre os críticos da cultura na América Latina existe

um

debate intermitente, mas não desinteressante, a respeito

dos efeitos da dependência sobre a produção das idéias.

Alguns dos mais argutos teóricos da literatura brasileira

(como Antônio Cândido de Mello e Souza e Roberto

Schwarz

 

) vêmprocurandomostrar que a

mesma idéia

uma

vez transferida dos centros de produção internacional de

cultura para a periferia, vira outra coisa O exemplo clás

sico talvez seja, como acentuou outro historiador das idéias,

o Prof. João Cruz  osta a transferência do positivismo

comteano para a América Latina. A nítida conotação con

servadora do positivismo no século XIX europeu, como o

soberbo desprezo que tal corrente sempre ostentou, por

 

Publicado originalmenle como The originality

of

the copy: ECLA and the Idea

ofDevelopment , University of Cambridge, Centerof Latin American Studies,  orkill

Papers 27,jun/1977.

Este trabalho não teria sido escrito sem a ajuda de José Serra, que me aconselhou

na seleção de textos e fez a indispensável pesquisa bibliográfica para timdamentar a

análise, além

de

sugerir pistas para a interpretação. Agradeço, também, a ajuda e as

criiicas de Winston Fritsch.

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exemplo, diante da concepção marxista da luta de classes,

modificou-se bastante na América Latina. O inóspito habi

tat latino-americano, pontilhado de formas de relações

sociais e culturais produzidas por sistemas de vida que

mesmo quando enganchados na dinâmica da expansão

capitalista internacional resistiamà racionalização crescen

te da sociedade e da economia, gerou uma deformação

simpática no positivismo. Tomou-o paladino da idéia de

progresso. A diferença de

habitat

cultural não pôde cortar

pela raiz a outra idéia da filosofia política positivista, a de

ordem. Mas, pelo menos, mitigou seus ímpetos uniformi

zadores, dada a variedade e a desordem constitutiva de um

continente formado pelamiscigenação de alguns modos de

produção assentados

 m

princípios básicos conflitantes, e

tomou o positivismo ideologia mais reformista do que

reacionária. Os políticos científicos foram partidários da

República, contra a monarquia brasileira; foram eles tam

bém os trombetistas do México iluminado (se não ilumi

nista) de  om Porfírio - coveiro, temporário é certo, do

Ancien Régime e precursor, malgré lui da Revolução Me

xicana.

Nesta ordem de considerações, Roberto Schwarz escre

veu atiladas páginas sobre o que ocorre com o consumo das

idéias importadas. Tomando um dos melhores, senão o

mais completo romancista brasileiro - Machado de Assis

- Schwarz fez a crítica do processo de absorção cultural do

pensamento europeu pelos nativos . O liberalismo adota

do chocava-se, por exemplo, com uma   ~ t t u ç ã o

tão anti

liberal - e, sem embargo, um dos pilares da sociedade

brasileira da época - como a escravidão. Machado fez

sutilmente a crítica a este estado de coisas e sua novelística

se desenvolve num mundo do como se . Roberto Schwarz

propôs, para caracterizar este tipo de aculturação perver

tida de idéias, uma abordagem que ficou conhecida como

a das idéias fora do lugar . Uma espécie de ecologia

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cultural interessada nos efeitos dos transplantes de habitat

sobre as delicadas hastes da ideologia.

Houve, como é natural, reação a esta abordagem. Não

faltaram puristas

e

rigorosos para criticar a idéia do

  transplante cultural , dado seu possível mecanicismo e

analogia indevida entre o mundo social e o natural. Naquele

as próprias relações estruturais são postas e repostas pela

prática dos homens e, portanto, ao serem re-criadas são de

algummodo sempre   utóctones Não interessa para os fins

deste ensaio aprofundar a discussão. Mesmo porque, entre

pessoas demente treinada nos jogos do espírito fica sempre

subentendido que as teses são propostas

cum gr no s lis

e qualquermodo, eu quero ressaltar que farei o oposto

do habitual na história das idéias latino-americanas: discu

tirei   s idéi s e seu lug r e pretensão e água benta, diz o

ditado, cada qual serve-se

à

vontade. Mesmo assim, vale a

afirmação de que pelo menos algumas idéias sobre o de

senvolvimento econômico são originais da América Latina.

Para evitar que o tom jacobino e meio narcísico preva

leça, convém esclarecer que cuidarei também de mostrar

que mesmo as mais originais interpretações latino-ameri

canas sobre o desenvolvimento econômico têm raízes ex

tracontinentais. Contudo, não tomarei as idéias sobre o

desenvolvimento como meros reflexos do sol resplan

decente do pensamento ocidental.

Em

matéria

de

idéias,

muitas vezes, o que é novo é, precisamente, o requentamen

to, sempre que se junte algum tempero à água que

se

adiciona para evitar que as velhas idéias fiquem estorrica

das com o novo aquecimento.

A não

ser

assim, é muito difícil escapar da maldição dos

céticos: nihil novi sub sole

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I - A  ep l e o desenvolvimento

  idéi s correntes so re comércio intern cion l e

desenvolvimento

A Comissão Econômica para a América Latina CE

PAL) canalizou e difundiu um conjunto de teses a respeito

das causas, condições e obstáculos ao desenvolvimento,

tomando-se uma espécie demarca registrada do pensamen

to econômico latino-americano.

Para mostrar no que consistiu a novidade das fonnula

ções cepalinas, convém, entretanto, resumir, primeiro, as

concepções que até então prevaleciam sobre o comércio

internacional e seu papel no crescimento das economias.

O ponto de partida da teoria do comércio internacional

é a lei das vantagens comparativas fonnulada por Ricar

do.

Em

tennos

simples, Ricardo assinala que o comércio

internacional levará a especialização da produção por paí

ses de acordo com os custos relativamente menores da

mão-de-obra e que este processo gerará ganhos para todos

os países. Assim, segundo seu exemplo clássico, o custo

unitário da mão-de-obra para a produção vinícola e têxtil é

mais baixo

em Portugal do que na Inglaterra; entretanto, a

vantagem comparativa dos custos da mão-de-obra é maior

no caso da produção de vinhos do que na de tecidos, e seria

portanto mais vantajoso, para ambos os países, produzir

vinho em Portugal e têxteis na Inglaterra.

Posterionnente, os economistas neoclássicos critica

ram a teoria do valor proposta por Ricardo, baseada nos

custos da mão-de-obra. Afirmaram, no que tange à teoria

do comércio internacional, que os custos comparativos não

se limitariam aos custos do trabalho; os custos de outros

fatores de produção, como o capital e a terra

 

constituem

também custos relativos no cálculo das vantagens compa

rativas entre países. Com esta nova formulação, as teorias

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neoc1ássicas do comércio internacional mantiveram a lei

ricardiana das vantagens comparativas .

Bertil Ohlin oferece, possivelmente, a versão mais

completa

d

teoria neoc1ássica pura sobre o comércio in

ternacional. Pretende explicar os ganhos do comércio e

analisar,

 o

mesmo tempo, o efeito do comércio interna

cional sobre a remuneração dos fatores de produção. Como

corolário das teorias de Oh1in sobre a especialização da

produção e o aproveitamento dos fatores da produção de

acordo  om os recursos disponíveis de um país, infere-se

que o comércio pode levar

 

rel tiv equalização da remu

neração dos fatores da produção entre os países.

3

Por razões óbvias, essa aversão da teoria do comércio

internacional suscitou um debate mundial: o comércio se

transformava num instrumento adequado para reduzir as

desigualdades entre nações. Esta discussão não foi promo

vida somente por Oh1in,

que sua hipótese ampliava

outras formulações, especialmente os estudos de Hecksher

4

sobre o mesmo tema. Desde então outras perguntas foram

colocadas: a suposta equalização da remuneração dos fato

res produzida pelo comércio internacional seria relativa ou

absoluta, completa isto é, seriam totalmente eliminadas as

diferenças entre as economias nacionais) ou parcial?

Oh1in aceitava somente uma tendência

 

equalização

rel tiv

da remuneração dos fatores, conquanto a equaliza

ção  omplet suporia a total mobilidade dos fatores. Esta

última hipótese não pode ser adotada pela teoria interna

cional pura do comércio, pois implica a homogeneização

do espaço econômico como qual destrói a razão fundamen

tal do comércio internacional: a especialização da produ-

- 5

çao.

Foi principalmente Samuelson que deu um caráter ex

tremo à teoria neoc1ássica do comércio internacional. Uti

lizando um raciocínio matemático formal, ele demonstrou

que

se

um conjunto de hipóteses sobre o comércio interna-

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cional fosse sustentado, ocorreria uma equalizaçãocomple-

t e   solut da remuneração dos fatores.

6

As conseqüên

cias ideológicas da referida demonstração são notáveis:

uma vez aceito o raciocínio de Samuelson, ele possibilitaria

afirmar que o comércio internacional resolve as desigual

dades econômicas entre as nações o subdesenvolvimento

seria reduzido medi nte a especialização mundial da pro

dução).

Em artigos posteriores, Samuelson não prosseguiu le

vando as últimas conseqüências de sua hipótese. O seu

argumento inicial, entretanto, foi conservado pelos mais

ardentes partidários das vantagens comparativas e do

livre-comércio como panacéia para corrigir desigualdades

dos fatores de produção e da disponibilidade de recursos

entre os países.

Infelizmente, para os defensores desta versão extrema

da teoria pura do comércio internacional, alguns supostos

domodelo de Samuelson são tautologias. Gottfried Haber

ler, defensor dos mecanismos do mercado livre, assinalou

que Samuelson incluiu entre as condições de validez de sua

teoria certos supostos alheios à realidade, tais como a

homogeneidade das funções de produção

em

todos os

países que realizam comércio níveis similares de conheci

mentos tecnológicos, de capacitação, de clima, de condi

ções físicas e sociais, etc.) cuja inexistência constitui a

questão inicial das disparidades entre países. Devemos

portanto chegar

à conclusão de que a teoria Lerner-Samuel

son, se bem que formalmente correta, se baseia em restri

ções e supostos tão alheios à realidade que, dificilmente,

pode-se considerá-la uma contribuição valiosa para a teoria

  • 7

econOImca .

Em síntese: a aceitação da tese que afirma haver uma

tendência para a equalização absoluta da remuneração dos

fatores através do comércio internacional não decorre dire

tamente da teoria ricardiana do comércio. Esteve

em

moda

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a partir do momento  m que os supostos extremos e

débeis) de Samuelson a respeito do comércio internacional

tiveram livre trânsito  m certos círculos acadêmicos.

Também os economistas de inspiração marxista acre

ditavam nos efeitos positivos do comércio internacional na

expansão  o capitalismo na periferia. Corrigiram a pers

pectiva ricardiana que foi aceita, mais tarde, pelos margi

nalistas e neoclássicos), pondo mais ênfase no próprio

mecanismo de expansão do capital e do sistema produtivo

do que simplesmente no comércio internacional.

De fato, a teoria marxista supunha a mobilidade plena

dos fatores no plano mundial, muito mais do que a teoria

ricardiana e seus continuadores. Marx não fez análises

teóricas do subdesenvolvimento - conceito inexistente

na época. Quando se referia à Índia,  m algumas passagens

de seus artigos de jornaIS, demonstrava confiar que a ex

pansão de capitais desenvolveria a periferia.

Rosa de Luxemburgo, mais de meio século depois,

continuou afirmando a inevitabilidade da expansão capita

lista à escala mundial e a conseqüente industrialização dos

países que formavam a retaguarda do capital . Hilferding

- contemporâneo de Rosa - acreditava mais na hipótese da

eficiência dos mecanismos do mercado internacional do

que o próprio Ricardo. Acreditava que as taxas de juros

diferenciais levariam à exportação de capitais para a peri

feria, embora visse dificuldades para a generalização da

forma de trabalho assalariado como relação básica da ex

ploração econômica. Bukharim e Lenin não fugiram  

regra: a exportação de capitais era uma condição inerente

à

expansão imperialista.

 

Não obstante, o Lenin de 1920 já havia mudado de

posição: as conseqüências progressistas do capitalismo,

pelo contrário, não se notam ali nas colônias, apesar da

infiltração  o

capital estrangeiro). Onde o imperialismo

dominante necessita nas colônias um apoio social, une-se,

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antes de mais nada, com as classes dominantes do antigo

sistema pré-capitalista, os feudais da burguesia comercial

e usuária, contra a maioria do pOVO .lO

 

idéias

 

Cepal

Quais foram as idéiasmestras sobre o desenvolvimento

propostas pela CEPAL?  e por que causaram tanta celeu

ma? .

O texto principal da CEPAL sobre as relações entre

Centro e Periferia e, portanto, sobre desenvolvimento e

subdesenvolvimento, é o Estudio Econômico de América

Latina de 1949, publicado pelas Nações Unidas em 1951.

Fundamentação teórica idêntica sobre a análise do desen

volvimento latino-americano encontra-se em artigo publi

cado com anterioridade pelo Dr. Raul Prebisch - sem

dúvida a grande figura de economista da CEPAL daquela

época - sob o título EI desarrollo económicode la América

Latina

y

algunos de sus principales problemas , em abril

de 1950.

11

Nestes textos, que fundamentam o que veio a ser cha

mado de doutrina Prebisch-CEPAL, há duas ou três idéias

básicas e, para o contexto em que se dava a discussão

econômica,

inovadoras

Opondo-se à idéia prevalecente nos meios liberais-or

todoxos que aceitavam a premissa fundamental da teoria

de mercado relativa às vantagens comparativas da divisão

internacional do trabalho, Prebisch afirma que as relações

econômicas entre o Centro e a Periferia tendem a reproduzir

as condições do subdesenvolvimento e a aumentar o fosso

entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A mão

invisível do mercado aparecia, para Prebisch, como ma

drasta: em vez de corrigir distorções, acentuava-as.

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Por que isso? Porque os países centrais se apropriam da

maior parte dos frutos do progresso técnico. Como? Pre-

bisch a partir de evidências apresentadas

 

documentos

das Nações Unidas que mostravam uma tendência para a

deterioração dos termos da troca entre bens primários e

manufaturados alinha os fatores causais desta estrutura

condicionadora de diferenças crescentes:

  a taxa de crescimento da produtividade na produção

manufatureira é mais alta que na produção de bens

agrícolas;

o aumento da produtividade deveria trasladar se aos

preços dos produtos industriais através do menor

valor incorporado a cada unidade produzida;

entretanto como nos países industrializados existe

pressão sindical para manter o nível dos salários e a

produção industrial organiza se de tal forma que os

oligopólios defendem a taxa de lucro os preços não

declinam proporcionalmente ao aumento da produ-

tividade.

  2

Noutros termos o que Prebisch chamou de os agentes

de produção operários e empresários dos países indus-

trializados por sua força político-organizacional, blo-

queiam o funcionamento do mercado e produzem no co-

mércio internacional um efeito específico: a deterioração

constante dos termos de intercâmbio  terms oftrade . Esta

é a segunda idéia central da teoria cepalina decorrência

imediata da idéia anterior que mostra a inexistência de

vantagens universais do progresso técnico via sua transfe-

rência para a periferia: o preço dos produtos primários

tende a

declinar

como proporção do preços dos produtos

industrializados.

A síntese anterior demonstra que Prebisch partiu de um

suposto clássico fundamental.   3 Este predizia uma baixa

relativa dos preços internacionais dos produtos manufatu

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rados,   comparação aos produtos primários; se tal dimi

nuição relativa ocorresse; poder-se-ia esperar, como resul

tado, uma tendência para a equiparação internacional de

recursos dado que os principais países produtores de bens

primários têm níveis de renda menores).   neste ponto e

não   relação às opiniões contemporâneas neoclássicas

sobre o comércio mundial) que a análise de Prebisch con

trasta com a reinterpretação das teorias deHecksher e Ohlin

realizada por Samuelson.

 

útil recordar, todavia, que o

ponto de partida das contribuições de Prebisch não foi a

teoria neoclássica do comércio.

  clara a posição cepalina sobre as conseqüências da

tendência ao declínio dos preços dos produtos primários

  condições de oferta ampla de mão-de-obra e de aumento

da produtividade, enquanto o mesmo processo não ocorre

nos países desenvolvidos. Ela ocasiona uma menor p -

 id de de umul ção

na periferia, abrindo, portanto, o

debate

 

tomo da necessidade de uma política específica

_para promover a acumulação e o desenvolvimento.

Pode-se questionar, no raciocínio da CEPAL e de Pre

bisch, a falta de maior desenvolvimento na análise do

mecanismo de exploração da Periferia pelo Centro, mas

não

s

pode dizer que ele descuidou do papel fundamental

da acumulação   economias de mercado, nem que falta

ram referências às condições histórico-sociais específicas

que nos países capitalistas estão subjacentes à acumulação:

a maior capacidade de luta dos sindicatos dos países indus

trializados por seus interesses de classe e a força político

organizatória das grandes empresas capitalistas para impe

dir a queda da taxa de lucro bloqueariam o automatismo da

transferência dos ganhos de produtividade suposta pela

teoria do comércio internacional.

Os supostos políticos e estruturais da análise cepalina

podemserdiscutíveis em termos de uma análise econômica

que dê mais peso à lógica do capital . Mas seria inade-

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quado sustentar esta última abstratamente, sem pensar nas

condições concretas

da

exploração social e parece-me in

correto pensar que a

 EP

AL, bem

ou

mal, incorreu

no

equívoco

de

crer que a exploração no mercado interna

cional dá-se através de desigualdades nos termos de inter

câmbio como

se

estes supusessem uma exploração mera

mente

ou principalmente comercial.

 

e ções critic s

 s

teses cepalinas sobre o comércio internacional e o

desenvolvimento não foram aceitas pacificamente. Longe

disto. Os setores de pensamento econômico mais ortodoxos

 tanto liberais quanto marxistas) criticaram sempre, e

de

ângulos opostos, o que veio a chamar-se de   pensamento

da

 EP

AL . Para os defensores ardorosos de que a lógica

do mercado é o melhor mecanismo para promover o

verd deiro

desenvolvimento, a CEPAL sempre represen

tou o cavalo deTróia do esquerdismo. Por trás das pruden

tes recomendações sobre a necessidade da intervenção

corretora do Estado, da defesa de políticas protecionistas,

da insistência sobre o caráter estrutural da inflação latino

americana etc., os liberais ortodoxos sempre viram o risco

de um socialismo burocrático.

 om ardor nãomenor, a ultra-esquerda teórica também

 desmascarou o caráter de classe das formulações cepali

nas porque elas não põem a nu os mecanismos de explora

ção social e econômica que mantêm a subordinação dos

trabalhadores à burguesia e desta aos centros imperialistas.

Em

certa época - depois que a política

de

alguns partidos

comunistas e populistas passou a fazer coro aos clamores

cepalinos em prol   industrialização e do fortalecimento

dos centros internos de decisão sem criticar mais a fundo o

caráter de dominação

de

classe desses últimos - a ultra-es

querda passou quase a acreditar que não fosse pela existên-

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cia da

  P

AL, dos partidos comunistas e do populismo, a

ansiada Revolução já teria libertado os povos do jugo de

classe e das peias do imperialismo. Tomaram, assim, a

visão cepalina, uma espécie de viseira que amortecia a

consciência dos povos, oferecendo-lhes a alameda de

um

futuro próspero através da industrialização e do fortaleci

mento do Estado.

Qual é o peso desta crítica?

A teoria Prebisch-CEPALsustenta, como vimos, que o

progresso técnico somado a  ondições so i is espe ífi s

produz conseqüências diferenciais entre o Centro e a Peri

feria. Não parece correto, portanto, acusá-lo de simplismo

neste aspecto. O sistema explicativo deixa

em

aberto, en

tretanto, alguns pontos: por que os empresários da periferia

não retêm os ganhos ocasionados pelo aumento da produ

tividade do setor agrícola, apropriando-se eles mesmos das

diferenças derivadas do barateamento dos custos de produ

ção e

da

baixa capacidade de pressão nível pouco desen

volvido da luta de classes) dos trabalhadores da periferia?

Existe um hiato explicativo no mecanismo de transfe

rência de ganhos da Periferia para o Centro, que a noção de

 insuficiência dinâmica do capitalismo periférico antes

obscurece do que explica. Falta uma análise das relações

internacionais de exploração - do colonialismo e do impe

rialismo - para tomar mais consistente e transparente a

posição crítica inicial da CEPAL.

Sem ela, embora se reconheça as diferenças do avanço

das forças produtivas e a desigual capacidade de luta dos

trabalhadores do centro e da periferia, a alegada menor

capacidade de acumulação na periferia ou deriva da inca

pacidade de concorrência empresarial dos produtores lo

cais frente aos que fazem a comercialização internacional

ou decorre

  propensão ao consumismo das elites locais.

Esta explicação é débil embora compreensível

em

vista da

pequena base de acumulação de que dispunham, então, as

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economias periféricas. O consumo pessoal é proporcional

mente irrelevante para explicar os reinvestimentos das

empresas e porque estes de fato ocorreram, na fase do

esforço concentrado de industrialização, que vai da Segun

  Guerra até aos anos sessenta, mediante reinvestimentos

constantes de lucros. Isto mostra que o consumo pessoal

tem

um

papel bastante limitado na explicação do desenvol

vimento capitalista.

Esta deficiência   teoria cepalina foi alvo de distorções

e de críticas.

Do

ponto

de

vista da explicação da relação

entre desenvolvimento e subdesenvolvimento ela é séria,

como adiante assinalarei. Mas quanto

à

constatação da

existência

de uma

relação de troca desfavorável à Periferia

e quanto aos efeitos deste processo sobre a teoria do comér

cio internacional, as teses cepalinas são suficientemente

fortes para desqualificar as teorias até então vigentes.

Por que a tese da

CEP L

sobre a deterioração dos

termos de intercâmbio se sustenta? Porque não tendo havi

do redução

de

preços relativos a favor dos produtos primá

rios mesmo

sem

supor que a relação de intercâmbio tivesse

se deteriorado

teria havido exploração , devido à distri

buição desigual de lucros no comércio internacional, con

siderando-se o aumento da produtividade dos países indus

trializados.

  sestatísticas da ONU mostravam que, até 1946-47,

partindo de 1876-1880, tinha havido uma tendência cons

tante à deterioração dos termos de troca. Prebisch, para

sustentar seu argumento, reproduziu no artigo sobre

 O

desenvolvimento econômico da América Latina e seus

principais problemas os dados de

um

documento da

ONU

de 1949 sobre os  PostWar Price Relations do comércio

internacional. Hans Singer, com menor elaboração expli

cativa do que os documentos da CEPAL e o artigo de

Prebisch, havia chamado a atenção para a mesma tendên-

 

cla.

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A base estatística do argumento foi considerada insufi

ciente por parte de Haberler e outros. O documento das

Nações Unidas referia-se ao intercâmbio do Reino Unido

e a falta de comparabilidade entre os produtos industriais

do Reino Unido com os da Alemanha, Japão, Estados

Unidos e de outras economias poderia ter distorcido os

resultados. Até hoje perdura uma controvérsia a respeito

dos dados sobre a relação de preços do intercâmbio; entre

tanto, e admitindo mesmo que por algum tempo os preços

do Reino Unido tivessem sido afetados pela baixa produti

vidade e pela supervalorização da libra esterlina, a capaci

dade permanente de exportar produtos depende da capa

cidade de manter os preços aproximadamente dentro da

margemdos preços exógenos internacionais dados. Nesses

casos a regra de

um único preço no mercado mundial deve

manter-se, pelo menos aproximadamente, para produtos

homogêneos. Sustenta-se, pois, o argumento básico sobre

a deterioração dos termos de troca, apesar das críticas.

  -  ríticas e teorias alternativas às teorias da Cepa)

 

Os

 orto oxos

Não obstante, a resposta dos ortodoxos às formula

ções da CEP L não se fez esperar. O Prof. Gottfried

Haberler, de Harvard, negou peremptoriamente que os

economistas dipusessem de qualquer lei que lhes permita

predizer as tendências dos preços a favor ou contra os

produtores de matérias-primas .ls Reconheceu a validade

de uma generalização grosseira sobre as variações de curta

duração

em

desfavor dos países subdesenvolvidos, pois

durante as fases de depressão econômica mundial os preços

relativos dos produtos primários tenderama piorar (tendên

cia, diga-se de passagem, não comprovada mais recente

mente). Mas negou que se pudessem prever regularidades.

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Haberler acreditava que havia sido exagerada a magnitude

da relação de intercâmbio desfavorável aos países exporta

dores de produtos primários. Aconselhou os países subde

senvolvidos a conviver com suas agruras, consolados pela

expectativa de que também os ricos passam por elas... 16

Não obstante a fragilidade das conclusões de Haberler,

este economista apresenta um argumento pertinente, em

bora por vias equivocadas, ao tocar num ponto significativo

- e discutível- da teoria cepalina: a inevitabilidade do fosso

entre centro e periferia. Com efeito, Haberler argúi que a

piora nos termos de intercâmbio de um país com respeito

ao Comércio Internacional num dado período não signific

que este país, no fim do período, tenha seu bem-estar

econômico afetado desfavoravelmente   p 326 .

Para demonstrar seu argumento, joga com a idéia de

 termos de intercâmbio de um só

fator ,

em

vez de tomar

como base para análise o valor do intercâmbio entre mer

cadorias.  om isto - sem desmentir a tese Prebisch-CEP L

- alerta para o dinamismo requerido para entender-se os

processos de desenvolvimento econômico. Dito de outra

maneira: pode haver transferência de recursos para o cen

tro, via comércio exterior, e,   o mesmo tempo graças aos

aumentos de produtividade, pode

em

tese haver crescimen

to econômico e mesmo aumento do padrão de vida na

periferia. Assim pode alargar-se a brecha entre países de

senvolvidos e em desenvolvimento, e o nível de vida, nestes

últimos, pode também aumentar em certos casos.

Haberler tentou também ferir os fundamentos da expli

cação cepalina e neg r a validade da idéia de que é por

intermédio de defesa dos salários e lucros dos países indus

trializados que são bloqueadas as transferências das vanta

gens do processo técnico. Argumentou que a concorrência

entre capitalistas e a quebra do monopólio do progresso

técnico exercida pela Inglaterra invalidaria o argumento da

CEPAL. Os produtores de matérias-primas, segundo Ha-

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berler, sabem defender-se muito bem; quem sofre são as

camadas de rendas fixas dos países desenvolvidos( ).17

  e

igual modo, criticou as interpretações dos esperados efeitos

da Lei de Engel sobre o comércio internacional, enfatizadas

mais por Singer do que pela CEPAL. Se, diz ele, esta lei

poderia afetar os produtores de alimentos, seria, entretanto,

inadequado generalizar suas conseqüências para o conjunto

dos produtores primários,já que não afetaria a produção de

minérios.

Os argumentos de Haberler, apesar de seus fundamen

tos conservadores, apontam também para uma lacuna im

portante nos trabalhos iniciais da CEPAL: a falta de maior

explicitação sobre o papel e a natureza dos ciclos econômi

cos e sua distinção frente a tendências de piora constante.

Mais tarde, na pena dos epígonos, os efeitos das recessões

foram tomados comoexpressão de tendências irreversíveis.

A partir desta concepção imaginou-se uma piora contínua

e crescente não só da relação entre países desenvolvidos e

subdesenvolvidos, mas da própria situação de subdesen

volvimento.

  e

certo modo, a perspectiva catastrofista , que levou

mais tarde à

formulação de teorias do desenvolvimento do

subdesenvolvimento , estava incrustada na própria expli

cação cepalina. Seria incorreto, entretanto, supor que a

ênfase da argumentação cepalina sobre as deficiências do

mecanismo de mercado internacional tivesse levado a for

mulações predominantemente estáticas ou catastrofistas.

Estas, se estavam contidas nas formulações que critiquei,

continham-se mais virtualmente do que ao pé da letra .

Apareceriam somente se o campo teórico

em

que elas se

situaram fosse plenamente desenvolvido. O documento de

1949 incorporava a idéia de ciclos. Mostrando a tendência

ao agravamento das relações de troca em prejuízo dos

países subdesenvolvidos, ele afirma que os preços dos

produtos industriais cairiam   nosna recessão do que o

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preço dos primários, enquanto no final dos auges os produ

tos primários subiriam mais depressa; a

result nte

é que

seria negativa para os produtos primários. Seria inade

quado, portanto, pensar que o diagnóstico cepalino basea

va-se, como Herberler deu a entender, numa concepção

puramente estática das relações Centro-Periferia.

Prebisch tomou-se inclusive, em sua

polític econômi-

c

um forte defensor da criação de condições para diminuir

o fosso entre Centro e Periferia. O argumento teórico,

entretanto, poderia dar margem a interpretações ambíguas

e foi delas que

se

valeu Haberler.

Outros economistas fizeram como Haberler: deram um

passo atrás

no

debate. Entre estes, destacou-se o Prof. Jacob

Viner.

18

Repetindo suas palavras:  o que eu encontro nos

estudos de Prebisch e em outras publicações de caráter

similar provenientes das Nações Unidas e de outras fontes

é somente uma identificação dogmática entre agricultura e

pobreza, e a explicação da pobreza da agricultura por regras

inerentes

à

natureza e

à

história, segundo as quais os

produtos agropecuários tendem a entrar em relações de

intercâmbio permanentemente deterioradas

se

comparadas

com os produtos manufaturados; as populações agrícolas

não

se

beneficiariam do progresso tecnológico das manu

faturas

nem

mesmo como compradores porque os preços

dos produtos manufaturados não baixam ao diminuir os

seus custos reais...

  19

E, acrescenta o professor: Isto não é

senão confundir uma simples conjuntura com leis de ten

dências inexistentes .20

Posto que não viu no raciocínio de Prebisch nada além

do exposto acima como se em si mesmo isto não exigisse

maior atenção em vista dos dados das Nações Unidas, nem

levasse a uma mais completa reconsideração da teoria do

comércio internacional), Viner passou a demonstrar que

o problema real não era na

  gricultur

como tal, nem na

industri liz ção como tal, e sim quanto  à pobreza e ao

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atraso . Como poderia, sem cair numa tautologia, apresen-

tar a pobreza e o atraso como causas de si mesmos? Em

todo caso se equivocava no comentário do raciocínio de

Prebisch,

 

que este se apoiava nas taxas diferenciais dos

aumentos de produtividade ou do desenvolvimento das

forças produtivas) entre países desenvolvidos e subdesen-

volvidos.

A agricultura era oferecida como exemplo para salien-

tar que, como regra geral, na América Latina a produti-

vidade agrícola era baixa se comparada com a produ-

tividade do setor urbano industrial e que portanto a pobreza

eramaior no campo. E como qualquer pessoa que soubesse

algo a respeito da agricultura argentina não poderia deixar

de lembrar, Prebisch sempre sustentou que uma maior

produtividade agrícola constituía um instrumento útil para

aumentar os níveis de vida.

Num terreno puramente teórico, entretanto, a evidência

de que Viner não entendeu o sentido do principal argumen-

to de Prebisch pode ser encontrada no seguinte trecho: Se

afirma também que existe uma lei histórica de que o pro-

gresso tecnológico é mais rápido na indústria do que na

agricultura. Se assim fosse, se dita lei se expressasse por

uma queda relativa do custo real da produção de manufa-

turas, isto contribuiria para produzir um momento favorá-

vel e não desfavorável em relação aos preços dos produtos

agrícolas .21

Como   vimos, Prebisch tinha formulado sua crítica

justamente porque o intercâmbio internacional impedia o

funcionamento deste mecanismo clássico.

  s liber is heterodoxos

A ênfase na separação entre um possível viés teórico

das formulações cepalinas iniciais que continham algo de

uma visão estática relativa à natureza do fosso entre Centro

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e Periferia) e as proposições de uma ação prática para

diminuir este fosse ajudam a compreender parte da crítica

àCEP L

Convém ter presente que as formulações econômicas

então vigentes descontando-se a análise marxista) a res

peito de como quebrar o círculo de ferro do subdesenvol

vimento punham toda a ênfase na formação de capital,

concebido este como

um

··fator que dependia de dois

mecanismos:

- a inversão estrangeira;

- as exportações geradoras de ··excedentes .

Note-se que no que diz respeito às exportações e im

portações, a ênfase era posta

em

que, mesmo sem a indus

trialização, a periferia poderia beneficiar-se com o pro

gresso do Centro porque existiammecanismos igualizado

res no comércio internacional. E quanto aos investimentos

estrangeiros, ainda os mais ortodoxos proponentes de suas

vantagens, como Ragner Nurkse, reconheciam que eles

tendiam a concentrar-se nos setores colonial-exportadores

e que a estreiteza do mercado interno tornava-se um empe

cilho para atrair investimentos industriais para os países

subdesenvolvidos.

Assim, de alguma maneira, as teorias vigentes sobre o

desenvolvimento ou repousavam nas vantagens do comér

cio internacional, ou, de um modo ou de outro, acabavam

por aceitar o círculo vicioso da pobreza como elemento

limitativo fundamental das economias periféricas.

A formulação crítico-liberal mais prestigiosa sobre o

subdesenvolvimento, no início dos anos cinqüenta, provi

nha de

um

discípulo de Wicksell, que rompeu com a

ortodoxia: GunnarMyrdal. Com o olhar crítico treinado em

sua magistral obra sobre os negros americanos, Myrdal

incorporava as suas preocupações, desde

 

merican

Dilema

uma perspectiva estrutural . Suas análises foram

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ganhando densidade política como o atesta o

The Political

Element in the Development   Economic Theory publica

do

 

Londres

 

1953. Mas Myrdal quando desenvolveu

sua hipótese sobre a causação circular e cumulativa - que

deu foros teóricos mais sofisticados e acrescentou elemen

tos criticos de teoria política à velha idéia do círculo vicioso

da pobreza - tinha presente muito mais a situação asiática.

Mesmo na coroação de seu trabalho intelectual

The sian

Drama

os males do subdesenvolvimento diagnosticados

supõemuma ampla economia camponesa e condicionantes

extra-econômicos do desenvolvimento baseados numa es

trutura de poder não secularizada.

22

No debate latino-americano - que versava sobre uma

região bem mais urbanizada e mais apendicular ao desen

volvimento capitalista do centro - o grande argumento

acadêmico era o da circularidade da pobreza graças ao

acanhamento dos mercados. O peso dos fatores extra-eco

nômicos era menos visível e impactou menos a teoria

econômica.

Nurkse emconferências pronunciadas no Rio emjulho

e agosto de 1951 colocou claramente a questã0

23

: a limitada

magnitude do mercado interno seria o maior obstáculo ao

desenvolvimento.

Como romper esta barreira?

A resposta de Nurkse também é clara. Em situações

marcadas pelo círculo vicioso da pobreza não se pode

confiar no automatismo da Lei de Say: é preciso que ela se

aplique de modo a produzir um efeito em cadeia. Comen

tando artigo anterior de Rosenstein Rodin sobre a indus

trialização do Leste e Sudeste europeus que mostrava as

limitações da concepção de uma oferta necessariamente

auto-solvente Nurkse diagnostica:

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- só o awnento de produtividade gera, realmente, ex

pansão de mercado (portanto, influxos monetários

não produzem mais que inflação e a exportação

  r

se não resolve, se não que reproduz, o círculo vicio

so);

- entretanto, não basta wn

aumento isolado de produ

tividade: só o encadeamento e a complementaridade

básica produzida poruma  onda de investimentos de

capital em várias indústrias rompe o referido círcu

lo;

- Schwnpeter,

com

sua teoria do empresário inovador

e das ondas sucessivas de atuação empresarial, daria  

o suporte sociológico-econômico à teoria do primei

roimpulso

Apresentava-se, assim, wna elegante formulação da

chamada teoria do crescimento equilibrado,,24 baseada na

ampliação da magnitude global do mercado e no aumento

dos estímulos ao investimento industrial em geral.

A discussão - cujos desenvolvimentos não cabe acom

panharneste trabalho - sobre o

que

significa amplitude de

mercado

em

sua relação

com

tamanho da população e com

o espaço geográfico foi intensa, no início dos anos

5

E

nem todos os economistas dos países desenvolvidos con

cordaram com Nurkse. Este, embora, como veremos adi

~ n t tivesse posto mais ênfase para realçar a necessidade

,de capital estrangeiro do que a poupança interna para

awnentar a produtividade

  r   pit

e romper o círculo de

ferro do atraso, equacionou, através da teoria do desenvol

vimento equilibrado ,

um

pensamento

f vorável

à indus

trialização.

Albert Hirschman, com a sensibilidade que o caracte

riza, e sempre atento à dialética do inesperado, começou a

propor, em uma conferência ditada em 1954, uma estratégia

de desenvolvimento diferente.

  m

vez de adotar a hipótese

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do crescimento equilibrado com sua evidente preocu

pação pela falta do capital, Hirschman assinalou que os

desequilíbrios fomentam, às vezes, reações corretivas. Su

geriu, também, que uma cadeia de exigências tecnológicas

poderia requerer novos investimentos; de modo que é

importante considerar os efeitos sucessivos que precedem

ou

seguem os investimentos. Mais tarde,

em

1958, Hirsch

m n publicou

Strategies   Economic evelopment

onde

deu consistência teórica a suas hipóteses

em

relação aos

efeitos

em

cadeia, para frente e para trás backward and

forward linkages), como elementos-chave no processo do

desenvolvimento. Ao mesmo tempo seu livro veio relem

brar certas possibilidades importantes e despercebidas do

desenvolvimento econômico e inovação na América Lati

na, otimizando recursos e oportunidades disponíveis, a

despeito da escassez de capitais.

AlbertHirschman não foi um adversário das afirmações

da CEPAL sobre a industrialização, e sim

um

partidário

 om senso crítico. Mostrou que no processo de acumulação

de capital o esforço criativo interno é mais importante, para

as estratégias do desenvolvimento, do que a lamentação

permanente a respeito da escassez do capital. Como sua

obra foi escrita durante a segunda metade da década de

1950, Hirschman pode ser considerado, entre os economis

tas não latino-americanos, como

um

pioneiro da defesa das

vantagens do planejamento e da intervenção pública na

economia. Algumas de suas explicações, como as referen

tes à inflação e aos problemas de balanço de pagamentos,

se aproximamdas considerações estruturalistas da CEPAL,

apesar de terem sido propostas independentemente.

Tanto Nurkse como Hirschman passaram, portanto, a

interessar-se não tanto pelos efeitos automáticos da teoria

das vantagens comparativas, como pelos problemas reais

do desenvolvimento: como acumular ou utilizar melhor o

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excedente para - através da industrialização - romper o

atraso e o subdesenvolvimento.

c Osm rx st s

Foi a partir da segunda versão leninista sobre o impe

rialismo que os economistas marxistas contemporâneos às

formulações iniciais da CEPAL propuseram seus esque

mas. Dobb utiliza o raciocínio marxista clássico: a expan

são de capitais ocorrerá na periferia porque a elevação da

composição orgânica de capitais nos países industrializa

dos acelera a tendência à queda da taxa de lucros; logo os

países coloniais, com trabalho abundante e barato e mais

baixa composição orgânica de capital, atrairiam investido

res extemos.

 

Baran, que publicou artigo em 1952 sobre

  n

interpretation of economic backwardness , recolhe a

herança da segunda versão das relações Centro-Periferia de

Lenin, sem dar muita atenção à tradição de ortodoxia

marxista em parte retomada por Dobb) que via na indus

trialização da periferia uma conseqüência natural da expan

são capitalista mundial.

Com efeito, Baram aceita a tese da estreiteza do mer

cado como fator limitante do desenvolvimento:   escas

sez de fundos de investimento e a falta de oportunidades de

investimento representam dois aspectos do mesmo proble

ma. Um número maior de projetos de investimento, não

lucrativos nas condições prevalecentes, poderiam tomar-se

mais promissores num ambiente geral de expansão econô

mica 27

Conseqüentemente, toma-se industrialista , pelo

mesmo argumento de que é preciso aumentar a produti

vidade e que a agricultura desenvolvida requer industriali

zação. Discute, endossando, os programas protecionistas,

de reformas fiscais etc., m s condiciona-os à análise polí

tica das estruturas de poder vigentes. Sem modificações

radicais destas, o programa de reformas toma-se ilusório:

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 Para que os países atrasados entrem na via do cresci

mento econômico e do progresso social, a estrutura

política deve ser remodelada de maneira drástica. De

v

ser rompidas as alianças entre os senhores feudais,

os industriais conservadores e as classes médias capi

talistas p. 91).

Mais tarde,   livro publicado   1957, Baran refor

mula seu ponto de vista. Mantém a crítica às condições

políticas negativas ao desenvolvimento, mas critica Nurkse

e Hans Singer, substituindo a idéia da inexistência de

capitais estreiteza do mercado) pela de utilização inade

quada do excedente econômico nos países subdesenvol

vidos. Limita também o alcance das hipóteses sobre a

deterioração dos termos de intercâmbio porque ela não

afetaria a todos os países, e porque a necessidade de cam

biais seria pequena

 

muitos deles.

28

Baran introduz a idéia de excedente econômico , mos

tra que existe uma utilização socialmente irracional dele e

que,

 

qualquer circunstância, sua aplicação adequada

solucionaria a alegada escassez de capitais. Os investimen

tos estrangeiros não resolvem, senão que agravam as dis

torções

no

uso do excedente.

Curiosamente, entretanto, Baran não soluciona uma

contradição 

sua exposição:

- admite e desenvolve a crença marxista no dinamismo

do capitalismo e no papel da industrialização para

levar adiante o desenvolvimento negando a validade

da explicação mecânica de que são as aplicações

estrangeiras isoladas -   estradas e energia p. ex.

queprovo m o desenvolvimento quando o processo

real segue, para Baran, a seqüência oposta);

conseqüentemente aceita a teoria do efeito cumula

tivo dos investimentos ao estilo de   Rodin ver p.

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refonnas, o aumento de produtividade e o investimento de

capital estrangeiro pudessem alterar drasticamente as con

dições prevalecentes no subdesenvolvimento. Só uma re

volução socialista libertaria as forças produtivas e penniti

ria elevar o nível de vida das massas, através domelhor uso

do excedente disponível.

Mais recentemente, houve uma recolocação de teses

cepalinas por economistas marxistas. Arghiri Emmanuel

propôs, vinte anos depois de Prebisch, uma teoria do in

tercâmbio desigual . Só que, ao invés de explicar a desi

gualdade ao nível do sistema produtivo e das peculiaridades

da organização das empresas e da luta de classes, Emma

nuel pôs ênfase nas desigualdades ao nível das trocas

A partir daí houve toda uma derivação do debate esco

lástico marxista recente sobre a exploração no comércio

internacional e as taxas diferenciais de composição orgâni

ca do capital entre Centro e Periferia. Charles Bettelheim

critica - a meu ver com razão neste ponto - as proposições

de Emmanuel mostrando que exploração na teoria mar

xista refere-se a rélações

entre

classes o próprio capital,

naquela concepção, é uma

relação social de exploração

e

que não se deve esquecer que a desigualdade de taxas de

composição orgânica do capital entre ramos da economia

ou entre economias nacionais quer dizer, de proporção

entre o capital constante - máquinas e matérias-primas - e

o capital variável, os salários) é um efeito da desigualdade

do desenvolvimento dasforças produtivas

Estas, por sua

vez, dependem da desigualdade das condições sociais e

materiais da produção. Por isto parece inadequado falar

 

tennos de exploração ao nível do comércio mundial, sem

especificar os mecanismos da exploração de classe que a

29

provocam.

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  déias na prática

É interessante notar que, embora o raciocínio de Pre

bisch e da

CEP

AL

estivesse baseado

na

necessidade impe

riosa

de

aumentar a produtividade

  r   pit

e de obter,

simultaneamente, a acumulação de capitais para elevar o

bem-estar da massa da população, este ponto foi sumamen

te criticado pela esquerda e pela direita. A esquerda criti

cou-o porque, outra vez, faltou a

expli it ção

dos mecanis

mos

pelos quais se compatibilizariam as duas metas; a

direita, porque não viu no Manifesto Latino-Americano

 como foi chamado por Hirschman o documento de 1949)

mais do que uma acusação aos países ricos e um distribu

tivismo internacional que não tomava a sério a necessidade

de formar capitais e aumentar a produtividade.

Prebisch, entretanto, foi explícito. Mostrou que:

- o comércio internacional deveria ser ativo para aju

dar o crescimento da América Latina ver p.   de

seu artigo da Revista Brasileira de Economia);

- o aumento da produtividade era indispensável;

- sem acumulação, não haveria desenvolvimento;

- porém insistiu que este processo não deveria dar-se

através da compressão do consumo popular que já

era baixíssimo.

Cito textualmente trechos do artigo mencionado:

 Para formar o capital necessário à industrialização e

ao progresso técnico da agricultura, não pareceria in

dispensável comprimir o consumo da grande massa,

que,

em

geral, é demasiadamente baixo p. 51). Ainda

mais: se, por um lado, com o progresso técnico

se

consegue aumentar a eficácia produtora, e se a indus

trialização e

uma adequada legislação social por outro

lado vão elevando o nível do salário real, poder-se-á

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ções entre os centros e a periferia, sem prejuízo dessa

atividade econômica essencial a exportação primária)

p. 53). Prebisch chega a pôr limites à industrialização

 e ao protecionismo, por conseqüência)

 

função

daqueles objetivos: se o propósito é aumentar o que se

chamou comjusteza de bem-estarmensurável das mas

sas, convémter presentes os limites além dos quais uma .

industrialização maior poderia significar perda de pro

dutividade p. 52).

  políti s de desenvolvimento

Mais do que no debate teórico, as proposições cepalinas

abriram-se à critica quando passaram a sustentar determi

nadas políticas.

30

Em primeiro lugar, porque elas puseram

ênfase nos desequilíbrios estruturais e os economistas mais

preocupados com o curto prazo e com os aspectos monetá

rios do desenvolvimento viram nelas o risco de uma retó

rica anticapitalista. A discussão sobre a inflação na qual

não entrarei) é o exemplo conspícuo deste diálogo de

surdos.

No plano das metas básicas e dos instrumentos de

política econômica para alcançá-la, houve pouca variação

na posição  

CEPAL durante os anos cinqüenta:

- industrialização e sadio protecionismo;

- política adequada de alocação dos recursos externos;

programação de substituição das importações;

- atenção especial para não diminuir ainda mais os

salários, no processo de industrialização e para evitar

a redução da capacidade de consumo das grandes

massas.

As questões eramobviamente candentes. A CEPAL foi

cuidadosa, até o fim dos cinqüenta, na proposição de me

didas social e politicamente espinhosas, como a reforma

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agrária e as políticas de equalização social. Mesmo assim

falar de controles cambiais e de progr m ção de investi

mentos aparecia aos olhares conservadores como algo

herético.

Alémdas declarações sobre o nível de vida das massas

em documentos como os transcritos acima a ênfase das

políticas cepalinas era posta na necessidade da industriali

zação programada

om

os necessários mecanismos de

controles cambiais. A implementação destas políticas su

punha entretanto a defesa da necessidade do deslocamento

dos centros de decisão para a periferia e conseqüentemen

te o fortalecimento da capacidade decisória e regulamen

tadora do Estado. Não é difícil portanto entender o porquê

da reação liberal-conservadora à CEPAL. Mesmo

sem

exacerbar a questão social suas idéias eram inquietantes.

Neste aspecto é curioso que de algum modo no plano

puramente ideológico na medida

em

que os fonnuladores

das soluções inspiradas no pensamento marxista também

criticaram a suposta existência de uma aliança feudal-im

perialista havia certa coincidência entre eles e algumas

das posições   CEPAL. A linguagem era distinta os

fundamentos da explicação também mas ambas vertentes

viam no

 xt rior

o inimigo principal e ambas coincidiam

em

que

sem

esforço interno para remover obstáculos ao

desenvolvimento - os setores tradicionais - não haveria

melhoria do nível de vida das massas. Estas coincidências

deram uma coloração levemente avennelhada ao pensa

mento cepalino.

Prebisch e a CEPAL assim como os representantes

deste pensamento nos países - o exemplo mais brilhante

foi o de Furtado

 om

a SUDENE - mantinham-se finnes

quanto à necessidade de industrializar e programar. E

man :-

tinham o objetivo de aumentar o bem-estar das massas.

3

Não desdenhavam entretanto políticas específicas para

isto.

 em se

pode pensar por outro lado que defendessem

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o protecionismo à

outrance

Prebisch sempre defendeu a

necessidade de alguma concorrência. Sua desconfiança

frente ao estatismo de tipo soviético ia ao ponto de pergun

tar se os êxitos inegáveis da economia soviética - que o

deslumbravam - não se deviam mais

à

ampliação do siste

 

educacional e à mobilidade da sociedade soviética do

que à centralização excessiva.

32

Mais tarde, por volta do fim da década, a CEPAL

incorporou à sua luta pela industrialização e pela progra

mação econômicas a idéia da integração. Passou a propor

e a implementar a formação de mercados comuns latino

americanos: a ALALC e o Mercado Centro-Americano.

Não é difícil perceber que por trás destes esforços perma

nece a mesma idéia da estreiteza do mercado - a busca da

ansiada escala para os investimentos - e a noção política

de que através de blocos talvez fosse mais fácil contra

por-se aos interesses do Centro.

Não obstante, há uma grande área de indecisão no

pensamento cepalino sobre o desenvolvimento: a política

relativa aos capitais estrangeiros e a explicação da natureza

da acumulação proposta.

Uma vez admitida a tese de que o desenvolvimento

capitalista depende do desenvolvimento das forças produ

tivas do progresso técnico não   abstrato

mas

incorpo-

rado

na produção social

33

) e que este depende e por sua vez

altera tanto a divisão social e internacional) do trabalho

quanto o modo como se dá a exploração  a acumulação),

tornam-se iniludíveis certas questões:

- como incorporar o processo técnico: via importa

ção de tecnologia, através de desenvolvimento tec

nológico autóctone ou por intermédio de alguma

forma de combinação entre ambos? 4

Como assegurar um processo de divisão interna do

trabalho que favoreça a acumulação?

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- Como expandir a participação do Estado na econo

mia, diretamente e através de impostos, para aumen

tar as probabilidades da industrialização?

- Comojustificar a acumulação, reconhecendo-se que

ela supõe trabalho acumulado: impunha-se alguma

teoria redistribucionista

explí it ou alguma teoria

socialista que enfatizasse a natureza de classe da

exploração capitalista?

A última questão, como disse, ficou na penumbra nos

textos principais, mantendo-se com vigor como meta, mas

s m que se explicitasse como alcançá-la, por razões óbvias

para

um

organismo da ONU dependente de governos rea

cionários.

As duas primeiras questões, entretanto, implicavam

uma discussão sobre o papel do capital estrangeiro. E esta

fez-se, até o fim da década dos 50, da forma inconclusiva.

No artigo de Prebisch de 1950 a receita sobre o como

acumular é a seguinte:

 Para formar o capital necessário à industrialização e

ao progresso técnico da agricultura, não pareceria in

dispensável comprimir o consumo de grande massa,

que,  m geral, é demasiadamente baixo. Além da pou

pança presente, as inversões estrangeiras, bem en mi-

nh d s  grifos meus), poderiam contribuir para o au

mento imediato da produtividade por homem. Lograda,

por essa maneira, certa melhoria inicial, poder-se-ia

desviar uma parte importante da produção para a for

mação de capitais, evitando

um

consumo prematuro .35

O realismo de Prebisch o levou a ver com cautela a

contribuição do capital estrangeiro. Nas formulações ini

ciais

 

sua doutrina, ele aparece como recurso pro-tempo

re: é necessário aumentar a formação interna de capitais

para elevar a produtividade e o Estado é o agente de

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torções inflação, alta propensão ao consumo, etc.), recor

rer-se-á ao capital estrangeiro.

 m

1952 Prebischjá adver

tia para uma tendência cujos desdobramentos só foram

retomados nos anos 60: a de que havia

 m

emergência a

formação de

um

novo mercado para as inversões estran

geiras e este era interno.

 

Criticava, entretanto, o capital

estrangeiro por não haver acelerado este processo. Com

este ânimo, ressalta o papel do capital estrangeiro:

 Hace falta estimular estas inversiones, no solo por el

capital que aportan, sino también por la ayuda técnica

que traen consigo, por la propagación deI saber hacer,

de que tanto se necessita en estos paises .37

Noutros termos: sem explicitar no que consiste a divi

são

int rn

de trabalho que poderia propiciar a acumulação,

mantendo, por

um

lado, a fidelidade ao imperativo do

aumento de produtividade e buscando, por outro lado, não

diminuir os salários reais da massa de trabalhadores, a saída

para obter o impulso inicial seria:

- controle e realocação do excedente obtido pelas

exportações sobre as importações;

- desvio de recursos dos bens de consumo corrente

para o setor de bens de capital;

- recurso adicional - mas importante - ao capital es

trangeiro para acelerar tanto a formação de capitais

quanto o progresso técnico.

A trajetória posterior de Prebisch - que escapa aos

objetivos deste capítulo - foi conseqüente com esta visão:

tratadosmultilaterais de comércio internacional para defen

der o preço dos produtos primários - UNCTAD - e propo

sições para a multilateralização e aumento da ajuda exter

na , para a obtenção daquele mínimo de capital e técnica

adicionais para garantir o grande salto para frente

 m

termos de industrialização e desenvolvimento.

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  Adaptações do pensamento cepalino às situações

emergentes

 m

suas linhas gerais as páginas anteriores resumem o

pensamento da CEP

 

s

na fase de seu auge. O cotejo com

que se pensava na época indica a originalidade das propo

sições cepalinas suas fontes e suas limitações. Indubitavel

mente entretanto a argumentação teórica e as soluções

propostas - embora eu não tenha analisado com detalhes

estas últimas - mostram certa capacidade de repor temas e

soluções

 m

função de uma situação histórica dada. Neste

sentido não

m

parece exagero dizer que há um pensamen

to econômico latino-americano. Seria ingênuo pensar que

ele não se nutriu dos modelos clássicos e de seus desdobra

mentos. Mas reaqueceu a herança teórica recebida para

tomá-la mais dúctil e capaz de explicar situações novas que

emergiram.

A part;ir de metade dos anos cinqüenta mais ou menos

ocorreu uma mudança no ritmo e forma do movimento

internacional de capitais e na própria organização das em

presas capitalistas internacionais. Estas transfonnações al

teraram a forma das relações Centro-Periferia. Não farei

aqui sequer a síntese deste processo. Basta indicar que a

atuação do que veio a chamar-se de Empresa Multinacional

aumentou consideravelmente. Mais ainda: estas empresas

- alguns velhos

trusts

transformados

 m

conglomerados e

diversificando seus investimentos   escala mundial ou no

vas organizações que surgiramcom este caráter - passaram

a

intensificar os investimentos industriais na periferia

Assim depois da Segunda Grande Guerra

pareceria

justificado o otimismo dos teóricos marxistas sobre os

efeitos que a expansão de capitais teria para a indus

trialização da periferia. Se até meados dos anos 50 a luta

em prol da industrialização periférica era

ao mesmo tempo

uma luta antiimperialista porque os trusts investiam pouco

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no setor secundário da periferia a partir desta data a indus

trialização passou a ser

um

objetivo do capital estrangeiro

em alguns países da periferia. As relações entre as políticas

públicas as empresas do Estado e o capital externo toma

ram-se maiores e mais complexas.

Não obstante a percepção intelectual deste processo

deu-se de modo tardio na América Latina. A política nor

te-americana especialmente durante a época de Kennedy

e da Aliança para o Progresso aceitou parte da crítica

implícita nas análises cepalinas mas

mudou ênf se del s

Trouxe para o primeiro plano as discussões sobre os obs

táculos internos ao desenvolvimento - os sociais e políti

cos - e patrocinou explicitamente formas mais ativas de

cooperação internacional através da criação do Banco

Interamericano deDesenvolvimento que passou a financiar

projetos de salubridade de reformas agrárias de estradas

etc.

 e

algum modo a CEPAL viu-se assoberbada por esta

política e nela quase naufragou teórico-ideologicamente. A

reunião da OE de Punta deI Este

em

1961 representa o

ponto mais esplendoroso do afã reformista político-social

americano

em

seu encontro com a crítica cepalina. Houve

a legitimação de temas antes perigosos como reforma

agrária reforma dos impostos planejamento etc. Mas hou

ve também o esquecimento momentâneo das questões es

truturais de base: os termos de intercâmbio a disparidade

do progresso técnico e dos níveis salariais reais entre Cen

tro e Periferia etc. A tal ponto que parece justificável dizer

que o pensamento cepalino desta época entrou na fase de

declínio relativo. A consistência e singeleza do momento

de auge sucedeu um período de crescente prolixidade e

imprecisão teórica nos textos da CEPAL.

Ao mesmo tempo em que mudava de relação entre

Centro e Periferia pelo deslocamento de capital produtivo

para a Periferia

39

e por sua fonua oligopólica o pensamento

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econômico latino-americano registrava tendências à es

tagnação - confundindo o ciclo recessivo que se abriu no

início

 

década de sessenta com uma lei relativa à dificul

dade, se não à impossibilidade, do desenvolvimento da

periferia. Voltava, assim, e desta vez com força, uma

vertente da análise teórica inicial que havia ficado

 

segundo plano graças às preocupações corretas com o

dinamismo do sistema capitalista, que norteavam os me

lhores textos da CEPAL.

Apontei anteriormente a possibilidade deste desdobra

mento a partir de algumas das linhas analíticas da CEPAL.

Não obstante, esta não fora até aos anos sessenta a corrente

principal do pensamento cepalino. Parece que a crítica

persistente da esquerda recorde-se as teses de Baran de

1957) e o fracasso das políticas de industrialização para

manter o nível de salário real e para absorver a população

economicamente ativa - dado o crescimento demográfico,

as migrações rurais-urbanas e o impacto inicial do estilo

capital-intensivo da industrialização - acabaram por abalar

certas convicções bem assentadas na CEPAL e de indiscu

tível ancestro no pensamento econômico clássico tanto

liberal comomarxista). O

  gr v mento

da balança externa

de pagamentos, no começo dos anos 60, acentuou ainda

mais as cores sombrias dos prognósticos da época.

Não se pense, contudo, que este movimento reflexivo

foi feito

 

desmedro completo do pensamento anterior.

As teses centrais permaneceram, voltando-se inclusive a

falar do caráter

temporário

da necessidade de recursos

externos. Não obstante, no documento que resume o pen

samento cepalino dos primeiros anos da década de sessen

ta

40

passam a ser introduzidos   spectos soci is Contra

ditoriamente, o que poderia ter sido um

  crescent mento

à

teoria, foi fator de perturbação quanto à análise da acumu

lação e do desenvolvimento.

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Por quê?

Porque o caráter elíptico da referência à exploração de

classe, que ficava num segundo plano na análise original,

mostrou sua fragilidade na versão renovada. Passou-se a

criticar o consumismo das classes altas , a falta de mobi

lidade social para renovar as lideranças econômicas e a má

distribuição de rendas das sociedades subdesenvolvidas,

como se elas acarretassem distorções e obstáculos in

transponíveis ao desenvolvimento capitalista.

41

O mercado

de altas rendas, a imutabilidade da situação agrária, o

consumo suntuário etc. limitariam a própria utilização da

capacidade industrial

  instalada. A estrutura monopólica

das empresas acrescida de um regime protecionista agrava

riam ~ t distorções.

As estatísticas mostravam que no início dos anos ses

senta diminuí o valor

  r

  pit em dólares das exporta

ções, que a deterioração dos tennos de intercâmbio se

acentuara, que diminuíram as exportações agrícolas por

que, supunha o documento de 1963, a demanda interna

cional deste setor declinaria nos países ricos Lei de Engel),

sem que diminuíssem as necessidades de importação indus

trial da periferia.

Por certo, estes fenômenos eram reais. Seu encadea

mento para explicar o movimento expansivo do capita

lismo, entretanto, levou a interpretações menos felizes que

sustentavam a ausência de uma re l dinâmica capitalista e

a dificuldade para a obtenção de re is efeitos de desenvol

vimento.

Nesta época, a distinção - de fundo moral - entre

 crescimento e desenvolvimento popularizou-se. Este

último processo só ocorreria se houvesse melhor distribui

ção da renda e da propriedade, pennitindo um desenvolvi

mento mais completo do homem. Esta nunca foi, natu

ralmente, uma versão oficialmente endossada pela CEPAL,

mas era vulgannente adotada pelo pensamento crítico lati-

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no-americano. A fragilidade de tal colocação está  m que

confunde a  ríti so i list ao capitalismo com a inviabi

lidade dele. Na mesma época, na prática, as empresas

multinacionais haviamdeslanchado precisamente um enér

gico processo de acumulação capitalista na periferia,  tr -

vés de formas de exploração que continham todos os ingre

dientes criticados acima.

O pessimismo dava a tônica dos escritos da época. No

decênio 1965-1975, contudo, não só o comércio mundial

foi extremamente dinâmico, como os termos de intercâm

bio,  m alguns anos, chegaram a serf voráveis aos produ

tos agrícolas e minerais...

A história preparou dessa forma uma armadilha à onda

pessimista. Esta decorria de confusões entre os ideais re

formistas - que s foram explicitando nos documentos da

CEPAL - e a análise específica do desenvolvimento do

capitalismo. A incompatibilidade entre este e as desejadas

reformas motivava frustrações; contudo, o produto nacio

nal dos páíses periféricos que se industrializavam não

deixava de crescer e o progresso técnico se acentuava,

apesar das distorções .

Ainda assim, foram elaboradas hipóteses especifica

mente estagnacionistas, com algo de inspiração neoc1ássi

ca.

 

Alguns estudos cepalinos que não chegam a propor

hipóteses estagnacionistas não deixam de asinalar as con

seqüências da baixa relação entre produto e capital sobre o

estilo   desenvolvimento.

43

O fato de que, desde então,

alguns países latino-americanos

s

viram submetidos a

regimes políticos autoritários permitiu a muitos economis

tas frisar de maneira crítica os obstáculos ao desenvolvi

mento e as conseqüências desastrosas das políticas econô

micas impostas a estes países.

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 V Outra

vez idéias inovadoras?

  estilo perverso de desenvolvimento

A crise teórica pela qual passou a explicação cepalina

e sua deficiência na compreensão das transformações que

ocorreram na economia mundial não foi, entretanto, pura

mente negativa. Sem esquecer que neste entretempo a

CEPAL como instituição continuou produzindo relatórios

substanciosos

 

foi também nesta época que houve uma

revalorização da crítica social. Os estudos sobre distribui

ção de renda - que persistiram como preocupação da Casa

- e as análises sobre a relação entre progresso técnico e

bem-estar social tomaram-se dominantes. A contribuição

mais criativa, nesta linha de pensamento, foi a de Aníbal

Pinto

4S

,

insistindo sobre a desigualdade

intern

da distribui

ção das vantagens obtidas com o aumento da produti

vidade. Pinto especifica no que consiste para ele a hetero

geneidade estrutural das economias latino-americanas co

mo

algo distinto das concepções dualistas. Ela resultaria de

uma marginalização social e de um estilo de desenvolvi

mento baseado

em

pólos de modernização, que provoca

 uma tríplice concentração dos frutos do progresso técnico,

ao nível social, dos estratos econômicos e ao nível regio

nal p. 49).

Reconhecendo que houve um ressurgimento dos inves

timentos estrangeiros, Aníbal Pinto reafirma, entretanto,

que o motor do desenvolvimento continuava sendo o mer

cado interno. Alguns dependentistas

haviam demons

trado que não existia mais contradição entre investimento

estrangeiro e demanda interna, pois as multinacionais que

investiram nos setores de consumo durável dependem do

mercado interno. Aníbal Pinto reconhece - sem o explicitar

- que não existe estagnação a partir deste model0

  6

, cujo

dinamismo não se baseiamais nos setores tradicionais da

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economia, nem nos de base , mas na produção de bens de

consumo duráveis, como autos, geladeiras, televisão etc.

Explicita-se assim que existe um estilo maligno de

desenvolvimento, na expressão de Ignacy Sachs, que

não

supõe

no plano nacional a efetividade dos efeitos de trickle

down provocados pelos investimentos e pelo crescimento

econômico. O estilo de desenvolvimento latino-americano

seria concentrador e excludente .

Este ponto de vista, empiricamente reconhecido e pro

clamado anteriormente por socioólogos e economistas crí

ticos, gerou

u

sem número de estudos e discussões, que

puseram ênfase na falta de capácidade de absorvermão-de

obra pelo tipo de desenvolvimento industrial vigente e nas

conseqüências dele sobre a concentração da renda.

A CEPAL, no relatório de 1968, reconheceu a discus

são e resumiu as interpretações correntes. Pedro Vuskovic

47

juntou-se à linha teórico-crítica de Aníbal Pinto, acrescen

tando-lhe conotações algo catastrofistas quanto

à

capaci

dade de emprego gerada por este estilo de desenvolvimento

e quanto à capacidade de investimento das economias

latino-americanas.

Não cabe fazer neste trabalho uma resenha pormenori

zada dos desdobramentos do pensamehto cepalino depois

que foi formulada a idéia de que

u

estilo perverso de

desenvolvimento estava

 

marcha.

48

O que parece conve

niente sublinhar é que se o diagnóstico dos anos iniciais foi

brilhante

 

comparação com as primeiras revisões do

começo da década de sessenta e do pessimismo mal posto

da mesma época,

 o ponto   vist um riti m is

r di l

ao próprio desenvolvimento capitalista, os equívo

cos estagnacionistas e o pessimismo que as situações de

maior dinamismo, como a brasileira de 1968-1975 mostra

ram ser pouco fundadas empiricamente) geraram dúvidas

e inquietações que permitiram ampliar o horizonte cognos

citivo quanto à natureza social e aos efeitos do desenvolvi-

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mento capitalista. Os textos de Aníbal Pinto e Pedro Vus

kovic, citados como exemplo, indicam a direção que o

pensamento latino-americano de inspiração cepalina toma

ria a partir daquela época.

 

dependência estrutural

Por volta de metade da década de 1960, dentro e fora

da

 EP

 L começara outra linha de interpretação - mais

sociológica e política - que, se não foi incorporada imedia

tamente ao pensamento da Casa, apareceria nos textos de

Vuskovic, de Celso Furtado e, especialmente, de Oswaldo

SunkeL Esta linha passou a ser conhecida como a teoria

d

d d

 

49

a epen encla .

Houve várias versões ao redor do mesmo tema. Como

indiquei noutro trabalhoso, as versões iniciais escritas na

própria CEP

 L

entre 1965 e 1966 tentam retomar a questão

de por que não se produziram algumas das conseqüências

da industrialização periférica quanto ao curso do desenvol

vimento e acentuam, na resposta, alguns fatores que teriam

contribuído para isto:

o primeiro e principal diz respeito a que os investi

mentos estrangeiros deram-se como se viu acima)

no setor de produção de bens de consumo durável

fazendo que o ciclo de acumulação tivesse que com

pletar-se à escala mundial;

- especificando este processo, ele quer dizer que as

economias periféricas industrializaram-se, porém o

setor de produção de bens de capital Departamento

I na linguagem marxista) continuou a funcionar no

Centro. Portanto, o dinamismo derivado das inver

sões no mercado interno propaga-separa o centro a

fim de completar o ciclo expansivo do capital;

- isto quer dizer que as economias centrais e periféri

cas são interdependentes mas através de uma assi-

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 em

ou mal entretanto estes estudos procuram apro

fundar alguns elementos já contidos nas explicações da

CEP L e explicitar tanto a questão do capital estrangeiro

quanto o da base de classes do desenvolvimento capitalista.

  outro esenvolvimento

Por fim nesta já longa exposição sobre algumas con

tribuições e dificuldades do pensamento latino-americano

convémdizer mais uma palavra sobre a crítica da crítica .

O inconformismo com o estilo perverso do desenvol

vimento permitiu também uma análise - mais sociológica

- dos efeitos da expansão capitalista. Na CEPAL desde os

primeiros trabalhos de Medina Echavarría houve esforços

para ultrapassar o teor de racionalidade formal com que as

análises do desenvolvimento se contentavam. Marshall

Wolfe e seus colaboradores continuaram este estilo de

interpretações do desenvolviment0

5

\

opondo-se às análises

que se tomaram moda na ONU sobre desenvolvimento

unificado .

 o invés de aceitar a nova versão de um padrão de

desenvolvimento necessariamente equilibrado tal como

foi proposta em alguns documentos do Conselho Econômi

co e Social das Nações Unidas Wolfe e outros sociólogos

da CEPAL sustentam que o progresso do desenvolvimento

capitalista é contraditório por natureza. A controvérsia

anterior entre as teorias baseadas na idéia de equilíbrio e

aquelas - como a de Hirschman - que põem o acento nos

efeitos desequilibradores do desenvolvimento reaparece

na discussão sociológica. Alguns textos da CEPAL apre

sentaram uma opinião crítica quanto à possibilidade de

existirem caminhos não contraditórios para o desenvolvi

mento como aqueles indicados pelos proponentes de uma

 nova ordem econômica internacional e um estilo de

desenvolvimento autoconfiante e autônomo SJ.

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Não que a generosidade dos que propõem um outro

desenvolvimento seja incompatível com o ideário huma

nístico de certos setores do pensamento crítico latino-ame

ricano. Mas, sendo este pensamento herdeiro em sentido

amplo   Escola Clássica liberal e marxista, com todas as

contradições inerentes) por mais eivado de contribuições

heterodoxas que enriqueceram e confundiram) as coloca

ções cepalinas, custa aceitar o utopismo libertário de que

se nutrem os novos críticos. Entre perplexo e desconfiado,

o ocidentalismo cepalino começa a mastigar conceitos e

valores que lhe são ainda profundamente estranhos.

Prebisch conseguiu, num de seus textos mais ecléticos

 Transformación

y

Desarrollo:   gran tarea de América

Latina, de 1970 , tragar várias modas: a questão do excesso

de população e de seu crescimento acelerado, os malefícios

relativos

 

tecnologia

capital-intensive,

a dependência, as

deformações da ocupação etc. Mas no trabalho recente

mente publicado Críticas a capitalismo periférico  refaz

seu percurso teórico, numa espécie de reafirmação do

Manifesto de 1949 acrescido dos temas pertinentes: depen

dência, distribuição desigual dos frutos do progresso técni

co, democratização. O texto praticamente não quebra a

linha - clássica , eu ousaria dizer - da CEPAL. Não

abriga, neste sentido, temas ou explicações apenas   hoc.

Não se vê no documento a incorporação das questões

relativas ao outro desenvolvimento .

Será isso, talvez, deficiência de umpragmatismo racio

nalista. Mas bempode ser a desconfiança de uma escola de

pensamento que, tendo tentado produzir idéias no contexto

de uma situação historicamente dada, visando encontrar

saídas diante de impasses estruturais, não quer mais con

fundir o eventual com o fundamental, o ciclo com tendên

cias unidirecionais inexoráveis, a moda e a retórica com

problemas centrais da sociedade e do conhecimento.

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Isto não toma o pensamento cepalino um estandarte

revolucionário, mas lhe assegura, pelomenos, certa consis

tência e permite que se faça sua crítica, a partir de pontos

de vista mais radicais semque seja necessário tratá-lo como

 cachorromorto , na expressão usada por Marx quando se

recusou a minimizar a importância de Hegel.

 

-  

modo de conclusão

A comparação entre as análises feitas pela CEP

 

sobre o comércio internacional e o desenvolvimento e as

concepções prevalecentes no mundo acadêmico àquela

época década de 1950) mostra que houve originalidade nas

formulações cepalinas. Críticas posteriores, embora reco

nhecendo,

em

geral, o avanço cepalino frente às teorias

neoclássicas e marginalistas, procuraram limitar a novida

de do pensamento latino-americano, mostrando que suas

formulações teóricas ficaram aquém do que Marx dissera

um

século antes. O argumento pode ser certo no que se

refira à teoria da acumulação, mas carece de perspectiva

histórica quando se refere aos problemas criados pela in

dustrialização da periferia e as peias que a teoria vigente

sobre o comércio internacional impunham àquela. As for

mulações cepalinas têm óbvias raízes no pensamento eco

nômico clássico e no marxismo e estão permeadas por uma

linguagem keynesiana. Esta ambigüidade dificulta a deter

minação do quadro teórico em que se move a análise.

A originalidade do pensamento cepalino, por outro

lado, não consistiu simplesmente

em

acentuar a existência

de uma tendência à reprodução das desigualdades entre

nações através do comércio internacional e de tê-la expli

cado pela existência de taxas diferenciais de salários e graus

distintos de progresso técnico entre o Centro e a Periferia.

Isto, por si só, já constitui uma perspectiva de análise mais

abrangente do que a implícita nas interpretações alternati-

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vas então vigentes. Mas a originalidade da CEP

 L

reside

também no esforço para transformar esta interpretação na

matriz de

um

conjunto de políticas favoráveis à indus

trialização. Neste sentido, o pensamento da CEP

 L

gerou

ideologias

e motivou a ação, abrindo-se à prática política.

Por isto mesmo, tomaram-se mais visíveis as debilidades

de uma análise que aponta as causas da desigualdade, mas

limita a crítica aos umbrais do tema,

sem

desvendar o

conteúdo de classe da exploração econômica entre Centro

e Periferia e na Periferia.

 

No plano propriamente teórico a originalidade da ver

são cepalina da teoria do desenvolvimento ficou mais im

plícita do que explícita. Na mesma década em que ela foi

formulada, economistas de Cambridge dedicavam-se a cri

ticar teoricamente a noção de função de produção e a

rever as teorias da acumulação.

 m

 96

Piero Sraffa

publicou o livro

Production

 

ommodities

by

Means  

ommodities destinado a p r v ~ r nova volta aos clássi

cos . Nestes trabalhos, especialmente no de Sraffa, vê-se

como seria possível lidar de modo rigoroso com alguns

problemas relativos à teoria do valor e aos preços relativos

- problemas implícitos na análise cepalina - fazendo-se a

crítica cabal das teorias marginalistas.

Por certo, Sraffa volta a Ricardo e deixa à margem as

críticas de Marx àquele. Deixa

à

margem também a teoria

da exploração e suas conseqüências sobre a luta de classes,

para concentrar-se na demonstração do absurdo das formu

lações neoclássicas sobre função agregada de produção,

liberando-nos do absurdo através da lógica pura, sem

di

zer-nos, entretando, em que crer para explicar a acumula

ção. Não obstante, trata-se de uma

I

 cópia de Ricardo

sumamente original, pois através dela resolve-se teorica

mente o problema da passagem de valores a preços e faz-se

crítica demolidora da teoria neoclássica sobre a função

agregada de produção .56

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Existem pontos de contato entre a crítica da escola de

Cambridge às teorias neoc1ássicas e a crítica cepalina à

teoria dos fatores de produção e à otimização de lucros

relativos a nível

do

comércio internacional. Os pressupos

tos teóricos de Cambridge não englobam a discussão da

repartição da renda no mercado internacional, mas pode

riam, se redefinidos, explicitar melhor as implicações teó

ricas da crítica cepalina às teorias neoc1ássicas do cresci

mento econômico. Se os textos da CEPAL são mais abran

gentes do que os da escola de Cambridge na interpretação

do porquê das desigualdades - pois inc1uem as lutas sindi

cais e os fatores político-institucionais na determinação do

salário, e, implicitamente, incluem a exploração de c1asse

- ficam muito aquém deles no que se refere à análise

propriamente teórica da relação entre crescimento capita

lista e repartição da renda.   mvez de orientar seu interesse

para problemas teóricos, os economistas cepalinos se limi

taram aos problemas práticos.

Nas análises cepalinas coexistem, sem integrarem-se e

a linguagen denota isto), explicações c1ássicas, marxistas,

keynesianas, neoc1ássicas e propriamentemarginalistas so

bre os mecanismos dos preços do mercado e do crescimento

econômico. A pouca atenção prestada à teoria econômica

- explicável pelo contexto histórico e institucional, mas

não, justificável dificultou o reconhecimento pelo mundo

acadêmico internacional da originalidade da versão cepali

na sobre o subdesenvolvimento e a desigualdade interna

cional. É tempo já para rever as avaliações feitas e reco

nhecer que, mesmo sem explicitar teoricamente suas des

cobertas, a escola da CEPAL endereçou críticas não res

pondíveis à teoria neoc1ássica sobre o comércio inter

nacional. Refazê-las, sob a inspiração de Sraffa, é uma

tarefa tentadora para economistas teóricos que queiram

utilizar velhos modelos para dizer coisas originais.

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A reposição de idéias

em

novos contextos, longe de ser

um

processo meramente repetitivo, implica num enrique

cimento. Se existe

um

mundo para o qual o símile do motu

contínuo é inútil, este é o do pensamento: o percurso da

 mesma idéia noutro universo histórico-cultural faz dela

outra coisa. Penso que as formulações cepalinas consti

tuem, neste sentido, um bom exemplo de originalidade:

versaramsobre uma temática que se antepôs ao pensamento

para enfrentar os problemas que surgiram na prática eco

nômica e, partindo embora do instrumental de análises

produzido noutros contextos, tiveram que refazê-lo para

tentar explicar uma situação de desigualdade no comércio

internacional e justificar políticas favoráveis   industriali

zação   periferia. Se mais não foi feito, foi porque, como

acentuei, o radicalismo crítico da

 EP

 L estava contido

por sua posição político-institucional - pois ao fim e ao

cabo trata-se de

um

órgão intergovernamental - e porque

faltou élan para propor a temática abordada na perspectiva

de uma teoria da reprodução e da acumulação capitalista.

Se mencionei a escola de Cambridge e a Sraffa foi para

indicar que mesmo dentro dos acanhados limites político

institucionais da CEPAL,

sem

assumir a crítica marxista

como ponto de partida, seria possível ter avançado mais e

mais rigorosamente na crítica à economia acadêmica vul

gar, então como hoje) predominante.

Dizer, entretanto, que uma perspectiva de análise inte

lectual poderia ter ido mais longe não implica em negar os

avanços feitos por ela. Ao contrário, creio que é próprio da

boa teoria deixar o leitor

com

água na boca. Só os dogmá

ticos preocupam-se

com

cerrar o círculo do conhecimento

e produzem sistemas que criam a ilusão de que eles são

como a velha esfinge que dizia decifre-me, oumorres . A

criatividade

na

ciência mede-se pela gula que uma teoria

desperta em seus seguidores para superá-la e fazê-los ter de

dizer:

sem

esta brecha, não teria podido abrir atalho que

me

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permitiu ver mais longe. A CEPAL produziu idéias que

ajudaram a compreender, em seu momento, alguns dos

problemas centrais da acumulação capitalista na periferia e

alguns dos obstáculos que se lhe antepõem. Não há portanto

que escrever lápides para suas idéias. Elas se modificaram

e, trocando de pena como sói acontecer com idéias-força,

continuaram vivas, às vezes noutras instituições ou com

outras cores, ao mesmo tempo em que deixaram pelo

caminho os segmentos mortos, como costuma ocorrer

com

todas as interpretações científicas.

 Cambridge

1977).

 OT S

1. A obra central de A.C. Mello e Souza é Formação da Literatura Brasileira São

Paulo, Livraria Martins, 1959, 2 voltnnes. Outro importante sociólogo das idéias, Roberto

Schwarz, escreveu, entre outros trabalhos,  As Idéias fora do lugar in Estudos CEBRAP

São

Paulo, n. 3 jan. 1973.

2. João Cruz Costa,

Contribuição à História das Idéias

 

Brasil

Rio de Janeiro,

Livraria José OIympio Editora, 1956, esp. capítulos III e IV.

3. Ver Ohlin, B. Illterregional alld Illtemational Trade Cambridge, Harvard

University Press, 1933.

4. O livro de Ohlin elabora a teoria de Hecksher e

Ule

outorga

maior

consistência.

Ver

Hecksher,

 

The effects

of

foreign trade on the distribution

01

income in

AmericanEconomic Association,

Readillgs

ill

tlle Tlleory ofllltematiollal Trade

Phila

delphia, 1949.

5. VerOhlin,

op. cit.

especialmente p. 39, parágrafo 3,

 The

gain from illtemational

trade .

6. Ver Samuelson, P., International Trade and the Equalization of Factor Prices ,

in

EconomicJournal

June 1948, particulannente p. 67.

7.

Ver

Haberler, G.,  A survey

of

lhe international trade lheory , edição revista e

aumentada SpecialPapers

in

International Economics

n. I, Princeton University, 1961.

Haberler se refere a A.

Lemer

devido à sua contribuição

em

linhas gerais sintilar ver

Lemer

A.,  Factorprices and International trade , in Ecollômica feb. 1952).

8. ConsultarMarx   Engels,   Colollialism Moscou, Foreign Languages Publis

hing House, s.d.

9. Paul Singer escreveu recentemente um trabalho sobre A Divisão Illtemacional

do Trabalho e Empresas Multinacionais , in: Queiroz, M.V. et allii,

Multill{/ciollais:

illternllcionalização e crise

São Paulo,

CEBRAP

1977 CademosCEBRAP, 28), no qual

resume os aspectos relevantes dessa problemática. Retirei as anotações para fim de

brevidade - deste ensaio, p. 6-11; o estudo

de

Singer coloca na perspectiva histórica

adequada o pensamento desses autores.

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10. Lenin, tese de 1920, in La Guerra

 

la Humanidad México, Ediciones Frente

Cultural, 1939, apud Singer, P.,

op. cit

 • p.   2

l i

As análises das páginas seguintes, sobre a década de 1950, estão baseadas

em

documentos da CEPAL ou de Prebisch. Para os primeiros a colaboração de econOlnistas

como Celso'Furtado, luan Noyola, Regino 80tti e outros foi de grande valia.

É

difícil

aquilatar as contribuições individuais pois nãohá estudos a respeito. O ensaio de Prebisch

(EtCN. 12t89/Rev. I) foi reimpressono Boletin Económico da América Latina, Santiago

de Chile, 7

(1),

feb.f62, publicação citada de agora

em

diante. Albert Hirschmiln chamou

este ensaio de Manifesto da CEPAL - ver Hirschman, A., Ideologies of economic

development in Latin America, in A bias for I/Ope Essays on developllll 1lI  n Lalin

American Yale University Press, 1971, p 280-281 publicadooriginariamente em 1961 .

12.

Porque

a renda no centrocresceu, contraditoriamente, mais do que na periferia?

 Durante a crescente, uma parte dos benefícios se foi transfonnado

em

alUnento de

salários, pela concorrência dos empresários

lUlS

com

os outros e pela pressão sobre todos

eles das organizações operárias. Quando, na núnguante, o benefício temque comprimir

se, aquela parte que se transfonnou

em

ditos aumentos perdeu, no centro, sua fluidez,

em

virtude da conhecida resistência

à

baixa dos salários. A pressão se desloca então para a

periferia

com

maior força que a naturalmente exercível caso não fossem rígidos os

salários e os lucros no centro

em

virtude das linútações da concorrência. Assim, tanto

menos possam comprimir-se as remlmerações no centro, tanto mais terá de fazê-lo na

periferia , Prebisch, R.,

 O

desenvolvimento econônúco da América Latina ,

op.

Cil

p

6

3

 

.it follows lhat lhe exchange values ofmanufactured articles. compared with

lhe products of agriculture and of mines, have, as population and indllStry advance, a

certain and decided tendency to fali, MlLL, l.S. Principies of Polilical Ecollomy

AschIey Editron, p. 703.

14. Hans. Singer, The distribution of gaillS between investing and borrowing

countries , American Economic Review, maio de 1950, p 472-499.

 

debate sobre os

 tenns of

trade continuou por muito tempo. Existem, obvia

mente, variações cíclicas que afetam a relação de trocas. Não obstante a tendência à

deterioração parece confinnar-se pelas estatísticas. Ver, por exemplo, tabela   3

do

Economic Survey ofLatin America 1973, à p. 36, a este respeito. No ESlIIdio Ecollólllico

de 1949 a CEPALapresentou dados que aprofwldavamas cOllSeqüências da tendência

à

deterioração dos termos de troca. Convém ressaltar que a idéia de IUlla deteriorização

permanente da relação de preços

do

intercàmbio não desempenha wn papel essencial nas

consideraçõesmais firndamentais da CEPAL a respeito do bloqueio da t r a l l f e n ~ n c i a dos

frutos do progresso técnico. A CEPAL sugeriu que a situação de subdesenvolvimento

podia ser superada somente pela industrialização a qual aumentaria a migração rural,

diminuindo o peso do excesso da força de traballlO agrícola, tàcilitando a tecnificaçào da

agricultura e afetando os custos da força de trabalho pelo alUnento dos lúveis salariais.

  conjunto desses fatores'implica preços altos para os produtos primários e melhores

oportwúdades para a l.ra1lSferência do progresso tecnológico do   l ~ n t r o ã Periferia.

  5 Como já afinnei, Prebisch não postulounenlnuna

l l

a

respdto

uma piora

inevitável dos tennos do intercâmbio. Ele tratou somente de explicar certos acllados

empíricos, propondo uma úpótese de interpretação e sugeriu alglUnas medidas práticas

para enfrentar a difícil situaçào econônúca nos países pcrifóricos. Haberler interpretou

mal as idéias de Prebisch desde o início mesmo de sua critica.

16. A crítica mais cOllSistente

à

existência de tal tendência - deixando-se de lado

as infindáveis objeções metodológicas quanto aos anos base, aos países de referência, à

confiabilidade dosdados etc., foi a de Gottfried Haberler, em  Los tenninos de intercam

bio y el desarrollo económico , inH.S. Ellis, El desarrollo económicoyAmérica Latilla

México, Fondo de Cultura Económica, 1957,

p

325-351. A citaçào acima está na p. 349.

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pensamento teve influência decisiva nas teorias

do

 crescimento acelerado , dos anos

1965-1975.

26. Dobb, Maurice, Economia Política y Capitalismo, Fondode cultura Económica,

México, 1945, capo VII (edição inglesa de 1937). Paul Singer ch.ama atenção para o

desdobramentocontraditório

do

pensamento de Dobb que, depois de mostrar que haveria

investimentos na periferia para contornar a tendência à queda da taxa de lucros, diz que

a produção industrial nas colônias será complementare não rival à da metrópole   op. cit.,

p 16

27. Paul Baran,

 Ou

lhe political ecnonomy of backwardness , in Agarwala  

Singh, op. cit., p. 83.

28. O livro de Baran, 17ze Po/itica/ Economy ofGrowtlz, Monthly Review Press,

Nova Iorque 1957, é curioso a respeito da posição da corrente neomarxista americana

frente às questões

do

desenvolvimento. Baran fez a critica sistemática da solução

proposta por Nurkse e aceita,

com

limitações, por Prebisch, sobre o papel dos investi

mentos estrangeiros; vide capítulos VI e VII.

29. Mais recentemente, economistas africanos e europeus desenvolveram uma

teoria chamada de I'échange inégal que, olhando para os efeitos

do

desenvolvimento

do capitalismo à escala mundial (como SamirAmín), propuseranllUll esquema

do

mesmo

tipo, mas alinhando formalmente de modo oposto às causas da desigualdade: partem de

que porque as indústrias do centro são monopolistas os preços baixam e por isso os

trabalhadores podem conseguir salários maiores. Cf. Sanúr Anún,

Le deve/oppemellt

inéga/, Editions de Minuit, Paris, 1973. O flUldamento teórico de Anún encontra-se em

seu livro L accumu/ation

 

/ éclzelle mondia/e, Editions AnÚrropos, Paris, 1970. Refa

zendo a critica à teoria da Divisão Internacional do Trabalho, alémde A1nin, vários outros

economistas retomaram o tema cepalino (embora não conhecessem todos os textos

escritos vinte anos antes por Prebisch, Furtado e outros). Ver A Enunanuel, L éclwnge

inéga/, François Maspéro, Paris 1972. Como reação a todas as correntes, desde as

cepalinas até as do  intercâmbio desigual , Christian Palloix critica-os por não terem

visto o desenvolvimento interno das forças produtivas da periferia. Esquece-se porém

das teorias da dependência e não faz a articulação entre a reprodução interna e a

expansão do capitalmonetário internacional. Ver Christian Palloix, L économie mOlufia-

 e capita/iste, François Maspéro, Paris 1971.

30. A melhor discussão sobre a CEPAL e sua estratégia de desenvolvimento

encontra-se em Alber Hirschman, Ideologies of EconOInic Development in Latin

America , inA Bias  rHope, op.   itoEsteensaioe o outro

do

mesmo livro, The Political

Economy

of

lmport-Substituing Industrialization in Latin

A111erica

são básicos para a

compreensão da rustória das idéias e

do

processo de desenvolvimento.

31.  significativa a este respeito a conferência de Prebisch. sobre   aPlanificación

Económica , publicada

em

Panorama Económico,

n. 231, de Santiago, onde afirma:

 Medianteo planejamento, queremos redistribuir a renda, depois de havê-Ia ~ u m e n t d o

em

favor das massas populares (p. 149).

32. Ibidem, p. 150.

33. Prebisch nlUlca aceitou as teorias populistas sobre os males do progresso

técnico. Não obstante, alertava, desde 1952, para o problema do emprego e para a

necessidade de adaptara tecnologia às condições sócio-econônúcas locais. Seu trabalho

sobre Problemas teóricos y prácticas dei crecimiento económico , de setembrode 1952,

reimpresso pela CEPAL em 1973, é extremamente. arguto e atual neste aspecto. Ver

especialmente p. 9-10 da reimpressão.

34. Convém, não obstante, repetir que, desde o trabalho de 1949, Prebisch tem

presente que para alterar a relação Centro-Periferia seria preciso transferir tecnologia

sem

desclÚdar de sua adaptaçãodevido aos probleInas de desemprego e seria conveniente

industrializar mas

sem visar a autarq/lização.

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35. R Prebisch, op cit p. 3.

36. Prebisch, Problemas teóricos

 

prática dei crecimiento económico ,

op cit

p. 7. Ahora las inversiones estranjeras

son

llamadas preferentemente ai desarrollo

de

actividades intemas .

No

ensaio escrito

por

Faletto e

por mim em

1966-67, sobre

dependência, damos ênfase exatamente às conseqüências deste processo. Baram perce

bera-o apenas tangencialmente. As análises sobre o imperialismo retinham muito mais

os

aspectos ligados

ao

colonialismoe à exploração tipo enclave

ou

de produtos primários

do que

a industrialização

com

miras

ao

mercado interno. Mesmo mais recentemente,

autores sofisticados

como

Mandei continuaram a pensara relação entre centro e periferia

à luz das velhas relações imperialistas-exportadoras.

37. Prebisch: Problemas teóricos etc. p. 8 Note-se, entretanto, que no mesmo

texto Prebisch mostra

que

os países periféricos devem fazer o esforço de capitalizar a

produção primária para poder melhorar o nível de vida da população e

que

 Ia inversión

estranjera, que antes era el elemento principal na produção primária), passa a ser ahora

elemento suplementario,

si

bien

de

considerable importancia p. 42).

38. Para

uma

antologia contendo os principais textos,

ver

América Latinjl; EI

Pensamiento

de

la CEPAL, Editorial Universitaria, Santiago, 1969. Para avaliar a forma

como se

transmitiam

os

 ensinamentos da CEPAL ,

em

meados

de

1960, ver as

apostilhas da cátedra

de

 Desenvolvimento Económico , feitas

por

Oswaldo Swlkel e

seus

colaboradores o livro

de

Swlkel e Pedro Paz

EIsubdesarrollo larinoamericano

y

la

teoría dei desarrollo·

México, Siglo XXI, 1970, agrega

outros desenvolvimentos

do pensamento latino-americano). •

39.

Ver

o estudo da CEPAL,

Eljinanciamelllo extemo de América Latina ONU

Nova Iorque, 1964.

40. Raul Prebisch,

Hacia una dinámica dei desarrollo larinoamericono

Fondo de

Cultura Económica, México, 1963.

41. Deve

se

nolllr

que

Prebisch levou em conta a possibilidade, e provavelmente a

necessidade,

de

realizar esforços internos de acwllulação

de

capital

que

implicavam

restrições

no

nível

de

conswno das classes altas. Mas ele não apresentou o arglUllento

de

uma

maneira estagnacionista .

42. Celso Furtado, Subdesenvolvimelllo e Estagnação   América Latina Rio de

Janeiro, Editora CivilizaçãoBrasileira, 1966, procuroumostrar que a produção industrial

concentrava-se

em tomo

dos bens

de

luxo,

com

alta densidade de capital por traballiador

com

relação à densidade média da economia, o que levaria a

wna

baixa da relação

produto/capillll e amaior concentração fWlcional da renda. A baixa relação entre produto

e capital deprimiria a taxa

de

lucro, desestimularia investimentos e reduziria a poupança.

Havendo ofem abWldantedemão-de-obra e alta relação capital/trabalho, concentrar-se

ia a renda e perpetuar-se-ia o esquema. Apesar

do

esquematismo

do

argumento acima e

de seu equívoco, é muito valiosa e instrutiva a caracterização das contradições típicas

que

afelllm o desenvolvimento capitalista dívida externa, inflação, falta de capacidade

de conswno

das massas etc.) feita

no

mesmo livro.

43. Ver,

por

exemplo, o estudo deMaria da Conceição Tavares - sob inspiração

de

Arubal Pinto -

 Auge

y

declínio dei proceso

de

sustituición de importaciones in

Boletin

Económico de América Latina

Santiago, 9) n. I , março de 1964.

44. Cito, além dos relatórios anuais, e cingindo-me às análises econômicas, dois

traballios importantes:

a) EI desarrollo económico de América Latina en   posguerra Nações Unidas, n 64,

n

G 6, novembro

de

1963.

b)

EI proceso de industrializoción de América Latina

Naçôes Unidas,   66, n G 4,

dezembro de 1965.

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45. Arubal Pinto, La concentración dei progreso técnico y de sus frutos en el

desarrollo latinoamericano . Trimestre Económico n. 25, jan.fmar. 1965 e Heteroge

neidade estrutural e modelo de desenvolvimento recente , in  osé Serra coordenador

América Latina ensaiosde interpretação econômica Paz e Terra, Rio 1976. Trata-se da

tradução brasileira da coletânea publicada antes no México. A introdução de Serra,

 

desenvolvimento da América Latina: notas introdutórias , é

um

excelente guia para a

análise do período.

46. A crítica geral

à

hipótese estagnacionista encontra-se

em

Maria C. Tavares e

José Serra, Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento

recente do Brasil ,

inJ.

Serra,   p cit A versão inicial do trabalho é de 1970. Quanto eu

saiba não houve crítica explícita anterior a esta.

47. Ver Vuskovic, Pedro, Concentración y marginalización en cl dcsarrollo

latinoamericano , 1969 e  A distribuição de renda e as opções de desenvolvimento in

Serra, op cit publicado originariamente em 1970.

48. Vi1mar Faria analisa beme comdetallles estes desdobramentos. V

cr

sua Ph. D.

Dissertation, Occupational marginality, employment and poverty in urban Brazil ,

Harvard, 1976, esp. p. 41-49. Para uma resenha sobre os pontos de vista estagnacionistas

na

CEPAL, ver p. 37-40 da tese de Faria.

49. Apresentei

no

ILPES,

em

1965, a primeira versão de

um

estudo sobre depen

dência

em

relação ao desenvolvimento. Depois desta versão, Faletto e eu publicamos

Dependencia y Desarrollo en América Latina México, Siglo XXI, 1969, cuja versão

mimeografada data de 1967, versão brasileira: Dependência e Desenvolvimento na

América Latina Rio de Janeiro, Zahar, 1970

(3

ed. 1973).

50. Cf. F.H. Cardoso,

 

consumoda teoria da dependência nosU.S.A. , Princeton,

1976, capítulo deste livro. Ensaios de Opinião Rio de Janeiro, (4): 6-15, 1977.

51. Francisco de Oliveira chama a atenção para uma diferença essencial, derivada

desta situação, quanto

à

forma do ciclo de endividamento extemo atual e o que prevalecia

no período agró-exportador e na fase inicial do processo de substituição de importações.

É que se antes do problema se

pw1ha

ao

nív e1

das trocas mercantis para financiar a

expansão futura do setor de mercado intemo, agora, depois da internacionalização do

capital produtivo, é o ciclo de realização do capital financeiro a nível mlUldial quem

comanda este processo. E a resolução dos gargalos no balanço de pagamentos passa a

ser básica para a realização dos lucros do próprio capital financeiro e produtivo intema

cional aplicadosna periferia. Cf. Oliveira,

F

Mazzuchelli,

F

Padrões da acmnulação,

oligopólios e Estado no Brasil: 1950-1976. In: Martins, C.E., org. Estado e Capitalismo

no Brasil São Paulo, CEBRAP/HUCITEC.

52. Ver Marshall Wolfe. Desenvolvimelllo: para que e para quem? Paz e Terra,

Rio 1976, que reúne seus principais traballios durante os últimos quinze anos. Ver

também Jorge Graciarena, Poder y estilos

de

desarrollo. Una perspectiva heterodoxa ,

Revista CEPAL

1

1976.

53. Ver o estimulante paper de José Medina Echavarria, Las propuestas de

un

nuevo ordem internacional

em

perspectiva , CEPAL, novembro de 1976 (textomimeo

grafado).

54. Ver in Revista

del

CEPAL n. 1 Santiago, primer semestre de 1976,

p

7-74.

55. A mais desafiadora das críticas parece-me ter sido feita por Francisco de

Oliveira, A economia brasileira: crítica li razão dualista. ESTUDOS CEBRAP São Paulo

(2): 3-82, oul. 1972.

56. Não cabe, neste traballio, digressão maior sobre o terna, que de resto escapa à

competência de

um

sociólgo. O que Sraffa evidencia é a fragilidade do suposto neocllis

sico da possibilidade

de

medir-se a relação entre produto-por-homem e capital-por-11O

mempara o conjunto da economia sem tomar

em

conta o valor, posto que os bens físicos

medidos sãoheterogêneos. Conseqüentemente, é precisoconhecer-se os preços ~ e l l t i v o s

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os quais a largo prazo

p n m

das condições téclÚcas vigentes relação entre bens

de   nslUll e de produção e da distribuição do produto entre capital e trabalho. Não é

possível portanto optimizar os fatores de produção como se capital salários e

tecnologia fossem dados e rentáveis segwldo uma relação técnica entre eles.

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  pítuloll

A DEPENDÊNCIA REVISITADA

o título deste capítulo, que constitui apenas um conjun

to de notas, não é adequado para marcar seu propósito

limitado. Desejo dar ênfase apenas a alguns problemas

teóricos relacionados com os estudos sobre dependência,

no contexto de uma percepçãomuito pessoal sobre o tema.

Não farei, põrtalito, um esforço para dar um balanço sobre

os inúmeros (talvez excessivos) trabalhos escritos sobre o

assunto nos últimos anos, nem estarei preocupado com a

discussão sistemática da teoria da dependência .

Desejo somente tentar esclarecer algumas das confu

sões que me parecem obscurecer os alcances e limites das

análises baseadas na perspectiva teórica dos estudos sobre

a dependência . Os subtítulos indicarão que aspectos do

assunto serão considerados neste capítulo.

I - A História Intelectual do Conceito de Dependência

Quase todos os conceitos manejados pelas ciências

sociais podem remontar a autores que, por critérios vários,

são considerados clássicos. Parece-me destituído de senti-

 

Publicado originahnente como Notes

 u

l état actuel des études

 u

la dépen

dance , Dakar: Institut Africain de Développement Économique et de Plalúfication.

set/1972.

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do enobrecer uma idéia pela antiguidade dela. As noções

básicas têm uma longa tradição. Mas o que conta para

avaliar a vitalidade intelectual delas é a recolocação que é

passível de sofrer sempre que alguma corrente intelectual

vigorosa trata de repensar processos sociais antigos ou,

servindo-se de velhas abordagens e noções, trata de carac

terizar processos emergentes.

Isto ocorre também com a noção de dependência. Por

certo, mesmo sem remontar para trás do século XX, na pena

de Lenin e de Trotsky, por exemplo, a expressão

depe l-

dênci ocorreu com certa freqüência. Da mesma maneira a

referência à dependência é comum em autores que, elabo

rando o óbvio, se referem a situações de dominação. Lenin

formulou, com simplicidade, o principal sobre a depen

dência como uma forma de articulação entre duas partes de

u mesmo modo de produção e sobre a subordinação de

u modo de produção a outro. Não vou repisar o que é

conhecido.

Entretanto, há um hiato de meio século entre a voga

atual das análises sobre a dependência na literatura latino

americana e as formulações dos clássicos do marxismo.

Convém indagar, portanto, por que e como ressurgiu a

mesma ou será outra?) noção.

Eu diria, simplificando, que existem três vertentes di

versas embora não mutuamente exclusivas  

termos de

história intelectual) que contribuírampara fazer ressurgir a

noção de dependência. Estas três vertentes são: as análises

inspiradas na crítica aos obstáculos ao desenvolvimento

nacional , as atualizações, a partir da perspectiva marxista,

das análises sobre o capitalismo internacional na fase mo

nopólica e, finalmente, as tentativas de caracterizar o pro

cesso histórico estrutural da dependência   termos das

relações de classe que asseguram a dinâmica das socieda

des dependentes, ligando a economia e a política interna-

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cionais a grupos e interesses locais e gerando, no mesmo

movimento, contradições internas e luta política.

A diversidade das correntes intelectuais que inspiram

as análises de dependência levou-as a um certo ecletismo.

Por isso, houve reações críticas que procuraram pôr a n u o

 mal de origem das teorias da dependência , encontran

do-o  diferentes níveis. Na tentativa de fazer o exorcismo

do pecado original do pensamento latino-americano, os

críticos identificaram erros e desvios que vão do

na-

cionalismo

  pequeno-burguês ao

esquematismo marxis-

ta

 

que explica tudo pela

dependência externa

Ou então

buscaram insinuar que a dependência era expressão rebar

bativapara obscurecer o mesmo fenômeno mais claramente

caracterizado pelas análises do imperialismo

Na medida em que estas críticas são feitas inespecifi

camente, jogando   vala comum os diferentes estudos

sobre a dependência, elas são ao mesmo tempo corretas e

falsas. Mesmo quando corretas, entretanto, são estéreis.

Parece-me, de fato, que o problema não está  

saber

se as análises da dependência constituem o último grito

independentista da ideologia embebida no patriotismo eco-

nômico latino-americano depois de falidos os intentos do

desenvolvimento nacional autônomo, ou, noutra versão, se,

 

última análise, a dependência é mera conseqüência do

estágio atual do desenvolvimento do capitalismo interna

cional na etapa monopólico-imperialista. Nem sequer está

  repetir que o motor da história é a luta de classes e

portanto a única perspectiva adequada para a análise do

processo histórico nos países dominados é o de assumir a

 perspectiva de classe . Essas afirmações são lugares-co

muns, com as virtudes e limitações do óbvio: contêmgrãos

de verdade, perdidos no amálgama confuso da inestrutura

ção teórica.

A questão correta reside

 

perguntar por que, sendo

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lização crescente, que as sociedades se dividem

 m

classes

antagônicas e que existe uma relação entre o particular e o

geral, com estas premissas não se vai além da caracte

rização parcial e portanto abstrata, no sentido marxista , da

situação sócio-econômica do processo histórico latino-a

mericano.

Neste sentido, a questão inicial (no plano lógico) é antes

de mais nada uma questão teórica e uma questão metodo

lógica. A crítica às análises de dependência e a inter

pretação sobre o alcance delas deve centrar-se portanto

sobre a teoria e a metodologia que a informam.

Antes, entretanto, de discutir (ou indicar) estes proble

mas (como farei na secção seguinte), convém esclarecer

que eles

só aparecem historicamente como postos e resol

vidos depois de um processo de produção intelectual que

não se desliga do processo histórico de transformação das

sociedades que estão sendo analisadas.

 om efeito, na perspectiva marxista, o conceito não se

produz pelo desdobramento da Razão sobre si mesma.

Assim, não seria devido pedir que a dependência enquanto

 teoria pudesse constituir-se pelo desdobramento lógico

 

dialética abstrata das oposições entre conceitos anterior

mente constituídos. Embora hoje seja possível dar a im

pressão de que assim é (basta formàlizar os conceitos e

derivar conseqüências lógico-metodológicas da teoria so

bre a expansão e a negação do capitalismo), a ordem

histórica da pesquisa e da elaboração dos conceitos é dis

tinta. E esta distinção não é acidental , nem deriva da

 falta de rigor metodológico dos autores que elaboraram

o tema da dependência. Ao contrário, ela deriva de que as

categorias e teorias são constituídas na prática política e na

. prática intelectual de um conjunto de pessoas socialmente

situadas.

Neste sentido não existe (senão logicamente) uma níti

da separação entre conceito e história, entre teoria e políti-

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ca.   conceito nasce impuro na luta prática teórica e

política). No teste real para sua adequação, a teoria se

consolida na medida em que permite ver mais claro o

processo real. Mas, repito, o esforço de ver mais claro o

processo real não decorre simplesmente embora o supo

nha) da ordem lógica pela qual se estrutura fonnahnente

um conjunto de relações. Decorre, ao mesmo tempo, da

capacidade que se tenha de fundir nos movimentos sociais

a perspectiva política derivada do campo de percepção

aberto pelo discurso teórico.

Portanto, as tentativas de denunciar como impuras as

origens de um conceito ou de um campo teórico por eles

terem nascido rentes à ideologia têm interesse puramente

escolástico-fonnal. Não é de outra fonna que nascemquais

quer teorias. A ideologia é preciso repetir outra vez o

óbvio) espelha, de fonna inversa e às vezes perversa, uma

parte do real. A ciência trabalha sobre idéias anteriores,

produzidas pela vida intelectual, política ou cotidiana) e

no processo de luta

 á referido vai transfonnando  m  co

nhecimento racional os sinais que qualquer relação social

implicitamente emite.

Foi assim também com a noção de dependência e com

sua retomada nas análises críticas das teorias do desenvol

vimento econômico. Não cabe dúvidas que o fracasso das

tentativas de desenvolvimento capitalista genuinamente

nacional esteve na base das recolocações teóricas dos

cientistas sociais latino-americanos.

2

Este processo foi, a

um tempo, teórico e prático.

Por certo, teoricamente, uma série de críticos sempre

recusaram, por princípio, a possibilidade de sequer colocar

a questão de um desenvolvimento nacional . Entre peque

nos grupos de esquerda, bem como entre os liberais orto

doxos, as campanhas nacionalistas, o esforço da consti

tuição de empresas monopólicas estatais, etc., assim como

as ideologias que lhes correspondiam e os esquemas teóri-

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cos que pretendiam sustentar a prática política orientada

nesta direção, sempre foram vistos com suspeição. Não

obstante, a transformação desta crítica em força social

não se fez a partir deste estilo de trabalho teórico .

No caso brasileiro, por exemplo, apesar de algumas

gritantes inconsistências das posições teórico-ideológicas

e da política sustentada pelo ISEB Instituto Superior de

Estudos Brasileiros), que foi o guardião do nacionalismo

desenvolvimentista em certa época, e apesar dos zigueza

gues e inconsistências da política do partido comunista

 que, grossomodo, ia namesma direção), foi essa a tendên

cia que se constituiu como eixo orientador do pensamento

crítico até 1964. Não se pode dizer que as análises e as

políticas propostas nesta direção tenham deixado de ser

criticadas. Houve críticas à esquerda e à direita.) Entretanto,

quando o fracasso político do nacional-populismo e a

inserção crescente da burguesia nacional no jogo imperia

lista tomaram praticamente inviável o desenvolvimento

nacional-burguês , as críticas teóricas ganharam a força da

vida.

 s primeiras formulações gerais que tentei fazer de

crítica

à

sociologia do desenvolvimento e de crítica política

ao populismo e ao desenvolvimento nacional-burguês nas

ceram  em rente

à

ideologia que os sustentava. Se bem

estivesse contra as posições intelectuais inspiradas pelo

ISEB e nisso não fazia mais do que acompanhar a tendên

cia acadêmica predominante nas secções de ciências huma

nas e filosofia da Universidade de São Paulo e especial

mente o círculo do seminário de Marx então em funcio

namento), acreditava que a luta antiimperialista poderia

levar à reorganização da economia e da política nacionais.

Sob o impulso das grandes empresas estatais e de uma

agricultura estimulada pela reforma agrária, pensava-se

que seria possível marchar para a industrialização, robus

,tecendo

um

setor do empresariado nacional e aumentando

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a participação popular na política.

 s

análises econômicas

então predominantes, com Celso Furtado à frente, permi

tiam ver a necessidade da transposição de determinados

obstáculos estruturais, na boa tradição cepalina, e sugeriam

a alternativa de um fortalecimento dos núcleos nacionais

de decisão política do Estado), ao lado do robustecimento

do mercado interno, como pré-requisitos para o desenvol

vimento.

Foi no processo de realizar um estudo sobre os empre

sários nacionais, entrevistando-os, que pude ir mais longe

na crítica às bases sociais e políticas de tal estilo de projeto

desenvolvimentista . Isso ocorreu, entretanto, não apenas

porque os dados coligidos chocavam com os quadros de

referência ideológica, mas porque na época das entrevistas

Gulho de 1961-outubro de 1962), depois da renúncia de

Jânio, as condições políticas do país haviam acirrado a luta

de classes. Parte ponderável do empresariado nacional

conspirava claramente com grupos estrangeiros, organiza

va-se politicamente e enfrentava ao mesmo tempo o sindi

calismo nacional-populista e o governo que a esquerda

acreditava ser da burguesia nacional . Naquela altura eu

resumia a conclusão a que chegara quanto à inviabilidade

.do desenvolvimento nacional-burguês dizendo que mar

chávamos para um subcapitalismo.

4

Creio que trajetórias semelhantes são encontradiças  m

outros autores brasileiros. Não é de espantar, portanto, que,

no caso dos países nos quais a crise nacional-populista não

se fez de forma tão estrepitosa quanto no Brasil, os intelec

tuais caminhem para a crítica do desenvolvimento ainda

muito rentes à

ideologia nacional-burguesa.

É óbvio que do ponto de vista teórico no mau sentido

do termo, isto é, abstrato, se poderia demonstrar a partir de

autores do século XIX a inviabilidade de qualquer tipo de

desenvolvimento nacional. Contudo, se essa crítica se fi

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geral que ela contém, seria incapaz de explicar como e por

que o Estado e as Empresas Estatais cresceram e se forta-

leceram

n

América Latina. Ela estaria como esteve) repi-

sando estaticamente que o capitalismo é, por sua essên

cia , internacional. Quando, a partir de meados da década

de 1950, a internacionalização domercado interno viesse

reafinnar que o capitalismo é por sua essência interna-

cional, os teóricos dessa posição se rejubilariam e, por

cima dos ombros, apregoariam os textos sagrados. Só que

a internacionalização de hoje é outra, distinta daquela de

1930 como se insistirá adiante) e as diferenças entre os

períodos teriam sido tragadas na verdade eterna dos

princípios decorrentes da essência imutável do capitalismo

e com eles ter-se-ia esboroado a dialética do processo.

 e

fato, o importante a reter teoricamente é o movimento pelo

qual se constituem as possibilidades históricas através da

rede de interesses e oposições entre classes, frações de

classes e grupos sociais. Esta trama de relações não se tece

a partir de agentes

estaticamente dados

A burguesia

nacional , o operariado, o Estado, etc., variam confonne as

relações que mantêm entre si e a posição que detêm no

processo político. Todo este jogo se complica sumamente

quando se trata, como no caso de países dependentes, de

relações sociais que se inserem e são redefinidas pelo

contexto internacional. A busca do concreto, no caso, sig-

nifica a constituição das categorias que pennitam entender

como

se estruturam estas relações, entendendo-se por este

como

tanto a explicação dos padrões que as regem quanto

o processo pelo qual as relações e os padrões estruturais se

constituem e se transfonnam na prática social real.

Este procedimento se abre portanto aos equívocos da

prática social, mergulha nela e,

  dentro

faz sua crítica.

Assim como é possível exemplificar e indicar como o

pensamento e a prática nacional-popular desembocaram

em

sua autocrítica, é possível mostrar também como as

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demais vertentes intelectuais que levaram à formulação das

 teorias de dependência se constituíram rustoricamente.

A título indicativo: a especificidade e a dinâmica da

análise das relações entre capitalismo monopólico inter

nacional e o novo caráter da dependência não foram o

produto da reafirmação do caráter inevitavelmentemono

polístico e expansionista do imperialismo . Decorreram,

antes, do reconhecimento na prática social da América

Latina de que, por exemplo, o Governo Frei e as empresas

monopolistas do cobre estavam entrando

 

novos tipos

de acordo, de que as empresas automobilísticas brasileiras

requeriam u mercado interno robustecido para vender

seus produtos ao contrário do que ocorria na etapa anterior

do imperialismo) de que havia grupos industriais nacionais

aliados ao imperialismo e disso se beneficiando dinamica

mente e assim por diante. E derivou também do fracasso

político das análises debraystas que se baseavam no tipo

anterior de relação imperialista. As formulações sobre o

caráter novo da dependência são anteriores a estes eventos

políticos, mas a evidência de que a teoria relativa à  inter

nacionalização do mercado interno resistiu

à

prova da

 falsificabilidade política permitiu que uma proposição

abstrata começasse a ganhar foros de concretude, ao ajudar

os movimentos políticos a veremmais claro socialmente os

limites e possibilidades de sua ação no novo contexto da

dependência latino-americana.

Importa pouco, no estilo de rustória-intelectual que

estou esboçando, saber

qu

formulou tal ou qual categoria

ou tipo de análise. Em geral são muitos os intérpretes.

5

O

que importa é mostrar que, na medida   que uma pers

pectiva teórica vai se concretizando, ela vai englobando e

especificando mais relações variáveis ) e, simultanea

mente, vai se incorporando à prática social e política,

tornando-se verdade concreta . E é desta maneira que, ao

particularizar-se, ela se generaliza: cada novo acordo entre

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u monopólio e o Estado, entre este e os setores competi

tivos internos, bem como cada passo novo dado na crítica

política desse processo pelos sindicatos, partidos e movi

mentos, particulariza, constitui e generaliza os marcos da

 nova situação de dependência .

Entendida desta maneira a história da produção intelec

tual de uma categoria ou de uma teoria, tem pouco sentido

rastrear os paradigmas anteriores  

termos puramente

intelectuais, para deles derivar novos paradigmas. A luta

política e a luta teórica como que se fundem. Tanto é assim

que a crítica à Sociologia do desenvolvimento e a crítica

ao funcionalismo apareceram, com vigor, simultaneamen

te com a crítica ao nacional-populismo e às posições polí

ticas que lhes correspondiam. São estes  

conjunto os

antecedentes político-intelectuais das análises baseadas na

perspectiva da dependência.

 

A eles convém acrescentàr que a superação no sentido

rigoroso da expressão no discurso hegeliano-marxista, ou

seja, o de negação sem anulação) do que se convencionou

chamar de teoria da CEPAL foi, no plano mais estrita

mente econômico, essencial para possibilitar outras pers

pectivas de análise. Convém reafirmar que sem os estudos

da CEPAL, e de Prebisch em particular, a superação da

análise econômica tradicional pelo marxismo de cátedra ou

dos pequenos grupos guardiães dos livros sagrados seria

tão formal quanto o foi a crítica abstrata da inviabilidade

do capitalismona América Latina na atual etapa do impe

rialismo , tão comum e sensaborona. A preocupação ana

lítica da CEPAL e sua visão estruturalista são ganhos

líquidos do pensamento social latino-americano e a única

crítica válida, também neste caso, é a autocrítica. Em certa

medida os estudos sobre a dependência constituíram uma

espécie de autocrítica dinamizada pelo ardor dos que, sem

ter jamais passado pela escola cepalina, souberam, entre

tanto, criticá-la

sine ir et studio

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-   lgumasquestões teórico-metodológicas

Não tem sentido inventar procedimentos teórico-meto

dológicos supostamente novos para caracterizar a corrente

de pensamento a que me estou referindo. Implícita ou

explicitamente a fonte metodológica é a dialética marxista.

Entretanto, existem tão variadas maneiras de conceber

a utilização da dialética marxista que pode ser útil explicitar

o que entendo por ela.

Antes de mais nada, convém matar no nascedouro um

novo equívoco que quer ter ares de polêmica. Não deve

existirconfusão entre a insistência sobre a natureza

concre-

ta

das análises de dependência

7

e qualquer vestígio de

empirismo historicista ou neopositivismo . Na secção

anterior adiantei os argumentos que explicitam o que se

entende por caminho que leva ao concreto na dialética

marxista. Antes de mais nada uma análise concreta é um

produto da prática e da reflexão teórica simultaneamente.

Quando se enfatiza que as análises sobre a dependência

devem partir de uma situação concreta e resultar numa

 análise concreta , o procedimento que está por trás desta

afirmação é o mesmo tantas vezes reafirmado por Marx ao

dizer no texto famoso da

 ontribuição

 

rítica da co-

nomia Política

que  o concreto é concreto porque é a

síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diver

so .

Noutros termos, se é certo que as análises sobre a

dependência devem partir de processos sociais reais, este

ponto de partida reaparecerá no pensamento como resulta

do. como síntese. Metodologicamente, trata-se de um es

forço de elevação do particular para o geral no qual as

relações parciais particulares) vão sendo circunscritas em

teias de relações e vão se especificando e determinando de

tal modo que a síntese resultante o todo, a totalidade)

apareça, não como um amálgama confuso, indeterminado,

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 geral ,mas como

u

conjunto hierarquizado e articulado

de relações. Este conjunto articulado de relações

se

alcança por intermédio da produção de conceitos

que po

nham a nu o modo de relação entre as partes que compõem

o todo e as leis de seu movimento.

Desse modo, a regressão do particular ao geral não

significa apenas que se atingem as condições inertes desse

particular, mas também que se mostra como o próprio

universal é mantido pelo processo de particularização. O

imperialismo o universal) não se manteria se não fossem

encontradas formações particulares justamente aquelas

que a teoria da dependência quer estudar) que o repõem.

Portanto, é inadequada a interpretação da análise con

creta das situações de dependência 

termos de análises

empíricas nas quais o conhecimento das partes encaradas

como

d dos

isto é, como algo que a percepção aprende

independentemente dos conceitos, das teorias ou das abs

trações ) gera, por indução, a síntese concreta . Bem

como é inadequada a idéia de que a análise marxista supõe

que se determinem os atores e as conjunturas em termos de

 aqui e agora , numa variante empobrecida de historicis

mo. Ambas perspectivas são, de fato, variantes do neopo

sitivismometodológico.

A síntese a que me refiro nas análises concretas supõe

a elaboração dos conceitos elaboração esta que, como se

indicou na secção anterior, é teórico-prática) que permitem

organizar a unidade do diverso. Ao mesmo tempo esta

 unidade não apaga as diferenças, não dissolve as particu

laridades na abstração representada por idéias gerais.

Assim, a idéia de dependência, na medida

 

que se

define no universo de discurso teórico a que estou aludindo,

nem é uma categoria geral que dissolve as diferenças

entre as várias partes que compõem uma situação de

dependência, nem é apenas o resultado da reprodução no

pensamento de uma ou de cada uma das relações entre

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classes, estados e economias. É uma síntese de pensamen

to que reproduz u modo de articulação deixando ver a

tecitura pela qual a diversidade de relações se hierarquiza

e se unifica

 

u conjunto estrutural determinado.

Entretanto, eu concebo esta síntese de pensamento

diferentemente do que afirma Althusser   sua inter

pretação sobre a totalité de pensée ) como um processo

histórico de produção teórico-prática do conhecimento

 nos termos referidos na secção anterior deste capítulo).

Não a vejo como resultado de dialética do pensamento

ou como o esforço deste para captar o sentido das coisas .

Penso que existe um mesmo e contraditório movimento

pelo qual, na passagem da ideologia à ciência, se produz

tanto a história como o conhecimento. E, jogando

u

pouco com as palavras, tanto o conhecimento é sua histó

ria , como a História só se deixa apreender por meio dos

conceitos que a organizam; por certo, o processo social

emite os sinais que, sob a forma de ideologia, indicam os

contornos entre as coisas, mas o conhecimento do processo

histórico requer a produção intelectual de conceitos e cate

gorias básicas.

Por tudo isso, reafirmo o anteriormente indicado: nas

análises sobre a dependência a matéria-prima da qual se

parte é a luta política e a luta econômica tal como se

desdobram na superfície do processo histórico, como luta

nacional e antiimperialista. Mas o conceito ao qual se chega

distingue-se do ponto de partida, pois após especificar e

determinar as relações entre os estados, destes com as

classes e de ambos com o processo produtivo) mostra as

limitações do ponto de partida, mostra como se reproduz

uma estrutura dada de dominação e quais os limites possí

veis de seu funcionamento a negatividade).

É

este o andamento metodológico do ensaio sobre

Dependência e Desenvolvimento Nele se especificam as

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qual classes, estados e produção se inserem na ordem

internacional para, no último capítulo, mostrar como a

 internacionalização do mercado solidariza os interesses

entre classes que no momento anterior apareciam como

adversas (a burguesia nacional e a burguesia imperialista e

mesmo setores das classes assalariadas e os monopólios

internacionais, por exemplo). Neste movimento, a própria

idéia de depenoência, na medida  

que é pensada e tem

seu ponto de partida como dependência nacional , revela

suas limitações.

Não faltarão críticos apressados ou superficiais para

bradar que existe uma contradição entre o alcance de

idéia de dependência (emgeral) e o resultado a que se chega

ao analisar a dependência na fase m o n o p ó l ~ e interna

cionalizante do capitalismo. Pobres dialetas que se assus

t

com a dialética Porque pensam que os conceitos são

 verdades imutáveis , essências sempre presentes no vazio

da falta de imaginação, não percebem que os conceitos têm

u

movimento, uma história e um alcance teórico-prático

limitado.

Entretanto, a redefinição das formas de dependência (e,

obviamente, de seu conteúdo) não significa a supressão da

dependência. Não se eliminam as diferenças internas entre

grupos e classes nem as contradições entre estados nacio

nais e entre os interesses locais e os internacionais quando

as relações de dependência são redefinidas e circunscritas

pela nova divisão internacional do trabalho que incorpora

partes das economias dependentes a um mercado produtor

e consumidor internacionalizado. Se redefinem os atores ,

se revolvem as suas possibilidades de atuação, bem como

se redefinem os conteúdos político-ideológicos da prática

social. Assim, o que foi o nacional-desenvolvimentismo da

etapa anterior de dependência é substituído por um nacio

nal-patriotismo que aceita a associação crescente com os

monopólios internacionais; o que fora o nacional-populis-

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mopretende renascer sob a fonna de nacional-corporativis

mo e assim pordiante. Mas, enquanto a prática política não

destruir as desigualdades de apropriação entre as classes e

entre as nações o conceito de dependência continua pleno

de significado.

A análise concreta das situações de dependência

requer que novas fonnas das relações entre classes, estados

e nações se incorporem ao conhecimento, à

síntese, expli

citando-se a articulação existente entre elas e mostrando-se

omovimento que as gerou, redefinindo as relações anterio

res.

A unidade do diverso não estará completa, entretan

to, se a nova síntese for incapaz de mostrar as condições

da negatividade . Ou seja, se o estudo das novas fonnas de

dependência se limitar a considerar as condições de sua

reprodução.

Outra vez aqui, contudo, o processo não é meramente

teórico: o conceito

 

negação nasce junto com omovimen

to real da transfonnação social. A carência de caminhos

viáveis de transfonnação político-econômica estiola na

ideologia o conhecimento das leis de movimento das

estruturas dependentes.

  Estrutura e História nas nálises de Dependência

Convém agora explicitar um pouco a relação entre

estrutura e história nas análises de dependência.

 m

primeiro lugar, na referência

 

análise histórico-es

trutural

um conjunto complexo de supostos sobre o que

seja estrutura, história e a relação entre ambas. Como  m

qualquer outra perspectiva que utilize a noção de estrutura,

se assume que as relações entre as classes, os grupos e as

instituições obedecem a regularidades, possuem uma certa

rigidez e são articuladas. Entretanto e também isto é

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social e como resultado da imposição social. Por conse

qüência, são vistos, ao mesmo tempo, como processos

Noutras palavras, são historicamente respostas nummovi

mento que altera sua conformação presente.

A ambigüidade da noção de história pode levar a con

fusões metodológicas. No campo teórico a que me estou

referindo, história significa alternativa, futuro. Ou seja, não

é legítimo conceber as

estruturas dadas

como invariantes,

posto que elas foram socialmente constituídas e no proces

so

de sua constituição a luta social selecionou entre alter

nativas definidas as que se impuseram. Este processo de

imposição, de dominação, por sua vez, não se dá no vácuo:

ele depende da relação de força entre as classes sociais e

destas com o processo produtivo. Outra vez a célebre

frase-síntese: o homem faz a história, mas  m condições

sociais determinadas.

De qualquer forma, um dos aspectos implícitos na idéia

de história, neste contexto, salienta que  m sentido delimi

tado existe uma invenção do mundo . Mas, ao mesmo

tempo, nem todas as opções são socialmente viáveis.

Convém insistir, apesar da obviedade da asserção, que a

rigor esta opção não tem a ver diretamente com os

 valores e com as escolhas individuais, nem pode ser

concebida no plano de uma dialética da consciência . Ela,

se

  m

se expresse por intermédio de objetivos e ideologias

que se exteriorizam individual ou grupalmente, tem suas

leis de movimento assentadas nas contradições postas pela

articulação dos componentes do modo de produção.

Portanto, por outro lado, há uma estrutura que, neste

nível, condiciona a história. Esta última não pode ser

interpretada como o jogo de intenções e resultados ao nível

da consciência e das formas demanifestações da cultura. A

fortiori a leitura da história  m termos de que os resulta

dos ou seja, a conjuntura ou a constelação estrutural atual)

foram conseqüência de intenções, maquiavélicas ou não,

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ao fazê-la, reproduz teoricamente a interação assinalada

anteriormente entre o conceito e a prática. Enquanto não

estão desvendadas as articulações entre as partes funda

mentais dos conjuntos de relações e processo que formam

as estruturas

 

questão, a referência ao

 ntes

e

 epois  à

 história no sentido vulgar) não possui valor explicativo.

Pelo contrário, quando se dispõe de uma reconstituição

  transformação das estruturas, no sentido acima, então

sim, a históri é fundamental para a explicação. Mas, neste

caso, trata-se de ciência-consciência-objetiva de um pro

cesso e não da referência meramente cronológica àação de

atores.

Nisso reside o essencial da

perio iz ção

na dialética

marxista. Os cortes no tempo são cortes entre estruturas

e dependem da produção dos conceitos capazes de

  l u i ~ r

como relação articulada , a um só tempo como lógica e

como consciência social objetiva, as diferenças entre um e

outro período. Por certo, os cortes entre uma e outra estru

tura não se dão mecanicamente. A periodização deve,

portanto, recortar mais pormenorizadamente as sucessivas

conjunturas por intermédio das quais se objetiva a fusão de

múltiplas contradições em momentos determinados. Cada

contradição

 

particular não se situa necessariamente ao

nível das oposições básicas que configuram as estruturas.

Assim, a queda ou ascensão de um governo, por exemplo,

se

 

si mesmo é um fenômeno conjuntural, pode abrir

possibilidades

à

implementação de políticas que espelham

e incidem sobre, por exemplo, a propriedade da terra ou o

controle estatal de empresas, refletindo e ao mesmo tempo

redefinindo a correlação de força entre as classes e alteran

do a configuração estrutural da sociedade.

Com este esclarecimento, convém repisar que, em ter

mos da dialética marxista, a teoria social deve estar sempre

embasada numa periodização e deve ser capaz de gerar a

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explicação dos momentos que definem rustórico-estrutu

rahnente esta periodização.

Até que ponto a teoria da dependência suporta essa

prova?

Apesar das ambigüidades existentes nos textos latino

americanos sobre o tema e nos meus próprios) parece-me

claro que a própria idéia de dependência nacional , posta

como um situação estrutural distinta da dominação colo

nial

9

, surge marcando um corte rustórico-estrutura1.  e

igual modo, as distinções entre situações de enclave e

situações nas quais houve controle nacional do processo

produtivo marcam outras tantas diferenças histórico-es

truturais de dependência nacional, embora cronologica

mente estes processos possam ter ocorrido ao mesmo tem

po em diferentes países. Por fim, o novo caráter de depen

dência marca outro período da história das estruturas

dependentes.

A complexidade da periodização a partir da teoria da

dependência deriva da própria caracterização da situação

de dependência, a qual supõe uma articulação entre a

economia mundial e as economias locais, entre a domina

ção internacional e a dominação de classe em cada país

dependente.

Não é necessário nempossível) discutir neste trabalho

a periodização gerada pelos estudos da dependência. A

referência ao tema, neste estudo, está ligada apenas  

discussão sobre o caráter histórico-estrutural das análises

sobre a dependência.

 

O

st tus teóri o   idéi e dependên i

Feítos os esclarecimentos preliminares acima,

é  heg -

do o momento de discutir o st tus teórico da noção de

dependência e, por conseguinte, a própria caracterização

do que seja dependência.

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 m crítica recente10 foi ressaltada a hesitação com que

lido

 om

a idéia de dependência: noção, conceito, teoria ,

caracterização concreta ou o quê? O reparo neste ponto

como

em

alguns outros mais, é procedente.

 m

parte esta

hesitação pode

ser

explicada por motivos político-ideoló

gicos,

em

parte, entretanto, ela deriva da falta de definição

mais clara do universo de discurso teórico

em

que me situo.

Quanto às razões político-ideológicas, basta reafirmar

o que escrevi noutra oportunidade.   O sentido prático do

estudo sobre a dependência, no contexto latino-americano,

deriva da maior sensibilidade que este tipo de abordagem

poderia ter para discriminar situações de dependência e

especificar, em cada uma delas, quem são os contendores

reais na luta política pela dominação econômica. Na medi

da

em

que a dependência passa a ser o amálgama

confuso

de

relações e articulações indeterminadas como

em

alguns textos passou a ser) e na medida em que

se

pretende fazer uma teoria a partir da opacidade de um

 conceito brumoso, minha reação imediata é a de recusar

foros de ciência a este tipo

de

ideologia.

Entretanto, além dessa reserva que é compartilhada

por certo por quem encara o tema com seriedade), existe

outra, de natureza intelectual. Eu não penso que a categoria

 estou usando esta expressão sem atribuir-lhe dimensão

diversa da expressão   on eito de dependência possua o

mesmo  t tu teórico das categorias centrais da teoria do

capitalismo. A razão para isto é óbvia; não se pode pensar

na dependência sem

os conceitos de mais-valia, expropria

ção, acumulação etc. A idéia de dependência se define no

campo teórico da teoria marxista do capitalismo.

 

Isto posto, não há razão para negar a existência de um

campo teórico próprio, embora limitado e subordinado à

teoria marxista do capitalismo, no qual se inscrevem as

análises sobre a dependência. E neste caso não há por que

utilizar as aspas na expressão teoria. Existe, pois, a possi-

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bilidade de pensar-se na teoria da dependência, sempre e

quando ela se inscreva no campo teórico mais amplo da

teoria do capitalismo ou da teoria do socialismo (de precá

rio desenvolvimento até agora).

Para poupar esforço, reproduzo, endossando, o que foi

escrito com intenção crítica por outrem sobre a depen

dência como uma forma de articulação entre fatores exter

nos e internos:

 Na medida em que também nós reclamamos uma

concepção dialética e materialista da dependência, é preci

so concebê-la como uma unidade dialética dos determi

nantes gerais do modo de produção capitalista e das deter

minações específicas de cada uma das sociedades depen

dentes, e, portanto, como síntese dos fatores externos e

dos fatores internos .

 3

Até esta altura, a caracterização metodológica acima é

quase

ipsis literis

a contida no livro Dependência e Desen

volvimento. Entretanto, Quartim de Moraes ajunta que é

necessário colocar a questão da gênese da dependência e

de sua

periodiz ção

Concordo com ambos aspectos, com

os esclarecimentos feitos na seção anterior, bem como com

a qualificação sobre as condições em que se deve estudar

esta periodização:

que se examine a periodização do desenvolvimento

das economias dependentes como sendo complexamente

determinadas: quer dizer, determinada em primeira instân

cia pela luta de classes e o desenvolvimento do capitalismo

no interior de cada uma das formações econômicas das

sociedades dependentes e, em última instância, pelos pe

ríodos do desenvolvimento do capitalismo em escala inter

nacional (p. 11).

Talvez haja formulado em outros trabalhos caracte

rizações variantes dessa. Não desejo insistir sobre detalhes

nem se trata aqui de fazer a defesa de textos. Penso que

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tanto eu como vários dos que têm escrito sobre dependência

na América Latina temos tentado analisar, com esta preo-

cupação metodológica, as formas de articulação entre os

países dependentes classes, estados e economias e os

países imperialistas.

 

este o campo de uma possível teoria

da dependência. Esta, como assinalei

em

outros trabalhos,

não é uma alternativa para a teoria do imperialismo, mas

um complemento.

Como complemento à teoria do imperialismo, a teoria

da dependência requer, entretanto, que se revise conti-

nuamente a periodização da economia capitalista mundial

e a caracterização da etapa atual do imperialismo.

 

Por

outro lado, supõe que se delineie no campo teórico a análise

das situações específicas que decorrem da existência da

dominação econômica

imperi list

e da

existên i

de Esta-

dos Nacionais que, de uma ou outra forma, expressam e

respondem aos interesses e às relações de classe locais

 ainda quando estas estejam, em parte, subordinadas à

dominação política e econômica internacional .

A discussão do método, portanto, quase que se resume

a afinar as formulações com o paradigma do próprio Marx.

A questão fundamental passa a ser, comestes esclarecimen-

tos, muitomais uma questão substantiva: como caracterizar

as situações vigentes e pretéritas de dependência?

 

lgumas Questões  ubstantivas

Não cabe neste trabalho retomar as análises substanti-

vas feitas pelos autores que têm desenvolvido o tema da

dependência na América Latina. Vou apenas chamar a

atenção para alguns mecanismos novos da relação de de-

pendência e para alguns campos de estudo que a proble-

mática da dependência recolocou ou abriu.

Antes de mais nada, embora não tenha a intenção de

fazer

um

levantamento sistemático sobre o que tem sido

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publicado dentro do campo de estudos sobre dependência,

convém esclarecer que é errônea a suposição de que estes

têm jogado antes

um

papel crítico de delimitação das

deficiências encontradas nas análises baseadas

 m

perspec

tivas desenvolvimentistas ou funcionalistas, do que

um

papel positivo na caracterização de novos temas e na aná

lise de situações concretas.

 m

levantamento da biblio

grafia sobre a América Latina nos últimos cinco anos

demonstrará, certamente, que existe quase

um

corte entre

a temática pretérita e a atual. Este corte trouxe

à

primeira

plana, mesmo nos organismos internacionais e nas univer

sidades, instituições  m geral cautas nesta matéria, a reco

locação da relação entre os países imperialistas e os países

dominados. Mais do que isto, importa salientar que multi

plicaram-se análises sobre o Estado, sobre as burguesias

locais, sobre os sindicatos, os operários e os movimentos

sociais, sobre as ideologias para não mencionar os estudos

sobremarginalidade e urbanização), que, de um ou de outro

modo, se inspiram no quadro de referência dos estudos

sobre dependência.

Não seria pertinente discutir a qualidade destes traba

lhos, de resto, como em qualquer outro campo de trabalho

científico, muito variável. Importa apenas salientar que se

formou uma corrente intelectual preocupada comuma pro

blemática comum. Disso derivou

um

enriquecimento indis

cutível no conhecimento da teia de relações que conforma

o processo social na situação latino-americana.

 

ependênci e desenvolvimento c pit list

Feita esta ressalva inicial, volto a insistir sobre o ponto

que me parece básico para aquilatar a contribuição das

análises da dependência

à

compreensão do processo histó

rico atual na América Latina: a caracterização da forma

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contemporânea de relação entre os centros imperialistas e

os países dependentes.

Farei com este problema o que fiz comos anteriormente

tratados neste trabalho: procurarei salientar as novas linhas

de interpretação que se abrem e indicarei alguns problemas

teóricos com elas relacionados, sem preocupar-me

 m

in

dicar os trabalhos e autores que mais contribuírampara isto.

Começemos pelo ponto que pode parecer mais discutí

vel: a caracterização da atual etapa da dependência mostra

que existe a possibilidade de acelerar-se a industrialização

nas economias periféricas, redefinindo-se as bases de de

pendência. Esta verificação contém uma série de implica

ções que,

s

levadas às últimas conseqüências, obrigam a

redefinir algumas interpretações sobre o imperialismo e o

subdesenvolvimento.

 om

efeito, o processo atual de divisão internacional

do trabalho, impulsionado pelo capitalismo monopólico e

pela reorganização das empresas chamadasmultinacionais

que passam a operar como conglomerados nos quais se

incorporam distintos ramos de produção, abre a possibi

lidade da industrialização de áreas periféricas do capita

lismo.

Este processo não havia sido previsto pelas teorias do

imperialismo e da acumulação capitalista. Nem o paradig

ma leninista que, não obstante, na análise concreta da

penetração capitalista na Rússia enfatizava seu caráter di

nâmico) nema versão de Rosa Luxemburgo contemplavam

esta hipótese.  de todo evidente embora não possa discutir

o assunto aqui e remeta o leitor para outro trabalhoU) que

a industrialização da periferia recoloca o problema da

realização da mais-valia e exige novos esforços teóricos e

de pesquisa para equacioná-lo contemporaneamente.

Substantivamente, à medida em que progride o proces

so

de internacionalização do mercado interno e que, graças

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a

ele

aumenta a

industrialização das

áreas periféricas, bem

como cresce o papel do consumo local para a colocação dos

produtos fabricados nas economias dependentes, cresce

também a massa de capital gerada pelo setor internaciona

lizado. Por outro lado, como decresce   fonua crescente

o investimento

  hot money 

proporção ao investimen

to realizado pelo setor internacionalizado graças à poupan

ça local ou aos créditos internacionais que oneram, por

certo, a capacidade das economias dependentes) aumenta

simultaneamente a massa de dinheiro que, sob a fonua de

lucros exportados ou de pagamento de juros e royalties,

retoma às economias centrais. Essas, que no passado ex

portavam capital, mesmo quando continuem a fazê-lo sob

a fonua de capital financeiro, de empréstimos privados ou

públicos etc.), passaram a receber mais recursos sob a

forma de juros, royalties, lucros exportados etc.) do que a

exportá-los,

agravando dessa forma o problema   reali-

zação   mais valia.

Tudo isso exige novas reflexões teóricas e constitui

problema não resolvido na teoria do capitalismo. O caráter

contraditório   acumulação reaparece sob novas fonuas e

tem aspectos novos no endividamento externo crescente e

simultaneamente na ampliação da capitalização nas econo

mias dependentes.

Por trás desses problemas da acumulação financeira e

da circulação de capitais existem outros, na órbita da pro

dução e na fonua de exploração da mais-valia. Convém

começar indicando o ponto mais polêmico: a nova fonua

de dependência está baseada na exploração da mais-valia

relativa e no aumento da produtividade.

A razão

 

polêmica possível é óbvia. Ao afinuar isto,

oponho-me à interpretação de A.O. Frank sobre o desen

volvimento do subdesenvolvimento . Ao mesmo tempo, a

interpretação de Rui Mauro Marini sobre a natureza funda

mental das relações de dependência como uma fonua de

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reprodução da exploração da mais-valia absoluta e da pro

dução de matérias-primas baratas requer alguma delimita

ção.

A tese que desejo indicar sujeita naturalmente a estu

dos posteriores e que nesta comunicação é exposta como

exemplo de um campo aberto à discussão teórica) insiste

 m que o novo caráter da dependência depois da interna

cionalização domercado interno e da nova divisão interna

cional do trabalho que franqueia à industrialização as eco

nomias periféricas) não colide com o desenvolvimento

econômico das economias dependentes. Por certo, quando

s pensa que o desenvolvimento capitalista supõe redistri

buição de renda, homogeneidade regional, harmonia e

equilíbrio entre os vários ramos produtivos, a idéia de que

está ocorrendo um processo real de desenvolvimento eco

nômico na periferia dependente ou melhor, nos países da

periferia que

s

industrializaram, pois não é possível gene

ralizar o fenômeno) parece absurda. Mas não é este o

entendimento marxista sobre o que seja desenvolvimento

 ou acumulação) capitalista. Esta é contraditória, espoliati

va e geradora de desigualdades. Nestes termos, não vejo

como recusar o fato de que a economia brasileira ou a

mexicana estejam desenvolvendo-se capitalisticamente.

  m s alegue que existe apenas um processo de cresci

mento , s m alterações estruturais. A composição das for

ças produtivas, a alocação dos fatores de produção, a distri

buição da mão-de-obra, as relações de classe, estão se

modificando no sentido de responder mais adequadamente

a uma estrutura capitalista de produção.

Assim, parece-me que existe simultaneamente um pro

cesso de dependên i e de desenvolvimento capitalista. Se

isto for verdadeiro, as relações de classe e o processo

político devem s r concebidos  m forma distinta do que o

foram  m termos do desenvolvimento do subdesenvolvi

mento

ou

do predomínio crescente da oligarquia agrário-

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imperialista que se expande ao lado de uma lumpen-bur

guesia .

Os beneficiários desse desenvolvimento dependente ,

além do mais, são distintos daqueles que a teoria do de

senvolvimento do subdesenvolvimento supõe. Passam a

ser as empresas estatais, as corporações multinacionais e as

empresas locais

  s s o i d ~ s

a ambos. Estes agentes sociais

constituem o que chamei noutras oportunidades tripé do

desenvolvimento dependente-associado .

  cumul ção c pit list em esc l mundi l e

dependênci

e

que modo pode-se pensar que se mantém e am

pliam-se liames de dependência quando existe, ao mesmo

tempo, um processo interno de capitalização? Não se esta

ria, neste caso, ancorando a idéia de dependência apenas

no Estado-Nacional e não no processo produtivo e nas

relações de classe?

É aqui que a discussão da tese de R.M. Marini parece

me

pertinente.

 m

trabalho recente Marini discute os me

canismos pelos quais se dá o intercâmbio desigual no

comércio exterior entre as nações industrializadas e os

produtores de alimentos e matérias-primas.  

Ao explicitar

estes mecanismos mostra a maneira específica pela qual se

organizam as relações de exploração dos trabalhadores na

região e o papel que a produção exportadora latino-ameri

cana teve para o processo de acumulação

em

escala mun

dial. Resumindo, o mecanismo seria o seguinte: a) a su

perexploração do trabalhador nas economias capitalistas

dependentes permitiu aumentar a quota de mais-valia rela

tiva nas nações industrializadas porque este incremento

dependia do aumento da produtividade do trabalho sempre

e quando esta pennitisse que a classe trabalhadora dispu

sesse de meios de subsistência mais baratos; b) ora, a

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exportação de alimentos pelas economias latino-america

nas, desde meados do século XIX, barateou o custo de

reposição da força de trabalho européia, pois alimentos

baratos incidem sobre o custo dos meios de subsistência

pennitindo a diminuição do tempo gasto pelos trabalhado

res na reposição do custo da força de trabalho trabalho

necessário ); c) por outro lado, a exportação de matéria

prima nas mesmas condições diminui os investimentos

 m

capital constante nas economias industrializadas, pennitin

 o

que, ao mesmo tempo que ocorre um aumento na quota

demais-valia, seja compensada a tendência à queda na taxa

de lucro, uma vez que esta depende do montante global do

capital variável e do capital constante e não apenas dos

gastos com a força de trabalho; d) ambos processos bara

teamento dematérias-primas e de produtos de alimentação)

dependeram, por sua vez, da superexploração do traba

lhador local; e) essa foi possível, sem alterar negativamente

o processo de acumulação porque nas economias depen

dentes a circulação

s

separa da produção e se realiza no

mercado externo. Assim, o consumo individual do traba

lhador não interfere na realização do produto embora

detennine a quota de mais-valia).

Estariamdadas, portanto, as condições para exploração

máxima da força de trabalho, sem ser necessário sequer

existir a preocupação com sua reposição, sempre que exis

tisse como ocorreu) algum reservatório fácil de mão-de

obra.

Creio que existem alguns problemas não resolvidos

pela intetpretação de R.M. Marini: com respeito ao desen

volvimento do capitalismo central este processo não é

ne essário Ele ajuda, facilita, complementa, mas não é um

requisito para a expansão capitalista. Com efeito, a ótica da

expansão do capital a partir das economias centrais, de

Lenin, explicava a necessidade de investimentos no exte

rior e sua importância para o capitalismo. O mecanismo

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descrito por Marini justifica ex post a função do capita

lismo dependente e explica a razão pela qual dá-se uma

superexploração da força de trabalho sem que isso acarrete

problemas de realização do produto. Mas creio que seria

possível mostrar que o capitalismo central, no que ele

possui de especifico e dinâmico depende da produção de

mais-valia relativa e do aumento da produtividade - que

atinge, por certo, os produtos necessários

à

reposição da

força de trabalho   não

 

pura espoliação das regiões

periféricas.

Para que o último argumento fosse verdadeiro, seria

preciso demonstrar que o peso dos produtos alimentícios

importados era decisivo na cesta de consumo do traba

lhador europeu e que não teria sido possível, com técnicas

mais avançadas, lograr o barateamento da alimentação e

dos demais meios de vida na Europa. Isto sem contar que,

nos países capitalistas, a cesta de consumo compõe-se em

forma crescente de produtos industrializados, alimentícios

ou não. Além do mais, o desenvolvimento capitalista nos

EE.DU. deu-se de forma muito mais independente da im

portação de alimentos do que na Inglaterra, sem que com

isto as contradições apontadas por Marini tivessem entra

vado a expansão da economia.

Poder-se-ia acrescentar ainda que as exportações da

América Latina nos 50 anos anteriores à Primeira Grande

Guerra não representaram contribuição importante para

reduzir o custo da mão-de-obra ou capital constante. Os

únicos países da região Uuntamente com o Canadá, a

Austrália e a Nova Zelândia que exportaram produtos

alimentícios importantes para a cesta de consumo dos

trabalhadores do centro foram a Argentina e o Uruguai.

Ou

seja, precisamente os que mais, se desenvolveram e

pagaram salários mais altos à mão-de-obra local. Inversa

mente, a substituição do linho e da lã pelo algodão na

indústria têxtil influenciou a redução relativa do yalor do

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capital constante e o país básico na exportação do algodão

foi a América do Norte, que obviamente não pode ser

classificada como país dependente e explorador da mão

de-obra extensiva

 

comparação com os países da perife

ria.

A razão pela qual trato de limitar o alcance teórico das

explicações dadas por Marini sem negar o peso histórico

de alguns de seus argumentos) diz respeito

à

própria teoria

marxista do capitalismo e ao ponto anteriormente mencio

nado relativo

à

compatibilidade entre dependência e desen

volvimento capitalista. Com efeito, parece-me que na ótica

marxista as condições gerais da acumulação ou seja, a

exploração absoluta do trabalho) combinam-se com as

específicas a diminuição do período de trabalho necessário

  proveito do trabalho excedente e a potenciação das

forças produtivas) e tem nestas últimas o traço distintivo.

Atribuir o caráter de necessidade ao processo de exploração

irrefreado da força de trabalho da periferia do sistema

 convémdizer queMarini não afirma categoricamente isto)

para a acumulação nas economias centrais leva a descarac

terizar a especificidade do capitalismo industrial.

O ponto de vista defendido por Lenin, por exemplo,

para explicar os efeitos da penetração do capitalismo na

Rússia foi oposto a este. A suposição de que partia era que

o capitalismodesempenha umpapel progressista , provo

cando o desenvolvimento das forças produtivas e dinami

zando as relações de produção. Os autores marxistas clássi

cos, sem deixar de sublinhar o papel da acumulação

primitiva e da exploração colonial na formação do capital,

insistiam

  que a especificidade do sistema capitalista

industrial estava exatamente no desenvolvimento tecnoló

gico e na extração da mais-valia relativa. Assim, a função

histórica da periferia não deve confundir-se com as carac

terísticas de funcionamento do capitalismo industrial nem

com sua forma típica de acumulação.

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Além do mais há um problema novo que surge depois

 

industrialização de parte da periferia: como

se

dá a

acumulação nos setores industriais da periferia e

  ~

fun

ções cumprem na acumulação

em

escala mundial? E pos

sível que a função indicada por Marini como existente no

período exportador de matérias-primas e produtos alimen

tícios continue a ser cumprida. Assim o traslado para as

economias periféricas de parte do parque manufatureiro

dos conglomerados permitirá - graças à exportação de

produtos industriais fabricados na Coréia

em

Formosa

Singapura Hong-Kong Brasil México ou Argentina

que

no

futuro o custo de reposição da força de trabalho

mundial diminua

em

função dos baixos salários dos operá

rios da periferia. Estamos é certo longe deste ponto.

 e

qualquer forma a meu ver convém focalizar a

industrialização da periferia pela ótica do capital e do

investimento muito mais do que pela idéia de que o capi

talismo avançado requer mão-de-obra superexplorada da

periferia.

A forma pela qual se expandemos capitais na economia

monopólica contemporânea

é

portanto outro campo aber

to à investigação e à teoria.

 m face do indicado acima caberia perguntar: como é

possível sustentar a idéia de dependência no contexto de

uma situação na qual existe a criação de vários focos

periféricos de industrialização?

Apenas a título indicativo gostaria de mencionar que

neste passo seria conveniente reafirmar a necessidade de

fazerem-se estudos sobre osmecanismos de acumulação tal

como

operam na atualidade. Vários autores

demons

traram que os conglomerados substituíram o papel dos

bancos e do setor financeiro na acumulação capitalista. Eles

funcionam quase autonomamente a este respeito. Entretan

to a divisão entre os dois setores clássicos da economia o

setor de produção de bens de produção e o setor de produ-

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ção de bens de consumo, continua sendo básica para a

compreensão dos mecanismos de acumulação. Entre estes

dois setores, é o setor I, ou seja, o setor de produção de bens

de produção, que

jog

o papel decisivo, tanto para explicar

o ciclo

 e

expansão e contração do capital a reprodução,

simples ou ampliada, e a retração), como para regular as

 queimas de mais-valia pela obsolescência tecnológica.

Pois bem, na nova divisão internacional do trabalho,

dá-se a concentração crescente do setor I, ou, pelo menos,

dos ramos dele que têm a ver com a criação de novas

tecnologias, nas economias centrais e, especialmente, nos

EE.UU. Assim, o que aparece à consciência comum como

 dependência tecnológica dos países periféricos é, na

verdade, ao mesmo tempo, dependência financeira. A in

dustrialização da periferia, na medida em que consiste na

implantação de fábricas para a produção de bens de consu

mo

imediato ou de bens intermediários de mediana tecno

logia , reproduz, noutra escala e noutro contexto, a situação

de dependêncià.

Sobra dizer que este mecanismo de reprodução da

dependência é concomitante com o outro, já mencionado,

de endividamento externo crescente, e a ele se relaciona na

medida

em

que gera novas necessidades de empréstimos

para sustentar a importação da tecnologia produzida nas

economias centrais. Assim, desenvolvimento e dependên

cia tecnológica e financeira) são processos contraditórios

e correlatos, que se reproduzem, modificam-se e se am

pliam incessantemente, sempre e quando inexistam proces

sos políticos que lhes dêem fim.

  rgin lid de e cumul ção

Antes, entretanto, de indicar alguns problemas políticos

relacionados com a forma atual de dependência, é conve

niente aludir, ainda que de passagem pois o tema para ser

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realmente enfrentado requer trabalho

à

parte), a um proble

ma que se liga

à

discussão anterior. Refiro-me ao tema da

marginalidade.

A insistência com que se tem juntado a falta de capa

cidade de absorção das economias capitalistas periféricas

com a utilização de tecnologia altamente desenvolvida e

com a superexploração da mão-de-obra é de todos conhe

cida.

Neste caso novamente, como no que diz respeito a

qualquer análise indefinida, tanto há de verdadeiro como

de falacioso nas interpretações correntes. Não faltará quem

pense que a marginalidade é funcional ao desenvolvi

mento capitalista da periferia.

Pode até ter sido.  

inegável que,

  determin d s

condições

a abundância de mão-de-obra e seu baratea- .

mento como conseqüência da concorrência) podem in

fluenciarna acumulação. Entretanto, a expansão capitalista

não depende da concorrência entre trabalhadores apenas

 ou seja, do exército de reserva) mas do custo da reposição

da força de trabalho, nos termos anteriormente indicados,

da taxa de lucro, da competição entre os capitalistas, da

renovação tecnológica etc. Além disso, para que a margi

nalidade faça baixar o custo de reposição é preciso não só

que sua magnitude force o trabalhador a aceitar trabalho

pago ao redor dos custos mínimos de reposição função

normal dos exércitos de reserva), como que aqueles custos

dependamda existência de uma produção de meios de vida

feita à margem do sistema capitalista-industrial. Nestes

casos a existência de bolsões de miséria nos quais se

organize uma produção para o consumo à margem do

sistema pode contribuir para baixar d custo da reposição

~

força de trabalho.

 

não penso, entretanto, que esta seja a característica

distintiva do processo de expansão capitalista na fase de

internacionalização do mercado interno. Basta repetir os

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argwnentos dos tópicos anteriores para que se entenda a

razão das reservas que faço às interpretações que colocam

o peso da especificidade do capitalismo dependente na

exploração extensiva e ilimitada da mão-de-obra dita mar

ginal.

Não quero negar a existência de bolsões de miséria

 às

vezes,  m alguns países a verdade é o inverso: ilhas de

prosperidade  m mares de miséria), nem da existência de

 populações marginais . Mas estas se explicam antes pela

formação histórica do capitalismo na América Latina, pela

qual superpuseram-se distintos modos de produção subor

dinados, por certo, ao capitalista) - como os descreveu

Ambal Quijano -  o que por qualquer lei do capitalismo

periférico ou dependente.

Não creio ser necessário repisar o que penso sobre a

diferença entre uma teoria da população e a teoria da

acwnulação. O essencial reside em que cada modo de

produção instaura sua lei de população, e o modo capitalista

 fabrica tanto os trabalhadores de que necessita como sua

reserva. Se isso cria um problema de emprego e de fato,

 m

certas circunstâncias, isso é inegável), de miserabilida

de e de marginalização, trata-se de um problema histórico

importante por seus aspectos humanos e políticos, mas não

deve confundir-se, no plano teórico, com um problema que

torne irrealizável a expansão capitalista.

 

Por outro lado, estudos recentes mostram que nos paí

ses mais industrializados da América Latina se é verdade

que existe o fenômeno da terciarização , também é certo

que os empregos industriais, depois de liquidado o setor

artesanal de produção, voltam a crescer  m números abso

lutos e relativos.

 

Além disso, uma parte da expansão do

setor terciário está diretamente relacionada com a expansão

capitalista-industrial. O inchaço urbano e a terciarização

não podem ser considerados como características

ger is

abstratas , da industrialização da periferia. Devem ser

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der as questões teóricas e práticas que essa problemática

apresenta. 2

Sobra repetir que enquanto não forem produzidos os

conceitos correspondentes a esta realidade a relação entre

industrialização e transformação social e política na perife

ria permanecerá indeterminada. Conseqüência disso será a

proliferação de teses políticas sobre o conservantismo

operário a revolução dos marginais ou a cultura da

pobreza que por mais que contenham grãos de verdade

são pouco convincentes teoricamente e pouco eficazes

praticamente.

  lgum s consider ções sobre tem s políticos

Feitos estes breves comentários passo a indicar para

concluir os temas políticos que me parecem fundamentais

para caracterizar a situação de dependência na atualidade.

Antes de mais nada convém repisar que o fenômeno de

industrialização abrange setores muito limitados da perife

ria. Nem todos os países encontram nesta forma de produ

ção o modo básico de inserção na economia mundial e

mesmo no caso daqueles que o encontram a industrializa

ção coexiste com as formas anteriores de relação de depen

dência. Isso não deve obscurecer que teoricamente a

 internacionalização domercado interno é a forma funda

mental da situação contemporânea de dependência. Mas

não pode por outro lado deixar de incidir sobre o alcance

preciso de algumas das indicações temáticas feitas neste

trabalho.

  termos gerais portanto a heterogeneidade continua

marcando as estruturas dependentes com todas as conse

qüências políticas e sociais deste processo.

Não posso alongar-me no tema neste trabalho nem

desejo discutir como se recoloca a problemática   vida

política das classes trabalhadoras no contexto atual que é

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um dos temas de eleição dos que se preocupam com os

estudos sobre a dependência.

Por razões de brevidade, desejo concentrar os comen

tários finais na questão do Estado e   Nação nas socieda

des dependentes. Tambémneste caso, entretanto, não quero

agregar novos comentários à falsa colocação teórica da

oposição ou dissociabilidade entre, por um lado, classe e,

por outro, nação. Ninguémmedianamente informado pensa

  tennos tão estreitos e equivocados. -

Isto posto, continua de pé o problema dos modos pelos

quais, nas sociedades dependentes, as classes relacionam

se, estruturam-se e agem politicamente, e qual o papel do

Estado neste contexto.

A consideração a sério do tema levaria ao mesmo

procedimento indicado anterionnente de relação entre his

tória e estrutura e de periodização. Para encurtar razões: é

impossível pensar a ação política das classes, frações de

classe, pessoas e grupos sociais sem relacioná-los com o

Estado Colonial Metropolitano do período da expansão

capitalista européia sob a égide do mercantilismo ibérico

no caso da América e sob a égide direta do imperialismo

colonialista, no caso africano), e com o estilo de sociedade

patrimonialista por ele gerado nas colônias. De igual modo,

a constituição dos Estados Nacionais tem que ser históri

co-estruturalmente referida tanto ao liberalismo da primei

ra fase da expansão capitalista industrial como à simbiose

entre interesses privatistas e interesses burocrático-estatais

que a expansão anterior constituíra desde o período colo

nial.

Assim, o paradigma anglo-saxão de relacionamento

entre a sociedade civil os produtores, as classes, as

instituições privadas emgeral) e o Poder

nun

teve vigên

cia nos países dependentes. Por outro lado a ··nação foi-se

constituindo pela imposição de algum setor dominante de

classe que, utiliz ndo o p relho do Estado, incorporou

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mercados e impôs lealdades. Por certo, este fenômeno não

esteve ausente na Europa Continental. Mas, de qualquer

modo, na situação européia o pacto entre o Príncipe e a

burguesia, fortalecido muitas vezes pela adesão de setores

de massa

que se motiv v m por v lores ultur is

 uma

língua comum, uma religião comum), soldou interesses

distintos através de um processo relativamente consensual

de pacto e outorga . Mesmo nos casos mais típicos emque

o processo de unificação se fez pela utilização dos instru

mentos e das vantagens de constituição de um Estado

como no caso da Suíça - a racionalidade de interesses

mútuos cimentou as bases da cidadania.

No caso dos países dependentes a tendência histórica

foi outra. De dentro do aparelho de Estado ou dos fragmen

tos deste deixados pelo colonialismo politicamente venci

do, algum grupo economicamente dominante e politica

mente dirigente tratou de impor às massas politicamente

marginalizadas, culturalmente desprovidas e miseráveis,

uma dominação nacional . Daí que o Estado tenha sido o

verdadeiro berço da Nação.

Por certo, variando de país para país, as lealdades,

símbolos e aspirações nacionais acabaram por penetrar

outras camadas sociais, especialmente as classes médias

urbanas. Mas a origem histórica do Estado-Nação deixou

marcas profundas tanto na relativa apatia política das maio

rias como na formação das camadas burocráticas que,

vinculadas às vezes com interesses econômicos, e às vezes

independentemente deles, passaram a definir-se como a

guarda pretoriana da Nação.

 

óbvio que este papel coube

principalmente - embora não exclusivamente - à burocra

cia militar.

Este pano de fundo toma complexa a análise do jogo

político das classes, especialmente nos casos em que existe

 

processo de crescimento econômico que se caracteriza

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pela expansão simultânea do setor público e do setor eco

nômico controlado por consórcios externos.

Não é possível ponnenorizar a análise para os fIns deste

trabalho. Entretanto, salta à vista que a unidade

do

diver

so só

se

logrará quando o simplismo das análises políticas

correntes for substituídopor estudos que ponham a nu pelo

menos três ordens inter-relacionadas de problemas:

1

2

) as relações entre classe, Estado e partidos;

2

2

)

as condições, efeitos e bases do processo de mobi

lização nacional ;

3

2

) as contradições e tensões, dentro e fora do Estado,

entre o interesse imperialista e o interesse nacional .

A título de mera ilustração: amiúde o partido nas

sociedades dependentes é um  Setor do Estado ocupado

por um  grupo social . Entretanto, este grupo social ,

embora implemente interesse econômico de classe em

última instância...), pode muito bem estar constituído so

a liderança de funcionários ,

ou

seja, de membros dos

aparelhos do Estado. As relações entre as classes e os

grupos encastelados no Estado são variáveis e complexas:

eu

sugeri, por exemplo, noutro trabalh0

 

, que para carac

terizar a atual situação de autoritarismo técnico-burocrático

vigente no Brasil e as relações de classe que

j zempor

trás

dela, seria necessário pensar na função dos anéis burocrá

ticos··. Por esta expressão entendo o círculo de interesses

que

se

fonn compatibilizando os anseios políticos e as

necessidades econômicas de grupos e facções de classes

distintas a própria burocracia, especialmente a militar, o

empresariado nacional ou estrangeiro, as empresas do es

tado etc.) para, num dado momento, sustentar um conjunto

de políticas. Existem distintos anéis deste tipo funcio

nando no mesmo momento, ora chocando-se, ora compon

do-se. São portanto uma

fonn

menos durável e mais

flexível de organização política do que um partido, além de

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serem menos definidos quanto à ideologia que sustentam.

 êm em comum o solo que os une: a máquina do Estado.

Assim dados os cortes histórico-estruturais antes refe

ridos da fonnação do Estado e de seu relacionamento

com

a Sociedade existe mesmo hoje uma simbiose entre o

Estado e a sociedade civil . Isto não significa que a

sociedade seja a pura expressão do Estado como pensam

os românticos de direita nem tampouco que o estado seja

o puro reflexo dos interesses econômicos da classe domi

nante como crêem os esquerdistas mais simplórios. Às

vezes - como nos períodos populistas - os círculos de

interesse ancorados no Estado amalgamam inclusive inte

resses populares no

jogo dos anéis burocráticos incluin

do neles os sindicatos quando não até alguns movimentos

sociais como as greves dirigidas.

 or

certo a estrutura de classes baliza e conforma os

limites possíveis de acordos entre grupos. A necessidade

de expandir a acumulação

é um norte certo para marcar até

que ponto podem ampliar-se e manter-se as conjunturas de

poder organizadas sob bases tão móveis como as acima

caracterizadas.

Mas este parâmetro estrutural não deve obscurecer a

análise das contradições internas que este tipo de amálgama

político gera. Especialmente no caso das formas contem

porâneas de dependência com industrialização é preciso

pesquisar em cada situação as oposições e conciliações

entre interesses e as diferenças de visão do mundo que o

desenvolvimento dependente-associado gera quando tem

no Estado um princípio básico de regulamentação da vida

econômica e política.

 

O mesmo afã de busca do concreto ou seja de deter

minação da multiplicidade de contradições que compõem

e dão fonna às situações de dominação econômica e polí

tica deve orientar a análise do processo de mobilização

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e sua diferenciação diante do nacionalismoestatal impul

sionado pelos guardiães da Nação a que me referi acima é

de fundamental importância. A s probabilidades de que um

grupo dominante, encastelado no Estado, empolgue politi

camente a idéia de Nação são grandes. Mas isto não elimina

a necessidade de peneirar mais fundo a questão e de veri

ficar, da mesma forma que no exemplo anterior, se não

existe uma contradição que denote na ideologia nacional

popular sentimentos que, sendo antiimperialistas, são, ao

mesmo tempo,

anti establishment

local. No caso latino-a

mericano este componente é tão forte em alguns países

 Peru e Argentina por exemplo), que a análise  de classe ,

que se recusa a ver a realidade política da nação como uma

forma de identificação e de solidariedade entre as classes

populares, só serve para facilitar a tarefa da manipulação

destes sentimentos por parte dos que controlam o Estado e

desejam fundir nele a Nação, mantendo a massa e a socie

dade civil presas a uma participação simbólica e, quando

muito, ritual no processo de transfonnação nacional.

 OT S

1 Uma caracterização é dita abstrata quando

se

baseia em relações parciais e

indeterminadas. A passagem do abstrato ao concreto

se

faz pelo processo

de

detenru

nação,

ou

seja,

de

elaboração da ordem pela qual se hierarquiza e

se

articula

um

conjunto

de

relações e

se

distingue este conjunto totalidade)

de

outros conjuntos. Para isto é

necessário produzir os conceitos que penrutem articular e delinútar

os

conjuntos

de

relações.

2.

Ver

a este respeito TheotOlúo dos Santos, La crisis

de

la teoria del desarrollo y

las relaciones de dependencia

en

América Latina , in La dependencia polúica ecollómica

de América Latina Siglo XXI, México 1970. Para WIlll critica das teorias sociológicas

do

desenvolvimento ver F.H. Cardoso,

Empresário bulustrial e Desenvolvimento Eco-

nômico no Brasil DifusãoEuropéia do Livro, SãoPaulo, 1964,

capo

  reproduzido,

sob

o

título

Análises sociológicas dei desarrollo econónúco pela Revista Latinoamericana

de

Sociologia, voI.

I

n. 2, Buenos Aires,julho de 1965). Ver ainda Andrew GWlder Frank,

 Sociology

ofDevelopment

and wlderdevelopmenl

of

Sociology ,

Cacalysl

Ulúvcrsity

ofBuffalo

n. 3 1967.

3.

Mesmo

entre

os

que grosso modo encontravam-se dentro da mesma corrente

houve críticas consistentes. Basta consultar a coleção Revista BrasiliellSe para

ver

que a

denúncia das  inconsistências de classe e dos riscos de unI desenvolvimentismo-asso

ciado aos

truses

eram percebidos por muita gente, pelo menos desde o governo Kubits

chek.

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4. Cf. F.H. Cardoso, Empresário Industrinl e Desenvolvimemo Econômico no

Brasil, DIFEL, São Paulo 1964,2 ed., 1972.

5. No caso específico deste novo tipo de dependência, eu próprio escrevi  

trabalho,

em

1965 EI proceso

de

desarrollo en América Latina , ILPES, Santiago,

mimeo.)

no

qual distinguia três tipos

de

desenvolvimento nacional-exportador, enclave,

industrial-associado). Entretanto, o conceito dessa tipologia só foi produzidomais tarde

no trabalho em colaboração com Enzo Faletto. Dependencia   Desarrollo en América

Latina editado no ILPES

em

1967. Aorestan Fernandes desenvolveu simultaneamente

suas reflexões sobre   estudo sociológico do subdesenvolvimento econômico , apre

sentadas em 1967,

sem

terconhecimento

do

segundo trabalho

meu

e de Faletto.

 

1968

Theotonio dos Santos publica no CESO

 El

nuevo carater de la dependencia no qual

expõe claramente as conseqüências das transformações do capitalismo internacional

sobre as economias dependentes.

No

afã

de

alcançar níveis mais concretos

de

análise,

escrevi em 1968 o livro Política e Desenvolvimento em Sociedlldes Dependemes Ao

mesmo

tempo,

no

ILPES e

no

CESO, Aníbal Quijano, Edelberto Torres Rivas, Orlando

Caputo e Roberto Pizarro, e outros escreveram trabalhos que precisavam, retificavam e

ampliavam as análises sobre a forma atual de dependência. Mais tarde FenJaIldo

Fajnzylber escreveu dois estudos, publicados pela CEPAL Estrategia Industrial y

Empresa Internacionales e Sistemas Industriales y Exportación de Manufacturas) que,

sem discutir conceitos, constituem a meu ver as contribuições fundamentais para carac

terizar a nova situação de dependência.

Provavelmente uma série de outros autores,

ao

mesmo tempo e independentemente dos

aqui mencionados, contribuirampara a análise das formas atuais da dependência. Se

se

buscar com atenção provavelmente se encontrará quem antes independentemente de

todos estes tenha escrito sobre o

mesmo

tema. Vê-se, pois,

que

mesmo do ãngulo mais

limitado

da

história intelectual vista pelas obras e autores , o pensamento é   produto

social. Quando uma idéia expressa, de fato teórica

ou

ideologicamente)

um

asPecto do

real, ela surge ou ressurge por toda parte.

6. Neste sentido, parece-me equivocada a avaliação feita por Suzane Brodenheim

sobre a influência do paradigma

de

A.O. Frank nos estudos sobre a dependência. Frank

contribuiu, em alguns temas bastante, para a critica

do

fWlcionalismo e da sociologia do

desenvolvimento. Mas a caracterização

do

processo histórico-estrutural da evolução

do

capitalismo que faz em suas primeiras obras é antes ortodoxa no sentido de partir de

 verdades gerais que, amiúde,

são

historicamente insuficientes. Não é deste estilo da

análise que deriva a vitalidade porventura existente no pensamento sociallatino-ameri

cano. Essa apreciação não invalida, obviamente, o papel

de

catalizador critico da obra

de A.O. Frank, especialmente quanto aos temas

do

dualismo,

do

colonialismo interno e

da necessária integraçãoda análise do processo da formação

do

capitalismo na periferia

no conjunto do desenvolvimento capitalista internacional. Claro está que alguns destes

temas

haviam sido propostos criticamente

por

autores como Pablo Casanova, Arubal

Pinto, Rodolfo Stavenhagen,Aorestan Fernandes etc.

Mas

o

tom

polêmico

de

Frank,

em

que

pese

os

exageros e injustiça com respeito a alguns autores latino-americanos, ajudou

a generalizar a critica.

7.

Ver

F.H. Cardoso, Teoria da Dependência ou análises concretas de situações

de

dependência?,

Estudos CEBRAP

São Paulo

(l),

1970.

8. F.H. Cardoso e Enzo Faletto, op cit

9. Para mim a distinção entre situação colonial e dependência nacional sempre foi

clara e básica. Boa parte do ensaio sobre Dependência e Desenvolvilllemo se estmturou

a partirdesta diferenciação. Portanto, embora possa aparecer no texto algmna referência

à

 dependência colonial , a confusão é meramente nominal, pois a caracterização de

ambas as situações é feita inequivoca e distintanlente.

10. João Quartimde Moraes,

 Le

stat théorique de la relation de dépendallce , IV

Seminaire Latino-Americain, CETIM, Oenéve, abril

de

1972.

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11. Cf.MTeoria da DependênciaMou análises concretas de situações de dependência,

op. cil.

12. Note-se

que

estou deixando de lado mas não recusando o cabimento teórico)

a possibilidade de pensar outras fonnas, não capitalistas, de subordinação de uma nação

a outra, como por exemplo a Tchecoslováquia

à

Ulúão Soviética. Deixo de lado porque

os mecarúsmos de articulação e de dOllÚnação entre as estruturas econôllÚcas e políticas

destes países dependem de mecaJúsmos que não estudei e que se explicam por

Mieis

de

movimento

M

distintas

das

que prevalecementre econonúas capitalistas, embora nem por

issoautomaticamentemenos espolia

ti

vaso

  3 Quartim de Moraes, op cit. p. lI

14. Ver F.H. Cardoso, lmperialism and dependency , apresentado no Senúnário

sobre o Imperialismo realizado na UlÚversidade de Stanford em fevereiro de 1972,

publicado em New Left Review  74) jul./ago. 1972.

15. F.H. Cardoso, lmperialism aJld dependency , 1972, op ito

16. Rui Mauro MarilÚ, Dialectica de la Dependencia: la econollÚa, exportadora ,

Sociedady Desarrollo vol.1, n. I, Santiago, março 1972. Convémdizer, entretaJlto, que

os estudos deHans Singere Raul Prebisch, do final da década de 1940, que serviramde

base às interpretações da CEPAL,

haviamchamado a atenção para o que hojesebatiza

de

Mtroca

desigual

M

, e propuseramesquemas explicativos mais rigorosos.

17. Ver Francisco de Oliveira,

 A

econollÚa brasileira: critica à razão dualista , in

Estudos CEBRAP São Paulo 2), 1972.

18. Remeto o leitor a outro trabalho no qual elaboro mais este ponto de vista:

 Comentáriosobre os conceitos de superpopulação relativa e marginalidade , ESTUDOS

CEBRAP

São Paulo 1),1971.

19. Ver Singer, Paul Israel,

Força de trabalho e emprego no Brasil: 1920-1969

São Paulo, Brasiliense, 1971

 Cademos CEBRAP

3);

Força de trabalho lia América

Latina. Cebrap, São Paulo, 1971.

20. O estudo

de

F. Oliveira,

citado,

é

  passo nesta direção. O CEBRAP está

realizando uma pesquisa sobre relações de trabalho na Balúa que poderá ajudar a

esclarecer alguns destes problemas.

Em

particular Juarez Rubens Brandão Lopes e

Vilmar Faria estão interessados nesta temática.

21. Estado e Sociedade , in Cardoso, F.H., Autoritarismo e Democratização, Paz

e Tellll, Rio, 1976.

22. Ver a este respeito F.H. Cardoso,

MEl

Modelo Político Brasileilo ,

Desarrollo

Económico n. 42-44, vol. l Buenos Aires, março de 1972.

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  pítulo

 

o

CONSUMO

 

TEORI

DEPENDÊNCI

NOS EST DOS UNIDOS

m

observador que desembarcasse de um objeto não

identificado de órbita lunar e chegasse às reuniões dos

latino-americanistas nos últimos anos daria razão aos an

tropólogos estruturalistas. Diria que se repetem versões de

um

mesmo mito: dependência e desenvolvimento, explo

ração e riqueza, atraso e alta tecnologia, desemprego e alta

concentração de renda. Levemente entediado, nosso ser do

outro mundo diria: o cérebro desta gente deve limitar as

imagens e o pensamento deles a oposições binárias .

É

com

a sensação de entrar numa discussão em que a imaginação

está acorrentada a modelos preestabelecidos que volto a

debater o significado das análises sobre dependência. Não

obstante, pelo simples fato de estar aqui, como

se fosse um

dosfoundingfathers da dependência, endosso o consumo

cerimonial do tema. Como escapar da incômoda posição?

 á pouco, assisti em Princeton a uma palestra de um

antropólogo inglês, recentemente tomado knight pela rai

nha. Sir Edmond Leach, com a ironia que o caracteriza,

  Publicado originalmente como Lcs États-Unis clla théoric dc

 

Dépendancc ,

Revue Tiers Monde 17(68): 805-825, out dez/1976.

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 ríti o e de  ontinuid de com um passado de estudos

históricos, econômicos, sociológicos e políticos na Améri

caLatina, passou a ser consumido através de várias versões

que incluem referências ao mito original,mas que

em

larga

medida constituem a expressão de um universo intelectual

 em

distinto daquele que lhe deu origem.

A primeira e drástica simplificação que alguns divulga

dores fizeram com estes estudos pois todo mito requer uma

estrutura simples e um momento de revelação) foi a de

considerá-los como uma espécie de estalo da mente que

ocorreu num dado momento e lugar. Discute-se sobre em

que cabeça se produziu o estalo e a começar por aí o aspecto

celebratório é inevitável. Cada intérprete busca localizar

seu profeta. Os mais conscientes da natureza social do

pensamento sabem, entretanto, que qualquer novo paradig

m

decorre de uma complexa discussão entre pessoas,

instituições e grupos, que, no mundo moderno, localizam

se em países distintos. Com o tempo a discussão se toma

mais complexa, se enriquece e provoca controvérsias inter

nas.

2

Os divulgadores menos conscientes do processo de

produção intelectual, entretanto, depois de estabelecer as

origens imediatas do paradigma da dependência caracte

rizam sua pré-história. Nesta,

em

geral, são citadas duas

correntes principais: a CEPAL e a corrente marxista e

neomarxista norte-americana Baran, Sweezy e Frank).

Adiciona-se, às vezes, que os dependentistas adjetivo

queme causa horror) apresentam matizes ideológicos dis

tintos, conforme se situem mais próximos à CEPAL e ao

 nacionalismo pequeno-burguês que teria derivado dos

estudos cepalinos) ou sejam mais autenticamente contrá

rios ao capitalismo e mais influenciados pelo pensamento

dos economistas marxistas pré-dependentistas referidos

acima.

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As afinnações são plausíveis talvez sejam tipologica

mente corretas mas não correspondem à história intelec

tual efetiva.

Com as análises sobre situações de dependência feitas

na segunda metade de 1960 na América Latina não houve

propriamente uma proposta metodológica nova. Ocorreu

que uma corrente do pensamento latino-americano já an

tiga conseguiu fazer-se presente nos debates em institui

ções que nonnalmente estavam cerradas a ela: a CEPAL

as Universidades algumas agências fonnadoras de políti

cas governamentais e

l st but not le st

a comunidade

acadêmica norte-americana.

Por outro lado quanto à influência renovadora da cor

rente neomarxista norte-americana é preciso considerar

que se ela pode ter sido real principalmente a de Baran

não foi certamente maior do que a do próprio Marx e não

 revelou algo que não estivesse contido na perspectiva do

pensamento crítico latino-americano anterior a 1960.

 

preciso ter presente que praticamente em todos os princi

pais centros intelectuais latino-americanos à medida em

que

se

foi gestando uma corrente de análise e interpretação

baseada em Prebisch Furtado - e junto ou anterionnente

a eles Nurkse Hans Singer Myrdal Hirschman - para

referir-me apenas a alguns autores que se opunham às

teorias ortodoxas que justificavam a não-industrialização

 

região pelas vantagens comparativas que

se

podiam

obter

com

a produção agro-exportadora - também existiu

a crítica aos críticos. Ela surgiu às vezes implicitamente

na própria

  P

AL como nos estudos de Ahumada e

Arnbal Pinto sobre o Chile e sobre a concentração dos

benefícios do progresso técnico ou nos ensaios de Medina

Echavarría sobre as condições sociais do desenvolvimento

e sobre a racionalidade instrumental da abordagem de

senvolvimentista. Outras vezes a crítica aos críticos está

implícita

em

trabalhos de intelectuais que nas universida-

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des ou nos movimentos políticos salientavam não só os

 obstáculos e as distorções do desenvolvimento capita

lista  às vezes a partir de análises de inspiração estrutural

funcionalista) mas também as desigualdades de oportu

nidades e de riqueza que eram inerentes a formas de desen

volvimento derivadas da expansão do capitalismo e do

fortalecimento do imperialismo.

Não quero apontar todos os que refletiram sobre este

processo, mas historiadores corno Sérgio Bagu e Caio

Prado Júnior, sociólogos corno Florestan Fernandes, Pablo

González Casanova e Jorge Graciarena, e economistas

corno Armando Cordoba, Antonio Garcia e Alonso Aguilar

são exemplos de esforços para apresentar análises alterna

tivas tanto às ortodoxas corno às que, grosso modo, pode

ríamos qualificar de cepalinas-keynesianas. Urna releitura

da coleção da  evista rasiliense que se publicou no Brasil

desde os anos cinqüenta - e houve alguma revista do

mesmo tipo

em

quase todos os centros culturais da área

mostra que a crítica ao estrutural-funcionalismo e ao key

nesianismo fez-se na América Latina ao mesmo tempo

em

que

se

fazia.a crítica aos ortodoxos , No esforço da dupla

crítica, tentando evitar o marxismo vulgar , alguns grupos

intelectuais de Santiago,

em

meados da década de 1960,

retornaram a problemática cepalina e tentaram redefini-Ia

radicalmente. Comparar o que a CEPAL previa corno

resultado da industrialização com o que estava ocorrendo

era fácil. Mais difícil era propor urna alternativa que não se

limitasse à crítica metodológico-formal e que, partindo da

análise de processos histórico-sociais, fosse capaz de defi

nir urna problemática alternativa e quebrasse tanto o eco

nornicismo prevalecente nas análises sobre o desenvol

vimento corno o apoliticismo das análises sociológicas.

Corno fazê-lo?

 m

estudo da história das idéias no século

 

pode

mostrar que cada geração de intelectuais críticos procura

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reviver o marxismo tentando infundir-lhe um sopro reno

vador. A crosta do chamado marxismo vulg;ar , o deter

minismo econômico , o mecanismo na análise, a dificul

dade de captar o movimento social devido a concepções

que dão

um

peso determinístico às estruturas etc., são tão

recorrentes que algo devem ter que ver com o próprio

marxismo. De tempos em tempos eles são sacudidos pela

releitura dos clássicos, por alguma interpretação nova ou

pelo apoio que algum autor não originário da tradição de

análise dialética empresta

à

análise marxista. Na minha

geração, nos anos

 

e começos dos 60, esta ponte foi

lançada por Sartre e pela publicação em francês de

Histoire

  onscienee de lasse de Lukáes

Levamos anos para sair

do impasse entre a dialética e as noções de projeto e de

 consciência possível .J Principalmente para quem, como

eu, tin tido treino anterior emDiltey, Weber e Mannheim,

a preocupação com a ideologia e sua incorporação

à

análise

passou a ser constante e foi freqüentemente equívoca. Na

geração seguinte Althusser releu marx de outra maneira e

o estruturalismo quase matou o movimento da dialética.

Mais tarde (em alguns países, como na Argentina, desde

antes) Gramsci apareceu como tábua de salvação para

quem quer entender os processos políticos, a ideologia, a

vontade na história, etc., sem afogá-los nos supra-referidos

 desvios do marxismo mecanicista.

Pois bem, os estudos sobre a dependência

c o n s t i t ~ e m

parte do esforço para restabelecer uma tradição de anàlise

das estruturas econômicas e de dominação que não sufqque

o processo histórico ao retirar dele o movimento decorrente

da luta permanente entre grupos e classes. Ao invé de

aceitar que existe um curso determinado na história, v9lta

se a concebê-la como um processo em aberto, no q u ~ se

as estruturas delimitam as margens de oscilação, t llito a

prática dos homens como sua imaginação as revivem e

transfiguram, quando não as substituem por outras  não

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pre-detenninadas. Mais ainda os estudos sobre depen

dência tiveram uma peculiaridade dentro da tradição de

crítica a que me referi: ao invés de limitarem-se ao plano

teórico-abstrato procuraram utilizar o método histórico-es

trutural não vulgar para analisar situações concretas. E

ao invés de limitar os estudos à análise de problemas

circunscritos procurou-se retomando o tema do desenvol

vimento definir questões que eram relevantes tanto para as

políticas nacionais como para analisar as relações entre as

economias capitalistas centrais e a periferia dependente e

não industrializada seguindo neste aspecto a tradição dos

enfoques cepalinos. Não nos interessava apenas descrever

abstratamente as conseqüências da acumulação de capital

e de sua expansão à escala mundial mas também colocar

questões a partir do ponto de vista historicamente dado às

sociedade dependentes: quais são as forças que se movem

nelas e com que objetivos? Como e

 

que termos é

possível superar uma situação dada de dependência?

Assim como primeira reavaliação da maneira como se

processa o consumo das teorias da dependência nos USA

é preciso rever o ponto de vista de que um novo paradig

ma foi estabelecido graças aos trabalhos de u grupo de

intelectuais do ILPES e do CESO de Santiago. Estes tive

ram certo papel na proposição de uma temática e na crítica

ao keynesianismo e ao modelo estrutural-funcionalista

papel que mais adiante se assinalará e delimitará - mas não

propuseram nenhuma nova metodologia.

4

Delimitada a contribuição metodológica dos depen

dentistas e redefinida a eventual influência do marxismo

norte-americano na proposição dos estudos

sobre depen

dência convém dedicar alguma atenção à contribuição de

Andrew G. Frank aos temas da dependência. Alguns de

seus estudos contidos em  apitalism and Devolopment in

Latin merica tiveram grande repercussão crítica e foram

contemporâneos à elaboração do que se chama aqui de

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 teoria da dependência . Quando foram anteriores, embora

sejam estimulantes, como a tese contra o dualismo agrário

brasileiro, freqüentemente falharam no que diz respeito a

propor temas novos.

  fato, a grande questão que se debatia no Brasil sobre

a natureza das relações sociais no campo e seu impacto para

caraterizar um tipo de formação histórico-social não era o

debate entre os partidários de que teria existido uma estru

tura feudal versus os que defendiam o ponto de vista de que

 desde a colônia o conceito de capitalismo aplicava-se às

relações e formas de produção vigentes. Nem era o debate

entre pré-capitalismo e capitalismo

t ut urt

 embora esta

discussão fosse comum). Estas proposições perdiam força

frente às preocupações daqueles que tentavam caracterizar

o modo de produção prevalecente no passado tomando  m

consideração que houve um colonialismo escravista. Salvo

os marxistas evolucionistas mais embrutecidos que de fato

viam no feudalismo uma característica importante da

sociedade brasileira, desde há muito basta referir aos tra

balhos deGilberto Freyre dos anos 30, apesar de seu caráter

celebratório) a discussão centrava-se em tomo da produção

escravista-colonial e da natureza específica de uma forma

ção social que, embora criada pela expansão do capitalismo

mercantil, assentava  m relações de produção escravistas e

destinava a parte mais dinâmica de sua produção ao mer

cado intemacional.

s

Frank simplificou o debate, desdenhou

a especificidade da situação procedimento que é contrário

ao dos 44dependentistas ) e não tentou estabelecer qualquer

representação teórica de tipo dialético que unisse num todo

específico o geral e o particular. Com a maestria polêmica

que lhe é peculiar deu golpe de morte nos dualistas, levando

de cambulhada, às vezes sem razão, marxistas e cepalinos.

Não obstante o paradigma da dependência é consumido

nos USA como se ele tivesse centradb sua contribuição ao

debate histórico através da crítica ao feudalismo latino-a-

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sublinhar também a

especificidade

das situações de depen

dência frente às sociedades dos países de economia central.

Assim a formação social subjacente às situações de depen

dência, embora seja produto da expansão do capitalismo,

distingue se do padrão geral na medida   que o coloni

alismo escravista ,

ou

outra forma de exploração colonial

qualquer, está na base da articulação entre as sociedades

dependentes e as dominantes. Por outro lado, quando

s

a passagem da situação colonial às situações de depen

dência dos Estados nacionais, observa-se:

a que esta passagem implica na criação.de um Estado que

responde aos interesses das classes proprietárias locais;

b mas que estas têm sua situação estrutural definida no

quadro mais amplo do sistema capitalista internacional,

articulando-se e subordinando-se às burguesias conquis

tadoras do mundo ocidental e às classes que a sucedem,

de tal modo que se estabelecem alianças que unificam,

dentro do país

embora de forma contraditória, os inte

resses externos com os dos grupos dominantes locais;

c como conseqüência, as classes dominadas locais sofrem

uma espécie de dupla exploração: devem produzir um

excedente que satisfaça ao empresariado local e ao inter

nacional.

O movimento que interessava captar era portanto

aquele que derivava de contradições entre o externo e

interno vistos desta forma complexa, que se resume na

expressão dependência estrutural . Se o imperialismo se

substantiva através da penetração do capital estrangeiro,

das invasões no Caribe pelos americanos, da América do

Sul pelos ingleses etc., ele implica também no estabeleci

mentode um padrão estrutural de relações que internaliza

o externo e que cria um Estado formalmente soberano e

disposto a responder pelos interesses da nação . Este

estado é aomesmo tempo e contraditoriamente instrumento

 

dominação econômica internacional. Por certo as fases

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e fonnas de expansão do capital capitalismo colonial-mer

cantil, capitalismomercantil-financeiro, capitalismo indus

trial-fmanceiro, fonnas oligopólicas de capitalismo multi

nacionalizado etc.) fonnam parte constitutiva das situa

ções de dependência, mas estas só se explicam quando

aquelas fonnas deixam de ser tomadas como enteléquias

ou como condicionamento geral e abstrato, para renasce

rem concretamente através da análise de sua articulação ao

nível de cada economia local 

seus diversos momentos.

Buscava-se explicar este processo não como um deSdobra

mento abstrato de fonnas de acumulação, mas como u

processo histórico-social através do qual umas classes vão

impondo sua dominação sobre outras, umas facções de

classevão se aliando ou opondo-se a outras na luta política.

Nesta, o que aparece inicialmente como se fosse inelutável

pela lógica do capitalismo revela sua verdadeira cara:

ganha-se ou perde-se, mantém-se uma fonna de depen

dência ou vai-se para outra, sustentam-se os pressupostos

gerais do capitalismo ou toca-se

 

seus limites e se antevê

outras fonnas de organização social como uma possibi

lidade histórica, conforme o desdobramento   luta de

classes.

Assim desde as proposições iniciais

 

partia-se daanáli

se dialética: o que interessa era o movimento , as lutas de

classe, as redefinições de interesse, as alianças políticas que

ao mesmo tempo

 

que mantêm as estruturas abrem

perspectivas para sua transfonnação. As estruturas eram

concebidas como relações de contradição e, portanto, como

dinâmicas.

 

Este aspecto das relações entre interno/externo foi logo

aceito por vários autores e foi proposto, com ligeiras varia

ções,

 

vários trabalhos.

s

Os comentaristas norte-ameri

canos mais competentes registraram a proposição e viram

nela algo de novo.

9

Certamente ela o é, mas dentro do

espírito dos esforços que a cada dez ou quinze anos,  

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testáveis.

 u

sempre foi reticente

em

usar a expressão

 teoria da dependência porque temia a formalização do

  ppro ch

Não obstante, latino-americanos passaram a es

forçar-se

por

criar uma teoria . Os autores latino-ameri

canos que

se

moveram nesta direção, de inspiração mar

xista quase todos, embora fazendo concessões à tentação

gloriosa de construir

uma teoria - tentação que os levou a

formular definições abstrato-formais e a elaborar tipolo

gias

10

-

mantiveram, contudo, a preocupação

com

estabe

lecer as leis de movimento do capitalismo dependen

te .ll  em sempre, a meu ver, tiveram êxito nesta difícil

proeza, mesmo porque existe até uma dificuldade lógica a

transpor: como estabelecer legalidade própria daquilo que

por definição está referido a outra situação que o contém?

Alguns especialistas norte-americanos passaram a cobrar a

 coerência interna da teoria da dependência e a estabelecer

um

corpo de hipóteses deduzidas do princípio da depen

dência para testá-las empiricamente. Neste tipo de refor

mulação da dependência os conceitos devem ser unidi

mensionais e precisos e devem referir-se a variáveis clara

mente estabelecidas. Com sua ajuda pode-se medir o con

tínuo que vai da dependência à autonomia e pode-se

caracterizar graus variáveis de dependência.

 

Entretanto, ao definir desta forma a noção de depen

dência modifica-se também o campo teórico de seu estu

do:

em

vez de fazer-se uma análise dialética

de

processos

históricos e de conceber-se estes últimos como o resultado

da

luta entre classes e grupos que definem seus interesses

e valores no processo de expansão de um modo de produ

ção, formaliza-se a história e retira-se a contribuição espe

cífica que as análises de dependência podem dar meto

dologicamente como a idéia de contradição) e reduzem-se

a ambigüidade, as contradições e as rupturas mais oumenos

abruptas do real a dimensões operacionalizáveis que, por

definição, são unívocas, mas estáticas. Produz-se assim

um

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diálogo de surdos em que uns dizem: dêem-me conceitos

precisos, com dimensões claras, e eu lhes direi, depois do

teste, s as relações entre as variáveis definidas por seus

campos teóricos conformam-se comas hipóteses que vocês

propõem. Outros dizem: eu não estou interessado em defi

nir conceitos unívocos; a mim interessa ressaltar contradi

ções e formular relações que impliquem

 

que o mesmo

s

transforma

no outro

através de um processo que se dá

no tempo e que vai relacionando, através da luta, mas

classes ou facções) com outras e vai opondo-as a blocos

rivais. Por exemplo: como os mesmos burgueses nacio

nais se internacionalizam e tomam-se outros ou como os

 servidores públicos transfonnam-se

 

burguesia de

estado ao redefinirem o campo dos aliados e dos adversá

rios e assim por diante, num processo que envolve modifi

cações de natureza e não apenas de grau.

O desencontro não é apenas metodológico-formal. Ele

atinge o núcleo dos estudos sobre dependência. Estes, s

têm alguma força de atração, não é somente porque pro

põem uma metodologia para substituir um paradigma an

teriormente vigente ou porque abrem uma temática nova.

 

principalmente porque fazem isto a partir de uma pers

pectiva

radicalmente crítica

Comefeito, ao admitir que as estruturas têm movimen

tos e que não se podem explicar as mudanças através

da

ação de fatores exclusivamente concebidos como externos

 que condicionam e interferem no processo social), os

 dependentistas afirmam que existe dominação e luta. As

perguntas sobre como se dá a

transição

de uma situação de

dependência para outra ou sobre como é possível eliminar

situações de dependência devem ser feitas em termos de

saber quais são as classes e grupos que, na luta pelo controle

ou

pela reformulação da ordem vigente através dos parti

dos, dos movimentos, das ideologias, do Estado, etc.), estão

tornando historicamente viável uma dada estrutura de do-

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minação ou a estão transfonnando. Não existe portanto o

pressuposto de neutralidade científica nestas análises.

Elas

s

considerammais verdadeiras porque supõemque

ao discenir quais são os agentes históricos capazes de

impulsionar um processo de transfonnação e ao dar-lhes

instrumentos teórico-metodológicos para suas lutas captam

o sentido do movimento histórico e ajudam a destruir uma

ordem de dominação dada.

São pois

explic tiv s porque são crític s

Não s pro

põe, contudo,

um

conhecimento arbitrário para substituir

outro objetivo . Propõe-se uma abordagem que aceita e

parte da idéia de que a história é movimento e de que as

estruturas são o resultado de imposições que, se

  m

podem

cristalizar-se, contêm tensões entre as classes e grupos que

as tornam sempre, pelo menos potencialmente, dinâmicas.

Na luta que se estabelece entre as partes que compõem

uma estrutura não existem dimensões de variáveis

m

jogo,mas tensões entre interesses, valores, apropriações da

natureza e da sociedade, que são desiguais e opostas. Por

tanto, ao falar de desenvolvimento capitalista dependen

te , fala-se necessária e simultaneamente de exploração

sócio-econômica, repartição desigual de renda, apropria

ção privada dos meios de produção e subordin ção de umas

economias por outras. Por outro lado indaga-se, necessa

riamente, sobre as condições de negação desta ordem de

coisas.

Assim, para resumir, os estudos sobre a dependência

prosseguem uma tradição viva no pensamento latino-ame

ricano, que foi revigorada nos anos sessenta graças à pro

posição de temas e problemas que se definiram num campo

teórico-metodológico não só diferente daqueles que inspi

raram as análises keynesianas e estrutural-funcionalistas a

teoria da modernização e as etapas de desenvolvimento que

repetiriama história dos países industrializados), mas radi-

-calmente distinto quanto ao   o m p o n n ~ crítico que lhes é

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cussão sobre temas e formas de compreensão da

realidade compatíveis com o processo histórico con

temporâneo?

- A representação teórica da dinâmica deste processo

proposta pelos estudos sobre dependência permite

compreender as formas de expansão do capitalismo

na periferia e vislumbrar realisticamente suas alter

nativas?

- Os estudos feitos permitiram definir as classes e

grupos que nas contendas políticas dão vida às estru

turas dependentes? Permitem eles que  

ultrapasse

o quadro estrutural de caracterização para tomar

mais transparente, em conjunturas políticas específi

cas, as relações entre as ideologias e os movimentos

sociais e políticos, de modo a ajudar a ação trans

formadora da realidade?

Quanto à primeira questão se os estudos iniciais sobre

dependência tiveram algo de novo não foi certamente a

afirmação de que existe dependência, o que constitui uma

banalidade, mas sim foi a caracterização e busca de expli

cação de form s emergentes de dependênci Tentaram

mostrar o que significava a industrialização da periferia e

portanto a formação de um mercado interno, pois na Amé

rica Latina não   estavam constituindo meras plataformas

industriais para a exportação) sob o controle do que depois

veio a chamar-se de empresas multinacionais . O reco

nhecimento dos efeitos deste processo - a nova depen

dência 3 - foi o ponto de partida para a reflexão deste tema.

Hoje parece que isto constitui outra banalidade. Entretanto,

a concepção arraigada na América Latina até ao final da

década de 1950 era a de que os trusts não se interessavam

pela industrialização da periferia, pois exportavam para ela

produtos acabados; seu interesse fundamental era o contro

le e a exploração de produtos primários agrícolas e mine

rais. A teoria do imperialismo reforçava este ponto de vista,

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I

 

--

I

  O

ças a elas, embora não exclusivamente, pois os estudos dos

cepalinos

 á

apontavam nesta direção, chamou-se a atenção

para um quadro temático que deixou de ver o desenvolvi

mento capitalista na periferia como mera conseqüência

da acumulação de capitais no centro, para preocupar-se

com a forma histórica que este processo adquire nas socie

dades dependentes.

Tenho muito maiores reservas na avaliação das expli

cações propostas  m muitos destes estudos para dar conta

do processo histórico. Vou limitar-me a mencionar uma

questão que serve de ponto de clivagem entre depen

dentistas . Trata-se da questão da forma como se analisa o

movimento provocado pela expansão do capitalismo na

periferia. Aqui, forçando um pouco a análise para simpli

ficar, há duas modalidades polares de conceber-se o pro

cesso de desenvolvimento capitalista:

- existem os que crêem que o capitalismo depen

dente baseia-se na superexploração do trabalho, é

incapaz de ampliar o mercado interno, gera incessan

temente desemprego e marginalidade e apresenta

tendências à estagnação e a uma espécie de constante

reprodução do subdesenvolvimento (como Frank,

Marini e, até certo ponto, dos Santos);

- existem os que pensam que, pelo menos  m alguns

países da periferia, a penetração do capital industrial

financeiro acelera a produção da mais-valia relativa,

intensifica as forças produtivas e, se gera desempre

go nas fases de contração econômica, absorve mão

de-obra nos ciclos expansivos, produzindo, neste

aspecto, um efeito similar ao do capitalismo nas

economías avançadas, onde  o xist m desemprego

e absorção, riqueza e miséria.

Pessoalmente sustento que a segunda explicação é mais

consistente, embora o tipo de desenvolvimento depen

dente-associado não seja generalizável para toda a perife-

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ria. À vezes se pensa impugnar a teoria da dependência

ou

vislumbrar nela contradições quando se sublinha que

pode haver desenvolvimento e dependên i e que existem

formas mais dinâmicas de dependência possibilitando in

clusive graus maiores de manobra pelos Estados nacionais

e pelas burguesias localmente associadas ao Estado ou às

multinacionais) do que as que caracterizam situações de

enclave ou de quase colônia. O argumento mais comumen

te usado é o de que, neste caso, passa a existir uma relação

 e

 interdependência . Entretanto, quando se encaram as

relações entre as economias de desenvolvimento depen

dente associado e as economias centrais não é difícil

perceber que a divisão internacional do trabalho continua

a operar a partir do suposto real de graus muito diferentes

de riqueza, de formas de apropriação desigual do excedente

internacional e do monopólio dos setores capitalistas dinâ

micos pelos países centrais, o que não permite dúvidas

quanto às diferenças entre as economias centrais e as de

pendentes. O setor de produção de bens de capital e a

geração de novas tecnologias, portanto os setores mais

revolucionários a nível das forças produtivas, setores que

são decisivos no esquema de reprodução ampliada do

capital, continuam a localizar-se nos núcleos centrais das

empresas multinacionais. E o endividamento externo é

oscilante mas contínuo nas economias dependentes.

Por fim, neste balanço sumaríssimo, também me pare

 em

discutíveis as análises produzidas até agora para cate

gorizar os agentes históricos das transformações sociais.

Tanto os autores estagnacionistas ou subconsumistas ,

que crêem que o mercado interno

é

insuficiente para dar

lugar à expansão capitalista dependente

 

como os favorá

veis à possibilidade de desenvolvimento capitalista

em

certos países da periferia, geraram, até agora, uma análise

política relativamente pobre. Ou enfatizaram a possibi

lidade estrútural da Revolução e passaram a discutir a

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superação da dependência em função de um horizonte

histórico no qual o Socialismo aparece como o resultado

  s

crises crescentes e peculiares de um capitalismo estag

nante, ou previram uma nova barbárie , demonstrando

pendores à repetição de clichês que pouco explicam. Os que

não têm tal visão, entre idílica e catastrofista e eume incluo

entre eles), são reticentes quanto às alternativas políticas.

 e qualquer maneira, enquanto os primeiros os catastro

fistas) fazem uma análise política mecânico-formal , os

segundos ou revelam uma boa vontade quanto a

um

 capi

talismo autônomo que não se vê

 em

como se realizará ou

esboçamexpectativas quanto a um socialismo cujaperson

histórica não se vê desenhada nem nas análises nem, talvez,

na realidade.

Tanto o estilo mecânico-formal dos que crêem nos fins

últimos da história, garantidos pela

ne essári

incapa

cidade estrutural do capitalismo dependente para expandir

se e reproduzir-se quanto o estilo elíptico dos que querem

escapar desta política de Frankenstein, leva os críticos da

dependência à convicção de que o catastrofismo ou a

indefinição permanente são resultados necessários deste

tipo de análise. Para evitá-los, propõem que sejam melhor

definidas as dimensões que permitam medir graus de de

pendência. Com estes, pensam demonstrar que sempre que

os Estados locais aumentem a capacidade de regulamentar

a economia e de contrabalançar as multinacionais, haverá

espaço para maior independência.

Não é esta a ocasião para ir mais fundo neste debate.

Entretanto, não concordo com a idéia de que para melhorar

a qualidade das análises deve-se formalizar a teoria da

dependência e, depois de testar hipóteses derivadas desta

formalização, sair pelomundo brandindo a porcentagem da

variância explicada por cada fator que compõe as situações

de dependência. Em vez de pedir que se faça análises dentro

do padrão estrutural-funcionalista empiricista, é melhor

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pedir que se incremente a qualidade das análises histórico

estruturais.

Ao dizer isto, entretanto, não quero endossar a expec

tativa ingênua de que as teorias sobre dependência expli

cam tudo

ou, se ainda não o explicam, é porque o método

foi mal aplicado. É preciso ter sentido,

não diria de

proporções, mas de ridículo, e evitar o simplismo reducio

nista tão comum entre os modernos colecionadores de

borboletas que abundam nas ciências sociais e que pas

seiam pela história classificando tipos de dependência,

modos de produção e leis de desenvolvimento, na doce

ilusão de que com seus achados vão retirar toda a ambigüi

dade, imaginação e inesperado da história. É preciso, ao

contrário, ter a paciência da pesquisa disciplinada por uma

dialética que não seja indolente e não se compraza

em

construir formulações muito gerais e abstratas como se

fossem sintéticas. É preciso admitir que, por sorte, por mais

que os cientistas sociais se empenhem em encerrar em

esquemas as possibilidades estruturais da história, esta nos

toma, a cada momento,

dupes   nous-mênles

e nos sur

preende com desdobramentos inesperados.

 OT S

1 Bodenheimer, Susanne J -

Tile Ideology

of

Developlllelllalislll:

rh

Alllerican

Paradigm-surogarefor LarillAlllericall Srudies

Berverly Hills, Califomia, Sage Publi

cations, 1971; especialmente toward a new conceptual framework: lhe dependency , p

34-40.

2. Algumas formulações dos estudos iniciais sobre dependência tentam evitar

apresentações simplistas

da

questão. O mesmo vale para alguns comentadores. Há muitos

livros e artigos dispOlúveis em inglês sobre a teoria da dependência . Para uma análise

da

sociologia latino-americana contemporãnea, ver Karl, Joseph -

Modernizarioll -

ploitario n Depelldellcy ill Lariu Alllerica New Brunswich, New Jersey, Transaction

Books, 1976. Para uma revisão extensiva da literatura sobre dependência, ver Chilcote,

Ronald e Edelstein, Joel - Latin America: the struggle wilh dependency and beyond,

Nova Iorque, JoOO Willey and Sons, 1974, lntroduction , p 1-87. Para alguma crítica

e uma proposta alternativa, mas não incompatível, ver Hirsclunan, Albert -   genera

lize< linkage approach to development with special reference lo staples , 1975, mimeo.

Para uma crítica e um swnário, adotando wn outro paradigma, Packenham, Robert

 Latin American dependency lheories: strengths and weaknesses , mimeo. Para breves,

mas

consistentes sumários, O Brien, Philip -

 

critique

of

Latin American theories

of

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dependency , Glasgow, Institute

of

Latin American Studies, mimeo., e Corradi, Juan

 eds.) - Ideology arui Social Change in Latin America no prelo. Para uma visão geral e

para bibliografia, veja BonilIa, Frank and Girling, Robert -

Structures o Dependency

Stanford, 1973.

3. O debate entre a abordagem humanista e a ontológica na interpretação da

dialéticamarxista influenciougrande parte das tentativas dos cientistas sociais brasileiros

de usar essa metodologia.

4. A metodologia do livro

Dependência e Desenvolvimento na América Latina

 cuja primeira versão foi um documento do ILPES,CEPAL) é muito próxima àmetodo

logia que usei

em

estudos anteriores sobre escravidão e capitalismo, assim como

em

pesquisas sobre problemas de desenvolvimento e empresariado no Brasil veja, por

exemplo,

Desenvolvimento Econômico e Empresário buiustrial

São Paulo, DIFEL,

1964). Há publicações de muitos outros autores latino-americanos desde começo dos

anos 50 tentanto revitalizar a abordagemdialética.

5. A literatura brasileira sobre este tópico é considerável. Os estudos clássicos são

os conhecidos livrosdeRoberto Simonsen, Caio Pradoe Celso Furtado sobre a economia

colonial. Do ponto de vista sociológico a análise de Florestan Fernandes sobre a

sociedadeescravista e o ancien regime oferece interpretações penetrantes. Todosesses

livros, assim como o livro de lanni, Octavio -  s metamorfoses do escravo São Paulo,

DIFEL, 1962 e o meu próprio sobre a sociedade escrava no sul do Brasil, já estavam

publicados quando A.G. Frank discutiu

as

teses sobre feudalismo e capitalismo .

6. Esta é a perspectiva de interpretação proposta por F.H. Cardoso e Enzo Faletto,

em Dependência y Desarrollo Santiago, ILPES, 1976. A versão inicial foi distribuida

em

Santiago

em

1965.

7. Apesardisso, a concepçãousual deuma análise estática de estruturas leva a falsas

interpretaçõesde alguns dosmeusescritos

 

Fui considerado, em criticas apressadas, como

estruturalista, dentro da tradição de Lévi-Straus, quando não defensor de análise que

desdenha a importância da lutade classes... Veja, para esse tipo de entendimento ingênuo

da metodologia que eu proponho, Myer, John - A crown

of

lhorns: Cardoso and lhe

counterrevolution ,

LatinAmerican Perspective

spring 1975, vol. lI, n.

 

8. Theotônio dos Santos, porexemplo, apresenta uma visão similar no estudo que

escreveu depois da discussão, em Santiago, do ensaioescrito porFaletto e pormimsobre

 Developrnent andDependency . Veja dos Santos - La nueva dependência , Santiago,

CESO, 1968.   outros ensaios que publicou depois de seu primeiro artigo sobre La

nueva dependencia , dos Santos propõe demaneira simples e clara o mesmomodelo de

conexão dialética e não

mecãnica entre interesses externos e internos. Veja, especial

mente,

 Las

crisis de la teoria dei desarrollo , op

ito

9.   lém dolivro de Kahl que é mais abrangente

em

termos históricos e não é

limitado

à

discussão sobreDependência, ver Bodenheimer, S. 1971),

op cit

e Chilcote

and Edelstein, op

ito

Ver tambémPaclrenham, R., op cit p. 4-5.

10. Mesmo dos Santos propõe uma definição formal de dependência e, portanto,

estática e não-histórica)

em

seu conhecido artigo The Structure

of

Dependency ,

American Economic Review 1970, p. 231-236. Vãnia Bambirra tambémcaiu na tentação

de ajudar dos Santos a desenvolver uma teoria da dependência ou do capitalismo

dependente, como ele sugere

em

seu ensaio La crisis de la teoria del desarrollo , esp.

p. 33. O resultado dessa tentativa foi uma nova tipologia de formas de dependência e

algumas possibilidades formais de mudanças estruturais. Veja Bambirra, Vania -

El

capitalismo dependente Latinoamericano México, Siglo Veinteuno, 1974. Bambirra

interpreta de forma equivocada a análise de situações de dependência, sugerida por

Falettoe

pormim

quandoela se refere a elas comose nós estivéssemos propondo tipos

de dependência.

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11. A preocupação com leis de transfonnação na tradição marxista é clara em

dos Santos, assimcomono livro de Vânia Bambirra, Marini, Rui Mauro em - Brazilian

Sub-Imperialism , Molllhly Review n 9, feb. 1972, p 14-24 e em Sub desarrolLo y

RevoLución México, Siglo VeintewlO, 1969, refere-se também a algum tipo de leis

históricas. Mas a interpretação de Marine é lnais analógico-fonnal do que histórico-es

trutural. Sua apresentação das características do capitalisJll0 dependente ein tennos da

superexploração da força de trabalho e da permanente crise de realização do capital) não

se adequa ao processo histórico real.

12 Exemplos disso são as críticas de Packenham aos estudos de dependência e,

correspondentemente, suas contribuições para avaliar o desempenho dos Estados e

economias, em tennosde graus de independência. Veja, especialmente, seuartigo Trend

in Brazilian dependence since 1964 , march

1

1976 não publicado). Outros, apesar de

mna compreensão mais adequada do significado teórico dos estudos de dependência,

incorreram

em

falácias metodológicas. Um exemplo disto é o sugestivo trabalho de

OJase-Dum, Cris, The effects

of

intemactional economic dependence on development

and inequaJites: a cross-national study , Stalúord não publicado). O autor faz compara

ções entre diferentes situações de dependência como se elas fonnassem parte domesmo

 continuum de dependência-independência. A análise toma-se, então, fonnal e a-histó

rica. Mesmona abordagemde Durkheim, algmna compatibilidade entre as estruturas que

estão sendo analisadas é requerida na análise comparativa para dar validade aos resulta

dos. Além disso, nmna abordagem lústórico-estrutural a especificidade da situação

concreta é mna pré-eondição para qualquer fonnulação analítica. Entretanto, Chase-Dum

não leva em conta as distinções básicas entre estruturas de classe e políticas numa

economia de enclave, nwna econonúa de exportação controlada nacionalmente, ou nwna

economia industrializada dependente-associada. Misturando dados retirados de distintas

situações de dependência, ele pretende dar validade ou criticar afinnações que foram

apresentadas como características de fonnas específicas de dependência. Não estou

argumentandocontra o uso de estatísticas oudados empíricos lústóricos) como ummeio

de validação ou rejeição de teorias. Estou criticando seu uso inadequado, em tennos

metodológicos e teóricos. AlgW1S outros trabalhos apresentamerros que são paralelos ao

mencionado acima, com uma característica adicional: eles substituem as concepções

teóricas dos dependentistas pelo significadode senso comwndo tenno dependência

e imperialismo). O pretexto para isso é a falta de precisão na literatura. Por precisão,

esses autores entendem wna abordagem positivista. Depois de redefinir

segW1do

suas

concepções a teoria da dependência eles pretendem submetê-la ao teste empírico ,

confrontando as hipóteses com os dados. Que hipóteses, como categorizar os dados e

quem são os autores submetidos à prova depende, obviamente,

da

escolha arbitrária

desses empíricos e objetivos cultores da ciência... Veja, por exemplo, Duval, Raymond

e Bruce, Russet - Some proposals to guide research on contemporary imperialism ,

Yale University, não publicado.

13 Veja, Cardoso, F.H. e Faletto, Enzo - Dependendo e DesarrolLo op. cit. último

capítulo,   nova dependência . Dos Santos tomou essas idéias e desenvolveu a carac

terização

em

A nova dependência.

Entretanto, muitos críticos e comentadores não se deram conta das implicações do que

é novo nas situações de dependência dos países industrializados do Terceiro

MWldo

Susanne Bodenheimer, por exemplo, lnanteve a perspectiva do modelo de expansão de

mna fase do imperialismo como a principal característica da nova industrialização :

 

sistema internacional hoje é caracterizado por: capitalismo industrial avançado ...) as

nações dominantes necessitam importar matérias-primas e, mais importante ainda,

mercadorias e mercados de capital Dependency and lmperialism: the roots of Latin

America Underdevelopmente , in FaIm

aIld

Hodges - Readings un V.S. Imperialism

Boston, Porter Sargent, 1971, p 161). Além disso, o conceito de Bodenheimer de

 infra-estrutura

de

dependência relaciona-se basicaIuenle às corporações multinacio-

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nais. Deste modo, novamente, as forças externas dão forma às estruturas internas, sem

mediação interna:

 

infra-estrutura de dependência pode

ser

vista como equivalente

funcional dewn aparato colonial formal , sustentado por c1asses-elientes que desempe

nham, na AméricaLatina moderna , o papellústóricode burguesia compradora (veja

p. 161-163). Nesta abordagem, o método funcional-formalista está vivo, outra vez. Não

devido ao uso da palavra equivalente funcional

em

si, mas porque Bodenheimer está

comparandosituações  a  colonial e a capitalista moderna ) construídas sem conteúdo

Iústórico, de umamaneira que Frank algumas vezes usou quando

se

referiu ao feudalismo

e ao capitalismo.

14.Nesse aspecto, o ensaiomais influente foi o de Sunkel, Oswaldo, Transnational

Capitalism and National Desintegration in Latin America , Social Economic Studies

University

of

West lndies, vol. 22, n. I, March 1973. Celso Furtado escreveu alguns

artigos recentemente sobre o capitalismo contemporâneo, acentuando a reorganização

do mercado internacional sob controle das multinacionais e suas conseqüências para a

dominação política internacional.

15. A importância da burocracia de Estado e das empresas estatais na América

Latina foi enfatizada por vários dependentistas . Veja dos Santos, La crisisde la teoria

dei desarrollo , op. cit. p 25, e Dependencia econólnica y altemalivas de cambio en

AméricaLatina ,

em

seu

Dependencia Económica  Cambio enAmérica Latina op. cit.

p. 93. Meus pontos de vista sobre o assunto podem ser encontrados em Autoritarismo e

DemocraliZIJção Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. Veja, para desenvolvimentos mais

recentes da discussão sobre o papel do Estado, o penetrante ensaio de o  Donnel,

Guillerrno -

Reflexiones sobre las tendencias generales de cambio en el Estado Buro-

crático autoritário Buenos Aires, CEDES, 1975. Marcos Kaplan publicou ensaios

pioneiros sobre a natureza do Estado em sociedades dependentes. Veja, especialmente,

seu Estado, dependencia externa y desarrollo en América Latina , in   Nueva Depen-

dencla op. cit., Francisco Weffort publicou também um conhecido e elucidativo ensaio

sobre Estadoe Massas , BuenosAires, Revista Latino americana de Sociologia 1966.

16. Esta não é a ocasião para lembrar a discussão sobre marginalidade . Arubal

Quijano e José Nun contribuíram para essa discussão. Pesquisas recentes e críticas

parecem reorientar a discussão, adotando outras hipóteses com relação a emprego,

marginalidadee industrialização. Veja Singer, Paul, em várias publicações das Cadernos

CEBRAP.

assimcomoElizabeth Jelin e Lucio Kowarick. Vilmar Faria

em sua dissertação

de doutoramento, Urban Marginality

 s

a Structural Phenomenon: an overview

o

the

literature. University

of

Harvard, 1976, não só sumaria discussões anteriores, como

propõe novas abordagens para a questão, levando em consideração evidências teóricas

n

questão do emprego e de desenvolvimento capitalista, sem o viés da estagnação .

17. Sobre o subconsurnismo ver os

referidos trabalhos de Rui Mauro Marini.

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Capítulo  

POR   OUTRO

  S NVOLVIM NTO

A crise da civilização industrial - como alguns a qua

lificam - evidenciada com maior força depois do curto

período do desafio criado pela alta de preços do petróleo

 já absorvida , segundo alguns especialistas) trouxe

à

mesa de discussões todo

um

rosário de novas e velhas

lamúrias pelos males do presente e, quem sabe, despertou

as

esperanças do futuro. Nesta lista, longa, de problemas

chave cuja solução

é

conhecida mas não aplicada, desta

cam-se:

- o desperdício de recursos naturais não renováveis;

- a utilização de tecnologias predatórias

da

natureza e,

pior ainda, poupadoras de trabalho

em

sociedades

carentes de emprego;

- a poluição crescente do meio ambiente;

- as distorções da urbanização, correlatas com as ma-

nifestações mais negativas das formas de convivên

cia que prevalecem nas sociedades de massa au

mento da criminalidade, uso de drogas, insegurança

pessoal, etc.).

 

Publicado originalmente em Nerfin, Mare ed.), Anolller Development Approa-

 ll s

 n Slralegies Uppsa1a, Dag Hammarskjold FOllildalion, 1977, p. 21-39.

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Nos países subdesenvolvidos, a estas características

não desejáveis da civilização industrial somam-se ainda

outros problemas que nos países do Centro afetam geral

mente apenas a minorias:

- a curva assustadora, para os discípulos do Clube de

Roma) do crescimento da população mundial;

a possível escassez de alimentos em determinadas

áreas, dolorosa realidade);

a falta de moradia adequada numa civilização que,

ao mesmo tempo, resplandece

 

prédios de aço e

vidro e pontes.de concreto protendido;

por vezes, até mesmo a falta de vestuário adequado

para a maioria, contracenando com o requinte da

moda que, através da forma atual de comunicação

instantânea, joga pela TV nos olhos das elites do

Sudeste da Ásia, da América Andina, do coração da

África e de todos os bolsões de miséria do mundo, o

fascínio de estilos alternativos da moda, que vão

do gosto pelo antigo , à la Balmain, às fantasias

barrocas de Cardin, ao modernoso de Courreges ou

ao falso estar à vontade de Hecter, num escândalo

de desperdício da imaginação e num escárnio à po

breza do mundo

 

o súbito salto de curvas demortalidade infantil ou de

 pestes como a de meningite ou as de cólera) que

na auto-imagem do mundo narcísico que nasceu

orgulhoso da Revolução Industrial, deveriam estar

soterradas com as trevas da Idade Média;

as estatísticas de desnutrição e subnutrição que des

mentem as belas palavras dos governantes ciosos do

avanço dos últimos trinta anos em países de desen

volvimento médio , que são aqueles, na Periferia,

que conseguiram deslanchar um processo de indus

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-

- o analfabetismo, depois de tantas campanhas de boa

vontade .

A lista seria longa para ser exaustiva, como também é

longa a relação dos remédios propostos. Dentre eles, cabe

mencionar:

- uma utilização racional da natureza, que dê ênfase

ao uso de recursos renováveis e não poluidores  a luz

do so ou a força das águas, por exemplo, como

alternativa ao petróleo);

- o emprego combinado de tecnologias intermediá

rias e avançadas, para estabelecer um equilíbrio

entre recursos de capital acumulados e mão-de-obra

disponível;

- o balanceamento em proveito do bem-estar coleti

vo, e não em vez de crescimento econômico) do

número de filhos, orientado por critérios de pater

nidade responsável , que nada têm a ver com as

afliçóes agônicas dos partidários da zero growth r te

nem com as teorias dos neofascistas que se deixam

embalar pela necessidade de ocupar espaços va

zios , na caolha geopolítica dos que não se preocu

pam com a qualidade da vida nestes espaços;

- a reorientação da política de abastecimento,

 m

be

nefício de produtores de bens de consumo popular

 em geral médios e pequenos), que ao invés das mais

do que ilusórias green revolutions ou das teorias

sobre a capacidade de oferta elástica de alimentos a

partir da grande unidade capitalista de produção;

- o reconhecimento de que os critérios da técnica

industrial para a definição do que seja o abrigo

adequado são também vesgos e de que talvez a

 autoconstrução e a transferência direta via expro-

pri ção

 

redistribuição de recursos habitacionais

têm muito maior eficácia do que os pretendidos

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 sistemas autofinanciáveis de fundos habitacionais

sustentados pelos bancos regionais ou domésticos:

- a modéstia, quase monástica, das sociedades não

ostentatórias,  omo a chinesa, para coibir o desper

dício e o luxo no estilo de vida;

- a elevação do nível de vida das massas como única

solução real para os problemas de saúde e subnutri

ção, especialmente das crianças e das mães, desmis

tificando os enfoques clínicos, assistenciais ou pura

mente médicos, que se aplicam topicamente

ou

a

camadas muito restritas da população;

- a crítica global da cultura e do sistema educa

cional, revolucionando a concepção prevalecente,

que é elitista, sobre informação e elaboração cultural.

Cotejando-se o que é

 om

o que vale, comparando-se

o

mundo

tal

 omo

existe

 om

o mundo tal como alguns o

querem, o refrão cético de que não há novidade nas propos

tas persiste: utopias, dirão, não penetram a opacidade das

coisas .

E aí começamos a entrar no centro da problemática do

 outro desenvolvimento . A opacidade das coisas , a

 lógica

d

situação , a trama dos interesses constituídos

são

formas evasivas

de

indicar

sem

denunciar o problema

- seja dita a frase surrada mas verdadeira - da exploração

do

homem

pelo homem.

Neste sentido,

se

é certo que muito se tem dito e

problematizado a partir, digamos, do fim da Segunda Gran

de

Guerra, a respeito dos males e distorções da civilização

industrial , quase tudo tem sido enfocado pelo prisma das

meias verdades, a começar pelo próprio alvo

d

crítica, a

sociedade industrial, como

se

fosse uma entidade que paira

acima

do

interesse de homens, grupos, classes, Estados e

nações. Àmedida que se desce do nível dos problemas mais

gerais os   uter limits p. ex.) para os problemas mais

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cas e soluções chamadas científicas cortou em atrozes

divergências os primeiros críticos universais da civilização

industri l b se d n explor ção do

hom m p lo hom m

Na perspectiva redentora dos maiores dentre os críticos

havia a convicção otimista de que o progresso da civiliza

ção e o da consciência viriam de mãos dadas, criando as

condições de possibilidades para uma nova era, triunfalista,

que seria constituída pela força renovadora dos oprimidos.

 m século e meio depois, estala no Ocidente a crise

da cultura . A revolta aparece entre os filhos dos ricos,

rebenta entre os rebentos nauseados pela abundância de

uma civilização urbano-predatória que joga nas Universi

dades, ilhando-os e cevando-os com o que de melhor e às

vezes de mais histriônico existe no arsenal das tecnicalida

des e dos volteios humanísticos , milhões de seres que

acabam por descobrir coisas contraditórias. Percebem que

também de pão vive o homem e que este pão é escasso para

a maioria. E percebem que só o pão não basta para os já

saciados. Partem, depois, ou para a arrogância da verdade

descoberta ( ah se vocês fizessem como nós , diziam os

estudantes franceses aos operários, em maio de 68) ou para

a complacência rebelde dos drogados de Berkeley, das

comunas dos naturistas , do horror à civilização, que é a

forma contemporânea de

spl n

byroniano. A generosida

de e o romantismo de toda uma geração jogaram-se - quase

se exaurindo - na contratécnica, na construção de guetos

libertários, na fuga através do que se poderia qualificar de

uma espécie de jansenismo invertido, que vê na negação

extramundana do mundo (depois que se desiludem da

possibilidade de revolucioná-lo pelo exemplo) a tábua de

salvação individual para uma ordem social injusta. Daí

derivam os múltiplos grupos de insurgentes , que não

chegam sequer a ser revoltosos para não pensar que pudes

s m

ser revolucionários. Passeiam seu nojo do mundo sob

o signo de Aquarius pelas estradas da civilização, que

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detestam,

à

procura do Nepal de seus sonhos. Os mais

.disciplinados exibem suas carecas, harmoniosamente con

tinuadas nas batinas brancas e nos pés descalços dos grupos

peripatéticos de zen-budistas mil, que cruzam a esquina da

Quinta Avenida com o Central Park, anunciando, pela sua

só presença, que não querem mais pertencer à civilização

que começou a tomar consciência de si na arquitetura

 ridícula) do Plaza e que, de repente, sacudiu o que de falso

e imaginoso, embora atraente, havia no estilo bolo de

aniversário do capitalismo eufórico do século XIX, para

aparecer como uma lâmina crava nos pobres passantes,

férrea e lógica , do edifício

 

frente, da General Motors.

Mas o clamor que ecoa por toda parte, em benefício dos

d mnés de l terre não brotou apenas da generosidade das

belas almas: houve, e há, vozes e ações vindas do gueto

 comona expectativa marcusiana) das minorias negras nos

quentes verões deTrenton, dos campos de batalha das lutas

de libertação nacional da Argélia, do Vietnã, das colônias

negras da África, do Camboja e até mesmo da primavera,

quemuitos acreditavam desnecessária e outros impossível,

das ruas de Praga.

Desta forma, o refrão contra a exploração do homem

pelo homem, que nascera desde o começo da civilização

industrial, começou a construir uma nova utopia - e s

ela não

 

ação possível- que alargou, sem pô-la

 

margem,

a visão que a segunda metade do século XIX herdou do

passado a respeito das classes revolucionárias, portadoras

da história. Por várias razões que aqui não cabe discutir, a

ideologia contemporânea sobre a renovação, que pode

servir de cimento para um outro estilo de desenvolvimento,

é mais inclusiva e menos racionalista do que a utopia do

século XIX que, no plano das idéias, a antecede. Não crê

tão cegamente que por impulso do próprio desenvolvimen

to das forças produtivas - e portanto da técnica - as

contradições entre a apropriação privada dos meios de

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produção e a socialização do trabalho irão desembocar

numa nova ordem. Agrega a este patamar básico de racio

nalidade e compreensão uma dimensão voluntariosa, ético

estética, que quer revolucionar a própria matriz cultural da

civilização contemporânea: pretende fundar um outro es

tilo de desenvolvimento .

O homem novo do revolucionário da exemplaridade

o

 The

Guevara

-,

o grito dos argelinos contra a tortura,

a guerra do povo de Giap, o socialismo da escassez

repartida de Mao, prolongam-se contraditoriamente

em

outras lutas. Num amálgama não resolvido, elas se juntam

- no plano da motivação para a busca de alternativas - com

o libertarismo quase anárquico do maio francês  défense

d interdire), com o racismo anti-racista prenunciado por

Sartre das almas geladas dos negros americanos, com o

 apoliticismo revoltado do espírito missionário das mina

rias americanas, com os movimentos feministas como

casá-los, meu Deus, com o Islão socialista?) e até mesmo

com o antiburocratismo latente da primavera de Praga.

 

desta matriz, confusa e contraditória, que se nutre o

pensamento utópico

 

como propor estratégias alternativas

sem utopias?) que sopra os ventos de um outro desenvol

vimento . Ele parte de uma vontade coletiva de afirmação

que às vezes aparece como se fosse um protesto solitaria

mente idealista:

prends mes désirs paur

l

realité car je

crois en l realité

 e

mes désirs

 inscrição nos muros da

Sorbonne

em

maio de 68).

  desta matriz também - embora de modo muito me

diatizado - que nasce o movimento pela reconstrução da

ordem econômica internacional. Em vez da fria análise

sobre o imperialismo e sua força - e portanto sobre a

reprodução ampliada de uma impossibilidade de mudança

-,

os povos do Terceiro Mundo, e alguns governos, vêem

na crise do petróleo e na união da OPEP sinais sensíveis de

uma vontade de mudança que começa pelo que, na lógica

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  s estruturas, deveria ser o fim: obter uma ordem mais

justa entre as nações, antes mesmo de alterar a ordem

interna das nações.

Proposta nestes termos, a estratégia da libertação inter

nacional parece estar embebida do mesmo espírito dos que

crêem na realidade dos desejos mais   que n torça na

realidade. Entretanto, o outro desenvolvimento não se

nutre apenas do hidromel das utopias. A leitura correta

desta vontade de mudança bem pode ser outra: são tantas e

tão profundas as brechas internas dos sistemas de domina

ção - criadas, por certo, graças às lutas de liberação, aos

movimentos das minorias, ao protesto urbano, etc. - que

mesmo no ápice do aparelho internacional de dominação

vêem-se as fendas das estruturas de apoio. Talvez seja esta

a característica mais saliente da forma atual pela qual se dá

a crítica da sociedade opressora: ela surge como luta, como

pressão da Periferia, como pressão da base das sociedades

do Centro, mas surge, ao mesmo tempo, como dessolida

riedade entre parte das elites ilustradas e as classes domi

nantes. Talvez seja por esta razão que a luta pela recons

trução da ordem internacional e das estruturas nacionais de

dominação apareça como uma crise de valores , pondo

 m

causa a cultura e a civilização industrial, tanto quanto

as bases sobre as quais elas assentam. Watergate é um

episódio que leva à nova ordem tanto quanto as areias que

bloqueiam o canal de Suez.

Se na utopia do século XIX se acreditava que a substi

tuição da classe dominante pelas classes exploradas poria

fim, automaticamente, à alienação, às desigualdades, a toda

forma de exploração, na utopia do século XX o fetiche das

coisasparece ser tão forte que, simbolicamente, volta-se a

 quebrar as máquinas como fizeram os velhos cartistas

ingleses. Tem-se a desconfiança de que com a tecnologia

avançada vem ne ess ri mente o burocratismo e, com ele,

ainda que não exista a apropriação privada dos meios de

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a civilização industrial contemporânea criou,

de

fato, as

basesmateriais para a igualdade

 om

decência ao elevar os

patamares mínimos de acumulação

qu á

estão à disposi-

ção

dos homens, tecnicamente falando.

É esta contradição - talvez pela primeira vez na História

- entre uma possibilidade concreta e uma

perfomance

tão

longínqua da satisfação das necessidades de todos, que faz

 om

que exista uma espécie de

malaise

mesmo

no

mundo

desenvolvido, que torna cada fruição

um

pecado. Todos

sabem que a utopia de nosso slculo

é

materialmente pos-

sível.

Ela não está enraizada apenas nos desejos, mas existe

como possibilidade nas coisas; e se a lógica das coisas

não leva à sua realização é porque os desejos e os interes-

ses de algumas minorias o impedem. E por isto que o

mundo contemporâneo sofre como um tormento cada grão

de trigo que morre na haste porque interessa a alguns que

ele não seja pão. E como, por outro lado, vive-se num

mundo de comunicações instantâneas e, até certo ponto,

de

comunicações de massa, cada crime que é cometido no

Líbano, cada capitulação da dignidade nacional que é im

posta por uma companhia bananicultora qualquer ao cor

romper

um

presidente, cada agreement que é assinado

so

pressão - seja para derrubar Dubcek no Kremlin, seja para

obrigar, no Ministério das Colônias

em

Washington, os

países confederados a impor embargos a nações que não se

submetem - repercute e mina, no plano moral, a eficácia

da ordemmundial e a incolumidade dos sistemas de domi

nação. E estes, para serem eficazes não podem basear-se

apenas na força: a obediência requer consentimento, a

dominação exige hegemonia.

Por isso, não é de assustar que a definição de um outro

desenvolvimento não apenas excite a imaginação dos

povos oprimidos, afligidos por necessidades materiais, mas

que além disso desperte o interesse do pensamento social

e econômico das nações industrializadas. E, no entanto, até

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recentemente a ideologia do desenvolvimento encobria um

outro aspecto da realidade que agora se tornou visível:

também existem bolsões de miséria nos países industriali-

zados onde o fruto mais cobiçado da civilização industrial

  o incremento do produto nacional bruto acabou criando

os problemas de abundância  á apontados: poluição inse-

gurança cidades nada práticas etc. A crítica portanto

desponta da situação dos negros e porto riquenhos  m

Nova Iorque dos clúcanos

 m

São Francisco dos espa-

nhóis e italianos na Suíça dos argelinos

 m

Paris. E a ela

se junta outro tipo de crítica a que se engendra no protesto

urbano das classes populares e no pavor à cidade que

sobressalta as classes dominantes: nos bairros ricos esses

escandalosos bairros dos latino americanos ricos refugia-

dos  m guetos cuidadosamente construídos e nas fortale-

zas modernas esses luxuosos edifícios de apartamentos ou

grandes mansões vivem todos aqueles que ainda que

teoricamente sejam consumidores da civilização da abun-

dância de sobremesa têm de engolir para iludir o medo às

cidades o próprio isolamento em circuitos fechados de

fausto e fastio. Desse modo os filhos dos ricos estão

marcados pelo estigma de serem donos de uma civilização

que nega a convivência que de fato cria a situação do

homo

homini lupus

que os pensadores do século XVII tentaram

evitar mediante a política.

É uma civilização de pobreza para a maioria; de medo

para todos.

A alternativa para isso além do valor da igualdade

reside

 m

seu complemento que requer liberdade: a neces-

sidade de

p rticip r

Está na democracia. Mas não numa

democracia relegada ao corpo quase místico de um partido

ou a um liberalismo que confunde a representatividade com

a divisão de poderes e confina todo jogo político efetivo ao

cume das grandes organizações estatais ao parlamento ao

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parte inerente do outro desenvolvimento de saída émais

exigente e mais inclusiva. Volta-se para as novas arenas

onde se tomam as decisões das sociedades contemporâ

neas: o sistema educacional o mundo do trabalho as

organizações que controlam a comunicação de massas.

Posto que universal a demanda por igualdade reque

rem-se controles democráticos que neguem o autoritarismo

  s

práticas de ensino as quais só fazem reproduzir  

escala ampliada a ordem estabelecida. Deve haver uma

educação não só

p r

liberdade mas

n

liberdade; uma

pe gogi o oprimi o com escolas onde a partilha das

experiências entre gerações permita a emergência de solu

ções novas e não apenas a codificação daquele óbvio que

o passado nos legou.

Emcerto sentido este caminho se abre para a busca dos

meios para se chegar a uma revolução cultural. Que não se

tentou só na China mas que insinua alternativas nos atos

da contracultura norte-americana na mobilização das bri

gadas de alfabetização e trabalho em Botswana

2

  na gene

ralização da educação de base nas intermináveis refonnas

da universidade e nos movimentos estudantis. A universi

dade tradicional mesmo nas sociedades disciplinadas eslá

 

vias de se converter num museu rodeado de ricas

experiências de re-criação da cultura que inadvertidamente

se filtram por suas rachaduras rejeitando uma educação

concebida tão-somente como correia de transmissão da

matriz cultural do dominador como meio de impor a

cultura dos senhores às classes e aos povos dominados.

Aomesmo tempo na ausência de um fluxo de infonna

ção democrática e em face do fracasso das grandes organi

zações públicas e privadas em convocar congressos onde

as disciplinas e as nonnas de eficiência da civilização

tecnológica possam ser discutidas compreendidas e aceitas

consensualmente por aqueles que arcarão com seus efeitos

o mundo do trabalhador continuará sendo não só alienante

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mas também a base para o autoritarismo tanto nas socie

dades capitalistas como nas socialistas. Por esta razão um

 outro desenvolvimento - que se deve basear na mobili

zação das massas - terá ao mesmo tempo que se haver

com a necessidade de desenterrar as sementes do totali

tarismo mediante uma democracia de participação implí

cita aliás nessa mobilização. Democracia de participação

significa discutir a nível das comunidades trabalhadoras

educacionais e políticas o que o porquê e o para quem das

decisões antes de partir para qualquer tipo de centra

lização. Evidentemente numa revisão crítica dos valores

herdados pelas sociedades contemporâneas a idéia do pro

gresso técnico e da racionalidade não é descartada mas

redefinida. O objetivo agora é o cálculo social dos custos e

benefícios e não a pseudo-racionalidade do mercado - que

é na verdade a racionalidade da acumulação e da apropria

ção por uns poucos do resultado do trabalho da maioria.

O alvo é a expansão do bem-estar coletivo não umaumento

da produção. Evidentemente tudo isso requer níveis eleva

dos de inversão e acumulação mas agora o centro de

atenção passa a ser a orientação dos investimentos e as

formas de controle sobre o processo de acumulação.

Que não se confunda a discussão deste projeto de um

 outro desenvolvimento com a polêmica entre crescimen

to zero e desenvolvimento nem com o confronto entre a

insana atitude dos que rezam bendita seja a poluição e a

ingenuidade dos que acreditam ser melhor deixar de pro

duzir do que contaminar o ecossistema ou entre os que

apregoam a ruralização do mundo e os que cantam as

virtudes da urbanização a qualquer preço. Nestes termos a

discussão só pode dar num diálogo de surdos.

Quando os defensores de um outro desenvolvimento

insistem  

que a racionalidade social deveria prevalecer

sobre a racionalidade instrumental pseudotécnica estão

simplesmente reafirmando que o mundo contemporâneo

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pode contar com alternativas mais ricas e variadas; que, se

bem seja certo que para poder repartir é preciso crescer, por

outro lado não é verdade que o crescimento por si só levará

a uma repartição justa dos frutos do progresso técnico entre

as classes e as nações.

 um esforço por expressar de forma sintética um estilo

mais igualitário de desenvolvimento, que requer maior

participação e controle democrático sobre as decisões por

parte daqueles que sofrem suas conseqüências e, ao mesmo

tempo, uma substantiva racionalidade social no emprego

dos recursos, na utilização do espaço, na seleção de tecno

logias e no estudo atencioso dos impactos negativos que o

processo de crescimento econômico possa ter sobre o meio

ambiente, cunhou-se o termo ecodesenvolvimento.

 

No

ecodesenvolvimento não há lugar para a posição cínica

daqueles que, nos países ricos, propõem o não-desenvolvi

mento e na não-poluição e, por conseguinte, a não-indus

trialização, tal como a concebem da Periferia. Os que

apóiamo ecodesenvolvimento não crêem no congelamento

do status quo nem na diminuição das possibilidades das

nações subdesenvolvidas de alcançarem uma civilização

material menos carente que seria a conseqüência do cres

cimento zero . Ao contrário, defendem um crescimento

autônomo e diferenciado respeitador, portanto, das carac

terísticas culturais, espaciais e políticas do Terceiro Mun

do .

O conceito - e a meta estratégica - que resume esta

forma de desenvolvimento é o de

autoconfiança e autono-

mia

u

seja, uma categoria política que rejeita a idéia de

que a superioridade tecnológica das grandes potências é

inevitável. E que, por isso mesmo, implica a não-aceitação

do monopólio das tecnologias sofisticadas, esta forma me

diante a qual as economias centrais e seus setores mais

dinâmicos - as corporações transnacionais - procuram

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garantir sua dominação sobre as economias dependentes do

Terceiro Mundo.

Até recentemente, a indiscutível primazia da tecnologia

deixava os países do Terceiro Mundo

s m

nenhuma outra

alternativa senão copiar o modelo da civilização industrial

predatória, para assegurar sua integridade nacional ou para

manter esta ilusão e para levar a cabo um processo de

crescimento industrial que tornasse possível - talvez, e no

futuro... - o aumento do nível de vida de suas empobrecidas

massas. A descoberta militar de que as forças guerrilheiras

são capazes de derrotar os exércitos modernos, sempre e

quando tenham respaldo popular, dissipou outra ilusão

tecnocrática, no transcorrer de uma experiência histórica

que vai do desastre francês  mDienBienPhu à derrota dos

Estados Unidos no Vietnã propiciada

 m

parte pelo desen

canto  om os objetivos da guerra que as elites culturais, as

minorias e os jovens dos Estados Unidos experimentaram .

Hoje, não são só os povos do Terceiro Mundo que

buscam alternativas. Também na consciência agudamente

crítica de seus mais destacados representantes técnico-cien

tíficos vem se aninhando a convicção de que:

- o modelo tecnológico que os países industrializados

exibem não pode ser aplicado sem provocar sérios

transtornos, a menos que seja acompanhado de sig

nificativas redefinições do controle político e de suas

conseqüências sociais;

- existem alternativas viáveis de solução; só que re

querem imaginação, pesquisa e reorientação das in

versões p. ex., por que manter a custosa tradição da

Cloaca Máxima nas novas metrópoles do Terceiro

Mundo que ainda não possuem amplas redes de

esgoto, ao invés de buscar métodos de eliminação de

detritos mediante técnicas naturais e orgânicas, para

a casa ou os quarteirões? ;

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- não existem argumentos convincentes para vincular

as economias subdesenvolvidas a formas de depen

dência tecnológica economicamente exploradoras

baseadas

 

marcas registradas, know ow e outros

contratos. Estes poderiammuito bem ser transforma

dos

 

patrimônio das economias nacionais, com a

condição de que os países do Terceiro Mundo se

organizem técnica, científica e politicamente para

controlar as atividades das empresas multinacionais

neste campo e obrigá-las a compartilhar o conheci

mento técnico;

- a revolução cultural dos países do Terceiro Mundo

deveria incluir

 

seus objetivos a formação de

quadros tecnicamente qualificados.

Precisamente porque uma crise de confiança nomodelo

industrializante-predatório se instalou entre as elites dos

países desenvolvidos e porque as novas sendas rumo ao

desenvolvimento e à coexistência internacional dependem

 

ação autônoma dos homens e das mulheres do Terceiro

Mundo, os povos da Periferia estão convencidos de que são

possíveis, sim, estilos alternativos de desenvolvimento.

Uma crescente autoconfiança está levando estes povos,

através de seus representantes e de alguns governos, a

buscar o apoio mútuo

 

vez de confiar na ajuda prove

niente do Centro, particularmente a que se vincula a inte

resses militares ou das multinacionais , sobejamente desa

creditada.

Com base

 

tais valores, alguns dirigentes da comu

nidade internacional,

 

declarações junto às Nações Uni

das,

 

reuniões especializadas como a que resultou na

declaração de Cocoyoc

 

e em alguns foruns especiais que

vêm sendo criados para a discussão de novas estratégias de

desenvolvimento como o Forum do Terceiro Mundo ,

começaram a definir os objetivos que deveriam guiar a

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nova ordem internacional e dar consistência a um outro

desenvolvimento .

Na medida em que o conceito de autoconfiança e

autonomia reconhece implicitamente a diferença de expe

riências históricas dos povos e defende a contribuição real

que as massas empobrecidas têm a oferecer para a solução

de seus próprios problemas esta corrente de opinião hoje

em

voga acaba sendo por sua cabal honestidade modesta:

não propõe fórmulas nem modelos nem planos de ajuda

e assistência . O outro desenvolvimento obriga a descar

tar dentro das Nações Unidas nos governos e entre as

elites a vã pretensão de que a meta final já está clara e de

que é tecnicamente possível elaborar o programa de ajuda

e planejamento que indicará o caminho para o mundo

maravilhoso.

O ponto de partida portanto é totalmente oposto ao que

inspirou as fracassadas décadas de desenvolvimento .

Nessa estratégia computaram-se as brechas entre os

países industrializados e os do Terceiro Mundo; precisa

ram-se as porcentagens do PNB que os países ricos teriam

que oferecer à guisa de contribuição aos países pobres;

e os organismos especializados resolveramdar apoio finan

ceiro e técnico aos planos e programas que seriamaplicados

no Terceiro Mundo com o fim de aproximá-lo mais do

mundo industrializado.

Gratuito injusto até seria afirmar que todo o aparato

da cooperação internacional deu em nada. Existem algumas

experiências relevantes em programas específicos que real

mente funcionaram. E a pretexto destes programas e ações

- especialmente de órgãos como as Comissões Regionais

  s

Nações Unidas - estabeleceu-se

um

rico intercâmbio

de opiniões e experiências entre técnicos e administradores

que por sua vez travaram contato com instituições e

personalidades do mundo industrializado as quais acaba

ram por se sensibilizar pelos problemas dos países do

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Esta exigência deveria se traduzir numsistema compos

to ao nível das agênciasmais ativas da ordem internacional,

numa espécie de tribuna que desse voz não apenas às

delegações dos governos, mas principalmente

às

minorias

políticas que normalmente correspondem à maioria da

população). As delegações por países deveriam ser integra

  s

pelas categorias sociais, como consumidores, traba

lhadores de todo tipo, mulheres, minorias étnicas e religio

sas, jovens, camponeses pobres, moradores de bairros pe

riféricos, etc. Isto daria maior autenticidade aos foruns

internacionais e permitiria aos países ampliar o tipo de

representação baseado nos valores de uma democracia de

participação.

No plano de uma igualdade formal entre nações, é

ilimitado o número de reformas que se poderiam concreti

zar combase nos ideais de outro desenvolvimento . Basta,

aqui, uma referência ao poder de veto e às situações

def to

que levam a vetar as minorias nos organismos financeiros

especializados p. ex., o Fundo Monetário Internacional e

o BancoMundial) bem como nos organismos políticos.  

certo que não seria realista pretender abolir as desigualda

des econômicas e estratégias entre as nações mediante

declarações de princípios e intenções. Mas não seria tão

ilusório propor um sistema de contrapeso que se propuses

se, p. ex., organizar secretariados das delegações do Ter

ceiroMundo para criar e fortalecer grupos informais como

o dos 77 ou o dos não-alinhados), ou organizações regio

nais como o recém-criado Sistema Econômico Latino

Americano - SELA), ou ainda organizações formadas es

pecificamente por países produtores de matérias-primas,

das quais a OPEP foi a primeira. E seria particularmente

necessário, para sermos fiéis ao princípio de autoconfiança

e autonomia, que o Terceiro Mundo tivesse acesso aos

recursos organizacionais e financeiros para que seus países

tivessem voz na discussão das metas e experiências de

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desenvolvimento e que, além disso, se facilitasse o contato

direto e a troca de experiências entre líderes e militantes de

movimentos sociais.

A concretização de um outro desenvolvimento nos

países do Terceiro Mundo é ainda mais difícil. De saída,

urge precisar e desmistificar noção mesma de Terceiro

Mundo,já que as experiências lústóricas desses países, seu

relativo graude avanço econômico e seus sistemas políticos

e sociais são extremamente variados. Vale dizer que a

linguagem usada para aludir à unidade do Terceiro Mundo

é, commuita freqüência, mais que retórica.

Pois bem, o novo enfoque dos problemas do desenvol

vimento começa por reconhecer a diversidade dos pontos

de partida e a fase atual do processo histórico dos países

subdesenvolvidos. Qualquer pretensão de impor ummarco

único às aspirações e possibilidades destes países signifi

caria repetir o mesmo erro cometido no passado, quando

neles se procurou reproduzir a experiência dos países in

dustrializados. Esta advertência é válida e necessária de vez

que, por muito fascinante que seja a experiência de cons

truir sociedades socialistas

em países de economia agro

camponesa como no Vietnã ou no Camboja), ou empaíses

barrados

em

sua aventura histórica pela experiência colo

nial ou pela relativa falta de recursos naturais Tanzânia e

agora Guiné) - ou ainda em países com uma experiência

cultural pelo menos tão antiga e rica quanto a ocidental

 China ou os países islâmicos do Norte de África)   seria

precipitado e errôneo compará-los, p. ex., com grande parte

dos países da América Latina, alguns dos quais são alta

mente urbanizados, relativamente industrializados e, em

bora dependentes, assimilaram quase por completo a cultu

ra ocidental p. ex., Argentina, Uruguai, Clúle e, em certa

medida, também o Brasil). Aqui as rotas rumo à igualdade,

à democracia de participação e à autonomia seguem traça

dos completamente distintos dos do socialismo agrário.

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Inversamente, em certos tipos de países -

grosso modo

praticamente todos os do Sul da Asia que margeiam o

oceano Índico até o extremo do SudesteAsiático, claro que

com

as óbvias diferenças e especificidades do subcontinen

te

indiano - a concretização dos objetivos e ideais de

igualdade, de democracia participativa, de revitalização do

espaço regional

em

termos de ecodesenvolvimento, de

ativação das forças básicas da sociedade e de autonomia,

poderia fazer pensar em semelhanças eletivas que são, de

fato, estruturais com o modelo

de

socialismo igualitário e

frugal que parte da expropriação agrária e tem sua base

sócio-política e econômica na comuna estilo chinês. Evi

dentemente, o fato de caracterizá-los desse modo não relega

tais países ao agrarismo a China se industrializa ; e nem

se descarta o ideal de vida proletário. Mas confere ao

processo de transição o colorido de uma democracia quase

direta, de uma via antiburocrática e de uma renovação

puritana de fato não-urbana dos estilos de vida que os

separa bastante, p. ex., do estilo de vida política do Magreb,

onde ao colonialismo comercial se soma o feudalismo

agrário. Neste a importância da urbanização se deve à

produção artesanal, stricto sensu às manufaturas oriundas

 

força do bazar - essa herança da Idade Média

 

tudo

isso organizado através de uma tradição cultural baseada

em hierarquias e exclusões muito mais marcadas do que as

encontráveis no feudalismo agrário asiático,

deteriorado

por séculos de submissão às múltiplas burguesias mercan

tis. De modo semelhante, a riqueza das situações sociais

derivadas da coexistência de diferentes formas de produção

reorganizada pelo neocolonialismo conseguiu liquidar a

base agrícola tradicional de muitos países da África negra,

sem

contudo substituí-la por uma economia urbano-indus

trial ou urbano-mercantil capaz de sobreviver sem vínculos

coloniais. Nesses países impõe-se, pela crise do domínio

colonial e a passagem para um estilo de desenvolvimento

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livre, auto-sustentado, igualitário e democrático, a necessi

dade de um reinvenção da sociedade. O que abre à imagi

nação do Terceiro Mundo um vasto campo de experimen

tação.

Já aos países latino-americanos as oportunidades que

se oferecem neste sentido são muito mais restritas. Muitos

deles atravessam uma experiência histórica predetermina

da no destino industrial urbano de suas sociedades e já não

há lugar em alguns não houve nunca) para assentar os

alicerces de uma forma comunitária de sociedade. Outros

- especialmente aqueles em cujas sociedades ainda está

latente o peso das civilizações andinas anteriores à coloni

zação - têm

um

problema rural maior e, por isso mesmo,

qualquer estratégia de desenvolvimento alternativo deveria

levar

em

conta o que disse

um

dos mais importantes pen

sadores sociais do Continente, falando de seu país:

um

revolução, ou se faz em função da população indígena, ou

fracassa. Escusado dizer que, mesmo nestes casos, continua

sendo necessário incrementar a eficiência tecnológica das

economias locais. E longe de mim insinuar que a única

coisa relevante para a experiência histórica desses países

seja a ruralização. O que desejo é apontar para a definição

e o encadeamento dos objetívos estratégícos, os quais, para

terem legitimidade, deveriam sempre responder por quê?

e refletir o fato real de que o verdadeiro sujeito da história

não são os indivíduos, mas as categorias sociais.

Lembrar, de modo assim tão breve, a diversidade das

alternativas e dos fatores que condicionam os caminhos

abertos para os países do TerceiroMundo,

em

sua luta pela

autonomia e pela liberdade, não implica inação ou deses

pero diante de tamanha diversidade. Ainda que diferentes

os caminhos, as metas básicas são as mesmas. Carece, isto

sim, arquitetar alguns indicadores para poder medir seu

desempenho, aplicá-los e estudá-los pelo menos  om o

lVesmo entusiasmo invertido na medição do crescimento

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econômico. Há pouco mais de duas décadas, expressões

como produto nacional bruto, renda per c pit coeficien

tes de importação, etc., eramdesconhecidas da maioria dos

homens de Estado, jornalistas, estudantes e das pessoas

em

geral.

 om

as décadas de desenvolvimento, estas medidas

de diferenciação econômica passaram a fazer parte do

linguajar do dia-a-dia.

 á é tempo de reorientar esforços para a medição dos

resultados do desenvolvimento com o auxílio de indicado

res centrados, desta vez, na

qu lid de   vid

e na

igu l-

d de na distribuição de bens e_serviços. Houve progressos

neste campo, tanto no sistema das Nações Unidas nos

esforços de pesquisa e sistematização da UNRISD, p. ex.),

quanto

em

países isolados. Mas ainda não se progrediu o

bastante para que, p. ex., os créditos internacionais sejam

vinculados ao melhoramento objetivo do bem-estar do

povo e para que haja indicadores do bem-estar do povo tão

precisos como os que atualmente medem a solvência na

cional, a taxa de inflação e o índice de crescimento.

Há instrumentos metodológicos para medir,   ex, a

taxa de concentração da renda como o coeficiente Gini),

as necessidades nutricionais ou as deficiências do nível de

salário mínimo. O que ainda não existe - e esta é uma área

em que é preciso empenho, se se deseja chegar a um outro

desenvolvimento - é a vontade política de transformar

estes índices

em

instrumentos de pressão para aumentar a

igualdade e melhorar a qualidade de vida. Cumpre, pois,

investir muito esforço na medição sistemática e numa

ampla publicidade, para que os resultados de simples ava

liações possam revelar, por exemplo:

- a evolução da taxa de concentração da renda

em

cada

país;

- a distribuição da riqueza e dos salários incluindo

uma análise comparativa, a nível internacional, dos

salários mais baixos e mais altos por tipos de empre-

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sa; salário médio, mediano e modal

 

diferentes

tipos de empresa de vários países, diferenças entre

salários pagos em diferentes países por um mesmo

tipo de trabalho pelas mesmas empresas multina

cionais, etc. .

- os artigos básicos da cesta de compras de um traba

lhador urbano e de u trabalhador rural, e o número

de horas que o trabalhador emprega,   cada país,

para adquirir estes bens de consumo ordinário;

- um

time u get

no qual se possa ver o modo como

as diferentes classes sociais distribuemsuas energias

entre lazer, trabalho, transporte, assistência médica,

etc.;

- o alcance dos sistemas de seguro social, para identi

ficar sobretudo o relativo grau de diferenciação ou

igualdade nos serviços de assistência oferecidos a

diferentes categorias

 

cada país;

- as formas como se financia a Previdência Social, a

fim de avaliar sua eficácia real como instrumento

para a distribuição da renda e para a igualdade social,

ou a fim de desmascarar os mecanismos que permi

tem - como sói acontecer nos países subdesenvolvi

dos - a transferência de recursos dos pobres para os

mais pobres, sem tocar na distribuição global da

riqueza nem nos privilégios das classes de rendas

mais altas;

- os mecanismos dos sistemas tributários, especial

mente para desvendar aspectos tais como a propor

ção entre os impostos diretos e os indiretos, etc.

  muito longa a lista dos indicadores sociais mais

significativos. Por isso mesmo, o critério a seguir   sua

seleção deveria obedecer ao grau de sensibilidade que

possuam para medir a igualdade social. Não obstante, o

juízo crítico dos conceitos do atual modelo de desenvolvi-

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mento não tennina aqui: também se deveria incluir como

parâmetros o grau de liberdade real do povo e sua partici-

pação

no

controle sobre as decisões. Na busca de métodos

para construir indicadores simples que possam ser usados

sistematicamente e que tenham uma aplicação assegurada

e universal tudo ainda está por fazer. A defesa das liberda-

des básicas tanto individuais como sociais tem sido con-

fiada a umas quantas instituições e organizações geral-

mente privadas cujas repetidas denúncias perderam força

exatamente porque repetidas. E porque também partem de

entidades que têm sido acusadas muitas vezes de defender

interesses privados ou de depender ideologicamente de um

detenninado partido.

Não seria o momento de começar a criar partindo de

ummovimento que brota do Terceiro Mundo uma espécie

de Tribunal de Consciência Política formado por repre-

sentantes dos governos dos sindicatos das Igrejas das

universidades dos intelectuais que anualmente pronun-

ciasse sentença com base em regras previamente estabe-

lecidas de comum acordo sobre o grau de progresso

alcançado pelos povos e governos em seu desenvolvimento

político?  m vez de seguir os modelos de liberdade

ou

de

opressão institucionalizada que o Centro propõe à Periferia

não deveríamos buscar inspiração na democracia

de

parti-

cipação que emerge no Terceiro Mundo para fixar as pautas

de conduta civil social e política que nos permitam medir

os avanços efetivos do povo nas áreas de expressão dó

pensamento da organização de novos campos de debate e

decisão da garantia dos direitos das minorias e das

oposi-

ções da rejeição da tortura e da violência?

As deficiências do utopismo não deveriam assustar  

que desejam reformar tanto a ordem

s o ~ l

e econômica

quanto a moral. Também era utópico imaginar durante a

guerra fria e a era McCarthy que os happenings as m r-

chas as acusações à CIA e às intervenções em telefones as

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manifestações pacifistas etc. iriam levar - nos Estados

Unidos mesmo - a uma profunda ruptura com o despotis

mo que foi dar

em

Watergate e na impossibilidade de

continuar a guerra no Vietnã.

Será impossível propor e começar a implementar nor

mas de conduta política gestadas nas escuras profundezas

da opressão em tantos países onde a violência e a repressão

seerigiram

em

padrões de segurança nacional? Tais normas

podem finalmente revelar que este outro desenvolvimen

to que buscamos ainda que faça sua aparição na esfera

econômica deságua noplano social e adquire uma dimen

são política através da igualdade que propõe e do tipo de

participação que propugna. Mas o outro desenvolvimen

to só se cumprirá quando encontrar um meio de trans

formar a utopia em realidade do dia-a-dia restituindo

à

experiência humana uma dimensão que ainda que moral

não é nada irreal. Entretanto a força desta dimensão não

está na ot:gulhosa salvação do indivíduo mas no humilde

reconhecimento de que a expressão da existência e a inte

gridade do indivíduo dependem de um acordo e de uma

ação que só podem ser coletivos. Neste sentido o princípio

de autoconfiança e autonomia implica a esperança e a fé de

que

é

possível inscrever nas coisas as metas que deseja

mos alcançar.

 

. É com esta convicção que aqui se propõem a reconstru-

. ção da ordem internacional e a construção de sociedades

mais igualitárias democráticas e autoconfiantes. Novas

sociedades combase não no subdesenvolvimento da Peri

feria e na estagnação do Centro mas num estilo de desen

volvimento cuja raison

d être

é o cálculo social de custos

e benefícios.

 OT S

  Ver Bourdieu Pierre e Deisant Yvcllc -   ecouluricr  

sa

griffe: contribution

à

une

Iheorie

de

la magic .

 aris

  cres

n.

l jan

1975.

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2. VerRensburg, Palrickvan -

Reportfrom Swallellg Hill Educarioll

 m

Employ-

mem

in

 n fric n

Coulllry

Uppsala, The Dag Harnrnarskjõld FOWldatioll, 1974.

3. O melhor enWlciado desta problemática se encontra em Sachs, Ignacy -   nvi-

roruunent and Styles

of

Development . In: Malhews, Willian H. org.) - Outer Limits

and Hurnan Needs. Uppsala, The Dag Harnrnarskjõld FoWldation, 1976.

4. Ver Developlllelll Dialogue Uppsala,lL

2 1974

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 apítulo

o

 ESENVOLVIMENTO N

BERLIND

Não bastou a Segunda Grande Guerra paramostrar aos

crédulos habitantes deste planeta que o século XIX termi

nara. A crença no

progresso

não se abalou apesar da

destruição causada por duas Guerras Mundiais do fanatis

mo político hitlerianomassacrando populações inteiras m

suma da reminiscência dos horrores da guerra numa escala

 m que nem a imaginação fervente de Goya antevira e que

necessitou da sintaxe picassiana para simbolizar  m Guer

nica o irracional corporificado. Talvez porque contradito

riamente foi a ciência quem possibilitou a destruiçãomáxi

ma. A razão domesticada nos canais técnicos ajudou a

ponstruir a possibilidade do irracional absoluto. Tocava-se

assim os limites  o possível: a destruição da humanidade

é uma façanha ao alcance do Dr. Strangelove. Mas conti

nuou-se a crer por algum tempo na vitória da razão.

Pouco a pouco quando a racionalidade formal atingiu

um ponto de máxima e o cientista vestiu o fetiche do grande

sacerdote escondendo por trás de sua sacralidade a força

do guerreiro do empresário e do político as indagações

mais céticas começaram a roer o coração da fera que é o

 

Publicadooriginalmente como El Desarrollo en

el

Banquillo

aderno do ILET

México DEE/Di24/e ago/1979.

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cérebro. Até que ponto o século de Luzes se corporificara

no Século do Progresso e este dera à nossa época a Vitória

da

Razão?

Nesta altura, com o risco do confronto global como

possibilidade para dirimir as querelas entre Socialismo e

Capitalismo, ou melhor, entre URSS e USA, o velho em

pirismo do trial and error começou a substituir a crença

totalizante e metafísica que cada um dos dois Blocos tinha

 e em larga medida ainda a tem) de qtre encarnam isolada

mente a vitória da razão e o apogeu do humano. Entretanto,

a reconversão da história dos deuses à crônica dos homens

vem

sendo feita penosamente e nunca às custas do Olimpo.

A paixão do impossível se deslocou para o Vietnã de tantos

heroísmos, para o solomilenar de uma Judéia pavimentada

de cadáveres massacrados pela penúltima palavra da técni

 

guerreira, para o Chifre da África das incertas fronteiras.

Já que não se pode incorrer no risco da confrontação global,

os limites orgulhosos da Razão passaram a se delinear sob

os corpos queimados dos que não sofreram o batismo da

 civilização tecnológica .

Seria difícil, depois disso, que o próprio cerne da civi

lização ocidental permanecesse intocado: o que está em

jogo

é

a crença na Razão, ou pelo menos a crença no modo

pelo qual a Razão se faz presente como Técnica e como

princípio formal de ordenação do mundo.

Deriva daí também, embora nem sempre de modo

imediato, a crise da idéia de desenvolvimento e, mais

especificamente, de desenvolvimento econômico. Para en

tender-se a contribuição das ciências sociais ao debate

contemporâneo e para delimitar seus alcances é necessário,

portanto, ver do ângulo deste debate o mesmo grande

problema que atormenta, a nível mais geral, o pensamento

ocidental. A consciência da existência de um problema do

desenvolvimento , que constitui o b-a-bá da contribuição

 

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sobre o Terceiro Mundo, supôs sempre um parâmetro:

sabia-se o que significava o progresso e este era almejado.

Hoje,

no

centro, põe-se

em

dúvida a idéia de progresso e

nem todos, na periferia, almejam o tipo de progresso que

pennitiu a construção da civilização contemporânea, gra

ças ao domínio da Técnica pela Razão.

  natural que no início da crítica o alvo seja pouco claro:

pensa-se que é a razão em si quem perverte; o

 om

selva

gem

atrai novamente. Mas seria pouco convincente que a

erosão crítica parasse aí. O desafio que se antepõe diz

respeito precisamente ao velho problema, que foi de Marx

e

 e

Weber também: será possível ir mais além da razão

formal e inquirir sobre os porquês e os para quem?

Ao analisar as novas propostas sobre o desenvolvimen

to tratarei de mostrar que assistimos os primeiros balbucios

de uma nova visão do mundo. Nestas propostas faz-se

freqüentemente tábula rasa do que constituiu no passado

imediato a crença fundamental dos reformadores: a idéia

de acumulação da riqueza, de progresso técnico, de distri

buição racional de recursos planejamento) como instru

mentos para atingir-se ideais humanistas. Neste ímpeto, os

revisores esquecem, freqüentemente, que se as propostas

 o

século XIX acreditavam na Razão, queriam alcançar

seus objetivos por intermédio da Revolução. Esta não

englobaria um momento da vontade e não necessariamen

te de racionalidade) como se efetuaria pela destruição da

Dominação. Hoje junto com a descrença no progresso

surge uma espécie de desalento quanto à capacidade genui

namente transformadora das instituições. Tal como

se

o

Estado tivesse engolfado a sociedade e frente ao novo

minotauro, apoiado na Técnica, só restasse o desespero

jansenista de refugiar-se do pecado no próprio ~ u n o

constituindo aldeias que dariam a ilusão de serem globais

  global villages ), sem acreditar mais na possibilidade de

destruir a dominação ou pelo menos de refonnar o Estado.

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Para os novos filósofos , por exemplo, a dominação é um

  o

e o estado revolucionário (libertador) é um contra

senso. Assim restaria somente reforçar as áreas individuais

de reação e liberdade, num retraimento da problemática

política, até o interior das aldeias auto-suficientes.

Ora, se

 

algo se baseou a perspectiva desenvolvi

mentista pelo menos tal como foi elaborada na América

Latina, foi precisamente na capacidade de identificar pro

blemas, tentar superar obstáculos e abrir caminhos para a

acumulação da riqueza e para que se pudessem partilhar os

frutos do progresso técnico. Na arremetida nesta direção,

se houve instituição na qual nossos reformadores iluminis

tas fizeram fé, foi no Estado. A crise da ideologia contem

porânea atinge 

cheio, portanto, o instrumental analítico

que construímos no passado.

Neste ensaio farei brevíssima síntese da teoria do

desenvolvimento que se elaborou na América Latina,

mostrarei o começo do movimento reflexivo que a criticou

··desde adentro , através da · teoria da dependência e

procurarei assinalar as mudanças tanto nos termos

 

que

se coloca o problema do desenvolvimento nomomento

 

que se intensificam as demandas por uma nova ordem

econômica internacional , quanto nas ideologias vigentes

sobre os novos ··estilos de desenvolvimento . Na medida

do possível, farei o contraponto entre o pensamento que

procura sintetizar as demandas da Periferia por um mundo

reformado e as orientações valorativas que se estão consti

tuindo nas sociedades industriais avançadas. Por fim, ten

tarei desenhar os parâmetros da Nova Utopia que parecem

estar entre a recolocação válida dos estilos de desenvolvi

mento e a revitalização da crença na possibilidade de

controle social da Razão. Quem sabe, por esta via, o século

XX escape da camisa de força que lhe foi imposta por uma

visão demasiado otimista da capacidade da Inteligência,

sem deixar-se engolfar pelo coletivismomilenarista ou pelo

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individualismo que pode ser racional mas dificilmente

engloba a ânsia pelo coletivo que também é parte consti

tutiva dos anseios contemporâneos.

A teoria latino-americana do desenvolvimento

 

prestígio de algumas idéias nascidas

na EP L

a

respeito do desenvolvimento econômico poderia fazer crer

que

se

desenvolveu

um

corpo analítico de proposições

relativas a uma teoria do desenvolvimento . E de fato

em

anos recentes como veremos adiante tanto Celso Furtado

 

quanto Osvaldo Sunkel e Pedro   l deram à tradição de

análise dita estruturalista formulações sintéticas na dire

ção da consolidação de

um

paradigma analítico. Entretanto

nas formulações originais os enfoques sobre o desenvolvi

mento foram fragmentários. Se despertaram particular in

teresse foi porque eles equacionam

problemas

importantes

e apesar de serem teoricamente despretensiosos contras

tavam com o que a teoria econômica ortodoxa apresentava

como verdade estabelecida .

Se

tomarmos o

Estudo Econômico da EP L

de 1949

ou

o artigo de Prebisch sobre EI Desarrollo Económico de

laAmérica Latina

y

algunos de sus principales problemas 3

a preocupação central não era com uma teoria do desen

volvimento mas com a explicação de desigualdades entre

economias nacionais que se estavam

acentuando

através

do comércio internacional. Hans Singer economista das

Nações Unidas publicara

um

artigo sobre The distribution

of gains between investing and borrowing countries 4

mostrando a tendência à queda dos preços dos produtos

primários em relação aos preços dos produtos industriais

exportados pelo Centro mediante uma série de dados que

abarcavam mais de 70 anos. Ora a teoria do comércio

internacional especialmente em sua versão neoclássica

previra o oposto: a especialização da produção e o inter-

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particulares. As modificações de estrutura são trans

formações nas relações e proporções internas do siste

ma econômico, as quais têm como causa básica modi

ficações nas formas de produção, mas que não se pode

riam concretizar

sem

modificações na forma de distri

buição e utilização da renda .9

Renda e produtividade são os conceitos-chave para a

caracterização de Furtado. O conceito de renda corres

ponderia  àremuneração ou ao custo) dos fatores utiliza

dos na produção de bens e serviços. A renda gerada em um

período determinado pode ser concebida como o custo da

produção realizada, ou como o poder de compra engendra

do pelo processo de produção op. cit p. 89-90 .

Furtado percebeu e enunciou a relação entre o conceito

de desenvolvimento e o deprogresso. Mas, diz ele, foi dado

um

passo decisivo pelos economistas ao tomarem precisa

aquela idéia vaga. Este foi a elaboração do conceito de

 fluxo de renda , cuja expansão é susceptível de quantifi

cação.

 

aumento do fluxo da renda, por unidade de força

de trabalho utilizada, tem sido aceito, desde a época dos

clássicos, como o melhor indicador do processo de desen

volvimento de uma economia p. 90).

Se a análise de Furtado parasse neste ponto ela teria

redefinido a teoria de Prebish apenas por meio de uma

formalização de sabor neoclássico com condimento keyne

siano. Mas o autor introduz outras idéias que, até certo

ponto e paradoxalmente, ancoram as modificações de es

trutura, concebidas na forma estrita acima mencionada,

em

modificações comandadas pela demanda; e esta última,

para Furtado, não pode ser vista desligada do sistema de

preferências individuais e coletivas:

 

conceito de desenvolvimento pode ser igualmente

utilizado com referência a qualquer conjunto econômi

co no qual a composição da procura traduz preferências

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individuais e coletivas baseadas num sistema de valo

res. Se o conjunto econômico apresenta estrutura sim

ples, isto é, se a procura não é autocriada, como no caso

de uma empresa ou de

um

setor produtivo especia

lizado, convém evitar o conceito de desenvolvimento e

utilizar simplesmente o de crescimento p. 90).

Mais adiante escreve: o conceito de desenvolvimento

compreende a idéia de crescimento, superando-a. Com

efeito: ele se refere ao crescimento de uma estrutura com

plexa. Essa complexidade estrutural não é uma questão de

nível tecnológico. Na verdade ela traduz a diversidade das

formas sociais e econômicas engendradas pela divisão

social do trabalho p. 90).

A análise de Furtado continua abrindo o flanco  crítica

marxista e já veremos que os teóricos da dependência farão

finca-pé nesse ponto), tanto porque parte da noção de fluxo

de renda sem referir-se à exploração social que o capital

supõe, como porque enfatiza como elemento dinâmico a

demanda e não a produção. Entretanto, ela não só reintro

duz a questão estrutural da divisão social do trabalho como

estabelece uma ponte com as teorias  m voga sobre  um

outro desenvolvimento . Com efeito, Furtado não supõe,

para explicar o desenvolvimento, a autonomia do fator

técnico; e inclui como componente central da explicação o

sistema de preferências, ou o sistema de valores. Às vezes

o texto dá a impressão de que é a autonomia desse sistema

que caracteriza

um

autêntico desenvolvimento

 m

contra

posição ao mero crescimento, tema que foi retomado por

Furtado

 m

seu ensaio sobre Os

mitos do desenvolvimen-

to

1

Não obstante, Furtado, pelo menos no livro aqui con

siderado, não vai tão longe  m sua ruptura parcial com o

estilo cepalino de análise: ele qualifica suas afirmações, de

tal modo que o problema do desenvolvimento se toma, ao

mesmo tempo,

um

problema de autonomia valorativa e de

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aumento da produtividade física

com

respeito ao

conjunto da força de trabalho de um sistema econômico

somente é possível mediante a introdução de formas

mais eficazes

de

utilização de recursos, os quais impli

cam

seja acumulação de capital, seja inovações tecno

lógicas, oumais correntemente a ação conjugada desses

dois fatores. Por outro lado, a realocação de recursos

que acompanha o aumento do fluxo de renda é condi

cionada pela composição da procura, que é a expressão

do sistema de valores da comunidade p. 93).

A síntese proposta por nosso autor vai desde o aprovei

tamento do instrumental de análise corrente na economia

 ortodoxa até às preocupações

com

o horizonte valorativo

de opções, passando pela ênfase nos elementos estruturais

e na racionalidade no uso de fatores. Mas ela mantém a fé

no

que demais clássico o séculoXIX legou à ciência social

contemporânea: a idéia de otimização do uso de fatores e a

crítica, iniciada pelo marxismo,

à

pura racionalidade for

mal. Só que Furtado, ao rebelar-se contra a racionalidade

formal, introduz

um

leque indeterminado e, portanto, no

limite irracional) de opções: o sistema valorativo. A tensão

entre o que

se

quer quem quer?) e o progresso material

possível não apenas em termos físicos, mas das técnicas

de sua utilização) constituiria a equação não resolvida do

desenvolvimento.

 

A formulação de Sunkel e de Paz está mais próxima das

revisões da teoria cepalina que se faziam em Santiago nos

meados dos anos sessenta. Também estes autores enfatizam

a relação entre a idéia de progresso e a idéia de desenvol

vimento. Mostram, porém, que o otimismo inerente à cren

ça no êxito da razão - o progresso técnico - para solucionar

os problemas sociais não era aceito por todos os teóricos

do desenvolvimento. A preocupação com os efeitos do

progresso técnico sobre a acumulação, sobre a distribuição

da renda e sobre a alocação de recursos - que caracterizam

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o debate sobre o desenvolvimento - não derivam do mero

progresso técnicO.

 

O

ensaio de Aníbal Pinto sobre La

concentración del progresso técnico

y

sus frutos en el

desarrollo latinoamericano 13 havia chamado suficiente

mente a atenção para este ponto.

Mais ainda, no livro de Sunkel e Paz, a ênfase é dada

muito menos aos aspectos dinâmicos do fluxo de renda

e de variações na demanda do que às diferenças de

estru-

tur Àquela altura o debate sobre dependência  á ganhara

adeptos entre os economistas da CEPAL:

 As

noções de subdesenvolvimento e desenvolvimento

conduzem a uma apreciação muito diferente, pois se

gundo elas as economias desenvolvidas têm uma con

formação estrutural distinta da que caracteriza as sub

desenvolvidas,

 á

que a estrutura destas últimas é,

 m

medida significativa, uma resultante das relações que

existiram historicamente e perduram atualmente entre

 

14

am os grupos e palses .

A noção de dependência (que convém repetir, fora

disseminadà

 m

Santiago pela crítica sociológica)

 á

apa

rece incorporada ao enfoque, embora numa versão mais

próxima à da oposição entre

p ís

dominante e

p ís

domi

nado.

 

desenvolvimento e o subdesenvolvimento podem

compreender-se, então, como estruturas parciais, mas

interdependentes, que configuramum sistema único. A

característica principal que diferencia ambas estruturas

é que a desenvolvida,

 m

virtude de sua capacidade

endógena de crescimento, é dominante, e a subdesen

volvida, dado o caráter induzido de sua dinâmica, é

dependente; e isto se aplica tanto

entre

países como

d t

d

 

n ro e um pals .

Concebido o problema do desenvolvimento como uma

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e referida esta aos detenninantes históricos que estabelece

ram uma forma de dominação, o passo

à

politização da

análise está dado:

 esta forma de conceber o desenvolvimento põe ênfase

na ação, nos instrumentos do poder político e nas

próprias estruturas de poder; e são estas,

em

última

análise, as que explicam a orientação, eficácia, intensi-

dade e natureza da manipulação social interna e externa

da cultura, dos recursos produtivos, a técnica e os

grupos sócio-políticos ...

 .

 Do mesmo modo se acentuam os aspectos relacio

nados com a capacidade de investigação científica e

tecnológica, por ser elemento determinante - junto com

a estrutura do poder - da capacidade de ação e manipu

lação tanto interna como das vinculações externas do

país .16

Quem diz

política

na acepção acima, diz também

vontade

e

objetivos

Neste aspecto, Sunkel e Paz incorpo

ram o que era a aspiração valorativa predominante entre os

que criticamos efeitos perversos concentração de rendas

e de oportunidades de vida) do padrão de desenvolvimento

capitalista da periferia:

  conceito de desenvolvimento, concebido como um

processo de mudança social, refere-se a um processo

deliberado que tem como finalidade última a equaliza

ção das oportunidades sociais, políticas e econômicas,

tanto no plano nacional como em relação com socieda

des que possuem padrões mais elevados de bem-estar

social . 17

  useja, nem Furtado nem Sunkel e Paz - o primeiro

revendo seus livros

em

1975 e os últimos

em

1970 - deram

ênfase

à

questão dos

estilos de desenvolvimento;

não pro

blematizaram, como Furtado o faria posteriormente, a pos

sibilidade e a conveniência de alcançar os

mesmos

padrões

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de desenvolvimento dos países industrializados. Maior ho

mogeneidade, sim; igualdade de condições e oportunidades

entre nações e internamente nas nações, sim; mas o pressu

posto era: com uma política adequada, é possível e desejá

vel generalizar o que  á se alcançou comodesenvolvimento

nos países industrialmente avançados.

A herança do século XIX, e mesmo de antes, da noção

de progresso se redefine, passando pelo crivo de uma

política com valores igualitários. Mas não se rompe.

o enfoque

dependência

 

Ao mesmo tempo  m que se foram desenvolvendo as

teorias cepalinas e que a prática das políticas de indus

trialização foi revelando as dificuldades e os choques que

o processo de transformação econômico-social provocava,

elaboraram-se contrateorias .

As conseqüências práticas do enfoque cepalino - e dos

desafios efetivos do desenvolvimento - levaram os poli y-

m kers a sustentar:

a necessidade de reforçar os centros de decisão que

poderiam articular a vontade deliberada de alterar

uma situação que era diagnosticada como desfavo

rável; portanto, o fortalecimento do Estado e sua

modernização através da criação de agências públi

cas de desenvolvimento passaram a ser conside

radas como pré-condições para melhorar o nível de

vida nacional;

a necessidade de absorver o progresso técnico ini

cialmente através do investimento de capitais estran

geiros, para assegurar a industrialização, que seria a

meta capaz dematerializar os anseios transformado

res;

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- a necessidade da expansão dos mercados internos,

para deslocar o eixo da orientação principal do siste

ma econômico do exterior para o interior; para tanto,

algumas medidas redistribucionistas deveriam ser

apoiadas.

 m

primeiro e principal lugar dever-se-ia

fazer uma reforma agrária que viesse junto com a

tecnificação d economia rural. Dessa maneira, as

segurar-se-ia não só mercado para os produtos indus

triais como oferta de alimentos à cidade, corrigin

do-se os efeitos inflacionários das políticas indus

trializadoras. Tudo isso sem desconsiderar o que,

desde Prebish, era fundamental: a incorporação aos

preços dos produtos de exportação dos custos de uma

mão-de-obra condignamente remunerada.

A crítica a estas políticas veio da esquerda e da direita.

Esta última, como

é fácil de entender-se, colocava em

dúvida os benefícios da industrialização: tinha como argu

mentos as análises sobre as vantagens que

proporcionariaI11

a especialização da produção e o livre câmbio. As teses

cepalinas, para estes críticos, seriam enganos crassos ou

argumentos maliciosamente usados pelos que, sendo na

. verdade contrários ao sistema capitalista, preferiam dar a

batalha por partes; primeiro proporiam quimeras, como a

industrialização e o estatismo, para depois abrir o jogo

diretamente em favor do socialismo. A e.squerda criticaria

as teorias do desenvolvimento porque elas obscureciam

o principal: não há  desenvolvimento sem acumulação de

capitais e esta nada mais

é

do que a expressão de uma

relação de exploração de classe.

Sem aprofundar a questão

em

termos das situações

peculiares de cada país e de cada conjuntura da economia

mundial, esta crítica era, na verdade, anterior às teorias

cepalinas.

 m

sua forma mais tosca na versão dos anos

trinta e quarenta) denunciava-se o colonialismo e o impe

rialismo como freios ao desenvolvimento . E, natural-

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mente, para quem considera que existe uma diferença entre

 crescimento e desenvolvimento e que o último supõe

decisões autônomas dos sistemas nacionais e distribuição

mais eqüitativa dos frutos do progresso técnico, até por

definição, o imperialismo bloqueia o desenvolvimento.

Mais ainda: até meados dos anos cinqüenta o grosso dos

investimentos estrangeiros na América Latina se fazia para

controlar a produção e a comercialização de produtos agrí

colas e de matérias-primas. Em geral os investidores estran

geiros dos países centrais preferiam vender à periferia

produtos industriais acabados, mantendo nos países subde

senvolvidos apenas indústria de montagem ou de repara

ção.

Entretanto, a partir da década de 1950 como conseqüên

cia da própria reação local, consubstanciada  m

políticas

industrializadoras e protecionistas, mudou a estratégia das

empresas estrangeiras dos conglomerados e das multina

cionais). A ação do empresariado local privado e público)

mostrou

que existiam possibilidades técnicas de indus

trializar produtos de consumo corrente e de substituir as

importações, desde a época da Segunda Grande Guerra,

quando se interrompera o fluxo de importações. A partici

pação do estado na regulamentação econômica e na prote

ção dos mercados,

  m

como no deslanchar a produção de

insumos industriais básicos aço, petróleo, energia, confor

m

os países) e, ainda por cima, a difusão de uma

i eologi

favorável ao desenvolvimento, criaram desafios para a

antiga política antiindustrializante do capital estrangeiro.

Daí para frente a competição pelos mercados internos dos

países periféricos, bem como a crescente internacionaliza

ção e diversificação da produção propiciada pela concor

rência entre as grandes empresas oligopólicas, tomaram

obsoleta a crença no papel antiindustrializador do capital

estrangeiro, pelo menos no caso dos países com importan

tes mercados internos potenciais.

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Foi na passagem de uma conjuntura internacional para

outra a partir de meados dos anos cinqüenta) que tanto o

empenho da CEPAL tomou-se rebarbativo, como tornou

se falaz a idéia de que as relações imperialistas assentavam

numa aliança entre o latifúndio feudal acrescentariam os

mais simplistas) e o capital estrangeiro. A crítica cepalina

era rebarbativa, entretanto, apenas num aspecto: os grandes

investidores passaram também a atuar de modo a propiciar

a industrialização. Mas esta nem fortaleceria o est do n -

cion l

 ampliando o conteúdo endógeno das decisões), nem

teria como pressuposto a ampliação de um mercado de

consumidores popul res Reforma agrária, políticas sala

riais redistributivas, impostos progressivos etc., continua

ram, por certo, a ser formulados na retórica oficial, es

pecialmente depois da reunião da OEA de Punta deI Leste

 1961); mas não as ajustaram à prática. Esta caracterizou-se

pela concentração de rendas, pela modernização do apare

lho de estado, pela vinculação deste último, em termos das

políticas propostas, à Grande EmpresaMultinacional, pelas

 joint-ventures unindo o setor produtivo estatal às multi

nacionais, e assim por diante.

Quando esse quadro já se desenhava no horizonte, em

meados dos anos sessenta, o chamado enfoque da depen

dência ganhou força como uma contrateoria ou contra

ideologia que criticava, simultaneamente, as formulações

cepalinas e as formulações da esquerda tradicional. Esta

última continuava a ver na aliança latifúndio-imperia

lismo o grande inimigo do desenvolvimento.

Quais eram as teses principais dos dependentistas ?

 o

ponto de vista metodológico as teorias sobre a

dependência punham ênfase no caráter histórico-estrutural

da situação de subdesenvolvimento e procuravam ligar a

emergência dessa situação,

 em

como sua reprodução, à

dinâmica do desenvolvimento do capitalismo em escala

mundial. Talvez se encontrem nos trabalhos de Cardoso

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 1964) e Frank  1966)19 as primeiras formulações mais

globalizantes sobre o caráter histórico-estrutural do subde

senvolvimento e de crítica aos que sustentavam que os

 obstáculos ao desenvolvimento poderiam ser removidos

pela modernização das formas de conduta e de expectativa

e pelos efeitos multiplicadores e de demonstração que os

investimentos externos ocasionariam. A ênfase posta na

análise da expansão do capitalismo internacional para ex

plicar a natureza do subdesenvolvimento e sua ligação

estrutural

com os pólos de desenvolvimento externo era

anterior às teorias da dependência . Nas análises de ins

piração marxista, especialmente dos historiadores

20

,

mas

também de economistas, punha-se ênfase nas conexões

entre a expansão do capitalismo e seus efeitos na periferia.

Cabe recordar que a idéia de dependência externa era

trivialmente admitida nas análises cepalinas. O coeficiente

de abertura das economias locais, por exemplo, repisado

nas análises da CEPAL, media a relação entre importações

e produto nacional bruto.

O que foi específico no enfoque da dependência não

foi, portanto, a ênfase na dependência externa concebida

da forma acima, mas sim a análise dos padrões estruturais

que vinculam assimétrica e regularmente as economias

centrais. às periféricas. Introduzia-se, portanto, a noção de

dominação. Por este conceito, não

se procurava mostrar,

como o faria Sunkel mais tarde, que para caracterizar o

 desenvolvimento autônomo deveria existir um compo

nente de

vontade deliberada

ou de

propósitos;

ao contrá

rio, a ênfase era posta na negativa: não é provável u

desenvolvimento autônomo,

ceteris paribus

Não quero

discutir aqui o acerto ou o engano dessa afirmação. Quero

apenas qualificar: no pólo oposto e descontínuo) da teoria

da dependência o que se vislumbrava não era o desenvol

vimento autóctone mas... o socialismo. Este por certo não

se tornou explícito

 

muitos autores, mas a crítica à

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possibilidade do desenvolvimento , especialmente no que

se refere ao desenvolvimento nacional , havia sido o

ponto de p rtid

da análise deDos Santos, Quijano,Marini,

Faletto e Cardoso, para mencionar apenas alguns autores.

Mais ainda, não se via a dominação apenas entre n -

ções Procurava-se mostrar como essa supõe uma domina

ção entre cl sses Nem todos os autores que vieram a ser

considerados dependentistas encaravam a questão dessa

forma. Mas especialmente os sociólgos e os acima citados

são todos sociólogos) estavam preocupados com a especi

ficação dos padrões de exploração de classe, com a consti

tuição de estruturas de poder e com oportunidades de

reação política. Estas seriam v riáveis conforme a ligação

estrutural da economia local com as economias centrais.

Esta vinculação poderia realizar-se através de enclaves ,

de produtores nacionais ou por intermédio do desenvolvi

mento industrial que   ssoci v os grupos empresariais

locais às multinacionais. Foi esta última forma de depen

dência - por ser atual - a que despertou mais a atenção: era

a nova dependência .

Na caracterização,   sentido estrito, do que estava

ocorrendo com as sociedades dependentes que se indus

trializavam, as discrepâncias do ponto de vista são peque

nas entre os vários autores dependentistas e mesmo entre

estes e os cepalinos de cepa pura. O corte se dá mais  

termos de ênfase na política e no papel da exploração entre

classes a qual obviamente não é negada tampouco pelos

cepalinos, mas é vista de modo menos saliente do que a

exploração entre as

nações 2

para explicar as característi

cas das economias subdesenvolvidas e dependentes.

Penso que é possível resumir o modo pelo qual os

 dependentistas articulam seus argumentos para descre

ver as situações a que se referiam utilizando a síntese

recente de autores não comprometidos com a elaboração

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de teorias da dependência, mas com a verificação de sua

consistência, da seguinte maneira:

- trata-se de situações nas quais existe penetração fi

nanceira e tecnológica pelos centros capitalistas de

senvolvidos;

esta penetração produz uma estrutura econômica

desequilibrada tanto internamente nas sociedades

periféricas como entre estas e o centro;

- a qual supõe limitações para o crescimento econômi

co auto-sustentado na periferia;

- e propicia a emergência de padrões específicos de

relações capitalistas de classe;

- as quais requerem modificações no papel do estado

para afiançar tanto o financiamento da economia

quanto a articulação política de uma sociedade que

contém,

 

si, focos de inarticulação e de desequi-

l

 b . 1

 

1  ; estrutura .

Por mais simplificadora que seja a síntese acima, ela

tem a virtude de não se deter no reconhecimento de uma

relação de dependência econômica . Esta é, por certo, a

base sob que assenta a análise dos dependentistas . Mas

nem ela se restringe

à

 penetração externa (financeira e

tecnológica) nem esta última é vista como fato discreto .

Ao contrário, é nomovimento de expansão do capitalismo,

e conseqüentemente através de relações sociais de produ

ção que envolvemexploração e dominação, que se registra

como especificid de a dependência. Que especificidade é

essa?

Por u lado, no aspecto econômico, existem limitações

para o crescimento auto-sustentado: não se trata de inexis

tência de tecnologia própria  si, ou da dívida externa por

si; ambos fenômenos são indicadores da debilidade da

acumulação capitalista na periferia. Não é apenas, portanto,

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que existe dependência. Essa é a expressão ou equivale,

simplesmente) domovimento internacional do capital que,

embora s desenrole

à

escala mundial,

formal e estrutu-

ralmente

dá-se unindo termos que são diferentes e

assimé-

tricos:

a reprodução do capital implica   sua

circulação

no mercado internacional e nesta existe transferência de

mais-valia pelo intercâmbio desigual e existe a apropriação

de excedentes por parte das burguesias centrais graças à

deterioração dos termos de intercâmbio aspectos superfi

; ciais

da dependência); mas implica

essencialmente

na ex

tração da mais-valia através do processo de

produção.

E

esta extração, no caso das situações de dependência, impli

ca na questão do

controle

 da penetração ) do trabalho

local por capitalistas

estrangeiros  qualidade acidental do

ângulo da extração direta da mais-valia que também pode

ser feita por capitalistas nacionais). E também implica, na

transferência, para assegurar o circuito de produção, da

massa de recursos acumulados da periferia para o centro,

dada a heterogeneidade do sistema produtivo a nível mun

dial e a debilidade relativa dos setores tecnológicos avan

çados da periferia.

 

por isso que as deliberações e

 decisões da periferia encontram obstáculos

reais

na es

trutura não

do

comércio mundial

mas do

sistema pro-

dutivo internacional.

E é óbvio que a análise destas ques

tões tanto passa pela dinâmica da relação entre as classes

como pelas relações entre os estados-nação posto que estas

últimas são a forma concreta de articulação entre as bur

guesias locais e as internacionais.

Por outro lado, no aspecto social, a natureza incompleta

e heterogênea da industrialização periférica sem esquecer

que de forma aindamais gritante ocorre algo do gênero com

as economias agro-exportadoras), produz efeitos que os

dependentistas apontaram até ao cansaço. Burguesias que

só se complementam associando-se na produção ao capital

estrangeiro ou subordinando-se no comérciomundial. Pro-

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letariado que se distancia do resto da massa popular; com

o progresso da industrialização ou com a prosperidade dos

enclaves exportadores agrários e mineradores, massas

marginais que não são facilmente absorvíveis, mesmo

quando a industrialização prospera. Uma falsa pequena

burguesia , que não corresponde diretamente ao conceito

de burguesia pequena , aplicável

à

época do capitalismo

concorrencial europeu e sim

à

formação de amplas camadas

de assalariados (empregados de colarinho branco e técrn

cos) gerados pela forma oligopólica e internacionalizada da

empresa multinacional que esmaga a anterior estrutura de

prestação de serviços e de comercialização. Uma estrutura

social no campo que dá margem a um amplo espectro de

relações sociais de produção, embora subordinando as

diversas classes e camadas ao grande capital (desde os

 camponeses que trabalham a terra explorando a força de

trabalho familiar, até os trabalhadores rurais assalariados,

passando por gamas variadas de relações de meação, de

inquilinato, de trabalhadores semicompulsórios, etc.).

Por fim, no plano político, emerge

u

Estado-Produtor

e Repressivo que, ao mesmo tempo

 

que se apresenta

como n ion l e, nesta medida, busca consenso, organiza

e implementa a exploração capitalista. Para tal às vezes se

choca comos interesses imediatos da burguesia local e das

multinacionais e toma-se ele próprio estado capitalista-pro-

dutor; mas, aomesmo tempo, s

transforma

 

peça essen

cial para viabilizar a acumulação privada e garantir os

padrões de distribuição da renda e de gasto público, de

circulação de bens e de formação do capital financeiro, que

tornam viável o desenvolvimento dependente-associado.

Toma-se, assim, o Estado mola do estilo de desenvolvi

mento, excludente, concentrador de rendas e baseado num

sistema produtivo que atende

à

demanda das camadas de

altas rendas. Cada

u

dos aspectos aqui mencionados foi

tratado de forma diversa pelos autores que caracterizam as

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situações de dependência.   scontrovérsias entre eles são

grandes. E a polêmica não esteve ausente da produção

intelectual latino-americana. Apesar disso é fácil mostrar

que o enfoque da dependência singularizou-se frente aos

enfoques anteriores. Basta reler as páginas iniciais deste

ensaio sobre os cepalinos para verificar que os

pro lem s

colocados pelos cepalinos - mesmo que a metodologia

estruturalista no sentido que lhe atribuem os economistas

tivesse sido a mesma - não são os mesmos colocados pelos

dependentistas.

Não farei comparações desnecessárias. Antes de fina

lizar esta secção quero referir-me entretanto à incorpora

ção por alguns dependentistas de um tema que se bem

estivesse presente

em

alguns cepalinos não ganhava di

mensão que tomou na escola da dependência: o tema

cultural. Embora a dependência cultural tenha ficado

quase sempre por conta das implicações a serem derivadas

da situação de dependência em geral pelo menos um autor

entre os primeiros teóricos de dependência - Aníbal Qui

jan

23

-

colocou a questão

em

termos diretos. Muitos outros

referiram-se naturalmente à questão da autonomia tecno

lógica e alguns como Sunkel em seu conhecido artigo

mencionam a transculturização que a internacionaliza

ção do sistema produtivo provoca.

24

De

qualquer modo os

enfoques da dependência além de enfatizarem a relação

entre as economias periféricas e as centrais em termos da

expansão do capitalismo e de vê-los como relações de

exploração entre classes e nações que dão às estruturas

sócio-políticas dependentes certa especificidade mostram

também pelomenos em algumas de suas formulações que

existem aspectos culturais diretamente ligados à manuten

ção da dependência.

Os autores que formularam teorias de desenvolvimen

to se referem também à importância do sistema de crenças

e valores. Mas fazem-no seja para constituí-lo como variá-

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v relativamente independente, capaz de gerar demandas

novas para o sistema produtivo, seja postulando a necessi

dade

de

uma

 utonom

cultural. Os   dependentistas tam

bém

postulam o ideal

da

autonomia cultural. Entretanto,

concentram a análise nos malefícios

da

dependência cultu

ral. Não aceitam colocar a questão do sujeito histórico dessa

autonomia

sem

colocar a questão da Revolução, pois

em

geral

são

versados na teoria marxista.

É este, talvez, o calcanhar

de

Aquiles das teorias

da

dependência:

por

intermédio

de

que

agente histórico será

possível superar a dependência?

Prebisch, mais modesto em

sua

análise, tinha resposta

para as questões que colocava. Não precisava supor

uma

Revolução,

nem

necessitava uma crítica geral à dominação

burguesa. A modernização do aparelho

de

estado dos países

periféricos permitiria desencadear políticas industrializa

doras, controlandomas não rejeitando o capital estrangeiro,

e permitiria forçar a distribuição dqs ganhos

do

progresso

técnico em benefício dos operários e dos trabalhadores

do

campo; estas seriam as medidas preliminares para assegu

rar a igualdade entre as nações. Complementariam a bateria

de políticas reformadoras: o controle dos mecanismos

do

comércio mundial a UN T D mais tarde foi a expressão

disso), uma política

de

transferência de recursos dos países

ricos para

os

pobres e o acesso à tecnologia para

os

países

subdesenvolvidos.

Furtado, do

mesmo

modo, em suas obras mais antigas,

insiste em que o importante é aumentar a produtividade, o

que supõe inovações tecnológicas e investimento

de

capi

tais. A ação do estado para disciplinar a demanda e para

controlar a transferência de capitais e de tecnologia

sem

desnacionalizar a economia asseguraria a possibilidade

do

desenvolvimento. E mesmo Sunkel pressupõe o

poder

au

tônomo para equalizar oportunidades e supõe a criati-

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vidade tecnológica, para que se logre o desenvolvimento

autônomo .

E os dependentistas?

Esses, implícita ou explicitamente, ou se limitam a

constatar as deformações do que os cepalinos chamarão

de estilo perverso de desenvolvimento) geradas pela

expansão do capitalismo na periferia, ou propõem o socia

lismo como alternativa. Mas a alternativa não chega a

constituir-se na análise com a mesma força que a crítica da

situação de dependência. Ou, quando se constitui, freqüen

temente está ancorada na idéia, que já critiquei tantas

vezes

25

, da inviabilidade da expansão capitalista na perife

ria ou na extrema deformação que tal processo provocaria,

dados os processos de marginalização crescente da po

pulação, da existência de uma lumpen burguesia do de

senvolvimento  o subdesenvolvimento etc.

 

Chama a atenção que, apesar da força inegável de

algumas das caracterizações disponíveis sobre as situações

de dependência, a análise política subseqüente tenha dei

xado escapar a vivacidade do real para refugiar-se numa

espécie de escatologia que afirma a avalidade do princípio

da Revolução, ao mesmo tempo  m que esconde a debili

dade da proposta quanto aos caminhos para chegar-se até

ela. Esta debilidade se esconde pela apresentação de um

quadro catastrofista que dá a ilusão de levar a uma trans

formação radical, dados os impasses econômicos crescen

tes, mesmo que não assinale convincentemente o perfil da

classe ou das classes que poderão dar o salto negador da

ordem existente.

Por que isso?

É nesta altura que cabe voltar às especulações inicias.

Os dependentistas, tanto quanto os cepalinos, são herdeiros

da crença na racionalidade da história e não se assustam,

apesar da cara feia do progresso que eles descobrem. Acaso

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não foi Marx quem nos ajudou a conviver com a idéia de

que o pólo positivo - a acumulação de riqueza - encontra

seu complemento no pólo oposto - a acumulação demiséria

- e que a oposição entre ambos faz-se de tal maneira que

por linhas tortas como Deus faria o Bem chegar-se-á à

superação dos dois pólos à condição que a força negadora

dos explorados destrua os que os oprimem? E estemomen

to de explosão revolucionária - de violência - não foi

pensado como uma condição para que o progresso pudesse

continuar? Então por que haveriam os dependentistas de

hesitar e pôr  xeque a idéia de desenvolvimento? Desen

volvimento sim; capitalista não. A distribuição dos frutos

do progresso há de ser diferente. A

  propri ção

dos meios

pelos quais eles são logrados também. Mas os componen

tes formais - o modelo - estão dados pela própria história

do desenvolvimento capitalista. E os

  gentes históricos

desta transformação - as massas exploradas e primus inter

p res o proletariado - também estão dados de antemão

pela mesma teoria subjacente às explicações dependentis

tas.

Sua alma sua palma. O que permite aos dependentistas

tratar com soberbia as teorias cepalinas das quais nascem

dizendo-lhes: vejam o Estado que vocês acreditam poder

reformar é o estado-burguês expressão de todos os males

do subdesenvolvimento é ao mesmo tempo seu leito de

procusto. Se os cepalinos são insuficientes na caracte

rização e na crítica os dependentistas tomam-se pelo

muito amor a uma visão racional e integrada a partir da

experiência do passado europeu supreendentemente esté

reis: proclamam o que não deve ser mas param a meio

caminho na crítica concreta. Não chegam a especificar a

não ser como crença as forças transformadoras e só colo

cam parcialmente o ideal a alcançar: propõem o mesmo

desenvolvimento benefício de outr s classes. Talvez

tenhamos razão. Mas a verdade é que não ajustamos ainda

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nossas contas com os teóricos de um outro desenvolvi

mento .

 

lugar do Estado-Reformador dos cepalinos, apre

sentamos a imagem da Sociedade-Reformada; mas

  ~

levamos às últimas conseqüências as duas questões-chave

que surgiram no horizonte: que tipo de sociedade e refor

mada por quem?

Cabe aqui um parênteses. Duro e comovedor. No auge

da reformulação das teorias latino-americanas do desenvol

vimento, no mesmo momento em que os dependentistas

descreviam com vigor os efeitos da exploração de classes

e as conseqüências do capitalismo internacional sobre a

industrialização da periferia, abria-se na América Latina

uma opção política desafiante: Cuba, e, mais do que isso,

o guevarismo .

Digamos as coisas como as vemos, dando nome aos

bois: a análise derivada da revolução cubana e, especial

mente, a interpretação de Guevara, punham em xeque tanto

a idéia de desenvolvimento quanto a da possibilidade de

um desenvolvimento-dependente. Desde 1961, da Confe

rência de Punta del-Leste, quando Guevara criticou a re

volução das latrinas , até sua saga boliviana de 1967,

quando a teoria do foco sucumbiu heroicamente com seu

formulador, a verdade é que a prática política revolu

cionária deu xeque ao rei embora não xeque-mate) às

pálidas teorias acadêmicas. A complementação

política

das

teses dependentistas não decorria da análise que elas pro

punham, mas do enxerto que sobre elas se fez da Revolução

na Revolução

de Regis Debray. E quando caiu Guevara,

legando à história além de sua inteireza moral e coragem

revolucionária as reflexões de seu   iárioo pensamento

político latino-americano continuou impotente. Não tirou

as ilações necessárias. Não foi mais longe na recolocação

das questões políticas: julgou Allende pela ótica da neces

sidade da destruição do aparelho de estado e não do seu

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aproveitamento pela revolução; não colocou frontalmente

a questão

 

teoria política do proletariado mesmo que

fosse para reafirmá-la . Apenas endossou-a

em

abstrato,

mesclando aqui e ali com a justificativa da guerrilha tupa

mara, dos montoneros ou do ERP, sem ir ao fundo da

questão do porquê do fracasso da Unidade Popular, do

movimento de Torres, e assim por diante.

Não foi só econômico que o século XIX triunfou no

pensamento latino-americano. Além da crença na raciona

lidade da história, este pensamento abrigou, e ainda abriga,

a crença no progresso social: estacionamos nos umbrais das

questões decisivas para manter a convicção de que não

precisamos perguntar quais são os portadores concretos do

futuro. Ao deixar subentendida a resposta política aos

problemas que colocamos ou ao aceitar como soluções

remendos externos a nossa análise, não fazemos

jus

 

condição de intelectuais, ou seja, de homens que podem

aceitar o momento histórico da transfonnação violenta e o

grão de verdade do imprevisível, mas tratam logo de expli

car por que, como e para quem, mesmo que mantendo

convicções sobre a inelutabilidade que amanhã será outro

dia e a Revolução se imporá.

  send d

utopi

Nos países de industrialização avançada punha-se

em

dúvida a própria noção de progresso e de desenvolvimento,

enquanto o pensamento social latino-americano se manti

nha aferrado

à

racionalidade um saber suposto como pro

vado e incorporava, à socapa, explicações pouco convin

centes sobre o processo de transfonnação histórica sem

questionar a vaguedade da política que ele próprio propu

nha e sem questionar as novas visões que surgiam.

Não é esta a oportunidade para acompanhar estes des

dobramentos da história das idéias contemporâneas. Bas-

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tam algumas anotações. Desde as colocações deMarcuse e

as rebeliões das minorias norte-americanas, passando-se

pela revolta de maio de 68 na França, desenhava-se uma

nova atitude na cultura ocidental: havia que fazer face a

uma espécie de crise de civilização .

Esta não pode explicar-se apenas  m

função do malai

s que a civilização capitalista urbano-industrial provo

cou. Junto dela há outros fenômenos mais complexos, que

a sismografia cultural da intelectualidade ocidental regis

trou: houve a revolução cultural da China e o desencanto

com as formas burocráticas de socialismo. Enquanto isso

na América Latina o discurso habitual sobre o desenvolvi

mento e a dependência encontravam um piso de realidade

para assentar-se. A indignação moral diante do avanço de

um sistema produtivo discriminador e expoliador, como é

o sistema capitalista de forma ainda mais visível

 m

suas

fases de acumulação selvagem , alentava a idéia de Re

volução s m pedir dela perfil mais nítido. Nos países

capitalistas avançados registrava-se uma certa perplexida

de diante da tradição do pensamento social de crença na

filosofia da história que assegurava o progresso, o socia

lismo e a liberação.

A partir de maio de

 

os sinais de dúvida começaram

a soar com mais insistência: sem uma revisão de valores,

s m que haja uma discussão mais substancial sobre o que

deve ser a sociedade do futuro e sem uma afinnação orgu

lhosa dos desejos frente

 

realidade prends des désirs pour

des réalités ), seria difícil construir a sociedade justa que o

socialismoanunciou desde o séculoXIX, pensam os novos

críticos.

Pouco a pouco, o anarquismo começou a reviver nos

meios intelectuais de esquerda e neles se vislumbrou a

ruptura com a escatologia marxista. As tensões sino-sovié

ticas, o movimento dos dissidentes, a súbita descoberta da

 gang dos quatro , só fez pôr mais lenha na fogueira. Um

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vento libertário que trazia consigo as sementes de outras

utopias começou a corroer a cidadela da crença num futuro

de racionalidade e justiça, historicamente ancorada na ver

dade objetiva da luta de classes e, hegelianamente, na

 negação da negação ou seja, na Revolução que supera

os óbices e torna o futuro contemporâneo dos mais encan

ditados desejos). Tratava-se de utopias menos racionais ,

de forte sabor individualista, talvez menos coletivistas,

desconfiadas de toda e qualquer dominação e do próprio

princípio de autoridade, e que descriam das análises

estru-

tur is

para concentrar-se em afirmações

existenci is

Não terá sido esta a primeira vaga deste tipo no Oci

dente. E dificilmente será a última, antes do milênio. Mas

ela golpeou forte porque desta feita encontrou um terreno

próspero. O existencialismo de depois da guerra tinha o

sabor do desespero e feneceu diante da promessa da revo

lução social; o utopismo libertário da década presente tem

a alentá-lo outras fontes, mesmo que tenha nascido nos

movimentos hippies, da contracultuta e da anticivilização

industrial  m geral, também algo desesperados. As utopias

contemporâneas receberam novo alento dos efeitos sociais

e culturais negativos da civilização tecnocrático-industrial

impulsionada pelas grandes corporações econômicas mul

tinacionais, somados à descoberta de que o socialismo

também pode padecer do burocratismo e da alienação.

Foi neste contexto - mas redefinindo as atitudes, como

 á veremos - que prosperou a crítica às teorias objetivas

do desenvolvimento e que as questões valorativas puseram

se commais força na própria definição do

desenvolvimento

Por certo, existem esforços de redefinição muito diversos.

Alguns, negando a possibilidade de dar um curso substan

tivamente racional ao processo histórico e de ver nos avan

ços tecnológicos a força básica do desenvolvimento, não

hesitaram e formularam a utopia regressiva: é melhor parar,

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- por uma parte ela incorporou preocupações reais

com a destruição de recursos não renováveis e de

destruição do meio ambiente que, inegavelmente,

aponta a certos limites exteriores que são parâme

tros para o desenvolvimento, não apenas dos países

menos desenvolvidos, mas especialmente dos mais

avançados industrialmente; .

- por outra parte ela revigora ideais de igualdade a

serem buscados menos na abundância dilapidadora

e mais no uso racional de recursos relativamente

escassos;

- essa última preocupação vem junto com a reafinna

ção da crença de que se não existe hoje melhor

distribuição de recursos entre países e dentro dos

países não é tanto pelo nível de escassez absoluta de

riqueza mas por sua má distribuição concentração

de renda e de riqueza e miséria voltaram a ser, como

queria Marx, duas caras da mesma moeda);

- por fim, junto com as fonnulações relativas a um

outro estilo de desenvolvimento ressurge a idéia de

que é no plano político que há de romper-se o equi

líbrio favorável

à

concentração de riqueza; e que,

para começar, será possível romper o círculo da

pobreza mediante a reestruturação das relações de

troca entre as nações numa nova ordem econômica

internacional;

- como caminhos para alcançar tais objetivos novas

estratégias foram desenhadas, ressaltando que sem

mais e melhores infonnações, para assegurar a auto

nomia de decisões e estimular a criatividade, especi

almente embora não só, a tecnológIca, e sem que se

estabeleçam de algum modo fortes conexões dos

desfavorecidos entre si nações e classes), a causação

circular da riqueza e da miséria não será rompida.

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o  nfoqu lt rn tivo

A noção de que o desenvolvimento não tem por obje

tivo a acumulação de capitais, mas a satisfação das neces

sidades básicas do homem, passou a ser uma constante nos

documentos produzidos pelas reuniões de peritos e de

representantes governamentais. Ela não é nova, por certo.

Entretanto, tal como foi formulada no século passado pela

crítica socialista a cada um conforme suas necessidades,

de cada um conforme suas possibilidades ) para alcançar

o desiderato desta idéia seria necessário, primeiro, modifi

car as estruturas de dominação política e de exploração

econômico-social. Só se alcançaria a igualdade e o atendi

mento das necessidades depois que, através da luta de

classes, se instaurasse uma ordem social equânime. Conse

qüentemente, haveria que passar por drásticas modifica

ções políticas que iriam da Revolução Social até ao esta

belecimento da Ditadura do Proletariado para instaurar, por

fim,

um

sociedade sem dominação de classe com um

Estado reduzido à Administração das Coisas). Mais ainda,

repudiava-se a noção de necessidades mínimas a partir de

um parâmetro fixo tantas calorias dadas ou tantos metros

quadrados de habitação) considerando-se que as necessi

dades eramhistoricamente criadas e seus limites físicos não

existiriam graças à crença no Progresso e na infinitude dos

recursos planetários).

Que dizem hoje os paladinos do development need

oriented ?

Qualquer que seja o documento tomado, da Declaração

de Cocoyoc, passando pelo Colóquio de Argel até, na

formulação mais equalitária disponível, o relatório de Upp

sala sobre Another Development , um desenvolvimento

 om essas características deve ser ajustado às necessi

dades humanas, tanto materiais como não-materiais. Co

meça pela satisfação das necessidades básicas dos domi-

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nados e explorados que constituem a maioria dos habitan

tes do mundo e garante ao mesmo tempo a humanização

de todos os seres humanos pela satisfação de suas necessi

dades de expressão de criatividades e de convívio e de

compreender e dominar seu próprio destino .

A busca de um estilo de desenvolvimento mais equi

librado não nasceu com a estratégia visando satisfazer as

necessidades básicas. Bem antes desse tipo de formulação

ganhar seu momentum na discussão internacional dentro

do próprio sistema das Nações Unidas existia desde 1977

o chamado enfoque unificado para o desenvolvimento.

Este procurava corrigir os excessos economicistas relativos

à obsessão  om o crescimento do PNB per capita através

de

um

tipo

 e

planejamento capaz de atender se não os

 basic needs as necessidades sociais .27 Na busca de um

desenvolvimento econômico e social balanceado como

reconheceu um dos participantes mais críticos deste tipo de

estudos Marshal Wolfe muito do debate fazia-se ao redor

de inovações terminológicas quando não de confusões:

 Não é meramente acidental que as intermináveis dis

cussões sobre o desenvolvimento não tenham tocado a

confusão entre o desenvolvimento concebido como

processos empiricamente observáveis de mudança e

crescimento no interior de sistemas sociais e o desen

volvimento como progresso no caminho da Boa Socie

dade segundo o critério do observador .28

Não obstante como ocorre

 om

as utopias progressi

vas a formulação genérica do desejo de satisfazer as basic

needs - quaisquer que sejam os critérios de definição

acabou gerando uma crítica persistente ao grau de pobreza

cumulativa produzida pela expansão atual do sistema

econômico comparável por sua generalidade à crítica

feita pelo socialismo utópico do século passado. Pennitiu

também que novos ângulos críticos pudessem ser assumi

dos frente às questões do desenvolvimento.

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Tudo isso se fez, é certo, dando margem a uma certa

inespecificidade comodista: é o desenvolvimento selva

gem e não o sistema capitalista - como se afirma na

crítica socialista, ou, menos claramente, na crítica dos

dependentistas latino-americanos - o responsável pelos

males do mundo. Evita-se, assim, nos foruns internacio

nais, o espinhoso problema da crítica mais concreta e

 contundente a situações sociais dadas. Ao invés do capita

lismo estar na berlinda, são os desvios do estilo de desen

volvimento que são crucificados. Ao argumento agre

ga-se, lateralmente, que os sistemas socialistas em sua

expressão atual, se é certo que melhoraram o atendimento

das necessidades básicas, nem sempre respeitaram a parti

cipação democrática e os outer-limits , que é a outra

obsessão dos formuladores da nova estratégia do desenvol

vimento. Este passou a ser algo mais abrangente. Se seu

centro

é

o atendimento das necessidades básicas, comple

menta-se pelo respeito aos requerimentos ecológicos, tanto

no que se refere a uma relação adequada entre o ecossistema

local e os limites externos que a preservação da vida

presente e das gerações futuras impõem, quanto no que se

refere ao uso de tecnologias apropriadas para a exploração

racional dos recursos naturais e humanos.

Nessa linha de preocupação creio que houve uma con

tribuição positiva que acrescenta algo ao anterior debate

sobre desenvolvimento. No nível mais geral da análise a

noção de ecodesenvolvimento, especialmente na formula

ção de Ignacy Sachs, sintetiza a nova posição crítica diante

da consciência da finitude de certos recursos naturais

 

temática dos recursos não renováveis , chama a atenção

para a existência de outer-limits e põe ênfase nas formas

predatórias e poluidoras de avanço tecnológico:

 

Ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimen

to que,

em

cada eco-região, requer as soluções especí-

ficas para os problemas peculiares a região,   luz dos

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dados culturais e ecológicos bem como das necessi

dades imediatas .29

Nas formulações de Sachs não se trata de estabelecer

a utopia do desenvolvimentó comunitário que tem sido

a outra linha de propostas surgidas especialmente da pena

de escritores asiáticos influenciados pelo peso da econo

mia camponesa e pela incapacidade do desenvolvimento

capitalista resolver os problemas sociais das populações

rurais.

 o

contrário o autor mantém-se na tradição de

pensamento que propugna por transfonnações de fundo

tanto tecnológicas quanto dos sistemas sociais mas chama

a atenção para a necessidade de tomar em conta que nas

condições políticas do mundo atual sem  self-reliance

sem

participação ativa da base da sociedade e sem uma

tecnologia apropriada - que respeite os outer-limits e que

tome

em

consideração os recursos locais tanto humanos

quanto naturais - não haverá um desenvolvimento razoá

vel.

 e algum modo Sachs tenta compatibilizar a noção de

racionalidade formal com a racionalidade substantiva: ao

invés de propor a Razão Técnica como mola da história do

crescimento econômico prefere uma postura na qual o

 Razoável supõe uma adequação entre objetivos sociais e

humanos meios disponíveis e calculabilidade técnica.

Talvez

na

tensão entre a utopia comunitarista e de

participação a todos os níveis por um lado e por outro a

preocupação

com

uma atitude razoável que tome em

consideração a base técnica necessária e os limites reais ao

desenvolvimento - tendo por objetivo o atendimento de

necessidades sociais básicas - exista o que de mais rico esse

tipo de enfoque vem deixando à análise contemporânea dos

problemas do desenvolvimento.

Na linha do desenvolvimento como produto da vontade

comunitária {desde o nível da aldeia até ao da federação de

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interesses dos povos ou dos estados subdesenvolvidos e

oprimidos) o conceito-chave é o de self-reliance . Na

linha da análise dos novos instrumentos de desenvolvimen

to econômico sobressaemas ênfases postas nas tecnologias

apropriadas e nos outer limits .

 o

âmago do problema

do atendimento das necessidades básicas subsiste a questão

da refonna política necessária para alcançá-lo. Como do

cumentos centrais para a compreensão destas posturas ha

vendo superposição entre eles) estão o Informe Dag

Hammarskjõld

1975

 

e o projeto sobre a Reestruturação

da Ordem Internacional.  A estes se juntam os estudos do

World Order Model Project. 32

 om vistas

à

brevidade, resumirei aqui apenas os con

ceitos-chave de self-reliance por uma parte, de tecnologia

apropriada, por outra, e porei ênfase nas propostas de

construção de uma nova ordem econômica internacional,

que é o resultado político imediato desta estratégia.

Por

self-reliance muitos

o disseram, não se entende

autarquia ou auto-suficiência. Ela implica na definição

autônoma de estilos de desenvolvimento e de vida Infor

me Hammarskjõld 1975), que estimulem a criatividade e

conduzam

à

melhor utilização dos fatores de produção,

diminuam a vulnerabilidade e a dependência, de tal modo

que as sociedades contemmais

com

suas próprias forças de

resistência, confiem

em

si próprias e tenham meios para

serem dignas. Aplica-se a self-reliance tanto ao nível local

 de comunidades) como nacional e internacional.

O componente valorativo em

tal definição é claro.

Noções como diginidade , autoconfiança etc. implicam

em escolhas. E isso não por acaso: à lógica da produção

imposta pelo capital cujo maior crítico mas também me

lhor analista foi marx), os proponentes dos outros estilos

de desenvolvimento contrapõem uma lógica do consumo

visando a erradicar a pobreza e a melhor distribuir os

recursos entre os grupos sociais.

33

Junto mesmo

com

a

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noção de

s l

reli nce vem a idéia de melhor distribuir

recursos e melhor organizar os estilos de consumo. Com

essa estratégia, u problema grave do mundo atual, como

o da chamada crise energética , seria repensado mais

facilmente. Ao invés de produzir pormeios técnicos devas

tadores mais energia, seria possível balancear seu uso:

 podemos optar por padrões de consumo de baixa energia

e preferir neste sentido sistemas de habitação, de transporte

urbano e de uso do tempo que consumam essa pouca

energia .

 

Decorre logicamente que tal enfoque do problema do

desenvolvimento obriga a rever os conceitos sobre tecno

logia. Quase tautologicamente, deve entender-sé por tec

nologia adequada a invenção e utilização de processos e

modos de organização de trabalho que se adaptam melhor

às circunstâncias particulares, tanto econômicas como so

ciais, de

u

país ou setor particulares .3s

A crítica fácil - de que com essas noções estar-se-ia

apenas reforçando o padrão de dominação vigente sem

mudar as condições produtivas dos países subdesenvolvi

dos - é rebatida com energia por todos os que adotam a

noção de tecnologia apropriada . Ela não significa uma

tecnologia   tr s d mas sim um blend tecnológico que,

outra vez, oriente-se pelo r zoável sem perder de vistas os

objetivos básicos do desenvolvimento basic needs), s

adotar u padrão puramente imit tivo do que ocorreu nos

países industrializados, mas também semdesdenhar a ciên

cia e o avanço das forças produtivas.

 6

A implementação de

políticas de desenvolvimento tecnológico orientadas por

essas preocupações e pelas noções de desenvolvimento

auto-sustentado visando atender às necessidades básicas

requer uma nova pauta de relações internacionais no que se

refere à Pesquisa e Desenvolvimento, que transfira tecno

logia mas, ao mesmo tempo, leve à criação autônoma de

tecnologia e

à

filtragem do tipo de tecnologia a ser absor-

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vida. Tudo isso passa pelo problema de formação de pes

soal especializado e por políticas que evitem a fuga de

cérebros.

Comomencionei antes, a noção de que alguns recursos

naturais não são renováveis e de que existe a degradação

possível da biosfera obrigou os defensores do ecodesenvol

vimento a adotarem uma política de respeito aos limites

externos ao desenvolvimento outer limits ). Resumida

mente:

 O

conceito de limites exteriores exige um esclareci

mento. Os limites são o ponto a partir do qual um

recurso não renovável se esgota, ou um recurso reno

vável, ou um ecossistema, perdem sua capacidade de

regenerar-se ou de cumprir suas funções principais nos

processos biofísicos. Os fatores determinantes são, por

um

lado a quantidade de recursos e as leis da natureza,

e, por outro lado, a ação da sociedade sobre a natureza

e especialmente suasmodalidades técnicas. Para definir

o qualificativo exterior há que precisar o contexto no

qual são considerados os limites: local, nacional, regio

nal ou global. A escolha de um contexto tem implica

ções políticas e científicas diversas .3?

A

nova

ordem econômica: ideologia e

realidade

  eposse dos instrumentos críticos acima indicados, os

participantes da corrente de opinião relativa às formas

alternativas de desenvolvimento viram-se numa encruzi

lhada teórica e prática. Que conseqüências analíticas pode

riam eles tirar do ponto de vista valorativo que assumiram

e como encaminhar as políti s transformadoras a serem

propostas?

Não é preciso muita argúcia teórica para perceber que

a nova abordagempossui alguns parâmetros não definidos.

Por

um

lado as necessidades básicas - centro mesmo de

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suas análises - acabaram por traduzir duas preocupações:

a erradicação da pobreza e a crença de que, nas condições

produtivas e tecnológicas atuais, esse objetivo só se alcan

çará havendo uma redefinição dos estilos de vida e conse

qüentemente dos estilos de desenvolvimento.

38

Por outro

lado, assim como os dependentistas se embaralharam

quando tiveramqueprecisarno âmbito de suas perspectivas

teóricas quais seriamos sujeitos históricos das transforma

ções, os teóricos do another development tampouco são

explícitos na análise desta questão.

39

Pior ainda, enquanto

os desenvolvimentistas cepalinos bem ou mal viam no

Estado Ilustrado (orientado para o bem-estar das classes

oprimidas) o princípio ordenador do desenvolvimento, eli

dindo a questão da Revolução, e os dependentistas manti

nhamacesa a pira sagrada dessa última (embora sem expli

citar de que modo e com que forças diante das trans

formações da economia contemporânea que eles próprios

ressaltam   suas análises), os defensores do estilo alter

nativo de desenvolvimento oscilam em seus textos entre

uma   t i t u ~ valorizadora da dignidade humana e  a refor

ma burocrático-institucional, a nível das Nações Unidas.

40

Bem ou mal, foi a este nível burocrático que a consti

tuição do enfoque do another developmenf teve maior

seqüência. Os pontos principais da proposta para uma nova

ordem econômica internacional refletem a filosofia do

desenvolvimento antes resenhada. Insistem na necessidade

de estimular os mecanismos de self-realiance coletiva,

através de acordos entre os países subdesenvolvidos, e no

objetivo de redistribuir a riqueza mundial. Desconfiam, por

certo, das estratégias de ajuda ao desenvolvimento e da

transferência do padrão civilizatório dos países industriali

zados para os subdesenvolvidos. E não deixam de criticar

as distorções da economia internacional:

 Muitos países industrializados têm interesses grandes

e crescentes nas economias de muitos países pobres.

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Para citar um só caso, os rendimentos da inversão

estrangeira direta dos EE.UU., como proporção do total

dos lucros nacionais, aumentaram de

em

1950

para

28

em 1969 .41

Como remédio, os formuladores do novo desenvolvi

mento propõemum aumento de controle dos investimentos

estrangeiros e uma estratégia de valorização da negociação

coletiva por parte dos países subdesenvolvidos paramelho

rar as condições de barganha entre os produtos primários e

os industrializados, no Diálogo Norte-Sul . E não desde

nhama importância da opinião públicamundial para alcan

çar esses resultados. Dessa postura deriva a necessidade de

rever o sistema de informações mundiais, especialmente

quanto aos mass-média.

42

A bateria de medidas e sugestões

elaboradas é considerável, especialmente nos documentos

fundamentais

referidos e nos textos do Colóquio de

Argel. Vão desde a preocupação com os bens cot'etivos

(como o fundo dos oceanos),

à

definição de um código de

ética para as empresas transnacionais, a reformulação do

Direito Internacional, a proposta de elaboração de indica

dores de desempenho do desenvolvimento econômico que

tomem

em

conta evolução do atendimento das necessi

dades básicas etc., até a questão da militarização da produ

ção mundial e a necessidade de uma política desarma

mentista,para proporcionar mais recursos para um desen

volvimento saudável . Tudo isso no contexto de uma

visão que valoriza a self-reliance, a criatividade local e a

diversidade dos caminhos para o desenvolvimento:

  objetivo principal da Nova Ordem Econômica In

ternacional deve ser organizar novas relações econômi

cas internacionais que ponham um fim à dependência,

à

injustiça e

à

discriminação e que facilitem a self-re

liance (...).

 Um

fator importante desta relação entre

desenvolvimento e militarização é que a corrida arma

mentista esbanja capital e recursos naturais e humanos

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que seria mais útil consagrar à melhoria das condições

humanás

em

todo o mundo ...) as necessárias modi

ficações radicais nas relações entre os Estados só serão

possíveis

se

tambémnomundo civilizado alguns países

ou

certas forças sociais decidem esforçar-se por chegar

a novas relações fundadas na não-exploração, na justiça

e na dignidade .43

Por trás de tanto empenho emmudanças orientadas pela

boa vontade foram produzidas também análises sólidas,

não sobre intenções, mas sobre fatos. Nessa linha - mais

consistente coma tradição da análise clássica - foram feitos

estudos sobre os efeitos das corporações internacionais na

economia mundial contemporânea e seus desdobramentos

políticos

bem

como sobre a reação do Terceiro Mundo

frente a esse problema. As análises sobre as empresas

multinacionais ressaltam tanto seu crescimento como, o

que é decisivo, sua contradição com os objetivos do ano

ther development :

  importância que as empresas transnacionais adqui

riram fica exemplificada pelo fato de que o valor agre

gado

de cada

uma

das

dez maiores empresas

transnacionais ascende a mais de

3

bilhões de dólares,

uma cifra maior do que o PNB de 80 países do mun-

 

A partir do reconhecimento dos efeitos da ação das

empresas multinacionais na economia mundial e de sua

contradição com os valores do desenvolvimento alterna

tivo Samir Amin explicita o que é suposto não discutido

na maioria dos textos:

 Na

verdade, o ponto importante é se podemos definir

as alternativas como acabamos de fazê-lo, ou seja, sem

levar

em

conta os fins últimos, a escolha do socialismo

ou

do capitalismo. Em outras palavras: é realista ter

como meta para os países do Terceiro Mundo

um

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priação coletiva dos meios de produçãose for parapro uzir

o m smo que a empresa privada é capaz de fazer; e não

basta substituir o gigantismo das multinacionais e das

burocracias dos executivos pelo mamutismo do setor esta

tal controladopor uma burocracia fiel a um partido também

burocrático. Mesmo que este processopermita maior igual

dade e possiJ>ilidademais fáceis de atendimento das neces

sidades humanas básicas o que é

i n d i s u t ~ v e l

e portanto

represente um avanço, subsistem algumas das questões

fundamentais do another development .

Com efeito, a imitação dos aspectos civilizatórios da

sociedade capitalista referentes ao consumo e à tecnologia

produtiva) pode ser explicada talvez porque a competição

entre os modelos civilizatórios continua regendo, pelo me

nos no que diz respeito à guerra e à corrida armamentista,

o fundamental das decisões de investimento das potências

líderes do mundo contemporâneo. Mas o controle estati

zante e não democrático - oposto à self-reliance e à parti

cipação ampliada - não encontra escusas senão em termos

de uma estrutura de poder não controlada pela base da

sociedade nos países líderes do mundo socialista e na

difusão de uma ideologia que não atende às aspirações de

autonomia e de igualitarismo.

De pouco vale passar como gato sobre brasa por estes

problemas. Eles não têm resposta simples. As relações

entre as questões do poder mundial, as implicações da

produção técnico-industrial e o padrão cultural o estilo de

desenvolvimento) tanto no mundo capitalista como no

mundo socialista, são reais e complexas, limitando a ação

transformadora.

Diante delas é que a crença no Estado Ilustrado dos

cepalinos toma-se parcial e ideológica, assim como a ênfa

se na lutade classes dos dependentistas toma-se necessária,

mas insuficiente. Os teóricos do another development

pisam em terreno fértil quando, ingenuamente embora,

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recolocam ideologias prenhes de utopismo. Só que este

utopismo se desfigura e empobrece quando a generosidade

das posturas ingênuas é substituída pela fragilidade das

propostas de negociações entre o mundo dos pobres e o dos

ricos ou pelo entusiasmo com reformas burocráticas da

ONU ou dos aparelhos governamentais. Ele ganha um

contornomais promissor quando o reformismo proposto

dirige-se para o outro lado e tenta substituir a crença

absoluta no progresso e na razão por uma postura não

 maximalista do tudo ou nada ) que procura valorizar o

r zoável

e tenta repor a questão da iniciativa autóctone, da

diversidade cultural e da redefinição dos estilos de consu

mo. Enfim, uma

 utopia realista , com toda a contradição

nos termos.

Noutras palavras, à condição de que não se esqueça que

existemdeterminantes fundamentais cujos interesses e for

mas objetivas de atuação as multinacionais ou o interesse

do estado, por exemplo) moldam o mundo contemporâneo

e são eles que devem ser criticados e controlados para obter

os fins almejados pela nova utopia, a ênfase crítica aos

estilos de desenvolvimento colocada pelos defensores do

 another development corresponde a uma dimensão im

portante da crise civilizatória atual. Esta, se aparece com

mais força pelas óbvias razões da existência da exploração

de classe no mundo capitalista, alcança, redefinida, o mun

do socialista e coloca

 

xeque a forma pela qual dar-se-á

a transição das sociedades capitalistas para o socialismo.

Neste sentido, o pensamento político implícito nas

análises de desenvolvimento é pobre. Repetindo: se os

cepalinos simplesmente desdenharam a questão e os depen

dentistas não deram nitidez às forças sociais de trans

formação deixando implícito que seria o Proletariado), os

teóricos desta década quando enfrentam concretamente o

problema colocam como sujeito do processo de trans

formação as burocracias internacionais. este o calcanhar

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de Aquiles do pensamento atual sobre o another develop

ment . Revoluções sem sujeito ou Reformas com sujeitos

ocultos. Talvez se tenha no horizonte um conjunto de

alternativas dos para que do desenvolvimento e mesmo

dos para quem . Falta saber quem o fará e como. Mas seria

injusto pedir aos teóricos solução para problemas que a

prática, que é mãe da teoria, ainda não aponta como uma

possibilidade objetiva.

 OT S

1

Furtado, Celso, Teoria e política do desenvolvimellto econômico S ed., revista

e ampliada, São Paulo, Editora Nacional (1974),

 

ed., 1967.

2. Sunkel, O. e Paz, P.,EIsubdesarrollo latinoamericanoy la teoria dei desarrollo

México, Sigl0 XXI Editores, 1970.

3 Prebish, Raul, El desarrollo económico de la América Latina y alglUlos de sus

principalesproblemas (E/CN.12)89/Rev. 1,27 de abril de 19S0), Boletin Económico de

América Latina

vol. VII (1962), p.

 

4. Singer, Hans, The distribution of gains between investing and borrowing

countries , American Economic Review XL, May 19S0.

S Entre os autores do século XX que reelaboraram a teoria do comércio intema

cional é de rigormencionar Eli Heckescherque escreveu um artigo em 1919sobre The

effect of foreign trade

on

lhe

distributionof income , republicado em American Econo

micAssociation,

Readings

in

the theory ofintemntionnl trode Philadelphia 1949; Ohlin,

Bertil,

International Trade

HarvardUniversity Press 1933, e Lemer, Aba, Factorprices

and international trade , Economia fevereiro de 19S2.

Na versão neoclássica atual - e extremando os argumentos a favor dos efeitos

igualizadores do comércio internacional - o autor mais influente talvez seja Paul

Samuelson, International Trade and lhe Equalization of Factor Prices , Economic

Journal junho de 1948.

6. I.S. Mill, Principies

 

Political  conol lY (edição Ashley), p. 703.

7. Durante o ciclo de expansão (econômica), urna parte dos lucros se foi trans

formando em aumento de salários, graças

à

concorrência dos empresários entre si e

à

pressão que as organizações dos traballllldores fazem sobre todos eles. Quando, na fase

decrescente, o lucro tem que comprimir-se, a parcela que se transfonTlllra em tais

aumentos perdeno Centrosua fluidez, graças

à

conhecida resistência

à

baixa dos salários.

A pressão se desloca então para a periferia

com

maior força do que a que

se

exerceria

naturalmente, se os salários e os lucros não fossem rígidos por causa das liJnitações da

concorrência. Quantomenos se possam comprimir, assim, os ingressos no Centro, tanto

mais terão que fazê-lo na Periferia , Prebisch,  EI Desarrollo etc.  , op. cit.

p

7

8

Ver

 A

originalidade da cópia neste volwne.

9. Furtado, Celso, Teoria e Política do Desenvolvimellto Econômico São Paulo,

CompanhiaEditora Nacional,

S

edição revista e ampliada, 1975,

p

92. A versão origiJllll

foi publicada sob o título Desenvolvimento e Su bdesenvolvimellto em 1961.

10

Furtado,Celso,

O mitodo desenvolvimellto econômico

Rio, Paz e Terra, 1974.

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11. Ver Furtado, C., Teoria Política do Desenvolvimeltlo Econômico op cit e

especiahnente, O mito do desenvolvimento econômico op

cito

12 Sunkel e Paz, op cit p. 24.

13. Pinto, A.,  La concentración dei progresso

téclÚCO

Ysus frutos en el desarrollo

latinoamericano ,

Trimestre Econômico

janeiro-março de 1965.

14 Sunkel, O. e Paz, P.: op cit p. 25.

15 Ibidem, p. 26. A referência a dentro de wn pais parece relacionar-se ao

 cololÚalismo interno , mas não está claro.

16. Idem, ibidem, p 38.

17 Idem, ibidem, p. 39.

18. Pormotivos que

expliquei em outros trabalhos, ver A Dependência revisi

tada e o Conswno da teoria da dependência , neste volwne, prefiro evitar o titulo

pretensioso de teoria da dependência. Não obstante, rendendo-me à voga, também

utilizarei neste ensaio a expressão teoria da dependência .

19 Cardoso, F.H., Empresário Industrial/lO Brasil e Desenvolvimento Econômico

São Paulo, DIFEL, 1964, capo

I;

Frank A.a. The development of wlderdevelopmenC ,

Monthly Review vol. 18,

n

4, 1966.

20. Ver, porexemplo, Bagu, Sérgio, Estructura Social de lo Colonia BuenosAires,

Editorial El Ateneo, 1952, e Prado Jr., Caio, Formação do Brasil Colllemporáneo

(ColôlÚa), São Paulo, Editora Brasiliense, 1945 (2 edição).

21. Diga-se, de passagem, que a discussão da oposição entre classe e nação deu

margem (e continua dando) a polêmicas, equivocos, esclarecimentos e voltas atrás. Ver

especiahnente Weffort, F., Notas sobre Teoria da Dependência : teoria de classe ou

ideologia nacional , EstudosCEBRAP n. I, São Paulo, 1971 e Cardoso, F.H., Teoria

da dependência ou análises concretas de situações de dependência

 ?,

idem ibidem

22. Duval,   e Russet, B., Some proposals to guide research on contemporary

imperialism , p. 2, não publicado.

23. Quijano, Arubal, Cultura y Donúnación , Revista Latinoamericana de Cien-

cias Sociales 12 2,jWJho-dezembro 1971,

p

39-56.

Outro autor que encarou na direção das questões culturais o tema da dependência foi

VascolÚ, T., Dependência y Superestructura y otros ensayos Caracas, UlÚversidad

Central, 1971.

24.

SWJkel

Oswaldo, Capitalismo Transnacional y Desintegración Nacional en

América

Latina ,

El trimestre econômico

n 38 2.

25. Cardoso, F.H.,   Conswno da teoria da dependência neste volwne e Serra,

J

e Cardoso, F.H.,

 As

desventuras da dialética dodesenvolvimento , Estudos CEBRAP

São Paulo (23). E ainda

 As

contradições do desenvolvimento associado , Estudos

CEBRAP

São Paulo (8):41-75 abr.-jWl. 1974.

26 Frank A op cit

27. Wolfe, M. Idem, p. 80.

28. Para

wna

descrição das várias etapas do luúfied approach to development ,

bem

como para a análise de seus êxitos e linútações, o melhor docwnento

é

o ensaio de

Marshal Wolfe, Elusive Development: lhe quest for wúfied approach to development

analysis and planlÚng: histories and prospects , CEPAL/PV

IS

186,Santiago, dezembro

de 1978.

29. Sachs, Ignacy, Environment and StylesofDevelopment, in WilIiam Matthews

(ed.), Outer LimilS anil Humall Needs Uppsala, The Dag Hammarskjõlf Fowldation,

1976.

30. Que Hacer, Developmenr Dialogue n 1-2, 1975. Como docwnentos comple

mentares, ver a publicação editada por Chagula, W.F., Feld, B.T. e Parthsarati. A.,

Pugwash

 

lf

Reliallce

Nova Dellú 1977.

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31. Tinbergen, Jan (coordenador), ReestructuraciólI deI Orden llIemaCiOlUlI

R.I.O., Informe ai Club de Roma Fondo de Cultura Económica, México 1977. Ver

tambéma sériede ensaios publicados emhomenagem a Tillbergen, porDolman, Antony

e Ettinger, Jan van,

Partners in Tomorrow Strategiesfor a lIew illlemariollalorder

E.P.

Dutton, Nova Iorque 1978.

32.

Ver

Falk, Richard,

A Study   Future WorIds

The Free Press, 1975. Não

considerarei neste trabalho as idéias de Falk e de seus associados. José Medina Echavar

ria, numa sugestiva revisão critica, considerou,

sem

embargo, que estes estudos, graças

a seupoderde síntese, ao tipoespecífico deuma sociologia projetiva e ao reconhecimento

explícitode seu caráterutópico, apresentam vantagens sobre outras do mesmo gênerode

visãomais cibernética ou entãoburocrático-institucional. Ver Echavarría, JoséMedi

na,

 Las

propuestas de un nuevo orden económico internacional

en

perspectiva , CE

PAL, D.S. 1148, novembro de 1976.

33. Celso Furtado foi dos primeiros latino-anlericanos a rever seu instnunental

analítico recolocandoa questão da autonomia relativa da Demanda. Ver livros

citados.

34. Sachs, 1 EI ambienteh=o in Tinbergen, J., op

cit

p. 458.

35. King, Alexander e Lemma, A., Investigación Científica y DesarroIlo Tecno

lógico ,

in

Tinbergen, ed.,

op. cit

p. 414.

36. Ver Herrera, Amilcar,  An approach to lhe generation of tecnologies appro

priated for rural developrnent , Informe á UNEP, mimeo. E também as contribuições de

AmilcarHerrera e de Jorge Sabato ao Simpósio de Campinas sobre Tecnologia. Sobre a

estratégia para alcançar maior autonomia na criação tecnológica ver Parthasarathi, A.,

 Self Reliance in Science and Technology for development: some aspects of the Indian

experience ,

in

Chagula e outros,

op.

  ito

37. Informe DagHammarskjõld, op.

cir

p. 36. Para fWldamentar este enfoquedos

 outer linlits verMatlhews, W.H. e Little, A.D. Developing tlle concept of  outer limits

in

lhe context of

m ~ t n

basic human needs, mimeo., docwnento preparatório para o

encontro de Uppsala.

38. Foi aliás deste ângulo que o novo enfoque encontrou mais ressonância na

América Latina. Social e politicamente porque a novaesquerda , de inspiraçãomaoísta,

guevarista ou diretamente cristã, assumiu implicitamente o ponto de vista de que nos

países subdesenvolvidos mesmo o socialismo deveria ser constituído na parcimônia,

quase quecom urna repulsa aos estilosde vida das sociedades opulentas. No plano teórico

porque autores como Ambal Pinto

ou

Jorge Graciarena aceitaram o repto dos estilos

altemativos de desenvolvimento e contribuíram para sua análise. Ver Graciarena, J.,

 Podery estilos de desarrolld. Una perspectiva heterodoxa e Pinto, A., Notas sobre los

estilos de desarrollo

en

América Latina , in

Revista de la Cepal

Naciones Unidas,

Santiago de Chile, n. l,jan.-set./1976. Pinto distinguia a noção de sistema (capitalista

e o socialista) da noção de estrutura que aponta para o funcionamento da economia (o

grau de diferenciação do aparellio produtivo) e para a colocação e relacionamento dela

no esquemamundial, como dominantes ou subordinadas Qmveria sociedades capitalistas

industrializadas, capitalistas subdesenvolvidas, socialistas industrializadas, socialistas

subdesenvolvidas). O estilode desenvolvimento apontaria para o modo pelo qual dentro

de

lU

determinado sistema se organizanl e distribuem os recursos hwnanos e Illateriais

com

o objetivo de resolver as interrogações sobre o que, para quem e como produzir os

bens e serviços (p. 104).

39. Diga-se de passagem que a primeira dificuldade teórica, a de centrar a teoria

de desenvolvimento na lógica das necessidades básicas, vemsendo elaborada

não só

por

Furtado, como já indiquei,

mas

por Ignacy Sachs. Ver, deste último, Sryles etc.

40. Não resumirei aqui as refoffilas propostas para o sisteIlla das Nações Unidas

porque isso fugiria demasiado do foco deste trabalho. Basta consultar Another Deve

lopment ou o projeto R.I.O. para ver-se as linlms principais de sugestào. Convém dizer

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que alguns dos principais documentos relativos aos enfoques alternativos para o desen

volvimento foram feitos expressamente para influir nas rewúôes preparatórias das

Assembléias da

ONU

e especificamentepara o sétimoperíodo extraordinário de sessões

da Assembléia Geral,

que

tratou da nova ordem econôllÚca mWldial.

41. Tinbergem, J. (coordenador),   p cit 167. Diga-seque

se

o Informe Hammars

kjõld projetou

com

força

os

novos objetivos de desenvolvimento, o projeto R.I.O.

apresenta mais detalhada e solidamente as políticas a serem implementadas.

42. A esse respeito, ver Somavia, Juan,  Can we Wlderstand each olher? The need

for a

new

international information order , in Dolman e Ettinger,

  p

cit p 228 e

seguintes.

43. ColóqlÚo de Argel, p. 13; 14 e 38 respectivamente.

44. Jagairy,

1 KIÚI1

P. e Sornavia,

1., Las

empresas transnacionales in Tinbergen

(coord.)   p cit p. 431. Coerente

com

suas análises os autores acrescentamque: Muitos

dos objetivos de desenvolvimento autônomo descrito na SegWlda Parte deste Relatório

se chocam com

a lógica atual das empresas transnacionais.

 

autonollÚa é

wn

estilo

de

desenvolvimento baseado

no

reconhecimento da diversidade cultural; como tal é wn

instrumento contra a homogeneização das culturas. Pelo contrário, a lógica das empresas

transnacionais baseia-se

em

que a maioria dos produtos podem vender-se com proveito

em quase todos

os

países em que operam, se se tem em conta apenas seus níveis de

desenvolvimento . Idem ibidem p. 441.

45. Anúm,

Sanúr,

 Some

lhoughts

on

self-reliant development, colk,ctive self-re

liance and annew econonúc order , Vlúted Nations, IDEP, Dakar, 1976, mimeo.

46. Arnim vaimais longe:

 The

fact is lhat lhe lhemes of lhe new order involve the

aspiration

to

control

lhe

natural resources

and

to strenghlhen the national states, wlúch

imperialismdoes not accept.   would like lherefore, to substitute for it the  Rio project

(Reshaping of lhe International arder which is and ideological fOffimlation of the need

to transfer

some

of lhe industries of lhe center to lhe peripheries wlder the wings of lhe

multinationals ,op. cit p. 25.

47. Note-se

que

a reação critica dos econollÚstas ortodoxos foi semelhante. Ver,

por exemplo, o documento escrito

por

Cooper, Richard, Developed cOlUltries reactions

to calls for a new international econollÚc order , mimeo., 1977. Cooper é subsecretário

do

Comérciodos

V S

Tenta mostrara insubsistência dos arglUllentos morais

em

favor

da redistribuição da riqueza (do ponto de vista da própria filosofia moral) e o irrealismo

das demandas

do

Terceiro Mundo. Propõe negociaçãcs razoáveis que garantem o

acesso aos mercados dos paises industrializados para os países da Periferia e melhores

condições comerciais nos dois sentidos (a more frce market ).

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do,   admirável capítulo de Raízes

 

rasil descreve a

cidade colonial hispânica. Ela obedecia a um plano arqui

tetônico rígido, enquanto a cidade portuguesa se espraiava

preguiçosamente ao sabor da geografia local. Entre a Plaza

Mayor , a partir da qual desenhavam-se geometricamente

as ruas, e o PaçoMunicipal com a cadeia ao lado, por certo)

que se aninhava na primeira elevação encontrada ao acaso,

cercada desordenadamente por vielas sem plano, existe

toda uma diferença.

Diferença essa que pude constatar ao ter trabalhado - e

de perto - com u dos mais eminentes sociólogos espa

nhóis da geração que ainda pegou os duros anos da Guerra

Civil, JoséMedina Echevarria. Exilado no Chile, como eu

também, só que Medina com décadas de anterioridade,

trabalhamos juntos na CEPAL na sede das Nações Unidas,

  Santiago. Sua formulação européia germano-espanho

la) fora tão forte que não o perturbavam as confusões

populistas, o desarranjo cultural de povos que para terem

identidade começam por negar o que são e a imitar o que

não são, como fazemos nós, os latinos-americanos. Aju

dou-nos a pensar a América como Ibero-América, dentro

de uma perspectiva clássica, a despeito de nossa obsessão

pelo desenvolvimento econômico mesmo que feito a jatos

de desigualdade.

 

com este espírito, de um ibero-americano, que pre

tendo apresentar nesse Foro algumas dúvidas e algumas

alternativas para a economia da América Latina, diante de

u mundo que parece ser outra vez novo. Comecemos,

portanto, por aí, pela idéia de um mundo novo.

o   un o novo

Os latino-americanos que até a última geração apren

demos a considerar-nos como parte do novo mundo senti

mos de repente, na década de 80, um choque: não nos

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teremos tomado antiquados? Não terá surgido um mundo

novo às nossas costas - ou quem sabe, à nossa frente -

sem

.

que dele tenhamos tido sequer a intuição?

  sentimento que sempre tivemos de pertencer ao

 novo , em contraste com a velha Europa ou  om os

Estados Unidos desgastados, era tão entranhado em nós que

a idéia de desenvolvimento econômico parecia ser proprie

dade nossa. Além do mais, alguns países da América Ibé

rica pareciam

ser

a expressão concreta do ímpeto de

crescimento que só as nações jovens possuem. Estudo

recente de Angus Maddison, comparando as 5 maiores

economias da OCDE com as 5 maiores de fora dela (URSS,

China, Índia, México e Brasil), mostra que o melhor de

sempenho

em

termos do crescimento do produto nacional

entre 1970 e 1987 foi o do Brasil - 4,4% ao ano. Mesmo

tomando-se um indicador mais rigoroso, como o cresci

mento  rc pit o do Brasil foi o segundo (2,1 %ao ano),

superado ~ p n s pelo do Japão (com 2,7% ao ano).

O que houve, então, na década de 80, ou por que

um

país como o Brasil deixa de ser novo , frente, digamos,

à

Itália ou à Alemanha?

Deixo

de

lado talvez o fundamental, por ser aqui-co

nhecido: o salto tecnológico. Esse atua hoje como atuou a

Escola de Sagres, nos descobrimentos: depois da bússola,

da nova cartografia e da nova técnica das caravelas, de que

valiam as galés?  e que vale hoje a abundância de recursos

naturais e de mão-de-obra, mesmo sendo ~ r t í s s i m de

pois da informática, da microeletrônica e da biogenética?

Mas, cuidado , não foram os portugueses - e nem

sequer os italianos com suas curiosidades ou os espanhóis

com suas Salamancas - os que mais se beneficiaram dos

inventos técnicos, nem de suas conquistas. Os holandeses,

por exemplo, souberam ser novos no século XVI e so

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ou

descobridores das novidades.   que sua sociedade mo

dernizou-se à época.

Terá sido o protestantismo, capaz da proeza de absorver

o pragmatismo racional dos judeus portugueses e espa

nhóis, para permitir aquela modernização ? Talvez. Mas

o fato é que a Casa de Orange mais as companhias de

comércio,

s m

muita Inquisição ou Cruz, fizeram da Ho

landa o fulgor de Flandres. No comércio, na razão e só

secundariamente na guerra foram eles os esteios do novo

mundo. Não foi propriamente o que os ibéricos plantaram

nas Américas, mas sim o que os europeus, com seu capita

lismo vitorioso, fizeram na Europa, que criou a moderni

dade , dando à civilização o Século de Ouro e depois o

Iluminismo.

O   v hoje  á não é sequer o desenvolvimento . E

n m s

pense que a invenção científica e mesmo a patente

tecnológica, por si, constroem uma civilização nova. Novo

é a combinação entre organização portanto, raciona

lidade), liberdades públicas e individuais e maiores níveis

de igualdade.

Foi essa fórmula milagrosa que fez a velha Europa

tornar-se a esperança do futuro. E acaso aqui na Espnha

pós-Franquista que enterrou e esconjurou o nefasto viva

la muerte , cuja repulsa pública de maior significação

deu-se precisamente aqui  m Salamanca pela boca de Una

muno) não é esse mesmo sentimento que a renova? Não

terá sido a capacidade espanhola - a férrea vontade de

determinar-se a um propósito - que juntou a Espanha à

CEE, guardou respeito às liberdades e moveu o país na

direção demaior justiça social? Não é isso que nos faz rever

Madri  á não como a capital de

  a s t e l ~

mas como facho

de um eventual mundo hispano-americano ? E mesmo

Portugal, mais modesto em suas dimensões econômicas, ao

aceitar o desafio de lançar-se à competição no Mercado

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só percorrer oMinho agrário, acomodando-se à civilização

industrial quase à moda do putting-out-system para per

ceber que lá pulsa um outro desenvolvimento .

Não se trata apenas de crescer economicamente e de

deixar que o

tri kle down effe t

joguemigalhas aos pobres.

Na fusão entre organização-liberdade-justiça social, amola

do futuro não é só a acumulação

 

a luta de classes por ela

posta). Há um espírito novo em tudo isso.

Foi Werner Sombart, talvez mais do que Max Weber,

quem se antecipou na visão desse espírito novo . Weber,

preso ao diálogo com Marx, não rompeu a férrea lógica do

capitalismo gerada pela visão genial de Marx. Apenas quis

invertê-la, dando mais peso aos componentes organizató

rios do capitalismo do que à sua brutalidade exploradora.

Mas Sombart sublinhou o essencial, que, digamos com

certa liberdade, não é a exploração de resto, com as

sucessivas revoluções tecnológicas, cada vez menos rele

vante) mas sim o espírito de aventura somado a um méto

do .

Esse método - a ciência feita tecnologia e a empresa

feita organização internacional - não é um dogma. Ele

descende de Descartes temperado por - pasmem - Pascal,

que fez da dúvida angustiosa do mundo uma rotina mesmo

para os crentes. E essa aventura , diferentemente da busca

do desconhecido na época dos descobrimentos, é uma

antecipação mental de etapas a serem vencidas.

Como no período das grandes descobertas, tudo isso

requer também coragem, audácia. Mas   não se trata da

coragem individual do líder. O Unternehmer moderno é

uma força social enraizada nos vários níveis da sociedade,

compartilhada como uma vontade coletiva, que requer

motivação e objetivos novos, permanentemente mutáveis.

O novo espírito do capitalismo é, portanto, essa mistura

de espírito de empresa com motivação argamassada no

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conhecimento científico e com propósitos coletivos de

bem-estar.

A acumulação de capitais é condição para tudo isso.

Mas já não se repõe por si, isto é, pela exploração direta da

força de trabalho em benefício de capitalistas individuais.

O capitalismo contemporâneo supõe uma socialização

específica que toma a mera acumulação parte de um

processo civilizatório mais amplo. Esse requer universida

des, estados racionalizados e não nacionalizados apenas),

burocracia dominada por alvos políticos extra-empresa,

vontade societária de liberdade e justiça social.

o

 novo enário mundi l

A base sobre a qual repousam essas transformações tem

a ver como crescimento exponencial das forças produtivas

e com os resultados da luta de classes , para dizer em

termos simples e diretos.

O aumento de produtividade gerou excedentes excep

cionais que puderam ser canalizados, através de impostos

e de políticas sociais, para o desenv9lvimento social, im

pedindo, assim, o processo de empobrecimento crescente

das grandes m ~ s s

Na Europa do pós-guerra - diante do desafio do comu

nismo - viu-se a adoção em vários países de políticas de

tipo social-democrática que terminaram por beneficiar os

trabalhadores e assalariados. Os enormer orçamentos pú

blicos, a visão keynesiana que não teme déficits e o poderio

crescente de sindicatos e partidos de esquerda tomaram as

sucessivas revoluções produtivas instrumentos favoráveis

tanto para a acumulação de riquezas como para a diminui

ção das desigualdades sociais.

Nos

EU

e no Japão - cada um com suas próprias

características - mesmo sem o élan social-democrático, a

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política do pós-guerra foi também uma política de welfa

rismo , embora mitigado em comparação com a Europa

Ocidental. A tal ponto o mundo capitalista abraçou a idéia

do estado do bem-estar social que na última década ocorreu

uma espécie de regressão ideológica que consistiu em

revalorizar o mercado, a livre iniciativa e em debilitar a

força do Estado para coletarmais impostos. Os capitalistas

temiam que a vontade política tivesse ultrapassado as exi

gências da acumulação para continuar o crescimento eco

nômico.

A despeito dessa última tendência - mais claramente

expressa pelos governos deReagan e de MargaretThatcher

- na prática a noção de  umnovo capitalismo já estava tão

arraigada culturalmente que tanto os EUA continuaram a

praticar uma política de sustentação do déficit público,

nada ortodoxa, como as políticas sociais (proteção ao

desempregado, habitação popular, recursos públicos para

saúde e educação, etc.) continuaram a surtir seus efeitos até

mesmo na Inglaterra de Margareth Thatcher, apesar da

retórica antiestatal e das privatizações.

  m toda a parte o governo continuou sustentando o

crescimento econômico e o bem-estar social. E, por outro

lado, a revolução tecnológica, especialmente aquela propri

ciada pela informática e por meios de comunicação mais

rápidos e seguros, tanto de pessoas e mercadorias como de

mensagens, possibilitou a globalização da economia.

Desde os anos 60, e de forma mais marcante nos últimos

20 anos, tanto houve a descentralização da produção indus:

trial .através das empresas multinacionais, como houve

enorme - e conseqüente - aumento do comércio mundial.

Este tem crescido sempre dois ou três pontos

à

frente do

crescimento do produto dos países. Ao lado disso a revo

lução quaternária , afetando toda a rede de produção dos

serviços (dos financeiros ao telex, ao fax, aos satélites de

comunicação e assim por diante) criou novas fontes de

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poder e de recursos, pennitindo a descentralização   pro

dução e dos serviços, mas garantindo controles unificados.

O resultado desse processo todo abstraindo nessa pa

lestra as questões propriamente políticas) foi a formação

dos quadros institucionais que dão os contornos da globa

lização mundial: os mercados comuns, os acordos bi e

multilaterais e, conseqüentemente, os temores de um futuro

marcado por fortalezas aduaneiras nas quais as tarifas são

substituídas por acordos não tarifários de proteção dos

mercados. E é precisamente contra isso que se batem agora

os países em desenvolvimento, visando a fortalecer o

  nas rodadas de Montevidéu.

Estes fatos deram origem, contraditoriamente,

à

noção

 ideológica) de que o mundo contemporâneo marcha para

uma revalorização do mercado e do liberalismo, quando,

na verdade, as negociações são conduzidas politicamente

pelos governos, as alianças econômicas soldaram interes

ses entre grandes oligopólios de produção e distribuição,

ramificados

à

escala mundial e criou-se um novo sistema

de planejamento espontâneo e prospectivo , não contra

ditório com os

referidos valores de liberdade individual

porque não exclui as opções de investimento e de consumo.

 

certo que nesse novo marco as políticas que fizeram

o esplendor das  bourgeoisies conquér ntes e que no

século XIX tenninaram por integrar os povos em estados

nacionais vêm sendo paulatinamente substituídas por ou

tras, mais dinâmicas. O empresário individual, o tycoon

ou o unternehmer , são hoje figuras arqueológicas diante

do board

of

directors , das burocracias empresariais e da

amálgama entre, por um lado, ciência e organização pro

dutiva e, por outro, a firma-mãe e a rede de suas afiliadas

que podem, inclusive, ser empresas familiares ou indivi

duais de alta tecnologia. O diplomata, representante típico

das políticas de potência e o estado nacional por sua vez,

se debilitaram, dando lugar ação direta de negociantes e

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de produtores que atuam nos marcos de acordos negociados

a nível técnico-político pelos governos.

Este novo mundo parece ter permitido o ressur

gimento de forças localistas, de valores culturais-nacionais

 como a língua) e da religião, ao lado da globalização das

forças produtivas e da economia.

É esse desafio   de uma nova concepção da empresa e

da produção, inclusive quanto ao planejamento espontâneo

global, permitindonão só mais iniciativas individuais como

maior espaço público para o exercício de valores culturais,

tradicionais) que perturba tanto o Leste Europeu e a Ásia

comunísta, como a América Latina e os países do Terceiro

Mundo.

Não cabe nesta palestra discutir as vicissitudes criadas

por esta situação para a União Soviética, a China e os

demais países de economia centralmente planificada. Cabe

apenas dizer que essa nova fase do capitalismo ocidental ,

de globalização da economia com dispersão controlada,

associada a práticas de criatividade e liberdade, pôs  

xeque as concepções burocráticas do planejamento central

das economias socialistas. Tomou-se evidente a superiori

dade tecnológica que serve de suporte

à

potenciação da

produtividade das empresas capitalistas e que não é alheia

à questão da liberdade e da iniciativa individual.

Diante disso, algumas correntes de opinião vêem no

desengajamento das economias do Leste do modelo sovié

tico o ressurgimento do capitalismo, do mercado e do

liberalismo

à

la século XIX. Se tal viesse a ser o caso, os

países socialistas teriam perdido o bonde da história uma

vezmais. O que lhes falta não é capital em sentido técnico

nem apropriação individual dos meios de produção. Falta

lhes muito mais uma cultura de empresa , que envolva

tanto a disciplina no trabalho como o gosto pelo risco e pela

competição. Falta-lhes, precisamente, a noção nova do

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pelo mercado, mas faz deste último um aferidor de tendên

cias livremente previstas pelos grupos empresariais.

É através do mercado, da reação dos outros produtores

e dos consumidores, que as empresas dispõem dos instru

mentos para avaliar suas decisões. A mola deste sistema é

a competição, que leva as empresas ao desenvolvimento

tecnológico crescente e fazem-nas dependentes dele para

ter lucros.

Por isso, tanto a burocratização da economia como sua

oligopolização - que é o resultado da inexistência dos

contrapesos do interesse público para preservar o funcio

namento do mercado - acarretam conseqüências fatais ao

crescimento econômico e à manutenção de uma sociedade

de bem-estar.

O novo no mundo contemporâneo consistiu em ter

transformado a criatividade - a invenção tecnológica e

organizacional -

em

rotina, tanto na empresa como na

sociedade. E tudo isso

em

um clima de liberdade.

o panorama Latino mericano

Enquanto o mundo se defronta com as alternativas

trazidas pela globalização da economia, a América Latina,

a partir da década de 80, se debate com a estagnação

econômica, a dívida externa e a inflação.

Por certo os dirigentes das economias latino-america

nas exageraram ao persistir com políticas de captação de

empréstimos externos graças à abundância dos eurodólares

e de taxas de juros aceitáveis. Os países asiáticos que

entraram no processo de internacionalização da economia

 os NI s asiáticos) foram mais prudentes com respeito à

captação de recursos financeiros no exterior e aplicaram

políticas mais audaciosas para a correção dos desníveis

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sociais, incluindo, em alguns casos, a reforma agrária, e,

em todos os países, a valorização relativa dos salários.

Quando

havia sinais inquietantes no mercado finan

ceiro internacional, antes do setembro negro de 1982, data

em que o México se declara em moratória, os

NI s

lati

no-americanos continuaram a endividar-se. Nada de signi

ficativo fizeram, por outro lado, paramelhorar as condições

de vida de suas populações. Convém não esquecer que o

grande salto o milagre , como foi chamado com exagero

o esforço industrializador e exportador de alguns desses

países) das economias latino-americanas nos anos setenta

deu-se sob a égide de regimes autoritaritários, de base

militar. Naquela época acreditava-se que os fundamentos

para a entrada da América Latina na modernidade seria

a aliança entre capitais locais. Estado e empresas multina

cionais.

É até possível que essa estratégia de crescimento eco

nômico fosse a mais adequada para assegurar que o novo

capitalismo não se asfixiasse no corporativismo estatal, no

protecionismo e na idéia de manter as economias

em con

dições de produção autárquica. Mas a realidade que dela

resultou foi uma pesada dívida externa, uma orientação

exportadora mais baseada na necessidade de produzirem-se

excedentes na balança comercial para pagar a dívida com

contração de importações) do que na idéia da nova econo

mia global. Foi, portanto, o reforçamento do protecionismo

até mesmo para salvaguardar empresas estrangeiras

ins

taladas. Foi o imobilismo social e o peso desproporcional

dos oligopólios sustentados pelas políticas oficiais.

Em outros termos, o crescimento industriallatino-ame

ricano seguiu o caminho   st do que caracterizou o

amálgama novo do capitalismo contemporâneo. Com isso

aAmérica Latina marcou passo enquanto a Ásia - ou partes

significativas dela - assumiu a cultura empresarial dos

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juntura de crise de demanda na Europa e o mesmo se diga

da América Latina

com

respeito à economia americana.

Percebido o irrealismo dessa perspectiva

restou aos

pensadores do Primeiro Mundo que desejam - e o desejam

sinceramente - resgatar os países em vias de desenvolvi

mento, ou criticar as instituições de ajuda internacional,

exigir mais do mesmo estilo de desenvolvimento, com

pinceladas morais de solidariedade como no caso do Re

latório Brundtland)

ou

ameaçar com a catástrofe ecológi

ca e imaginar alternativas preservacionistas para os países

pobres, financiadas pelos ricos. .

Se, entretanto, à boa vontade quisermos ajuntar realis

mo, não será por aí que a América Latina encontrará

alternativas para seu desenvolvimento.

Aceitando-se, para economizar tempo de exposição,

que haja ummínimo de homogeneidade na América Latina

e que a solução encontrad-a pelos países de maior peso

relativo no Continente possa servir para os demais ou

possa, pelo menos, criar condições que lhes sejam mais

favoráveis), eu diria que a América Latina precisará encon

trar solução para quatro ou cinco problemas fundamentais

interligados:

- o da dívida externa;

- o da crise fiscal e organizativa do Estado e suas

conseqüências inflacionárias;

- o da capacitação tecnológica e aumento da competi-

tividade;

- o da distribuição interna da renda;

- o

de realizar sua revolução educacional e social.

Tudo isso a partir de uma perspectiva  em diferente

daquela que marcou os anos de ouro do desenvolvimento

econômico à base da substituição das importações .  om

efeito, para aquele propósito, as barreiras protecionistas,

 

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edificação de um estado capaz de dinamizar a economia (e,

portanto, de poupar e investir), a prevalência da formação

do mercado interno como catalisador do crescimento eco

nômico e a crença no nacionalismo como pilar do interesse

do país, constituíram os ingredientes fundamentais e sufi

cientes para a arrancada do desenvolvimento econômico .

Isso, somado a um certo distributivismo forçado pelas

corporações e regulado pelo Estado, se não produzia o

 bem-estar social geral, enraizava um empresariado e

dava acesso à civilização urbano-industrial a amplos

setores da classe média, bem como a setores mais limitados

dos trabalhadores.

Nas condições contemporâneas, a oposição entre mer

cado interno e mercado externo perde força, o caráter

dinâmico das exportações passa a ser reconhecido como

parte do desenvolvimento do país; o Estado, diante da

enorme crise fiscal, cede espaços à iniciativa privada; a

busca de áreas competitivas a nível internacional para a

produção local (e, portanto, de capacitação tecnológica)

torna-se decisiva para a prosperidade. Ao mesmo tempo, o

clamor por mais justiça social substitui o fervor nacio

nalista do passado.

Não sugerirei nesta aula fórmulas salvadoras para qual

quer dos itens que listei acima. Mas não posso deixar de

referir-me, de passagem, a alguns deles, pois constituem

problemas a serem resolvidos na busca de uma alternativa

econômica.

Sobre a questão da dívida, dois comentários. Primeiro,

é preciso saber que boa parte dela se deve

 

contabilização

como débito de juros flutuantes não pagos. A partir do

momento  m que, suponhamos,  m um empréstimo de 1 

milhões de dólares a juros de 7  ao ano, a flutuação da taxa

internacional de juros eleva-os para   ao ano (e chegou

s a 21 % ) é óbvio que o investimento real feito tem

enormes dificuldades para amortizar a dívida. Passa-se a

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dever s contrapartida de investimento reaL Isso, para o

conjunto dos empréstimos, debilita a capacidade de paga

mento do país. Pois bem, pelos cálculos do Banco Central

do Brasil, para uma dívida de

m ~

ou menos 70 bilhões de

dólares aos bancos privados, cerca de 25 bilhões são con

tábeis: referem-se a juros sobre juros e à flutuação da taxa

de juros, s nunca terem significado recursos investidos

na economia.

Segundo, como a dívida foi estatizada , os devedores

privados depositam

  moeda local o correspondente a

suas remessas para honrar os débitos. O Estado - que não

produz diretamente divisas, salvo quando é proprietário de

indústrias exportadoras - precisa fazer duas coisas para

pagar as dívidas: provocar excedentes na balança comer

cial e, portanto, encorajar políticas exportadoras e frear

as importações e com elas parte do desenvolvimento) e

produzir moeda local para comprar as divisas. Como não

pode ultrapassar certos limites na coleta de impostos e

como, por outras razões, o Estado sofre a sangria dos que

vivem às suas custas, sejam empresas - privadas e públicas

- seja a burocracia) ele acaba por emitir e/ou endividar-se

internamente para poder pagar a dívida, mesmo que o país

disponha das reservas.

Logo, dívida externa e crise fiscal do Estado estão

umbilicalmente ligadas. Como corolário, qualquer alterna

tiva econômica para a América Latina passa por enfrentar

esses dois problemas e enfrentá-los em suas conexões.

México e Chile - e agora Venezuela - renegociam suas

dívidas e tiram proveito da noção hoje mais aceita pelas

finanças internacionais do

 e t relief No caso do Chile,

como o estado é proprietário do cobre, talvez uma redução

adequada do serviço da dívida possa permitir o desafogo

necessário para a retomada do crescimento. No México,

apesar das vantagens que a integração ao Hemisfério Norte

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crônicos de desequilíbrio das contas públicas continuarão

assolando o país.   bem verdade que o governo conseguiu

uma espécie de pacto interno que desanuviará o horizonte.

Terá assim {acilitado e o raciocícnio é válido para a

Venezuela) o desafio de repor as finanças públicas para

retomar o crescimento com a inflação mais controlada.

Já que mencionei a inflação, é óbvio que a partir da

perspectiva que adotei, as políticas do estilo característico

do Fundo Monetário Internacional do gênero controle da

base monetária - arrocho salarial - equilíbrio orçamentá

rio são insuficientes, pois não enfrentam a questão princi

pal que é o endividamento interligado externo e interno do

Estado e propõem o impossível: que se pague a dívida e,

ao mesmo tempo, que se equilibre o orçamento.

Essas ponderações não devem ser entendidas, entretan

to, como se eu menosprezasse a necessidade de uma pro

funda reforma fiscal e tributária mais necessária e mais

difícil ainda nos países organizados como federações que

dotam as províncias de autonomia no gasto público) ou que

considere desimportante o controle inflacionário. Só que

ou se faz isso repondo a capacidade de tributação, de

poupança e de investimento do Estado portanto, impondo

se condições aos credores externos e internos para o paga

mento das dívidas) ou tudo não passará de trabalho de

Sísifo.

Neste panorama, as alternativas de desenvolvimento

econômico da América Latina não devem contar com o

aporte de capitais externos como fator decisivo para a

retomada do crescimento. Elas virão

 

pequena propor

ção

à

medida   que os países forem resolvendo seus

problemas internos, porque o sistema financeiro interna

cional dispõe de alternativas melhores e está temeroso de

investir no desenvolvimento e porque a negociação da

dívida externa, se for correta, aumentará a má vontade dos

bancos.

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Isso não quer dizer que os países da América Latina

possamdispensar inyestimentos externos. Haverá que bus

cá-los graças aos créditos oficiais internacionais e através

de joint ventures que transfiram tecnologia em áreas de

ponta nas quais cada país possa ser competitivo. Para tal é

indispensável a formulação de competente e séria política

de desenvolvimento industrial e tecnológico.

E neste ponto o raciocínio torna-se circular: sem que os

estados dos países latino-americanos saiam da crise fiscal

 

que se encontram e sem que se reorganizem não terão

a capacidade política nem a sustentação social para definir

e implementar políticas efetivas de crescimento econômi

co seja agrícola seja principalmente industrial.

Dito noutros termos as alternativas para um novo surto

de crescimento econômico no Continente dependem da

definição de rumos da política interna dos países que per

mitam sanear as finanças e estabilizar o Estado. Não mais

entretanto para que o Estado su stitu

a sociedade civil e

sim para que ele pennita melhor articulação desta última.

Por melhor articulação entendo duas coisas: que o em

presariado local encontre condições e estímulos para inves

tir e que os governos sustentem políticas de rendas que

comecem a reverter a atual situação de hiperconcentração

da riqueza.

Nada disso será feito repito sem uma revolução edu

cacional e sem políticas de bem-estar que levem tanto a

mais igualdade que é o suporte prático da liberdade como

a níveis mais elevados de competência técnica e de organi

zação social.

Chegamos assim na América Latina a uma situação

paradoxal: para crescer economicamente os países preci

sam primeiro de condições políticas com um Estado

melhor organizado não clientelístico e capaz de ter um

compromisso social. O crescimento que propiciará melho

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como no passado, como devendo orientar-se para dentro .

Será orientado tanto para o mercado interno como para a

competição internacional. Entretanto, para atingir-se este

patamar, será necessária uma política dura de renegociação

da dívida que, provavelmente, despertará reações negativas

nos setores que sempre insistiram na necessidade de valo

rizar-se o mercado externo: os banqueiros e investidores

internacionais.

Se as peças do quebra-cabeça fossem fáceis de encaixar

não seria necessário talento nem política. Por isso, as

dificuldades - que são muitas - para a retomada do desen

volvimento econômico e para a entrada da América Latina

namodernidade não devem desanimar-nos, mas estimular

nos.

Estão aí as lições da velha Europa que renovou-se  m

30 anos. Os países latino-americanos, ao invés de insistirem

nas etapas restowianas, devem entender que podem dar

saltos. Se eles perceberem que para serem modernos e

competitivos precisam de melhor organização interna de

base empresarial) tanto no Estado como na sociedade civil,

  maior capacitação tecnológica, de melhor educação e,

como conseqüência, de melhor distribuição de renda e,

sobretudo, que precisam de liberdade para que tudo isso

ocorra, enfrentarão o novo milênio com chances de êxito.

Vamos apostar e torcer. Com muito compromisso.

Page 247: As Ideias e Seu Lugar. FHC

8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC

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