as ideias e seu lugar. fhc
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""I'
Neste livro Fernando Hen-rique Cardoso passa em revistaas teorias contemporâneas so-
bre o desenvolvimento: do pen-samento da CEPAL às teoriasda dependência; do libertarismomarxista nos países periféricos
às propostas de uma nova or-dem internacional; das utopiasexistenciais dos novos filósofosàs propostas de um "desenvolvi-mento voltado para as necessi-
dades" e à noção de eco-desen-volvimento. Examinando çompoderosa visão crítica os impas-ses teóricos e as deformações
, ideológicas do pensamento em
curso, Fernando Henrique Car-doso não permanece apenas nomundo das idéias. Os diversosensaios procuram examinar as
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Fernando Henrique Cardoso éMinistro das Relações Exterioresdesde o início do Governo ItamarFranco (outubro de 1992). Sena-
dor da República fundador doPartido da Social Democracia
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP
âmaraBrasileira do Livro, SP, Brasil
Cardoso, Fernando Henrique,
93
-
sidéias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do
desenvolvimento Fernando Henrique Cardoso.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.
ISBN 85-326-0931-7
América Latina - Condições econômicas 2 Dependência
3
Desenvolvimento econômico
I
Título.
93-0459
Índices
para
catálogo sistemático:
Desenvolvimento econômico 338.9
CDD-338.9
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Fernando
Henrique ardoso
IDÉIAS
E SEU LUGAR
nsaios
sobre as
teorias
do
desenvolvimento
Petrópolis
99
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Diagramação:
Daniel Sant' Annae
Rosane Guedes
© 1993, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Brasil
ISBN 85-326-0931-7
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Dedico este livro à memória de José Medina Echevarrla e de
Gino Germani, por suas contribuições
às ciências sociais na América Latina.
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SU ÁR O
Apresentação da nova edição 9
Introdução
I Originalidade da cópia: a CEPAL e a idéia de
desenvolvimento 27
II A dependência revisitada 8
III O consumo da teoria da dependência nos Estados
Unidos 125
IV Por um outro desenvolvimento
V O desenvolvimento na berlinda 179
l Adendo: Alternativas econômicas para a América Latina 227
02SS 2
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PRESENT ÇÃO
NOV
E IÇÃO
Na hora de reeditar
um
conjunto de ensaios publicadqs
no decorrer da década de 70 é de se perguntar se algum
sentido há nisso. A meu ver impõe se hoje uma recoloca-
ção da temática do desenvolvimento econômico e da de-
pendência e é
om
termos nós brasileiros e latino ameri-
canos alguma clareza a respeito das abordagens anteriores
para analisarmos a situação contemporânea.
Tenho ocupado a maior parte da minha vida acadêmica
no esforço para compreender as possibilidades e os limites
do processo de desenvolvimento sócio econômico da A-
mérica Latina e tendo nos últimos anos consagrado o
melhor das minhas energias para ajudar na reconstrução da
democracia no Brasil sinto me tentado hoje
m aventurar-
m
m temas mais amplos s m cuja compreensão dificil[-
mente será possível integrar países m desenvolvimento
econômico retardatário às grandes correntes da transforma-
ção do mundo contemporâneo.
A primeira edição deste livro Introdução e cinco
capítulos oferecia um panorama do debate i n t e l e ~ u l
sobre o desenvolvimento desde a crença no Estado Ilumi
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nado dos Cepalinos até o utopismo do outro desenvolvi
mento , as idéias evoluindo ao sabor das lições da prática.
Acrescentei num Adendo o texto de uma conferência
bem
mais recente. Alternativas econômicas para a Amé
rica Latina que sintetiza os desafios postos no limiar do
TerceiroMilênio.
o lado do casamento entre ciência, tecnologia e liber
dade, que faz com que Manuel Castells qualifique a nossa
sociedade contemporânea de informacional , a grande
tendência do mundo moderno é a globalização da econo
mia, ou, em outras palavras, é a unificação do processo
econômico em escala mundial.
Trinta anos atrás, para expressar o início deste processo,
falávamos em internacionalização dos mercados , mas o
que ocorreu de fato foi a internacionalização do próprio
processo produtivo, apoiada na revolução tecnológica da
microeletrônica. A conseqüente reorganização dos merca
dos financeiros mundiais provocou não apenas novas ondas
industríalizadoras no mundo os Nics asiáticos e latino-a
mericanos), como também a unificação de enormes espa
ços econômicos, como o Mercado ComumEuropeu. Hoje,
encontramos na Initiative usch
de um sómercado nas três
Américas,
um
prolongamento dessa última tendência.
Saúdo,
en passant
a memória de Prebisch que não
concebeu a integração latino-americana como um movi
mento excludente de fechamento de mercados, mas como
a possibilidade de inserção dos blocos regionais na econo
mia internacional, e se tornou um precursor na abertura de
caminhos trilhados hoje pelo MERCOSUL.
s novos termos para qualquer discussão sobre o de
senvolvimento são dados portanto pela revolução produti
va - o amálgama entre ciência e produção - que continua
criando novos produtos e novas técnicas de processamento
da produção, e que acarreta a constituição de grandes
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blocos regionais, donos de mercados de tamanho nunca
antes imaginado.
Essa marcha irresistível derrotou as economias cen
tralmente planificadas do Leste Europeu e provocou as
modificações observadas na China. Esses países deverão
caminhar dentro do seu próprio mundo, certamente com
muitas dificuldades, até encontrarem os resultados favorá
veis do ggiorn m nto que farão.
E o Terceiro Mundo? Conceito confuso, de serventia
cada vez menor, ele qualifica mais hoje os países ininte
gráveis aos grandes espaços econômicos regionais: a Áfri
ca, especialmente a do Sahel, partes significativas da Amé
rica Latina, especialmente no mundo andino e na América
Central, e regiões superpovoadas daÁsiameridional cons
tituem o público alvo deste mundo da desesperança. e da
miséria.
Por certo países, continentais como índia, Indonésia,
Paquistão e Brasil, se não se integrarem ao sistema econô
mico global, ainda disporão de alternativas com a explora
ção de seus mercados internos fechando-se e mantendo
ilusões de um outro desenvolvimento . O mais provável
é que desenvolvam uma estratégia dupla ou ambígua)
abrindo-se às correntes econômicas internacionalizadoras
e, ao mesmo tempo, absorvendo aos poucos suas áreas mais
atrasadas através de políticas compensadoras que impeçam
a pura marginalização das massas rurais e das populações
periféricas das grandes cidades.
A revolução do nosso século: o casamento entre uni
versidade, empresa e poder político, se não atingiu o con
junto do nosso planeta, reduziu o alcance das grandes
utopias.
Depois do colapso do Socialismo real , o mundo
parece defrontar-se com a dicotomia antiga entre o neoli
beralismo triunfante e uma pálida socialdemocracia lutan-
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do por sua sobrevivência como ideologia ainda moderna ,
sem ter, porém, o charme da utopia. Pois a única utopia
viável ou utopia de alcance médio , para parafrasear
Robert Merton com suas
middle range theories
que se
oferece para a esquerda, é a criação de um espaço público
no qual a idéia da justiça permita compatibilizar o élan do
coletivo com as liberdades individuais e permita, sem
substituir a antiga teoria política da democracia repre
sentativa, institucionalizar formas de democracia partici
pativa.
efato, é preciso conciliar direitos e motivações indi
viduais como fato de os jndivíduos pertencerem a situações
comuns, coletivas; é preciso incorporar a angústia pela
sobrevivência da humanidade lutas ecológicas e segurança
coletiva) e, sem menosprezar o espontâneo na vida social,
deve-se propor meios institucionais para a participação
direta inclusive com a utilização da informática).
A questão do desenvolvimento econômico, hoje, no
Brasil e naAmérica Latina, passapela resolução da absor
ção sócio-político-econômica de suas áreas atrasadas
em
termos totalmente diferentes daqueles de vinte e cinco anos
atrás.
O Estado que, no começo da história do desenvolvi
mento, era o mocinho , tornou-se o vilão , como conse
qüência do estilo de desenvolvimento que prevaleceu. Ho
je para enfrentar a estagnação econômica, a dívida externa
e a inflação que nos afligem, tudo aquilo enfim que nos
impede de entrar na modernidade, o Estado precisa aplicar
mecanismos de correção à sua própria organização para
encontrar o respaldo da sociedade que o capacite a encon
trar os mecanismos necessários
à
absorção econômica,
social e política dos setores marginalizados da população.
Fernando Henrique Cardoso
Dezembro de 992
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NTRO UÇÃO·
Faz algumas décadas que intelectuais, técnicos e polí
ticos daAmérica Latina repisam a tecla do desenvolvimen
to. Não se pode negar que houve um avanço no plano
conceitual e também que houve avanço na transformação
das sociedades latino-americanas. Mas até que ponto as
modificações de colocação teórica foram mais do que
meramente verbais e até que ponto as mudanças ocorridas
nossos países atingiram, de fato, os alvos proclamados
como desejáveis?
A questão do desenvolvimento na América Latina é
marcada por
insights
esclarecedores no plano teórico, por
algumas realizações espetaculares no plano econômico e,
ao mesmo tempo, por repetições cansativas de velhas
idéias, por algo de mistificação e de imitação das modas
culturais do mundo desenvolvido e pela persistência dos
problemas crônicos damiséria, do desemprego e da violên
cia.
Publicado originalmente Inter Regional Co Operation in the Social Sciences
rDevelopment
Paris, OECD 5 , New Series, 1980.
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Não obstante já existe terreno sólido para fincar as
bases
de
uma compreensão razoável da questão do desen
volvimento. Nesta exposição não analisarei diretamente as
questões práticas. Tentarei apenas esboçar
como
evoluiu o
pensamento sobre o desenvolvimento e a dependência eco
nômica.
Repisando o
já
sabido: nos fins da década de quarenta
o ponto de partida latino-americano na análise dos princi
pais problemas econômicos da região foi a teoria do comér
cio internacional. Percebia-se o agravamento dos proble
mas da região pelo reinício de
um
processo de endivida
mento externo depois do período de acumulação de divisas
por causa da guerra e pelo gargalo que se formava graças
aos chamados produtos gravosos isto é pela dificuldade
de manter competitivos internacionalmente os preços de
alguns produtos que na fase anterior haviam encontrado
saída
no
mercado externo.
Noutras palavras finda a guerra mundial o comércio
internacional se reorganizava e a velha ordem econômica
voltava a cobrar seus direitos sobre os recém-chegados à
corrida do desenvolvimento. Os donos do poder mundial
queriam obrigar os países de economia periférica a retro
ceder.
Que
a Argentina exportasse carne e trigo e o Brasil
ou
Colômbia café era considerado normal.
Mas
parecia
descabido
que
estes
ou
outros países latino-americanos
continuassem a exportar produtos não tradicionais para os
quais as dificuldades da guerra tinham aberto ocasional
mente um
mercado. Mais descabido ainda seria promover
a industrialização maciça da periferia do sistema produtivo
mundial.
Foi nesse contexto que se afirmou a luta pela indus
trialização na América Latina e pela reorganização
do
comércio mundial. A PAL foi o grande forum deste
debate. As lutas políticas pela emancipação nacional deram
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o f1avor de reivindicação popular às teses eruditas que se
sustentava.
Que teses eram estas?
Dizendo simplesmente: que as leis do livre-comércio
internacional baseadas nas vantagens comparativas da es
pecialização da produção beneficiam os países industriali
zados detrimento dos países produtores de matérias
primas e de gêneros alimentícios. E que, conseqüentemen
te, haveria que industrializar a periferia e haveria que
estabelecer regras nomercado internacional que defendes
sem os produtos agro-exportadores.
Por que dar-se-ia esta situação?
Porque os ganhos de produtividade das economias
centrais proporcionadas pela industrialização e pela tecni
ficação agrícola
ã
se transferiam aos países subdesenvol
vidos por intermédio da baixa relativa de preços dos produ
tos importados. Os textos da CEPAL são claros: a transfe
rência de ganhos de produtividade não ocorre porque os
trabalhadores dos países centrais se organizam e defendem
seus salários e porque os produtores também se organizam
e defendemos preços. Não existindo de fato uma economia
concorrencial, mas sim uma economia oligopólica e tendo
os operários capacidade de luta, bloqueava-se a mola fun
damental da justificativa ideológica do livre-comércio. Es
se passou a ser defendido como um embuste para assegurar
a exploração nas trocas internacionais. Mais ainda: como
os trabalhadores dos países subdesenvolvidos, especial
mente os do campo, não têm condições para defender os
salários, e como a produção agro-exportadora faz-se,
geral, a partir de patamares tecnológicos baixos, dá-se ao
mesmo tempo a possibilidade de que os produtos indus
trializados sejam trocados por produtos agrário-exportado
res em condições de existência de um deterioro de los
terminos de intercambio , sem que sejam afetados os ga
nhos dos produtores locais.
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Qual seria a receita para escapar dos males diagnosti
cados?
Industrializar, aumentar o coeficiente técnico
produ
ção agrícola e aumentar os salários das camadas traba
lhadoras.
Como implementar esta política?
Àquela altura década de 1950 os textos cepalinos
propunham, com variáveis graus de empenho, o apelo ao
capital estrangeiro - de preferência sob a forma de emprés
timos intergovernamentais - para promover a rápida indus
trialização; propunham tambémuma política fiscal adequa
da, alterações substanciais no regime de propriedade
d
terra e, sobretudo, propugnavam pela ação coordenadora
do Estado para conduzir o desenvolvimento nacional. Nis
so consistiria, grosso modo, o esenvolvimento
Tratava-se de obter na periferia resultados equivalentes
aos que se obtiveram nos países centrais, alterando-se a
posição relativa das economias periféricas no comércio
internacional, urbanizando-se a região como conseqüên
cia da alteração da divisão social do trabalho entre campo
e cidade , industrializando-se a economia e tecnificando-se
a produção agrário-mineradora.
Estes objetivos - que hoje parecem conservadores
provocaram uma onda enorme de reações. As grandes
unidades capitalistas de produção os trustes e cartéis
opunham-se, então, à internacionalização da produção in
dustrial. Os banqueiros internacionais estavam acostuma
dos a fazer empréstimos para assegurar o controle de co
mercialização agrária ou para explorar investimentos mi
neradores ou de infra-estrutura transportes, energia, etc. ,
quase sempre com o aval dos Estados Nacionais e muitas
vezes om
garantias que incluíam o controle de impostos
para assegurar o retomo dos juros de capital. E a possibi
lidade de planejamento estatal ou de coordenação oficial
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de investimentos sobre os investimentos públicos in
fra-estrutura para os defensores do
st tu qu
tinha o cheiro
de sovietismo...
Não espanta, portanto, que as teses desenvolvimentis
tas tivessem um tom polêmico. Polêmica que s tornou
ainda mais aguda quando,
à
esquerda, defrontaram-se teses
conflitantes na avaliação do sentido do desenvolvimento.
Boa parte da esquerda latino-americana engolfou-se na
corrente nacionalista. Esta via com satisfação o papel cres
cente do Estado na economia, embora não fosse entusiasta
quanto aos outros aspectos do desenvolvimentismo cepali
no, a saber, a reforma agrária e a redistribuição da renda.
Não faltaram, porém, opiniões minoritárias
à
esquerda que
criticassem o fortalecimento capitalista pela via do estado
e os efeitos perversos que tal tipo de desenvolvimento
provocaria na sociedade.
A partir de meados dos anos cinqüenta o contexto
internacional mudou. Não cabe nesta introdução discutir os
pormenores deste processo. Mas o fato é que o capitalismo
oligopólico refez as relações entre Estado e Empresa nas
economias centrais. Poroutro lado, seja porque as políticas
nacional-desenvolvimentistas haviam dado frutos prote
gendo osmercados locais e incentivando
a
industrialização,
seja porque as Grandes Empresas internacionais passaram
a operar e a competir à escala mundial, começou a porces
sar-se uma nova divisão internacional do trabalho.
Assim, o que fora o sonho da CEPAL veio a se con
substanciar por intermédio da ação das Empresas Multina
cionais. O momento de ápice desse reencontro inesperado
e talvez não desejado deu-se na conferência de Punta del
Este de 1961. Ardorosos tecnoburocratas cepalinos sur
preenderam-se
posições coincidentes com a diplomacia
Kennediana. Até mesmo a reforma agrária e a reforma
fiscal - bandeiras avermelhadas do desenvolvimentismo
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mais conseqüente - foram agitadas pela Aliança pelo Pro
gresso.
Tanta coincidência favoreceu o despertar da consci
ência crítica latino-americana a respeito dos males do pre
sente e das esperanças do futuro: deveria haver algo de
podre no reino da Dinamarca. E foi o Che Guevara quem
denunciou
em
Punta deI Este a ··Revolução das Latrinas .
A denúncia era direta contra o reformismo. Tinha a
sustentá-lamoralmente a saga dasmontanhas cubanas. Mas
trouxe consigo uma análise algo anacrônica: a de que o
imperialismo não promoveria a modificação estrutural
(embora capitalista) das relações sociais nos países perifé
ricos. Não foi Guevara quem formulou assim, foi Regis
Debray. aso fato é que na crítica ao estilo de desenvol
vimento abastardado que se pregava em Punta del Este
havia subjacente a concepção de que a relação Centro-Pe
riferia continuaria a dar-se através da exploração de produ
tos primários e da aliança latifúndio-imperialismo, que
seria salvaguardada pelos exércitos (de · ocupação , dizia
se) e pelo Estado local.
m
meados da década de sessenta começou a ser arti
culada uma argumentação algo diversa sobre o tema do
desenvolvimento. Refiro-me à corrente de opinião que
punha ênfase nas análises sobre a dependência. Esta sempre
fora reconhecida como característica das economias sub
desenvolvidas. Nos estudos da CEPAL sobre o comércio
exterior sublinhava-se muito a dependência externa das
economias latino-americanas. Quandoo processo de indus
trialização se acelerou, depois da guerra, dizia-se que ele
substituiria as importações tradicionais de produtos indus
trializados e que, para isso, seria preciso, ao mesmo tempo,
gerar divisas, via exportações tradicionais, pflta poder im
portar máquinas e insumos industriais básiéos. Daí o gar
galo que a deterioração dos termos de intercâmbio produzia
no processo de desenvolvimento. A vulnerabilidade das
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economias latino-americanas às flutuações do comércio
externo, a fome de divisas e o aumento da dívida externa,
quando havia desequilíbrio entre geração de divisas e sua
necessidade, eram ciclicamente constantes.
A novidade das análises da dependência não consistiu,
portanto,
em sublinhar a dependência
extern
da economia
que já fora demonstrada pela PAL. Ela veio de outro
ângulo: veio da ênfase posta na existência
de
relações
estrutur is
e
glo is
que unem as situações periféricas ao
Centro. Os estudos sobre a dependência mostravam que os
interesses das economias centrais e das classes que as
sustentam) se articulam
no interior
dos países subdesenvol
vidos
com
os interesses das classes dominantes locais.
Existe pois uma articulação
estrutur l
entre o Centro e a
Periferia e esta articulação é global: não se limita ao circuito
do mercado internacional, mas penetra na sociedade, soli
darizando interesses de grupos e classes externos e internos
e gerando pactos políticos entre eles que desembocam no
interior
do
estado.
Este tipo de abordagem rompeu, portanto, com a tradi
ção de análise que via a questão do desenvolvimento como
um
processo de reposicionamento entre
p íses
na divisão
internacional de trabalho. Por certo, os cepalinos sabiam
que o desenvolvimento econômico capitalista supõe a ex
ploração entre as classes, assim como os dependentistas
sabemque o Estado-Nação é uma instância político-econô
mica pela qual passam necessariamente as relações de
classe.
Mas
a ênfase que antes era posta globalmente na
relação entre o externo o imperialismo) e o interno a
Nação) passou a ser mediatizada, nas análises sobre a
dependência, pelo processo de luta entre as classes. Dessa
forma, a questão do desenvolvimento deixou de ser uma
questão econômica para ser uma questão política.
Pode-se, por certo, criticar o alcance insuficiente da
abordagem política da escola da dependência: ela não
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chegou a explicitar se o pólo oposto da dependência supu
nha a autonomia ou o socialismo. Se fosse válida a
primeira hipótese, de qualquer modo, deveria mostrar quais
as classes e grupos capazes de tal proeza: a burocracia
estatal? smilitares? A burguesia? O proletariado? Uma
aliança entre eles? etc. m caso contrário, demonstrada a
inviabilidade do desenvolvimento nacional autônomo, co
mo se chegaria ao socialismo e quais os problemas para
relacioná-lo como problema da Nação, embora, neste caso,
a relação entre o Estado e a Nação não passasse mais pela
burguesia e sim pelos trabalhadores e pelo povo? Pode-se
tambémcriticar os dependentistas pelo fato de aceitarem
acriticamente comoo fizeram os cepalinos) o mesmo estilo
de desenvolvimento que a história do capitalismo ocidental
gerou, substituindo-se apenas os beneficiários dele. Não se
chegou a questionar na análise sobre a dependência os
estilos de desenvolvimento, nem se incorporou aos traba
lhos a temática hoje
em
voga principalmente entre os
intelectuais críticos da Ásia, da África e da Europa do
Norte) sobre estilos alternativos de desenvolvimento.
Mas não se pode dizer que os dependentistas hajam
negligenciado a caracterização do que lhes pareceu funda
mental na análise estrutural do subdesenvolvimento: a in
ter-relação entre as economias centrais e as periféricas
como fenômeno global.
Nesta linha, a contribuição principal dos latino-ameri
canos foi a de mostrar que a partir de meados dos anos
cinqüenta, como eu disse, havia uma nova dinâmica no
capitalismo internacional, impulsionado pelas empresas
multinacionais, e que ela levaria a uma nova divisão inter
nacional do trabalho. Estava
em
curso a internacionaliza
ção da produção c pit list A linha de separação entre o
mercado interno e o externo se redefinia: o imperialismo,
que fora obstáculo à industrialização da periferia, passava
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a sermola propulsora de um certo tipo de desenvolvimento
industrial.
Houve é verdade divergências de interpretação. Não
faltaram análises apressadas para mostrar que havia uma
tendência à estagnação econômica da periferia graças à
estreiteza dos mercados. Mas a linha predominante nas
análises academicamente sólidas foi outra. Ela tende a
mostrar que dependênci e desenvolvimento c pit list
podemmarchar paralelos.
este o cerne da questão que se debate hoje: neste caso
não se cogitaria antes da
interdependênci
do que da
de-
pendênci
Novamente as análises disponíveis são claras. Que eu
saiba nenhum autor do Terceiro Mundo inspirado pela
escola da dependência deixou mostrar que se é certo que
os laços estruturais de dependência entre o Centro e a
Periferia
se
transformam com a industrialização depen
dente-associada mais certo ainda é que repõem noutro
plano a assimetria estrutural entre economias centrais e
periféricas.
Como?
A reprodução da dependência dá-se basicamente de
dois modos:
ument
o desequilíbrio crônico entre a gera
ção de divisas e a necessidade de importações; por outro
lado o funcionamento do sistema produtivo industrial na
Periferia continua a requerer a importação de equipamentos
e tecnologia que são fabricados e criados nos países do
Centro. sdois fenômenos se inter-relacionam e derivam
da acentuação do que na linguagem cepalina se chamava
de
a
insuficiência dinâmica da capitalização .
Noutras palavras: se é certo que a atual fase da indus
trialização mundial requer a dispersão de partes do sistema
produtivo à escala mundial os fundos de acumulação con
tinuam centralmente retidos e o desenvolvimento
de
novos
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processos e técnicas produtivas faz-se monopolicamente
no Centro. Disso deriva que o relacionamento entre as
economias
industri liz d s
do Centro e da Periferia é
interdependente mas
ssimétrico
verdade que no pro
cesso de expansão capitalista as Multinacionais requerem
a mão-de-obra e o mercado da Periferia e desenvolvemnela
partes substanciais do processo produtivo. Mas tanto o
guarda-chuva financeiro para assegurar a circulação das
mercadorias a nível mundial é retido pelo capital fInanceiro
internacional controlado pelas próprias multinacionais e
pelos grandes bancos) como o elemento dinâmico do setor
de produção de bens de produção que inclui a pesquisa e
o desenvolvimento de novas técnicas produtivas) continua
controlado pelos países do Centro. Neste sentido, de repo
sição de assimetrias, sempre houve inter-dependência
entre as economias Centrais e as Periféricas. Mesmo no
mais puro colonialismo, o Centro dependia das matérias
primas extorquidas.
om
este argumento não estou querendo negar que
houve modifIcações nas formas de dependência. O ponto
de vista sustentado pelos autores que caracterizam a emer
gência de
um
estilo de desenvolvimento dependente-as
sociado sempre foi o de que a industrialização da periferia
implica
em
modifIcações substantivas na forma de depen
dência.
primeira vista, quando se toma o caso de uma
economia periférica que passa a ser integrada ao sistema
produtivo industrial internacional, tem-se a impressão de
que se trata de mera otimização dos custos comparativos,
especialmente da mão-de-obra. E nos casos das economias
industrializadas da Periferia que se constituem como pla
taformas de exportação tem-se mesmo a réplica de uma
situação de enclave, tão comum nas economias agromine
radoras
o
passado.
Mas essa caracterização é restrita: ela abrange apenas
alguns casos Singapura, Coréia, por exemplo) e mesmo
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neles os efeitos
em
cadeia dos elos para frente e para trás
linkages forward and backward ), como os caracteriza
Hirschman, acabam por promover alterações que afetam o
conjunto
d
economia local. Commais forte razão, quando
ocorre· a industrialização, como no caso da maioria dos
países latino-americanos,
com
mira principalmente
à
subs
tituição das importações, o
merc do interno
toma-se o
canal principal da absorção da oferta. Mesmo que parte da
produção industrial seja exportada e que os circuitos fe
chados intermultinacionais redistribuam entre si partes
dos componentes dos produtos finais, a expansão do mer
cado interno passa a ser fundamental para permitir a circu
lação das mercadorias e a continuidade do processo produ
tivo do resto da economia.
A argumentação falaciosa que acreditava na estagnação
provável das economias periféricas industrializadas devido
à
estreiteza do mercado interno,
bem
como a saída alterna
tiva que consistiria na expansão das exportações e eventual
mente na luta entre nações subimperialistas para as
segurarem mercados, desfez-se na última década. e fato,
o crescimento do mercado interno de países como o Brasil,
o México
ou
a Colômbia foi o elemento fundamental para
permitir a absorção da produção crescente de automóveis,
máquinas, produtos de línea branca etc.
e
igual modo,
a industrialização dos produtos de alimentação e dos bens
de salário em geral encontrou mercado na expansão do
consumo
de
produtos industrializados pela classe média e
pela classe trabalhadora.
À
base da fomia atual de industrialização dependente
existe portanto uma transformação de monta na
estrutur
d própri socied de
emergem setores novos nas classes
médias, expande-se o setor assalariado da mão-de-obra
rural e urbana.
Quer isto dizer que a nova forma de dependência resol
ve os problemas do povo?
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Obviamente não. Mercado não é sinônimo de popula
ção. A expansão do mercado não significa a melhoria dos
níveis de vida do conjunto
d
popul ção Por certo como
m
todo desenvolvimento capitalista certos segmentos da
sociedade ganhamcoma industrialização: o empresariado
os segmentos gerenciais setores técnicos e setores compos
tos por profissionais liberais por exemplo. Pode ocorrer
mesmo que parte do operariado industrial - dependendo de
sua capacidade de luta - ganhe com o desenvolvimento
econômico. Mas nada assegura que o piso da sociedade
os trabalhadores rurais e o setor urbano que ganha salário
mínimo oumenos do que isso - obtenha uma melhoria. De
igual modo na reciclagem das funções da baixa classe
média - os empregados de colarinho branco - podem
ocorrer até mesmo perdas de renda relativa e
m
certos
momentos absoluta.
Subsistem portanto na forma atual do desenvolvimen
to dependente as questões centrais que haviam sido colo
cadas pela opinião crítica latino-americana nas décadas
anteriores: desenvolvimento para quem? Qual o papel do
Estado neste processo? Emque termos semantém a questão
daNação?
s
respostas entretanto não podem mais ser as mes
mas. A ninguém ocorreria hoje que o processo de interna
cionalização da economia elimina a burguesia nacional.
Mas todos vêem que sua função e seu papel político se
redefmem: ela se associa às multinacionais m
função
sibordinada no processo da acumulação global. Luta e
esperneia; busca apoio no Estado rechaça-o quando este
avançamuito para cumprir sua função de sustentáculo geral
da acumulação e portanto de ordenador e protetor tanto das
empresas locais como das multinacionais. O Estado ao
mesmo tempo investe em áreas dinâmicas cresce seu peso
na economia e exerce funções contraditórias pois na mes
ma medida
m
que estimula o setor privado compete com
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ele. A velha crença de que o eixo do desenvolvimento
dar-se-ia através de uma relação entre empresariado nacio
nal e estado v sus empresas multinacionais ficou mais do
que abalada com a nova articulação econômica que solida
rizou o crescimento do mercado interno com o dinamismo
s empresas multinacionais e do setor estatal.
E os trabalhadores e o povo?
Já que a questão nacional deixou de ser privilégio do
empresariado local e do Estado talvez possa ser recolocada
do ângulo das classes populares. Mas para que isso se
cumpra e para que o estilo capitalista de desenvolvimento
seja revertido evitando-se amarginalização e amiséria ao
invés da ênfase ser posta apenas nas questões da acumula
ção teria de ser posta simultaneamente na questão da
igualdade.
Deste ângulo a análise da interdependência não de
veria repor os temas da autonomia nos tennos antigos.
Seria preciso mostrar - tal como os dependentistas sugeri
ram - que estamos em face de um problema estrutural e
global. Rever os padrões de dependência implica por
conseqüência em rever as fonnas de exploração entre as
classes e
dominação política.
É este o desafio da próxima década: ou temos a imagi
nação a coerência e a força política necessária para colocar
de fato no centro da questão do desenvolvimento a questão
operário-popular para a partir desta repensar a questão
nacional ou continuaremos condenados a fazer anatomias
de estruturas de interdependência que podem até resol
ver os problemas de alguns segmentos da população mas
não resolverão os da maioria.
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apítulo
ORIGINALIDADE
CÓPIA
A CEPAL E A IDÉIA
E
DESENVOLVIMENTO
Introdução
Entre os críticos da cultura na América Latina existe
um
debate intermitente, mas não desinteressante, a respeito
dos efeitos da dependência sobre a produção das idéias.
Alguns dos mais argutos teóricos da literatura brasileira
(como Antônio Cândido de Mello e Souza e Roberto
Schwarz
) vêmprocurandomostrar que a
mesma idéia
uma
vez transferida dos centros de produção internacional de
cultura para a periferia, vira outra coisa O exemplo clás
sico talvez seja, como acentuou outro historiador das idéias,
o Prof. João Cruz osta a transferência do positivismo
comteano para a América Latina. A nítida conotação con
servadora do positivismo no século XIX europeu, como o
soberbo desprezo que tal corrente sempre ostentou, por
Publicado originalmenle como The originality
of
the copy: ECLA and the Idea
ofDevelopment , University of Cambridge, Centerof Latin American Studies, orkill
Papers 27,jun/1977.
Este trabalho não teria sido escrito sem a ajuda de José Serra, que me aconselhou
na seleção de textos e fez a indispensável pesquisa bibliográfica para timdamentar a
análise, além
de
sugerir pistas para a interpretação. Agradeço, também, a ajuda e as
criiicas de Winston Fritsch.
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exemplo, diante da concepção marxista da luta de classes,
modificou-se bastante na América Latina. O inóspito habi
tat latino-americano, pontilhado de formas de relações
sociais e culturais produzidas por sistemas de vida que
mesmo quando enganchados na dinâmica da expansão
capitalista internacional resistiamà racionalização crescen
te da sociedade e da economia, gerou uma deformação
simpática no positivismo. Tomou-o paladino da idéia de
progresso. A diferença de
habitat
cultural não pôde cortar
pela raiz a outra idéia da filosofia política positivista, a de
ordem. Mas, pelo menos, mitigou seus ímpetos uniformi
zadores, dada a variedade e a desordem constitutiva de um
continente formado pelamiscigenação de alguns modos de
produção assentados
m
princípios básicos conflitantes, e
tomou o positivismo ideologia mais reformista do que
reacionária. Os políticos científicos foram partidários da
República, contra a monarquia brasileira; foram eles tam
bém os trombetistas do México iluminado (se não ilumi
nista) de om Porfírio - coveiro, temporário é certo, do
Ancien Régime e precursor, malgré lui da Revolução Me
xicana.
Nesta ordem de considerações, Roberto Schwarz escre
veu atiladas páginas sobre o que ocorre com o consumo das
idéias importadas. Tomando um dos melhores, senão o
mais completo romancista brasileiro - Machado de Assis
- Schwarz fez a crítica do processo de absorção cultural do
pensamento europeu pelos nativos . O liberalismo adota
do chocava-se, por exemplo, com uma ~ t t u ç ã o
tão anti
liberal - e, sem embargo, um dos pilares da sociedade
brasileira da época - como a escravidão. Machado fez
sutilmente a crítica a este estado de coisas e sua novelística
se desenvolve num mundo do como se . Roberto Schwarz
propôs, para caracterizar este tipo de aculturação perver
tida de idéias, uma abordagem que ficou conhecida como
a das idéias fora do lugar . Uma espécie de ecologia
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cultural interessada nos efeitos dos transplantes de habitat
sobre as delicadas hastes da ideologia.
Houve, como é natural, reação a esta abordagem. Não
faltaram puristas
e
rigorosos para criticar a idéia do
transplante cultural , dado seu possível mecanicismo e
analogia indevida entre o mundo social e o natural. Naquele
as próprias relações estruturais são postas e repostas pela
prática dos homens e, portanto, ao serem re-criadas são de
algummodo sempre utóctones Não interessa para os fins
deste ensaio aprofundar a discussão. Mesmo porque, entre
pessoas demente treinada nos jogos do espírito fica sempre
subentendido que as teses são propostas
cum gr no s lis
e qualquermodo, eu quero ressaltar que farei o oposto
do habitual na história das idéias latino-americanas: discu
tirei s idéi s e seu lug r e pretensão e água benta, diz o
ditado, cada qual serve-se
à
vontade. Mesmo assim, vale a
afirmação de que pelo menos algumas idéias sobre o de
senvolvimento econômico são originais da América Latina.
Para evitar que o tom jacobino e meio narcísico preva
leça, convém esclarecer que cuidarei também de mostrar
que mesmo as mais originais interpretações latino-ameri
canas sobre o desenvolvimento econômico têm raízes ex
tracontinentais. Contudo, não tomarei as idéias sobre o
desenvolvimento como meros reflexos do sol resplan
decente do pensamento ocidental.
Em
matéria
de
idéias,
muitas vezes, o que é novo é, precisamente, o requentamen
to, sempre que se junte algum tempero à água que
se
adiciona para evitar que as velhas idéias fiquem estorrica
das com o novo aquecimento.
A não
ser
assim, é muito difícil escapar da maldição dos
céticos: nihil novi sub sole
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I - A ep l e o desenvolvimento
idéi s correntes so re comércio intern cion l e
desenvolvimento
A Comissão Econômica para a América Latina CE
PAL) canalizou e difundiu um conjunto de teses a respeito
das causas, condições e obstáculos ao desenvolvimento,
tomando-se uma espécie demarca registrada do pensamen
to econômico latino-americano.
Para mostrar no que consistiu a novidade das fonnula
ções cepalinas, convém, entretanto, resumir, primeiro, as
concepções que até então prevaleciam sobre o comércio
internacional e seu papel no crescimento das economias.
O ponto de partida da teoria do comércio internacional
é a lei das vantagens comparativas fonnulada por Ricar
do.
Em
tennos
simples, Ricardo assinala que o comércio
internacional levará a especialização da produção por paí
ses de acordo com os custos relativamente menores da
mão-de-obra e que este processo gerará ganhos para todos
os países. Assim, segundo seu exemplo clássico, o custo
unitário da mão-de-obra para a produção vinícola e têxtil é
mais baixo
em Portugal do que na Inglaterra; entretanto, a
vantagem comparativa dos custos da mão-de-obra é maior
no caso da produção de vinhos do que na de tecidos, e seria
portanto mais vantajoso, para ambos os países, produzir
vinho em Portugal e têxteis na Inglaterra.
Posterionnente, os economistas neoclássicos critica
ram a teoria do valor proposta por Ricardo, baseada nos
custos da mão-de-obra. Afirmaram, no que tange à teoria
do comércio internacional, que os custos comparativos não
se limitariam aos custos do trabalho; os custos de outros
fatores de produção, como o capital e a terra
constituem
também custos relativos no cálculo das vantagens compa
rativas entre países. Com esta nova formulação, as teorias
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neoc1ássicas do comércio internacional mantiveram a lei
ricardiana das vantagens comparativas .
Bertil Ohlin oferece, possivelmente, a versão mais
completa
d
teoria neoc1ássica pura sobre o comércio in
ternacional. Pretende explicar os ganhos do comércio e
analisar,
o
mesmo tempo, o efeito do comércio interna
cional sobre a remuneração dos fatores de produção. Como
corolário das teorias de Oh1in sobre a especialização da
produção e o aproveitamento dos fatores da produção de
acordo om os recursos disponíveis de um país, infere-se
que o comércio pode levar
rel tiv equalização da remu
neração dos fatores da produção entre os países.
3
Por razões óbvias, essa aversão da teoria do comércio
internacional suscitou um debate mundial: o comércio se
transformava num instrumento adequado para reduzir as
desigualdades entre nações. Esta discussão não foi promo
vida somente por Oh1in,
já
que sua hipótese ampliava
outras formulações, especialmente os estudos de Hecksher
4
sobre o mesmo tema. Desde então outras perguntas foram
colocadas: a suposta equalização da remuneração dos fato
res produzida pelo comércio internacional seria relativa ou
absoluta, completa isto é, seriam totalmente eliminadas as
diferenças entre as economias nacionais) ou parcial?
Oh1in aceitava somente uma tendência
equalização
rel tiv
da remuneração dos fatores, conquanto a equaliza
ção omplet suporia a total mobilidade dos fatores. Esta
última hipótese não pode ser adotada pela teoria interna
cional pura do comércio, pois implica a homogeneização
do espaço econômico como qual destrói a razão fundamen
tal do comércio internacional: a especialização da produ-
- 5
çao.
Foi principalmente Samuelson que deu um caráter ex
tremo à teoria neoc1ássica do comércio internacional. Uti
lizando um raciocínio matemático formal, ele demonstrou
que
se
um conjunto de hipóteses sobre o comércio interna-
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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cional fosse sustentado, ocorreria uma equalizaçãocomple-
t e solut da remuneração dos fatores.
6
As conseqüên
cias ideológicas da referida demonstração são notáveis:
uma vez aceito o raciocínio de Samuelson, ele possibilitaria
afirmar que o comércio internacional resolve as desigual
dades econômicas entre as nações o subdesenvolvimento
seria reduzido medi nte a especialização mundial da pro
dução).
Em artigos posteriores, Samuelson não prosseguiu le
vando as últimas conseqüências de sua hipótese. O seu
argumento inicial, entretanto, foi conservado pelos mais
ardentes partidários das vantagens comparativas e do
livre-comércio como panacéia para corrigir desigualdades
dos fatores de produção e da disponibilidade de recursos
entre os países.
Infelizmente, para os defensores desta versão extrema
da teoria pura do comércio internacional, alguns supostos
domodelo de Samuelson são tautologias. Gottfried Haber
ler, defensor dos mecanismos do mercado livre, assinalou
que Samuelson incluiu entre as condições de validez de sua
teoria certos supostos alheios à realidade, tais como a
homogeneidade das funções de produção
em
todos os
países que realizam comércio níveis similares de conheci
mentos tecnológicos, de capacitação, de clima, de condi
ções físicas e sociais, etc.) cuja inexistência constitui a
questão inicial das disparidades entre países. Devemos
portanto chegar
à conclusão de que a teoria Lerner-Samuel
son, se bem que formalmente correta, se baseia em restri
ções e supostos tão alheios à realidade que, dificilmente,
pode-se considerá-la uma contribuição valiosa para a teoria
• 7
econOImca .
Em síntese: a aceitação da tese que afirma haver uma
tendência para a equalização absoluta da remuneração dos
fatores através do comércio internacional não decorre dire
tamente da teoria ricardiana do comércio. Esteve
em
moda
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 35/247
a partir do momento m que os supostos extremos e
débeis) de Samuelson a respeito do comércio internacional
tiveram livre trânsito m certos círculos acadêmicos.
Também os economistas de inspiração marxista acre
ditavam nos efeitos positivos do comércio internacional na
expansão o capitalismo na periferia. Corrigiram a pers
pectiva ricardiana que foi aceita, mais tarde, pelos margi
nalistas e neoclássicos), pondo mais ênfase no próprio
mecanismo de expansão do capital e do sistema produtivo
do que simplesmente no comércio internacional.
De fato, a teoria marxista supunha a mobilidade plena
dos fatores no plano mundial, muito mais do que a teoria
ricardiana e seus continuadores. Marx não fez análises
teóricas do subdesenvolvimento - conceito inexistente
na época. Quando se referia à Índia, m algumas passagens
de seus artigos de jornaIS, demonstrava confiar que a ex
pansão de capitais desenvolveria a periferia.
Rosa de Luxemburgo, mais de meio século depois,
continuou afirmando a inevitabilidade da expansão capita
lista à escala mundial e a conseqüente industrialização dos
países que formavam a retaguarda do capital . Hilferding
- contemporâneo de Rosa - acreditava mais na hipótese da
eficiência dos mecanismos do mercado internacional do
que o próprio Ricardo. Acreditava que as taxas de juros
diferenciais levariam à exportação de capitais para a peri
feria, embora visse dificuldades para a generalização da
forma de trabalho assalariado como relação básica da ex
ploração econômica. Bukharim e Lenin não fugiram
regra: a exportação de capitais era uma condição inerente
à
expansão imperialista.
Não obstante, o Lenin de 1920 já havia mudado de
posição: as conseqüências progressistas do capitalismo,
pelo contrário, não se notam ali nas colônias, apesar da
infiltração o
capital estrangeiro). Onde o imperialismo
dominante necessita nas colônias um apoio social, une-se,
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antes de mais nada, com as classes dominantes do antigo
sistema pré-capitalista, os feudais da burguesia comercial
e usuária, contra a maioria do pOVO .lO
idéias
Cepal
Quais foram as idéiasmestras sobre o desenvolvimento
propostas pela CEPAL? e por que causaram tanta celeu
ma? .
O texto principal da CEPAL sobre as relações entre
Centro e Periferia e, portanto, sobre desenvolvimento e
subdesenvolvimento, é o Estudio Econômico de América
Latina de 1949, publicado pelas Nações Unidas em 1951.
Fundamentação teórica idêntica sobre a análise do desen
volvimento latino-americano encontra-se em artigo publi
cado com anterioridade pelo Dr. Raul Prebisch - sem
dúvida a grande figura de economista da CEPAL daquela
época - sob o título EI desarrollo económicode la América
Latina
y
algunos de sus principales problemas , em abril
de 1950.
11
Nestes textos, que fundamentam o que veio a ser cha
mado de doutrina Prebisch-CEPAL, há duas ou três idéias
básicas e, para o contexto em que se dava a discussão
econômica,
inovadoras
Opondo-se à idéia prevalecente nos meios liberais-or
todoxos que aceitavam a premissa fundamental da teoria
de mercado relativa às vantagens comparativas da divisão
internacional do trabalho, Prebisch afirma que as relações
econômicas entre o Centro e a Periferia tendem a reproduzir
as condições do subdesenvolvimento e a aumentar o fosso
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A mão
invisível do mercado aparecia, para Prebisch, como ma
drasta: em vez de corrigir distorções, acentuava-as.
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Por que isso? Porque os países centrais se apropriam da
maior parte dos frutos do progresso técnico. Como? Pre-
bisch a partir de evidências apresentadas
documentos
das Nações Unidas que mostravam uma tendência para a
deterioração dos termos da troca entre bens primários e
manufaturados alinha os fatores causais desta estrutura
condicionadora de diferenças crescentes:
a taxa de crescimento da produtividade na produção
manufatureira é mais alta que na produção de bens
agrícolas;
o aumento da produtividade deveria trasladar se aos
preços dos produtos industriais através do menor
valor incorporado a cada unidade produzida;
entretanto como nos países industrializados existe
pressão sindical para manter o nível dos salários e a
produção industrial organiza se de tal forma que os
oligopólios defendem a taxa de lucro os preços não
declinam proporcionalmente ao aumento da produ-
tividade.
2
Noutros termos o que Prebisch chamou de os agentes
de produção operários e empresários dos países indus-
trializados por sua força político-organizacional, blo-
queiam o funcionamento do mercado e produzem no co-
mércio internacional um efeito específico: a deterioração
constante dos termos de intercâmbio terms oftrade . Esta
é a segunda idéia central da teoria cepalina decorrência
imediata da idéia anterior que mostra a inexistência de
vantagens universais do progresso técnico via sua transfe-
rência para a periferia: o preço dos produtos primários
tende a
declinar
como proporção do preços dos produtos
industrializados.
A síntese anterior demonstra que Prebisch partiu de um
suposto clássico fundamental. 3 Este predizia uma baixa
relativa dos preços internacionais dos produtos manufatu
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rados, comparação aos produtos primários; se tal dimi
nuição relativa ocorresse; poder-se-ia esperar, como resul
tado, uma tendência para a equiparação internacional de
recursos dado que os principais países produtores de bens
primários têm níveis de renda menores). neste ponto e
não relação às opiniões contemporâneas neoclássicas
sobre o comércio mundial) que a análise de Prebisch con
trasta com a reinterpretação das teorias deHecksher e Ohlin
realizada por Samuelson.
útil recordar, todavia, que o
ponto de partida das contribuições de Prebisch não foi a
teoria neoclássica do comércio.
clara a posição cepalina sobre as conseqüências da
tendência ao declínio dos preços dos produtos primários
condições de oferta ampla de mão-de-obra e de aumento
da produtividade, enquanto o mesmo processo não ocorre
nos países desenvolvidos. Ela ocasiona uma menor p -
id de de umul ção
na periferia, abrindo, portanto, o
debate
tomo da necessidade de uma política específica
_para promover a acumulação e o desenvolvimento.
Pode-se questionar, no raciocínio da CEPAL e de Pre
bisch, a falta de maior desenvolvimento na análise do
mecanismo de exploração da Periferia pelo Centro, mas
não
s
pode dizer que ele descuidou do papel fundamental
da acumulação economias de mercado, nem que falta
ram referências às condições histórico-sociais específicas
que nos países capitalistas estão subjacentes à acumulação:
a maior capacidade de luta dos sindicatos dos países indus
trializados por seus interesses de classe e a força político
organizatória das grandes empresas capitalistas para impe
dir a queda da taxa de lucro bloqueariam o automatismo da
transferência dos ganhos de produtividade suposta pela
teoria do comércio internacional.
Os supostos políticos e estruturais da análise cepalina
podemserdiscutíveis em termos de uma análise econômica
que dê mais peso à lógica do capital . Mas seria inade-
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quado sustentar esta última abstratamente, sem pensar nas
condições concretas
da
exploração social e parece-me in
correto pensar que a
EP
AL, bem
ou
mal, incorreu
no
equívoco
de
crer que a exploração no mercado interna
cional dá-se através de desigualdades nos termos de inter
câmbio como
se
estes supusessem uma exploração mera
mente
ou principalmente comercial.
e ções critic s
s
teses cepalinas sobre o comércio internacional e o
desenvolvimento não foram aceitas pacificamente. Longe
disto. Os setores de pensamento econômico mais ortodoxos
tanto liberais quanto marxistas) criticaram sempre, e
de
ângulos opostos, o que veio a chamar-se de pensamento
da
EP
AL . Para os defensores ardorosos de que a lógica
do mercado é o melhor mecanismo para promover o
verd deiro
desenvolvimento, a CEPAL sempre represen
tou o cavalo deTróia do esquerdismo. Por trás das pruden
tes recomendações sobre a necessidade da intervenção
corretora do Estado, da defesa de políticas protecionistas,
da insistência sobre o caráter estrutural da inflação latino
americana etc., os liberais ortodoxos sempre viram o risco
de um socialismo burocrático.
om ardor nãomenor, a ultra-esquerda teórica também
desmascarou o caráter de classe das formulações cepali
nas porque elas não põem a nu os mecanismos de explora
ção social e econômica que mantêm a subordinação dos
trabalhadores à burguesia e desta aos centros imperialistas.
Em
certa época - depois que a política
de
alguns partidos
comunistas e populistas passou a fazer coro aos clamores
cepalinos em prol industrialização e do fortalecimento
dos centros internos de decisão sem criticar mais a fundo o
caráter de dominação
de
classe desses últimos - a ultra-es
querda passou quase a acreditar que não fosse pela existên-
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cia da
P
AL, dos partidos comunistas e do populismo, a
ansiada Revolução já teria libertado os povos do jugo de
classe e das peias do imperialismo. Tomaram, assim, a
visão cepalina, uma espécie de viseira que amortecia a
consciência dos povos, oferecendo-lhes a alameda de
um
futuro próspero através da industrialização e do fortaleci
mento do Estado.
Qual é o peso desta crítica?
A teoria Prebisch-CEPALsustenta, como vimos, que o
progresso técnico somado a ondições so i is espe ífi s
produz conseqüências diferenciais entre o Centro e a Peri
feria. Não parece correto, portanto, acusá-lo de simplismo
neste aspecto. O sistema explicativo deixa
em
aberto, en
tretanto, alguns pontos: por que os empresários da periferia
não retêm os ganhos ocasionados pelo aumento da produ
tividade do setor agrícola, apropriando-se eles mesmos das
diferenças derivadas do barateamento dos custos de produ
ção e
da
baixa capacidade de pressão nível pouco desen
volvido da luta de classes) dos trabalhadores da periferia?
Existe um hiato explicativo no mecanismo de transfe
rência de ganhos da Periferia para o Centro, que a noção de
insuficiência dinâmica do capitalismo periférico antes
obscurece do que explica. Falta uma análise das relações
internacionais de exploração - do colonialismo e do impe
rialismo - para tomar mais consistente e transparente a
posição crítica inicial da CEPAL.
Sem ela, embora se reconheça as diferenças do avanço
das forças produtivas e a desigual capacidade de luta dos
trabalhadores do centro e da periferia, a alegada menor
capacidade de acumulação na periferia ou deriva da inca
pacidade de concorrência empresarial dos produtores lo
cais frente aos que fazem a comercialização internacional
ou decorre
propensão ao consumismo das elites locais.
Esta explicação é débil embora compreensível
em
vista da
pequena base de acumulação de que dispunham, então, as
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economias periféricas. O consumo pessoal é proporcional
mente irrelevante para explicar os reinvestimentos das
empresas e porque estes de fato ocorreram, na fase do
esforço concentrado de industrialização, que vai da Segun
Guerra até aos anos sessenta, mediante reinvestimentos
constantes de lucros. Isto mostra que o consumo pessoal
tem
um
papel bastante limitado na explicação do desenvol
vimento capitalista.
Esta deficiência teoria cepalina foi alvo de distorções
e de críticas.
Do
ponto
de
vista da explicação da relação
entre desenvolvimento e subdesenvolvimento ela é séria,
como adiante assinalarei. Mas quanto
à
constatação da
existência
de uma
relação de troca desfavorável à Periferia
e quanto aos efeitos deste processo sobre a teoria do comér
cio internacional, as teses cepalinas são suficientemente
fortes para desqualificar as teorias até então vigentes.
Por que a tese da
CEP L
sobre a deterioração dos
termos de intercâmbio se sustenta? Porque não tendo havi
do redução
de
preços relativos a favor dos produtos primá
rios mesmo
sem
supor que a relação de intercâmbio tivesse
se deteriorado
teria havido exploração , devido à distri
buição desigual de lucros no comércio internacional, con
siderando-se o aumento da produtividade dos países indus
trializados.
sestatísticas da ONU mostravam que, até 1946-47,
partindo de 1876-1880, tinha havido uma tendência cons
tante à deterioração dos termos de troca. Prebisch, para
sustentar seu argumento, reproduziu no artigo sobre
O
desenvolvimento econômico da América Latina e seus
principais problemas os dados de
um
documento da
ONU
de 1949 sobre os PostWar Price Relations do comércio
internacional. Hans Singer, com menor elaboração expli
cativa do que os documentos da CEPAL e o artigo de
Prebisch, havia chamado a atenção para a mesma tendên-
•
cla.
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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A base estatística do argumento foi considerada insufi
ciente por parte de Haberler e outros. O documento das
Nações Unidas referia-se ao intercâmbio do Reino Unido
e a falta de comparabilidade entre os produtos industriais
do Reino Unido com os da Alemanha, Japão, Estados
Unidos e de outras economias poderia ter distorcido os
resultados. Até hoje perdura uma controvérsia a respeito
dos dados sobre a relação de preços do intercâmbio; entre
tanto, e admitindo mesmo que por algum tempo os preços
do Reino Unido tivessem sido afetados pela baixa produti
vidade e pela supervalorização da libra esterlina, a capaci
dade permanente de exportar produtos depende da capa
cidade de manter os preços aproximadamente dentro da
margemdos preços exógenos internacionais dados. Nesses
casos a regra de
um único preço no mercado mundial deve
manter-se, pelo menos aproximadamente, para produtos
homogêneos. Sustenta-se, pois, o argumento básico sobre
a deterioração dos termos de troca, apesar das críticas.
- ríticas e teorias alternativas às teorias da Cepa)
Os
orto oxos
Não obstante, a resposta dos ortodoxos às formula
ções da CEP L não se fez esperar. O Prof. Gottfried
Haberler, de Harvard, negou peremptoriamente que os
economistas dipusessem de qualquer lei que lhes permita
predizer as tendências dos preços a favor ou contra os
produtores de matérias-primas .ls Reconheceu a validade
de uma generalização grosseira sobre as variações de curta
duração
em
desfavor dos países subdesenvolvidos, pois
durante as fases de depressão econômica mundial os preços
relativos dos produtos primários tenderama piorar (tendên
cia, diga-se de passagem, não comprovada mais recente
mente). Mas negou que se pudessem prever regularidades.
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Haberler acreditava que havia sido exagerada a magnitude
da relação de intercâmbio desfavorável aos países exporta
dores de produtos primários. Aconselhou os países subde
senvolvidos a conviver com suas agruras, consolados pela
expectativa de que também os ricos passam por elas... 16
Não obstante a fragilidade das conclusões de Haberler,
este economista apresenta um argumento pertinente, em
bora por vias equivocadas, ao tocar num ponto significativo
- e discutível- da teoria cepalina: a inevitabilidade do fosso
entre centro e periferia. Com efeito, Haberler argúi que a
piora nos termos de intercâmbio de um país com respeito
ao Comércio Internacional num dado período não signific
que este país, no fim do período, tenha seu bem-estar
econômico afetado desfavoravelmente p 326 .
Para demonstrar seu argumento, joga com a idéia de
termos de intercâmbio de um só
fator ,
em
vez de tomar
como base para análise o valor do intercâmbio entre mer
cadorias. om isto - sem desmentir a tese Prebisch-CEP L
- alerta para o dinamismo requerido para entender-se os
processos de desenvolvimento econômico. Dito de outra
maneira: pode haver transferência de recursos para o cen
tro, via comércio exterior, e, o mesmo tempo graças aos
aumentos de produtividade, pode
em
tese haver crescimen
to econômico e mesmo aumento do padrão de vida na
periferia. Assim pode alargar-se a brecha entre países de
senvolvidos e em desenvolvimento, e o nível de vida, nestes
últimos, pode também aumentar em certos casos.
Haberler tentou também ferir os fundamentos da expli
cação cepalina e neg r a validade da idéia de que é por
intermédio de defesa dos salários e lucros dos países indus
trializados que são bloqueadas as transferências das vanta
gens do processo técnico. Argumentou que a concorrência
entre capitalistas e a quebra do monopólio do progresso
técnico exercida pela Inglaterra invalidaria o argumento da
CEPAL. Os produtores de matérias-primas, segundo Ha-
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berler, sabem defender-se muito bem; quem sofre são as
camadas de rendas fixas dos países desenvolvidos( ).17
e
igual modo, criticou as interpretações dos esperados efeitos
da Lei de Engel sobre o comércio internacional, enfatizadas
mais por Singer do que pela CEPAL. Se, diz ele, esta lei
poderia afetar os produtores de alimentos, seria, entretanto,
inadequado generalizar suas conseqüências para o conjunto
dos produtores primários,já que não afetaria a produção de
minérios.
Os argumentos de Haberler, apesar de seus fundamen
tos conservadores, apontam também para uma lacuna im
portante nos trabalhos iniciais da CEPAL: a falta de maior
explicitação sobre o papel e a natureza dos ciclos econômi
cos e sua distinção frente a tendências de piora constante.
Mais tarde, na pena dos epígonos, os efeitos das recessões
foram tomados comoexpressão de tendências irreversíveis.
A partir desta concepção imaginou-se uma piora contínua
e crescente não só da relação entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos, mas da própria situação de subdesen
volvimento.
e
certo modo, a perspectiva catastrofista , que levou
mais tarde à
formulação de teorias do desenvolvimento do
subdesenvolvimento , estava incrustada na própria expli
cação cepalina. Seria incorreto, entretanto, supor que a
ênfase da argumentação cepalina sobre as deficiências do
mecanismo de mercado internacional tivesse levado a for
mulações predominantemente estáticas ou catastrofistas.
Estas, se estavam contidas nas formulações que critiquei,
continham-se mais virtualmente do que ao pé da letra .
Apareceriam somente se o campo teórico
em
que elas se
situaram fosse plenamente desenvolvido. O documento de
1949 incorporava a idéia de ciclos. Mostrando a tendência
ao agravamento das relações de troca em prejuízo dos
países subdesenvolvidos, ele afirma que os preços dos
produtos industriais cairiam nosna recessão do que o
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preço dos primários, enquanto no final dos auges os produ
tos primários subiriam mais depressa; a
result nte
é que
seria negativa para os produtos primários. Seria inade
quado, portanto, pensar que o diagnóstico cepalino basea
va-se, como Herberler deu a entender, numa concepção
puramente estática das relações Centro-Periferia.
Prebisch tomou-se inclusive, em sua
polític econômi-
c
um forte defensor da criação de condições para diminuir
o fosso entre Centro e Periferia. O argumento teórico,
entretanto, poderia dar margem a interpretações ambíguas
e foi delas que
se
valeu Haberler.
Outros economistas fizeram como Haberler: deram um
passo atrás
no
debate. Entre estes, destacou-se o Prof. Jacob
Viner.
18
Repetindo suas palavras: o que eu encontro nos
estudos de Prebisch e em outras publicações de caráter
similar provenientes das Nações Unidas e de outras fontes
é somente uma identificação dogmática entre agricultura e
pobreza, e a explicação da pobreza da agricultura por regras
inerentes
à
natureza e
à
história, segundo as quais os
produtos agropecuários tendem a entrar em relações de
intercâmbio permanentemente deterioradas
se
comparadas
com os produtos manufaturados; as populações agrícolas
não
se
beneficiariam do progresso tecnológico das manu
faturas
nem
mesmo como compradores porque os preços
dos produtos manufaturados não baixam ao diminuir os
seus custos reais...
19
E, acrescenta o professor: Isto não é
senão confundir uma simples conjuntura com leis de ten
dências inexistentes .20
Posto que não viu no raciocínio de Prebisch nada além
do exposto acima como se em si mesmo isto não exigisse
maior atenção em vista dos dados das Nações Unidas, nem
levasse a uma mais completa reconsideração da teoria do
comércio internacional), Viner passou a demonstrar que
o problema real não era na
gricultur
como tal, nem na
industri liz ção como tal, e sim quanto à pobreza e ao
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atraso . Como poderia, sem cair numa tautologia, apresen-
tar a pobreza e o atraso como causas de si mesmos? Em
todo caso se equivocava no comentário do raciocínio de
Prebisch,
que este se apoiava nas taxas diferenciais dos
aumentos de produtividade ou do desenvolvimento das
forças produtivas) entre países desenvolvidos e subdesen-
volvidos.
A agricultura era oferecida como exemplo para salien-
tar que, como regra geral, na América Latina a produti-
vidade agrícola era baixa se comparada com a produ-
tividade do setor urbano industrial e que portanto a pobreza
eramaior no campo. E como qualquer pessoa que soubesse
algo a respeito da agricultura argentina não poderia deixar
de lembrar, Prebisch sempre sustentou que uma maior
produtividade agrícola constituía um instrumento útil para
aumentar os níveis de vida.
Num terreno puramente teórico, entretanto, a evidência
de que Viner não entendeu o sentido do principal argumen-
to de Prebisch pode ser encontrada no seguinte trecho: Se
afirma também que existe uma lei histórica de que o pro-
gresso tecnológico é mais rápido na indústria do que na
agricultura. Se assim fosse, se dita lei se expressasse por
uma queda relativa do custo real da produção de manufa-
turas, isto contribuiria para produzir um momento favorá-
vel e não desfavorável em relação aos preços dos produtos
agrícolas .21
Como vimos, Prebisch tinha formulado sua crítica
justamente porque o intercâmbio internacional impedia o
funcionamento deste mecanismo clássico.
s liber is heterodoxos
A ênfase na separação entre um possível viés teórico
das formulações cepalinas iniciais que continham algo de
uma visão estática relativa à natureza do fosso entre Centro
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e Periferia) e as proposições de uma ação prática para
diminuir este fosse ajudam a compreender parte da crítica
àCEP L
Convém ter presente que as formulações econômicas
então vigentes descontando-se a análise marxista) a res
peito de como quebrar o círculo de ferro do subdesenvol
vimento punham toda a ênfase na formação de capital,
concebido este como
um
··fator que dependia de dois
mecanismos:
- a inversão estrangeira;
- as exportações geradoras de ··excedentes .
Note-se que no que diz respeito às exportações e im
portações, a ênfase era posta
em
que, mesmo sem a indus
trialização, a periferia poderia beneficiar-se com o pro
gresso do Centro porque existiammecanismos igualizado
res no comércio internacional. E quanto aos investimentos
estrangeiros, ainda os mais ortodoxos proponentes de suas
vantagens, como Ragner Nurkse, reconheciam que eles
tendiam a concentrar-se nos setores colonial-exportadores
e que a estreiteza do mercado interno tornava-se um empe
cilho para atrair investimentos industriais para os países
subdesenvolvidos.
Assim, de alguma maneira, as teorias vigentes sobre o
desenvolvimento ou repousavam nas vantagens do comér
cio internacional, ou, de um modo ou de outro, acabavam
por aceitar o círculo vicioso da pobreza como elemento
limitativo fundamental das economias periféricas.
A formulação crítico-liberal mais prestigiosa sobre o
subdesenvolvimento, no início dos anos cinqüenta, provi
nha de
um
discípulo de Wicksell, que rompeu com a
ortodoxia: GunnarMyrdal. Com o olhar crítico treinado em
sua magistral obra sobre os negros americanos, Myrdal
incorporava as suas preocupações, desde
merican
Dilema
uma perspectiva estrutural . Suas análises foram
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ganhando densidade política como o atesta o
The Political
Element in the Development Economic Theory publica
do
Londres
1953. Mas Myrdal quando desenvolveu
sua hipótese sobre a causação circular e cumulativa - que
deu foros teóricos mais sofisticados e acrescentou elemen
tos criticos de teoria política à velha idéia do círculo vicioso
da pobreza - tinha presente muito mais a situação asiática.
Mesmo na coroação de seu trabalho intelectual
The sian
Drama
os males do subdesenvolvimento diagnosticados
supõemuma ampla economia camponesa e condicionantes
extra-econômicos do desenvolvimento baseados numa es
trutura de poder não secularizada.
22
No debate latino-americano - que versava sobre uma
região bem mais urbanizada e mais apendicular ao desen
volvimento capitalista do centro - o grande argumento
acadêmico era o da circularidade da pobreza graças ao
acanhamento dos mercados. O peso dos fatores extra-eco
nômicos era menos visível e impactou menos a teoria
econômica.
Nurkse emconferências pronunciadas no Rio emjulho
e agosto de 1951 colocou claramente a questã0
23
: a limitada
magnitude do mercado interno seria o maior obstáculo ao
desenvolvimento.
Como romper esta barreira?
A resposta de Nurkse também é clara. Em situações
marcadas pelo círculo vicioso da pobreza não se pode
confiar no automatismo da Lei de Say: é preciso que ela se
aplique de modo a produzir um efeito em cadeia. Comen
tando artigo anterior de Rosenstein Rodin sobre a indus
trialização do Leste e Sudeste europeus que mostrava as
limitações da concepção de uma oferta necessariamente
auto-solvente Nurkse diagnostica:
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- só o awnento de produtividade gera, realmente, ex
pansão de mercado (portanto, influxos monetários
não produzem mais que inflação e a exportação
r
se não resolve, se não que reproduz, o círculo vicio
so);
- entretanto, não basta wn
aumento isolado de produ
tividade: só o encadeamento e a complementaridade
básica produzida poruma onda de investimentos de
capital em várias indústrias rompe o referido círcu
lo;
- Schwnpeter,
com
sua teoria do empresário inovador
e das ondas sucessivas de atuação empresarial, daria
o suporte sociológico-econômico à teoria do primei
roimpulso
Apresentava-se, assim, wna elegante formulação da
chamada teoria do crescimento equilibrado,,24 baseada na
ampliação da magnitude global do mercado e no aumento
dos estímulos ao investimento industrial em geral.
A discussão - cujos desenvolvimentos não cabe acom
panharneste trabalho - sobre o
que
significa amplitude de
mercado
em
sua relação
com
tamanho da população e com
o espaço geográfico foi intensa, no início dos anos
5
E
nem todos os economistas dos países desenvolvidos con
cordaram com Nurkse. Este, embora, como veremos adi
~ n t tivesse posto mais ênfase para realçar a necessidade
,de capital estrangeiro do que a poupança interna para
awnentar a produtividade
r pit
e romper o círculo de
ferro do atraso, equacionou, através da teoria do desenvol
vimento equilibrado ,
um
pensamento
f vorável
à indus
trialização.
Albert Hirschman, com a sensibilidade que o caracte
riza, e sempre atento à dialética do inesperado, começou a
propor, em uma conferência ditada em 1954, uma estratégia
de desenvolvimento diferente.
m
vez de adotar a hipótese
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do crescimento equilibrado com sua evidente preocu
pação pela falta do capital, Hirschman assinalou que os
desequilíbrios fomentam, às vezes, reações corretivas. Su
geriu, também, que uma cadeia de exigências tecnológicas
poderia requerer novos investimentos; de modo que é
importante considerar os efeitos sucessivos que precedem
ou
seguem os investimentos. Mais tarde,
em
1958, Hirsch
m n publicou
Strategies Economic evelopment
onde
deu consistência teórica a suas hipóteses
em
relação aos
efeitos
em
cadeia, para frente e para trás backward and
forward linkages), como elementos-chave no processo do
desenvolvimento. Ao mesmo tempo seu livro veio relem
brar certas possibilidades importantes e despercebidas do
desenvolvimento econômico e inovação na América Lati
na, otimizando recursos e oportunidades disponíveis, a
despeito da escassez de capitais.
AlbertHirschman não foi um adversário das afirmações
da CEPAL sobre a industrialização, e sim
um
partidário
om senso crítico. Mostrou que no processo de acumulação
de capital o esforço criativo interno é mais importante, para
as estratégias do desenvolvimento, do que a lamentação
permanente a respeito da escassez do capital. Como sua
obra foi escrita durante a segunda metade da década de
1950, Hirschman pode ser considerado, entre os economis
tas não latino-americanos, como
um
pioneiro da defesa das
vantagens do planejamento e da intervenção pública na
economia. Algumas de suas explicações, como as referen
tes à inflação e aos problemas de balanço de pagamentos,
se aproximamdas considerações estruturalistas da CEPAL,
apesar de terem sido propostas independentemente.
Tanto Nurkse como Hirschman passaram, portanto, a
interessar-se não tanto pelos efeitos automáticos da teoria
das vantagens comparativas, como pelos problemas reais
do desenvolvimento: como acumular ou utilizar melhor o
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excedente para - através da industrialização - romper o
atraso e o subdesenvolvimento.
c Osm rx st s
Foi a partir da segunda versão leninista sobre o impe
rialismo que os economistas marxistas contemporâneos às
formulações iniciais da CEPAL propuseram seus esque
mas. Dobb utiliza o raciocínio marxista clássico: a expan
são de capitais ocorrerá na periferia porque a elevação da
composição orgânica de capitais nos países industrializa
dos acelera a tendência à queda da taxa de lucros; logo os
países coloniais, com trabalho abundante e barato e mais
baixa composição orgânica de capital, atrairiam investido
res extemos.
Baran, que publicou artigo em 1952 sobre
n
interpretation of economic backwardness , recolhe a
herança da segunda versão das relações Centro-Periferia de
Lenin, sem dar muita atenção à tradição de ortodoxia
marxista em parte retomada por Dobb) que via na indus
trialização da periferia uma conseqüência natural da expan
são capitalista mundial.
Com efeito, Baram aceita a tese da estreiteza do mer
cado como fator limitante do desenvolvimento: escas
sez de fundos de investimento e a falta de oportunidades de
investimento representam dois aspectos do mesmo proble
ma. Um número maior de projetos de investimento, não
lucrativos nas condições prevalecentes, poderiam tomar-se
mais promissores num ambiente geral de expansão econô
mica 27
Conseqüentemente, toma-se industrialista , pelo
mesmo argumento de que é preciso aumentar a produti
vidade e que a agricultura desenvolvida requer industriali
zação. Discute, endossando, os programas protecionistas,
de reformas fiscais etc., m s condiciona-os à análise polí
tica das estruturas de poder vigentes. Sem modificações
radicais destas, o programa de reformas toma-se ilusório:
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Para que os países atrasados entrem na via do cresci
mento econômico e do progresso social, a estrutura
política deve ser remodelada de maneira drástica. De
v
ser rompidas as alianças entre os senhores feudais,
os industriais conservadores e as classes médias capi
talistas p. 91).
Mais tarde, livro publicado 1957, Baran refor
mula seu ponto de vista. Mantém a crítica às condições
políticas negativas ao desenvolvimento, mas critica Nurkse
e Hans Singer, substituindo a idéia da inexistência de
capitais estreiteza do mercado) pela de utilização inade
quada do excedente econômico nos países subdesenvol
vidos. Limita também o alcance das hipóteses sobre a
deterioração dos termos de intercâmbio porque ela não
afetaria a todos os países, e porque a necessidade de cam
biais seria pequena
muitos deles.
28
Baran introduz a idéia de excedente econômico , mos
tra que existe uma utilização socialmente irracional dele e
que,
qualquer circunstância, sua aplicação adequada
solucionaria a alegada escassez de capitais. Os investimen
tos estrangeiros não resolvem, senão que agravam as dis
torções
no
uso do excedente.
Curiosamente, entretanto, Baran não soluciona uma
contradição
sua exposição:
- admite e desenvolve a crença marxista no dinamismo
do capitalismo e no papel da industrialização para
levar adiante o desenvolvimento negando a validade
da explicação mecânica de que são as aplicações
estrangeiras isoladas - estradas e energia p. ex.
queprovo m o desenvolvimento quando o processo
real segue, para Baran, a seqüência oposta);
conseqüentemente aceita a teoria do efeito cumula
tivo dos investimentos ao estilo de Rodin ver p.
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refonnas, o aumento de produtividade e o investimento de
capital estrangeiro pudessem alterar drasticamente as con
dições prevalecentes no subdesenvolvimento. Só uma re
volução socialista libertaria as forças produtivas e penniti
ria elevar o nível de vida das massas, através domelhor uso
do excedente disponível.
Mais recentemente, houve uma recolocação de teses
cepalinas por economistas marxistas. Arghiri Emmanuel
propôs, vinte anos depois de Prebisch, uma teoria do in
tercâmbio desigual . Só que, ao invés de explicar a desi
gualdade ao nível do sistema produtivo e das peculiaridades
da organização das empresas e da luta de classes, Emma
nuel pôs ênfase nas desigualdades ao nível das trocas
A partir daí houve toda uma derivação do debate esco
lástico marxista recente sobre a exploração no comércio
internacional e as taxas diferenciais de composição orgâni
ca do capital entre Centro e Periferia. Charles Bettelheim
critica - a meu ver com razão neste ponto - as proposições
de Emmanuel mostrando que exploração na teoria mar
xista refere-se a rélações
entre
classes o próprio capital,
naquela concepção, é uma
relação social de exploração
e
que não se deve esquecer que a desigualdade de taxas de
composição orgânica do capital entre ramos da economia
ou entre economias nacionais quer dizer, de proporção
entre o capital constante - máquinas e matérias-primas - e
o capital variável, os salários) é um efeito da desigualdade
do desenvolvimento dasforças produtivas
Estas, por sua
vez, dependem da desigualdade das condições sociais e
materiais da produção. Por isto parece inadequado falar
tennos de exploração ao nível do comércio mundial, sem
especificar os mecanismos da exploração de classe que a
29
provocam.
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déias na prática
É interessante notar que, embora o raciocínio de Pre
bisch e da
CEP
AL
estivesse baseado
na
necessidade impe
riosa
de
aumentar a produtividade
r pit
e de obter,
simultaneamente, a acumulação de capitais para elevar o
bem-estar da massa da população, este ponto foi sumamen
te criticado pela esquerda e pela direita. A esquerda criti
cou-o porque, outra vez, faltou a
expli it ção
dos mecanis
mos
pelos quais se compatibilizariam as duas metas; a
direita, porque não viu no Manifesto Latino-Americano
como foi chamado por Hirschman o documento de 1949)
mais do que uma acusação aos países ricos e um distribu
tivismo internacional que não tomava a sério a necessidade
de formar capitais e aumentar a produtividade.
Prebisch, entretanto, foi explícito. Mostrou que:
- o comércio internacional deveria ser ativo para aju
dar o crescimento da América Latina ver p. de
seu artigo da Revista Brasileira de Economia);
- o aumento da produtividade era indispensável;
- sem acumulação, não haveria desenvolvimento;
- porém insistiu que este processo não deveria dar-se
através da compressão do consumo popular que já
era baixíssimo.
Cito textualmente trechos do artigo mencionado:
Para formar o capital necessário à industrialização e
ao progresso técnico da agricultura, não pareceria in
dispensável comprimir o consumo da grande massa,
que,
em
geral, é demasiadamente baixo p. 51). Ainda
mais: se, por um lado, com o progresso técnico
se
consegue aumentar a eficácia produtora, e se a indus
trialização e
uma adequada legislação social por outro
lado vão elevando o nível do salário real, poder-se-á
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ções entre os centros e a periferia, sem prejuízo dessa
atividade econômica essencial a exportação primária)
p. 53). Prebisch chega a pôr limites à industrialização
e ao protecionismo, por conseqüência)
função
daqueles objetivos: se o propósito é aumentar o que se
chamou comjusteza de bem-estarmensurável das mas
sas, convémter presentes os limites além dos quais uma .
industrialização maior poderia significar perda de pro
dutividade p. 52).
políti s de desenvolvimento
Mais do que no debate teórico, as proposições cepalinas
abriram-se à critica quando passaram a sustentar determi
nadas políticas.
30
Em primeiro lugar, porque elas puseram
ênfase nos desequilíbrios estruturais e os economistas mais
preocupados com o curto prazo e com os aspectos monetá
rios do desenvolvimento viram nelas o risco de uma retó
rica anticapitalista. A discussão sobre a inflação na qual
não entrarei) é o exemplo conspícuo deste diálogo de
surdos.
No plano das metas básicas e dos instrumentos de
política econômica para alcançá-la, houve pouca variação
na posição
CEPAL durante os anos cinqüenta:
- industrialização e sadio protecionismo;
- política adequada de alocação dos recursos externos;
programação de substituição das importações;
- atenção especial para não diminuir ainda mais os
salários, no processo de industrialização e para evitar
a redução da capacidade de consumo das grandes
massas.
As questões eramobviamente candentes. A CEPAL foi
cuidadosa, até o fim dos cinqüenta, na proposição de me
didas social e politicamente espinhosas, como a reforma
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agrária e as políticas de equalização social. Mesmo assim
falar de controles cambiais e de progr m ção de investi
mentos aparecia aos olhares conservadores como algo
herético.
Alémdas declarações sobre o nível de vida das massas
em documentos como os transcritos acima a ênfase das
políticas cepalinas era posta na necessidade da industriali
zação programada
om
os necessários mecanismos de
controles cambiais. A implementação destas políticas su
punha entretanto a defesa da necessidade do deslocamento
dos centros de decisão para a periferia e conseqüentemen
te o fortalecimento da capacidade decisória e regulamen
tadora do Estado. Não é difícil portanto entender o porquê
da reação liberal-conservadora à CEPAL. Mesmo
sem
exacerbar a questão social suas idéias eram inquietantes.
Neste aspecto é curioso que de algum modo no plano
puramente ideológico na medida
em
que os fonnuladores
das soluções inspiradas no pensamento marxista também
criticaram a suposta existência de uma aliança feudal-im
perialista havia certa coincidência entre eles e algumas
das posições CEPAL. A linguagem era distinta os
fundamentos da explicação também mas ambas vertentes
viam no
xt rior
o inimigo principal e ambas coincidiam
em
que
sem
esforço interno para remover obstáculos ao
desenvolvimento - os setores tradicionais - não haveria
melhoria do nível de vida das massas. Estas coincidências
deram uma coloração levemente avennelhada ao pensa
mento cepalino.
Prebisch e a CEPAL assim como os representantes
deste pensamento nos países - o exemplo mais brilhante
foi o de Furtado
om
a SUDENE - mantinham-se finnes
quanto à necessidade de industrializar e programar. E
man :-
tinham o objetivo de aumentar o bem-estar das massas.
3
Não desdenhavam entretanto políticas específicas para
isto.
em se
pode pensar por outro lado que defendessem
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 58/247
o protecionismo à
outrance
Prebisch sempre defendeu a
necessidade de alguma concorrência. Sua desconfiança
frente ao estatismo de tipo soviético ia ao ponto de pergun
tar se os êxitos inegáveis da economia soviética - que o
deslumbravam - não se deviam mais
à
ampliação do siste
educacional e à mobilidade da sociedade soviética do
que à centralização excessiva.
32
Mais tarde, por volta do fim da década, a CEPAL
incorporou à sua luta pela industrialização e pela progra
mação econômicas a idéia da integração. Passou a propor
e a implementar a formação de mercados comuns latino
americanos: a ALALC e o Mercado Centro-Americano.
Não é difícil perceber que por trás destes esforços perma
nece a mesma idéia da estreiteza do mercado - a busca da
ansiada escala para os investimentos - e a noção política
de que através de blocos talvez fosse mais fácil contra
por-se aos interesses do Centro.
Não obstante, há uma grande área de indecisão no
pensamento cepalino sobre o desenvolvimento: a política
relativa aos capitais estrangeiros e a explicação da natureza
da acumulação proposta.
Uma vez admitida a tese de que o desenvolvimento
capitalista depende do desenvolvimento das forças produ
tivas do progresso técnico não abstrato
mas
incorpo-
rado
na produção social
33
) e que este depende e por sua vez
altera tanto a divisão social e internacional) do trabalho
quanto o modo como se dá a exploração a acumulação),
tornam-se iniludíveis certas questões:
- como incorporar o processo técnico: via importa
ção de tecnologia, através de desenvolvimento tec
nológico autóctone ou por intermédio de alguma
forma de combinação entre ambos? 4
Como assegurar um processo de divisão interna do
trabalho que favoreça a acumulação?
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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- Como expandir a participação do Estado na econo
mia, diretamente e através de impostos, para aumen
tar as probabilidades da industrialização?
- Comojustificar a acumulação, reconhecendo-se que
ela supõe trabalho acumulado: impunha-se alguma
teoria redistribucionista
explí it ou alguma teoria
socialista que enfatizasse a natureza de classe da
exploração capitalista?
A última questão, como disse, ficou na penumbra nos
textos principais, mantendo-se com vigor como meta, mas
s m que se explicitasse como alcançá-la, por razões óbvias
para
um
organismo da ONU dependente de governos rea
cionários.
As duas primeiras questões, entretanto, implicavam
uma discussão sobre o papel do capital estrangeiro. E esta
fez-se, até o fim da década dos 50, da forma inconclusiva.
No artigo de Prebisch de 1950 a receita sobre o como
acumular é a seguinte:
Para formar o capital necessário à industrialização e
ao progresso técnico da agricultura, não pareceria in
dispensável comprimir o consumo de grande massa,
que, m geral, é demasiadamente baixo. Além da pou
pança presente, as inversões estrangeiras, bem en mi-
nh d s grifos meus), poderiam contribuir para o au
mento imediato da produtividade por homem. Lograda,
por essa maneira, certa melhoria inicial, poder-se-ia
desviar uma parte importante da produção para a for
mação de capitais, evitando
um
consumo prematuro .35
O realismo de Prebisch o levou a ver com cautela a
contribuição do capital estrangeiro. Nas formulações ini
ciais
sua doutrina, ele aparece como recurso pro-tempo
re: é necessário aumentar a formação interna de capitais
para elevar a produtividade e o Estado é o agente de
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 60/247
torções inflação, alta propensão ao consumo, etc.), recor
rer-se-á ao capital estrangeiro.
m
1952 Prebischjá adver
tia para uma tendência cujos desdobramentos só foram
retomados nos anos 60: a de que havia
m
emergência a
formação de
um
novo mercado para as inversões estran
geiras e este era interno.
Criticava, entretanto, o capital
estrangeiro por não haver acelerado este processo. Com
este ânimo, ressalta o papel do capital estrangeiro:
Hace falta estimular estas inversiones, no solo por el
capital que aportan, sino también por la ayuda técnica
que traen consigo, por la propagación deI saber hacer,
de que tanto se necessita en estos paises .37
Noutros termos: sem explicitar no que consiste a divi
são
int rn
de trabalho que poderia propiciar a acumulação,
mantendo, por
um
lado, a fidelidade ao imperativo do
aumento de produtividade e buscando, por outro lado, não
diminuir os salários reais da massa de trabalhadores, a saída
para obter o impulso inicial seria:
- controle e realocação do excedente obtido pelas
exportações sobre as importações;
- desvio de recursos dos bens de consumo corrente
para o setor de bens de capital;
- recurso adicional - mas importante - ao capital es
trangeiro para acelerar tanto a formação de capitais
quanto o progresso técnico.
A trajetória posterior de Prebisch - que escapa aos
objetivos deste capítulo - foi conseqüente com esta visão:
tratadosmultilaterais de comércio internacional para defen
der o preço dos produtos primários - UNCTAD - e propo
sições para a multilateralização e aumento da ajuda exter
na , para a obtenção daquele mínimo de capital e técnica
adicionais para garantir o grande salto para frente
m
termos de industrialização e desenvolvimento.
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 61/247
Adaptações do pensamento cepalino às situações
emergentes
m
suas linhas gerais as páginas anteriores resumem o
pensamento da CEP
s
na fase de seu auge. O cotejo com
que se pensava na época indica a originalidade das propo
sições cepalinas suas fontes e suas limitações. Indubitavel
mente entretanto a argumentação teórica e as soluções
propostas - embora eu não tenha analisado com detalhes
estas últimas - mostram certa capacidade de repor temas e
soluções
m
função de uma situação histórica dada. Neste
sentido não
m
parece exagero dizer que há um pensamen
to econômico latino-americano. Seria ingênuo pensar que
ele não se nutriu dos modelos clássicos e de seus desdobra
mentos. Mas reaqueceu a herança teórica recebida para
tomá-la mais dúctil e capaz de explicar situações novas que
emergiram.
A part;ir de metade dos anos cinqüenta mais ou menos
ocorreu uma mudança no ritmo e forma do movimento
internacional de capitais e na própria organização das em
presas capitalistas internacionais. Estas transfonnações al
teraram a forma das relações Centro-Periferia. Não farei
aqui sequer a síntese deste processo. Basta indicar que a
atuação do que veio a chamar-se de Empresa Multinacional
aumentou consideravelmente. Mais ainda: estas empresas
- alguns velhos
trusts
transformados
m
conglomerados e
diversificando seus investimentos escala mundial ou no
vas organizações que surgiramcom este caráter - passaram
a
intensificar os investimentos industriais na periferia
Assim depois da Segunda Grande Guerra
pareceria
justificado o otimismo dos teóricos marxistas sobre os
efeitos que a expansão de capitais teria para a indus
trialização da periferia. Se até meados dos anos 50 a luta
em prol da industrialização periférica era
ao mesmo tempo
uma luta antiimperialista porque os trusts investiam pouco
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 62/247
no setor secundário da periferia a partir desta data a indus
trialização passou a ser
um
objetivo do capital estrangeiro
em alguns países da periferia. As relações entre as políticas
públicas as empresas do Estado e o capital externo toma
ram-se maiores e mais complexas.
Não obstante a percepção intelectual deste processo
deu-se de modo tardio na América Latina. A política nor
te-americana especialmente durante a época de Kennedy
e da Aliança para o Progresso aceitou parte da crítica
implícita nas análises cepalinas mas
mudou ênf se del s
Trouxe para o primeiro plano as discussões sobre os obs
táculos internos ao desenvolvimento - os sociais e políti
cos - e patrocinou explicitamente formas mais ativas de
cooperação internacional através da criação do Banco
Interamericano deDesenvolvimento que passou a financiar
projetos de salubridade de reformas agrárias de estradas
etc.
e
algum modo a CEPAL viu-se assoberbada por esta
política e nela quase naufragou teórico-ideologicamente. A
reunião da OE de Punta deI Este
em
1961 representa o
ponto mais esplendoroso do afã reformista político-social
americano
em
seu encontro com a crítica cepalina. Houve
a legitimação de temas antes perigosos como reforma
agrária reforma dos impostos planejamento etc. Mas hou
ve também o esquecimento momentâneo das questões es
truturais de base: os termos de intercâmbio a disparidade
do progresso técnico e dos níveis salariais reais entre Cen
tro e Periferia etc. A tal ponto que parece justificável dizer
que o pensamento cepalino desta época entrou na fase de
declínio relativo. A consistência e singeleza do momento
de auge sucedeu um período de crescente prolixidade e
imprecisão teórica nos textos da CEPAL.
Ao mesmo tempo em que mudava de relação entre
Centro e Periferia pelo deslocamento de capital produtivo
para a Periferia
39
e por sua fonua oligopólica o pensamento
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 63/247
econômico latino-americano registrava tendências à es
tagnação - confundindo o ciclo recessivo que se abriu no
início
década de sessenta com uma lei relativa à dificul
dade, se não à impossibilidade, do desenvolvimento da
periferia. Voltava, assim, e desta vez com força, uma
vertente da análise teórica inicial que havia ficado
segundo plano graças às preocupações corretas com o
dinamismo do sistema capitalista, que norteavam os me
lhores textos da CEPAL.
Apontei anteriormente a possibilidade deste desdobra
mento a partir de algumas das linhas analíticas da CEPAL.
Não obstante, esta não fora até aos anos sessenta a corrente
principal do pensamento cepalino. Parece que a crítica
persistente da esquerda recorde-se as teses de Baran de
1957) e o fracasso das políticas de industrialização para
manter o nível de salário real e para absorver a população
economicamente ativa - dado o crescimento demográfico,
as migrações rurais-urbanas e o impacto inicial do estilo
capital-intensivo da industrialização - acabaram por abalar
certas convicções bem assentadas na CEPAL e de indiscu
tível ancestro no pensamento econômico clássico tanto
liberal comomarxista). O
gr v mento
da balança externa
de pagamentos, no começo dos anos 60, acentuou ainda
mais as cores sombrias dos prognósticos da época.
Não se pense, contudo, que este movimento reflexivo
foi feito
desmedro completo do pensamento anterior.
As teses centrais permaneceram, voltando-se inclusive a
falar do caráter
temporário
da necessidade de recursos
externos. Não obstante, no documento que resume o pen
samento cepalino dos primeiros anos da década de sessen
ta
40
passam a ser introduzidos spectos soci is Contra
ditoriamente, o que poderia ter sido um
crescent mento
à
teoria, foi fator de perturbação quanto à análise da acumu
lação e do desenvolvimento.
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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Por quê?
Porque o caráter elíptico da referência à exploração de
classe, que ficava num segundo plano na análise original,
mostrou sua fragilidade na versão renovada. Passou-se a
criticar o consumismo das classes altas , a falta de mobi
lidade social para renovar as lideranças econômicas e a má
distribuição de rendas das sociedades subdesenvolvidas,
como se elas acarretassem distorções e obstáculos in
transponíveis ao desenvolvimento capitalista.
41
O mercado
de altas rendas, a imutabilidade da situação agrária, o
consumo suntuário etc. limitariam a própria utilização da
capacidade industrial
instalada. A estrutura monopólica
das empresas acrescida de um regime protecionista agrava
riam ~ t distorções.
As estatísticas mostravam que no início dos anos ses
senta diminuí o valor
r
pit em dólares das exporta
ções, que a deterioração dos tennos de intercâmbio se
acentuara, que diminuíram as exportações agrícolas por
que, supunha o documento de 1963, a demanda interna
cional deste setor declinaria nos países ricos Lei de Engel),
sem que diminuíssem as necessidades de importação indus
trial da periferia.
Por certo, estes fenômenos eram reais. Seu encadea
mento para explicar o movimento expansivo do capita
lismo, entretanto, levou a interpretações menos felizes que
sustentavam a ausência de uma re l dinâmica capitalista e
a dificuldade para a obtenção de re is efeitos de desenvol
vimento.
Nesta época, a distinção - de fundo moral - entre
crescimento e desenvolvimento popularizou-se. Este
último processo só ocorreria se houvesse melhor distribui
ção da renda e da propriedade, pennitindo um desenvolvi
mento mais completo do homem. Esta nunca foi, natu
ralmente, uma versão oficialmente endossada pela CEPAL,
mas era vulgannente adotada pelo pensamento crítico lati-
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no-americano. A fragilidade de tal colocação está m que
confunde a ríti so i list ao capitalismo com a inviabi
lidade dele. Na mesma época, na prática, as empresas
multinacionais haviamdeslanchado precisamente um enér
gico processo de acumulação capitalista na periferia, tr -
vés de formas de exploração que continham todos os ingre
dientes criticados acima.
O pessimismo dava a tônica dos escritos da época. No
decênio 1965-1975, contudo, não só o comércio mundial
foi extremamente dinâmico, como os termos de intercâm
bio, m alguns anos, chegaram a serf voráveis aos produ
tos agrícolas e minerais...
A história preparou dessa forma uma armadilha à onda
pessimista. Esta decorria de confusões entre os ideais re
formistas - que s foram explicitando nos documentos da
CEPAL - e a análise específica do desenvolvimento do
capitalismo. A incompatibilidade entre este e as desejadas
reformas motivava frustrações; contudo, o produto nacio
nal dos páíses periféricos que se industrializavam não
deixava de crescer e o progresso técnico se acentuava,
apesar das distorções .
Ainda assim, foram elaboradas hipóteses especifica
mente estagnacionistas, com algo de inspiração neoc1ássi
ca.
Alguns estudos cepalinos que não chegam a propor
hipóteses estagnacionistas não deixam de asinalar as con
seqüências da baixa relação entre produto e capital sobre o
estilo desenvolvimento.
43
O fato de que, desde então,
alguns países latino-americanos
s
viram submetidos a
regimes políticos autoritários permitiu a muitos economis
tas frisar de maneira crítica os obstáculos ao desenvolvi
mento e as conseqüências desastrosas das políticas econô
micas impostas a estes países.
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V Outra
vez idéias inovadoras?
estilo perverso de desenvolvimento
A crise teórica pela qual passou a explicação cepalina
e sua deficiência na compreensão das transformações que
ocorreram na economia mundial não foi, entretanto, pura
mente negativa. Sem esquecer que neste entretempo a
CEPAL como instituição continuou produzindo relatórios
substanciosos
foi também nesta época que houve uma
revalorização da crítica social. Os estudos sobre distribui
ção de renda - que persistiram como preocupação da Casa
- e as análises sobre a relação entre progresso técnico e
bem-estar social tomaram-se dominantes. A contribuição
mais criativa, nesta linha de pensamento, foi a de Aníbal
Pinto
4S
,
insistindo sobre a desigualdade
intern
da distribui
ção das vantagens obtidas com o aumento da produti
vidade. Pinto especifica no que consiste para ele a hetero
geneidade estrutural das economias latino-americanas co
mo
algo distinto das concepções dualistas. Ela resultaria de
uma marginalização social e de um estilo de desenvolvi
mento baseado
em
pólos de modernização, que provoca
uma tríplice concentração dos frutos do progresso técnico,
ao nível social, dos estratos econômicos e ao nível regio
nal p. 49).
Reconhecendo que houve um ressurgimento dos inves
timentos estrangeiros, Aníbal Pinto reafirma, entretanto,
que o motor do desenvolvimento continuava sendo o mer
cado interno. Alguns dependentistas
já
haviam demons
trado que não existia mais contradição entre investimento
estrangeiro e demanda interna, pois as multinacionais que
investiram nos setores de consumo durável dependem do
mercado interno. Aníbal Pinto reconhece - sem o explicitar
- que não existe estagnação a partir deste model0
6
, cujo
dinamismo não se baseiamais nos setores tradicionais da
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economia, nem nos de base , mas na produção de bens de
consumo duráveis, como autos, geladeiras, televisão etc.
Explicita-se assim que existe um estilo maligno de
desenvolvimento, na expressão de Ignacy Sachs, que
não
supõe
no plano nacional a efetividade dos efeitos de trickle
down provocados pelos investimentos e pelo crescimento
econômico. O estilo de desenvolvimento latino-americano
seria concentrador e excludente .
Este ponto de vista, empiricamente reconhecido e pro
clamado anteriormente por socioólogos e economistas crí
ticos, gerou
u
sem número de estudos e discussões, que
puseram ênfase na falta de capácidade de absorvermão-de
obra pelo tipo de desenvolvimento industrial vigente e nas
conseqüências dele sobre a concentração da renda.
A CEPAL, no relatório de 1968, reconheceu a discus
são e resumiu as interpretações correntes. Pedro Vuskovic
47
juntou-se à linha teórico-crítica de Aníbal Pinto, acrescen
tando-lhe conotações algo catastrofistas quanto
à
capaci
dade de emprego gerada por este estilo de desenvolvimento
e quanto à capacidade de investimento das economias
latino-americanas.
Não cabe fazer neste trabalho uma resenha pormenori
zada dos desdobramentos do pensamehto cepalino depois
que foi formulada a idéia de que
u
estilo perverso de
desenvolvimento estava
marcha.
48
O que parece conve
niente sublinhar é que se o diagnóstico dos anos iniciais foi
brilhante
comparação com as primeiras revisões do
começo da década de sessenta e do pessimismo mal posto
da mesma época,
o ponto vist um riti m is
r di l
ao próprio desenvolvimento capitalista, os equívo
cos estagnacionistas e o pessimismo que as situações de
maior dinamismo, como a brasileira de 1968-1975 mostra
ram ser pouco fundadas empiricamente) geraram dúvidas
e inquietações que permitiram ampliar o horizonte cognos
citivo quanto à natureza social e aos efeitos do desenvolvi-
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mento capitalista. Os textos de Aníbal Pinto e Pedro Vus
kovic, citados como exemplo, indicam a direção que o
pensamento latino-americano de inspiração cepalina toma
ria a partir daquela época.
dependência estrutural
Por volta de metade da década de 1960, dentro e fora
da
EP
L começara outra linha de interpretação - mais
sociológica e política - que, se não foi incorporada imedia
tamente ao pensamento da Casa, apareceria nos textos de
Vuskovic, de Celso Furtado e, especialmente, de Oswaldo
SunkeL Esta linha passou a ser conhecida como a teoria
d
d d
49
a epen encla .
Houve várias versões ao redor do mesmo tema. Como
indiquei noutro trabalhoso, as versões iniciais escritas na
própria CEP
L
entre 1965 e 1966 tentam retomar a questão
de por que não se produziram algumas das conseqüências
da industrialização periférica quanto ao curso do desenvol
vimento e acentuam, na resposta, alguns fatores que teriam
contribuído para isto:
o primeiro e principal diz respeito a que os investi
mentos estrangeiros deram-se como se viu acima)
no setor de produção de bens de consumo durável
fazendo que o ciclo de acumulação tivesse que com
pletar-se à escala mundial;
- especificando este processo, ele quer dizer que as
economias periféricas industrializaram-se, porém o
setor de produção de bens de capital Departamento
I na linguagem marxista) continuou a funcionar no
Centro. Portanto, o dinamismo derivado das inver
sões no mercado interno propaga-separa o centro a
fim de completar o ciclo expansivo do capital;
- isto quer dizer que as economias centrais e periféri
cas são interdependentes mas através de uma assi-
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em
ou mal entretanto estes estudos procuram apro
fundar alguns elementos já contidos nas explicações da
CEP L e explicitar tanto a questão do capital estrangeiro
quanto o da base de classes do desenvolvimento capitalista.
outro esenvolvimento
Por fim nesta já longa exposição sobre algumas con
tribuições e dificuldades do pensamento latino-americano
convémdizer mais uma palavra sobre a crítica da crítica .
O inconformismo com o estilo perverso do desenvol
vimento permitiu também uma análise - mais sociológica
- dos efeitos da expansão capitalista. Na CEPAL desde os
primeiros trabalhos de Medina Echavarría houve esforços
para ultrapassar o teor de racionalidade formal com que as
análises do desenvolvimento se contentavam. Marshall
Wolfe e seus colaboradores continuaram este estilo de
interpretações do desenvolviment0
5
\
opondo-se às análises
que se tomaram moda na ONU sobre desenvolvimento
unificado .
o invés de aceitar a nova versão de um padrão de
desenvolvimento necessariamente equilibrado tal como
foi proposta em alguns documentos do Conselho Econômi
co e Social das Nações Unidas Wolfe e outros sociólogos
da CEPAL sustentam que o progresso do desenvolvimento
capitalista é contraditório por natureza. A controvérsia
anterior entre as teorias baseadas na idéia de equilíbrio e
aquelas - como a de Hirschman - que põem o acento nos
efeitos desequilibradores do desenvolvimento reaparece
na discussão sociológica. Alguns textos da CEPAL apre
sentaram uma opinião crítica quanto à possibilidade de
existirem caminhos não contraditórios para o desenvolvi
mento como aqueles indicados pelos proponentes de uma
nova ordem econômica internacional e um estilo de
desenvolvimento autoconfiante e autônomo SJ.
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Não que a generosidade dos que propõem um outro
desenvolvimento seja incompatível com o ideário huma
nístico de certos setores do pensamento crítico latino-ame
ricano. Mas, sendo este pensamento herdeiro em sentido
amplo Escola Clássica liberal e marxista, com todas as
contradições inerentes) por mais eivado de contribuições
heterodoxas que enriqueceram e confundiram) as coloca
ções cepalinas, custa aceitar o utopismo libertário de que
se nutrem os novos críticos. Entre perplexo e desconfiado,
o ocidentalismo cepalino começa a mastigar conceitos e
valores que lhe são ainda profundamente estranhos.
Prebisch conseguiu, num de seus textos mais ecléticos
Transformación
y
Desarrollo: gran tarea de América
Latina, de 1970 , tragar várias modas: a questão do excesso
de população e de seu crescimento acelerado, os malefícios
relativos
tecnologia
capital-intensive,
a dependência, as
deformações da ocupação etc. Mas no trabalho recente
mente publicado Críticas a capitalismo periférico refaz
seu percurso teórico, numa espécie de reafirmação do
Manifesto de 1949 acrescido dos temas pertinentes: depen
dência, distribuição desigual dos frutos do progresso técni
co, democratização. O texto praticamente não quebra a
linha - clássica , eu ousaria dizer - da CEPAL. Não
abriga, neste sentido, temas ou explicações apenas hoc.
Não se vê no documento a incorporação das questões
relativas ao outro desenvolvimento .
Será isso, talvez, deficiência de umpragmatismo racio
nalista. Mas bempode ser a desconfiança de uma escola de
pensamento que, tendo tentado produzir idéias no contexto
de uma situação historicamente dada, visando encontrar
saídas diante de impasses estruturais, não quer mais con
fundir o eventual com o fundamental, o ciclo com tendên
cias unidirecionais inexoráveis, a moda e a retórica com
problemas centrais da sociedade e do conhecimento.
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Isto não toma o pensamento cepalino um estandarte
revolucionário, mas lhe assegura, pelomenos, certa consis
tência e permite que se faça sua crítica, a partir de pontos
de vista mais radicais semque seja necessário tratá-lo como
cachorromorto , na expressão usada por Marx quando se
recusou a minimizar a importância de Hegel.
-
modo de conclusão
A comparação entre as análises feitas pela CEP
sobre o comércio internacional e o desenvolvimento e as
concepções prevalecentes no mundo acadêmico àquela
época década de 1950) mostra que houve originalidade nas
formulações cepalinas. Críticas posteriores, embora reco
nhecendo,
em
geral, o avanço cepalino frente às teorias
neoclássicas e marginalistas, procuraram limitar a novida
de do pensamento latino-americano, mostrando que suas
formulações teóricas ficaram aquém do que Marx dissera
um
século antes. O argumento pode ser certo no que se
refira à teoria da acumulação, mas carece de perspectiva
histórica quando se refere aos problemas criados pela in
dustrialização da periferia e as peias que a teoria vigente
sobre o comércio internacional impunham àquela. As for
mulações cepalinas têm óbvias raízes no pensamento eco
nômico clássico e no marxismo e estão permeadas por uma
linguagem keynesiana. Esta ambigüidade dificulta a deter
minação do quadro teórico em que se move a análise.
A originalidade do pensamento cepalino, por outro
lado, não consistiu simplesmente
em
acentuar a existência
de uma tendência à reprodução das desigualdades entre
nações através do comércio internacional e de tê-la expli
cado pela existência de taxas diferenciais de salários e graus
distintos de progresso técnico entre o Centro e a Periferia.
Isto, por si só, já constitui uma perspectiva de análise mais
abrangente do que a implícita nas interpretações alternati-
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vas então vigentes. Mas a originalidade da CEP
L
reside
também no esforço para transformar esta interpretação na
matriz de
um
conjunto de políticas favoráveis à indus
trialização. Neste sentido, o pensamento da CEP
L
gerou
ideologias
e motivou a ação, abrindo-se à prática política.
Por isto mesmo, tomaram-se mais visíveis as debilidades
de uma análise que aponta as causas da desigualdade, mas
limita a crítica aos umbrais do tema,
sem
desvendar o
conteúdo de classe da exploração econômica entre Centro
e Periferia e na Periferia.
No plano propriamente teórico a originalidade da ver
são cepalina da teoria do desenvolvimento ficou mais im
plícita do que explícita. Na mesma década em que ela foi
formulada, economistas de Cambridge dedicavam-se a cri
ticar teoricamente a noção de função de produção e a
rever as teorias da acumulação.
m
96
Piero Sraffa
publicou o livro
Production
ommodities
by
Means
ommodities destinado a p r v ~ r nova volta aos clássi
cos . Nestes trabalhos, especialmente no de Sraffa, vê-se
como seria possível lidar de modo rigoroso com alguns
problemas relativos à teoria do valor e aos preços relativos
- problemas implícitos na análise cepalina - fazendo-se a
crítica cabal das teorias marginalistas.
Por certo, Sraffa volta a Ricardo e deixa à margem as
críticas de Marx àquele. Deixa
à
margem também a teoria
da exploração e suas conseqüências sobre a luta de classes,
para concentrar-se na demonstração do absurdo das formu
lações neoclássicas sobre função agregada de produção,
liberando-nos do absurdo através da lógica pura, sem
di
zer-nos, entretando, em que crer para explicar a acumula
ção. Não obstante, trata-se de uma
I
cópia de Ricardo
sumamente original, pois através dela resolve-se teorica
mente o problema da passagem de valores a preços e faz-se
crítica demolidora da teoria neoclássica sobre a função
agregada de produção .56
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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Existem pontos de contato entre a crítica da escola de
Cambridge às teorias neoc1ássicas e a crítica cepalina à
teoria dos fatores de produção e à otimização de lucros
relativos a nível
do
comércio internacional. Os pressupos
tos teóricos de Cambridge não englobam a discussão da
repartição da renda no mercado internacional, mas pode
riam, se redefinidos, explicitar melhor as implicações teó
ricas da crítica cepalina às teorias neoc1ássicas do cresci
mento econômico. Se os textos da CEPAL são mais abran
gentes do que os da escola de Cambridge na interpretação
do porquê das desigualdades - pois inc1uem as lutas sindi
cais e os fatores político-institucionais na determinação do
salário, e, implicitamente, incluem a exploração de c1asse
- ficam muito aquém deles no que se refere à análise
propriamente teórica da relação entre crescimento capita
lista e repartição da renda. mvez de orientar seu interesse
para problemas teóricos, os economistas cepalinos se limi
taram aos problemas práticos.
Nas análises cepalinas coexistem, sem integrarem-se e
a linguagen denota isto), explicações c1ássicas, marxistas,
keynesianas, neoc1ássicas e propriamentemarginalistas so
bre os mecanismos dos preços do mercado e do crescimento
econômico. A pouca atenção prestada à teoria econômica
- explicável pelo contexto histórico e institucional, mas
não, justificável dificultou o reconhecimento pelo mundo
acadêmico internacional da originalidade da versão cepali
na sobre o subdesenvolvimento e a desigualdade interna
cional. É tempo já para rever as avaliações feitas e reco
nhecer que, mesmo sem explicitar teoricamente suas des
cobertas, a escola da CEPAL endereçou críticas não res
pondíveis à teoria neoc1ássica sobre o comércio inter
nacional. Refazê-las, sob a inspiração de Sraffa, é uma
tarefa tentadora para economistas teóricos que queiram
utilizar velhos modelos para dizer coisas originais.
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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A reposição de idéias
em
novos contextos, longe de ser
um
processo meramente repetitivo, implica num enrique
cimento. Se existe
um
mundo para o qual o símile do motu
contínuo é inútil, este é o do pensamento: o percurso da
mesma idéia noutro universo histórico-cultural faz dela
outra coisa. Penso que as formulações cepalinas consti
tuem, neste sentido, um bom exemplo de originalidade:
versaramsobre uma temática que se antepôs ao pensamento
para enfrentar os problemas que surgiram na prática eco
nômica e, partindo embora do instrumental de análises
produzido noutros contextos, tiveram que refazê-lo para
tentar explicar uma situação de desigualdade no comércio
internacional e justificar políticas favoráveis industriali
zação periferia. Se mais não foi feito, foi porque, como
acentuei, o radicalismo crítico da
EP
L estava contido
por sua posição político-institucional - pois ao fim e ao
cabo trata-se de
um
órgão intergovernamental - e porque
faltou élan para propor a temática abordada na perspectiva
de uma teoria da reprodução e da acumulação capitalista.
Se mencionei a escola de Cambridge e a Sraffa foi para
indicar que mesmo dentro dos acanhados limites político
institucionais da CEPAL,
sem
assumir a crítica marxista
como ponto de partida, seria possível ter avançado mais e
mais rigorosamente na crítica à economia acadêmica vul
gar, então como hoje) predominante.
Dizer, entretanto, que uma perspectiva de análise inte
lectual poderia ter ido mais longe não implica em negar os
avanços feitos por ela. Ao contrário, creio que é próprio da
boa teoria deixar o leitor
com
água na boca. Só os dogmá
ticos preocupam-se
com
cerrar o círculo do conhecimento
e produzem sistemas que criam a ilusão de que eles são
como a velha esfinge que dizia decifre-me, oumorres . A
criatividade
na
ciência mede-se pela gula que uma teoria
desperta em seus seguidores para superá-la e fazê-los ter de
dizer:
sem
esta brecha, não teria podido abrir atalho que
me
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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permitiu ver mais longe. A CEPAL produziu idéias que
ajudaram a compreender, em seu momento, alguns dos
problemas centrais da acumulação capitalista na periferia e
alguns dos obstáculos que se lhe antepõem. Não há portanto
que escrever lápides para suas idéias. Elas se modificaram
e, trocando de pena como sói acontecer com idéias-força,
continuaram vivas, às vezes noutras instituições ou com
outras cores, ao mesmo tempo em que deixaram pelo
caminho os segmentos mortos, como costuma ocorrer
com
todas as interpretações científicas.
Cambridge
1977).
OT S
1. A obra central de A.C. Mello e Souza é Formação da Literatura Brasileira São
Paulo, Livraria Martins, 1959, 2 voltnnes. Outro importante sociólogo das idéias, Roberto
Schwarz, escreveu, entre outros trabalhos, As Idéias fora do lugar in Estudos CEBRAP
São
Paulo, n. 3 jan. 1973.
2. João Cruz Costa,
Contribuição à História das Idéias
Brasil
Rio de Janeiro,
Livraria José OIympio Editora, 1956, esp. capítulos III e IV.
3. Ver Ohlin, B. Illterregional alld Illtemational Trade Cambridge, Harvard
University Press, 1933.
4. O livro de Ohlin elabora a teoria de Hecksher e
Ule
outorga
maior
consistência.
Ver
Hecksher,
The effects
of
foreign trade on the distribution
01
income in
AmericanEconomic Association,
Readillgs
ill
tlle Tlleory ofllltematiollal Trade
Phila
delphia, 1949.
5. VerOhlin,
op. cit.
especialmente p. 39, parágrafo 3,
The
gain from illtemational
trade .
6. Ver Samuelson, P., International Trade and the Equalization of Factor Prices ,
in
EconomicJournal
June 1948, particulannente p. 67.
7.
Ver
Haberler, G., A survey
of
lhe international trade lheory , edição revista e
aumentada SpecialPapers
in
International Economics
n. I, Princeton University, 1961.
Haberler se refere a A.
Lemer
devido à sua contribuição
em
linhas gerais sintilar ver
Lemer
A., Factorprices and International trade , in Ecollômica feb. 1952).
8. ConsultarMarx Engels, Colollialism Moscou, Foreign Languages Publis
hing House, s.d.
9. Paul Singer escreveu recentemente um trabalho sobre A Divisão Illtemacional
do Trabalho e Empresas Multinacionais , in: Queiroz, M.V. et allii,
Multill{/ciollais:
illternllcionalização e crise
São Paulo,
CEBRAP
1977 CademosCEBRAP, 28), no qual
resume os aspectos relevantes dessa problemática. Retirei as anotações para fim de
brevidade - deste ensaio, p. 6-11; o estudo
de
Singer coloca na perspectiva histórica
adequada o pensamento desses autores.
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10. Lenin, tese de 1920, in La Guerra
la Humanidad México, Ediciones Frente
Cultural, 1939, apud Singer, P.,
op. cit
• p. 2
l i
As análises das páginas seguintes, sobre a década de 1950, estão baseadas
em
documentos da CEPAL ou de Prebisch. Para os primeiros a colaboração de econOlnistas
como Celso'Furtado, luan Noyola, Regino 80tti e outros foi de grande valia.
É
difícil
aquilatar as contribuições individuais pois nãohá estudos a respeito. O ensaio de Prebisch
(EtCN. 12t89/Rev. I) foi reimpressono Boletin Económico da América Latina, Santiago
de Chile, 7
(1),
feb.f62, publicação citada de agora
em
diante. Albert Hirschmiln chamou
este ensaio de Manifesto da CEPAL - ver Hirschman, A., Ideologies of economic
development in Latin America, in A bias for I/Ope Essays on developllll 1lI n Lalin
American Yale University Press, 1971, p 280-281 publicadooriginariamente em 1961 .
12.
Porque
a renda no centrocresceu, contraditoriamente, mais do que na periferia?
Durante a crescente, uma parte dos benefícios se foi transfonnado
em
alUnento de
salários, pela concorrência dos empresários
lUlS
com
os outros e pela pressão sobre todos
eles das organizações operárias. Quando, na núnguante, o benefício temque comprimir
se, aquela parte que se transfonnou
em
ditos aumentos perdeu, no centro, sua fluidez,
em
virtude da conhecida resistência
à
baixa dos salários. A pressão se desloca então para a
periferia
com
maior força que a naturalmente exercível caso não fossem rígidos os
salários e os lucros no centro
em
virtude das linútações da concorrência. Assim, tanto
menos possam comprimir-se as remlmerações no centro, tanto mais terá de fazê-lo na
periferia , Prebisch, R.,
O
desenvolvimento econônúco da América Latina ,
op.
Cil
p
6
3
.it follows lhat lhe exchange values ofmanufactured articles. compared with
lhe products of agriculture and of mines, have, as population and indllStry advance, a
certain and decided tendency to fali, MlLL, l.S. Principies of Polilical Ecollomy
AschIey Editron, p. 703.
14. Hans. Singer, The distribution of gaillS between investing and borrowing
countries , American Economic Review, maio de 1950, p 472-499.
debate sobre os
tenns of
trade continuou por muito tempo. Existem, obvia
mente, variações cíclicas que afetam a relação de trocas. Não obstante a tendência à
deterioração parece confinnar-se pelas estatísticas. Ver, por exemplo, tabela 3
do
Economic Survey ofLatin America 1973, à p. 36, a este respeito. No ESlIIdio Ecollólllico
de 1949 a CEPALapresentou dados que aprofwldavamas cOllSeqüências da tendência
à
deterioração dos termos de troca. Convém ressaltar que a idéia de IUlla deteriorização
permanente da relação de preços
do
intercàmbio não desempenha wn papel essencial nas
consideraçõesmais firndamentais da CEPAL a respeito do bloqueio da t r a l l f e n ~ n c i a dos
frutos do progresso técnico. A CEPAL sugeriu que a situação de subdesenvolvimento
podia ser superada somente pela industrialização a qual aumentaria a migração rural,
diminuindo o peso do excesso da força de traballlO agrícola, tàcilitando a tecnificaçào da
agricultura e afetando os custos da força de trabalho pelo alUnento dos lúveis salariais.
conjunto desses fatores'implica preços altos para os produtos primários e melhores
oportwúdades para a l.ra1lSferência do progresso tecnológico do l ~ n t r o ã Periferia.
5 Como já afinnei, Prebisch não postulounenlnuna
l l
a
respdto
uma piora
inevitável dos tennos do intercâmbio. Ele tratou somente de explicar certos acllados
empíricos, propondo uma úpótese de interpretação e sugeriu alglUnas medidas práticas
para enfrentar a difícil situaçào econônúca nos países pcrifóricos. Haberler interpretou
mal as idéias de Prebisch desde o início mesmo de sua critica.
16. A crítica mais cOllSistente
à
existência de tal tendência - deixando-se de lado
as infindáveis objeções metodológicas quanto aos anos base, aos países de referência, à
confiabilidade dosdados etc., foi a de Gottfried Haberler, em Los tenninos de intercam
bio y el desarrollo económico , inH.S. Ellis, El desarrollo económicoyAmérica Latilla
México, Fondo de Cultura Económica, 1957,
p
325-351. A citaçào acima está na p. 349.
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pensamento teve influência decisiva nas teorias
do
crescimento acelerado , dos anos
1965-1975.
26. Dobb, Maurice, Economia Política y Capitalismo, Fondode cultura Económica,
México, 1945, capo VII (edição inglesa de 1937). Paul Singer ch.ama atenção para o
desdobramentocontraditório
do
pensamento de Dobb que, depois de mostrar que haveria
investimentos na periferia para contornar a tendência à queda da taxa de lucros, diz que
a produção industrial nas colônias será complementare não rival à da metrópole op. cit.,
p 16
27. Paul Baran,
Ou
lhe political ecnonomy of backwardness , in Agarwala
Singh, op. cit., p. 83.
28. O livro de Baran, 17ze Po/itica/ Economy ofGrowtlz, Monthly Review Press,
Nova Iorque 1957, é curioso a respeito da posição da corrente neomarxista americana
frente às questões
do
desenvolvimento. Baran fez a critica sistemática da solução
proposta por Nurkse e aceita,
com
limitações, por Prebisch, sobre o papel dos investi
mentos estrangeiros; vide capítulos VI e VII.
29. Mais recentemente, economistas africanos e europeus desenvolveram uma
teoria chamada de I'échange inégal que, olhando para os efeitos
do
desenvolvimento
do capitalismo à escala mundial (como SamirAmín), propuseranllUll esquema
do
mesmo
tipo, mas alinhando formalmente de modo oposto às causas da desigualdade: partem de
que porque as indústrias do centro são monopolistas os preços baixam e por isso os
trabalhadores podem conseguir salários maiores. Cf. Sanúr Anún,
Le deve/oppemellt
inéga/, Editions de Minuit, Paris, 1973. O flUldamento teórico de Anún encontra-se em
seu livro L accumu/ation
/ éclzelle mondia/e, Editions AnÚrropos, Paris, 1970. Refa
zendo a critica à teoria da Divisão Internacional do Trabalho, alémde A1nin, vários outros
economistas retomaram o tema cepalino (embora não conhecessem todos os textos
escritos vinte anos antes por Prebisch, Furtado e outros). Ver A Enunanuel, L éclwnge
inéga/, François Maspéro, Paris 1972. Como reação a todas as correntes, desde as
cepalinas até as do intercâmbio desigual , Christian Palloix critica-os por não terem
visto o desenvolvimento interno das forças produtivas da periferia. Esquece-se porém
das teorias da dependência e não faz a articulação entre a reprodução interna e a
expansão do capitalmonetário internacional. Ver Christian Palloix, L économie mOlufia-
e capita/iste, François Maspéro, Paris 1971.
30. A melhor discussão sobre a CEPAL e sua estratégia de desenvolvimento
encontra-se em Alber Hirschman, Ideologies of EconOInic Development in Latin
America , inA Bias rHope, op. itoEsteensaioe o outro
do
mesmo livro, The Political
Economy
of
lmport-Substituing Industrialization in Latin
A111erica
são básicos para a
compreensão da rustória das idéias e
do
processo de desenvolvimento.
31. significativa a este respeito a conferência de Prebisch. sobre aPlanificación
Económica , publicada
em
Panorama Económico,
n. 231, de Santiago, onde afirma:
Medianteo planejamento, queremos redistribuir a renda, depois de havê-Ia ~ u m e n t d o
em
favor das massas populares (p. 149).
32. Ibidem, p. 150.
33. Prebisch nlUlca aceitou as teorias populistas sobre os males do progresso
técnico. Não obstante, alertava, desde 1952, para o problema do emprego e para a
necessidade de adaptara tecnologia às condições sócio-econônúcas locais. Seu trabalho
sobre Problemas teóricos y prácticas dei crecimiento económico , de setembrode 1952,
reimpresso pela CEPAL em 1973, é extremamente. arguto e atual neste aspecto. Ver
especialmente p. 9-10 da reimpressão.
34. Convém, não obstante, repetir que, desde o trabalho de 1949, Prebisch tem
presente que para alterar a relação Centro-Periferia seria preciso transferir tecnologia
sem
desclÚdar de sua adaptaçãodevido aos probleInas de desemprego e seria conveniente
industrializar mas
sem visar a autarq/lização.
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35. R Prebisch, op cit p. 3.
36. Prebisch, Problemas teóricos
prática dei crecimiento económico ,
op cit
p. 7. Ahora las inversiones estranjeras
son
llamadas preferentemente ai desarrollo
de
actividades intemas .
No
ensaio escrito
por
Faletto e
por mim em
1966-67, sobre
dependência, damos ênfase exatamente às conseqüências deste processo. Baram perce
bera-o apenas tangencialmente. As análises sobre o imperialismo retinham muito mais
os
aspectos ligados
ao
colonialismoe à exploração tipo enclave
ou
de produtos primários
do que
a industrialização
com
miras
ao
mercado interno. Mesmo mais recentemente,
autores sofisticados
como
Mandei continuaram a pensara relação entre centro e periferia
à luz das velhas relações imperialistas-exportadoras.
37. Prebisch: Problemas teóricos etc. p. 8 Note-se, entretanto, que no mesmo
texto Prebisch mostra
que
os países periféricos devem fazer o esforço de capitalizar a
produção primária para poder melhorar o nível de vida da população e
que
Ia inversión
estranjera, que antes era el elemento principal na produção primária), passa a ser ahora
elemento suplementario,
si
bien
de
considerable importancia p. 42).
38. Para
uma
antologia contendo os principais textos,
ver
América Latinjl; EI
Pensamiento
de
la CEPAL, Editorial Universitaria, Santiago, 1969. Para avaliar a forma
como se
transmitiam
os
ensinamentos da CEPAL ,
em
meados
de
1960, ver as
apostilhas da cátedra
de
Desenvolvimento Económico , feitas
por
Oswaldo Swlkel e
seus
colaboradores o livro
de
Swlkel e Pedro Paz
EIsubdesarrollo larinoamericano
y
la
teoría dei desarrollo·
México, Siglo XXI, 1970, agrega
já
outros desenvolvimentos
do pensamento latino-americano). •
39.
Ver
o estudo da CEPAL,
Eljinanciamelllo extemo de América Latina ONU
Nova Iorque, 1964.
40. Raul Prebisch,
Hacia una dinámica dei desarrollo larinoamericono
Fondo de
Cultura Económica, México, 1963.
41. Deve
se
nolllr
que
Prebisch levou em conta a possibilidade, e provavelmente a
necessidade,
de
realizar esforços internos de acwllulação
de
capital
que
implicavam
restrições
no
nível
de
conswno das classes altas. Mas ele não apresentou o arglUllento
de
uma
maneira estagnacionista .
42. Celso Furtado, Subdesenvolvimelllo e Estagnação América Latina Rio de
Janeiro, Editora CivilizaçãoBrasileira, 1966, procuroumostrar que a produção industrial
concentrava-se
em tomo
dos bens
de
luxo,
com
alta densidade de capital por traballiador
com
relação à densidade média da economia, o que levaria a
wna
baixa da relação
produto/capillll e amaior concentração fWlcional da renda. A baixa relação entre produto
e capital deprimiria a taxa
de
lucro, desestimularia investimentos e reduziria a poupança.
Havendo ofem abWldantedemão-de-obra e alta relação capital/trabalho, concentrar-se
ia a renda e perpetuar-se-ia o esquema. Apesar
do
esquematismo
do
argumento acima e
de seu equívoco, é muito valiosa e instrutiva a caracterização das contradições típicas
que
afelllm o desenvolvimento capitalista dívida externa, inflação, falta de capacidade
de conswno
das massas etc.) feita
no
mesmo livro.
43. Ver,
por
exemplo, o estudo deMaria da Conceição Tavares - sob inspiração
de
Arubal Pinto -
Auge
y
declínio dei proceso
de
sustituición de importaciones in
Boletin
Económico de América Latina
Santiago, 9) n. I , março de 1964.
44. Cito, além dos relatórios anuais, e cingindo-me às análises econômicas, dois
traballios importantes:
a) EI desarrollo económico de América Latina en posguerra Nações Unidas, n 64,
n
G 6, novembro
de
1963.
b)
EI proceso de industrializoción de América Latina
Naçôes Unidas, 66, n G 4,
dezembro de 1965.
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45. Arubal Pinto, La concentración dei progreso técnico y de sus frutos en el
desarrollo latinoamericano . Trimestre Económico n. 25, jan.fmar. 1965 e Heteroge
neidade estrutural e modelo de desenvolvimento recente , in osé Serra coordenador
América Latina ensaiosde interpretação econômica Paz e Terra, Rio 1976. Trata-se da
tradução brasileira da coletânea publicada antes no México. A introdução de Serra,
desenvolvimento da América Latina: notas introdutórias , é
um
excelente guia para a
análise do período.
46. A crítica geral
à
hipótese estagnacionista encontra-se
em
Maria C. Tavares e
José Serra, Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento
recente do Brasil ,
inJ.
Serra, p cit A versão inicial do trabalho é de 1970. Quanto eu
saiba não houve crítica explícita anterior a esta.
47. Ver Vuskovic, Pedro, Concentración y marginalización en cl dcsarrollo
latinoamericano , 1969 e A distribuição de renda e as opções de desenvolvimento in
Serra, op cit publicado originariamente em 1970.
48. Vi1mar Faria analisa beme comdetallles estes desdobramentos. V
cr
sua Ph. D.
Dissertation, Occupational marginality, employment and poverty in urban Brazil ,
Harvard, 1976, esp. p. 41-49. Para uma resenha sobre os pontos de vista estagnacionistas
na
CEPAL, ver p. 37-40 da tese de Faria.
49. Apresentei
no
ILPES,
em
1965, a primeira versão de
um
estudo sobre depen
dência
em
relação ao desenvolvimento. Depois desta versão, Faletto e eu publicamos
Dependencia y Desarrollo en América Latina México, Siglo XXI, 1969, cuja versão
mimeografada data de 1967, versão brasileira: Dependência e Desenvolvimento na
América Latina Rio de Janeiro, Zahar, 1970
(3
ed. 1973).
50. Cf. F.H. Cardoso,
consumoda teoria da dependência nosU.S.A. , Princeton,
1976, capítulo deste livro. Ensaios de Opinião Rio de Janeiro, (4): 6-15, 1977.
51. Francisco de Oliveira chama a atenção para uma diferença essencial, derivada
desta situação, quanto
à
forma do ciclo de endividamento extemo atual e o que prevalecia
no período agró-exportador e na fase inicial do processo de substituição de importações.
É que se antes do problema se
pw1ha
ao
nív e1
das trocas mercantis para financiar a
expansão futura do setor de mercado intemo, agora, depois da internacionalização do
capital produtivo, é o ciclo de realização do capital financeiro a nível mlUldial quem
comanda este processo. E a resolução dos gargalos no balanço de pagamentos passa a
ser básica para a realização dos lucros do próprio capital financeiro e produtivo intema
cional aplicadosna periferia. Cf. Oliveira,
F
Mazzuchelli,
F
Padrões da acmnulação,
oligopólios e Estado no Brasil: 1950-1976. In: Martins, C.E., org. Estado e Capitalismo
no Brasil São Paulo, CEBRAP/HUCITEC.
52. Ver Marshall Wolfe. Desenvolvimelllo: para que e para quem? Paz e Terra,
Rio 1976, que reúne seus principais traballios durante os últimos quinze anos. Ver
também Jorge Graciarena, Poder y estilos
de
desarrollo. Una perspectiva heterodoxa ,
Revista CEPAL
1
1976.
53. Ver o estimulante paper de José Medina Echavarria, Las propuestas de
un
nuevo ordem internacional
em
perspectiva , CEPAL, novembro de 1976 (textomimeo
grafado).
54. Ver in Revista
del
CEPAL n. 1 Santiago, primer semestre de 1976,
p
7-74.
55. A mais desafiadora das críticas parece-me ter sido feita por Francisco de
Oliveira, A economia brasileira: crítica li razão dualista. ESTUDOS CEBRAP São Paulo
(2): 3-82, oul. 1972.
56. Não cabe, neste traballio, digressão maior sobre o terna, que de resto escapa à
competência de
um
sociólgo. O que Sraffa evidencia é a fragilidade do suposto neocllis
sico da possibilidade
de
medir-se a relação entre produto-por-homem e capital-por-11O
mempara o conjunto da economia sem tomar
em
conta o valor, posto que os bens físicos
medidos sãoheterogêneos. Conseqüentemente, é precisoconhecer-se os preços ~ e l l t i v o s
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os quais a largo prazo
p n m
das condições téclÚcas vigentes relação entre bens
de nslUll e de produção e da distribuição do produto entre capital e trabalho. Não é
possível portanto optimizar os fatores de produção como se capital salários e
tecnologia fossem dados e rentáveis segwldo uma relação técnica entre eles.
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pítuloll
A DEPENDÊNCIA REVISITADA
o título deste capítulo, que constitui apenas um conjun
to de notas, não é adequado para marcar seu propósito
limitado. Desejo dar ênfase apenas a alguns problemas
teóricos relacionados com os estudos sobre dependência,
no contexto de uma percepçãomuito pessoal sobre o tema.
Não farei, põrtalito, um esforço para dar um balanço sobre
os inúmeros (talvez excessivos) trabalhos escritos sobre o
assunto nos últimos anos, nem estarei preocupado com a
discussão sistemática da teoria da dependência .
Desejo somente tentar esclarecer algumas das confu
sões que me parecem obscurecer os alcances e limites das
análises baseadas na perspectiva teórica dos estudos sobre
a dependência . Os subtítulos indicarão que aspectos do
assunto serão considerados neste capítulo.
I - A História Intelectual do Conceito de Dependência
Quase todos os conceitos manejados pelas ciências
sociais podem remontar a autores que, por critérios vários,
são considerados clássicos. Parece-me destituído de senti-
Publicado originahnente como Notes
u
l état actuel des études
u
la dépen
dance , Dakar: Institut Africain de Développement Économique et de Plalúfication.
set/1972.
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do enobrecer uma idéia pela antiguidade dela. As noções
básicas têm uma longa tradição. Mas o que conta para
avaliar a vitalidade intelectual delas é a recolocação que é
passível de sofrer sempre que alguma corrente intelectual
vigorosa trata de repensar processos sociais antigos ou,
servindo-se de velhas abordagens e noções, trata de carac
terizar processos emergentes.
Isto ocorre também com a noção de dependência. Por
certo, mesmo sem remontar para trás do século XX, na pena
de Lenin e de Trotsky, por exemplo, a expressão
depe l-
dênci ocorreu com certa freqüência. Da mesma maneira a
referência à dependência é comum em autores que, elabo
rando o óbvio, se referem a situações de dominação. Lenin
formulou, com simplicidade, o principal sobre a depen
dência como uma forma de articulação entre duas partes de
u mesmo modo de produção e sobre a subordinação de
u modo de produção a outro. Não vou repisar o que é
conhecido.
Entretanto, há um hiato de meio século entre a voga
atual das análises sobre a dependência na literatura latino
americana e as formulações dos clássicos do marxismo.
Convém indagar, portanto, por que e como ressurgiu a
mesma ou será outra?) noção.
Eu diria, simplificando, que existem três vertentes di
versas embora não mutuamente exclusivas
termos de
história intelectual) que contribuírampara fazer ressurgir a
noção de dependência. Estas três vertentes são: as análises
inspiradas na crítica aos obstáculos ao desenvolvimento
nacional , as atualizações, a partir da perspectiva marxista,
das análises sobre o capitalismo internacional na fase mo
nopólica e, finalmente, as tentativas de caracterizar o pro
cesso histórico estrutural da dependência termos das
relações de classe que asseguram a dinâmica das socieda
des dependentes, ligando a economia e a política interna-
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cionais a grupos e interesses locais e gerando, no mesmo
movimento, contradições internas e luta política.
A diversidade das correntes intelectuais que inspiram
as análises de dependência levou-as a um certo ecletismo.
Por isso, houve reações críticas que procuraram pôr a n u o
mal de origem das teorias da dependência , encontran
do-o diferentes níveis. Na tentativa de fazer o exorcismo
do pecado original do pensamento latino-americano, os
críticos identificaram erros e desvios que vão do
na-
cionalismo
pequeno-burguês ao
esquematismo marxis-
ta
que explica tudo pela
dependência externa
Ou então
buscaram insinuar que a dependência era expressão rebar
bativapara obscurecer o mesmo fenômeno mais claramente
caracterizado pelas análises do imperialismo
Na medida em que estas críticas são feitas inespecifi
camente, jogando vala comum os diferentes estudos
sobre a dependência, elas são ao mesmo tempo corretas e
falsas. Mesmo quando corretas, entretanto, são estéreis.
Parece-me, de fato, que o problema não está
saber
se as análises da dependência constituem o último grito
independentista da ideologia embebida no patriotismo eco-
nômico latino-americano depois de falidos os intentos do
desenvolvimento nacional autônomo, ou, noutra versão, se,
última análise, a dependência é mera conseqüência do
estágio atual do desenvolvimento do capitalismo interna
cional na etapa monopólico-imperialista. Nem sequer está
repetir que o motor da história é a luta de classes e
portanto a única perspectiva adequada para a análise do
processo histórico nos países dominados é o de assumir a
perspectiva de classe . Essas afirmações são lugares-co
muns, com as virtudes e limitações do óbvio: contêmgrãos
de verdade, perdidos no amálgama confuso da inestrutura
ção teórica.
A questão correta reside
perguntar por que, sendo
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lização crescente, que as sociedades se dividem
m
classes
antagônicas e que existe uma relação entre o particular e o
geral, com estas premissas não se vai além da caracte
rização parcial e portanto abstrata, no sentido marxista , da
situação sócio-econômica do processo histórico latino-a
mericano.
Neste sentido, a questão inicial (no plano lógico) é antes
de mais nada uma questão teórica e uma questão metodo
lógica. A crítica às análises de dependência e a inter
pretação sobre o alcance delas deve centrar-se portanto
sobre a teoria e a metodologia que a informam.
Antes, entretanto, de discutir (ou indicar) estes proble
mas (como farei na secção seguinte), convém esclarecer
que eles
só aparecem historicamente como postos e resol
vidos depois de um processo de produção intelectual que
não se desliga do processo histórico de transformação das
sociedades que estão sendo analisadas.
om efeito, na perspectiva marxista, o conceito não se
produz pelo desdobramento da Razão sobre si mesma.
Assim, não seria devido pedir que a dependência enquanto
teoria pudesse constituir-se pelo desdobramento lógico
dialética abstrata das oposições entre conceitos anterior
mente constituídos. Embora hoje seja possível dar a im
pressão de que assim é (basta formàlizar os conceitos e
derivar conseqüências lógico-metodológicas da teoria so
bre a expansão e a negação do capitalismo), a ordem
histórica da pesquisa e da elaboração dos conceitos é dis
tinta. E esta distinção não é acidental , nem deriva da
falta de rigor metodológico dos autores que elaboraram
o tema da dependência. Ao contrário, ela deriva de que as
categorias e teorias são constituídas na prática política e na
. prática intelectual de um conjunto de pessoas socialmente
situadas.
Neste sentido não existe (senão logicamente) uma níti
da separação entre conceito e história, entre teoria e políti-
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ca. conceito nasce impuro na luta prática teórica e
política). No teste real para sua adequação, a teoria se
consolida na medida em que permite ver mais claro o
processo real. Mas, repito, o esforço de ver mais claro o
processo real não decorre simplesmente embora o supo
nha) da ordem lógica pela qual se estrutura fonnahnente
um conjunto de relações. Decorre, ao mesmo tempo, da
capacidade que se tenha de fundir nos movimentos sociais
a perspectiva política derivada do campo de percepção
aberto pelo discurso teórico.
Portanto, as tentativas de denunciar como impuras as
origens de um conceito ou de um campo teórico por eles
terem nascido rentes à ideologia têm interesse puramente
escolástico-fonnal. Não é de outra fonna que nascemquais
quer teorias. A ideologia é preciso repetir outra vez o
óbvio) espelha, de fonna inversa e às vezes perversa, uma
parte do real. A ciência trabalha sobre idéias anteriores,
produzidas pela vida intelectual, política ou cotidiana) e
no processo de luta
á referido vai transfonnando m co
nhecimento racional os sinais que qualquer relação social
implicitamente emite.
Foi assim também com a noção de dependência e com
sua retomada nas análises críticas das teorias do desenvol
vimento econômico. Não cabe dúvidas que o fracasso das
tentativas de desenvolvimento capitalista genuinamente
nacional esteve na base das recolocações teóricas dos
cientistas sociais latino-americanos.
2
Este processo foi, a
um tempo, teórico e prático.
Por certo, teoricamente, uma série de críticos sempre
recusaram, por princípio, a possibilidade de sequer colocar
a questão de um desenvolvimento nacional . Entre peque
nos grupos de esquerda, bem como entre os liberais orto
doxos, as campanhas nacionalistas, o esforço da consti
tuição de empresas monopólicas estatais, etc., assim como
as ideologias que lhes correspondiam e os esquemas teóri-
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cos que pretendiam sustentar a prática política orientada
nesta direção, sempre foram vistos com suspeição. Não
obstante, a transformação desta crítica em força social
não se fez a partir deste estilo de trabalho teórico .
No caso brasileiro, por exemplo, apesar de algumas
gritantes inconsistências das posições teórico-ideológicas
e da política sustentada pelo ISEB Instituto Superior de
Estudos Brasileiros), que foi o guardião do nacionalismo
desenvolvimentista em certa época, e apesar dos zigueza
gues e inconsistências da política do partido comunista
que, grossomodo, ia namesma direção), foi essa a tendên
cia que se constituiu como eixo orientador do pensamento
crítico até 1964. Não se pode dizer que as análises e as
políticas propostas nesta direção tenham deixado de ser
criticadas. Houve críticas à esquerda e à direita.) Entretanto,
só
quando o fracasso político do nacional-populismo e a
inserção crescente da burguesia nacional no jogo imperia
lista tomaram praticamente inviável o desenvolvimento
nacional-burguês , as críticas teóricas ganharam a força da
vida.
s primeiras formulações gerais que tentei fazer de
crítica
à
sociologia do desenvolvimento e de crítica política
ao populismo e ao desenvolvimento nacional-burguês nas
ceram em rente
à
ideologia que os sustentava. Se bem
estivesse contra as posições intelectuais inspiradas pelo
ISEB e nisso não fazia mais do que acompanhar a tendên
cia acadêmica predominante nas secções de ciências huma
nas e filosofia da Universidade de São Paulo e especial
mente o círculo do seminário de Marx então em funcio
namento), acreditava que a luta antiimperialista poderia
levar à reorganização da economia e da política nacionais.
Sob o impulso das grandes empresas estatais e de uma
agricultura estimulada pela reforma agrária, pensava-se
que seria possível marchar para a industrialização, robus
,tecendo
um
setor do empresariado nacional e aumentando
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a participação popular na política.
s
análises econômicas
então predominantes, com Celso Furtado à frente, permi
tiam ver a necessidade da transposição de determinados
obstáculos estruturais, na boa tradição cepalina, e sugeriam
a alternativa de um fortalecimento dos núcleos nacionais
de decisão política do Estado), ao lado do robustecimento
do mercado interno, como pré-requisitos para o desenvol
vimento.
Foi no processo de realizar um estudo sobre os empre
sários nacionais, entrevistando-os, que pude ir mais longe
na crítica às bases sociais e políticas de tal estilo de projeto
desenvolvimentista . Isso ocorreu, entretanto, não apenas
porque os dados coligidos chocavam com os quadros de
referência ideológica, mas porque na época das entrevistas
Gulho de 1961-outubro de 1962), depois da renúncia de
Jânio, as condições políticas do país haviam acirrado a luta
de classes. Parte ponderável do empresariado nacional
conspirava claramente com grupos estrangeiros, organiza
va-se politicamente e enfrentava ao mesmo tempo o sindi
calismo nacional-populista e o governo que a esquerda
acreditava ser da burguesia nacional . Naquela altura eu
resumia a conclusão a que chegara quanto à inviabilidade
.do desenvolvimento nacional-burguês dizendo que mar
chávamos para um subcapitalismo.
4
Creio que trajetórias semelhantes são encontradiças m
outros autores brasileiros. Não é de espantar, portanto, que,
no caso dos países nos quais a crise nacional-populista não
se fez de forma tão estrepitosa quanto no Brasil, os intelec
tuais caminhem para a crítica do desenvolvimento ainda
muito rentes à
ideologia nacional-burguesa.
É óbvio que do ponto de vista teórico no mau sentido
do termo, isto é, abstrato, se poderia demonstrar a partir de
autores do século XIX a inviabilidade de qualquer tipo de
desenvolvimento nacional. Contudo, se essa crítica se fi
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geral que ela contém, seria incapaz de explicar como e por
que o Estado e as Empresas Estatais cresceram e se forta-
leceram
n
América Latina. Ela estaria como esteve) repi-
sando estaticamente que o capitalismo é, por sua essên
cia , internacional. Quando, a partir de meados da década
de 1950, a internacionalização domercado interno viesse
reafinnar que o capitalismo é por sua essência interna-
cional, os teóricos dessa posição se rejubilariam e, por
cima dos ombros, apregoariam os textos sagrados. Só que
a internacionalização de hoje é outra, distinta daquela de
1930 como se insistirá adiante) e as diferenças entre os
períodos teriam sido tragadas na verdade eterna dos
princípios decorrentes da essência imutável do capitalismo
e com eles ter-se-ia esboroado a dialética do processo.
e
fato, o importante a reter teoricamente é o movimento pelo
qual se constituem as possibilidades históricas através da
rede de interesses e oposições entre classes, frações de
classes e grupos sociais. Esta trama de relações não se tece
a partir de agentes
estaticamente dados
A burguesia
nacional , o operariado, o Estado, etc., variam confonne as
relações que mantêm entre si e a posição que detêm no
processo político. Todo este jogo se complica sumamente
quando se trata, como no caso de países dependentes, de
relações sociais que se inserem e são redefinidas pelo
contexto internacional. A busca do concreto, no caso, sig-
nifica a constituição das categorias que pennitam entender
como
se estruturam estas relações, entendendo-se por este
como
tanto a explicação dos padrões que as regem quanto
o processo pelo qual as relações e os padrões estruturais se
constituem e se transfonnam na prática social real.
Este procedimento se abre portanto aos equívocos da
prática social, mergulha nela e,
dentro
faz sua crítica.
Assim como é possível exemplificar e indicar como o
pensamento e a prática nacional-popular desembocaram
em
sua autocrítica, é possível mostrar também como as
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demais vertentes intelectuais que levaram à formulação das
teorias de dependência se constituíram rustoricamente.
A título indicativo: a especificidade e a dinâmica da
análise das relações entre capitalismo monopólico inter
nacional e o novo caráter da dependência não foram o
produto da reafirmação do caráter inevitavelmentemono
polístico e expansionista do imperialismo . Decorreram,
antes, do reconhecimento na prática social da América
Latina de que, por exemplo, o Governo Frei e as empresas
monopolistas do cobre estavam entrando
novos tipos
de acordo, de que as empresas automobilísticas brasileiras
requeriam u mercado interno robustecido para vender
seus produtos ao contrário do que ocorria na etapa anterior
do imperialismo) de que havia grupos industriais nacionais
aliados ao imperialismo e disso se beneficiando dinamica
mente e assim por diante. E derivou também do fracasso
político das análises debraystas que se baseavam no tipo
anterior de relação imperialista. As formulações sobre o
caráter novo da dependência são anteriores a estes eventos
políticos, mas a evidência de que a teoria relativa à inter
nacionalização do mercado interno resistiu
à
prova da
falsificabilidade política permitiu que uma proposição
abstrata começasse a ganhar foros de concretude, ao ajudar
os movimentos políticos a veremmais claro socialmente os
limites e possibilidades de sua ação no novo contexto da
dependência latino-americana.
Importa pouco, no estilo de rustória-intelectual que
estou esboçando, saber
qu
formulou tal ou qual categoria
ou tipo de análise. Em geral são muitos os intérpretes.
5
O
que importa é mostrar que, na medida que uma pers
pectiva teórica vai se concretizando, ela vai englobando e
especificando mais relações variáveis ) e, simultanea
mente, vai se incorporando à prática social e política,
tornando-se verdade concreta . E é desta maneira que, ao
particularizar-se, ela se generaliza: cada novo acordo entre
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u monopólio e o Estado, entre este e os setores competi
tivos internos, bem como cada passo novo dado na crítica
política desse processo pelos sindicatos, partidos e movi
mentos, particulariza, constitui e generaliza os marcos da
nova situação de dependência .
Entendida desta maneira a história da produção intelec
tual de uma categoria ou de uma teoria, tem pouco sentido
rastrear os paradigmas anteriores
termos puramente
intelectuais, para deles derivar novos paradigmas. A luta
política e a luta teórica como que se fundem. Tanto é assim
que a crítica à Sociologia do desenvolvimento e a crítica
ao funcionalismo apareceram, com vigor, simultaneamen
te com a crítica ao nacional-populismo e às posições polí
ticas que lhes correspondiam. São estes
conjunto os
antecedentes político-intelectuais das análises baseadas na
perspectiva da dependência.
A eles convém acrescentàr que a superação no sentido
rigoroso da expressão no discurso hegeliano-marxista, ou
seja, o de negação sem anulação) do que se convencionou
chamar de teoria da CEPAL foi, no plano mais estrita
mente econômico, essencial para possibilitar outras pers
pectivas de análise. Convém reafirmar que sem os estudos
da CEPAL, e de Prebisch em particular, a superação da
análise econômica tradicional pelo marxismo de cátedra ou
dos pequenos grupos guardiães dos livros sagrados seria
tão formal quanto o foi a crítica abstrata da inviabilidade
do capitalismona América Latina na atual etapa do impe
rialismo , tão comum e sensaborona. A preocupação ana
lítica da CEPAL e sua visão estruturalista são ganhos
líquidos do pensamento social latino-americano e a única
crítica válida, também neste caso, é a autocrítica. Em certa
medida os estudos sobre a dependência constituíram uma
espécie de autocrítica dinamizada pelo ardor dos que, sem
ter jamais passado pela escola cepalina, souberam, entre
tanto, criticá-la
sine ir et studio
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- lgumasquestões teórico-metodológicas
Não tem sentido inventar procedimentos teórico-meto
dológicos supostamente novos para caracterizar a corrente
de pensamento a que me estou referindo. Implícita ou
explicitamente a fonte metodológica é a dialética marxista.
Entretanto, existem tão variadas maneiras de conceber
a utilização da dialética marxista que pode ser útil explicitar
o que entendo por ela.
Antes de mais nada, convém matar no nascedouro um
novo equívoco que quer ter ares de polêmica. Não deve
existirconfusão entre a insistência sobre a natureza
concre-
ta
das análises de dependência
7
e qualquer vestígio de
empirismo historicista ou neopositivismo . Na secção
anterior adiantei os argumentos que explicitam o que se
entende por caminho que leva ao concreto na dialética
marxista. Antes de mais nada uma análise concreta é um
produto da prática e da reflexão teórica simultaneamente.
Quando se enfatiza que as análises sobre a dependência
devem partir de uma situação concreta e resultar numa
análise concreta , o procedimento que está por trás desta
afirmação é o mesmo tantas vezes reafirmado por Marx ao
dizer no texto famoso da
ontribuição
rítica da co-
nomia Política
que o concreto é concreto porque é a
síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diver
so .
Noutros termos, se é certo que as análises sobre a
dependência devem partir de processos sociais reais, este
ponto de partida reaparecerá no pensamento como resulta
do. como síntese. Metodologicamente, trata-se de um es
forço de elevação do particular para o geral no qual as
relações parciais particulares) vão sendo circunscritas em
teias de relações e vão se especificando e determinando de
tal modo que a síntese resultante o todo, a totalidade)
apareça, não como um amálgama confuso, indeterminado,
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geral ,mas como
u
conjunto hierarquizado e articulado
de relações. Este conjunto articulado de relações
só
se
alcança por intermédio da produção de conceitos
que po
nham a nu o modo de relação entre as partes que compõem
o todo e as leis de seu movimento.
Desse modo, a regressão do particular ao geral não
significa apenas que se atingem as condições inertes desse
particular, mas também que se mostra como o próprio
universal é mantido pelo processo de particularização. O
imperialismo o universal) não se manteria se não fossem
encontradas formações particulares justamente aquelas
que a teoria da dependência quer estudar) que o repõem.
Portanto, é inadequada a interpretação da análise con
creta das situações de dependência
termos de análises
empíricas nas quais o conhecimento das partes encaradas
como
d dos
isto é, como algo que a percepção aprende
independentemente dos conceitos, das teorias ou das abs
trações ) gera, por indução, a síntese concreta . Bem
como é inadequada a idéia de que a análise marxista supõe
que se determinem os atores e as conjunturas em termos de
aqui e agora , numa variante empobrecida de historicis
mo. Ambas perspectivas são, de fato, variantes do neopo
sitivismometodológico.
A síntese a que me refiro nas análises concretas supõe
a elaboração dos conceitos elaboração esta que, como se
indicou na secção anterior, é teórico-prática) que permitem
organizar a unidade do diverso. Ao mesmo tempo esta
unidade não apaga as diferenças, não dissolve as particu
laridades na abstração representada por idéias gerais.
Assim, a idéia de dependência, na medida
que se
define no universo de discurso teórico a que estou aludindo,
nem é uma categoria geral que dissolve as diferenças
entre as várias partes que compõem uma situação de
dependência, nem é apenas o resultado da reprodução no
pensamento de uma ou de cada uma das relações entre
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classes, estados e economias. É uma síntese de pensamen
to que reproduz u modo de articulação deixando ver a
tecitura pela qual a diversidade de relações se hierarquiza
e se unifica
u conjunto estrutural determinado.
Entretanto, eu concebo esta síntese de pensamento
diferentemente do que afirma Althusser sua inter
pretação sobre a totalité de pensée ) como um processo
histórico de produção teórico-prática do conhecimento
nos termos referidos na secção anterior deste capítulo).
Não a vejo como resultado de dialética do pensamento
ou como o esforço deste para captar o sentido das coisas .
Penso que existe um mesmo e contraditório movimento
pelo qual, na passagem da ideologia à ciência, se produz
tanto a história como o conhecimento. E, jogando
u
pouco com as palavras, tanto o conhecimento é sua histó
ria , como a História só se deixa apreender por meio dos
conceitos que a organizam; por certo, o processo social
emite os sinais que, sob a forma de ideologia, indicam os
contornos entre as coisas, mas o conhecimento do processo
histórico requer a produção intelectual de conceitos e cate
gorias básicas.
Por tudo isso, reafirmo o anteriormente indicado: nas
análises sobre a dependência a matéria-prima da qual se
parte é a luta política e a luta econômica tal como se
desdobram na superfície do processo histórico, como luta
nacional e antiimperialista. Mas o conceito ao qual se chega
distingue-se do ponto de partida, pois após especificar e
determinar as relações entre os estados, destes com as
classes e de ambos com o processo produtivo) mostra as
limitações do ponto de partida, mostra como se reproduz
uma estrutura dada de dominação e quais os limites possí
veis de seu funcionamento a negatividade).
É
este o andamento metodológico do ensaio sobre
Dependência e Desenvolvimento Nele se especificam as
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qual classes, estados e produção se inserem na ordem
internacional para, no último capítulo, mostrar como a
internacionalização do mercado solidariza os interesses
entre classes que no momento anterior apareciam como
adversas (a burguesia nacional e a burguesia imperialista e
mesmo setores das classes assalariadas e os monopólios
internacionais, por exemplo). Neste movimento, a própria
idéia de depenoência, na medida
que é pensada e tem
seu ponto de partida como dependência nacional , revela
suas limitações.
Não faltarão críticos apressados ou superficiais para
bradar que existe uma contradição entre o alcance de
idéia de dependência (emgeral) e o resultado a que se chega
ao analisar a dependência na fase m o n o p ó l ~ e interna
cionalizante do capitalismo. Pobres dialetas que se assus
t
com a dialética Porque pensam que os conceitos são
verdades imutáveis , essências sempre presentes no vazio
da falta de imaginação, não percebem que os conceitos têm
u
movimento, uma história e um alcance teórico-prático
limitado.
Entretanto, a redefinição das formas de dependência (e,
obviamente, de seu conteúdo) não significa a supressão da
dependência. Não se eliminam as diferenças internas entre
grupos e classes nem as contradições entre estados nacio
nais e entre os interesses locais e os internacionais quando
as relações de dependência são redefinidas e circunscritas
pela nova divisão internacional do trabalho que incorpora
partes das economias dependentes a um mercado produtor
e consumidor internacionalizado. Se redefinem os atores ,
se revolvem as suas possibilidades de atuação, bem como
se redefinem os conteúdos político-ideológicos da prática
social. Assim, o que foi o nacional-desenvolvimentismo da
etapa anterior de dependência é substituído por um nacio
nal-patriotismo que aceita a associação crescente com os
monopólios internacionais; o que fora o nacional-populis-
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mopretende renascer sob a fonna de nacional-corporativis
mo e assim pordiante. Mas, enquanto a prática política não
destruir as desigualdades de apropriação entre as classes e
entre as nações o conceito de dependência continua pleno
de significado.
A análise concreta das situações de dependência
requer que novas fonnas das relações entre classes, estados
e nações se incorporem ao conhecimento, à
síntese, expli
citando-se a articulação existente entre elas e mostrando-se
omovimento que as gerou, redefinindo as relações anterio
res.
A unidade do diverso não estará completa, entretan
to, se a nova síntese for incapaz de mostrar as condições
da negatividade . Ou seja, se o estudo das novas fonnas de
dependência se limitar a considerar as condições de sua
reprodução.
Outra vez aqui, contudo, o processo não é meramente
teórico: o conceito
negação nasce junto com omovimen
to real da transfonnação social. A carência de caminhos
viáveis de transfonnação político-econômica estiola na
ideologia o conhecimento das leis de movimento das
estruturas dependentes.
Estrutura e História nas nálises de Dependência
Convém agora explicitar um pouco a relação entre
estrutura e história nas análises de dependência.
m
primeiro lugar, na referência
análise histórico-es
trutural
há
um conjunto complexo de supostos sobre o que
seja estrutura, história e a relação entre ambas. Como m
qualquer outra perspectiva que utilize a noção de estrutura,
se assume que as relações entre as classes, os grupos e as
instituições obedecem a regularidades, possuem uma certa
rigidez e são articuladas. Entretanto e também isto é
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social e como resultado da imposição social. Por conse
qüência, são vistos, ao mesmo tempo, como processos
Noutras palavras, são historicamente respostas nummovi
mento que altera sua conformação presente.
A ambigüidade da noção de história pode levar a con
fusões metodológicas. No campo teórico a que me estou
referindo, história significa alternativa, futuro. Ou seja, não
é legítimo conceber as
estruturas dadas
como invariantes,
posto que elas foram socialmente constituídas e no proces
so
de sua constituição a luta social selecionou entre alter
nativas definidas as que se impuseram. Este processo de
imposição, de dominação, por sua vez, não se dá no vácuo:
ele depende da relação de força entre as classes sociais e
destas com o processo produtivo. Outra vez a célebre
frase-síntese: o homem faz a história, mas m condições
sociais determinadas.
De qualquer forma, um dos aspectos implícitos na idéia
de história, neste contexto, salienta que m sentido delimi
tado existe uma invenção do mundo . Mas, ao mesmo
tempo, nem todas as opções são socialmente viáveis.
Convém insistir, apesar da obviedade da asserção, que a
rigor esta opção não tem a ver diretamente com os
valores e com as escolhas individuais, nem pode ser
concebida no plano de uma dialética da consciência . Ela,
se
m
se expresse por intermédio de objetivos e ideologias
que se exteriorizam individual ou grupalmente, tem suas
leis de movimento assentadas nas contradições postas pela
articulação dos componentes do modo de produção.
Portanto, por outro lado, há uma estrutura que, neste
nível, condiciona a história. Esta última não pode ser
interpretada como o jogo de intenções e resultados ao nível
da consciência e das formas demanifestações da cultura. A
fortiori a leitura da história m termos de que os resulta
dos ou seja, a conjuntura ou a constelação estrutural atual)
foram conseqüência de intenções, maquiavélicas ou não,
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ao fazê-la, reproduz teoricamente a interação assinalada
anteriormente entre o conceito e a prática. Enquanto não
estão desvendadas as articulações entre as partes funda
mentais dos conjuntos de relações e processo que formam
as estruturas
questão, a referência ao
ntes
e
epois à
história no sentido vulgar) não possui valor explicativo.
Pelo contrário, quando se dispõe de uma reconstituição
transformação das estruturas, no sentido acima, então
sim, a históri é fundamental para a explicação. Mas, neste
caso, trata-se de ciência-consciência-objetiva de um pro
cesso e não da referência meramente cronológica àação de
atores.
Nisso reside o essencial da
perio iz ção
na dialética
marxista. Os cortes no tempo são cortes entre estruturas
e dependem da produção dos conceitos capazes de
l u i ~ r
como relação articulada , a um só tempo como lógica e
como consciência social objetiva, as diferenças entre um e
outro período. Por certo, os cortes entre uma e outra estru
tura não se dão mecanicamente. A periodização deve,
portanto, recortar mais pormenorizadamente as sucessivas
conjunturas por intermédio das quais se objetiva a fusão de
múltiplas contradições em momentos determinados. Cada
contradição
particular não se situa necessariamente ao
nível das oposições básicas que configuram as estruturas.
Assim, a queda ou ascensão de um governo, por exemplo,
se
si mesmo é um fenômeno conjuntural, pode abrir
possibilidades
à
implementação de políticas que espelham
e incidem sobre, por exemplo, a propriedade da terra ou o
controle estatal de empresas, refletindo e ao mesmo tempo
redefinindo a correlação de força entre as classes e alteran
do a configuração estrutural da sociedade.
Com este esclarecimento, convém repisar que, em ter
mos da dialética marxista, a teoria social deve estar sempre
embasada numa periodização e deve ser capaz de gerar a
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explicação dos momentos que definem rustórico-estrutu
rahnente esta periodização.
Até que ponto a teoria da dependência suporta essa
prova?
Apesar das ambigüidades existentes nos textos latino
americanos sobre o tema e nos meus próprios) parece-me
claro que a própria idéia de dependência nacional , posta
como um situação estrutural distinta da dominação colo
nial
9
, surge marcando um corte rustórico-estrutura1. e
igual modo, as distinções entre situações de enclave e
situações nas quais houve controle nacional do processo
produtivo marcam outras tantas diferenças histórico-es
truturais de dependência nacional, embora cronologica
mente estes processos possam ter ocorrido ao mesmo tem
po em diferentes países. Por fim, o novo caráter de depen
dência marca outro período da história das estruturas
dependentes.
A complexidade da periodização a partir da teoria da
dependência deriva da própria caracterização da situação
de dependência, a qual supõe uma articulação entre a
economia mundial e as economias locais, entre a domina
ção internacional e a dominação de classe em cada país
dependente.
Não é necessário nempossível) discutir neste trabalho
a periodização gerada pelos estudos da dependência. A
referência ao tema, neste estudo, está ligada apenas
discussão sobre o caráter histórico-estrutural das análises
sobre a dependência.
O
st tus teóri o idéi e dependên i
Feítos os esclarecimentos preliminares acima,
é heg -
do o momento de discutir o st tus teórico da noção de
dependência e, por conseguinte, a própria caracterização
do que seja dependência.
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m crítica recente10 foi ressaltada a hesitação com que
lido
om
a idéia de dependência: noção, conceito, teoria ,
caracterização concreta ou o quê? O reparo neste ponto
como
em
alguns outros mais, é procedente.
m
parte esta
hesitação pode
ser
explicada por motivos político-ideoló
gicos,
em
parte, entretanto, ela deriva da falta de definição
mais clara do universo de discurso teórico
em
que me situo.
Quanto às razões político-ideológicas, basta reafirmar
o que escrevi noutra oportunidade. O sentido prático do
estudo sobre a dependência, no contexto latino-americano,
deriva da maior sensibilidade que este tipo de abordagem
poderia ter para discriminar situações de dependência e
especificar, em cada uma delas, quem são os contendores
reais na luta política pela dominação econômica. Na medi
da
em
que a dependência passa a ser o amálgama
confuso
de
relações e articulações indeterminadas como
em
alguns textos passou a ser) e na medida em que
se
pretende fazer uma teoria a partir da opacidade de um
conceito brumoso, minha reação imediata é a de recusar
foros de ciência a este tipo
de
ideologia.
Entretanto, além dessa reserva que é compartilhada
por certo por quem encara o tema com seriedade), existe
outra, de natureza intelectual. Eu não penso que a categoria
estou usando esta expressão sem atribuir-lhe dimensão
diversa da expressão on eito de dependência possua o
mesmo t tu teórico das categorias centrais da teoria do
capitalismo. A razão para isto é óbvia; não se pode pensar
na dependência sem
os conceitos de mais-valia, expropria
ção, acumulação etc. A idéia de dependência se define no
campo teórico da teoria marxista do capitalismo.
Isto posto, não há razão para negar a existência de um
campo teórico próprio, embora limitado e subordinado à
teoria marxista do capitalismo, no qual se inscrevem as
análises sobre a dependência. E neste caso não há por que
utilizar as aspas na expressão teoria. Existe, pois, a possi-
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bilidade de pensar-se na teoria da dependência, sempre e
quando ela se inscreva no campo teórico mais amplo da
teoria do capitalismo ou da teoria do socialismo (de precá
rio desenvolvimento até agora).
Para poupar esforço, reproduzo, endossando, o que foi
escrito com intenção crítica por outrem sobre a depen
dência como uma forma de articulação entre fatores exter
nos e internos:
Na medida em que também nós reclamamos uma
concepção dialética e materialista da dependência, é preci
so concebê-la como uma unidade dialética dos determi
nantes gerais do modo de produção capitalista e das deter
minações específicas de cada uma das sociedades depen
dentes, e, portanto, como síntese dos fatores externos e
dos fatores internos .
3
Até esta altura, a caracterização metodológica acima é
quase
ipsis literis
a contida no livro Dependência e Desen
volvimento. Entretanto, Quartim de Moraes ajunta que é
necessário colocar a questão da gênese da dependência e
de sua
periodiz ção
Concordo com ambos aspectos, com
os esclarecimentos feitos na seção anterior, bem como com
a qualificação sobre as condições em que se deve estudar
esta periodização:
que se examine a periodização do desenvolvimento
das economias dependentes como sendo complexamente
determinadas: quer dizer, determinada em primeira instân
cia pela luta de classes e o desenvolvimento do capitalismo
no interior de cada uma das formações econômicas das
sociedades dependentes e, em última instância, pelos pe
ríodos do desenvolvimento do capitalismo em escala inter
nacional (p. 11).
Talvez haja formulado em outros trabalhos caracte
rizações variantes dessa. Não desejo insistir sobre detalhes
nem se trata aqui de fazer a defesa de textos. Penso que
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tanto eu como vários dos que têm escrito sobre dependência
na América Latina temos tentado analisar, com esta preo-
cupação metodológica, as formas de articulação entre os
países dependentes classes, estados e economias e os
países imperialistas.
este o campo de uma possível teoria
da dependência. Esta, como assinalei
em
outros trabalhos,
não é uma alternativa para a teoria do imperialismo, mas
um complemento.
Como complemento à teoria do imperialismo, a teoria
da dependência requer, entretanto, que se revise conti-
nuamente a periodização da economia capitalista mundial
e a caracterização da etapa atual do imperialismo.
Por
outro lado, supõe que se delineie no campo teórico a análise
das situações específicas que decorrem da existência da
dominação econômica
imperi list
e da
existên i
de Esta-
dos Nacionais que, de uma ou outra forma, expressam e
respondem aos interesses e às relações de classe locais
ainda quando estas estejam, em parte, subordinadas à
dominação política e econômica internacional .
A discussão do método, portanto, quase que se resume
a afinar as formulações com o paradigma do próprio Marx.
A questão fundamental passa a ser, comestes esclarecimen-
tos, muitomais uma questão substantiva: como caracterizar
as situações vigentes e pretéritas de dependência?
lgumas Questões ubstantivas
Não cabe neste trabalho retomar as análises substanti-
vas feitas pelos autores que têm desenvolvido o tema da
dependência na América Latina. Vou apenas chamar a
atenção para alguns mecanismos novos da relação de de-
pendência e para alguns campos de estudo que a proble-
mática da dependência recolocou ou abriu.
Antes de mais nada, embora não tenha a intenção de
fazer
um
levantamento sistemático sobre o que tem sido
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publicado dentro do campo de estudos sobre dependência,
convém esclarecer que é errônea a suposição de que estes
têm jogado antes
um
papel crítico de delimitação das
deficiências encontradas nas análises baseadas
m
perspec
tivas desenvolvimentistas ou funcionalistas, do que
um
papel positivo na caracterização de novos temas e na aná
lise de situações concretas.
m
levantamento da biblio
grafia sobre a América Latina nos últimos cinco anos
demonstrará, certamente, que existe quase
um
corte entre
a temática pretérita e a atual. Este corte trouxe
à
primeira
plana, mesmo nos organismos internacionais e nas univer
sidades, instituições m geral cautas nesta matéria, a reco
locação da relação entre os países imperialistas e os países
dominados. Mais do que isto, importa salientar que multi
plicaram-se análises sobre o Estado, sobre as burguesias
locais, sobre os sindicatos, os operários e os movimentos
sociais, sobre as ideologias para não mencionar os estudos
sobremarginalidade e urbanização), que, de um ou de outro
modo, se inspiram no quadro de referência dos estudos
sobre dependência.
Não seria pertinente discutir a qualidade destes traba
lhos, de resto, como em qualquer outro campo de trabalho
científico, muito variável. Importa apenas salientar que se
formou uma corrente intelectual preocupada comuma pro
blemática comum. Disso derivou
um
enriquecimento indis
cutível no conhecimento da teia de relações que conforma
o processo social na situação latino-americana.
ependênci e desenvolvimento c pit list
Feita esta ressalva inicial, volto a insistir sobre o ponto
que me parece básico para aquilatar a contribuição das
análises da dependência
à
compreensão do processo histó
rico atual na América Latina: a caracterização da forma
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contemporânea de relação entre os centros imperialistas e
os países dependentes.
Farei com este problema o que fiz comos anteriormente
tratados neste trabalho: procurarei salientar as novas linhas
de interpretação que se abrem e indicarei alguns problemas
teóricos com elas relacionados, sem preocupar-me
m
in
dicar os trabalhos e autores que mais contribuírampara isto.
Começemos pelo ponto que pode parecer mais discutí
vel: a caracterização da atual etapa da dependência mostra
que existe a possibilidade de acelerar-se a industrialização
nas economias periféricas, redefinindo-se as bases de de
pendência. Esta verificação contém uma série de implica
ções que,
s
levadas às últimas conseqüências, obrigam a
redefinir algumas interpretações sobre o imperialismo e o
subdesenvolvimento.
om
efeito, o processo atual de divisão internacional
do trabalho, impulsionado pelo capitalismo monopólico e
pela reorganização das empresas chamadasmultinacionais
que passam a operar como conglomerados nos quais se
incorporam distintos ramos de produção, abre a possibi
lidade da industrialização de áreas periféricas do capita
lismo.
Este processo não havia sido previsto pelas teorias do
imperialismo e da acumulação capitalista. Nem o paradig
ma leninista que, não obstante, na análise concreta da
penetração capitalista na Rússia enfatizava seu caráter di
nâmico) nema versão de Rosa Luxemburgo contemplavam
esta hipótese. de todo evidente embora não possa discutir
o assunto aqui e remeta o leitor para outro trabalhoU) que
a industrialização da periferia recoloca o problema da
realização da mais-valia e exige novos esforços teóricos e
de pesquisa para equacioná-lo contemporaneamente.
Substantivamente, à medida em que progride o proces
so
de internacionalização do mercado interno e que, graças
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a
ele
aumenta a
industrialização das
áreas periféricas, bem
como cresce o papel do consumo local para a colocação dos
produtos fabricados nas economias dependentes, cresce
também a massa de capital gerada pelo setor internaciona
lizado. Por outro lado, como decresce fonua crescente
o investimento
hot money
proporção ao investimen
to realizado pelo setor internacionalizado graças à poupan
ça local ou aos créditos internacionais que oneram, por
certo, a capacidade das economias dependentes) aumenta
simultaneamente a massa de dinheiro que, sob a fonua de
lucros exportados ou de pagamento de juros e royalties,
retoma às economias centrais. Essas, que no passado ex
portavam capital, mesmo quando continuem a fazê-lo sob
a fonua de capital financeiro, de empréstimos privados ou
públicos etc.), passaram a receber mais recursos sob a
forma de juros, royalties, lucros exportados etc.) do que a
exportá-los,
agravando dessa forma o problema reali-
zação mais valia.
Tudo isso exige novas reflexões teóricas e constitui
problema não resolvido na teoria do capitalismo. O caráter
contraditório acumulação reaparece sob novas fonuas e
tem aspectos novos no endividamento externo crescente e
simultaneamente na ampliação da capitalização nas econo
mias dependentes.
Por trás desses problemas da acumulação financeira e
da circulação de capitais existem outros, na órbita da pro
dução e na fonua de exploração da mais-valia. Convém
começar indicando o ponto mais polêmico: a nova fonua
de dependência está baseada na exploração da mais-valia
relativa e no aumento da produtividade.
A razão
polêmica possível é óbvia. Ao afinuar isto,
oponho-me à interpretação de A.O. Frank sobre o desen
volvimento do subdesenvolvimento . Ao mesmo tempo, a
interpretação de Rui Mauro Marini sobre a natureza funda
mental das relações de dependência como uma fonua de
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reprodução da exploração da mais-valia absoluta e da pro
dução de matérias-primas baratas requer alguma delimita
ção.
A tese que desejo indicar sujeita naturalmente a estu
dos posteriores e que nesta comunicação é exposta como
exemplo de um campo aberto à discussão teórica) insiste
m que o novo caráter da dependência depois da interna
cionalização domercado interno e da nova divisão interna
cional do trabalho que franqueia à industrialização as eco
nomias periféricas) não colide com o desenvolvimento
econômico das economias dependentes. Por certo, quando
s pensa que o desenvolvimento capitalista supõe redistri
buição de renda, homogeneidade regional, harmonia e
equilíbrio entre os vários ramos produtivos, a idéia de que
está ocorrendo um processo real de desenvolvimento eco
nômico na periferia dependente ou melhor, nos países da
periferia que
s
industrializaram, pois não é possível gene
ralizar o fenômeno) parece absurda. Mas não é este o
entendimento marxista sobre o que seja desenvolvimento
ou acumulação) capitalista. Esta é contraditória, espoliati
va e geradora de desigualdades. Nestes termos, não vejo
como recusar o fato de que a economia brasileira ou a
mexicana estejam desenvolvendo-se capitalisticamente.
m s alegue que existe apenas um processo de cresci
mento , s m alterações estruturais. A composição das for
ças produtivas, a alocação dos fatores de produção, a distri
buição da mão-de-obra, as relações de classe, estão se
modificando no sentido de responder mais adequadamente
a uma estrutura capitalista de produção.
Assim, parece-me que existe simultaneamente um pro
cesso de dependên i e de desenvolvimento capitalista. Se
isto for verdadeiro, as relações de classe e o processo
político devem s r concebidos m forma distinta do que o
foram m termos do desenvolvimento do subdesenvolvi
mento
ou
do predomínio crescente da oligarquia agrário-
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imperialista que se expande ao lado de uma lumpen-bur
guesia .
Os beneficiários desse desenvolvimento dependente ,
além do mais, são distintos daqueles que a teoria do de
senvolvimento do subdesenvolvimento supõe. Passam a
ser as empresas estatais, as corporações multinacionais e as
empresas locais
s s o i d ~ s
a ambos. Estes agentes sociais
constituem o que chamei noutras oportunidades tripé do
desenvolvimento dependente-associado .
cumul ção c pit list em esc l mundi l e
dependênci
e
que modo pode-se pensar que se mantém e am
pliam-se liames de dependência quando existe, ao mesmo
tempo, um processo interno de capitalização? Não se esta
ria, neste caso, ancorando a idéia de dependência apenas
no Estado-Nacional e não no processo produtivo e nas
relações de classe?
É aqui que a discussão da tese de R.M. Marini parece
me
pertinente.
m
trabalho recente Marini discute os me
canismos pelos quais se dá o intercâmbio desigual no
comércio exterior entre as nações industrializadas e os
produtores de alimentos e matérias-primas.
Ao explicitar
estes mecanismos mostra a maneira específica pela qual se
organizam as relações de exploração dos trabalhadores na
região e o papel que a produção exportadora latino-ameri
cana teve para o processo de acumulação
em
escala mun
dial. Resumindo, o mecanismo seria o seguinte: a) a su
perexploração do trabalhador nas economias capitalistas
dependentes permitiu aumentar a quota de mais-valia rela
tiva nas nações industrializadas porque este incremento
dependia do aumento da produtividade do trabalho sempre
e quando esta pennitisse que a classe trabalhadora dispu
sesse de meios de subsistência mais baratos; b) ora, a
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exportação de alimentos pelas economias latino-america
nas, desde meados do século XIX, barateou o custo de
reposição da força de trabalho européia, pois alimentos
baratos incidem sobre o custo dos meios de subsistência
pennitindo a diminuição do tempo gasto pelos trabalhado
res na reposição do custo da força de trabalho trabalho
necessário ); c) por outro lado, a exportação de matéria
prima nas mesmas condições diminui os investimentos
m
capital constante nas economias industrializadas, pennitin
o
que, ao mesmo tempo que ocorre um aumento na quota
demais-valia, seja compensada a tendência à queda na taxa
de lucro, uma vez que esta depende do montante global do
capital variável e do capital constante e não apenas dos
gastos com a força de trabalho; d) ambos processos bara
teamento dematérias-primas e de produtos de alimentação)
dependeram, por sua vez, da superexploração do traba
lhador local; e) essa foi possível, sem alterar negativamente
o processo de acumulação porque nas economias depen
dentes a circulação
s
separa da produção e se realiza no
mercado externo. Assim, o consumo individual do traba
lhador não interfere na realização do produto embora
detennine a quota de mais-valia).
Estariamdadas, portanto, as condições para exploração
máxima da força de trabalho, sem ser necessário sequer
existir a preocupação com sua reposição, sempre que exis
tisse como ocorreu) algum reservatório fácil de mão-de
obra.
Creio que existem alguns problemas não resolvidos
pela intetpretação de R.M. Marini: com respeito ao desen
volvimento do capitalismo central este processo não é
ne essário Ele ajuda, facilita, complementa, mas não é um
requisito para a expansão capitalista. Com efeito, a ótica da
expansão do capital a partir das economias centrais, de
Lenin, explicava a necessidade de investimentos no exte
rior e sua importância para o capitalismo. O mecanismo
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descrito por Marini justifica ex post a função do capita
lismo dependente e explica a razão pela qual dá-se uma
superexploração da força de trabalho sem que isso acarrete
problemas de realização do produto. Mas creio que seria
possível mostrar que o capitalismo central, no que ele
possui de especifico e dinâmico depende da produção de
mais-valia relativa e do aumento da produtividade - que
atinge, por certo, os produtos necessários
à
reposição da
força de trabalho não
pura espoliação das regiões
periféricas.
Para que o último argumento fosse verdadeiro, seria
preciso demonstrar que o peso dos produtos alimentícios
importados era decisivo na cesta de consumo do traba
lhador europeu e que não teria sido possível, com técnicas
mais avançadas, lograr o barateamento da alimentação e
dos demais meios de vida na Europa. Isto sem contar que,
nos países capitalistas, a cesta de consumo compõe-se em
forma crescente de produtos industrializados, alimentícios
ou não. Além do mais, o desenvolvimento capitalista nos
EE.DU. deu-se de forma muito mais independente da im
portação de alimentos do que na Inglaterra, sem que com
isto as contradições apontadas por Marini tivessem entra
vado a expansão da economia.
Poder-se-ia acrescentar ainda que as exportações da
América Latina nos 50 anos anteriores à Primeira Grande
Guerra não representaram contribuição importante para
reduzir o custo da mão-de-obra ou capital constante. Os
únicos países da região Uuntamente com o Canadá, a
Austrália e a Nova Zelândia que exportaram produtos
alimentícios importantes para a cesta de consumo dos
trabalhadores do centro foram a Argentina e o Uruguai.
Ou
seja, precisamente os que mais, se desenvolveram e
pagaram salários mais altos à mão-de-obra local. Inversa
mente, a substituição do linho e da lã pelo algodão na
indústria têxtil influenciou a redução relativa do yalor do
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capital constante e o país básico na exportação do algodão
foi a América do Norte, que obviamente não pode ser
classificada como país dependente e explorador da mão
de-obra extensiva
comparação com os países da perife
ria.
A razão pela qual trato de limitar o alcance teórico das
explicações dadas por Marini sem negar o peso histórico
de alguns de seus argumentos) diz respeito
à
própria teoria
marxista do capitalismo e ao ponto anteriormente mencio
nado relativo
à
compatibilidade entre dependência e desen
volvimento capitalista. Com efeito, parece-me que na ótica
marxista as condições gerais da acumulação ou seja, a
exploração absoluta do trabalho) combinam-se com as
específicas a diminuição do período de trabalho necessário
proveito do trabalho excedente e a potenciação das
forças produtivas) e tem nestas últimas o traço distintivo.
Atribuir o caráter de necessidade ao processo de exploração
irrefreado da força de trabalho da periferia do sistema
convémdizer queMarini não afirma categoricamente isto)
para a acumulação nas economias centrais leva a descarac
terizar a especificidade do capitalismo industrial.
O ponto de vista defendido por Lenin, por exemplo,
para explicar os efeitos da penetração do capitalismo na
Rússia foi oposto a este. A suposição de que partia era que
o capitalismodesempenha umpapel progressista , provo
cando o desenvolvimento das forças produtivas e dinami
zando as relações de produção. Os autores marxistas clássi
cos, sem deixar de sublinhar o papel da acumulação
primitiva e da exploração colonial na formação do capital,
insistiam
que a especificidade do sistema capitalista
industrial estava exatamente no desenvolvimento tecnoló
gico e na extração da mais-valia relativa. Assim, a função
histórica da periferia não deve confundir-se com as carac
terísticas de funcionamento do capitalismo industrial nem
com sua forma típica de acumulação.
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Além do mais há um problema novo que surge depois
industrialização de parte da periferia: como
se
dá a
acumulação nos setores industriais da periferia e
~
fun
ções cumprem na acumulação
em
escala mundial? E pos
sível que a função indicada por Marini como existente no
período exportador de matérias-primas e produtos alimen
tícios continue a ser cumprida. Assim o traslado para as
economias periféricas de parte do parque manufatureiro
dos conglomerados permitirá - graças à exportação de
produtos industriais fabricados na Coréia
em
Formosa
Singapura Hong-Kong Brasil México ou Argentina
que
no
futuro o custo de reposição da força de trabalho
mundial diminua
em
função dos baixos salários dos operá
rios da periferia. Estamos é certo longe deste ponto.
e
qualquer forma a meu ver convém focalizar a
industrialização da periferia pela ótica do capital e do
investimento muito mais do que pela idéia de que o capi
talismo avançado requer mão-de-obra superexplorada da
periferia.
A forma pela qual se expandemos capitais na economia
monopólica contemporânea
é
portanto outro campo aber
to à investigação e à teoria.
m face do indicado acima caberia perguntar: como é
possível sustentar a idéia de dependência no contexto de
uma situação na qual existe a criação de vários focos
periféricos de industrialização?
Apenas a título indicativo gostaria de mencionar que
neste passo seria conveniente reafirmar a necessidade de
fazerem-se estudos sobre osmecanismos de acumulação tal
como
operam na atualidade. Vários autores
já
demons
traram que os conglomerados substituíram o papel dos
bancos e do setor financeiro na acumulação capitalista. Eles
funcionam quase autonomamente a este respeito. Entretan
to a divisão entre os dois setores clássicos da economia o
setor de produção de bens de produção e o setor de produ-
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ção de bens de consumo, continua sendo básica para a
compreensão dos mecanismos de acumulação. Entre estes
dois setores, é o setor I, ou seja, o setor de produção de bens
de produção, que
jog
o papel decisivo, tanto para explicar
o ciclo
e
expansão e contração do capital a reprodução,
simples ou ampliada, e a retração), como para regular as
queimas de mais-valia pela obsolescência tecnológica.
Pois bem, na nova divisão internacional do trabalho,
dá-se a concentração crescente do setor I, ou, pelo menos,
dos ramos dele que têm a ver com a criação de novas
tecnologias, nas economias centrais e, especialmente, nos
EE.UU. Assim, o que aparece à consciência comum como
dependência tecnológica dos países periféricos é, na
verdade, ao mesmo tempo, dependência financeira. A in
dustrialização da periferia, na medida em que consiste na
implantação de fábricas para a produção de bens de consu
mo
imediato ou de bens intermediários de mediana tecno
logia , reproduz, noutra escala e noutro contexto, a situação
de dependêncià.
Sobra dizer que este mecanismo de reprodução da
dependência é concomitante com o outro, já mencionado,
de endividamento externo crescente, e a ele se relaciona na
medida
em
que gera novas necessidades de empréstimos
para sustentar a importação da tecnologia produzida nas
economias centrais. Assim, desenvolvimento e dependên
cia tecnológica e financeira) são processos contraditórios
e correlatos, que se reproduzem, modificam-se e se am
pliam incessantemente, sempre e quando inexistam proces
sos políticos que lhes dêem fim.
rgin lid de e cumul ção
Antes, entretanto, de indicar alguns problemas políticos
relacionados com a forma atual de dependência, é conve
niente aludir, ainda que de passagem pois o tema para ser
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realmente enfrentado requer trabalho
à
parte), a um proble
ma que se liga
à
discussão anterior. Refiro-me ao tema da
marginalidade.
A insistência com que se tem juntado a falta de capa
cidade de absorção das economias capitalistas periféricas
com a utilização de tecnologia altamente desenvolvida e
com a superexploração da mão-de-obra é de todos conhe
cida.
Neste caso novamente, como no que diz respeito a
qualquer análise indefinida, tanto há de verdadeiro como
de falacioso nas interpretações correntes. Não faltará quem
pense que a marginalidade é funcional ao desenvolvi
mento capitalista da periferia.
Pode até ter sido.
inegável que,
determin d s
condições
a abundância de mão-de-obra e seu baratea- .
mento como conseqüência da concorrência) podem in
fluenciarna acumulação. Entretanto, a expansão capitalista
não depende da concorrência entre trabalhadores apenas
ou seja, do exército de reserva) mas do custo da reposição
da força de trabalho, nos termos anteriormente indicados,
da taxa de lucro, da competição entre os capitalistas, da
renovação tecnológica etc. Além disso, para que a margi
nalidade faça baixar o custo de reposição é preciso não só
que sua magnitude force o trabalhador a aceitar trabalho
pago ao redor dos custos mínimos de reposição função
normal dos exércitos de reserva), como que aqueles custos
dependamda existência de uma produção de meios de vida
feita à margem do sistema capitalista-industrial. Nestes
casos a existência de bolsões de miséria nos quais se
organize uma produção para o consumo à margem do
sistema pode contribuir para baixar d custo da reposição
~
força de trabalho.
não penso, entretanto, que esta seja a característica
distintiva do processo de expansão capitalista na fase de
internacionalização do mercado interno. Basta repetir os
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argwnentos dos tópicos anteriores para que se entenda a
razão das reservas que faço às interpretações que colocam
o peso da especificidade do capitalismo dependente na
exploração extensiva e ilimitada da mão-de-obra dita mar
ginal.
Não quero negar a existência de bolsões de miséria
às
vezes, m alguns países a verdade é o inverso: ilhas de
prosperidade m mares de miséria), nem da existência de
populações marginais . Mas estas se explicam antes pela
formação histórica do capitalismo na América Latina, pela
qual superpuseram-se distintos modos de produção subor
dinados, por certo, ao capitalista) - como os descreveu
Ambal Quijano - o que por qualquer lei do capitalismo
periférico ou dependente.
Não creio ser necessário repisar o que penso sobre a
diferença entre uma teoria da população e a teoria da
acwnulação. O essencial reside em que cada modo de
produção instaura sua lei de população, e o modo capitalista
fabrica tanto os trabalhadores de que necessita como sua
reserva. Se isso cria um problema de emprego e de fato,
m
certas circunstâncias, isso é inegável), de miserabilida
de e de marginalização, trata-se de um problema histórico
importante por seus aspectos humanos e políticos, mas não
deve confundir-se, no plano teórico, com um problema que
torne irrealizável a expansão capitalista.
Por outro lado, estudos recentes mostram que nos paí
ses mais industrializados da América Latina se é verdade
que existe o fenômeno da terciarização , também é certo
que os empregos industriais, depois de liquidado o setor
artesanal de produção, voltam a crescer m números abso
lutos e relativos.
Além disso, uma parte da expansão do
setor terciário está diretamente relacionada com a expansão
capitalista-industrial. O inchaço urbano e a terciarização
não podem ser considerados como características
ger is
abstratas , da industrialização da periferia. Devem ser
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der as questões teóricas e práticas que essa problemática
apresenta. 2
Sobra repetir que enquanto não forem produzidos os
conceitos correspondentes a esta realidade a relação entre
industrialização e transformação social e política na perife
ria permanecerá indeterminada. Conseqüência disso será a
proliferação de teses políticas sobre o conservantismo
operário a revolução dos marginais ou a cultura da
pobreza que por mais que contenham grãos de verdade
são pouco convincentes teoricamente e pouco eficazes
praticamente.
lgum s consider ções sobre tem s políticos
Feitos estes breves comentários passo a indicar para
concluir os temas políticos que me parecem fundamentais
para caracterizar a situação de dependência na atualidade.
Antes de mais nada convém repisar que o fenômeno de
industrialização abrange setores muito limitados da perife
ria. Nem todos os países encontram nesta forma de produ
ção o modo básico de inserção na economia mundial e
mesmo no caso daqueles que o encontram a industrializa
ção coexiste com as formas anteriores de relação de depen
dência. Isso não deve obscurecer que teoricamente a
internacionalização domercado interno é a forma funda
mental da situação contemporânea de dependência. Mas
não pode por outro lado deixar de incidir sobre o alcance
preciso de algumas das indicações temáticas feitas neste
trabalho.
termos gerais portanto a heterogeneidade continua
marcando as estruturas dependentes com todas as conse
qüências políticas e sociais deste processo.
Não posso alongar-me no tema neste trabalho nem
desejo discutir como se recoloca a problemática vida
política das classes trabalhadoras no contexto atual que é
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um dos temas de eleição dos que se preocupam com os
estudos sobre a dependência.
Por razões de brevidade, desejo concentrar os comen
tários finais na questão do Estado e Nação nas socieda
des dependentes. Tambémneste caso, entretanto, não quero
agregar novos comentários à falsa colocação teórica da
oposição ou dissociabilidade entre, por um lado, classe e,
por outro, nação. Ninguémmedianamente informado pensa
tennos tão estreitos e equivocados. -
Isto posto, continua de pé o problema dos modos pelos
quais, nas sociedades dependentes, as classes relacionam
se, estruturam-se e agem politicamente, e qual o papel do
Estado neste contexto.
A consideração a sério do tema levaria ao mesmo
procedimento indicado anterionnente de relação entre his
tória e estrutura e de periodização. Para encurtar razões: é
impossível pensar a ação política das classes, frações de
classe, pessoas e grupos sociais sem relacioná-los com o
Estado Colonial Metropolitano do período da expansão
capitalista européia sob a égide do mercantilismo ibérico
no caso da América e sob a égide direta do imperialismo
colonialista, no caso africano), e com o estilo de sociedade
patrimonialista por ele gerado nas colônias. De igual modo,
a constituição dos Estados Nacionais tem que ser históri
co-estruturalmente referida tanto ao liberalismo da primei
ra fase da expansão capitalista industrial como à simbiose
entre interesses privatistas e interesses burocrático-estatais
que a expansão anterior constituíra desde o período colo
nial.
Assim, o paradigma anglo-saxão de relacionamento
entre a sociedade civil os produtores, as classes, as
instituições privadas emgeral) e o Poder
nun
teve vigên
cia nos países dependentes. Por outro lado a ··nação foi-se
constituindo pela imposição de algum setor dominante de
classe que, utiliz ndo o p relho do Estado, incorporou
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mercados e impôs lealdades. Por certo, este fenômeno não
esteve ausente na Europa Continental. Mas, de qualquer
modo, na situação européia o pacto entre o Príncipe e a
burguesia, fortalecido muitas vezes pela adesão de setores
de massa
que se motiv v m por v lores ultur is
uma
língua comum, uma religião comum), soldou interesses
distintos através de um processo relativamente consensual
de pacto e outorga . Mesmo nos casos mais típicos emque
o processo de unificação se fez pela utilização dos instru
mentos e das vantagens de constituição de um Estado
como no caso da Suíça - a racionalidade de interesses
mútuos cimentou as bases da cidadania.
No caso dos países dependentes a tendência histórica
foi outra. De dentro do aparelho de Estado ou dos fragmen
tos deste deixados pelo colonialismo politicamente venci
do, algum grupo economicamente dominante e politica
mente dirigente tratou de impor às massas politicamente
marginalizadas, culturalmente desprovidas e miseráveis,
uma dominação nacional . Daí que o Estado tenha sido o
verdadeiro berço da Nação.
Por certo, variando de país para país, as lealdades,
símbolos e aspirações nacionais acabaram por penetrar
outras camadas sociais, especialmente as classes médias
urbanas. Mas a origem histórica do Estado-Nação deixou
marcas profundas tanto na relativa apatia política das maio
rias como na formação das camadas burocráticas que,
vinculadas às vezes com interesses econômicos, e às vezes
independentemente deles, passaram a definir-se como a
guarda pretoriana da Nação.
óbvio que este papel coube
principalmente - embora não exclusivamente - à burocra
cia militar.
Este pano de fundo toma complexa a análise do jogo
político das classes, especialmente nos casos em que existe
processo de crescimento econômico que se caracteriza
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pela expansão simultânea do setor público e do setor eco
nômico controlado por consórcios externos.
Não é possível ponnenorizar a análise para os fIns deste
trabalho. Entretanto, salta à vista que a unidade
do
diver
so só
se
logrará quando o simplismo das análises políticas
correntes for substituídopor estudos que ponham a nu pelo
menos três ordens inter-relacionadas de problemas:
1
2
) as relações entre classe, Estado e partidos;
2
2
)
as condições, efeitos e bases do processo de mobi
lização nacional ;
3
2
) as contradições e tensões, dentro e fora do Estado,
entre o interesse imperialista e o interesse nacional .
A título de mera ilustração: amiúde o partido nas
sociedades dependentes é um Setor do Estado ocupado
por um grupo social . Entretanto, este grupo social ,
embora implemente interesse econômico de classe em
última instância...), pode muito bem estar constituído so
a liderança de funcionários ,
ou
seja, de membros dos
aparelhos do Estado. As relações entre as classes e os
grupos encastelados no Estado são variáveis e complexas:
eu
sugeri, por exemplo, noutro trabalh0
, que para carac
terizar a atual situação de autoritarismo técnico-burocrático
vigente no Brasil e as relações de classe que
j zempor
trás
dela, seria necessário pensar na função dos anéis burocrá
ticos··. Por esta expressão entendo o círculo de interesses
que
se
fonn compatibilizando os anseios políticos e as
necessidades econômicas de grupos e facções de classes
distintas a própria burocracia, especialmente a militar, o
empresariado nacional ou estrangeiro, as empresas do es
tado etc.) para, num dado momento, sustentar um conjunto
de políticas. Existem distintos anéis deste tipo funcio
nando no mesmo momento, ora chocando-se, ora compon
do-se. São portanto uma
fonn
menos durável e mais
flexível de organização política do que um partido, além de
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serem menos definidos quanto à ideologia que sustentam.
êm em comum o solo que os une: a máquina do Estado.
Assim dados os cortes histórico-estruturais antes refe
ridos da fonnação do Estado e de seu relacionamento
com
a Sociedade existe mesmo hoje uma simbiose entre o
Estado e a sociedade civil . Isto não significa que a
sociedade seja a pura expressão do Estado como pensam
os românticos de direita nem tampouco que o estado seja
o puro reflexo dos interesses econômicos da classe domi
nante como crêem os esquerdistas mais simplórios. Às
vezes - como nos períodos populistas - os círculos de
interesse ancorados no Estado amalgamam inclusive inte
resses populares no
jogo dos anéis burocráticos incluin
do neles os sindicatos quando não até alguns movimentos
sociais como as greves dirigidas.
or
certo a estrutura de classes baliza e conforma os
limites possíveis de acordos entre grupos. A necessidade
de expandir a acumulação
é um norte certo para marcar até
que ponto podem ampliar-se e manter-se as conjunturas de
poder organizadas sob bases tão móveis como as acima
caracterizadas.
Mas este parâmetro estrutural não deve obscurecer a
análise das contradições internas que este tipo de amálgama
político gera. Especialmente no caso das formas contem
porâneas de dependência com industrialização é preciso
pesquisar em cada situação as oposições e conciliações
entre interesses e as diferenças de visão do mundo que o
desenvolvimento dependente-associado gera quando tem
no Estado um princípio básico de regulamentação da vida
econômica e política.
O mesmo afã de busca do concreto ou seja de deter
minação da multiplicidade de contradições que compõem
e dão fonna às situações de dominação econômica e polí
tica deve orientar a análise do processo de mobilização
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e sua diferenciação diante do nacionalismoestatal impul
sionado pelos guardiães da Nação a que me referi acima é
de fundamental importância. A s probabilidades de que um
grupo dominante, encastelado no Estado, empolgue politi
camente a idéia de Nação são grandes. Mas isto não elimina
a necessidade de peneirar mais fundo a questão e de veri
ficar, da mesma forma que no exemplo anterior, se não
existe uma contradição que denote na ideologia nacional
popular sentimentos que, sendo antiimperialistas, são, ao
mesmo tempo,
anti establishment
local. No caso latino-a
mericano este componente é tão forte em alguns países
Peru e Argentina por exemplo), que a análise de classe ,
que se recusa a ver a realidade política da nação como uma
forma de identificação e de solidariedade entre as classes
populares, só serve para facilitar a tarefa da manipulação
destes sentimentos por parte dos que controlam o Estado e
desejam fundir nele a Nação, mantendo a massa e a socie
dade civil presas a uma participação simbólica e, quando
muito, ritual no processo de transfonnação nacional.
OT S
1 Uma caracterização é dita abstrata quando
se
baseia em relações parciais e
indeterminadas. A passagem do abstrato ao concreto
se
faz pelo processo
de
detenru
nação,
ou
seja,
de
elaboração da ordem pela qual se hierarquiza e
se
articula
um
conjunto
de
relações e
se
distingue este conjunto totalidade)
de
outros conjuntos. Para isto é
necessário produzir os conceitos que penrutem articular e delinútar
os
conjuntos
de
relações.
2.
Ver
a este respeito TheotOlúo dos Santos, La crisis
de
la teoria del desarrollo y
las relaciones de dependencia
en
América Latina , in La dependencia polúica ecollómica
de América Latina Siglo XXI, México 1970. Para WIlll critica das teorias sociológicas
do
desenvolvimento ver F.H. Cardoso,
Empresário bulustrial e Desenvolvimento Eco-
nômico no Brasil DifusãoEuropéia do Livro, SãoPaulo, 1964,
capo
reproduzido,
sob
o
título
Análises sociológicas dei desarrollo econónúco pela Revista Latinoamericana
de
Sociologia, voI.
I
n. 2, Buenos Aires,julho de 1965). Ver ainda Andrew GWlder Frank,
Sociology
ofDevelopment
and wlderdevelopmenl
of
Sociology ,
Cacalysl
Ulúvcrsity
ofBuffalo
n. 3 1967.
3.
Mesmo
entre
os
que grosso modo encontravam-se dentro da mesma corrente
houve críticas consistentes. Basta consultar a coleção Revista BrasiliellSe para
ver
que a
denúncia das inconsistências de classe e dos riscos de unI desenvolvimentismo-asso
ciado aos
truses
eram percebidos por muita gente, pelo menos desde o governo Kubits
chek.
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4. Cf. F.H. Cardoso, Empresário Industrinl e Desenvolvimemo Econômico no
Brasil, DIFEL, São Paulo 1964,2 ed., 1972.
5. No caso específico deste novo tipo de dependência, eu próprio escrevi
trabalho,
em
1965 EI proceso
de
desarrollo en América Latina , ILPES, Santiago,
mimeo.)
no
qual distinguia três tipos
de
desenvolvimento nacional-exportador, enclave,
industrial-associado). Entretanto, o conceito dessa tipologia só foi produzidomais tarde
no trabalho em colaboração com Enzo Faletto. Dependencia Desarrollo en América
Latina editado no ILPES
em
1967. Aorestan Fernandes desenvolveu simultaneamente
suas reflexões sobre estudo sociológico do subdesenvolvimento econômico , apre
sentadas em 1967,
sem
terconhecimento
do
segundo trabalho
meu
e de Faletto.
1968
Theotonio dos Santos publica no CESO
El
nuevo carater de la dependencia no qual
expõe claramente as conseqüências das transformações do capitalismo internacional
sobre as economias dependentes.
No
afã
de
alcançar níveis mais concretos
de
análise,
escrevi em 1968 o livro Política e Desenvolvimento em Sociedlldes Dependemes Ao
mesmo
tempo,
no
ILPES e
no
CESO, Aníbal Quijano, Edelberto Torres Rivas, Orlando
Caputo e Roberto Pizarro, e outros escreveram trabalhos que precisavam, retificavam e
ampliavam as análises sobre a forma atual de dependência. Mais tarde FenJaIldo
Fajnzylber escreveu dois estudos, publicados pela CEPAL Estrategia Industrial y
Empresa Internacionales e Sistemas Industriales y Exportación de Manufacturas) que,
sem discutir conceitos, constituem a meu ver as contribuições fundamentais para carac
terizar a nova situação de dependência.
Provavelmente uma série de outros autores,
ao
mesmo tempo e independentemente dos
aqui mencionados, contribuirampara a análise das formas atuais da dependência. Se
se
buscar com atenção provavelmente se encontrará quem antes independentemente de
todos estes tenha escrito sobre o
mesmo
tema. Vê-se, pois,
que
mesmo do ãngulo mais
limitado
da
história intelectual vista pelas obras e autores , o pensamento é produto
social. Quando uma idéia expressa, de fato teórica
ou
ideologicamente)
um
asPecto do
real, ela surge ou ressurge por toda parte.
6. Neste sentido, parece-me equivocada a avaliação feita por Suzane Brodenheim
sobre a influência do paradigma
de
A.O. Frank nos estudos sobre a dependência. Frank
contribuiu, em alguns temas bastante, para a critica
do
fWlcionalismo e da sociologia do
desenvolvimento. Mas a caracterização
do
processo histórico-estrutural da evolução
do
capitalismo que faz em suas primeiras obras é antes ortodoxa no sentido de partir de
verdades gerais que, amiúde,
são
historicamente insuficientes. Não é deste estilo da
análise que deriva a vitalidade porventura existente no pensamento sociallatino-ameri
cano. Essa apreciação não invalida, obviamente, o papel
de
catalizador critico da obra
de A.O. Frank, especialmente quanto aos temas
do
dualismo,
do
colonialismo interno e
da necessária integraçãoda análise do processo da formação
do
capitalismo na periferia
no conjunto do desenvolvimento capitalista internacional. Claro está que alguns destes
temas
já
haviam sido propostos criticamente
por
autores como Pablo Casanova, Arubal
Pinto, Rodolfo Stavenhagen,Aorestan Fernandes etc.
Mas
o
tom
polêmico
de
Frank,
em
que
pese
os
exageros e injustiça com respeito a alguns autores latino-americanos, ajudou
a generalizar a critica.
7.
Ver
F.H. Cardoso, Teoria da Dependência ou análises concretas de situações
de
dependência?,
Estudos CEBRAP
São Paulo
(l),
1970.
8. F.H. Cardoso e Enzo Faletto, op cit
9. Para mim a distinção entre situação colonial e dependência nacional sempre foi
clara e básica. Boa parte do ensaio sobre Dependência e Desenvolvilllemo se estmturou
a partirdesta diferenciação. Portanto, embora possa aparecer no texto algmna referência
à
dependência colonial , a confusão é meramente nominal, pois a caracterização de
ambas as situações é feita inequivoca e distintanlente.
10. João Quartimde Moraes,
Le
stat théorique de la relation de dépendallce , IV
Seminaire Latino-Americain, CETIM, Oenéve, abril
de
1972.
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11. Cf.MTeoria da DependênciaMou análises concretas de situações de dependência,
op. cil.
12. Note-se
que
estou deixando de lado mas não recusando o cabimento teórico)
a possibilidade de pensar outras fonnas, não capitalistas, de subordinação de uma nação
a outra, como por exemplo a Tchecoslováquia
à
Ulúão Soviética. Deixo de lado porque
os mecarúsmos de articulação e de dOllÚnação entre as estruturas econôllÚcas e políticas
destes países dependem de mecaJúsmos que não estudei e que se explicam por
Mieis
de
movimento
M
distintas
das
que prevalecementre econonúas capitalistas, embora nem por
issoautomaticamentemenos espolia
ti
vaso
3 Quartim de Moraes, op cit. p. lI
14. Ver F.H. Cardoso, lmperialism and dependency , apresentado no Senúnário
sobre o Imperialismo realizado na UlÚversidade de Stanford em fevereiro de 1972,
publicado em New Left Review 74) jul./ago. 1972.
15. F.H. Cardoso, lmperialism aJld dependency , 1972, op ito
16. Rui Mauro MarilÚ, Dialectica de la Dependencia: la econollÚa, exportadora ,
Sociedady Desarrollo vol.1, n. I, Santiago, março 1972. Convémdizer, entretaJlto, que
os estudos deHans Singere Raul Prebisch, do final da década de 1940, que serviramde
base às interpretações da CEPAL,
já
haviamchamado a atenção para o que hojesebatiza
de
Mtroca
desigual
M
, e propuseramesquemas explicativos mais rigorosos.
17. Ver Francisco de Oliveira,
A
econollÚa brasileira: critica à razão dualista , in
Estudos CEBRAP São Paulo 2), 1972.
18. Remeto o leitor a outro trabalho no qual elaboro mais este ponto de vista:
Comentáriosobre os conceitos de superpopulação relativa e marginalidade , ESTUDOS
CEBRAP
São Paulo 1),1971.
19. Ver Singer, Paul Israel,
Força de trabalho e emprego no Brasil: 1920-1969
São Paulo, Brasiliense, 1971
Cademos CEBRAP
3);
Força de trabalho lia América
Latina. Cebrap, São Paulo, 1971.
20. O estudo
de
F. Oliveira,
já
citado,
é
passo nesta direção. O CEBRAP está
realizando uma pesquisa sobre relações de trabalho na Balúa que poderá ajudar a
esclarecer alguns destes problemas.
Em
particular Juarez Rubens Brandão Lopes e
Vilmar Faria estão interessados nesta temática.
21. Estado e Sociedade , in Cardoso, F.H., Autoritarismo e Democratização, Paz
e Tellll, Rio, 1976.
22. Ver a este respeito F.H. Cardoso,
MEl
Modelo Político Brasileilo ,
Desarrollo
Económico n. 42-44, vol. l Buenos Aires, março de 1972.
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pítulo
o
CONSUMO
TEORI
DEPENDÊNCI
NOS EST DOS UNIDOS
m
observador que desembarcasse de um objeto não
identificado de órbita lunar e chegasse às reuniões dos
latino-americanistas nos últimos anos daria razão aos an
tropólogos estruturalistas. Diria que se repetem versões de
um
mesmo mito: dependência e desenvolvimento, explo
ração e riqueza, atraso e alta tecnologia, desemprego e alta
concentração de renda. Levemente entediado, nosso ser do
outro mundo diria: o cérebro desta gente deve limitar as
imagens e o pensamento deles a oposições binárias .
É
com
a sensação de entrar numa discussão em que a imaginação
está acorrentada a modelos preestabelecidos que volto a
debater o significado das análises sobre dependência. Não
obstante, pelo simples fato de estar aqui, como
se fosse um
dosfoundingfathers da dependência, endosso o consumo
cerimonial do tema. Como escapar da incômoda posição?
á pouco, assisti em Princeton a uma palestra de um
antropólogo inglês, recentemente tomado knight pela rai
nha. Sir Edmond Leach, com a ironia que o caracteriza,
Publicado originalmente como Lcs États-Unis clla théoric dc
Dépendancc ,
Revue Tiers Monde 17(68): 805-825, out dez/1976.
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ríti o e de ontinuid de com um passado de estudos
históricos, econômicos, sociológicos e políticos na Améri
caLatina, passou a ser consumido através de várias versões
que incluem referências ao mito original,mas que
em
larga
medida constituem a expressão de um universo intelectual
em
distinto daquele que lhe deu origem.
A primeira e drástica simplificação que alguns divulga
dores fizeram com estes estudos pois todo mito requer uma
estrutura simples e um momento de revelação) foi a de
considerá-los como uma espécie de estalo da mente que
ocorreu num dado momento e lugar. Discute-se sobre em
que cabeça se produziu o estalo e a começar por aí o aspecto
celebratório é inevitável. Cada intérprete busca localizar
seu profeta. Os mais conscientes da natureza social do
pensamento sabem, entretanto, que qualquer novo paradig
m
decorre de uma complexa discussão entre pessoas,
instituições e grupos, que, no mundo moderno, localizam
se em países distintos. Com o tempo a discussão se toma
mais complexa, se enriquece e provoca controvérsias inter
nas.
2
Os divulgadores menos conscientes do processo de
produção intelectual, entretanto, depois de estabelecer as
origens imediatas do paradigma da dependência caracte
rizam sua pré-história. Nesta,
em
geral, são citadas duas
correntes principais: a CEPAL e a corrente marxista e
neomarxista norte-americana Baran, Sweezy e Frank).
Adiciona-se, às vezes, que os dependentistas adjetivo
queme causa horror) apresentam matizes ideológicos dis
tintos, conforme se situem mais próximos à CEPAL e ao
nacionalismo pequeno-burguês que teria derivado dos
estudos cepalinos) ou sejam mais autenticamente contrá
rios ao capitalismo e mais influenciados pelo pensamento
dos economistas marxistas pré-dependentistas referidos
acima.
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As afinnações são plausíveis talvez sejam tipologica
mente corretas mas não correspondem à história intelec
tual efetiva.
Com as análises sobre situações de dependência feitas
na segunda metade de 1960 na América Latina não houve
propriamente uma proposta metodológica nova. Ocorreu
que uma corrente do pensamento latino-americano já an
tiga conseguiu fazer-se presente nos debates em institui
ções que nonnalmente estavam cerradas a ela: a CEPAL
as Universidades algumas agências fonnadoras de políti
cas governamentais e
l st but not le st
a comunidade
acadêmica norte-americana.
Por outro lado quanto à influência renovadora da cor
rente neomarxista norte-americana é preciso considerar
que se ela pode ter sido real principalmente a de Baran
não foi certamente maior do que a do próprio Marx e não
revelou algo que não estivesse contido na perspectiva do
pensamento crítico latino-americano anterior a 1960.
preciso ter presente que praticamente em todos os princi
pais centros intelectuais latino-americanos à medida em
que
se
foi gestando uma corrente de análise e interpretação
baseada em Prebisch Furtado - e junto ou anterionnente
a eles Nurkse Hans Singer Myrdal Hirschman - para
referir-me apenas a alguns autores que se opunham às
teorias ortodoxas que justificavam a não-industrialização
região pelas vantagens comparativas que
se
podiam
obter
com
a produção agro-exportadora - também existiu
a crítica aos críticos. Ela surgiu às vezes implicitamente
na própria
P
AL como nos estudos de Ahumada e
Arnbal Pinto sobre o Chile e sobre a concentração dos
benefícios do progresso técnico ou nos ensaios de Medina
Echavarría sobre as condições sociais do desenvolvimento
e sobre a racionalidade instrumental da abordagem de
senvolvimentista. Outras vezes a crítica aos críticos está
implícita
em
trabalhos de intelectuais que nas universida-
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des ou nos movimentos políticos salientavam não só os
obstáculos e as distorções do desenvolvimento capita
lista às vezes a partir de análises de inspiração estrutural
funcionalista) mas também as desigualdades de oportu
nidades e de riqueza que eram inerentes a formas de desen
volvimento derivadas da expansão do capitalismo e do
fortalecimento do imperialismo.
Não quero apontar todos os que refletiram sobre este
processo, mas historiadores corno Sérgio Bagu e Caio
Prado Júnior, sociólogos corno Florestan Fernandes, Pablo
González Casanova e Jorge Graciarena, e economistas
corno Armando Cordoba, Antonio Garcia e Alonso Aguilar
são exemplos de esforços para apresentar análises alterna
tivas tanto às ortodoxas corno às que, grosso modo, pode
ríamos qualificar de cepalinas-keynesianas. Urna releitura
da coleção da evista rasiliense que se publicou no Brasil
desde os anos cinqüenta - e houve alguma revista do
mesmo tipo
em
quase todos os centros culturais da área
mostra que a crítica ao estrutural-funcionalismo e ao key
nesianismo fez-se na América Latina ao mesmo tempo
em
que
se
fazia.a crítica aos ortodoxos , No esforço da dupla
crítica, tentando evitar o marxismo vulgar , alguns grupos
intelectuais de Santiago,
em
meados da década de 1960,
retornaram a problemática cepalina e tentaram redefini-Ia
radicalmente. Comparar o que a CEPAL previa corno
resultado da industrialização com o que estava ocorrendo
era fácil. Mais difícil era propor urna alternativa que não se
limitasse à crítica metodológico-formal e que, partindo da
análise de processos histórico-sociais, fosse capaz de defi
nir urna problemática alternativa e quebrasse tanto o eco
nornicismo prevalecente nas análises sobre o desenvol
vimento corno o apoliticismo das análises sociológicas.
Corno fazê-lo?
m
estudo da história das idéias no século
pode
mostrar que cada geração de intelectuais críticos procura
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reviver o marxismo tentando infundir-lhe um sopro reno
vador. A crosta do chamado marxismo vulg;ar , o deter
minismo econômico , o mecanismo na análise, a dificul
dade de captar o movimento social devido a concepções
que dão
um
peso determinístico às estruturas etc., são tão
recorrentes que algo devem ter que ver com o próprio
marxismo. De tempos em tempos eles são sacudidos pela
releitura dos clássicos, por alguma interpretação nova ou
pelo apoio que algum autor não originário da tradição de
análise dialética empresta
à
análise marxista. Na minha
geração, nos anos
e começos dos 60, esta ponte foi
lançada por Sartre e pela publicação em francês de
Histoire
onscienee de lasse de Lukáes
Levamos anos para sair
do impasse entre a dialética e as noções de projeto e de
consciência possível .J Principalmente para quem, como
eu, tin tido treino anterior emDiltey, Weber e Mannheim,
a preocupação com a ideologia e sua incorporação
à
análise
passou a ser constante e foi freqüentemente equívoca. Na
geração seguinte Althusser releu marx de outra maneira e
o estruturalismo quase matou o movimento da dialética.
Mais tarde (em alguns países, como na Argentina, desde
antes) Gramsci apareceu como tábua de salvação para
quem quer entender os processos políticos, a ideologia, a
vontade na história, etc., sem afogá-los nos supra-referidos
desvios do marxismo mecanicista.
Pois bem, os estudos sobre a dependência
c o n s t i t ~ e m
parte do esforço para restabelecer uma tradição de anàlise
das estruturas econômicas e de dominação que não sufqque
o processo histórico ao retirar dele o movimento decorrente
da luta permanente entre grupos e classes. Ao invé de
aceitar que existe um curso determinado na história, v9lta
se a concebê-la como um processo em aberto, no q u ~ se
as estruturas delimitam as margens de oscilação, t llito a
prática dos homens como sua imaginação as revivem e
transfiguram, quando não as substituem por outras não
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pre-detenninadas. Mais ainda os estudos sobre depen
dência tiveram uma peculiaridade dentro da tradição de
crítica a que me referi: ao invés de limitarem-se ao plano
teórico-abstrato procuraram utilizar o método histórico-es
trutural não vulgar para analisar situações concretas. E
ao invés de limitar os estudos à análise de problemas
circunscritos procurou-se retomando o tema do desenvol
vimento definir questões que eram relevantes tanto para as
políticas nacionais como para analisar as relações entre as
economias capitalistas centrais e a periferia dependente e
não industrializada seguindo neste aspecto a tradição dos
enfoques cepalinos. Não nos interessava apenas descrever
abstratamente as conseqüências da acumulação de capital
e de sua expansão à escala mundial mas também colocar
questões a partir do ponto de vista historicamente dado às
sociedade dependentes: quais são as forças que se movem
nelas e com que objetivos? Como e
que termos é
possível superar uma situação dada de dependência?
Assim como primeira reavaliação da maneira como se
processa o consumo das teorias da dependência nos USA
é preciso rever o ponto de vista de que um novo paradig
ma foi estabelecido graças aos trabalhos de u grupo de
intelectuais do ILPES e do CESO de Santiago. Estes tive
ram certo papel na proposição de uma temática e na crítica
ao keynesianismo e ao modelo estrutural-funcionalista
papel que mais adiante se assinalará e delimitará - mas não
propuseram nenhuma nova metodologia.
4
Delimitada a contribuição metodológica dos depen
dentistas e redefinida a eventual influência do marxismo
norte-americano na proposição dos estudos
sobre depen
dência convém dedicar alguma atenção à contribuição de
Andrew G. Frank aos temas da dependência. Alguns de
seus estudos contidos em apitalism and Devolopment in
Latin merica tiveram grande repercussão crítica e foram
contemporâneos à elaboração do que se chama aqui de
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teoria da dependência . Quando foram anteriores, embora
sejam estimulantes, como a tese contra o dualismo agrário
brasileiro, freqüentemente falharam no que diz respeito a
propor temas novos.
fato, a grande questão que se debatia no Brasil sobre
a natureza das relações sociais no campo e seu impacto para
caraterizar um tipo de formação histórico-social não era o
debate entre os partidários de que teria existido uma estru
tura feudal versus os que defendiam o ponto de vista de que
desde a colônia o conceito de capitalismo aplicava-se às
relações e formas de produção vigentes. Nem era o debate
entre pré-capitalismo e capitalismo
t ut urt
embora esta
discussão fosse comum). Estas proposições perdiam força
frente às preocupações daqueles que tentavam caracterizar
o modo de produção prevalecente no passado tomando m
consideração que houve um colonialismo escravista. Salvo
os marxistas evolucionistas mais embrutecidos que de fato
viam no feudalismo uma característica importante da
sociedade brasileira, desde há muito basta referir aos tra
balhos deGilberto Freyre dos anos 30, apesar de seu caráter
celebratório) a discussão centrava-se em tomo da produção
escravista-colonial e da natureza específica de uma forma
ção social que, embora criada pela expansão do capitalismo
mercantil, assentava m relações de produção escravistas e
destinava a parte mais dinâmica de sua produção ao mer
cado intemacional.
s
Frank simplificou o debate, desdenhou
a especificidade da situação procedimento que é contrário
ao dos 44dependentistas ) e não tentou estabelecer qualquer
representação teórica de tipo dialético que unisse num todo
específico o geral e o particular. Com a maestria polêmica
que lhe é peculiar deu golpe de morte nos dualistas, levando
de cambulhada, às vezes sem razão, marxistas e cepalinos.
Não obstante o paradigma da dependência é consumido
nos USA como se ele tivesse centradb sua contribuição ao
debate histórico através da crítica ao feudalismo latino-a-
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sublinhar também a
especificidade
das situações de depen
dência frente às sociedades dos países de economia central.
Assim a formação social subjacente às situações de depen
dência, embora seja produto da expansão do capitalismo,
distingue se do padrão geral na medida que o coloni
alismo escravista ,
ou
outra forma de exploração colonial
qualquer, está na base da articulação entre as sociedades
dependentes e as dominantes. Por outro lado, quando
s
dá
a passagem da situação colonial às situações de depen
dência dos Estados nacionais, observa-se:
a que esta passagem implica na criação.de um Estado que
responde aos interesses das classes proprietárias locais;
b mas que estas têm sua situação estrutural definida no
quadro mais amplo do sistema capitalista internacional,
articulando-se e subordinando-se às burguesias conquis
tadoras do mundo ocidental e às classes que a sucedem,
de tal modo que se estabelecem alianças que unificam,
dentro do país
embora de forma contraditória, os inte
resses externos com os dos grupos dominantes locais;
c como conseqüência, as classes dominadas locais sofrem
uma espécie de dupla exploração: devem produzir um
excedente que satisfaça ao empresariado local e ao inter
nacional.
O movimento que interessava captar era portanto
aquele que derivava de contradições entre o externo e
interno vistos desta forma complexa, que se resume na
expressão dependência estrutural . Se o imperialismo se
substantiva através da penetração do capital estrangeiro,
das invasões no Caribe pelos americanos, da América do
Sul pelos ingleses etc., ele implica também no estabeleci
mentode um padrão estrutural de relações que internaliza
o externo e que cria um Estado formalmente soberano e
disposto a responder pelos interesses da nação . Este
estado é aomesmo tempo e contraditoriamente instrumento
dominação econômica internacional. Por certo as fases
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e fonnas de expansão do capital capitalismo colonial-mer
cantil, capitalismomercantil-financeiro, capitalismo indus
trial-fmanceiro, fonnas oligopólicas de capitalismo multi
nacionalizado etc.) fonnam parte constitutiva das situa
ções de dependência, mas estas só se explicam quando
aquelas fonnas deixam de ser tomadas como enteléquias
ou como condicionamento geral e abstrato, para renasce
rem concretamente através da análise de sua articulação ao
nível de cada economia local
seus diversos momentos.
Buscava-se explicar este processo não como um deSdobra
mento abstrato de fonnas de acumulação, mas como u
processo histórico-social através do qual umas classes vão
impondo sua dominação sobre outras, umas facções de
classevão se aliando ou opondo-se a outras na luta política.
Nesta, o que aparece inicialmente como se fosse inelutável
pela lógica do capitalismo revela sua verdadeira cara:
ganha-se ou perde-se, mantém-se uma fonna de depen
dência ou vai-se para outra, sustentam-se os pressupostos
gerais do capitalismo ou toca-se
seus limites e se antevê
outras fonnas de organização social como uma possibi
lidade histórica, conforme o desdobramento luta de
classes.
Assim desde as proposições iniciais
partia-se daanáli
se dialética: o que interessa era o movimento , as lutas de
classe, as redefinições de interesse, as alianças políticas que
ao mesmo tempo
que mantêm as estruturas abrem
perspectivas para sua transfonnação. As estruturas eram
concebidas como relações de contradição e, portanto, como
dinâmicas.
Este aspecto das relações entre interno/externo foi logo
aceito por vários autores e foi proposto, com ligeiras varia
ções,
vários trabalhos.
s
Os comentaristas norte-ameri
canos mais competentes registraram a proposição e viram
nela algo de novo.
9
Certamente ela o é, mas dentro do
espírito dos esforços que a cada dez ou quinze anos,
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testáveis.
u
sempre foi reticente
em
usar a expressão
teoria da dependência porque temia a formalização do
ppro ch
Não obstante, latino-americanos passaram a es
forçar-se
por
criar uma teoria . Os autores latino-ameri
canos que
se
moveram nesta direção, de inspiração mar
xista quase todos, embora fazendo concessões à tentação
gloriosa de construir
uma teoria - tentação que os levou a
formular definições abstrato-formais e a elaborar tipolo
gias
10
-
mantiveram, contudo, a preocupação
com
estabe
lecer as leis de movimento do capitalismo dependen
te .ll em sempre, a meu ver, tiveram êxito nesta difícil
proeza, mesmo porque existe até uma dificuldade lógica a
transpor: como estabelecer legalidade própria daquilo que
por definição está referido a outra situação que o contém?
Alguns especialistas norte-americanos passaram a cobrar a
coerência interna da teoria da dependência e a estabelecer
um
corpo de hipóteses deduzidas do princípio da depen
dência para testá-las empiricamente. Neste tipo de refor
mulação da dependência os conceitos devem ser unidi
mensionais e precisos e devem referir-se a variáveis clara
mente estabelecidas. Com sua ajuda pode-se medir o con
tínuo que vai da dependência à autonomia e pode-se
caracterizar graus variáveis de dependência.
Entretanto, ao definir desta forma a noção de depen
dência modifica-se também o campo teórico de seu estu
do:
em
vez de fazer-se uma análise dialética
de
processos
históricos e de conceber-se estes últimos como o resultado
da
luta entre classes e grupos que definem seus interesses
e valores no processo de expansão de um modo de produ
ção, formaliza-se a história e retira-se a contribuição espe
cífica que as análises de dependência podem dar meto
dologicamente como a idéia de contradição) e reduzem-se
a ambigüidade, as contradições e as rupturas mais oumenos
abruptas do real a dimensões operacionalizáveis que, por
definição, são unívocas, mas estáticas. Produz-se assim
um
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diálogo de surdos em que uns dizem: dêem-me conceitos
precisos, com dimensões claras, e eu lhes direi, depois do
teste, s as relações entre as variáveis definidas por seus
campos teóricos conformam-se comas hipóteses que vocês
propõem. Outros dizem: eu não estou interessado em defi
nir conceitos unívocos; a mim interessa ressaltar contradi
ções e formular relações que impliquem
que o mesmo
s
transforma
no outro
através de um processo que se dá
no tempo e que vai relacionando, através da luta, mas
classes ou facções) com outras e vai opondo-as a blocos
rivais. Por exemplo: como os mesmos burgueses nacio
nais se internacionalizam e tomam-se outros ou como os
servidores públicos transfonnam-se
burguesia de
estado ao redefinirem o campo dos aliados e dos adversá
rios e assim por diante, num processo que envolve modifi
cações de natureza e não apenas de grau.
O desencontro não é apenas metodológico-formal. Ele
atinge o núcleo dos estudos sobre dependência. Estes, s
têm alguma força de atração, não é somente porque pro
põem uma metodologia para substituir um paradigma an
teriormente vigente ou porque abrem uma temática nova.
principalmente porque fazem isto a partir de uma pers
pectiva
radicalmente crítica
Comefeito, ao admitir que as estruturas têm movimen
tos e que não se podem explicar as mudanças através
da
ação de fatores exclusivamente concebidos como externos
que condicionam e interferem no processo social), os
dependentistas afirmam que existe dominação e luta. As
perguntas sobre como se dá a
transição
de uma situação de
dependência para outra ou sobre como é possível eliminar
situações de dependência devem ser feitas em termos de
saber quais são as classes e grupos que, na luta pelo controle
ou
pela reformulação da ordem vigente através dos parti
dos, dos movimentos, das ideologias, do Estado, etc.), estão
tornando historicamente viável uma dada estrutura de do-
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minação ou a estão transfonnando. Não existe portanto o
pressuposto de neutralidade científica nestas análises.
Elas
s
considerammais verdadeiras porque supõemque
ao discenir quais são os agentes históricos capazes de
impulsionar um processo de transfonnação e ao dar-lhes
instrumentos teórico-metodológicos para suas lutas captam
o sentido do movimento histórico e ajudam a destruir uma
ordem de dominação dada.
São pois
explic tiv s porque são crític s
Não s pro
põe, contudo,
um
conhecimento arbitrário para substituir
outro objetivo . Propõe-se uma abordagem que aceita e
parte da idéia de que a história é movimento e de que as
estruturas são o resultado de imposições que, se
m
podem
cristalizar-se, contêm tensões entre as classes e grupos que
as tornam sempre, pelo menos potencialmente, dinâmicas.
Na luta que se estabelece entre as partes que compõem
uma estrutura não existem dimensões de variáveis
m
jogo,mas tensões entre interesses, valores, apropriações da
natureza e da sociedade, que são desiguais e opostas. Por
tanto, ao falar de desenvolvimento capitalista dependen
te , fala-se necessária e simultaneamente de exploração
sócio-econômica, repartição desigual de renda, apropria
ção privada dos meios de produção e subordin ção de umas
economias por outras. Por outro lado indaga-se, necessa
riamente, sobre as condições de negação desta ordem de
coisas.
Assim, para resumir, os estudos sobre a dependência
prosseguem uma tradição viva no pensamento latino-ame
ricano, que foi revigorada nos anos sessenta graças à pro
posição de temas e problemas que se definiram num campo
teórico-metodológico não só diferente daqueles que inspi
raram as análises keynesianas e estrutural-funcionalistas a
teoria da modernização e as etapas de desenvolvimento que
repetiriama história dos países industrializados), mas radi-
-calmente distinto quanto ao o m p o n n ~ crítico que lhes é
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cussão sobre temas e formas de compreensão da
realidade compatíveis com o processo histórico con
temporâneo?
- A representação teórica da dinâmica deste processo
proposta pelos estudos sobre dependência permite
compreender as formas de expansão do capitalismo
na periferia e vislumbrar realisticamente suas alter
nativas?
- Os estudos feitos permitiram definir as classes e
grupos que nas contendas políticas dão vida às estru
turas dependentes? Permitem eles que
ultrapasse
o quadro estrutural de caracterização para tomar
mais transparente, em conjunturas políticas específi
cas, as relações entre as ideologias e os movimentos
sociais e políticos, de modo a ajudar a ação trans
formadora da realidade?
Quanto à primeira questão se os estudos iniciais sobre
dependência tiveram algo de novo não foi certamente a
afirmação de que existe dependência, o que constitui uma
banalidade, mas sim foi a caracterização e busca de expli
cação de form s emergentes de dependênci Tentaram
mostrar o que significava a industrialização da periferia e
portanto a formação de um mercado interno, pois na Amé
rica Latina não estavam constituindo meras plataformas
industriais para a exportação) sob o controle do que depois
veio a chamar-se de empresas multinacionais . O reco
nhecimento dos efeitos deste processo - a nova depen
dência 3 - foi o ponto de partida para a reflexão deste tema.
Hoje parece que isto constitui outra banalidade. Entretanto,
a concepção arraigada na América Latina até ao final da
década de 1950 era a de que os trusts não se interessavam
pela industrialização da periferia, pois exportavam para ela
produtos acabados; seu interesse fundamental era o contro
le e a exploração de produtos primários agrícolas e mine
rais. A teoria do imperialismo reforçava este ponto de vista,
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I
--
I
O
ças a elas, embora não exclusivamente, pois os estudos dos
cepalinos
á
apontavam nesta direção, chamou-se a atenção
para um quadro temático que deixou de ver o desenvolvi
mento capitalista na periferia como mera conseqüência
da acumulação de capitais no centro, para preocupar-se
com a forma histórica que este processo adquire nas socie
dades dependentes.
Tenho muito maiores reservas na avaliação das expli
cações propostas m muitos destes estudos para dar conta
do processo histórico. Vou limitar-me a mencionar uma
questão que serve de ponto de clivagem entre depen
dentistas . Trata-se da questão da forma como se analisa o
movimento provocado pela expansão do capitalismo na
periferia. Aqui, forçando um pouco a análise para simpli
ficar, há duas modalidades polares de conceber-se o pro
cesso de desenvolvimento capitalista:
- existem os que crêem que o capitalismo depen
dente baseia-se na superexploração do trabalho, é
incapaz de ampliar o mercado interno, gera incessan
temente desemprego e marginalidade e apresenta
tendências à estagnação e a uma espécie de constante
reprodução do subdesenvolvimento (como Frank,
Marini e, até certo ponto, dos Santos);
- existem os que pensam que, pelo menos m alguns
países da periferia, a penetração do capital industrial
financeiro acelera a produção da mais-valia relativa,
intensifica as forças produtivas e, se gera desempre
go nas fases de contração econômica, absorve mão
de-obra nos ciclos expansivos, produzindo, neste
aspecto, um efeito similar ao do capitalismo nas
economías avançadas, onde o xist m desemprego
e absorção, riqueza e miséria.
Pessoalmente sustento que a segunda explicação é mais
consistente, embora o tipo de desenvolvimento depen
dente-associado não seja generalizável para toda a perife-
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ria. À vezes se pensa impugnar a teoria da dependência
ou
vislumbrar nela contradições quando se sublinha que
pode haver desenvolvimento e dependên i e que existem
formas mais dinâmicas de dependência possibilitando in
clusive graus maiores de manobra pelos Estados nacionais
e pelas burguesias localmente associadas ao Estado ou às
multinacionais) do que as que caracterizam situações de
enclave ou de quase colônia. O argumento mais comumen
te usado é o de que, neste caso, passa a existir uma relação
e
interdependência . Entretanto, quando se encaram as
relações entre as economias de desenvolvimento depen
dente associado e as economias centrais não é difícil
perceber que a divisão internacional do trabalho continua
a operar a partir do suposto real de graus muito diferentes
de riqueza, de formas de apropriação desigual do excedente
internacional e do monopólio dos setores capitalistas dinâ
micos pelos países centrais, o que não permite dúvidas
quanto às diferenças entre as economias centrais e as de
pendentes. O setor de produção de bens de capital e a
geração de novas tecnologias, portanto os setores mais
revolucionários a nível das forças produtivas, setores que
são decisivos no esquema de reprodução ampliada do
capital, continuam a localizar-se nos núcleos centrais das
empresas multinacionais. E o endividamento externo é
oscilante mas contínuo nas economias dependentes.
Por fim, neste balanço sumaríssimo, também me pare
em
discutíveis as análises produzidas até agora para cate
gorizar os agentes históricos das transformações sociais.
Tanto os autores estagnacionistas ou subconsumistas ,
que crêem que o mercado interno
é
insuficiente para dar
lugar à expansão capitalista dependente
como os favorá
veis à possibilidade de desenvolvimento capitalista
em
certos países da periferia, geraram, até agora, uma análise
política relativamente pobre. Ou enfatizaram a possibi
lidade estrútural da Revolução e passaram a discutir a
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superação da dependência em função de um horizonte
histórico no qual o Socialismo aparece como o resultado
s
crises crescentes e peculiares de um capitalismo estag
nante, ou previram uma nova barbárie , demonstrando
pendores à repetição de clichês que pouco explicam. Os que
não têm tal visão, entre idílica e catastrofista e eume incluo
entre eles), são reticentes quanto às alternativas políticas.
e qualquer maneira, enquanto os primeiros os catastro
fistas) fazem uma análise política mecânico-formal , os
segundos ou revelam uma boa vontade quanto a
um
capi
talismo autônomo que não se vê
em
como se realizará ou
esboçamexpectativas quanto a um socialismo cujaperson
histórica não se vê desenhada nem nas análises nem, talvez,
na realidade.
Tanto o estilo mecânico-formal dos que crêem nos fins
últimos da história, garantidos pela
ne essári
incapa
cidade estrutural do capitalismo dependente para expandir
se e reproduzir-se quanto o estilo elíptico dos que querem
escapar desta política de Frankenstein, leva os críticos da
dependência à convicção de que o catastrofismo ou a
indefinição permanente são resultados necessários deste
tipo de análise. Para evitá-los, propõem que sejam melhor
definidas as dimensões que permitam medir graus de de
pendência. Com estes, pensam demonstrar que sempre que
os Estados locais aumentem a capacidade de regulamentar
a economia e de contrabalançar as multinacionais, haverá
espaço para maior independência.
Não é esta a ocasião para ir mais fundo neste debate.
Entretanto, não concordo com a idéia de que para melhorar
a qualidade das análises deve-se formalizar a teoria da
dependência e, depois de testar hipóteses derivadas desta
formalização, sair pelomundo brandindo a porcentagem da
variância explicada por cada fator que compõe as situações
de dependência. Em vez de pedir que se faça análises dentro
do padrão estrutural-funcionalista empiricista, é melhor
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pedir que se incremente a qualidade das análises histórico
estruturais.
Ao dizer isto, entretanto, não quero endossar a expec
tativa ingênua de que as teorias sobre dependência expli
cam tudo
ou, se ainda não o explicam, é porque o método
foi mal aplicado. É preciso ter sentido,
já
não diria de
proporções, mas de ridículo, e evitar o simplismo reducio
nista tão comum entre os modernos colecionadores de
borboletas que abundam nas ciências sociais e que pas
seiam pela história classificando tipos de dependência,
modos de produção e leis de desenvolvimento, na doce
ilusão de que com seus achados vão retirar toda a ambigüi
dade, imaginação e inesperado da história. É preciso, ao
contrário, ter a paciência da pesquisa disciplinada por uma
dialética que não seja indolente e não se compraza
em
construir formulações muito gerais e abstratas como se
fossem sintéticas. É preciso admitir que, por sorte, por mais
que os cientistas sociais se empenhem em encerrar em
esquemas as possibilidades estruturais da história, esta nos
toma, a cada momento,
dupes nous-mênles
e nos sur
preende com desdobramentos inesperados.
OT S
1 Bodenheimer, Susanne J -
Tile Ideology
of
Developlllelllalislll:
rh
Alllerican
Paradigm-surogarefor LarillAlllericall Srudies
Berverly Hills, Califomia, Sage Publi
cations, 1971; especialmente toward a new conceptual framework: lhe dependency , p
34-40.
2. Algumas formulações dos estudos iniciais sobre dependência tentam evitar
apresentações simplistas
da
questão. O mesmo vale para alguns comentadores. Há muitos
livros e artigos dispOlúveis em inglês sobre a teoria da dependência . Para uma análise
da
sociologia latino-americana contemporãnea, ver Karl, Joseph -
Modernizarioll -
ploitario n Depelldellcy ill Lariu Alllerica New Brunswich, New Jersey, Transaction
Books, 1976. Para uma revisão extensiva da literatura sobre dependência, ver Chilcote,
Ronald e Edelstein, Joel - Latin America: the struggle wilh dependency and beyond,
Nova Iorque, JoOO Willey and Sons, 1974, lntroduction , p 1-87. Para alguma crítica
e uma proposta alternativa, mas não incompatível, ver Hirsclunan, Albert - genera
lize< linkage approach to development with special reference lo staples , 1975, mimeo.
Para uma crítica e um swnário, adotando wn outro paradigma, Packenham, Robert
Latin American dependency lheories: strengths and weaknesses , mimeo. Para breves,
mas
consistentes sumários, O Brien, Philip -
critique
of
Latin American theories
of
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 149/247
dependency , Glasgow, Institute
of
Latin American Studies, mimeo., e Corradi, Juan
eds.) - Ideology arui Social Change in Latin America no prelo. Para uma visão geral e
para bibliografia, veja BonilIa, Frank and Girling, Robert -
Structures o Dependency
Stanford, 1973.
3. O debate entre a abordagem humanista e a ontológica na interpretação da
dialéticamarxista influenciougrande parte das tentativas dos cientistas sociais brasileiros
de usar essa metodologia.
4. A metodologia do livro
Dependência e Desenvolvimento na América Latina
cuja primeira versão foi um documento do ILPES,CEPAL) é muito próxima àmetodo
logia que usei
em
estudos anteriores sobre escravidão e capitalismo, assim como
em
pesquisas sobre problemas de desenvolvimento e empresariado no Brasil veja, por
exemplo,
Desenvolvimento Econômico e Empresário buiustrial
São Paulo, DIFEL,
1964). Há publicações de muitos outros autores latino-americanos desde começo dos
anos 50 tentanto revitalizar a abordagemdialética.
5. A literatura brasileira sobre este tópico é considerável. Os estudos clássicos são
os conhecidos livrosdeRoberto Simonsen, Caio Pradoe Celso Furtado sobre a economia
colonial. Do ponto de vista sociológico a análise de Florestan Fernandes sobre a
sociedadeescravista e o ancien regime oferece interpretações penetrantes. Todosesses
livros, assim como o livro de lanni, Octavio - s metamorfoses do escravo São Paulo,
DIFEL, 1962 e o meu próprio sobre a sociedade escrava no sul do Brasil, já estavam
publicados quando A.G. Frank discutiu
as
teses sobre feudalismo e capitalismo .
6. Esta é a perspectiva de interpretação proposta por F.H. Cardoso e Enzo Faletto,
em Dependência y Desarrollo Santiago, ILPES, 1976. A versão inicial foi distribuida
em
Santiago
em
1965.
7. Apesardisso, a concepçãousual deuma análise estática de estruturas leva a falsas
interpretaçõesde alguns dosmeusescritos
Fui considerado, em criticas apressadas, como
estruturalista, dentro da tradição de Lévi-Straus, quando não defensor de análise que
desdenha a importância da lutade classes... Veja, para esse tipo de entendimento ingênuo
da metodologia que eu proponho, Myer, John - A crown
of
lhorns: Cardoso and lhe
counterrevolution ,
LatinAmerican Perspective
spring 1975, vol. lI, n.
8. Theotônio dos Santos, porexemplo, apresenta uma visão similar no estudo que
escreveu depois da discussão, em Santiago, do ensaioescrito porFaletto e pormimsobre
Developrnent andDependency . Veja dos Santos - La nueva dependência , Santiago,
CESO, 1968. outros ensaios que publicou depois de seu primeiro artigo sobre La
nueva dependencia , dos Santos propõe demaneira simples e clara o mesmomodelo de
conexão dialética e não
mecãnica entre interesses externos e internos. Veja, especial
mente,
Las
crisis de la teoria dei desarrollo , op
ito
9. lém dolivro de Kahl que é mais abrangente
em
termos históricos e não é
limitado
à
discussão sobreDependência, ver Bodenheimer, S. 1971),
op cit
e Chilcote
and Edelstein, op
ito
Ver tambémPaclrenham, R., op cit p. 4-5.
10. Mesmo dos Santos propõe uma definição formal de dependência e, portanto,
estática e não-histórica)
em
seu conhecido artigo The Structure
of
Dependency ,
American Economic Review 1970, p. 231-236. Vãnia Bambirra tambémcaiu na tentação
de ajudar dos Santos a desenvolver uma teoria da dependência ou do capitalismo
dependente, como ele sugere
em
seu ensaio La crisis de la teoria del desarrollo , esp.
p. 33. O resultado dessa tentativa foi uma nova tipologia de formas de dependência e
algumas possibilidades formais de mudanças estruturais. Veja Bambirra, Vania -
El
capitalismo dependente Latinoamericano México, Siglo Veinteuno, 1974. Bambirra
interpreta de forma equivocada a análise de situações de dependência, sugerida por
Falettoe
pormim
quandoela se refere a elas comose nós estivéssemos propondo tipos
de dependência.
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11. A preocupação com leis de transfonnação na tradição marxista é clara em
dos Santos, assimcomono livro de Vânia Bambirra, Marini, Rui Mauro em - Brazilian
Sub-Imperialism , Molllhly Review n 9, feb. 1972, p 14-24 e em Sub desarrolLo y
RevoLución México, Siglo VeintewlO, 1969, refere-se também a algum tipo de leis
históricas. Mas a interpretação de Marine é lnais analógico-fonnal do que histórico-es
trutural. Sua apresentação das características do capitalisJll0 dependente ein tennos da
superexploração da força de trabalho e da permanente crise de realização do capital) não
se adequa ao processo histórico real.
12 Exemplos disso são as críticas de Packenham aos estudos de dependência e,
correspondentemente, suas contribuições para avaliar o desempenho dos Estados e
economias, em tennosde graus de independência. Veja, especialmente, seuartigo Trend
in Brazilian dependence since 1964 , march
1
1976 não publicado). Outros, apesar de
mna compreensão mais adequada do significado teórico dos estudos de dependência,
incorreram
em
falácias metodológicas. Um exemplo disto é o sugestivo trabalho de
OJase-Dum, Cris, The effects
of
intemactional economic dependence on development
and inequaJites: a cross-national study , Stalúord não publicado). O autor faz compara
ções entre diferentes situações de dependência como se elas fonnassem parte domesmo
continuum de dependência-independência. A análise toma-se, então, fonnal e a-histó
rica. Mesmona abordagemde Durkheim, algmna compatibilidade entre as estruturas que
estão sendo analisadas é requerida na análise comparativa para dar validade aos resulta
dos. Além disso, nmna abordagem lústórico-estrutural a especificidade da situação
concreta é mna pré-eondição para qualquer fonnulação analítica. Entretanto, Chase-Dum
não leva em conta as distinções básicas entre estruturas de classe e políticas numa
economia de enclave, nwna econonúa de exportação controlada nacionalmente, ou nwna
economia industrializada dependente-associada. Misturando dados retirados de distintas
situações de dependência, ele pretende dar validade ou criticar afinnações que foram
apresentadas como características de fonnas específicas de dependência. Não estou
argumentandocontra o uso de estatísticas oudados empíricos lústóricos) como ummeio
de validação ou rejeição de teorias. Estou criticando seu uso inadequado, em tennos
metodológicos e teóricos. AlgW1S outros trabalhos apresentamerros que são paralelos ao
mencionado acima, com uma característica adicional: eles substituem as concepções
teóricas dos dependentistas pelo significadode senso comwndo tenno dependência
e imperialismo). O pretexto para isso é a falta de precisão na literatura. Por precisão,
esses autores entendem wna abordagem positivista. Depois de redefinir
segW1do
suas
concepções a teoria da dependência eles pretendem submetê-la ao teste empírico ,
confrontando as hipóteses com os dados. Que hipóteses, como categorizar os dados e
quem são os autores submetidos à prova depende, obviamente,
da
escolha arbitrária
desses empíricos e objetivos cultores da ciência... Veja, por exemplo, Duval, Raymond
e Bruce, Russet - Some proposals to guide research on contemporary imperialism ,
Yale University, não publicado.
13 Veja, Cardoso, F.H. e Faletto, Enzo - Dependendo e DesarrolLo op. cit. último
capítulo, nova dependência . Dos Santos tomou essas idéias e desenvolveu a carac
terização
em
A nova dependência.
Entretanto, muitos críticos e comentadores não se deram conta das implicações do que
é novo nas situações de dependência dos países industrializados do Terceiro
MWldo
Susanne Bodenheimer, por exemplo, lnanteve a perspectiva do modelo de expansão de
mna fase do imperialismo como a principal característica da nova industrialização :
sistema internacional hoje é caracterizado por: capitalismo industrial avançado ...) as
nações dominantes necessitam importar matérias-primas e, mais importante ainda,
mercadorias e mercados de capital Dependency and lmperialism: the roots of Latin
America Underdevelopmente , in FaIm
aIld
Hodges - Readings un V.S. Imperialism
Boston, Porter Sargent, 1971, p 161). Além disso, o conceito de Bodenheimer de
infra-estrutura
de
dependência relaciona-se basicaIuenle às corporações multinacio-
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nais. Deste modo, novamente, as forças externas dão forma às estruturas internas, sem
mediação interna:
infra-estrutura de dependência pode
ser
vista como equivalente
funcional dewn aparato colonial formal , sustentado por c1asses-elientes que desempe
nham, na AméricaLatina moderna , o papellústóricode burguesia compradora (veja
p. 161-163). Nesta abordagem, o método funcional-formalista está vivo, outra vez. Não
devido ao uso da palavra equivalente funcional
em
si, mas porque Bodenheimer está
comparandosituações a colonial e a capitalista moderna ) construídas sem conteúdo
Iústórico, de umamaneira que Frank algumas vezes usou quando
se
referiu ao feudalismo
e ao capitalismo.
14.Nesse aspecto, o ensaiomais influente foi o de Sunkel, Oswaldo, Transnational
Capitalism and National Desintegration in Latin America , Social Economic Studies
University
of
West lndies, vol. 22, n. I, March 1973. Celso Furtado escreveu alguns
artigos recentemente sobre o capitalismo contemporâneo, acentuando a reorganização
do mercado internacional sob controle das multinacionais e suas conseqüências para a
dominação política internacional.
15. A importância da burocracia de Estado e das empresas estatais na América
Latina foi enfatizada por vários dependentistas . Veja dos Santos, La crisisde la teoria
dei desarrollo , op. cit. p 25, e Dependencia econólnica y altemalivas de cambio en
AméricaLatina ,
em
seu
Dependencia Económica Cambio enAmérica Latina op. cit.
p. 93. Meus pontos de vista sobre o assunto podem ser encontrados em Autoritarismo e
DemocraliZIJção Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. Veja, para desenvolvimentos mais
recentes da discussão sobre o papel do Estado, o penetrante ensaio de o Donnel,
Guillerrno -
Reflexiones sobre las tendencias generales de cambio en el Estado Buro-
crático autoritário Buenos Aires, CEDES, 1975. Marcos Kaplan publicou ensaios
pioneiros sobre a natureza do Estado em sociedades dependentes. Veja, especialmente,
seu Estado, dependencia externa y desarrollo en América Latina , in Nueva Depen-
dencla op. cit., Francisco Weffort publicou também um conhecido e elucidativo ensaio
sobre Estadoe Massas , BuenosAires, Revista Latino americana de Sociologia 1966.
16. Esta não é a ocasião para lembrar a discussão sobre marginalidade . Arubal
Quijano e José Nun contribuíram para essa discussão. Pesquisas recentes e críticas
parecem reorientar a discussão, adotando outras hipóteses com relação a emprego,
marginalidadee industrialização. Veja Singer, Paul, em várias publicações das Cadernos
CEBRAP.
assimcomoElizabeth Jelin e Lucio Kowarick. Vilmar Faria
em sua dissertação
de doutoramento, Urban Marginality
s
a Structural Phenomenon: an overview
o
the
literature. University
of
Harvard, 1976, não só sumaria discussões anteriores, como
propõe novas abordagens para a questão, levando em consideração evidências teóricas
n
questão do emprego e de desenvolvimento capitalista, sem o viés da estagnação .
17. Sobre o subconsurnismo ver os
já
referidos trabalhos de Rui Mauro Marini.
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Capítulo
POR OUTRO
S NVOLVIM NTO
A crise da civilização industrial - como alguns a qua
lificam - evidenciada com maior força depois do curto
período do desafio criado pela alta de preços do petróleo
já absorvida , segundo alguns especialistas) trouxe
à
mesa de discussões todo
um
rosário de novas e velhas
lamúrias pelos males do presente e, quem sabe, despertou
as
esperanças do futuro. Nesta lista, longa, de problemas
chave cuja solução
é
conhecida mas não aplicada, desta
cam-se:
- o desperdício de recursos naturais não renováveis;
- a utilização de tecnologias predatórias
da
natureza e,
pior ainda, poupadoras de trabalho
em
sociedades
carentes de emprego;
- a poluição crescente do meio ambiente;
- as distorções da urbanização, correlatas com as ma-
nifestações mais negativas das formas de convivên
cia que prevalecem nas sociedades de massa au
mento da criminalidade, uso de drogas, insegurança
pessoal, etc.).
Publicado originalmente em Nerfin, Mare ed.), Anolller Development Approa-
ll s
n Slralegies Uppsa1a, Dag Hammarskjold FOllildalion, 1977, p. 21-39.
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Nos países subdesenvolvidos, a estas características
não desejáveis da civilização industrial somam-se ainda
outros problemas que nos países do Centro afetam geral
mente apenas a minorias:
- a curva assustadora, para os discípulos do Clube de
Roma) do crescimento da população mundial;
a possível escassez de alimentos em determinadas
áreas, dolorosa realidade);
a falta de moradia adequada numa civilização que,
ao mesmo tempo, resplandece
prédios de aço e
vidro e pontes.de concreto protendido;
por vezes, até mesmo a falta de vestuário adequado
para a maioria, contracenando com o requinte da
moda que, através da forma atual de comunicação
instantânea, joga pela TV nos olhos das elites do
Sudeste da Ásia, da América Andina, do coração da
África e de todos os bolsões de miséria do mundo, o
fascínio de estilos alternativos da moda, que vão
do gosto pelo antigo , à la Balmain, às fantasias
barrocas de Cardin, ao modernoso de Courreges ou
ao falso estar à vontade de Hecter, num escândalo
de desperdício da imaginação e num escárnio à po
breza do mundo
o súbito salto de curvas demortalidade infantil ou de
pestes como a de meningite ou as de cólera) que
na auto-imagem do mundo narcísico que nasceu
orgulhoso da Revolução Industrial, deveriam estar
soterradas com as trevas da Idade Média;
as estatísticas de desnutrição e subnutrição que des
mentem as belas palavras dos governantes ciosos do
avanço dos últimos trinta anos em países de desen
volvimento médio , que são aqueles, na Periferia,
que conseguiram deslanchar um processo de indus
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-
- o analfabetismo, depois de tantas campanhas de boa
vontade .
A lista seria longa para ser exaustiva, como também é
longa a relação dos remédios propostos. Dentre eles, cabe
mencionar:
- uma utilização racional da natureza, que dê ênfase
ao uso de recursos renováveis e não poluidores a luz
do so ou a força das águas, por exemplo, como
alternativa ao petróleo);
- o emprego combinado de tecnologias intermediá
rias e avançadas, para estabelecer um equilíbrio
entre recursos de capital acumulados e mão-de-obra
disponível;
- o balanceamento em proveito do bem-estar coleti
vo, e não em vez de crescimento econômico) do
número de filhos, orientado por critérios de pater
nidade responsável , que nada têm a ver com as
afliçóes agônicas dos partidários da zero growth r te
nem com as teorias dos neofascistas que se deixam
embalar pela necessidade de ocupar espaços va
zios , na caolha geopolítica dos que não se preocu
pam com a qualidade da vida nestes espaços;
- a reorientação da política de abastecimento,
m
be
nefício de produtores de bens de consumo popular
em geral médios e pequenos), que ao invés das mais
do que ilusórias green revolutions ou das teorias
sobre a capacidade de oferta elástica de alimentos a
partir da grande unidade capitalista de produção;
- o reconhecimento de que os critérios da técnica
industrial para a definição do que seja o abrigo
adequado são também vesgos e de que talvez a
autoconstrução e a transferência direta via expro-
pri ção
redistribuição de recursos habitacionais
têm muito maior eficácia do que os pretendidos
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sistemas autofinanciáveis de fundos habitacionais
sustentados pelos bancos regionais ou domésticos:
- a modéstia, quase monástica, das sociedades não
ostentatórias, omo a chinesa, para coibir o desper
dício e o luxo no estilo de vida;
- a elevação do nível de vida das massas como única
solução real para os problemas de saúde e subnutri
ção, especialmente das crianças e das mães, desmis
tificando os enfoques clínicos, assistenciais ou pura
mente médicos, que se aplicam topicamente
ou
a
camadas muito restritas da população;
- a crítica global da cultura e do sistema educa
cional, revolucionando a concepção prevalecente,
que é elitista, sobre informação e elaboração cultural.
Cotejando-se o que é
om
o que vale, comparando-se
o
mundo
tal
omo
existe
om
o mundo tal como alguns o
querem, o refrão cético de que não há novidade nas propos
tas persiste: utopias, dirão, não penetram a opacidade das
coisas .
E aí começamos a entrar no centro da problemática do
outro desenvolvimento . A opacidade das coisas , a
lógica
d
situação , a trama dos interesses constituídos
são
formas evasivas
de
indicar
sem
denunciar o problema
- seja dita a frase surrada mas verdadeira - da exploração
do
homem
pelo homem.
Neste sentido,
se
é certo que muito se tem dito e
problematizado a partir, digamos, do fim da Segunda Gran
de
Guerra, a respeito dos males e distorções da civilização
industrial , quase tudo tem sido enfocado pelo prisma das
meias verdades, a começar pelo próprio alvo
d
crítica, a
sociedade industrial, como
se
fosse uma entidade que paira
acima
do
interesse de homens, grupos, classes, Estados e
nações. Àmedida que se desce do nível dos problemas mais
gerais os uter limits p. ex.) para os problemas mais
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cas e soluções chamadas científicas cortou em atrozes
divergências os primeiros críticos universais da civilização
industri l b se d n explor ção do
hom m p lo hom m
Na perspectiva redentora dos maiores dentre os críticos
havia a convicção otimista de que o progresso da civiliza
ção e o da consciência viriam de mãos dadas, criando as
condições de possibilidades para uma nova era, triunfalista,
que seria constituída pela força renovadora dos oprimidos.
m século e meio depois, estala no Ocidente a crise
da cultura . A revolta aparece entre os filhos dos ricos,
rebenta entre os rebentos nauseados pela abundância de
uma civilização urbano-predatória que joga nas Universi
dades, ilhando-os e cevando-os com o que de melhor e às
vezes de mais histriônico existe no arsenal das tecnicalida
des e dos volteios humanísticos , milhões de seres que
acabam por descobrir coisas contraditórias. Percebem que
também de pão vive o homem e que este pão é escasso para
a maioria. E percebem que só o pão não basta para os já
saciados. Partem, depois, ou para a arrogância da verdade
descoberta ( ah se vocês fizessem como nós , diziam os
estudantes franceses aos operários, em maio de 68) ou para
a complacência rebelde dos drogados de Berkeley, das
comunas dos naturistas , do horror à civilização, que é a
forma contemporânea de
spl n
byroniano. A generosida
de e o romantismo de toda uma geração jogaram-se - quase
se exaurindo - na contratécnica, na construção de guetos
libertários, na fuga através do que se poderia qualificar de
uma espécie de jansenismo invertido, que vê na negação
extramundana do mundo (depois que se desiludem da
possibilidade de revolucioná-lo pelo exemplo) a tábua de
salvação individual para uma ordem social injusta. Daí
derivam os múltiplos grupos de insurgentes , que não
chegam sequer a ser revoltosos para não pensar que pudes
s m
ser revolucionários. Passeiam seu nojo do mundo sob
o signo de Aquarius pelas estradas da civilização, que
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detestam,
à
procura do Nepal de seus sonhos. Os mais
.disciplinados exibem suas carecas, harmoniosamente con
tinuadas nas batinas brancas e nos pés descalços dos grupos
peripatéticos de zen-budistas mil, que cruzam a esquina da
Quinta Avenida com o Central Park, anunciando, pela sua
só presença, que não querem mais pertencer à civilização
que começou a tomar consciência de si na arquitetura
ridícula) do Plaza e que, de repente, sacudiu o que de falso
e imaginoso, embora atraente, havia no estilo bolo de
aniversário do capitalismo eufórico do século XIX, para
aparecer como uma lâmina crava nos pobres passantes,
férrea e lógica , do edifício
frente, da General Motors.
Mas o clamor que ecoa por toda parte, em benefício dos
d mnés de l terre não brotou apenas da generosidade das
belas almas: houve, e há, vozes e ações vindas do gueto
comona expectativa marcusiana) das minorias negras nos
quentes verões deTrenton, dos campos de batalha das lutas
de libertação nacional da Argélia, do Vietnã, das colônias
negras da África, do Camboja e até mesmo da primavera,
quemuitos acreditavam desnecessária e outros impossível,
das ruas de Praga.
Desta forma, o refrão contra a exploração do homem
pelo homem, que nascera desde o começo da civilização
industrial, começou a construir uma nova utopia - e s
ela não
ação possível- que alargou, sem pô-la
margem,
a visão que a segunda metade do século XIX herdou do
passado a respeito das classes revolucionárias, portadoras
da história. Por várias razões que aqui não cabe discutir, a
ideologia contemporânea sobre a renovação, que pode
servir de cimento para um outro estilo de desenvolvimento,
é mais inclusiva e menos racionalista do que a utopia do
século XIX que, no plano das idéias, a antecede. Não crê
tão cegamente que por impulso do próprio desenvolvimen
to das forças produtivas - e portanto da técnica - as
contradições entre a apropriação privada dos meios de
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produção e a socialização do trabalho irão desembocar
numa nova ordem. Agrega a este patamar básico de racio
nalidade e compreensão uma dimensão voluntariosa, ético
estética, que quer revolucionar a própria matriz cultural da
civilização contemporânea: pretende fundar um outro es
tilo de desenvolvimento .
O homem novo do revolucionário da exemplaridade
o
The
Guevara
-,
o grito dos argelinos contra a tortura,
a guerra do povo de Giap, o socialismo da escassez
repartida de Mao, prolongam-se contraditoriamente
em
outras lutas. Num amálgama não resolvido, elas se juntam
- no plano da motivação para a busca de alternativas - com
o libertarismo quase anárquico do maio francês défense
d interdire), com o racismo anti-racista prenunciado por
Sartre das almas geladas dos negros americanos, com o
apoliticismo revoltado do espírito missionário das mina
rias americanas, com os movimentos feministas como
casá-los, meu Deus, com o Islão socialista?) e até mesmo
com o antiburocratismo latente da primavera de Praga.
desta matriz, confusa e contraditória, que se nutre o
pensamento utópico
como propor estratégias alternativas
sem utopias?) que sopra os ventos de um outro desenvol
vimento . Ele parte de uma vontade coletiva de afirmação
que às vezes aparece como se fosse um protesto solitaria
mente idealista:
prends mes désirs paur
l
realité car je
crois en l realité
e
mes désirs
inscrição nos muros da
Sorbonne
em
maio de 68).
desta matriz também - embora de modo muito me
diatizado - que nasce o movimento pela reconstrução da
ordem econômica internacional. Em vez da fria análise
sobre o imperialismo e sua força - e portanto sobre a
reprodução ampliada de uma impossibilidade de mudança
-,
os povos do Terceiro Mundo, e alguns governos, vêem
na crise do petróleo e na união da OPEP sinais sensíveis de
uma vontade de mudança que começa pelo que, na lógica
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s estruturas, deveria ser o fim: obter uma ordem mais
justa entre as nações, antes mesmo de alterar a ordem
interna das nações.
Proposta nestes termos, a estratégia da libertação inter
nacional parece estar embebida do mesmo espírito dos que
crêem na realidade dos desejos mais que n torça na
realidade. Entretanto, o outro desenvolvimento não se
nutre apenas do hidromel das utopias. A leitura correta
desta vontade de mudança bem pode ser outra: são tantas e
tão profundas as brechas internas dos sistemas de domina
ção - criadas, por certo, graças às lutas de liberação, aos
movimentos das minorias, ao protesto urbano, etc. - que
mesmo no ápice do aparelho internacional de dominação
vêem-se as fendas das estruturas de apoio. Talvez seja esta
a característica mais saliente da forma atual pela qual se dá
a crítica da sociedade opressora: ela surge como luta, como
pressão da Periferia, como pressão da base das sociedades
do Centro, mas surge, ao mesmo tempo, como dessolida
riedade entre parte das elites ilustradas e as classes domi
nantes. Talvez seja por esta razão que a luta pela recons
trução da ordem internacional e das estruturas nacionais de
dominação apareça como uma crise de valores , pondo
m
causa a cultura e a civilização industrial, tanto quanto
as bases sobre as quais elas assentam. Watergate é um
episódio que leva à nova ordem tanto quanto as areias que
bloqueiam o canal de Suez.
Se na utopia do século XIX se acreditava que a substi
tuição da classe dominante pelas classes exploradas poria
fim, automaticamente, à alienação, às desigualdades, a toda
forma de exploração, na utopia do século XX o fetiche das
coisasparece ser tão forte que, simbolicamente, volta-se a
quebrar as máquinas como fizeram os velhos cartistas
ingleses. Tem-se a desconfiança de que com a tecnologia
avançada vem ne ess ri mente o burocratismo e, com ele,
ainda que não exista a apropriação privada dos meios de
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a civilização industrial contemporânea criou,
de
fato, as
basesmateriais para a igualdade
om
decência ao elevar os
patamares mínimos de acumulação
qu á
estão à disposi-
ção
dos homens, tecnicamente falando.
É esta contradição - talvez pela primeira vez na História
- entre uma possibilidade concreta e uma
perfomance
tão
longínqua da satisfação das necessidades de todos, que faz
om
que exista uma espécie de
malaise
mesmo
no
mundo
desenvolvido, que torna cada fruição
um
pecado. Todos
sabem que a utopia de nosso slculo
é
materialmente pos-
sível.
Ela não está enraizada apenas nos desejos, mas existe
como possibilidade nas coisas; e se a lógica das coisas
não leva à sua realização é porque os desejos e os interes-
ses de algumas minorias o impedem. E por isto que o
mundo contemporâneo sofre como um tormento cada grão
de trigo que morre na haste porque interessa a alguns que
ele não seja pão. E como, por outro lado, vive-se num
mundo de comunicações instantâneas e, até certo ponto,
de
comunicações de massa, cada crime que é cometido no
Líbano, cada capitulação da dignidade nacional que é im
posta por uma companhia bananicultora qualquer ao cor
romper
um
presidente, cada agreement que é assinado
so
pressão - seja para derrubar Dubcek no Kremlin, seja para
obrigar, no Ministério das Colônias
em
Washington, os
países confederados a impor embargos a nações que não se
submetem - repercute e mina, no plano moral, a eficácia
da ordemmundial e a incolumidade dos sistemas de domi
nação. E estes, para serem eficazes não podem basear-se
apenas na força: a obediência requer consentimento, a
dominação exige hegemonia.
Por isso, não é de assustar que a definição de um outro
desenvolvimento não apenas excite a imaginação dos
povos oprimidos, afligidos por necessidades materiais, mas
que além disso desperte o interesse do pensamento social
e econômico das nações industrializadas. E, no entanto, até
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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recentemente a ideologia do desenvolvimento encobria um
outro aspecto da realidade que agora se tornou visível:
também existem bolsões de miséria nos países industriali-
zados onde o fruto mais cobiçado da civilização industrial
o incremento do produto nacional bruto acabou criando
os problemas de abundância á apontados: poluição inse-
gurança cidades nada práticas etc. A crítica portanto
desponta da situação dos negros e porto riquenhos m
Nova Iorque dos clúcanos
m
São Francisco dos espa-
nhóis e italianos na Suíça dos argelinos
m
Paris. E a ela
se junta outro tipo de crítica a que se engendra no protesto
urbano das classes populares e no pavor à cidade que
sobressalta as classes dominantes: nos bairros ricos esses
escandalosos bairros dos latino americanos ricos refugia-
dos m guetos cuidadosamente construídos e nas fortale-
zas modernas esses luxuosos edifícios de apartamentos ou
grandes mansões vivem todos aqueles que ainda que
teoricamente sejam consumidores da civilização da abun-
dância de sobremesa têm de engolir para iludir o medo às
cidades o próprio isolamento em circuitos fechados de
fausto e fastio. Desse modo os filhos dos ricos estão
marcados pelo estigma de serem donos de uma civilização
que nega a convivência que de fato cria a situação do
homo
homini lupus
que os pensadores do século XVII tentaram
evitar mediante a política.
É uma civilização de pobreza para a maioria; de medo
para todos.
A alternativa para isso além do valor da igualdade
reside
m
seu complemento que requer liberdade: a neces-
sidade de
p rticip r
Está na democracia. Mas não numa
democracia relegada ao corpo quase místico de um partido
ou a um liberalismo que confunde a representatividade com
a divisão de poderes e confina todo jogo político efetivo ao
cume das grandes organizações estatais ao parlamento ao
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parte inerente do outro desenvolvimento de saída émais
exigente e mais inclusiva. Volta-se para as novas arenas
onde se tomam as decisões das sociedades contemporâ
neas: o sistema educacional o mundo do trabalho as
organizações que controlam a comunicação de massas.
Posto que universal a demanda por igualdade reque
rem-se controles democráticos que neguem o autoritarismo
s
práticas de ensino as quais só fazem reproduzir
escala ampliada a ordem estabelecida. Deve haver uma
educação não só
p r
liberdade mas
n
liberdade; uma
pe gogi o oprimi o com escolas onde a partilha das
experiências entre gerações permita a emergência de solu
ções novas e não apenas a codificação daquele óbvio que
o passado nos legou.
Emcerto sentido este caminho se abre para a busca dos
meios para se chegar a uma revolução cultural. Que não se
tentou só na China mas que insinua alternativas nos atos
da contracultura norte-americana na mobilização das bri
gadas de alfabetização e trabalho em Botswana
2
na gene
ralização da educação de base nas intermináveis refonnas
da universidade e nos movimentos estudantis. A universi
dade tradicional mesmo nas sociedades disciplinadas eslá
vias de se converter num museu rodeado de ricas
experiências de re-criação da cultura que inadvertidamente
se filtram por suas rachaduras rejeitando uma educação
concebida tão-somente como correia de transmissão da
matriz cultural do dominador como meio de impor a
cultura dos senhores às classes e aos povos dominados.
Aomesmo tempo na ausência de um fluxo de infonna
ção democrática e em face do fracasso das grandes organi
zações públicas e privadas em convocar congressos onde
as disciplinas e as nonnas de eficiência da civilização
tecnológica possam ser discutidas compreendidas e aceitas
consensualmente por aqueles que arcarão com seus efeitos
o mundo do trabalhador continuará sendo não só alienante
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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mas também a base para o autoritarismo tanto nas socie
dades capitalistas como nas socialistas. Por esta razão um
outro desenvolvimento - que se deve basear na mobili
zação das massas - terá ao mesmo tempo que se haver
com a necessidade de desenterrar as sementes do totali
tarismo mediante uma democracia de participação implí
cita aliás nessa mobilização. Democracia de participação
significa discutir a nível das comunidades trabalhadoras
educacionais e políticas o que o porquê e o para quem das
decisões antes de partir para qualquer tipo de centra
lização. Evidentemente numa revisão crítica dos valores
herdados pelas sociedades contemporâneas a idéia do pro
gresso técnico e da racionalidade não é descartada mas
redefinida. O objetivo agora é o cálculo social dos custos e
benefícios e não a pseudo-racionalidade do mercado - que
é na verdade a racionalidade da acumulação e da apropria
ção por uns poucos do resultado do trabalho da maioria.
O alvo é a expansão do bem-estar coletivo não umaumento
da produção. Evidentemente tudo isso requer níveis eleva
dos de inversão e acumulação mas agora o centro de
atenção passa a ser a orientação dos investimentos e as
formas de controle sobre o processo de acumulação.
Que não se confunda a discussão deste projeto de um
outro desenvolvimento com a polêmica entre crescimen
to zero e desenvolvimento nem com o confronto entre a
insana atitude dos que rezam bendita seja a poluição e a
ingenuidade dos que acreditam ser melhor deixar de pro
duzir do que contaminar o ecossistema ou entre os que
apregoam a ruralização do mundo e os que cantam as
virtudes da urbanização a qualquer preço. Nestes termos a
discussão só pode dar num diálogo de surdos.
Quando os defensores de um outro desenvolvimento
insistem
que a racionalidade social deveria prevalecer
sobre a racionalidade instrumental pseudotécnica estão
simplesmente reafirmando que o mundo contemporâneo
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pode contar com alternativas mais ricas e variadas; que, se
bem seja certo que para poder repartir é preciso crescer, por
outro lado não é verdade que o crescimento por si só levará
a uma repartição justa dos frutos do progresso técnico entre
as classes e as nações.
um esforço por expressar de forma sintética um estilo
mais igualitário de desenvolvimento, que requer maior
participação e controle democrático sobre as decisões por
parte daqueles que sofrem suas conseqüências e, ao mesmo
tempo, uma substantiva racionalidade social no emprego
dos recursos, na utilização do espaço, na seleção de tecno
logias e no estudo atencioso dos impactos negativos que o
processo de crescimento econômico possa ter sobre o meio
ambiente, cunhou-se o termo ecodesenvolvimento.
No
ecodesenvolvimento não há lugar para a posição cínica
daqueles que, nos países ricos, propõem o não-desenvolvi
mento e na não-poluição e, por conseguinte, a não-indus
trialização, tal como a concebem da Periferia. Os que
apóiamo ecodesenvolvimento não crêem no congelamento
do status quo nem na diminuição das possibilidades das
nações subdesenvolvidas de alcançarem uma civilização
material menos carente que seria a conseqüência do cres
cimento zero . Ao contrário, defendem um crescimento
autônomo e diferenciado respeitador, portanto, das carac
terísticas culturais, espaciais e políticas do Terceiro Mun
do .
O conceito - e a meta estratégica - que resume esta
forma de desenvolvimento é o de
autoconfiança e autono-
mia
u
seja, uma categoria política que rejeita a idéia de
que a superioridade tecnológica das grandes potências é
inevitável. E que, por isso mesmo, implica a não-aceitação
do monopólio das tecnologias sofisticadas, esta forma me
diante a qual as economias centrais e seus setores mais
dinâmicos - as corporações transnacionais - procuram
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garantir sua dominação sobre as economias dependentes do
Terceiro Mundo.
Até recentemente, a indiscutível primazia da tecnologia
deixava os países do Terceiro Mundo
s m
nenhuma outra
alternativa senão copiar o modelo da civilização industrial
predatória, para assegurar sua integridade nacional ou para
manter esta ilusão e para levar a cabo um processo de
crescimento industrial que tornasse possível - talvez, e no
futuro... - o aumento do nível de vida de suas empobrecidas
massas. A descoberta militar de que as forças guerrilheiras
são capazes de derrotar os exércitos modernos, sempre e
quando tenham respaldo popular, dissipou outra ilusão
tecnocrática, no transcorrer de uma experiência histórica
que vai do desastre francês mDienBienPhu à derrota dos
Estados Unidos no Vietnã propiciada
m
parte pelo desen
canto om os objetivos da guerra que as elites culturais, as
minorias e os jovens dos Estados Unidos experimentaram .
Hoje, não são só os povos do Terceiro Mundo que
buscam alternativas. Também na consciência agudamente
crítica de seus mais destacados representantes técnico-cien
tíficos vem se aninhando a convicção de que:
- o modelo tecnológico que os países industrializados
exibem não pode ser aplicado sem provocar sérios
transtornos, a menos que seja acompanhado de sig
nificativas redefinições do controle político e de suas
conseqüências sociais;
- existem alternativas viáveis de solução; só que re
querem imaginação, pesquisa e reorientação das in
versões p. ex., por que manter a custosa tradição da
Cloaca Máxima nas novas metrópoles do Terceiro
Mundo que ainda não possuem amplas redes de
esgoto, ao invés de buscar métodos de eliminação de
detritos mediante técnicas naturais e orgânicas, para
a casa ou os quarteirões? ;
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- não existem argumentos convincentes para vincular
as economias subdesenvolvidas a formas de depen
dência tecnológica economicamente exploradoras
baseadas
marcas registradas, know ow e outros
contratos. Estes poderiammuito bem ser transforma
dos
patrimônio das economias nacionais, com a
condição de que os países do Terceiro Mundo se
organizem técnica, científica e politicamente para
controlar as atividades das empresas multinacionais
neste campo e obrigá-las a compartilhar o conheci
mento técnico;
- a revolução cultural dos países do Terceiro Mundo
deveria incluir
seus objetivos a formação de
quadros tecnicamente qualificados.
Precisamente porque uma crise de confiança nomodelo
industrializante-predatório se instalou entre as elites dos
países desenvolvidos e porque as novas sendas rumo ao
desenvolvimento e à coexistência internacional dependem
ação autônoma dos homens e das mulheres do Terceiro
Mundo, os povos da Periferia estão convencidos de que são
possíveis, sim, estilos alternativos de desenvolvimento.
Uma crescente autoconfiança está levando estes povos,
através de seus representantes e de alguns governos, a
buscar o apoio mútuo
vez de confiar na ajuda prove
niente do Centro, particularmente a que se vincula a inte
resses militares ou das multinacionais , sobejamente desa
creditada.
Com base
tais valores, alguns dirigentes da comu
nidade internacional,
declarações junto às Nações Uni
das,
reuniões especializadas como a que resultou na
declaração de Cocoyoc
e em alguns foruns especiais que
vêm sendo criados para a discussão de novas estratégias de
desenvolvimento como o Forum do Terceiro Mundo ,
começaram a definir os objetivos que deveriam guiar a
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nova ordem internacional e dar consistência a um outro
desenvolvimento .
Na medida em que o conceito de autoconfiança e
autonomia reconhece implicitamente a diferença de expe
riências históricas dos povos e defende a contribuição real
que as massas empobrecidas têm a oferecer para a solução
de seus próprios problemas esta corrente de opinião hoje
em
voga acaba sendo por sua cabal honestidade modesta:
não propõe fórmulas nem modelos nem planos de ajuda
e assistência . O outro desenvolvimento obriga a descar
tar dentro das Nações Unidas nos governos e entre as
elites a vã pretensão de que a meta final já está clara e de
que é tecnicamente possível elaborar o programa de ajuda
e planejamento que indicará o caminho para o mundo
maravilhoso.
O ponto de partida portanto é totalmente oposto ao que
inspirou as fracassadas décadas de desenvolvimento .
Nessa estratégia computaram-se as brechas entre os
países industrializados e os do Terceiro Mundo; precisa
ram-se as porcentagens do PNB que os países ricos teriam
que oferecer à guisa de contribuição aos países pobres;
e os organismos especializados resolveramdar apoio finan
ceiro e técnico aos planos e programas que seriamaplicados
no Terceiro Mundo com o fim de aproximá-lo mais do
mundo industrializado.
Gratuito injusto até seria afirmar que todo o aparato
da cooperação internacional deu em nada. Existem algumas
experiências relevantes em programas específicos que real
mente funcionaram. E a pretexto destes programas e ações
- especialmente de órgãos como as Comissões Regionais
s
Nações Unidas - estabeleceu-se
um
rico intercâmbio
de opiniões e experiências entre técnicos e administradores
que por sua vez travaram contato com instituições e
personalidades do mundo industrializado as quais acaba
ram por se sensibilizar pelos problemas dos países do
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Esta exigência deveria se traduzir numsistema compos
to ao nível das agênciasmais ativas da ordem internacional,
numa espécie de tribuna que desse voz não apenas às
delegações dos governos, mas principalmente
às
minorias
políticas que normalmente correspondem à maioria da
população). As delegações por países deveriam ser integra
s
pelas categorias sociais, como consumidores, traba
lhadores de todo tipo, mulheres, minorias étnicas e religio
sas, jovens, camponeses pobres, moradores de bairros pe
riféricos, etc. Isto daria maior autenticidade aos foruns
internacionais e permitiria aos países ampliar o tipo de
representação baseado nos valores de uma democracia de
participação.
No plano de uma igualdade formal entre nações, é
ilimitado o número de reformas que se poderiam concreti
zar combase nos ideais de outro desenvolvimento . Basta,
aqui, uma referência ao poder de veto e às situações
def to
que levam a vetar as minorias nos organismos financeiros
especializados p. ex., o Fundo Monetário Internacional e
o BancoMundial) bem como nos organismos políticos.
certo que não seria realista pretender abolir as desigualda
des econômicas e estratégias entre as nações mediante
declarações de princípios e intenções. Mas não seria tão
ilusório propor um sistema de contrapeso que se propuses
se, p. ex., organizar secretariados das delegações do Ter
ceiroMundo para criar e fortalecer grupos informais como
o dos 77 ou o dos não-alinhados), ou organizações regio
nais como o recém-criado Sistema Econômico Latino
Americano - SELA), ou ainda organizações formadas es
pecificamente por países produtores de matérias-primas,
das quais a OPEP foi a primeira. E seria particularmente
necessário, para sermos fiéis ao princípio de autoconfiança
e autonomia, que o Terceiro Mundo tivesse acesso aos
recursos organizacionais e financeiros para que seus países
tivessem voz na discussão das metas e experiências de
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desenvolvimento e que, além disso, se facilitasse o contato
direto e a troca de experiências entre líderes e militantes de
movimentos sociais.
A concretização de um outro desenvolvimento nos
países do Terceiro Mundo é ainda mais difícil. De saída,
urge precisar e desmistificar noção mesma de Terceiro
Mundo,já que as experiências lústóricas desses países, seu
relativo graude avanço econômico e seus sistemas políticos
e sociais são extremamente variados. Vale dizer que a
linguagem usada para aludir à unidade do Terceiro Mundo
é, commuita freqüência, mais que retórica.
Pois bem, o novo enfoque dos problemas do desenvol
vimento começa por reconhecer a diversidade dos pontos
de partida e a fase atual do processo histórico dos países
subdesenvolvidos. Qualquer pretensão de impor ummarco
único às aspirações e possibilidades destes países signifi
caria repetir o mesmo erro cometido no passado, quando
neles se procurou reproduzir a experiência dos países in
dustrializados. Esta advertência é válida e necessária de vez
que, por muito fascinante que seja a experiência de cons
truir sociedades socialistas
em países de economia agro
camponesa como no Vietnã ou no Camboja), ou empaíses
barrados
em
sua aventura histórica pela experiência colo
nial ou pela relativa falta de recursos naturais Tanzânia e
agora Guiné) - ou ainda em países com uma experiência
cultural pelo menos tão antiga e rica quanto a ocidental
China ou os países islâmicos do Norte de África) seria
precipitado e errôneo compará-los, p. ex., com grande parte
dos países da América Latina, alguns dos quais são alta
mente urbanizados, relativamente industrializados e, em
bora dependentes, assimilaram quase por completo a cultu
ra ocidental p. ex., Argentina, Uruguai, Clúle e, em certa
medida, também o Brasil). Aqui as rotas rumo à igualdade,
à democracia de participação e à autonomia seguem traça
dos completamente distintos dos do socialismo agrário.
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Inversamente, em certos tipos de países -
grosso modo
praticamente todos os do Sul da Asia que margeiam o
oceano Índico até o extremo do SudesteAsiático, claro que
com
as óbvias diferenças e especificidades do subcontinen
te
indiano - a concretização dos objetivos e ideais de
igualdade, de democracia participativa, de revitalização do
espaço regional
em
termos de ecodesenvolvimento, de
ativação das forças básicas da sociedade e de autonomia,
poderia fazer pensar em semelhanças eletivas que são, de
fato, estruturais com o modelo
de
socialismo igualitário e
frugal que parte da expropriação agrária e tem sua base
sócio-política e econômica na comuna estilo chinês. Evi
dentemente, o fato de caracterizá-los desse modo não relega
tais países ao agrarismo a China se industrializa ; e nem
se descarta o ideal de vida proletário. Mas confere ao
processo de transição o colorido de uma democracia quase
direta, de uma via antiburocrática e de uma renovação
puritana de fato não-urbana dos estilos de vida que os
separa bastante, p. ex., do estilo de vida política do Magreb,
onde ao colonialismo comercial se soma o feudalismo
agrário. Neste a importância da urbanização se deve à
produção artesanal, stricto sensu às manufaturas oriundas
força do bazar - essa herança da Idade Média
tudo
isso organizado através de uma tradição cultural baseada
em hierarquias e exclusões muito mais marcadas do que as
encontráveis no feudalismo agrário asiático,
já
deteriorado
por séculos de submissão às múltiplas burguesias mercan
tis. De modo semelhante, a riqueza das situações sociais
derivadas da coexistência de diferentes formas de produção
reorganizada pelo neocolonialismo conseguiu liquidar a
base agrícola tradicional de muitos países da África negra,
sem
contudo substituí-la por uma economia urbano-indus
trial ou urbano-mercantil capaz de sobreviver sem vínculos
coloniais. Nesses países impõe-se, pela crise do domínio
colonial e a passagem para um estilo de desenvolvimento
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livre, auto-sustentado, igualitário e democrático, a necessi
dade de um reinvenção da sociedade. O que abre à imagi
nação do Terceiro Mundo um vasto campo de experimen
tação.
Já aos países latino-americanos as oportunidades que
se oferecem neste sentido são muito mais restritas. Muitos
deles atravessam uma experiência histórica predetermina
da no destino industrial urbano de suas sociedades e já não
há lugar em alguns não houve nunca) para assentar os
alicerces de uma forma comunitária de sociedade. Outros
- especialmente aqueles em cujas sociedades ainda está
latente o peso das civilizações andinas anteriores à coloni
zação - têm
um
problema rural maior e, por isso mesmo,
qualquer estratégia de desenvolvimento alternativo deveria
levar
em
conta o que disse
um
dos mais importantes pen
sadores sociais do Continente, falando de seu país:
um
revolução, ou se faz em função da população indígena, ou
fracassa. Escusado dizer que, mesmo nestes casos, continua
sendo necessário incrementar a eficiência tecnológica das
economias locais. E longe de mim insinuar que a única
coisa relevante para a experiência histórica desses países
seja a ruralização. O que desejo é apontar para a definição
e o encadeamento dos objetívos estratégícos, os quais, para
terem legitimidade, deveriam sempre responder por quê?
e refletir o fato real de que o verdadeiro sujeito da história
não são os indivíduos, mas as categorias sociais.
Lembrar, de modo assim tão breve, a diversidade das
alternativas e dos fatores que condicionam os caminhos
abertos para os países do TerceiroMundo,
em
sua luta pela
autonomia e pela liberdade, não implica inação ou deses
pero diante de tamanha diversidade. Ainda que diferentes
os caminhos, as metas básicas são as mesmas. Carece, isto
sim, arquitetar alguns indicadores para poder medir seu
desempenho, aplicá-los e estudá-los pelo menos om o
lVesmo entusiasmo invertido na medição do crescimento
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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econômico. Há pouco mais de duas décadas, expressões
como produto nacional bruto, renda per c pit coeficien
tes de importação, etc., eramdesconhecidas da maioria dos
homens de Estado, jornalistas, estudantes e das pessoas
em
geral.
om
as décadas de desenvolvimento, estas medidas
de diferenciação econômica passaram a fazer parte do
linguajar do dia-a-dia.
á é tempo de reorientar esforços para a medição dos
resultados do desenvolvimento com o auxílio de indicado
res centrados, desta vez, na
qu lid de vid
e na
igu l-
d de na distribuição de bens e_serviços. Houve progressos
neste campo, tanto no sistema das Nações Unidas nos
esforços de pesquisa e sistematização da UNRISD, p. ex.),
quanto
em
países isolados. Mas ainda não se progrediu o
bastante para que, p. ex., os créditos internacionais sejam
vinculados ao melhoramento objetivo do bem-estar do
povo e para que haja indicadores do bem-estar do povo tão
precisos como os que atualmente medem a solvência na
cional, a taxa de inflação e o índice de crescimento.
Há instrumentos metodológicos para medir, ex, a
taxa de concentração da renda como o coeficiente Gini),
as necessidades nutricionais ou as deficiências do nível de
salário mínimo. O que ainda não existe - e esta é uma área
em que é preciso empenho, se se deseja chegar a um outro
desenvolvimento - é a vontade política de transformar
estes índices
em
instrumentos de pressão para aumentar a
igualdade e melhorar a qualidade de vida. Cumpre, pois,
investir muito esforço na medição sistemática e numa
ampla publicidade, para que os resultados de simples ava
liações possam revelar, por exemplo:
- a evolução da taxa de concentração da renda
em
cada
país;
- a distribuição da riqueza e dos salários incluindo
uma análise comparativa, a nível internacional, dos
salários mais baixos e mais altos por tipos de empre-
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sa; salário médio, mediano e modal
diferentes
tipos de empresa de vários países, diferenças entre
salários pagos em diferentes países por um mesmo
tipo de trabalho pelas mesmas empresas multina
cionais, etc. .
- os artigos básicos da cesta de compras de um traba
lhador urbano e de u trabalhador rural, e o número
de horas que o trabalhador emprega, cada país,
para adquirir estes bens de consumo ordinário;
- um
time u get
no qual se possa ver o modo como
as diferentes classes sociais distribuemsuas energias
entre lazer, trabalho, transporte, assistência médica,
etc.;
- o alcance dos sistemas de seguro social, para identi
ficar sobretudo o relativo grau de diferenciação ou
igualdade nos serviços de assistência oferecidos a
diferentes categorias
cada país;
- as formas como se financia a Previdência Social, a
fim de avaliar sua eficácia real como instrumento
para a distribuição da renda e para a igualdade social,
ou a fim de desmascarar os mecanismos que permi
tem - como sói acontecer nos países subdesenvolvi
dos - a transferência de recursos dos pobres para os
mais pobres, sem tocar na distribuição global da
riqueza nem nos privilégios das classes de rendas
mais altas;
- os mecanismos dos sistemas tributários, especial
mente para desvendar aspectos tais como a propor
ção entre os impostos diretos e os indiretos, etc.
muito longa a lista dos indicadores sociais mais
significativos. Por isso mesmo, o critério a seguir sua
seleção deveria obedecer ao grau de sensibilidade que
possuam para medir a igualdade social. Não obstante, o
juízo crítico dos conceitos do atual modelo de desenvolvi-
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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mento não tennina aqui: também se deveria incluir como
parâmetros o grau de liberdade real do povo e sua partici-
pação
no
controle sobre as decisões. Na busca de métodos
para construir indicadores simples que possam ser usados
sistematicamente e que tenham uma aplicação assegurada
e universal tudo ainda está por fazer. A defesa das liberda-
des básicas tanto individuais como sociais tem sido con-
fiada a umas quantas instituições e organizações geral-
mente privadas cujas repetidas denúncias perderam força
exatamente porque repetidas. E porque também partem de
entidades que têm sido acusadas muitas vezes de defender
interesses privados ou de depender ideologicamente de um
detenninado partido.
Não seria o momento de começar a criar partindo de
ummovimento que brota do Terceiro Mundo uma espécie
de Tribunal de Consciência Política formado por repre-
sentantes dos governos dos sindicatos das Igrejas das
universidades dos intelectuais que anualmente pronun-
ciasse sentença com base em regras previamente estabe-
lecidas de comum acordo sobre o grau de progresso
alcançado pelos povos e governos em seu desenvolvimento
político? m vez de seguir os modelos de liberdade
ou
de
opressão institucionalizada que o Centro propõe à Periferia
não deveríamos buscar inspiração na democracia
de
parti-
cipação que emerge no Terceiro Mundo para fixar as pautas
de conduta civil social e política que nos permitam medir
os avanços efetivos do povo nas áreas de expressão dó
pensamento da organização de novos campos de debate e
decisão da garantia dos direitos das minorias e das
oposi-
ções da rejeição da tortura e da violência?
As deficiências do utopismo não deveriam assustar
que desejam reformar tanto a ordem
s o ~ l
e econômica
quanto a moral. Também era utópico imaginar durante a
guerra fria e a era McCarthy que os happenings as m r-
chas as acusações à CIA e às intervenções em telefones as
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manifestações pacifistas etc. iriam levar - nos Estados
Unidos mesmo - a uma profunda ruptura com o despotis
mo que foi dar
em
Watergate e na impossibilidade de
continuar a guerra no Vietnã.
Será impossível propor e começar a implementar nor
mas de conduta política gestadas nas escuras profundezas
da opressão em tantos países onde a violência e a repressão
seerigiram
em
padrões de segurança nacional? Tais normas
podem finalmente revelar que este outro desenvolvimen
to que buscamos ainda que faça sua aparição na esfera
econômica deságua noplano social e adquire uma dimen
são política através da igualdade que propõe e do tipo de
participação que propugna. Mas o outro desenvolvimen
to só se cumprirá quando encontrar um meio de trans
formar a utopia em realidade do dia-a-dia restituindo
à
experiência humana uma dimensão que ainda que moral
não é nada irreal. Entretanto a força desta dimensão não
está na ot:gulhosa salvação do indivíduo mas no humilde
reconhecimento de que a expressão da existência e a inte
gridade do indivíduo dependem de um acordo e de uma
ação que só podem ser coletivos. Neste sentido o princípio
de autoconfiança e autonomia implica a esperança e a fé de
que
já
é
possível inscrever nas coisas as metas que deseja
mos alcançar.
. É com esta convicção que aqui se propõem a reconstru-
. ção da ordem internacional e a construção de sociedades
mais igualitárias democráticas e autoconfiantes. Novas
sociedades combase não no subdesenvolvimento da Peri
feria e na estagnação do Centro mas num estilo de desen
volvimento cuja raison
d être
é o cálculo social de custos
e benefícios.
OT S
Ver Bourdieu Pierre e Deisant Yvcllc - ecouluricr
sa
griffe: contribution
à
une
Iheorie
de
la magic .
aris
cres
n.
l jan
1975.
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 180/247
2. VerRensburg, Palrickvan -
Reportfrom Swallellg Hill Educarioll
m
Employ-
mem
in
n fric n
Coulllry
Uppsala, The Dag Harnrnarskjõld FOWldatioll, 1974.
3. O melhor enWlciado desta problemática se encontra em Sachs, Ignacy - nvi-
roruunent and Styles
of
Development . In: Malhews, Willian H. org.) - Outer Limits
and Hurnan Needs. Uppsala, The Dag Harnrnarskjõld FoWldation, 1976.
4. Ver Developlllelll Dialogue Uppsala,lL
2 1974
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 181/247
apítulo
o
ESENVOLVIMENTO N
BERLIND
Não bastou a Segunda Grande Guerra paramostrar aos
crédulos habitantes deste planeta que o século XIX termi
nara. A crença no
progresso
não se abalou apesar da
destruição causada por duas Guerras Mundiais do fanatis
mo político hitlerianomassacrando populações inteiras m
suma da reminiscência dos horrores da guerra numa escala
m que nem a imaginação fervente de Goya antevira e que
necessitou da sintaxe picassiana para simbolizar m Guer
nica o irracional corporificado. Talvez porque contradito
riamente foi a ciência quem possibilitou a destruiçãomáxi
ma. A razão domesticada nos canais técnicos ajudou a
ponstruir a possibilidade do irracional absoluto. Tocava-se
assim os limites o possível: a destruição da humanidade
é uma façanha ao alcance do Dr. Strangelove. Mas conti
nuou-se a crer por algum tempo na vitória da razão.
Pouco a pouco quando a racionalidade formal atingiu
um ponto de máxima e o cientista vestiu o fetiche do grande
sacerdote escondendo por trás de sua sacralidade a força
do guerreiro do empresário e do político as indagações
mais céticas começaram a roer o coração da fera que é o
Publicadooriginalmente como El Desarrollo en
el
Banquillo
aderno do ILET
México DEE/Di24/e ago/1979.
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http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 182/247
cérebro. Até que ponto o século de Luzes se corporificara
no Século do Progresso e este dera à nossa época a Vitória
da
Razão?
Nesta altura, com o risco do confronto global como
possibilidade para dirimir as querelas entre Socialismo e
Capitalismo, ou melhor, entre URSS e USA, o velho em
pirismo do trial and error começou a substituir a crença
totalizante e metafísica que cada um dos dois Blocos tinha
e em larga medida ainda a tem) de qtre encarnam isolada
mente a vitória da razão e o apogeu do humano. Entretanto,
a reconversão da história dos deuses à crônica dos homens
vem
sendo feita penosamente e nunca às custas do Olimpo.
A paixão do impossível se deslocou para o Vietnã de tantos
heroísmos, para o solomilenar de uma Judéia pavimentada
de cadáveres massacrados pela penúltima palavra da técni
guerreira, para o Chifre da África das incertas fronteiras.
Já que não se pode incorrer no risco da confrontação global,
os limites orgulhosos da Razão passaram a se delinear sob
os corpos queimados dos que não sofreram o batismo da
civilização tecnológica .
Seria difícil, depois disso, que o próprio cerne da civi
lização ocidental permanecesse intocado: o que está em
jogo
é
a crença na Razão, ou pelo menos a crença no modo
pelo qual a Razão se faz presente como Técnica e como
princípio formal de ordenação do mundo.
Deriva daí também, embora nem sempre de modo
imediato, a crise da idéia de desenvolvimento e, mais
especificamente, de desenvolvimento econômico. Para en
tender-se a contribuição das ciências sociais ao debate
contemporâneo e para delimitar seus alcances é necessário,
portanto, ver do ângulo deste debate o mesmo grande
problema que atormenta, a nível mais geral, o pensamento
ocidental. A consciência da existência de um problema do
desenvolvimento , que constitui o b-a-bá da contribuição
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sobre o Terceiro Mundo, supôs sempre um parâmetro:
sabia-se o que significava o progresso e este era almejado.
Hoje,
no
centro, põe-se
em
dúvida a idéia de progresso e
nem todos, na periferia, almejam o tipo de progresso que
pennitiu a construção da civilização contemporânea, gra
ças ao domínio da Técnica pela Razão.
natural que no início da crítica o alvo seja pouco claro:
pensa-se que é a razão em si quem perverte; o
om
selva
gem
atrai novamente. Mas seria pouco convincente que a
erosão crítica parasse aí. O desafio que se antepõe diz
respeito precisamente ao velho problema, que foi de Marx
e
e
Weber também: será possível ir mais além da razão
formal e inquirir sobre os porquês e os para quem?
Ao analisar as novas propostas sobre o desenvolvimen
to tratarei de mostrar que assistimos os primeiros balbucios
de uma nova visão do mundo. Nestas propostas faz-se
freqüentemente tábula rasa do que constituiu no passado
imediato a crença fundamental dos reformadores: a idéia
de acumulação da riqueza, de progresso técnico, de distri
buição racional de recursos planejamento) como instru
mentos para atingir-se ideais humanistas. Neste ímpeto, os
revisores esquecem, freqüentemente, que se as propostas
o
século XIX acreditavam na Razão, queriam alcançar
seus objetivos por intermédio da Revolução. Esta não
só
englobaria um momento da vontade e não necessariamen
te de racionalidade) como se efetuaria pela destruição da
Dominação. Hoje junto com a descrença no progresso
surge uma espécie de desalento quanto à capacidade genui
namente transformadora das instituições. Tal como
se
o
Estado tivesse engolfado a sociedade e frente ao novo
minotauro, apoiado na Técnica, só restasse o desespero
jansenista de refugiar-se do pecado no próprio ~ u n o
constituindo aldeias que dariam a ilusão de serem globais
global villages ), sem acreditar mais na possibilidade de
destruir a dominação ou pelo menos de refonnar o Estado.
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Para os novos filósofos , por exemplo, a dominação é um
o
e o estado revolucionário (libertador) é um contra
senso. Assim restaria somente reforçar as áreas individuais
de reação e liberdade, num retraimento da problemática
política, até o interior das aldeias auto-suficientes.
Ora, se
algo se baseou a perspectiva desenvolvi
mentista pelo menos tal como foi elaborada na América
Latina, foi precisamente na capacidade de identificar pro
blemas, tentar superar obstáculos e abrir caminhos para a
acumulação da riqueza e para que se pudessem partilhar os
frutos do progresso técnico. Na arremetida nesta direção,
se houve instituição na qual nossos reformadores iluminis
tas fizeram fé, foi no Estado. A crise da ideologia contem
porânea atinge
cheio, portanto, o instrumental analítico
que construímos no passado.
Neste ensaio farei brevíssima síntese da teoria do
desenvolvimento que se elaborou na América Latina,
mostrarei o começo do movimento reflexivo que a criticou
··desde adentro , através da · teoria da dependência e
procurarei assinalar as mudanças tanto nos termos
que
se coloca o problema do desenvolvimento nomomento
que se intensificam as demandas por uma nova ordem
econômica internacional , quanto nas ideologias vigentes
sobre os novos ··estilos de desenvolvimento . Na medida
do possível, farei o contraponto entre o pensamento que
procura sintetizar as demandas da Periferia por um mundo
reformado e as orientações valorativas que se estão consti
tuindo nas sociedades industriais avançadas. Por fim, ten
tarei desenhar os parâmetros da Nova Utopia que parecem
estar entre a recolocação válida dos estilos de desenvolvi
mento e a revitalização da crença na possibilidade de
controle social da Razão. Quem sabe, por esta via, o século
XX escape da camisa de força que lhe foi imposta por uma
visão demasiado otimista da capacidade da Inteligência,
sem deixar-se engolfar pelo coletivismomilenarista ou pelo
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individualismo que pode ser racional mas dificilmente
engloba a ânsia pelo coletivo que também é parte consti
tutiva dos anseios contemporâneos.
A teoria latino-americana do desenvolvimento
prestígio de algumas idéias nascidas
na EP L
a
respeito do desenvolvimento econômico poderia fazer crer
que
se
desenvolveu
um
corpo analítico de proposições
relativas a uma teoria do desenvolvimento . E de fato
em
anos recentes como veremos adiante tanto Celso Furtado
quanto Osvaldo Sunkel e Pedro l deram à tradição de
análise dita estruturalista formulações sintéticas na dire
ção da consolidação de
um
paradigma analítico. Entretanto
nas formulações originais os enfoques sobre o desenvolvi
mento foram fragmentários. Se despertaram particular in
teresse foi porque eles equacionam
problemas
importantes
e apesar de serem teoricamente despretensiosos contras
tavam com o que a teoria econômica ortodoxa apresentava
como verdade estabelecida .
Se
tomarmos o
Estudo Econômico da EP L
de 1949
ou
o artigo de Prebisch sobre EI Desarrollo Económico de
laAmérica Latina
y
algunos de sus principales problemas 3
a preocupação central não era com uma teoria do desen
volvimento mas com a explicação de desigualdades entre
economias nacionais que se estavam
acentuando
através
do comércio internacional. Hans Singer economista das
Nações Unidas publicara
um
artigo sobre The distribution
of gains between investing and borrowing countries 4
mostrando a tendência à queda dos preços dos produtos
primários em relação aos preços dos produtos industriais
exportados pelo Centro mediante uma série de dados que
abarcavam mais de 70 anos. Ora a teoria do comércio
internacional especialmente em sua versão neoclássica
previra o oposto: a especialização da produção e o inter-
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particulares. As modificações de estrutura são trans
formações nas relações e proporções internas do siste
ma econômico, as quais têm como causa básica modi
ficações nas formas de produção, mas que não se pode
riam concretizar
sem
modificações na forma de distri
buição e utilização da renda .9
Renda e produtividade são os conceitos-chave para a
caracterização de Furtado. O conceito de renda corres
ponderia àremuneração ou ao custo) dos fatores utiliza
dos na produção de bens e serviços. A renda gerada em um
período determinado pode ser concebida como o custo da
produção realizada, ou como o poder de compra engendra
do pelo processo de produção op. cit p. 89-90 .
Furtado percebeu e enunciou a relação entre o conceito
de desenvolvimento e o deprogresso. Mas, diz ele, foi dado
um
passo decisivo pelos economistas ao tomarem precisa
aquela idéia vaga. Este foi a elaboração do conceito de
fluxo de renda , cuja expansão é susceptível de quantifi
cação.
aumento do fluxo da renda, por unidade de força
de trabalho utilizada, tem sido aceito, desde a época dos
clássicos, como o melhor indicador do processo de desen
volvimento de uma economia p. 90).
Se a análise de Furtado parasse neste ponto ela teria
redefinido a teoria de Prebish apenas por meio de uma
formalização de sabor neoclássico com condimento keyne
siano. Mas o autor introduz outras idéias que, até certo
ponto e paradoxalmente, ancoram as modificações de es
trutura, concebidas na forma estrita acima mencionada,
em
modificações comandadas pela demanda; e esta última,
para Furtado, não pode ser vista desligada do sistema de
preferências individuais e coletivas:
conceito de desenvolvimento pode ser igualmente
utilizado com referência a qualquer conjunto econômi
co no qual a composição da procura traduz preferências
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individuais e coletivas baseadas num sistema de valo
res. Se o conjunto econômico apresenta estrutura sim
ples, isto é, se a procura não é autocriada, como no caso
de uma empresa ou de
um
setor produtivo especia
lizado, convém evitar o conceito de desenvolvimento e
utilizar simplesmente o de crescimento p. 90).
Mais adiante escreve: o conceito de desenvolvimento
compreende a idéia de crescimento, superando-a. Com
efeito: ele se refere ao crescimento de uma estrutura com
plexa. Essa complexidade estrutural não é uma questão de
nível tecnológico. Na verdade ela traduz a diversidade das
formas sociais e econômicas engendradas pela divisão
social do trabalho p. 90).
A análise de Furtado continua abrindo o flanco crítica
marxista e já veremos que os teóricos da dependência farão
finca-pé nesse ponto), tanto porque parte da noção de fluxo
de renda sem referir-se à exploração social que o capital
supõe, como porque enfatiza como elemento dinâmico a
demanda e não a produção. Entretanto, ela não só reintro
duz a questão estrutural da divisão social do trabalho como
estabelece uma ponte com as teorias m voga sobre um
outro desenvolvimento . Com efeito, Furtado não supõe,
para explicar o desenvolvimento, a autonomia do fator
técnico; e inclui como componente central da explicação o
sistema de preferências, ou o sistema de valores. Às vezes
o texto dá a impressão de que é a autonomia desse sistema
que caracteriza
um
autêntico desenvolvimento
m
contra
posição ao mero crescimento, tema que foi retomado por
Furtado
m
seu ensaio sobre Os
mitos do desenvolvimen-
to
1
Não obstante, Furtado, pelo menos no livro aqui con
siderado, não vai tão longe m sua ruptura parcial com o
estilo cepalino de análise: ele qualifica suas afirmações, de
tal modo que o problema do desenvolvimento se toma, ao
mesmo tempo,
um
problema de autonomia valorativa e de
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aumento da produtividade física
com
respeito ao
conjunto da força de trabalho de um sistema econômico
somente é possível mediante a introdução de formas
mais eficazes
de
utilização de recursos, os quais impli
cam
seja acumulação de capital, seja inovações tecno
lógicas, oumais correntemente a ação conjugada desses
dois fatores. Por outro lado, a realocação de recursos
que acompanha o aumento do fluxo de renda é condi
cionada pela composição da procura, que é a expressão
do sistema de valores da comunidade p. 93).
A síntese proposta por nosso autor vai desde o aprovei
tamento do instrumental de análise corrente na economia
ortodoxa até às preocupações
com
o horizonte valorativo
de opções, passando pela ênfase nos elementos estruturais
e na racionalidade no uso de fatores. Mas ela mantém a fé
no
que demais clássico o séculoXIX legou à ciência social
contemporânea: a idéia de otimização do uso de fatores e a
crítica, iniciada pelo marxismo,
à
pura racionalidade for
mal. Só que Furtado, ao rebelar-se contra a racionalidade
formal, introduz
um
leque indeterminado e, portanto, no
limite irracional) de opções: o sistema valorativo. A tensão
entre o que
se
quer quem quer?) e o progresso material
possível não apenas em termos físicos, mas das técnicas
de sua utilização) constituiria a equação não resolvida do
desenvolvimento.
A formulação de Sunkel e de Paz está mais próxima das
revisões da teoria cepalina que se faziam em Santiago nos
meados dos anos sessenta. Também estes autores enfatizam
a relação entre a idéia de progresso e a idéia de desenvol
vimento. Mostram, porém, que o otimismo inerente à cren
ça no êxito da razão - o progresso técnico - para solucionar
os problemas sociais não era aceito por todos os teóricos
do desenvolvimento. A preocupação com os efeitos do
progresso técnico sobre a acumulação, sobre a distribuição
da renda e sobre a alocação de recursos - que caracterizam
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o debate sobre o desenvolvimento - não derivam do mero
progresso técnicO.
O
ensaio de Aníbal Pinto sobre La
concentración del progresso técnico
y
sus frutos en el
desarrollo latinoamericano 13 havia chamado suficiente
mente a atenção para este ponto.
Mais ainda, no livro de Sunkel e Paz, a ênfase é dada
muito menos aos aspectos dinâmicos do fluxo de renda
e de variações na demanda do que às diferenças de
estru-
tur Àquela altura o debate sobre dependência á ganhara
adeptos entre os economistas da CEPAL:
As
noções de subdesenvolvimento e desenvolvimento
conduzem a uma apreciação muito diferente, pois se
gundo elas as economias desenvolvidas têm uma con
formação estrutural distinta da que caracteriza as sub
desenvolvidas,
á
que a estrutura destas últimas é,
m
medida significativa, uma resultante das relações que
existiram historicamente e perduram atualmente entre
14
am os grupos e palses .
A noção de dependência (que convém repetir, fora
disseminadà
m
Santiago pela crítica sociológica)
á
apa
rece incorporada ao enfoque, embora numa versão mais
próxima à da oposição entre
p ís
dominante e
p ís
domi
nado.
desenvolvimento e o subdesenvolvimento podem
compreender-se, então, como estruturas parciais, mas
interdependentes, que configuramum sistema único. A
característica principal que diferencia ambas estruturas
é que a desenvolvida,
m
virtude de sua capacidade
endógena de crescimento, é dominante, e a subdesen
volvida, dado o caráter induzido de sua dinâmica, é
dependente; e isto se aplica tanto
entre
países como
d t
d
n ro e um pals .
Concebido o problema do desenvolvimento como uma
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http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 192/247
e referida esta aos detenninantes históricos que estabelece
ram uma forma de dominação, o passo
à
politização da
análise está dado:
esta forma de conceber o desenvolvimento põe ênfase
na ação, nos instrumentos do poder político e nas
próprias estruturas de poder; e são estas,
em
última
análise, as que explicam a orientação, eficácia, intensi-
dade e natureza da manipulação social interna e externa
da cultura, dos recursos produtivos, a técnica e os
grupos sócio-políticos ...
.
Do mesmo modo se acentuam os aspectos relacio
nados com a capacidade de investigação científica e
tecnológica, por ser elemento determinante - junto com
a estrutura do poder - da capacidade de ação e manipu
lação tanto interna como das vinculações externas do
país .16
Quem diz
política
na acepção acima, diz também
vontade
e
objetivos
Neste aspecto, Sunkel e Paz incorpo
ram o que era a aspiração valorativa predominante entre os
que criticamos efeitos perversos concentração de rendas
e de oportunidades de vida) do padrão de desenvolvimento
capitalista da periferia:
conceito de desenvolvimento, concebido como um
processo de mudança social, refere-se a um processo
deliberado que tem como finalidade última a equaliza
ção das oportunidades sociais, políticas e econômicas,
tanto no plano nacional como em relação com socieda
des que possuem padrões mais elevados de bem-estar
social . 17
useja, nem Furtado nem Sunkel e Paz - o primeiro
revendo seus livros
em
1975 e os últimos
em
1970 - deram
ênfase
à
questão dos
estilos de desenvolvimento;
não pro
blematizaram, como Furtado o faria posteriormente, a pos
sibilidade e a conveniência de alcançar os
mesmos
padrões
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de desenvolvimento dos países industrializados. Maior ho
mogeneidade, sim; igualdade de condições e oportunidades
entre nações e internamente nas nações, sim; mas o pressu
posto era: com uma política adequada, é possível e desejá
vel generalizar o que á se alcançou comodesenvolvimento
nos países industrialmente avançados.
A herança do século XIX, e mesmo de antes, da noção
de progresso se redefine, passando pelo crivo de uma
política com valores igualitários. Mas não se rompe.
o enfoque
dependência
Ao mesmo tempo m que se foram desenvolvendo as
teorias cepalinas e que a prática das políticas de indus
trialização foi revelando as dificuldades e os choques que
o processo de transformação econômico-social provocava,
elaboraram-se contrateorias .
As conseqüências práticas do enfoque cepalino - e dos
desafios efetivos do desenvolvimento - levaram os poli y-
m kers a sustentar:
a necessidade de reforçar os centros de decisão que
poderiam articular a vontade deliberada de alterar
uma situação que era diagnosticada como desfavo
rável; portanto, o fortalecimento do Estado e sua
modernização através da criação de agências públi
cas de desenvolvimento passaram a ser conside
radas como pré-condições para melhorar o nível de
vida nacional;
a necessidade de absorver o progresso técnico ini
cialmente através do investimento de capitais estran
geiros, para assegurar a industrialização, que seria a
meta capaz dematerializar os anseios transformado
res;
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http://slidepdf.com/reader/full/as-ideias-e-seu-lugar-fhc 194/247
- a necessidade da expansão dos mercados internos,
para deslocar o eixo da orientação principal do siste
ma econômico do exterior para o interior; para tanto,
algumas medidas redistribucionistas deveriam ser
apoiadas.
m
primeiro e principal lugar dever-se-ia
fazer uma reforma agrária que viesse junto com a
tecnificação d economia rural. Dessa maneira, as
segurar-se-ia não só mercado para os produtos indus
triais como oferta de alimentos à cidade, corrigin
do-se os efeitos inflacionários das políticas indus
trializadoras. Tudo isso sem desconsiderar o que,
desde Prebish, era fundamental: a incorporação aos
preços dos produtos de exportação dos custos de uma
mão-de-obra condignamente remunerada.
A crítica a estas políticas veio da esquerda e da direita.
Esta última, como
é fácil de entender-se, colocava em
dúvida os benefícios da industrialização: tinha como argu
mentos as análises sobre as vantagens que
proporcionariaI11
a especialização da produção e o livre câmbio. As teses
cepalinas, para estes críticos, seriam enganos crassos ou
argumentos maliciosamente usados pelos que, sendo na
. verdade contrários ao sistema capitalista, preferiam dar a
batalha por partes; primeiro proporiam quimeras, como a
industrialização e o estatismo, para depois abrir o jogo
diretamente em favor do socialismo. A e.squerda criticaria
as teorias do desenvolvimento porque elas obscureciam
o principal: não há desenvolvimento sem acumulação de
capitais e esta nada mais
é
do que a expressão de uma
relação de exploração de classe.
Sem aprofundar a questão
em
termos das situações
peculiares de cada país e de cada conjuntura da economia
mundial, esta crítica era, na verdade, anterior às teorias
cepalinas.
m
sua forma mais tosca na versão dos anos
trinta e quarenta) denunciava-se o colonialismo e o impe
rialismo como freios ao desenvolvimento . E, natural-
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mente, para quem considera que existe uma diferença entre
crescimento e desenvolvimento e que o último supõe
decisões autônomas dos sistemas nacionais e distribuição
mais eqüitativa dos frutos do progresso técnico, até por
definição, o imperialismo bloqueia o desenvolvimento.
Mais ainda: até meados dos anos cinqüenta o grosso dos
investimentos estrangeiros na América Latina se fazia para
controlar a produção e a comercialização de produtos agrí
colas e de matérias-primas. Em geral os investidores estran
geiros dos países centrais preferiam vender à periferia
produtos industriais acabados, mantendo nos países subde
senvolvidos apenas indústria de montagem ou de repara
ção.
Entretanto, a partir da década de 1950 como conseqüên
cia da própria reação local, consubstanciada m
políticas
industrializadoras e protecionistas, mudou a estratégia das
empresas estrangeiras dos conglomerados e das multina
cionais). A ação do empresariado local privado e público)
mostrou
que existiam possibilidades técnicas de indus
trializar produtos de consumo corrente e de substituir as
importações, desde a época da Segunda Grande Guerra,
quando se interrompera o fluxo de importações. A partici
pação do estado na regulamentação econômica e na prote
ção dos mercados,
m
como no deslanchar a produção de
insumos industriais básicos aço, petróleo, energia, confor
m
os países) e, ainda por cima, a difusão de uma
i eologi
favorável ao desenvolvimento, criaram desafios para a
antiga política antiindustrializante do capital estrangeiro.
Daí para frente a competição pelos mercados internos dos
países periféricos, bem como a crescente internacionaliza
ção e diversificação da produção propiciada pela concor
rência entre as grandes empresas oligopólicas, tomaram
obsoleta a crença no papel antiindustrializador do capital
estrangeiro, pelo menos no caso dos países com importan
tes mercados internos potenciais.
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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Foi na passagem de uma conjuntura internacional para
outra a partir de meados dos anos cinqüenta) que tanto o
empenho da CEPAL tomou-se rebarbativo, como tornou
se falaz a idéia de que as relações imperialistas assentavam
numa aliança entre o latifúndio feudal acrescentariam os
mais simplistas) e o capital estrangeiro. A crítica cepalina
era rebarbativa, entretanto, apenas num aspecto: os grandes
investidores passaram também a atuar de modo a propiciar
a industrialização. Mas esta nem fortaleceria o est do n -
cion l
ampliando o conteúdo endógeno das decisões), nem
teria como pressuposto a ampliação de um mercado de
consumidores popul res Reforma agrária, políticas sala
riais redistributivas, impostos progressivos etc., continua
ram, por certo, a ser formulados na retórica oficial, es
pecialmente depois da reunião da OEA de Punta deI Leste
1961); mas não as ajustaram à prática. Esta caracterizou-se
pela concentração de rendas, pela modernização do apare
lho de estado, pela vinculação deste último, em termos das
políticas propostas, à Grande EmpresaMultinacional, pelas
joint-ventures unindo o setor produtivo estatal às multi
nacionais, e assim por diante.
Quando esse quadro já se desenhava no horizonte, em
meados dos anos sessenta, o chamado enfoque da depen
dência ganhou força como uma contrateoria ou contra
ideologia que criticava, simultaneamente, as formulações
cepalinas e as formulações da esquerda tradicional. Esta
última continuava a ver na aliança latifúndio-imperia
lismo o grande inimigo do desenvolvimento.
Quais eram as teses principais dos dependentistas ?
o
ponto de vista metodológico as teorias sobre a
dependência punham ênfase no caráter histórico-estrutural
da situação de subdesenvolvimento e procuravam ligar a
emergência dessa situação,
em
como sua reprodução, à
dinâmica do desenvolvimento do capitalismo em escala
mundial. Talvez se encontrem nos trabalhos de Cardoso
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1964) e Frank 1966)19 as primeiras formulações mais
globalizantes sobre o caráter histórico-estrutural do subde
senvolvimento e de crítica aos que sustentavam que os
obstáculos ao desenvolvimento poderiam ser removidos
pela modernização das formas de conduta e de expectativa
e pelos efeitos multiplicadores e de demonstração que os
investimentos externos ocasionariam. A ênfase posta na
análise da expansão do capitalismo internacional para ex
plicar a natureza do subdesenvolvimento e sua ligação
estrutural
com os pólos de desenvolvimento externo era
anterior às teorias da dependência . Nas análises de ins
piração marxista, especialmente dos historiadores
20
,
mas
também de economistas, punha-se ênfase nas conexões
entre a expansão do capitalismo e seus efeitos na periferia.
Cabe recordar que a idéia de dependência externa era
trivialmente admitida nas análises cepalinas. O coeficiente
de abertura das economias locais, por exemplo, repisado
nas análises da CEPAL, media a relação entre importações
e produto nacional bruto.
O que foi específico no enfoque da dependência não
foi, portanto, a ênfase na dependência externa concebida
da forma acima, mas sim a análise dos padrões estruturais
que vinculam assimétrica e regularmente as economias
centrais. às periféricas. Introduzia-se, portanto, a noção de
dominação. Por este conceito, não
se procurava mostrar,
como o faria Sunkel mais tarde, que para caracterizar o
desenvolvimento autônomo deveria existir um compo
nente de
vontade deliberada
ou de
propósitos;
ao contrá
rio, a ênfase era posta na negativa: não é provável u
desenvolvimento autônomo,
ceteris paribus
Não quero
discutir aqui o acerto ou o engano dessa afirmação. Quero
apenas qualificar: no pólo oposto e descontínuo) da teoria
da dependência o que se vislumbrava não era o desenvol
vimento autóctone mas... o socialismo. Este por certo não
se tornou explícito
muitos autores, mas a crítica à
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possibilidade do desenvolvimento , especialmente no que
se refere ao desenvolvimento nacional , havia sido o
ponto de p rtid
da análise deDos Santos, Quijano,Marini,
Faletto e Cardoso, para mencionar apenas alguns autores.
Mais ainda, não se via a dominação apenas entre n -
ções Procurava-se mostrar como essa supõe uma domina
ção entre cl sses Nem todos os autores que vieram a ser
considerados dependentistas encaravam a questão dessa
forma. Mas especialmente os sociólgos e os acima citados
são todos sociólogos) estavam preocupados com a especi
ficação dos padrões de exploração de classe, com a consti
tuição de estruturas de poder e com oportunidades de
reação política. Estas seriam v riáveis conforme a ligação
estrutural da economia local com as economias centrais.
Esta vinculação poderia realizar-se através de enclaves ,
de produtores nacionais ou por intermédio do desenvolvi
mento industrial que ssoci v os grupos empresariais
locais às multinacionais. Foi esta última forma de depen
dência - por ser atual - a que despertou mais a atenção: era
a nova dependência .
Na caracterização, sentido estrito, do que estava
ocorrendo com as sociedades dependentes que se indus
trializavam, as discrepâncias do ponto de vista são peque
nas entre os vários autores dependentistas e mesmo entre
estes e os cepalinos de cepa pura. O corte se dá mais
termos de ênfase na política e no papel da exploração entre
classes a qual obviamente não é negada tampouco pelos
cepalinos, mas é vista de modo menos saliente do que a
exploração entre as
nações 2
para explicar as característi
cas das economias subdesenvolvidas e dependentes.
Penso que é possível resumir o modo pelo qual os
dependentistas articulam seus argumentos para descre
ver as situações a que se referiam utilizando a síntese
recente de autores não comprometidos com a elaboração
8/10/2019 As Ideias e Seu Lugar. FHC
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de teorias da dependência, mas com a verificação de sua
consistência, da seguinte maneira:
- trata-se de situações nas quais existe penetração fi
nanceira e tecnológica pelos centros capitalistas de
senvolvidos;
esta penetração produz uma estrutura econômica
desequilibrada tanto internamente nas sociedades
periféricas como entre estas e o centro;
- a qual supõe limitações para o crescimento econômi
co auto-sustentado na periferia;
- e propicia a emergência de padrões específicos de
relações capitalistas de classe;
- as quais requerem modificações no papel do estado
para afiançar tanto o financiamento da economia
quanto a articulação política de uma sociedade que
contém,
si, focos de inarticulação e de desequi-
l
b . 1
1 ; estrutura .
Por mais simplificadora que seja a síntese acima, ela
tem a virtude de não se deter no reconhecimento de uma
relação de dependência econômica . Esta é, por certo, a
base sob que assenta a análise dos dependentistas . Mas
nem ela se restringe
à
penetração externa (financeira e
tecnológica) nem esta última é vista como fato discreto .
Ao contrário, é nomovimento de expansão do capitalismo,
e conseqüentemente através de relações sociais de produ
ção que envolvemexploração e dominação, que se registra
como especificid de a dependência. Que especificidade é
essa?
Por u lado, no aspecto econômico, existem limitações
para o crescimento auto-sustentado: não se trata de inexis
tência de tecnologia própria si, ou da dívida externa por
si; ambos fenômenos são indicadores da debilidade da
acumulação capitalista na periferia. Não é apenas, portanto,
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que existe dependência. Essa é a expressão ou equivale,
simplesmente) domovimento internacional do capital que,
embora s desenrole
à
escala mundial,
formal e estrutu-
ralmente
dá-se unindo termos que são diferentes e
assimé-
tricos:
a reprodução do capital implica sua
circulação
no mercado internacional e nesta existe transferência de
mais-valia pelo intercâmbio desigual e existe a apropriação
de excedentes por parte das burguesias centrais graças à
deterioração dos termos de intercâmbio aspectos superfi
; ciais
da dependência); mas implica
essencialmente
na ex
tração da mais-valia através do processo de
produção.
E
esta extração, no caso das situações de dependência, impli
ca na questão do
controle
da penetração ) do trabalho
local por capitalistas
estrangeiros qualidade acidental do
ângulo da extração direta da mais-valia que também pode
ser feita por capitalistas nacionais). E também implica, na
transferência, para assegurar o circuito de produção, da
massa de recursos acumulados da periferia para o centro,
dada a heterogeneidade do sistema produtivo a nível mun
dial e a debilidade relativa dos setores tecnológicos avan
çados da periferia.
por isso que as deliberações e
decisões da periferia encontram obstáculos
reais
na es
trutura não
só
do
comércio mundial
mas do
sistema pro-
dutivo internacional.
E é óbvio que a análise destas ques
tões tanto passa pela dinâmica da relação entre as classes
como pelas relações entre os estados-nação posto que estas
últimas são a forma concreta de articulação entre as bur
guesias locais e as internacionais.
Por outro lado, no aspecto social, a natureza incompleta
e heterogênea da industrialização periférica sem esquecer
que de forma aindamais gritante ocorre algo do gênero com
as economias agro-exportadoras), produz efeitos que os
dependentistas apontaram até ao cansaço. Burguesias que
só se complementam associando-se na produção ao capital
estrangeiro ou subordinando-se no comérciomundial. Pro-
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letariado que se distancia do resto da massa popular; com
o progresso da industrialização ou com a prosperidade dos
enclaves exportadores agrários e mineradores, massas
marginais que não são facilmente absorvíveis, mesmo
quando a industrialização prospera. Uma falsa pequena
burguesia , que não corresponde diretamente ao conceito
de burguesia pequena , aplicável
à
época do capitalismo
concorrencial europeu e sim
à
formação de amplas camadas
de assalariados (empregados de colarinho branco e técrn
cos) gerados pela forma oligopólica e internacionalizada da
empresa multinacional que esmaga a anterior estrutura de
prestação de serviços e de comercialização. Uma estrutura
social no campo que dá margem a um amplo espectro de
relações sociais de produção, embora subordinando as
diversas classes e camadas ao grande capital (desde os
camponeses que trabalham a terra explorando a força de
trabalho familiar, até os trabalhadores rurais assalariados,
passando por gamas variadas de relações de meação, de
inquilinato, de trabalhadores semicompulsórios, etc.).
Por fim, no plano político, emerge
u
Estado-Produtor
e Repressivo que, ao mesmo tempo
que se apresenta
como n ion l e, nesta medida, busca consenso, organiza
e implementa a exploração capitalista. Para tal às vezes se
choca comos interesses imediatos da burguesia local e das
multinacionais e toma-se ele próprio estado capitalista-pro-
dutor; mas, aomesmo tempo, s
transforma
peça essen
cial para viabilizar a acumulação privada e garantir os
padrões de distribuição da renda e de gasto público, de
circulação de bens e de formação do capital financeiro, que
tornam viável o desenvolvimento dependente-associado.
Toma-se, assim, o Estado mola do estilo de desenvolvi
mento, excludente, concentrador de rendas e baseado num
sistema produtivo que atende
à
demanda das camadas de
altas rendas. Cada
u
dos aspectos aqui mencionados foi
tratado de forma diversa pelos autores que caracterizam as
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situações de dependência. scontrovérsias entre eles são
grandes. E a polêmica não esteve ausente da produção
intelectual latino-americana. Apesar disso é fácil mostrar
que o enfoque da dependência singularizou-se frente aos
enfoques anteriores. Basta reler as páginas iniciais deste
ensaio sobre os cepalinos para verificar que os
pro lem s
colocados pelos cepalinos - mesmo que a metodologia
estruturalista no sentido que lhe atribuem os economistas
tivesse sido a mesma - não são os mesmos colocados pelos
dependentistas.
Não farei comparações desnecessárias. Antes de fina
lizar esta secção quero referir-me entretanto à incorpora
ção por alguns dependentistas de um tema que se bem
estivesse presente
em
alguns cepalinos não ganhava di
mensão que tomou na escola da dependência: o tema
cultural. Embora a dependência cultural tenha ficado
quase sempre por conta das implicações a serem derivadas
da situação de dependência em geral pelo menos um autor
entre os primeiros teóricos de dependência - Aníbal Qui
jan
23
-
colocou a questão
em
termos diretos. Muitos outros
referiram-se naturalmente à questão da autonomia tecno
lógica e alguns como Sunkel em seu conhecido artigo
mencionam a transculturização que a internacionaliza
ção do sistema produtivo provoca.
24
De
qualquer modo os
enfoques da dependência além de enfatizarem a relação
entre as economias periféricas e as centrais em termos da
expansão do capitalismo e de vê-los como relações de
exploração entre classes e nações que dão às estruturas
sócio-políticas dependentes certa especificidade mostram
também pelomenos em algumas de suas formulações que
existem aspectos culturais diretamente ligados à manuten
ção da dependência.
Os autores que formularam teorias de desenvolvimen
to se referem também à importância do sistema de crenças
e valores. Mas fazem-no seja para constituí-lo como variá-
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v relativamente independente, capaz de gerar demandas
novas para o sistema produtivo, seja postulando a necessi
dade
de
uma
utonom
cultural. Os dependentistas tam
bém
postulam o ideal
da
autonomia cultural. Entretanto,
concentram a análise nos malefícios
da
dependência cultu
ral. Não aceitam colocar a questão do sujeito histórico dessa
autonomia
sem
colocar a questão da Revolução, pois
em
geral
são
versados na teoria marxista.
É este, talvez, o calcanhar
de
Aquiles das teorias
da
dependência:
por
intermédio
de
que
agente histórico será
possível superar a dependência?
Prebisch, mais modesto em
sua
análise, tinha resposta
para as questões que colocava. Não precisava supor
uma
Revolução,
nem
necessitava uma crítica geral à dominação
burguesa. A modernização do aparelho
de
estado dos países
periféricos permitiria desencadear políticas industrializa
doras, controlandomas não rejeitando o capital estrangeiro,
e permitiria forçar a distribuição dqs ganhos
do
progresso
técnico em benefício dos operários e dos trabalhadores
do
campo; estas seriam as medidas preliminares para assegu
rar a igualdade entre as nações. Complementariam a bateria
de políticas reformadoras: o controle dos mecanismos
do
comércio mundial a UN T D mais tarde foi a expressão
disso), uma política
de
transferência de recursos dos países
ricos para
os
pobres e o acesso à tecnologia para
os
países
subdesenvolvidos.
Furtado, do
mesmo
modo, em suas obras mais antigas,
insiste em que o importante é aumentar a produtividade, o
que supõe inovações tecnológicas e investimento
de
capi
tais. A ação do estado para disciplinar a demanda e para
controlar a transferência de capitais e de tecnologia
sem
desnacionalizar a economia asseguraria a possibilidade
do
desenvolvimento. E mesmo Sunkel pressupõe o
poder
au
tônomo para equalizar oportunidades e supõe a criati-
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vidade tecnológica, para que se logre o desenvolvimento
autônomo .
E os dependentistas?
Esses, implícita ou explicitamente, ou se limitam a
constatar as deformações do que os cepalinos chamarão
de estilo perverso de desenvolvimento) geradas pela
expansão do capitalismo na periferia, ou propõem o socia
lismo como alternativa. Mas a alternativa não chega a
constituir-se na análise com a mesma força que a crítica da
situação de dependência. Ou, quando se constitui, freqüen
temente está ancorada na idéia, que já critiquei tantas
vezes
25
, da inviabilidade da expansão capitalista na perife
ria ou na extrema deformação que tal processo provocaria,
dados os processos de marginalização crescente da po
pulação, da existência de uma lumpen burguesia do de
senvolvimento o subdesenvolvimento etc.
Chama a atenção que, apesar da força inegável de
algumas das caracterizações disponíveis sobre as situações
de dependência, a análise política subseqüente tenha dei
xado escapar a vivacidade do real para refugiar-se numa
espécie de escatologia que afirma a avalidade do princípio
da Revolução, ao mesmo tempo m que esconde a debili
dade da proposta quanto aos caminhos para chegar-se até
ela. Esta debilidade se esconde pela apresentação de um
quadro catastrofista que dá a ilusão de levar a uma trans
formação radical, dados os impasses econômicos crescen
tes, mesmo que não assinale convincentemente o perfil da
classe ou das classes que poderão dar o salto negador da
ordem existente.
Por que isso?
É nesta altura que cabe voltar às especulações inicias.
Os dependentistas, tanto quanto os cepalinos, são herdeiros
da crença na racionalidade da história e não se assustam,
apesar da cara feia do progresso que eles descobrem. Acaso
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não foi Marx quem nos ajudou a conviver com a idéia de
que o pólo positivo - a acumulação de riqueza - encontra
seu complemento no pólo oposto - a acumulação demiséria
- e que a oposição entre ambos faz-se de tal maneira que
por linhas tortas como Deus faria o Bem chegar-se-á à
superação dos dois pólos à condição que a força negadora
dos explorados destrua os que os oprimem? E estemomen
to de explosão revolucionária - de violência - não foi
pensado como uma condição para que o progresso pudesse
continuar? Então por que haveriam os dependentistas de
hesitar e pôr xeque a idéia de desenvolvimento? Desen
volvimento sim; capitalista não. A distribuição dos frutos
do progresso há de ser diferente. A
propri ção
dos meios
pelos quais eles são logrados também. Mas os componen
tes formais - o modelo - estão dados pela própria história
do desenvolvimento capitalista. E os
gentes históricos
desta transformação - as massas exploradas e primus inter
p res o proletariado - também estão dados de antemão
pela mesma teoria subjacente às explicações dependentis
tas.
Sua alma sua palma. O que permite aos dependentistas
tratar com soberbia as teorias cepalinas das quais nascem
dizendo-lhes: vejam o Estado que vocês acreditam poder
reformar é o estado-burguês expressão de todos os males
do subdesenvolvimento é ao mesmo tempo seu leito de
procusto. Se os cepalinos são insuficientes na caracte
rização e na crítica os dependentistas tomam-se pelo
muito amor a uma visão racional e integrada a partir da
experiência do passado europeu supreendentemente esté
reis: proclamam o que não deve ser mas param a meio
caminho na crítica concreta. Não chegam a especificar a
não ser como crença as forças transformadoras e só colo
cam parcialmente o ideal a alcançar: propõem o mesmo
desenvolvimento benefício de outr s classes. Talvez
tenhamos razão. Mas a verdade é que não ajustamos ainda
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nossas contas com os teóricos de um outro desenvolvi
mento .
lugar do Estado-Reformador dos cepalinos, apre
sentamos a imagem da Sociedade-Reformada; mas
~
levamos às últimas conseqüências as duas questões-chave
que surgiram no horizonte: que tipo de sociedade e refor
mada por quem?
Cabe aqui um parênteses. Duro e comovedor. No auge
da reformulação das teorias latino-americanas do desenvol
vimento, no mesmo momento em que os dependentistas
descreviam com vigor os efeitos da exploração de classes
e as conseqüências do capitalismo internacional sobre a
industrialização da periferia, abria-se na América Latina
uma opção política desafiante: Cuba, e, mais do que isso,
o guevarismo .
Digamos as coisas como as vemos, dando nome aos
bois: a análise derivada da revolução cubana e, especial
mente, a interpretação de Guevara, punham em xeque tanto
a idéia de desenvolvimento quanto a da possibilidade de
um desenvolvimento-dependente. Desde 1961, da Confe
rência de Punta del-Leste, quando Guevara criticou a re
volução das latrinas , até sua saga boliviana de 1967,
quando a teoria do foco sucumbiu heroicamente com seu
formulador, a verdade é que a prática política revolu
cionária deu xeque ao rei embora não xeque-mate) às
pálidas teorias acadêmicas. A complementação
política
das
teses dependentistas não decorria da análise que elas pro
punham, mas do enxerto que sobre elas se fez da Revolução
na Revolução
de Regis Debray. E quando caiu Guevara,
legando à história além de sua inteireza moral e coragem
revolucionária as reflexões de seu iárioo pensamento
político latino-americano continuou impotente. Não tirou
as ilações necessárias. Não foi mais longe na recolocação
das questões políticas: julgou Allende pela ótica da neces
sidade da destruição do aparelho de estado e não do seu
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aproveitamento pela revolução; não colocou frontalmente
a questão
teoria política do proletariado mesmo que
fosse para reafirmá-la . Apenas endossou-a
em
abstrato,
mesclando aqui e ali com a justificativa da guerrilha tupa
mara, dos montoneros ou do ERP, sem ir ao fundo da
questão do porquê do fracasso da Unidade Popular, do
movimento de Torres, e assim por diante.
Não foi só econômico que o século XIX triunfou no
pensamento latino-americano. Além da crença na raciona
lidade da história, este pensamento abrigou, e ainda abriga,
a crença no progresso social: estacionamos nos umbrais das
questões decisivas para manter a convicção de que não
precisamos perguntar quais são os portadores concretos do
futuro. Ao deixar subentendida a resposta política aos
problemas que colocamos ou ao aceitar como soluções
remendos externos a nossa análise, não fazemos
jus
condição de intelectuais, ou seja, de homens que podem
aceitar o momento histórico da transfonnação violenta e o
grão de verdade do imprevisível, mas tratam logo de expli
car por que, como e para quem, mesmo que mantendo
convicções sobre a inelutabilidade que amanhã será outro
dia e a Revolução se imporá.
send d
utopi
Nos países de industrialização avançada punha-se
em
dúvida a própria noção de progresso e de desenvolvimento,
enquanto o pensamento social latino-americano se manti
nha aferrado
à
racionalidade um saber suposto como pro
vado e incorporava, à socapa, explicações pouco convin
centes sobre o processo de transfonnação histórica sem
questionar a vaguedade da política que ele próprio propu
nha e sem questionar as novas visões que surgiam.
Não é esta a oportunidade para acompanhar estes des
dobramentos da história das idéias contemporâneas. Bas-
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tam algumas anotações. Desde as colocações deMarcuse e
as rebeliões das minorias norte-americanas, passando-se
pela revolta de maio de 68 na França, desenhava-se uma
nova atitude na cultura ocidental: havia que fazer face a
uma espécie de crise de civilização .
Esta não pode explicar-se apenas m
função do malai
s que a civilização capitalista urbano-industrial provo
cou. Junto dela há outros fenômenos mais complexos, que
a sismografia cultural da intelectualidade ocidental regis
trou: houve a revolução cultural da China e o desencanto
com as formas burocráticas de socialismo. Enquanto isso
na América Latina o discurso habitual sobre o desenvolvi
mento e a dependência encontravam um piso de realidade
para assentar-se. A indignação moral diante do avanço de
um sistema produtivo discriminador e expoliador, como é
o sistema capitalista de forma ainda mais visível
m
suas
fases de acumulação selvagem , alentava a idéia de Re
volução s m pedir dela perfil mais nítido. Nos países
capitalistas avançados registrava-se uma certa perplexida
de diante da tradição do pensamento social de crença na
filosofia da história que assegurava o progresso, o socia
lismo e a liberação.
A partir de maio de
os sinais de dúvida começaram
a soar com mais insistência: sem uma revisão de valores,
s m que haja uma discussão mais substancial sobre o que
deve ser a sociedade do futuro e sem uma afinnação orgu
lhosa dos desejos frente
realidade prends des désirs pour
des réalités ), seria difícil construir a sociedade justa que o
socialismoanunciou desde o séculoXIX, pensam os novos
críticos.
Pouco a pouco, o anarquismo começou a reviver nos
meios intelectuais de esquerda e neles se vislumbrou a
ruptura com a escatologia marxista. As tensões sino-sovié
ticas, o movimento dos dissidentes, a súbita descoberta da
gang dos quatro , só fez pôr mais lenha na fogueira. Um
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vento libertário que trazia consigo as sementes de outras
utopias começou a corroer a cidadela da crença num futuro
de racionalidade e justiça, historicamente ancorada na ver
dade objetiva da luta de classes e, hegelianamente, na
negação da negação ou seja, na Revolução que supera
os óbices e torna o futuro contemporâneo dos mais encan
ditados desejos). Tratava-se de utopias menos racionais ,
de forte sabor individualista, talvez menos coletivistas,
desconfiadas de toda e qualquer dominação e do próprio
princípio de autoridade, e que descriam das análises
estru-
tur is
para concentrar-se em afirmações
existenci is
Não terá sido esta a primeira vaga deste tipo no Oci
dente. E dificilmente será a última, antes do milênio. Mas
ela golpeou forte porque desta feita encontrou um terreno
próspero. O existencialismo de depois da guerra tinha o
sabor do desespero e feneceu diante da promessa da revo
lução social; o utopismo libertário da década presente tem
a alentá-lo outras fontes, mesmo que tenha nascido nos
movimentos hippies, da contracultuta e da anticivilização
industrial m geral, também algo desesperados. As utopias
contemporâneas receberam novo alento dos efeitos sociais
e culturais negativos da civilização tecnocrático-industrial
impulsionada pelas grandes corporações econômicas mul
tinacionais, somados à descoberta de que o socialismo
também pode padecer do burocratismo e da alienação.
Foi neste contexto - mas redefinindo as atitudes, como
á veremos - que prosperou a crítica às teorias objetivas
do desenvolvimento e que as questões valorativas puseram
se commais força na própria definição do
desenvolvimento
Por certo, existem esforços de redefinição muito diversos.
Alguns, negando a possibilidade de dar um curso substan
tivamente racional ao processo histórico e de ver nos avan
ços tecnológicos a força básica do desenvolvimento, não
hesitaram e formularam a utopia regressiva: é melhor parar,
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- por uma parte ela incorporou preocupações reais
com a destruição de recursos não renováveis e de
destruição do meio ambiente que, inegavelmente,
aponta a certos limites exteriores que são parâme
tros para o desenvolvimento, não apenas dos países
menos desenvolvidos, mas especialmente dos mais
avançados industrialmente; .
- por outra parte ela revigora ideais de igualdade a
serem buscados menos na abundância dilapidadora
e mais no uso racional de recursos relativamente
escassos;
- essa última preocupação vem junto com a reafinna
ção da crença de que se não existe hoje melhor
distribuição de recursos entre países e dentro dos
países não é tanto pelo nível de escassez absoluta de
riqueza mas por sua má distribuição concentração
de renda e de riqueza e miséria voltaram a ser, como
queria Marx, duas caras da mesma moeda);
- por fim, junto com as fonnulações relativas a um
outro estilo de desenvolvimento ressurge a idéia de
que é no plano político que há de romper-se o equi
líbrio favorável
à
concentração de riqueza; e que,
para começar, será possível romper o círculo da
pobreza mediante a reestruturação das relações de
troca entre as nações numa nova ordem econômica
internacional;
- como caminhos para alcançar tais objetivos novas
estratégias foram desenhadas, ressaltando que sem
mais e melhores infonnações, para assegurar a auto
nomia de decisões e estimular a criatividade, especi
almente embora não só, a tecnológIca, e sem que se
estabeleçam de algum modo fortes conexões dos
desfavorecidos entre si nações e classes), a causação
circular da riqueza e da miséria não será rompida.
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o nfoqu lt rn tivo
A noção de que o desenvolvimento não tem por obje
tivo a acumulação de capitais, mas a satisfação das neces
sidades básicas do homem, passou a ser uma constante nos
documentos produzidos pelas reuniões de peritos e de
representantes governamentais. Ela não é nova, por certo.
Entretanto, tal como foi formulada no século passado pela
crítica socialista a cada um conforme suas necessidades,
de cada um conforme suas possibilidades ) para alcançar
o desiderato desta idéia seria necessário, primeiro, modifi
car as estruturas de dominação política e de exploração
econômico-social. Só se alcançaria a igualdade e o atendi
mento das necessidades depois que, através da luta de
classes, se instaurasse uma ordem social equânime. Conse
qüentemente, haveria que passar por drásticas modifica
ções políticas que iriam da Revolução Social até ao esta
belecimento da Ditadura do Proletariado para instaurar, por
fim,
um
sociedade sem dominação de classe com um
Estado reduzido à Administração das Coisas). Mais ainda,
repudiava-se a noção de necessidades mínimas a partir de
um parâmetro fixo tantas calorias dadas ou tantos metros
quadrados de habitação) considerando-se que as necessi
dades eramhistoricamente criadas e seus limites físicos não
existiriam graças à crença no Progresso e na infinitude dos
recursos planetários).
Que dizem hoje os paladinos do development need
oriented ?
Qualquer que seja o documento tomado, da Declaração
de Cocoyoc, passando pelo Colóquio de Argel até, na
formulação mais equalitária disponível, o relatório de Upp
sala sobre Another Development , um desenvolvimento
om essas características deve ser ajustado às necessi
dades humanas, tanto materiais como não-materiais. Co
meça pela satisfação das necessidades básicas dos domi-
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nados e explorados que constituem a maioria dos habitan
tes do mundo e garante ao mesmo tempo a humanização
de todos os seres humanos pela satisfação de suas necessi
dades de expressão de criatividades e de convívio e de
compreender e dominar seu próprio destino .
A busca de um estilo de desenvolvimento mais equi
librado não nasceu com a estratégia visando satisfazer as
necessidades básicas. Bem antes desse tipo de formulação
ganhar seu momentum na discussão internacional dentro
do próprio sistema das Nações Unidas existia desde 1977
o chamado enfoque unificado para o desenvolvimento.
Este procurava corrigir os excessos economicistas relativos
à obsessão om o crescimento do PNB per capita através
de
um
tipo
e
planejamento capaz de atender se não os
basic needs as necessidades sociais .27 Na busca de um
desenvolvimento econômico e social balanceado como
reconheceu um dos participantes mais críticos deste tipo de
estudos Marshal Wolfe muito do debate fazia-se ao redor
de inovações terminológicas quando não de confusões:
Não é meramente acidental que as intermináveis dis
cussões sobre o desenvolvimento não tenham tocado a
confusão entre o desenvolvimento concebido como
processos empiricamente observáveis de mudança e
crescimento no interior de sistemas sociais e o desen
volvimento como progresso no caminho da Boa Socie
dade segundo o critério do observador .28
Não obstante como ocorre
om
as utopias progressi
vas a formulação genérica do desejo de satisfazer as basic
needs - quaisquer que sejam os critérios de definição
acabou gerando uma crítica persistente ao grau de pobreza
cumulativa produzida pela expansão atual do sistema
econômico comparável por sua generalidade à crítica
feita pelo socialismo utópico do século passado. Pennitiu
também que novos ângulos críticos pudessem ser assumi
dos frente às questões do desenvolvimento.
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Tudo isso se fez, é certo, dando margem a uma certa
inespecificidade comodista: é o desenvolvimento selva
gem e não o sistema capitalista - como se afirma na
crítica socialista, ou, menos claramente, na crítica dos
dependentistas latino-americanos - o responsável pelos
males do mundo. Evita-se, assim, nos foruns internacio
nais, o espinhoso problema da crítica mais concreta e
contundente a situações sociais dadas. Ao invés do capita
lismo estar na berlinda, são os desvios do estilo de desen
volvimento que são crucificados. Ao argumento agre
ga-se, lateralmente, que os sistemas socialistas em sua
expressão atual, se é certo que melhoraram o atendimento
das necessidades básicas, nem sempre respeitaram a parti
cipação democrática e os outer-limits , que é a outra
obsessão dos formuladores da nova estratégia do desenvol
vimento. Este passou a ser algo mais abrangente. Se seu
centro
é
o atendimento das necessidades básicas, comple
menta-se pelo respeito aos requerimentos ecológicos, tanto
no que se refere a uma relação adequada entre o ecossistema
local e os limites externos que a preservação da vida
presente e das gerações futuras impõem, quanto no que se
refere ao uso de tecnologias apropriadas para a exploração
racional dos recursos naturais e humanos.
Nessa linha de preocupação creio que houve uma con
tribuição positiva que acrescenta algo ao anterior debate
sobre desenvolvimento. No nível mais geral da análise a
noção de ecodesenvolvimento, especialmente na formula
ção de Ignacy Sachs, sintetiza a nova posição crítica diante
da consciência da finitude de certos recursos naturais
temática dos recursos não renováveis , chama a atenção
para a existência de outer-limits e põe ênfase nas formas
predatórias e poluidoras de avanço tecnológico:
Ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimen
to que,
em
cada eco-região, requer as soluções especí-
ficas para os problemas peculiares a região, luz dos
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dados culturais e ecológicos bem como das necessi
dades imediatas .29
Nas formulações de Sachs não se trata de estabelecer
a utopia do desenvolvimentó comunitário que tem sido
a outra linha de propostas surgidas especialmente da pena
de escritores asiáticos influenciados pelo peso da econo
mia camponesa e pela incapacidade do desenvolvimento
capitalista resolver os problemas sociais das populações
rurais.
o
contrário o autor mantém-se na tradição de
pensamento que propugna por transfonnações de fundo
tanto tecnológicas quanto dos sistemas sociais mas chama
a atenção para a necessidade de tomar em conta que nas
condições políticas do mundo atual sem self-reliance
sem
participação ativa da base da sociedade e sem uma
tecnologia apropriada - que respeite os outer-limits e que
tome
em
consideração os recursos locais tanto humanos
quanto naturais - não haverá um desenvolvimento razoá
vel.
e algum modo Sachs tenta compatibilizar a noção de
racionalidade formal com a racionalidade substantiva: ao
invés de propor a Razão Técnica como mola da história do
crescimento econômico prefere uma postura na qual o
Razoável supõe uma adequação entre objetivos sociais e
humanos meios disponíveis e calculabilidade técnica.
Talvez
na
tensão entre a utopia comunitarista e de
participação a todos os níveis por um lado e por outro a
preocupação
com
uma atitude razoável que tome em
consideração a base técnica necessária e os limites reais ao
desenvolvimento - tendo por objetivo o atendimento de
necessidades sociais básicas - exista o que de mais rico esse
tipo de enfoque vem deixando à análise contemporânea dos
problemas do desenvolvimento.
Na linha do desenvolvimento como produto da vontade
comunitária {desde o nível da aldeia até ao da federação de
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interesses dos povos ou dos estados subdesenvolvidos e
oprimidos) o conceito-chave é o de self-reliance . Na
linha da análise dos novos instrumentos de desenvolvimen
to econômico sobressaemas ênfases postas nas tecnologias
apropriadas e nos outer limits .
o
âmago do problema
do atendimento das necessidades básicas subsiste a questão
da refonna política necessária para alcançá-lo. Como do
cumentos centrais para a compreensão destas posturas ha
vendo superposição entre eles) estão o Informe Dag
Hammarskjõld
1975
e o projeto sobre a Reestruturação
da Ordem Internacional. A estes se juntam os estudos do
World Order Model Project. 32
om vistas
à
brevidade, resumirei aqui apenas os con
ceitos-chave de self-reliance por uma parte, de tecnologia
apropriada, por outra, e porei ênfase nas propostas de
construção de uma nova ordem econômica internacional,
que é o resultado político imediato desta estratégia.
Por
self-reliance muitos
já
o disseram, não se entende
autarquia ou auto-suficiência. Ela implica na definição
autônoma de estilos de desenvolvimento e de vida Infor
me Hammarskjõld 1975), que estimulem a criatividade e
conduzam
à
melhor utilização dos fatores de produção,
diminuam a vulnerabilidade e a dependência, de tal modo
que as sociedades contemmais
com
suas próprias forças de
resistência, confiem
em
si próprias e tenham meios para
serem dignas. Aplica-se a self-reliance tanto ao nível local
de comunidades) como nacional e internacional.
O componente valorativo em
tal definição é claro.
Noções como diginidade , autoconfiança etc. implicam
em escolhas. E isso não por acaso: à lógica da produção
imposta pelo capital cujo maior crítico mas também me
lhor analista foi marx), os proponentes dos outros estilos
de desenvolvimento contrapõem uma lógica do consumo
visando a erradicar a pobreza e a melhor distribuir os
recursos entre os grupos sociais.
33
Junto mesmo
com
a
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noção de
s l
reli nce vem a idéia de melhor distribuir
recursos e melhor organizar os estilos de consumo. Com
essa estratégia, u problema grave do mundo atual, como
o da chamada crise energética , seria repensado mais
facilmente. Ao invés de produzir pormeios técnicos devas
tadores mais energia, seria possível balancear seu uso:
podemos optar por padrões de consumo de baixa energia
e preferir neste sentido sistemas de habitação, de transporte
urbano e de uso do tempo que consumam essa pouca
energia .
Decorre logicamente que tal enfoque do problema do
desenvolvimento obriga a rever os conceitos sobre tecno
logia. Quase tautologicamente, deve entender-sé por tec
nologia adequada a invenção e utilização de processos e
modos de organização de trabalho que se adaptam melhor
às circunstâncias particulares, tanto econômicas como so
ciais, de
u
país ou setor particulares .3s
A crítica fácil - de que com essas noções estar-se-ia
apenas reforçando o padrão de dominação vigente sem
mudar as condições produtivas dos países subdesenvolvi
dos - é rebatida com energia por todos os que adotam a
noção de tecnologia apropriada . Ela não significa uma
tecnologia tr s d mas sim um blend tecnológico que,
outra vez, oriente-se pelo r zoável sem perder de vistas os
objetivos básicos do desenvolvimento basic needs), s
adotar u padrão puramente imit tivo do que ocorreu nos
países industrializados, mas também semdesdenhar a ciên
cia e o avanço das forças produtivas.
6
A implementação de
políticas de desenvolvimento tecnológico orientadas por
essas preocupações e pelas noções de desenvolvimento
auto-sustentado visando atender às necessidades básicas
requer uma nova pauta de relações internacionais no que se
refere à Pesquisa e Desenvolvimento, que transfira tecno
logia mas, ao mesmo tempo, leve à criação autônoma de
tecnologia e
à
filtragem do tipo de tecnologia a ser absor-
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vida. Tudo isso passa pelo problema de formação de pes
soal especializado e por políticas que evitem a fuga de
cérebros.
Comomencionei antes, a noção de que alguns recursos
naturais não são renováveis e de que existe a degradação
possível da biosfera obrigou os defensores do ecodesenvol
vimento a adotarem uma política de respeito aos limites
externos ao desenvolvimento outer limits ). Resumida
mente:
O
conceito de limites exteriores exige um esclareci
mento. Os limites são o ponto a partir do qual um
recurso não renovável se esgota, ou um recurso reno
vável, ou um ecossistema, perdem sua capacidade de
regenerar-se ou de cumprir suas funções principais nos
processos biofísicos. Os fatores determinantes são, por
um
lado a quantidade de recursos e as leis da natureza,
e, por outro lado, a ação da sociedade sobre a natureza
e especialmente suasmodalidades técnicas. Para definir
o qualificativo exterior há que precisar o contexto no
qual são considerados os limites: local, nacional, regio
nal ou global. A escolha de um contexto tem implica
ções políticas e científicas diversas .3?
A
nova
ordem econômica: ideologia e
realidade
eposse dos instrumentos críticos acima indicados, os
participantes da corrente de opinião relativa às formas
alternativas de desenvolvimento viram-se numa encruzi
lhada teórica e prática. Que conseqüências analíticas pode
riam eles tirar do ponto de vista valorativo que assumiram
e como encaminhar as políti s transformadoras a serem
propostas?
Não é preciso muita argúcia teórica para perceber que
a nova abordagempossui alguns parâmetros não definidos.
Por
um
lado as necessidades básicas - centro mesmo de
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suas análises - acabaram por traduzir duas preocupações:
a erradicação da pobreza e a crença de que, nas condições
produtivas e tecnológicas atuais, esse objetivo só se alcan
çará havendo uma redefinição dos estilos de vida e conse
qüentemente dos estilos de desenvolvimento.
38
Por outro
lado, assim como os dependentistas se embaralharam
quando tiveramqueprecisarno âmbito de suas perspectivas
teóricas quais seriamos sujeitos históricos das transforma
ções, os teóricos do another development tampouco são
explícitos na análise desta questão.
39
Pior ainda, enquanto
os desenvolvimentistas cepalinos bem ou mal viam no
Estado Ilustrado (orientado para o bem-estar das classes
oprimidas) o princípio ordenador do desenvolvimento, eli
dindo a questão da Revolução, e os dependentistas manti
nhamacesa a pira sagrada dessa última (embora sem expli
citar de que modo e com que forças diante das trans
formações da economia contemporânea que eles próprios
ressaltam suas análises), os defensores do estilo alter
nativo de desenvolvimento oscilam em seus textos entre
uma t i t u ~ valorizadora da dignidade humana e a refor
ma burocrático-institucional, a nível das Nações Unidas.
40
Bem ou mal, foi a este nível burocrático que a consti
tuição do enfoque do another developmenf teve maior
seqüência. Os pontos principais da proposta para uma nova
ordem econômica internacional refletem a filosofia do
desenvolvimento antes resenhada. Insistem na necessidade
de estimular os mecanismos de self-realiance coletiva,
através de acordos entre os países subdesenvolvidos, e no
objetivo de redistribuir a riqueza mundial. Desconfiam, por
certo, das estratégias de ajuda ao desenvolvimento e da
transferência do padrão civilizatório dos países industriali
zados para os subdesenvolvidos. E não deixam de criticar
as distorções da economia internacional:
Muitos países industrializados têm interesses grandes
e crescentes nas economias de muitos países pobres.
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Para citar um só caso, os rendimentos da inversão
estrangeira direta dos EE.UU., como proporção do total
dos lucros nacionais, aumentaram de
9
em
1950
para
28
em 1969 .41
Como remédio, os formuladores do novo desenvolvi
mento propõemum aumento de controle dos investimentos
estrangeiros e uma estratégia de valorização da negociação
coletiva por parte dos países subdesenvolvidos paramelho
rar as condições de barganha entre os produtos primários e
os industrializados, no Diálogo Norte-Sul . E não desde
nhama importância da opinião públicamundial para alcan
çar esses resultados. Dessa postura deriva a necessidade de
rever o sistema de informações mundiais, especialmente
quanto aos mass-média.
42
A bateria de medidas e sugestões
elaboradas é considerável, especialmente nos documentos
fundamentais
já
referidos e nos textos do Colóquio de
Argel. Vão desde a preocupação com os bens cot'etivos
(como o fundo dos oceanos),
à
definição de um código de
ética para as empresas transnacionais, a reformulação do
Direito Internacional, a proposta de elaboração de indica
dores de desempenho do desenvolvimento econômico que
tomem
em
conta evolução do atendimento das necessi
dades básicas etc., até a questão da militarização da produ
ção mundial e a necessidade de uma política desarma
mentista,para proporcionar mais recursos para um desen
volvimento saudável . Tudo isso no contexto de uma
visão que valoriza a self-reliance, a criatividade local e a
diversidade dos caminhos para o desenvolvimento:
objetivo principal da Nova Ordem Econômica In
ternacional deve ser organizar novas relações econômi
cas internacionais que ponham um fim à dependência,
à
injustiça e
à
discriminação e que facilitem a self-re
liance (...).
Um
fator importante desta relação entre
desenvolvimento e militarização é que a corrida arma
mentista esbanja capital e recursos naturais e humanos
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que seria mais útil consagrar à melhoria das condições
humanás
em
todo o mundo ...) as necessárias modi
ficações radicais nas relações entre os Estados só serão
possíveis
se
tambémnomundo civilizado alguns países
ou
certas forças sociais decidem esforçar-se por chegar
a novas relações fundadas na não-exploração, na justiça
e na dignidade .43
Por trás de tanto empenho emmudanças orientadas pela
boa vontade foram produzidas também análises sólidas,
não sobre intenções, mas sobre fatos. Nessa linha - mais
consistente coma tradição da análise clássica - foram feitos
estudos sobre os efeitos das corporações internacionais na
economia mundial contemporânea e seus desdobramentos
políticos
bem
como sobre a reação do Terceiro Mundo
frente a esse problema. As análises sobre as empresas
multinacionais ressaltam tanto seu crescimento como, o
que é decisivo, sua contradição com os objetivos do ano
ther development :
importância que as empresas transnacionais adqui
riram fica exemplificada pelo fato de que o valor agre
gado
de cada
uma
das
dez maiores empresas
transnacionais ascende a mais de
3
bilhões de dólares,
uma cifra maior do que o PNB de 80 países do mun-
A partir do reconhecimento dos efeitos da ação das
empresas multinacionais na economia mundial e de sua
contradição com os valores do desenvolvimento alterna
tivo Samir Amin explicita o que é suposto não discutido
na maioria dos textos:
Na
verdade, o ponto importante é se podemos definir
as alternativas como acabamos de fazê-lo, ou seja, sem
levar
em
conta os fins últimos, a escolha do socialismo
ou
do capitalismo. Em outras palavras: é realista ter
como meta para os países do Terceiro Mundo
um
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priação coletiva dos meios de produçãose for parapro uzir
o m smo que a empresa privada é capaz de fazer; e não
basta substituir o gigantismo das multinacionais e das
burocracias dos executivos pelo mamutismo do setor esta
tal controladopor uma burocracia fiel a um partido também
burocrático. Mesmo que este processopermita maior igual
dade e possiJ>ilidademais fáceis de atendimento das neces
sidades humanas básicas o que é
i n d i s u t ~ v e l
e portanto
represente um avanço, subsistem algumas das questões
fundamentais do another development .
Com efeito, a imitação dos aspectos civilizatórios da
sociedade capitalista referentes ao consumo e à tecnologia
produtiva) pode ser explicada talvez porque a competição
entre os modelos civilizatórios continua regendo, pelo me
nos no que diz respeito à guerra e à corrida armamentista,
o fundamental das decisões de investimento das potências
líderes do mundo contemporâneo. Mas o controle estati
zante e não democrático - oposto à self-reliance e à parti
cipação ampliada - não encontra escusas senão em termos
de uma estrutura de poder não controlada pela base da
sociedade nos países líderes do mundo socialista e na
difusão de uma ideologia que não atende às aspirações de
autonomia e de igualitarismo.
De pouco vale passar como gato sobre brasa por estes
problemas. Eles não têm resposta simples. As relações
entre as questões do poder mundial, as implicações da
produção técnico-industrial e o padrão cultural o estilo de
desenvolvimento) tanto no mundo capitalista como no
mundo socialista, são reais e complexas, limitando a ação
transformadora.
Diante delas é que a crença no Estado Ilustrado dos
cepalinos toma-se parcial e ideológica, assim como a ênfa
se na lutade classes dos dependentistas toma-se necessária,
mas insuficiente. Os teóricos do another development
pisam em terreno fértil quando, ingenuamente embora,
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recolocam ideologias prenhes de utopismo. Só que este
utopismo se desfigura e empobrece quando a generosidade
das posturas ingênuas é substituída pela fragilidade das
propostas de negociações entre o mundo dos pobres e o dos
ricos ou pelo entusiasmo com reformas burocráticas da
ONU ou dos aparelhos governamentais. Ele ganha um
contornomais promissor quando o reformismo proposto
dirige-se para o outro lado e tenta substituir a crença
absoluta no progresso e na razão por uma postura não
maximalista do tudo ou nada ) que procura valorizar o
r zoável
e tenta repor a questão da iniciativa autóctone, da
diversidade cultural e da redefinição dos estilos de consu
mo. Enfim, uma
utopia realista , com toda a contradição
nos termos.
Noutras palavras, à condição de que não se esqueça que
existemdeterminantes fundamentais cujos interesses e for
mas objetivas de atuação as multinacionais ou o interesse
do estado, por exemplo) moldam o mundo contemporâneo
e são eles que devem ser criticados e controlados para obter
os fins almejados pela nova utopia, a ênfase crítica aos
estilos de desenvolvimento colocada pelos defensores do
another development corresponde a uma dimensão im
portante da crise civilizatória atual. Esta, se aparece com
mais força pelas óbvias razões da existência da exploração
de classe no mundo capitalista, alcança, redefinida, o mun
do socialista e coloca
xeque a forma pela qual dar-se-á
a transição das sociedades capitalistas para o socialismo.
Neste sentido, o pensamento político implícito nas
análises de desenvolvimento é pobre. Repetindo: se os
cepalinos simplesmente desdenharam a questão e os depen
dentistas não deram nitidez às forças sociais de trans
formação deixando implícito que seria o Proletariado), os
teóricos desta década quando enfrentam concretamente o
problema colocam como sujeito do processo de trans
formação as burocracias internacionais. este o calcanhar
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de Aquiles do pensamento atual sobre o another develop
ment . Revoluções sem sujeito ou Reformas com sujeitos
ocultos. Talvez se tenha no horizonte um conjunto de
alternativas dos para que do desenvolvimento e mesmo
dos para quem . Falta saber quem o fará e como. Mas seria
injusto pedir aos teóricos solução para problemas que a
prática, que é mãe da teoria, ainda não aponta como uma
possibilidade objetiva.
OT S
1
Furtado, Celso, Teoria e política do desenvolvimellto econômico S ed., revista
e ampliada, São Paulo, Editora Nacional (1974),
ed., 1967.
2. Sunkel, O. e Paz, P.,EIsubdesarrollo latinoamericanoy la teoria dei desarrollo
México, Sigl0 XXI Editores, 1970.
3 Prebish, Raul, El desarrollo económico de la América Latina y alglUlos de sus
principalesproblemas (E/CN.12)89/Rev. 1,27 de abril de 19S0), Boletin Económico de
América Latina
vol. VII (1962), p.
4. Singer, Hans, The distribution of gains between investing and borrowing
countries , American Economic Review XL, May 19S0.
S Entre os autores do século XX que reelaboraram a teoria do comércio intema
cional é de rigormencionar Eli Heckescherque escreveu um artigo em 1919sobre The
effect of foreign trade
on
lhe
distributionof income , republicado em American Econo
micAssociation,
Readings
in
the theory ofintemntionnl trode Philadelphia 1949; Ohlin,
Bertil,
International Trade
HarvardUniversity Press 1933, e Lemer, Aba, Factorprices
and international trade , Economia fevereiro de 19S2.
Na versão neoclássica atual - e extremando os argumentos a favor dos efeitos
igualizadores do comércio internacional - o autor mais influente talvez seja Paul
Samuelson, International Trade and lhe Equalization of Factor Prices , Economic
Journal junho de 1948.
6. I.S. Mill, Principies
Political conol lY (edição Ashley), p. 703.
7. Durante o ciclo de expansão (econômica), urna parte dos lucros se foi trans
formando em aumento de salários, graças
à
concorrência dos empresários entre si e
à
pressão que as organizações dos traballllldores fazem sobre todos eles. Quando, na fase
decrescente, o lucro tem que comprimir-se, a parcela que se transfonTlllra em tais
aumentos perdeno Centrosua fluidez, graças
à
conhecida resistência
à
baixa dos salários.
A pressão se desloca então para a periferia
com
maior força do que a que
se
exerceria
naturalmente, se os salários e os lucros não fossem rígidos por causa das liJnitações da
concorrência. Quantomenos se possam comprimir, assim, os ingressos no Centro, tanto
mais terão que fazê-lo na Periferia , Prebisch, EI Desarrollo etc. , op. cit.
p
7
8
Ver
A
originalidade da cópia neste volwne.
9. Furtado, Celso, Teoria e Política do Desenvolvimellto Econômico São Paulo,
CompanhiaEditora Nacional,
S
edição revista e ampliada, 1975,
p
92. A versão origiJllll
foi publicada sob o título Desenvolvimento e Su bdesenvolvimellto em 1961.
10
Furtado,Celso,
O mitodo desenvolvimellto econômico
Rio, Paz e Terra, 1974.
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11. Ver Furtado, C., Teoria Política do Desenvolvimeltlo Econômico op cit e
especiahnente, O mito do desenvolvimento econômico op
cito
12 Sunkel e Paz, op cit p. 24.
13. Pinto, A., La concentración dei progresso
téclÚCO
Ysus frutos en el desarrollo
latinoamericano ,
Trimestre Econômico
janeiro-março de 1965.
14 Sunkel, O. e Paz, P.: op cit p. 25.
15 Ibidem, p. 26. A referência a dentro de wn pais parece relacionar-se ao
cololÚalismo interno , mas não está claro.
16. Idem, ibidem, p 38.
17 Idem, ibidem, p. 39.
18. Pormotivos que
já
expliquei em outros trabalhos, ver A Dependência revisi
tada e o Conswno da teoria da dependência , neste volwne, prefiro evitar o titulo
pretensioso de teoria da dependência. Não obstante, rendendo-me à voga, também
utilizarei neste ensaio a expressão teoria da dependência .
19 Cardoso, F.H., Empresário Industrial/lO Brasil e Desenvolvimento Econômico
São Paulo, DIFEL, 1964, capo
I;
Frank A.a. The development of wlderdevelopmenC ,
Monthly Review vol. 18,
n
4, 1966.
20. Ver, porexemplo, Bagu, Sérgio, Estructura Social de lo Colonia BuenosAires,
Editorial El Ateneo, 1952, e Prado Jr., Caio, Formação do Brasil Colllemporáneo
(ColôlÚa), São Paulo, Editora Brasiliense, 1945 (2 edição).
21. Diga-se, de passagem, que a discussão da oposição entre classe e nação deu
margem (e continua dando) a polêmicas, equivocos, esclarecimentos e voltas atrás. Ver
especiahnente Weffort, F., Notas sobre Teoria da Dependência : teoria de classe ou
ideologia nacional , EstudosCEBRAP n. I, São Paulo, 1971 e Cardoso, F.H., Teoria
da dependência ou análises concretas de situações de dependência
?,
idem ibidem
22. Duval, e Russet, B., Some proposals to guide research on contemporary
imperialism , p. 2, não publicado.
23. Quijano, Arubal, Cultura y Donúnación , Revista Latinoamericana de Cien-
cias Sociales 12 2,jWJho-dezembro 1971,
p
39-56.
Outro autor que encarou na direção das questões culturais o tema da dependência foi
VascolÚ, T., Dependência y Superestructura y otros ensayos Caracas, UlÚversidad
Central, 1971.
24.
SWJkel
Oswaldo, Capitalismo Transnacional y Desintegración Nacional en
América
Latina ,
El trimestre econômico
n 38 2.
25. Cardoso, F.H., Conswno da teoria da dependência neste volwne e Serra,
J
e Cardoso, F.H.,
As
desventuras da dialética dodesenvolvimento , Estudos CEBRAP
São Paulo (23). E ainda
As
contradições do desenvolvimento associado , Estudos
CEBRAP
São Paulo (8):41-75 abr.-jWl. 1974.
26 Frank A op cit
27. Wolfe, M. Idem, p. 80.
28. Para
wna
descrição das várias etapas do luúfied approach to development ,
bem
como para a análise de seus êxitos e linútações, o melhor docwnento
é
o ensaio de
Marshal Wolfe, Elusive Development: lhe quest for wúfied approach to development
analysis and planlÚng: histories and prospects , CEPAL/PV
IS
186,Santiago, dezembro
de 1978.
29. Sachs, Ignacy, Environment and StylesofDevelopment, in WilIiam Matthews
(ed.), Outer LimilS anil Humall Needs Uppsala, The Dag Hammarskjõlf Fowldation,
1976.
30. Que Hacer, Developmenr Dialogue n 1-2, 1975. Como docwnentos comple
mentares, ver a publicação editada por Chagula, W.F., Feld, B.T. e Parthsarati. A.,
Pugwash
lf
Reliallce
Nova Dellú 1977.
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31. Tinbergen, Jan (coordenador), ReestructuraciólI deI Orden llIemaCiOlUlI
R.I.O., Informe ai Club de Roma Fondo de Cultura Económica, México 1977. Ver
tambéma sériede ensaios publicados emhomenagem a Tillbergen, porDolman, Antony
e Ettinger, Jan van,
Partners in Tomorrow Strategiesfor a lIew illlemariollalorder
E.P.
Dutton, Nova Iorque 1978.
32.
Ver
Falk, Richard,
A Study Future WorIds
The Free Press, 1975. Não
considerarei neste trabalho as idéias de Falk e de seus associados. José Medina Echavar
ria, numa sugestiva revisão critica, considerou,
sem
embargo, que estes estudos, graças
a seupoderde síntese, ao tipoespecífico deuma sociologia projetiva e ao reconhecimento
explícitode seu caráterutópico, apresentam vantagens sobre outras do mesmo gênerode
visãomais cibernética ou entãoburocrático-institucional. Ver Echavarría, JoséMedi
na,
Las
propuestas de un nuevo orden económico internacional
en
perspectiva , CE
PAL, D.S. 1148, novembro de 1976.
33. Celso Furtado foi dos primeiros latino-anlericanos a rever seu instnunental
analítico recolocandoa questão da autonomia relativa da Demanda. Ver livros
já
citados.
34. Sachs, 1 EI ambienteh=o in Tinbergen, J., op
cit
p. 458.
35. King, Alexander e Lemma, A., Investigación Científica y DesarroIlo Tecno
lógico ,
in
Tinbergen, ed.,
op. cit
p. 414.
36. Ver Herrera, Amilcar, An approach to lhe generation of tecnologies appro
priated for rural developrnent , Informe á UNEP, mimeo. E também as contribuições de
AmilcarHerrera e de Jorge Sabato ao Simpósio de Campinas sobre Tecnologia. Sobre a
estratégia para alcançar maior autonomia na criação tecnológica ver Parthasarathi, A.,
Self Reliance in Science and Technology for development: some aspects of the Indian
experience ,
in
Chagula e outros,
op.
ito
37. Informe DagHammarskjõld, op.
cir
p. 36. Para fWldamentar este enfoquedos
outer linlits verMatlhews, W.H. e Little, A.D. Developing tlle concept of outer limits
in
lhe context of
m ~ t n
basic human needs, mimeo., docwnento preparatório para o
encontro de Uppsala.
38. Foi aliás deste ângulo que o novo enfoque encontrou mais ressonância na
América Latina. Social e politicamente porque a novaesquerda , de inspiraçãomaoísta,
guevarista ou diretamente cristã, assumiu implicitamente o ponto de vista de que nos
países subdesenvolvidos mesmo o socialismo deveria ser constituído na parcimônia,
quase quecom urna repulsa aos estilosde vida das sociedades opulentas. No plano teórico
porque autores como Ambal Pinto
ou
Jorge Graciarena aceitaram o repto dos estilos
altemativos de desenvolvimento e contribuíram para sua análise. Ver Graciarena, J.,
Podery estilos de desarrolld. Una perspectiva heterodoxa e Pinto, A., Notas sobre los
estilos de desarrollo
en
América Latina , in
Revista de la Cepal
Naciones Unidas,
Santiago de Chile, n. l,jan.-set./1976. Pinto distinguia a noção de sistema (capitalista
e o socialista) da noção de estrutura que aponta para o funcionamento da economia (o
grau de diferenciação do aparellio produtivo) e para a colocação e relacionamento dela
no esquemamundial, como dominantes ou subordinadas Qmveria sociedades capitalistas
industrializadas, capitalistas subdesenvolvidas, socialistas industrializadas, socialistas
subdesenvolvidas). O estilode desenvolvimento apontaria para o modo pelo qual dentro
de
lU
determinado sistema se organizanl e distribuem os recursos hwnanos e Illateriais
com
o objetivo de resolver as interrogações sobre o que, para quem e como produzir os
bens e serviços (p. 104).
39. Diga-se de passagem que a primeira dificuldade teórica, a de centrar a teoria
de desenvolvimento na lógica das necessidades básicas, vemsendo elaborada
não só
por
Furtado, como já indiquei,
mas
por Ignacy Sachs. Ver, deste último, Sryles etc.
40. Não resumirei aqui as refoffilas propostas para o sisteIlla das Nações Unidas
porque isso fugiria demasiado do foco deste trabalho. Basta consultar Another Deve
lopment ou o projeto R.I.O. para ver-se as linlms principais de sugestào. Convém dizer
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que alguns dos principais documentos relativos aos enfoques alternativos para o desen
volvimento foram feitos expressamente para influir nas rewúôes preparatórias das
Assembléias da
ONU
e especificamentepara o sétimoperíodo extraordinário de sessões
da Assembléia Geral,
que
tratou da nova ordem econôllÚca mWldial.
41. Tinbergem, J. (coordenador), p cit 167. Diga-seque
se
o Informe Hammars
kjõld projetou
com
força
os
novos objetivos de desenvolvimento, o projeto R.I.O.
apresenta mais detalhada e solidamente as políticas a serem implementadas.
42. A esse respeito, ver Somavia, Juan, Can we Wlderstand each olher? The need
for a
new
international information order , in Dolman e Ettinger,
p
cit p 228 e
seguintes.
43. ColóqlÚo de Argel, p. 13; 14 e 38 respectivamente.
44. Jagairy,
1 KIÚI1
P. e Sornavia,
1., Las
empresas transnacionales in Tinbergen
(coord.) p cit p. 431. Coerente
com
suas análises os autores acrescentamque: Muitos
dos objetivos de desenvolvimento autônomo descrito na SegWlda Parte deste Relatório
se chocam com
a lógica atual das empresas transnacionais.
autonollÚa é
wn
estilo
de
desenvolvimento baseado
no
reconhecimento da diversidade cultural; como tal é wn
instrumento contra a homogeneização das culturas. Pelo contrário, a lógica das empresas
transnacionais baseia-se
em
que a maioria dos produtos podem vender-se com proveito
em quase todos
os
países em que operam, se se tem em conta apenas seus níveis de
desenvolvimento . Idem ibidem p. 441.
45. Anúm,
Sanúr,
Some
lhoughts
on
self-reliant development, colk,ctive self-re
liance and annew econonúc order , Vlúted Nations, IDEP, Dakar, 1976, mimeo.
46. Arnim vaimais longe:
The
fact is lhat lhe lhemes of lhe new order involve the
aspiration
to
control
lhe
natural resources
and
to strenghlhen the national states, wlúch
imperialismdoes not accept. would like lherefore, to substitute for it the Rio project
(Reshaping of lhe International arder which is and ideological fOffimlation of the need
to transfer
some
of lhe industries of lhe center to lhe peripheries wlder the wings of lhe
multinationals ,op. cit p. 25.
47. Note-se
que
a reação critica dos econollÚstas ortodoxos foi semelhante. Ver,
por exemplo, o documento escrito
por
Cooper, Richard, Developed cOlUltries reactions
to calls for a new international econollÚc order , mimeo., 1977. Cooper é subsecretário
do
Comérciodos
V S
Tenta mostrara insubsistência dos arglUllentos morais
em
favor
da redistribuição da riqueza (do ponto de vista da própria filosofia moral) e o irrealismo
das demandas
do
Terceiro Mundo. Propõe negociaçãcs razoáveis que garantem o
acesso aos mercados dos paises industrializados para os países da Periferia e melhores
condições comerciais nos dois sentidos (a more frce market ).
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do, admirável capítulo de Raízes
rasil descreve a
cidade colonial hispânica. Ela obedecia a um plano arqui
tetônico rígido, enquanto a cidade portuguesa se espraiava
preguiçosamente ao sabor da geografia local. Entre a Plaza
Mayor , a partir da qual desenhavam-se geometricamente
as ruas, e o PaçoMunicipal com a cadeia ao lado, por certo)
que se aninhava na primeira elevação encontrada ao acaso,
cercada desordenadamente por vielas sem plano, existe
toda uma diferença.
Diferença essa que pude constatar ao ter trabalhado - e
de perto - com u dos mais eminentes sociólogos espa
nhóis da geração que ainda pegou os duros anos da Guerra
Civil, JoséMedina Echevarria. Exilado no Chile, como eu
também, só que Medina com décadas de anterioridade,
trabalhamos juntos na CEPAL na sede das Nações Unidas,
Santiago. Sua formulação européia germano-espanho
la) fora tão forte que não o perturbavam as confusões
populistas, o desarranjo cultural de povos que para terem
identidade começam por negar o que são e a imitar o que
não são, como fazemos nós, os latinos-americanos. Aju
dou-nos a pensar a América como Ibero-América, dentro
de uma perspectiva clássica, a despeito de nossa obsessão
pelo desenvolvimento econômico mesmo que feito a jatos
de desigualdade.
com este espírito, de um ibero-americano, que pre
tendo apresentar nesse Foro algumas dúvidas e algumas
alternativas para a economia da América Latina, diante de
u mundo que parece ser outra vez novo. Comecemos,
portanto, por aí, pela idéia de um mundo novo.
o un o novo
Os latino-americanos que até a última geração apren
demos a considerar-nos como parte do novo mundo senti
mos de repente, na década de 80, um choque: não nos
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teremos tomado antiquados? Não terá surgido um mundo
novo às nossas costas - ou quem sabe, à nossa frente -
sem
.
que dele tenhamos tido sequer a intuição?
sentimento que sempre tivemos de pertencer ao
novo , em contraste com a velha Europa ou om os
Estados Unidos desgastados, era tão entranhado em nós que
a idéia de desenvolvimento econômico parecia ser proprie
dade nossa. Além do mais, alguns países da América Ibé
rica pareciam
ser
a expressão concreta do ímpeto de
crescimento que só as nações jovens possuem. Estudo
recente de Angus Maddison, comparando as 5 maiores
economias da OCDE com as 5 maiores de fora dela (URSS,
China, Índia, México e Brasil), mostra que o melhor de
sempenho
em
termos do crescimento do produto nacional
entre 1970 e 1987 foi o do Brasil - 4,4% ao ano. Mesmo
tomando-se um indicador mais rigoroso, como o cresci
mento rc pit o do Brasil foi o segundo (2,1 %ao ano),
superado ~ p n s pelo do Japão (com 2,7% ao ano).
O que houve, então, na década de 80, ou por que
um
país como o Brasil deixa de ser novo , frente, digamos,
à
Itália ou à Alemanha?
Deixo
de
lado talvez o fundamental, por ser aqui-co
nhecido: o salto tecnológico. Esse atua hoje como atuou a
Escola de Sagres, nos descobrimentos: depois da bússola,
da nova cartografia e da nova técnica das caravelas, de que
valiam as galés? e que vale hoje a abundância de recursos
naturais e de mão-de-obra, mesmo sendo ~ r t í s s i m de
pois da informática, da microeletrônica e da biogenética?
Mas, cuidado , não foram os portugueses - e nem
sequer os italianos com suas curiosidades ou os espanhóis
com suas Salamancas - os que mais se beneficiaram dos
inventos técnicos, nem de suas conquistas. Os holandeses,
por exemplo, souberam ser novos no século XVI e so
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ou
descobridores das novidades. que sua sociedade mo
dernizou-se à época.
Terá sido o protestantismo, capaz da proeza de absorver
o pragmatismo racional dos judeus portugueses e espa
nhóis, para permitir aquela modernização ? Talvez. Mas
o fato é que a Casa de Orange mais as companhias de
comércio,
s m
muita Inquisição ou Cruz, fizeram da Ho
landa o fulgor de Flandres. No comércio, na razão e só
secundariamente na guerra foram eles os esteios do novo
mundo. Não foi propriamente o que os ibéricos plantaram
nas Américas, mas sim o que os europeus, com seu capita
lismo vitorioso, fizeram na Europa, que criou a moderni
dade , dando à civilização o Século de Ouro e depois o
Iluminismo.
O v hoje á não é sequer o desenvolvimento . E
n m s
pense que a invenção científica e mesmo a patente
tecnológica, por si, constroem uma civilização nova. Novo
é a combinação entre organização portanto, raciona
lidade), liberdades públicas e individuais e maiores níveis
de igualdade.
Foi essa fórmula milagrosa que fez a velha Europa
tornar-se a esperança do futuro. E acaso aqui na Espnha
pós-Franquista que enterrou e esconjurou o nefasto viva
la muerte , cuja repulsa pública de maior significação
deu-se precisamente aqui m Salamanca pela boca de Una
muno) não é esse mesmo sentimento que a renova? Não
terá sido a capacidade espanhola - a férrea vontade de
determinar-se a um propósito - que juntou a Espanha à
CEE, guardou respeito às liberdades e moveu o país na
direção demaior justiça social? Não é isso que nos faz rever
Madri á não como a capital de
a s t e l ~
mas como facho
de um eventual mundo hispano-americano ? E mesmo
Portugal, mais modesto em suas dimensões econômicas, ao
aceitar o desafio de lançar-se à competição no Mercado
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só percorrer oMinho agrário, acomodando-se à civilização
industrial quase à moda do putting-out-system para per
ceber que lá pulsa um outro desenvolvimento .
Não se trata apenas de crescer economicamente e de
deixar que o
tri kle down effe t
joguemigalhas aos pobres.
Na fusão entre organização-liberdade-justiça social, amola
do futuro não é só a acumulação
a luta de classes por ela
posta). Há um espírito novo em tudo isso.
Foi Werner Sombart, talvez mais do que Max Weber,
quem se antecipou na visão desse espírito novo . Weber,
preso ao diálogo com Marx, não rompeu a férrea lógica do
capitalismo gerada pela visão genial de Marx. Apenas quis
invertê-la, dando mais peso aos componentes organizató
rios do capitalismo do que à sua brutalidade exploradora.
Mas Sombart sublinhou o essencial, que, digamos com
certa liberdade, não é a exploração de resto, com as
sucessivas revoluções tecnológicas, cada vez menos rele
vante) mas sim o espírito de aventura somado a um méto
do .
Esse método - a ciência feita tecnologia e a empresa
feita organização internacional - não é um dogma. Ele
descende de Descartes temperado por - pasmem - Pascal,
que fez da dúvida angustiosa do mundo uma rotina mesmo
para os crentes. E essa aventura , diferentemente da busca
do desconhecido na época dos descobrimentos, é uma
antecipação mental de etapas a serem vencidas.
Como no período das grandes descobertas, tudo isso
requer também coragem, audácia. Mas não se trata da
coragem individual do líder. O Unternehmer moderno é
uma força social enraizada nos vários níveis da sociedade,
compartilhada como uma vontade coletiva, que requer
motivação e objetivos novos, permanentemente mutáveis.
O novo espírito do capitalismo é, portanto, essa mistura
de espírito de empresa com motivação argamassada no
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conhecimento científico e com propósitos coletivos de
bem-estar.
A acumulação de capitais é condição para tudo isso.
Mas já não se repõe por si, isto é, pela exploração direta da
força de trabalho em benefício de capitalistas individuais.
O capitalismo contemporâneo supõe uma socialização
específica que toma a mera acumulação parte de um
processo civilizatório mais amplo. Esse requer universida
des, estados racionalizados e não nacionalizados apenas),
burocracia dominada por alvos políticos extra-empresa,
vontade societária de liberdade e justiça social.
o
novo enário mundi l
A base sobre a qual repousam essas transformações tem
a ver como crescimento exponencial das forças produtivas
e com os resultados da luta de classes , para dizer em
termos simples e diretos.
O aumento de produtividade gerou excedentes excep
cionais que puderam ser canalizados, através de impostos
e de políticas sociais, para o desenv9lvimento social, im
pedindo, assim, o processo de empobrecimento crescente
das grandes m ~ s s
Na Europa do pós-guerra - diante do desafio do comu
nismo - viu-se a adoção em vários países de políticas de
tipo social-democrática que terminaram por beneficiar os
trabalhadores e assalariados. Os enormer orçamentos pú
blicos, a visão keynesiana que não teme déficits e o poderio
crescente de sindicatos e partidos de esquerda tomaram as
sucessivas revoluções produtivas instrumentos favoráveis
tanto para a acumulação de riquezas como para a diminui
ção das desigualdades sociais.
Nos
EU
e no Japão - cada um com suas próprias
características - mesmo sem o élan social-democrático, a
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política do pós-guerra foi também uma política de welfa
rismo , embora mitigado em comparação com a Europa
Ocidental. A tal ponto o mundo capitalista abraçou a idéia
do estado do bem-estar social que na última década ocorreu
uma espécie de regressão ideológica que consistiu em
revalorizar o mercado, a livre iniciativa e em debilitar a
força do Estado para coletarmais impostos. Os capitalistas
temiam que a vontade política tivesse ultrapassado as exi
gências da acumulação para continuar o crescimento eco
nômico.
A despeito dessa última tendência - mais claramente
expressa pelos governos deReagan e de MargaretThatcher
- na prática a noção de umnovo capitalismo já estava tão
arraigada culturalmente que tanto os EUA continuaram a
praticar uma política de sustentação do déficit público,
nada ortodoxa, como as políticas sociais (proteção ao
desempregado, habitação popular, recursos públicos para
saúde e educação, etc.) continuaram a surtir seus efeitos até
mesmo na Inglaterra de Margareth Thatcher, apesar da
retórica antiestatal e das privatizações.
m toda a parte o governo continuou sustentando o
crescimento econômico e o bem-estar social. E, por outro
lado, a revolução tecnológica, especialmente aquela propri
ciada pela informática e por meios de comunicação mais
rápidos e seguros, tanto de pessoas e mercadorias como de
mensagens, possibilitou a globalização da economia.
Desde os anos 60, e de forma mais marcante nos últimos
20 anos, tanto houve a descentralização da produção indus:
trial .através das empresas multinacionais, como houve
enorme - e conseqüente - aumento do comércio mundial.
Este tem crescido sempre dois ou três pontos
à
frente do
crescimento do produto dos países. Ao lado disso a revo
lução quaternária , afetando toda a rede de produção dos
serviços (dos financeiros ao telex, ao fax, aos satélites de
comunicação e assim por diante) criou novas fontes de
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poder e de recursos, pennitindo a descentralização pro
dução e dos serviços, mas garantindo controles unificados.
O resultado desse processo todo abstraindo nessa pa
lestra as questões propriamente políticas) foi a formação
dos quadros institucionais que dão os contornos da globa
lização mundial: os mercados comuns, os acordos bi e
multilaterais e, conseqüentemente, os temores de um futuro
marcado por fortalezas aduaneiras nas quais as tarifas são
substituídas por acordos não tarifários de proteção dos
mercados. E é precisamente contra isso que se batem agora
os países em desenvolvimento, visando a fortalecer o
nas rodadas de Montevidéu.
Estes fatos deram origem, contraditoriamente,
à
noção
ideológica) de que o mundo contemporâneo marcha para
uma revalorização do mercado e do liberalismo, quando,
na verdade, as negociações são conduzidas politicamente
pelos governos, as alianças econômicas soldaram interes
ses entre grandes oligopólios de produção e distribuição,
ramificados
à
escala mundial e criou-se um novo sistema
de planejamento espontâneo e prospectivo , não contra
ditório com os
já
referidos valores de liberdade individual
porque não exclui as opções de investimento e de consumo.
certo que nesse novo marco as políticas que fizeram
o esplendor das bourgeoisies conquér ntes e que no
século XIX tenninaram por integrar os povos em estados
nacionais vêm sendo paulatinamente substituídas por ou
tras, mais dinâmicas. O empresário individual, o tycoon
ou o unternehmer , são hoje figuras arqueológicas diante
do board
of
directors , das burocracias empresariais e da
amálgama entre, por um lado, ciência e organização pro
dutiva e, por outro, a firma-mãe e a rede de suas afiliadas
que podem, inclusive, ser empresas familiares ou indivi
duais de alta tecnologia. O diplomata, representante típico
das políticas de potência e o estado nacional por sua vez,
se debilitaram, dando lugar ação direta de negociantes e
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de produtores que atuam nos marcos de acordos negociados
a nível técnico-político pelos governos.
Este novo mundo parece ter permitido o ressur
gimento de forças localistas, de valores culturais-nacionais
como a língua) e da religião, ao lado da globalização das
forças produtivas e da economia.
É esse desafio de uma nova concepção da empresa e
da produção, inclusive quanto ao planejamento espontâneo
global, permitindonão só mais iniciativas individuais como
maior espaço público para o exercício de valores culturais,
tradicionais) que perturba tanto o Leste Europeu e a Ásia
comunísta, como a América Latina e os países do Terceiro
Mundo.
Não cabe nesta palestra discutir as vicissitudes criadas
por esta situação para a União Soviética, a China e os
demais países de economia centralmente planificada. Cabe
apenas dizer que essa nova fase do capitalismo ocidental ,
de globalização da economia com dispersão controlada,
associada a práticas de criatividade e liberdade, pôs
xeque as concepções burocráticas do planejamento central
das economias socialistas. Tomou-se evidente a superiori
dade tecnológica que serve de suporte
à
potenciação da
produtividade das empresas capitalistas e que não é alheia
à questão da liberdade e da iniciativa individual.
Diante disso, algumas correntes de opinião vêem no
desengajamento das economias do Leste do modelo sovié
tico o ressurgimento do capitalismo, do mercado e do
liberalismo
à
la século XIX. Se tal viesse a ser o caso, os
países socialistas teriam perdido o bonde da história uma
vezmais. O que lhes falta não é capital em sentido técnico
nem apropriação individual dos meios de produção. Falta
lhes muito mais uma cultura de empresa , que envolva
tanto a disciplina no trabalho como o gosto pelo risco e pela
competição. Falta-lhes, precisamente, a noção nova do
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pelo mercado, mas faz deste último um aferidor de tendên
cias livremente previstas pelos grupos empresariais.
É através do mercado, da reação dos outros produtores
e dos consumidores, que as empresas dispõem dos instru
mentos para avaliar suas decisões. A mola deste sistema é
a competição, que leva as empresas ao desenvolvimento
tecnológico crescente e fazem-nas dependentes dele para
ter lucros.
Por isso, tanto a burocratização da economia como sua
oligopolização - que é o resultado da inexistência dos
contrapesos do interesse público para preservar o funcio
namento do mercado - acarretam conseqüências fatais ao
crescimento econômico e à manutenção de uma sociedade
de bem-estar.
O novo no mundo contemporâneo consistiu em ter
transformado a criatividade - a invenção tecnológica e
organizacional -
em
rotina, tanto na empresa como na
sociedade. E tudo isso
em
um clima de liberdade.
o panorama Latino mericano
Enquanto o mundo se defronta com as alternativas
trazidas pela globalização da economia, a América Latina,
a partir da década de 80, se debate com a estagnação
econômica, a dívida externa e a inflação.
Por certo os dirigentes das economias latino-america
nas exageraram ao persistir com políticas de captação de
empréstimos externos graças à abundância dos eurodólares
e de taxas de juros aceitáveis. Os países asiáticos que
entraram no processo de internacionalização da economia
os NI s asiáticos) foram mais prudentes com respeito à
captação de recursos financeiros no exterior e aplicaram
políticas mais audaciosas para a correção dos desníveis
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sociais, incluindo, em alguns casos, a reforma agrária, e,
em todos os países, a valorização relativa dos salários.
Quando
já
havia sinais inquietantes no mercado finan
ceiro internacional, antes do setembro negro de 1982, data
em que o México se declara em moratória, os
NI s
lati
no-americanos continuaram a endividar-se. Nada de signi
ficativo fizeram, por outro lado, paramelhorar as condições
de vida de suas populações. Convém não esquecer que o
grande salto o milagre , como foi chamado com exagero
o esforço industrializador e exportador de alguns desses
países) das economias latino-americanas nos anos setenta
deu-se sob a égide de regimes autoritaritários, de base
militar. Naquela época acreditava-se que os fundamentos
para a entrada da América Latina na modernidade seria
a aliança entre capitais locais. Estado e empresas multina
cionais.
É até possível que essa estratégia de crescimento eco
nômico fosse a mais adequada para assegurar que o novo
capitalismo não se asfixiasse no corporativismo estatal, no
protecionismo e na idéia de manter as economias
em con
dições de produção autárquica. Mas a realidade que dela
resultou foi uma pesada dívida externa, uma orientação
exportadora mais baseada na necessidade de produzirem-se
excedentes na balança comercial para pagar a dívida com
contração de importações) do que na idéia da nova econo
mia global. Foi, portanto, o reforçamento do protecionismo
até mesmo para salvaguardar empresas estrangeiras
já
ins
taladas. Foi o imobilismo social e o peso desproporcional
dos oligopólios sustentados pelas políticas oficiais.
Em outros termos, o crescimento industriallatino-ame
ricano seguiu o caminho st do que caracterizou o
amálgama novo do capitalismo contemporâneo. Com isso
aAmérica Latina marcou passo enquanto a Ásia - ou partes
significativas dela - assumiu a cultura empresarial dos
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juntura de crise de demanda na Europa e o mesmo se diga
da América Latina
com
respeito à economia americana.
Percebido o irrealismo dessa perspectiva
só
restou aos
pensadores do Primeiro Mundo que desejam - e o desejam
sinceramente - resgatar os países em vias de desenvolvi
mento, ou criticar as instituições de ajuda internacional,
exigir mais do mesmo estilo de desenvolvimento, com
pinceladas morais de solidariedade como no caso do Re
latório Brundtland)
ou
ameaçar com a catástrofe ecológi
ca e imaginar alternativas preservacionistas para os países
pobres, financiadas pelos ricos. .
Se, entretanto, à boa vontade quisermos ajuntar realis
mo, não será por aí que a América Latina encontrará
alternativas para seu desenvolvimento.
Aceitando-se, para economizar tempo de exposição,
que haja ummínimo de homogeneidade na América Latina
e que a solução encontrad-a pelos países de maior peso
relativo no Continente possa servir para os demais ou
possa, pelo menos, criar condições que lhes sejam mais
favoráveis), eu diria que a América Latina precisará encon
trar solução para quatro ou cinco problemas fundamentais
interligados:
- o da dívida externa;
- o da crise fiscal e organizativa do Estado e suas
conseqüências inflacionárias;
- o da capacitação tecnológica e aumento da competi-
tividade;
- o da distribuição interna da renda;
- o
de realizar sua revolução educacional e social.
Tudo isso a partir de uma perspectiva em diferente
daquela que marcou os anos de ouro do desenvolvimento
econômico à base da substituição das importações . om
efeito, para aquele propósito, as barreiras protecionistas,
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edificação de um estado capaz de dinamizar a economia (e,
portanto, de poupar e investir), a prevalência da formação
do mercado interno como catalisador do crescimento eco
nômico e a crença no nacionalismo como pilar do interesse
do país, constituíram os ingredientes fundamentais e sufi
cientes para a arrancada do desenvolvimento econômico .
Isso, somado a um certo distributivismo forçado pelas
corporações e regulado pelo Estado, se não produzia o
bem-estar social geral, enraizava um empresariado e
dava acesso à civilização urbano-industrial a amplos
setores da classe média, bem como a setores mais limitados
dos trabalhadores.
Nas condições contemporâneas, a oposição entre mer
cado interno e mercado externo perde força, o caráter
dinâmico das exportações passa a ser reconhecido como
parte do desenvolvimento do país; o Estado, diante da
enorme crise fiscal, cede espaços à iniciativa privada; a
busca de áreas competitivas a nível internacional para a
produção local (e, portanto, de capacitação tecnológica)
torna-se decisiva para a prosperidade. Ao mesmo tempo, o
clamor por mais justiça social substitui o fervor nacio
nalista do passado.
Não sugerirei nesta aula fórmulas salvadoras para qual
quer dos itens que listei acima. Mas não posso deixar de
referir-me, de passagem, a alguns deles, pois constituem
problemas a serem resolvidos na busca de uma alternativa
econômica.
Sobre a questão da dívida, dois comentários. Primeiro,
é preciso saber que boa parte dela se deve
contabilização
como débito de juros flutuantes não pagos. A partir do
momento m que, suponhamos, m um empréstimo de 1
milhões de dólares a juros de 7 ao ano, a flutuação da taxa
internacional de juros eleva-os para ao ano (e chegou
s a 21 % ) é óbvio que o investimento real feito tem
enormes dificuldades para amortizar a dívida. Passa-se a
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dever s contrapartida de investimento reaL Isso, para o
conjunto dos empréstimos, debilita a capacidade de paga
mento do país. Pois bem, pelos cálculos do Banco Central
do Brasil, para uma dívida de
m ~
ou menos 70 bilhões de
dólares aos bancos privados, cerca de 25 bilhões são con
tábeis: referem-se a juros sobre juros e à flutuação da taxa
de juros, s nunca terem significado recursos investidos
na economia.
Segundo, como a dívida foi estatizada , os devedores
privados depositam
moeda local o correspondente a
suas remessas para honrar os débitos. O Estado - que não
produz diretamente divisas, salvo quando é proprietário de
indústrias exportadoras - precisa fazer duas coisas para
pagar as dívidas: provocar excedentes na balança comer
cial e, portanto, encorajar políticas exportadoras e frear
as importações e com elas parte do desenvolvimento) e
produzir moeda local para comprar as divisas. Como não
pode ultrapassar certos limites na coleta de impostos e
como, por outras razões, o Estado sofre a sangria dos que
vivem às suas custas, sejam empresas - privadas e públicas
- seja a burocracia) ele acaba por emitir e/ou endividar-se
internamente para poder pagar a dívida, mesmo que o país
disponha das reservas.
Logo, dívida externa e crise fiscal do Estado estão
umbilicalmente ligadas. Como corolário, qualquer alterna
tiva econômica para a América Latina passa por enfrentar
esses dois problemas e enfrentá-los em suas conexões.
México e Chile - e agora Venezuela - renegociam suas
dívidas e tiram proveito da noção hoje mais aceita pelas
finanças internacionais do
e t relief No caso do Chile,
como o estado é proprietário do cobre, talvez uma redução
adequada do serviço da dívida possa permitir o desafogo
necessário para a retomada do crescimento. No México,
apesar das vantagens que a integração ao Hemisfério Norte
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crônicos de desequilíbrio das contas públicas continuarão
assolando o país. bem verdade que o governo conseguiu
uma espécie de pacto interno que desanuviará o horizonte.
Terá assim {acilitado e o raciocícnio é válido para a
Venezuela) o desafio de repor as finanças públicas para
retomar o crescimento com a inflação mais controlada.
Já que mencionei a inflação, é óbvio que a partir da
perspectiva que adotei, as políticas do estilo característico
do Fundo Monetário Internacional do gênero controle da
base monetária - arrocho salarial - equilíbrio orçamentá
rio são insuficientes, pois não enfrentam a questão princi
pal que é o endividamento interligado externo e interno do
Estado e propõem o impossível: que se pague a dívida e,
ao mesmo tempo, que se equilibre o orçamento.
Essas ponderações não devem ser entendidas, entretan
to, como se eu menosprezasse a necessidade de uma pro
funda reforma fiscal e tributária mais necessária e mais
difícil ainda nos países organizados como federações que
dotam as províncias de autonomia no gasto público) ou que
considere desimportante o controle inflacionário. Só que
ou se faz isso repondo a capacidade de tributação, de
poupança e de investimento do Estado portanto, impondo
se condições aos credores externos e internos para o paga
mento das dívidas) ou tudo não passará de trabalho de
Sísifo.
Neste panorama, as alternativas de desenvolvimento
econômico da América Latina não devem contar com o
aporte de capitais externos como fator decisivo para a
retomada do crescimento. Elas virão
pequena propor
ção
à
medida que os países forem resolvendo seus
problemas internos, porque o sistema financeiro interna
cional dispõe de alternativas melhores e está temeroso de
investir no desenvolvimento e porque a negociação da
dívida externa, se for correta, aumentará a má vontade dos
bancos.
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Isso não quer dizer que os países da América Latina
possamdispensar inyestimentos externos. Haverá que bus
cá-los graças aos créditos oficiais internacionais e através
de joint ventures que transfiram tecnologia em áreas de
ponta nas quais cada país possa ser competitivo. Para tal é
indispensável a formulação de competente e séria política
de desenvolvimento industrial e tecnológico.
E neste ponto o raciocínio torna-se circular: sem que os
estados dos países latino-americanos saiam da crise fiscal
que se encontram e sem que se reorganizem não terão
a capacidade política nem a sustentação social para definir
e implementar políticas efetivas de crescimento econômi
co seja agrícola seja principalmente industrial.
Dito noutros termos as alternativas para um novo surto
de crescimento econômico no Continente dependem da
definição de rumos da política interna dos países que per
mitam sanear as finanças e estabilizar o Estado. Não mais
entretanto para que o Estado su stitu
a sociedade civil e
sim para que ele pennita melhor articulação desta última.
Por melhor articulação entendo duas coisas: que o em
presariado local encontre condições e estímulos para inves
tir e que os governos sustentem políticas de rendas que
comecem a reverter a atual situação de hiperconcentração
da riqueza.
Nada disso será feito repito sem uma revolução edu
cacional e sem políticas de bem-estar que levem tanto a
mais igualdade que é o suporte prático da liberdade como
a níveis mais elevados de competência técnica e de organi
zação social.
Chegamos assim na América Latina a uma situação
paradoxal: para crescer economicamente os países preci
sam primeiro de condições políticas com um Estado
melhor organizado não clientelístico e capaz de ter um
compromisso social. O crescimento que propiciará melho
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como no passado, como devendo orientar-se para dentro .
Será orientado tanto para o mercado interno como para a
competição internacional. Entretanto, para atingir-se este
patamar, será necessária uma política dura de renegociação
da dívida que, provavelmente, despertará reações negativas
nos setores que sempre insistiram na necessidade de valo
rizar-se o mercado externo: os banqueiros e investidores
internacionais.
Se as peças do quebra-cabeça fossem fáceis de encaixar
não seria necessário talento nem política. Por isso, as
dificuldades - que são muitas - para a retomada do desen
volvimento econômico e para a entrada da América Latina
namodernidade não devem desanimar-nos, mas estimular
nos.
Estão aí as lições da velha Europa que renovou-se m
30 anos. Os países latino-americanos, ao invés de insistirem
nas etapas restowianas, devem entender que podem dar
saltos. Se eles perceberem que para serem modernos e
competitivos precisam de melhor organização interna de
base empresarial) tanto no Estado como na sociedade civil,
maior capacitação tecnológica, de melhor educação e,
como conseqüência, de melhor distribuição de renda e,
sobretudo, que precisam de liberdade para que tudo isso
ocorra, enfrentarão o novo milênio com chances de êxito.
Vamos apostar e torcer. Com muito compromisso.
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