as guerras, o meio ambiente, e a importÂncia do … · aprender a respeitar o seu nicho...

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AS GUERRAS, O MEIO AMBIENTE, E A IMPORTÂNCIA DO SUJEITO POLÍTICO VOLTADO AOS INTERESSES COLETIVOS. THE WARS, THE ENVIRONMENT, AND THE IMPORTANCE OF THE POLITICIAN CITIZEN DIRECTED TO THE COLLECTIVE INTERESTS. Marilucia Flenik Katya Kozicki RESUMO Este artigo enfoca as guerras, o meio ambiente, o perigo de destruição do nicho ecológico e da própria espécie humana. As guerras constituem uma grave ameaça ao meio ambiente tanto físico como cultural. A incerteza e o risco marcam esta época. O ciclo de espoliação dos recursos naturais da era industrial capitalista está próximo ao esgotamento e milhões de pessoas são refugiados ou estão desempregados. A tendência para o século XXI é que recrudesçam os conflitos mundiais pela disputa dos bens naturais e econômicos. Predomina hoje a mais valia do capital das empresas multinacionais e tanto o Estado Democrático Liberal como o Estado Democrático Socialista não deram conta de garantir os direitos fundamentais dos seres humanos. Neste quadro emerge como alerta o sinal de perigo de involução no sentido de que o meio ambiente seja destruído com graves reflexos para toda a espécie humana. A sociedade hoje é de trabalhadores que vivem exclusivamente para produzir e consumir os bens de consumo. Os problemas a serem enfrentados são políticos e cumpre resgatar um tipo de sujeito político histórico e localizado, que se destaque da igualdade das massas da democracia, deixando de ser o sujeito de direitos transcendental idealizado pelo humanismo clássico, para ser o sujeito dos direitos coletivos, voltado aos interesses do meio ambiente e conservação do seu mundo cultural e institucional. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS CHAVES – GUERRAS, MEIO AMBIENTE, INCERTEZA, BENS ECONÔMICOS, CONSUMIDORES, MODELO DE ESTADO, NOVO SUJEITO POLÍTICO, INTERESSES COLETIVOS, DIREITOS COLETIVOS. ABSTRACT This article focuses the wars, the environment, the danger to destroy the niche ecological and the human race itself. The wars in such a way constitute a serious threat to the physicist and the cultural environments. The uncertainty and the risk mark this time. The cycle of spoliation of the natural resources of the capitalist industrial age is next to the exhaustion and millions of people are refugee or unemployed. The trend for century XXI is that the world-wide conflicts for the dispute of the natural and economic goods recrudesce. The value of the capital of the multi national companies predominates today and both the Liberal Democratic State and the Socialist Democratic State had not given account to guarantee the basic rights of the human beings. In this picture the 2409

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AS GUERRAS, O MEIO AMBIENTE, E A IMPORTÂNCIA DO SUJEITO POLÍTICO VOLTADO AOS INTERESSES COLETIVOS.

THE WARS, THE ENVIRONMENT, AND THE IMPORTANCE OF THE POLITICIAN CITIZEN DIRECTED TO THE COLLECTIVE INTERESTS.

Marilucia Flenik Katya Kozicki

RESUMO

Este artigo enfoca as guerras, o meio ambiente, o perigo de destruição do nicho ecológico e da própria espécie humana. As guerras constituem uma grave ameaça ao meio ambiente tanto físico como cultural. A incerteza e o risco marcam esta época. O ciclo de espoliação dos recursos naturais da era industrial capitalista está próximo ao esgotamento e milhões de pessoas são refugiados ou estão desempregados. A tendência para o século XXI é que recrudesçam os conflitos mundiais pela disputa dos bens naturais e econômicos. Predomina hoje a mais valia do capital das empresas multinacionais e tanto o Estado Democrático Liberal como o Estado Democrático Socialista não deram conta de garantir os direitos fundamentais dos seres humanos. Neste quadro emerge como alerta o sinal de perigo de involução no sentido de que o meio ambiente seja destruído com graves reflexos para toda a espécie humana. A sociedade hoje é de trabalhadores que vivem exclusivamente para produzir e consumir os bens de consumo. Os problemas a serem enfrentados são políticos e cumpre resgatar um tipo de sujeito político histórico e localizado, que se destaque da igualdade das massas da democracia, deixando de ser o sujeito de direitos transcendental idealizado pelo humanismo clássico, para ser o sujeito dos direitos coletivos, voltado aos interesses do meio ambiente e conservação do seu mundo cultural e institucional.

PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS CHAVES – GUERRAS, MEIO AMBIENTE, INCERTEZA, BENS ECONÔMICOS, CONSUMIDORES, MODELO DE ESTADO, NOVO SUJEITO POLÍTICO, INTERESSES COLETIVOS, DIREITOS COLETIVOS.

ABSTRACT This article focuses the wars, the environment, the danger to destroy the niche ecological and the human race itself. The wars in such a way constitute a serious threat to the physicist and the cultural environments. The uncertainty and the risk mark this time. The cycle of spoliation of the natural resources of the capitalist industrial age is next to the exhaustion and millions of people are refugee or unemployed. The trend for century XXI is that the world-wide conflicts for the dispute of the natural and economic goods recrudesce. The value of the capital of the multi national companies predominates today and both the Liberal Democratic State and the Socialist Democratic State had not given account to guarantee the basic rights of the human beings. In this picture the

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signal of danger of involution emerges as alert of that the environment might be destroyed with serious consequences for all the human race. The society today is of workers who live exclusively to produce and to consume the consumption goods. The problems to be faced are politicians and fulfill to rescue a type of historical politician citizen and located, who if has detached of the equality of the masses of the democracy, leaving of being the transcendental citizen of rights idealized by the classic humanism, to be the citizen of the collective rights, come back to the interests of the environment and conservation of its cultural and institutional world.

KEYWORDS: KEYWORDS: WARS, ENVIRONMENT, UNCERTAINTY, ECONOMIC GOODS, CONSUME, NEW PARADIGM OF STATE, NEW CITIZENSHIP, COLLECTIVE INTERESTS, COLLECTIVE RIGHTS.

1. Introdução

A proteção ao meio ambiente, [1] no seu sentido lato senso que abarca tanto o mundo físico como o mundo criado pela cultura, é pauta do dia em todos os setores da vida humana. O senso comum já sabe que o ciclo de espoliação irresponsável dos recursos naturais está no fim. Se o mero viver e a geração de riquezas econômicas afetou gravemente o meio ambiente, mais preocupante serão as possíveis guerras do século XXI, com a utilização do arsenal bélico da atualidade. A guerra produz impactos ambientais significativos, uma vez que as atividades bélicas acarretam efeitos sobre o ar, sobre as águas de superfície e subterrâneas, sobre o solo e o subsolo, sobre a fauna e a flora terrestre e aquática, sem falar nos impactos ao meio ambiente sócio-econômico-cultural, com a destruição da infra-estrutura dos Estados beligerantes e os ataques contra suas populações civis.

Diante desta problemática, três indagações são pertinentes:

1) - Quais tendências para a conformação do mundo humano são vislumbradas para o século XXI no que tange aos conflitos armados?

2) - Há o risco de destruição do nicho ecológico e conseqüente desaparecimento da espécie humana, caso as guerras continuem a ser travadas?

3) - Se é certo que a época atual é de crise e transformação, como traçar as dimensões do sujeito político na contemporaneidade a fim de evitar que a disputa pelos bens econômicos acarrete uma involução social e política?

Para responder à primeira indagação, um olhar retrospectivo na história da espécie humana leva à conclusão de que a caminhada no século XXI continuará sendo o tropel desenfreado dos cavalos de Platão, mito que se reporta ao conflito entre o "bem" e o "mal" que plasmam a alma humana. No fundo são as incertezas que dizem respeito as escolhas a serem feitas nesta época de transformação do modelo político, econômico e social que estamos vivenciando, cujas conseqüências ninguém pode prever.

Quanto a segunda pergunta, o risco de uma involução da espécie humana, com a total destruição do meio ambiente, a resposta é afirmativa, diante do fantástico

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desenvolvimento do arsenal bélico, especialmente o atômico, desenvolvido para este tempo de guerra nas estrelas.

Desanimar? Jamais. Se a época é de transformação, urge ultrapassar tanto o modelo político desenhado pelo liberalismo econômico, que fez surgir o Estado Democrático de Direito, a partir das revoluções do final do século XVIII, como o Estado Democrático Socialista, surgido com a Revolução Russa de 1917. Qual esperança se vislumbra? O resgate do sujeito político, o ser humano histórico, localizado, que se recusa a estar mergulhado na igualdade das massas da democracia, cujos direitos e garantias fundamentais de personalidade são meras peças de retórica. Enquanto o sujeito estiver voltado exclusivamente aos seus interesses particulares, não haverá ensejo de "aparecer" para a vida pública, aquela dos interesses coletivos. E, no entanto, o futuro da espécie humana depende do desenvolvimento de uma inteligência coletiva, que priorize não somente os direitos da personalidade mas, sobretudo, os direitos das gerações futuras de encontrar um espaço vital habitável, onde possam dar seqüência à construção do mundo humano.

2 - A luta pela vida e a incerteza do futuro

A primeira pergunta nos conduz à constatação de que a principal característica desta nova era é o final das "certezas" vivenciadas pela modernidade, período de quatrocentos anos do pensamento ocidental, que fora inaugurado por Francis Bacon (1561-1626). Ele criou um método científico de previsões, apto a gerar o conhecimento, que tinha como objetivo melhorar o destino do ser humano. Surgiu a crença do progresso humano indefinido e o mito do Gênesis pôde finalmente ser cumprido: desde então, o ser humano objetivou compreender e dominar todas as coisas da criação. As ciências evoluíram de tal forma que hoje, com as aquisições da informática e da biotecnologia, o ser humano está próximo de recriar-se a si próprio. Almejando ser senhor de todos os processos, ele inquinou com a insegurança que lhe é peculiar, todas as coisas. Foi um alto preço a transição de um mundo de "certezas" para um mundo de probabilidades. Perdeu-se a confiança do mundo inteligível e previsível da mecânica clássica. A partir da mecânica quântica, a realidade passou a depender das medidas do próprio homem e hodiernamente a concepção do mundo é algo em construção.

A insegurança quanto ao futuro paira como uma sombra e a espécie humana pouco sabe a respeito das conseqüências de sua ação de fruição do seu espaço vital e das formas de organizações econômicas, sociais e políticas, criadas com o fenômeno da mundialização. O futuro é incerto porque é contingência e depende diretamente das escolhas do presente. Ilya Prigogine[2] afirma que a nova concepção da história da vida é absolutamente contrária, tanto no que diz respeito aos modelos deterministas habituais da ciência ocidental, como às tradições sociais e às esperanças psicológicas mais profundas da cultura ocidental, as de uma história que culmina nos seres humanos, na medida em que são a expressão mais elevada da vida e destinados a dominar o planeta.

Não convém ignorar que a evolução tanto pode ser para um mundo melhor, a cara idéia do progresso cultivada pelo humanismo clássico, como pode ser uma involução, ninguém podendo afirmar que futuro espera a espécie humana. Desde o surgimento do Homo sapiens, a partir de uma população africana do Homo erectus, há cerca de

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duzentos mil anos, a história da humanidade pode ser contada como a luta permanente dos seres humanos com a própria natureza e entre si. Foi em virtude de sua fraqueza como animal que o ser humano desenvolveu a parte cognitiva, transformando-se no fabricante de coisas úteis para o domínio da natureza e garantia de sua sobrevivência. Afirma Stephen Jay Gould[3] que o Homo sapiens é uma espécie muito estável, sendo que a forma do nosso corpo ou o tamanho do nosso cérebro não se alterou desde, pelo menos há quarenta ou cinqüenta mil anos. Aqueles que pintaram a gruta de Chauvet, há trinta mil anos, fomos nós. Talvez isto explique as intermináveis discórdias dos agrupamentos humanos e as lutas armadas. Por mais que racionalmente o ser humano tenha tentado se elevar a "filho de Deus", conforme a tradição judaico-cristã, a divisão interna do "não faço o bem que quero mas o mal que aborreço" de São Paulo[4] sempre estará presente a atormentar o coração humano. No fundo é que o lado animal, aquele que luta pela sobrevivência, está latente e se constitui na força propulsora do progresso. Não foi apenas Darwin quem golpeou a racionalidade prática kantiana[5], mas foi sobretudo Freud, que ao descobrir o subconsciente minou a crença na vontade e o ser humano teve que aceitar que as motivações de sua ação, muitas vezes, escapam-lhe do controle. Esta é a grande tragédia humana: seres plurais que ainda não desenvolveram uma inteligência coletiva. Os conflitos, as guerras, o pavor instalado na multidão, escapam do controle do indivíduo, que é levado de roldão e passa a ser mera peça no tabuleiro da História. Vivemos na era do risco[6] e o tempo atual é de extremo perigo. Não se trata mais de um período de transição da chamada época da modernidade para a era de aquarius, mas sim da constatação de que ingressamos em definitivo em uma nova era, dita informacional[7], onde grassa a mais generalizada crise, haja vista as profundas mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas sendo que os "valores" tidos como "certos", estão em processo de discussão, tendo em vista a necessidade de adaptação de tais "valores" às exigências do mundo contemporâneo.

Urge abandonar a postura antropocêntrica e promover uma verdadeira revolução copernicana, deixando o ser humano de ser o ápice da criação, para se encaixar como um dos muitos seres vivos que se integram e interagem sob o efeito das leis da natureza. Tal maneira de ver o mundo é essencial para o próprio bem estar da espécie, que precisa aprender a respeitar o seu nicho ecológico. Mais grave é o fato de que as guerras, provavelmente, acontecerão[8] e a prospectiva para o terceiro milênio é que continuem irremediavelmente a se desenrolar.

3. O perigo da destruição da espécie humana e de seu mundo

No que diz respeito a segunda indagação, acerca do perigo de destruição severa do meio ambiente, infelizmente, a resposta é afirmativa, haja vista a capacidade de destruição dos artefatos bélicos atuais. As explosões das bombas atômicas em Hiroxima e Nagazaki inauguraram a era presente, cuja principal característica é a incerteza e o risco quanto ao futuro.

No decorrer da história as guerras sempre surgiram no impasse das negociações e a capacidade de destruir se equilibrava com a capacidade humana de reconstruir. O problema atual é que a capacidade de destruição é tão grande, com o uso das armas atômicas, que um conflito mundial acabaria sem vencedores ou vencidos e, portanto, tornaria a guerra, cujo objetivo é a vitória sobre o inimigo, totalmente inútil. Se antes as

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guerras que eram travadas ocasionavam muitas baixas humanas, destruíam-se pontes, cidades, alterando predominantemente o meio ambiente construído pela cultura, com a atual tecnologia, uma guerra nuclear poderá transformar o planeta num deserto inóspito para as formas de vida tais quais são agora. Não somente o Homo sapiens desaparecerá, mas todo e qualquer tipo de vida será varrido da face da terra. Nas palavras de Eric Hobsbawm, "as forças geradas pela economia tecnocientífica são agora suficientemente grandes para destruir o meio ambiente, ou seja, as fundações materiais da vida humana."[9]

Verifica-se que o "breve século XX", expressão cunhada pelo autor, período que inicia em 1914, com a primeira guerra mundial, e se estende até 1991, com o esfacelamento da União Soviética, foi um século de guerras intermitentes, sendo chamada de "era das catástrofes".[10] Neste ponto é ilustrativo o depoimento de Hanna Arendt (1905-1975) que vivenciou a subida dos nazistas ao poder e os horrores da Segunda Guerra, e fez um esforço enorme para compreender e explicar como tudo aquilo pôde acontecer, questionando se o homem, em meio ao processo desencadeado por ele próprio, "ainda pode continuar sendo senhor e mestre do mundo por ele construído e dos assuntos humanos."[11] Alerta ainda que "o problema é que a guerra total pode transformar num deserto o mundo habitado pelos homens."[12]

Os sistemas totalitários promoveram a completa desnaturação da política, ao suprimir por completo a liberdade humana, submetendo-a ao fluxo de uma determinação histórica ideologicamente fundamentada. O nazismo criou uma ideologia pretensamente científica, que julgou ser capaz de construir o artifício do mundo de forma adequada aos interesses do povo alemão, formado pela raça ariana, em detrimento de outros povos, julgados inferiores. O absolutismo axiológico se tornou uma teoria filosoficamente significativa, uma vez que os valores estabelecidos foram apresentados como absolutos e evidentes. O pensamento ideológico arrumou os fatos de forma lógica e agiu com uma coerência capaz de argumentar e pensar em termos de processos que levam a uma explicação distorcida da realidade. Esse tipo de ideologia levou os regimes totalitários e ditatoriais a extinguirem a liberdade, pois suas diversas regras pretenderam se impor, criando um mundo fictício através da propaganda e outorgando à polícia secreta o papel de transformar a ficção em realidade.

Onze milhões de pessoas entre judeus, ciganos, doentes e outros indesejados desapareceram tragadas pelo terror. A inutilidade dos campos de concentração era apenas aparente, pois foram instituições essenciais para que o Estado totalitário consolidasse seu domínio. Inspiravam o medo permanente e indefinido e serviam de treinamento para a obediência cega, necessária ao domínio totalitário. Tanto vítimas como algozes eram dominados completamente, ficando incapazes de reagir, sendo que o povo inteiro quedou-se em completa apatia, frente ao absurdo do terror. Os campos de concentração eram efetivamente laboratórios especiais para o teste do domínio total. O objetivo era acabar com a pessoa completamente, liquidando a pessoa civil, a moral e finalmente derrotando o núcleo central de sua personalidade, sua dignidade. No fundo, todos participavam do processo de extermínio e a colaboração das vítimas era obtida com a sinalização de que se cooperasse, não seria submetida a maiores horrores de tortura física e moral. Os métodos utilizados nos campos de concentração tinham por objetivo manipular o corpo humano, com as suas infinitas possibilidades de dor, de forma a obter a destruição da pessoa humana, tão inexoravelmente como certas doenças mentais de origem orgânica o fazem. É a completa sandice de todo o processo. Ao

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extinguir todo e qualquer direito das vítimas, Hitler conseguiu seu desiderato, que era minar a capacidade de agir das vítimas.[13] Assim foi criado um mundo demente que funcionava, com a força da lógica, e acreditava que o homem podia dominar o mundo e transformá-lo a seu bel prazer.

As democracias ocidentais tiveram que celebrar uma aliança bizarra com a Rússia comunista de Stalin, a fim de lutar e derrotar as forças do Eixo. Contudo, se no decorrer da História, ao término de um conflito armado sucedia um período de paz, fruto do armistício celebrado entre os beligerantes, a partir da Segunda Guerra Mundial, o seu término não significou o fim de conflitos internacionais. Exacerbou-se o confronto entre as duas ideologias fundamentais: o capitalismo e o socialismo e o mundo se dividiu, com o início da "guerra fria" entre os Estados Unidos da América e a União Soviética. Esses países estabeleceram um complexo trabalhista-industrial-militar, emergindo um modelo econômico voltado para a produção de armas e desenvolvimento de tecnologias de controle e destruição. Contudo, seus dirigentes evitaram o conflito direto, o que significaria um pacto suicida, e terçaram armas em todos os cantos do chamado Terceiro Mundo, através da manipulação de governos e fornecimentos de armas e apoio econômico a grupos revolucionários. Os Estados Unidos e seus aliados intervieram na Coréia em 1950 para impedir que o regime comunista do Norte dominasse o Sul daquele País. Fizeram o mesmo no Vietã (1965-75) e o resultado foi uma fragorosa derrota dos Estados Unidos. A União Soviética retirou-se do Afeganistão em 1988, após oito anos nos quais forneceu ajuda militar ao governo para combater guerrilhas apoiadas pelos americanos e abastecidas pelo Paquistão.

Como que a corroborar a proposição de Carl Schmitt de que o político se constitui mediante o contraponto entre amigos e inimigos, o mundo manteve um certo equilíbrio político com a tensão existente entre o Primeiro Mundo, formado pelos países componentes da OTAN e o Segundo Mundo, os países socialistas açambarcados pela União Soviética. Até meados da década de 1970 houve um incremento no bem estar geral, sendo este período conhecido como a Era de Ouro. Atrás da Cortina de Ferro os russos implementaram os ideais da Revolução de outubro de 1917, colocando em prática alguns conceitos marxistas de organização coletiva, planificando a economia e transformando o país agrário em uma potência mundial capaz de competir pela conquista no espaço. Por seu turno os Estados Unidos da América assumiram definitivamente a liderança mundial com a expansão da tecnologia e fortalecimento de seu parque industrial e relações comerciais ao redor do mundo.

A tensão entre as ideologias do capitalismo e do socialismo pendeu favoravelmente para o lado da primeira. A queda do muro de Berlin simboliza o reconhecimento de que o socialismo verdadeiro não conseguiu resolver os problemas da convivência humana e os países comunistas, a exemplo da China, renderam-se ao capitalismo, ingressando no mundo globalizado desenhado pelo capital multinacional. O comunismo deixou de ser a ameaça à identidade dos estadunidenses, necessitando eles de outro "inimigo" a fim de justificar as investidas da nação hegemônica pelo mundo. E ele surgiu na figura do fundamentalismo religioso muçulmano. O líder iatolá Ruholá Khomeini foi posto no exílio pelo Xá Reza Pavlevi em meados da década de 1960. De lá comandou a revolução iraniana. A partir do início da década de 1970, passou a pregar uma forma de governo islâmico total, o dever do clero de rebelar-se contra autoridades despóticas e, na verdade, tomar o poder. Em 16 de janeiro de 1979, o Xá partia para o exílio e a Revolução Iraniana tinha vencido. Enquanto o mundo ocidental providenciara a

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separação do Estado e da Igreja, desde as Revoluções Francesa e Americana, do final do século XVIII, o mundo islâmico vivencia hoje um movimento de fortalecimento da nacionalidade na afirmação religiosa e cultural do Alcorão. Grupos extremados intervêm na política através de táticas terroristas objetivando minar a força dos Estados Unidos da América e seus aliados. Especialmente a partir de 11 de setembro de 2001, após o ataque terrorista às torres do World Trade Center de Nova York, a nação que pode ser considerada como berço da democracia e dos direitos humanos, que sempre acolheu levas de imigrantes, fechou as suas fronteiras e partiu para o contra-ataque, invadindo o Afeganistão e ocupando o Iraque, conflitos estes em pleno andamento. E a política mundial continua com o estopim pronto a ser estourado a qualquer momento, uma vez que o terror pode aparecer em qualquer parte do mundo. Trazer a insegurança para todos os lares americanos e de seus aliados foi a grande bravata dos terroristas. Se durante a guerra fria havia a esperança de que o telefone vermelho seria utilizado pelos líderes das nações hegemônicas, antes de se instalar um conflito nuclear, hoje, com a ampliação do grupo de nações do Clube atômico e, principalmente, diante dos esforços da Coréia do Norte comunista e do Irã governado por líderes radicais, para ingressar neste círculo, não há qualquer segurança. Armas atômicas podem cair em mão de terroristas que se transformam a si mesmos em artefatos bélicos, quando dirigem aviões suicidas ou se transformam em bombas humanas.

Sempre se acreditou que os homens são capazes de distinguir o "certo" do "errado" mediante o alcance das regras e padrões morais pré-existentes, cuja validade decorria da lei divina ou natural. Essa pressuposição de certeza manifesta nos mandamentos morais foi colocada em cheque mate quando se descobriu que tanto a existência da humanidade, como do Planeta encontra-se em perigo pelas conseqüências do agir humano.[14] Afinal, os homens do século XXI conhecem os limites do Planeta Terra e sabem, ou deveriam saber, que a mãe Gaia não suporta mais o nível de fruição que a humanidade implantou, em termos de exploração econômica e lutas armadas. A luta pela sobrevivência é permanente. Urge mobilizar toda e qualquer pessoa no engajamento de proteção ao meio ambiente quer seja a nível local, ao redor de si, como a nível nacional e mundial. Principalmente despertar para o exercício da cidadania e exigir das autoridades competentes atitudes firmes que possam evitar guerras e conflitos que venham a agravar ainda mais a situação do meio ambiente.

4 - A importância do sujeito político e dos interesses coletivos na luta pela sobrevivência

Quanto a terceira interrogação deste artigo, que diz respeito ao resgate do sujeito político sob o viés dos interesses coletivos, com certeza é tempo de reflexão. Se o início e o término das guerras ocorrem no espaço político, o cidadão comum deverá ser alçado à categoria de sujeito político ativo, aquele que se interessa e se preocupa com os interesses coletivos e cria espaços para a ação política. Sempre que as pessoas se mobilizam, deixam de ser a mera "opinião pública" imponderável, para se transformar em forças sociais e políticas ativas, capazes de interferir nas decisões a serem tomadas pelas autoridades tendo em vista a minimização dos riscos que afetam o meio ambiente.

O problema relativo a conservação do habitat humano é sobretudo econômico e tem a ver com a luta pela sobrevivência e melhoria de vida. Quando o Estado Moderno

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Liberal, ínsito da era industrial, colocou os interesses individuais no primeiro plano, propiciou a corrida desenfreada de espoliação dos recursos naturais e do homem pelo próprio homem, tudo a serviço do capital. O burguês liberal se limitou a perseguir seus interesses pessoais, criando um círculo egoísta de vida, conforme acidamente descrevem Adorno e Horkheimer.[15] O fato é que o mundo da tecnologia imbricou na formação de uma sociedade de consumidores vorazes. Ocorreram transformações sociais gigantescas no mundo com a revolução industrial, tais como a imensa produtividade gerada com a crescente divisão do trabalho e sua otimização mediante a utilização dos recursos tecnológicos e da natureza, sempre com a finalidade de produzir com abundância as coisas necessárias à vida. Houve um nivelamento de todas as atividades humanas, ao mesmo tempo em que se ampliou o leque de direitos reconhecidos entre os homens. A igualdade e a liberdade foram proclamadas universalmente como direitos inalienáveis de toda a criatura humana, mas este ideal parece estar cada vez mais fora do alcance dos homens, ameaçados pelos grilhões da necessidade. Vivemos hoje numa sociedade de trabalhadores na qual o objetivo é a riqueza crescente e o consumo desenfreado dos bens produzidos.

Para promover esse processo de acúmulo de riqueza o ser humano sacrifica não apenas os recursos naturais, mas também o próprio mundo da cultura e a si próprio. Hoje a participação numa classe social substituiu a proteção que antes era oferecida pela participação numa família. Vivemos o fenômeno das massas onde o homem vê dissolvida sua individualidade. Compelido pela necessidade ele trabalha como um autômato, alienado de seu próprio trabalho pela divisão das tarefas que se tornaram demasiadamente complexas e cujas etapas escapam da sua compreensão. Ele já não encontra mais a satisfação pessoal quando trabalha e se sente subjugado pelo peso da necessidade, tal qual os antigos escravos, sem poder efetuar escolhas. Houve uma homogeneização dos homens enquanto membros de uma mesma espécie, entregues ao cotidiano do trabalho e do consumo, e tudo o que o homem faz destina-se a ganhar o próprio sustento, visando a manutenção da vida. Este modo alienado de viver é analisado com profundidade por Agnes Heller e Ferenc Fehér, no livro "A Condição Política Pós-Moderna", afirmando os autores que o sujeito político desapareceu nas democracias modernas e submergiu na massa anônima de onde não manifesta interesse em aparecer para o espaço dos interesses coletivos.[16] Nas palavras de Simone Goyard-Fabre, "a democratização dos povos modernos é sua massificação no anonimato."[17]

Conforme denunciado por Hannah Arendt,[18] hodiernamente predomina o espírito do animal laborans na sociedade dos consumidores, ficando a ação política relegada a um segundo plano, quando deveria ser esta a principal atividade humana, pois é aquela que diz respeito as decisões quanto ao futuro da espécie humana.

Em que pese a marcha da história ocorrer inexoravelmente conforme descrito por Hegel na "Femenologia do Espírito", e o esforço de Kant para estabelecer as condições de possibilidade da razão prática, hoje se questiona a existência do sujeito transcendental, conforme traçado pelo humanismo e pela filosofia do sujeito. No âmbito político e jurídico, problematiza-se o fato de que os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana foram solenemente proclamados, sem que isto tivesse se convertido em ações efetivas de valorização do ser humano. Esta constatação advém da passagem do paradigma da filosofia da consciência para o paradigma da filosofia da linguagem, o que levou a uma superação do logocentrismo, figura construída pelo pensamento moderno

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ocidental, onde a razão pairava soberana, julgando tudo poder resolver. A partir da virada lingüística, as relações entre linguagem e mundo, entre proposição e estados de coisas, substituem as relações sujeito-objeto. Afirma Jürgen Habermas[19] que o pensamento pós metafísico, a guinada lingüística, o modo de situar a razão, a inversão do primado da teoria frente à prática e a superação do logocentrismo, constituem quatro motivos que caracterizam a ruptura com a tradição das diversas escolas filosóficas e são os elementos chaves para o filosofar dos tempos atuais. Não se duvida que a filosofia ainda tem um importante papel a desempenhar, especialmente no que tange ao traçado de um novo sujeito político, capaz de abandonar a postura egocêntrica do cidadão liberal, preocupado exclusivamente com seus interesses privados. O novo sujeito político de direito deverá assumir as tarefas do cidadão participante que cria espaços de luta tendo como bandeira os interesses coletivos e o aprimoramento das instituições sociais, jurídicas e políticas. Afinal, aqueles que cooperam e falam uns com os outros formam uma comunidade com autoridade epistêmica e tudo leva a crer que estão habilitados para emitir juízos políticos, ou seja, participar das decisões acerca das escolhas que devem ser efetuadas para salvaguardar o mundo comum. Desde a entrada em cena dos jogos de linguagem, o sujeito geral e abstrato deu lugar ao sujeito discursivo, que tem como principal característica a sua historicidade, sendo um sujeito concreto que pode dizer algo de si mesmo e, ao se compreender, apreende o todo. Em âmbito político, a verdade dos juízos universais e necessários cedeu lugar ao juízo formado a partir da opinião, a doxa, que parte dos pré-conceitos, no sentido do "já sabido" por qualquer um, que no encontro discursivo com o alter pode avaliar a validade ou não de sua opinião. No espaço coletivo da aparência, a opinião passa a ser o juízo possível, aquele que busca a corroboração dos seus pares, no discurso travado pela descoberta dos interesses comuns e no estabelecimento de metas para a ação. Em âmbito de ciências sociais, afirma Jürgen Habermas, "a prática comunicativa quotidiana possibilita um entendimento mútuo orientado por pretensões de validez."[20] O autor chega a falar de um Estado que tenha uma Constituição discursiva, aquela que se efetivaria numa sociedade democrática altamente complexa através dos meios de comunicação de massa, onde o público distribuído em círculos pequenos ou privados, poderia aprender algo sobre todos os temas e contribuições possíveis tomando posição, implícita ou explicitamente, seja assentindo, seja discordando dos assuntos relevantes.[21]

É certo que o resgate da política somente será possível mediante a ação de indivíduos históricos, localizados, verdadeiros agentes da liberdade que estejam dispostos a lutar para romper os grilhões da necessidade, organizando tanto o Estado como a sociedade civil. Conforme Hans-Georg Gadamer, enquanto indivíduo singular no acaso de suas motivações e objetivos particulares a pessoa ainda não é um momento da história. Somente o é quando se eleva até os aspectos éticos comuns. "A força ética do indivíduo se converte num poder histórico, na medida em que ele trabalha em vista dos grandes objetivos comuns."[22]

Nesta conjuntura, o pensamento de Hannah Arendt é de grande valia, uma vez que ela problematizou a existência de uma ruptura entre o passado e o futuro, resultante de acontecimentos políticos, sociais e culturais ocorridos no século XX.[23] Alinha-se a autora entre aqueles pensadores que contribuíram para desmontar a metafísica e a filosofia, construída pela chamada civilização ocidental, que teve seus primórdios na antiga Grécia.[24] Procurou resgatar a origem esquecida da política, na esperança de que os "tesouros" do passado, uma vez recuperados, possam auxiliar os homens na

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compreensão dos eventos presentes e inspirá-los na escolha dos caminhos futuros. A tarefa de conceituar "política" e "sujeito político", em âmbito do referencial teórico arendtiano é facilitada quando se parte da antítese da política, - as guerras e os regimes totalitários- , uma vez que as primeiras são situações extremas de uso exclusivo da força, e os segundos foram regimes implantados mediante a violência e a força e anularam a possibilidade de ação dos cidadãos.

Tanto nas guerras quanto nos regimes totalitários há o completo predomínio da força, extinguindo-se o poder dos cidadãos que não contam mais no palco das decisões políticas. Com isso as relações humanas sucumbem, mergulhando-se numa onda de ódio e violência que torna a vida humana insuportável e acarreta a extinção do mundo comum. Sempre que o homem é impedido de agir, a liberdade desaparece juntamente com a política. Logo, a contrario senso, a verdadeira política acontece no espaço da aparência, da completa liberdade, onde cada um pode mostrar quem é e ser visto pelos outros. Neste espaço público não vigora a relação de comando/subordinação, uma vez que os cidadãos se reúnem na mais absoluta posição de igualdade, para travar o discurso e agir de comum acordo, fazendo surgir o autêntico poder político. A virtude do sujeito político é a coragem de aparecer no espaço público e se inteirar e preocupar com os assuntos dos interesses coletivos, mais importantes que o interesse privado e individual. Quando assim age, o sujeito quebra a seqüência de condicionamento a que é submetido e pode contribuir para o surgimento do inédito, o milagre do acontecimento novo. Frisa a autora que o maior dos milagres é o fato do nascimento. O homem adentra a esse mundo criado pelos homens, que o recebe e condiciona mas, por ter o dom da liberdade e da ação, ele pode sopesar toda a realidade encontrada e dar início a uma etapa nova, que é o período de sua vida. O tempo só tem sentido para o ser humano porque sua vida é limitada por um começo e um fim, pelo nascimento e pela morte, seguindo uma trajetória linear do nascer, crescer, morrer, que faz parte do movimento cíclico da natureza. Mas o homem é o único ser que escreve a história da própria vida. A peculiaridade do homem se manifesta nesse começo, que é a suprema capacidade do homem de aparecer e agir no mundo; politicamente, isto equivale à liberdade do homem. É com palavras e atos que o homem se insere no mundo e escreve "a história dos seres cuja essência é começar."[25]

Importante frisar que Arendt deixa a esperança como legado, uma vez que sempre é possível esperar o nascimento de algo novo, quiçá uma autêntica política da amizade, entendida como experimentação de novas formas de convivência, onde se reconheça a contingência humana e haja respeito pela pluralidade. Lévinas afirma que somos todos culpados[26] e, portanto, responsáveis, por encontrar fórmulas de bem viver neste Planeta. Cabe reinventar novas formas de convivência e recriar as bases políticas institucionais, com vistas a preservar a pluralidade cultural e a conservação do mundo dos homens. Os princípios inspiradores desta ação cívica são a solidariedade e a comiseração, ínsitos ao Amor mundi kantiano, a significar o desejo de preservar não apenas o mundo próprio, mas também o mundo das outras culturas e um respeito maior pela Humanidade e pelo próprio Planeta.

Neste panorama a hipótese kantiana da paz perpétua adquire na atualidade nova vigência, pois é o tempo do Direito Cosmopolita, graças a aldeia global que o mundo se transformou, mas, sobretudo, clama pelo resgate da cidadania, constando do primeiro artigo definitivo para a paz perpétua que "a Constituição Civil em cada Estado deve ser Republicana."[27] Afirma Roberto Romano que "Kant tentou, com a moral, impedir a

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hecatombe do século XX já pressentida por ele nos juízos sobre o Estado e a Igreja mecanizados de seu tempo, protótipos canhestros das instituições totalitárias."[28]

Escrevendo acerca do desacordo entre a moral e a política quanto à paz perpétua, Kant afirmou que não pode existir nenhum conflito entre a política, enquanto doutrina do direito aplicado, e a moral, como tal, porém teórica. Mas, com o fito de que a sociedade civil se torne um todo, em vista do querer particular de todos, não há como iniciar o estado jurídico sem o uso da força.[29] Fico em dúvida para afirmar se, mais uma vez, Kant não está com a razão. A gravidade no que tange aos perigos que ameaçam o meio ambiente é de tal envergadura que a força das leis deve obter a aquiescência de todos na modificação do comportamento predatório e agressivo.[30] O terror que tomou conta do mundo após Hiroshima e Nagazaki e a suspeita em face do progresso técnico, características desta época, não podem mais ser exclusivamente questões acadêmicas. Devem ser igualmente partilhados pela opinião pública, havendo uma consciência maior a respeito da ameaça existente para a sobrevivência de todas as formas de vida na Terra.

Se a característica desta época é a incerteza, convém escolher muito bem qual caminho será trilhado pela atual geração a fim de garantir a habitalidade do Planeta para as futuras gerações. Recupera-se a noção de valor, não aqueles impostos pela religião, pois isto conduz ao sectarismo e a sérios desentendimentos históricos. O importante é chegar num consenso quanto aos valores que reafirmem a dignidade de todo e qualquer ser humano, seja ele de que raça for, viva em que país viver, pertença a classe social que pertencer. Por certo que o sujeito de direito desta nova racionalidade será construído no espaço democrático, conforme afirma Ilya Prigogine,[31] onde o universo de certezas desapareceu para dar lugar a uma racionalidade associada a probabilidades, que simplesmente almeja a adesão aos valores priorizados e revisados a cada circunstância histórica.

5- Considerações finais

Independentemente das guerras de fato que possam eclodir a nível mundial, especialmente aquelas travadas por causa dos recursos naturais, a tensão maior advém do modus operandi do modelo capitalista, com a fruição desenfreada dos recursos naturais, a possibilidade de seu esgotamento a curto prazo, e a exclusão de parcelas enormes das populações, que não podem aderir ao padrão de vida implantado pelos detentores do capital. Milhares, milhões de refugiados... milhares, milhões de desempregados... Este é o panorama mundial de hoje.

Um olhar retrospectivo na História dos dois últimos séculos leva à constatação de que tanto o modelo do sujeito de direito individual liberal das democracias ocidentais, como o sujeito coletivo tal como preconizado pelos governos socialistas, estão ultrapassados. Os direitos do homem foram uma abstração, sendo que o seu valor decorre antes de sua eficácia que de sua idealidade, tendo chegado o tempo de transformar seu dever-ser num dever-fazer aplicado e obedecido. Hoje somente se pode falar em direitos dos seres humanos, sob o enfoque da pluralidade humana, uma vez que o interesse individual

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deve ceder espaço aos interesses coletivos. Eis que a organização dos direitos de todos é por natureza restritiva dos direitos individuais.

Verifica-se que um novo paradigma de Estado está em construção onde a liberdade e a responsabilidade estarão, necessariamente, lado a lado. Decisões políticas deverão ser tomadas em prol da defesa do meio ambiente, priorizando-se os interesses coletivos ao invés dos interesses individuais. Estes novos tempos exigem a mobilização de toda e qualquer pessoa, uma verdadeira reformulação nos valores tidos como certos, alçando-se o meio ambiente em posição de vanguarda, como o primeiro valor a ser protegido, ou a humanidade não terá futuro algum. Não se trata de retórica, mas sim de luta efetiva a ser travada pelos cidadãos, pela mudança na concepção de mundo, com reflexos nas instituições econômicas, sociais, políticas e jurídicas, com a valorização de um sujeito político voltado aos interesses coletivos.

Desta forma, a principal "guerra" a ser travada neste século XXI deverá ser aquela em defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. É política por excelência e diz respeito a reinvenção das formas de convivência e o desenvolvimento de uma inteligência coletiva, através da construção de um sujeito político voltado aos interesses da pluralidade humana. Será isto possível? O que vem pela frente? Somente o historiador poderá contar depois que tudo acontecer.

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[1] "Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do termo: de um lado com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidas pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. Em outras palavras, quer-se dizer que nem todos os ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a ecossistemas naturais e ecossistemas sociais. Nesta perspectiva ampla, o meio ambiente seria a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas." (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 64)

[2] "Seguindo o segundo princípio da termodinâmica, os fenômenos irreversíveis criam entropia. Perto do equilíbrio, a termodinâmica descreve um mundo estável. Se existe flutuação, o sistema responde regressando ao seu estado de equilíbrio caracterizado pelo extremum da entropia ou de qualquer outro potencial termodinâmico. Mas, coisa bastante surpreendente, esta situação muda radicalmente quando nos colocamos longe do equilíbrio. As flutuações podem dar então origem a estruturas espaço-temporais novas. É portanto necessário que as leis da evolução sejam não lineares - o que nos conduz às estruturas dissipativas, que correspondem a novas organizações supramoleculares. (..) Todas estas novas estruturas se reproduzem em pontos de bifurcação. É aí que a antiga estrutura se torna instável e que nascem novas estruturas. É o nascimento do complexo. (...) Os conceitos de bifurcação, de auto-organização e de estrutura dissipativa, penetram cada vez mais em todas as ciências, incluindo as ciências humanas. (...) No início do século XXI temos a convicção de que chegamos a um ponto de bifurcação. Em exemplos simples, estudados em física ou em química, a bifurcação é precedida por fortes flutuações: não estamos a vê-las à nossa volta? Em que domínio se irá empenhar o século XXI? Que futuro terá o futuro?" (PRIGOGINE ILYA. Flecha do Tempo e Fim das Certezas. In: UNESCO. Autores vários. As chaves do século XXI. Lisboa: Instituto Piaget, 2002. p. 25-27).

[3] GOULD, Stephen Jay. UNESCO. Autores vários. As chaves do século XXI. Lisboa: Instituto Piaget, 2002. p. 61-68.

[4] São Paulo. Epístola aos Romanos, 7,15.

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[5] "Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre nova e crescente, quanto mais freqüentemente e persistentemente a reflexão ocupa-se com elas: o céu estrelado acima de mim e a lei moral em mim." (Kant, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Trad. Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 255).

[6] Ver LUHMANN, Niklas. Sociología del Riesgo. México: Universidad Iberoamerica, 1992.

[7] "Meu ponto de partida, e não estou sozinho nesta conjetura, é que no final do século XX vivemos um desses raros intervalos da história, cuja característica é a transformação de nossa cultura material pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. (...) Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo. Assim, computadores, sistemas de comunicação, decodificação e programação genética são todos amplificadores e extensões da mente humana. O que pensamos e como pensamos é expresso em bens, serviços, produção material e intelectual, sejam alimentos, moradia, sistemas de transporte e comunicação, mísseis, saúde, educação e imagens. A integração crescente entre mentes e máquinas, inclusive a máquina de DNA, está anulando o que Bruce Mazlisch chama de a quarta descontinuidade (aquela entre seres humanos e máquinas), alterando fundamentalmente o modo pelo qual nascemos, vivemos, aprendemos, trabalhamos, produzimos, consumimos, sonhamos, lutamos ou morremos."(CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. 7ª. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 67-69)

[8] Não podem ser esquecidos os genocídios de Ruanda, do Camboja, da Bósnia e do Kosovo. Atualmente está em andamento a segunda guerra dos Estados Unidos da América e seus aliados contra o Iraque; o Afeganistão está ocupado pelos Estados Unidos; Israel atacou a Faixa de Gaza, onde 750 mil palestinos vivem como se estivessem num campo de refugiados, havendo de vez em quando um cessar fogo de três horas, para a ajuda humanitária da ONU; a Rússia luta na Geórgia; a guerra dos Balcãs continua a ser travada; na África acontecem verdadeiros massacres, a exemplo do Sudão, onde está ocorrendo outro grande genocídio na região de Darfur.

[9] HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2008. p. 562.

[10] "A Primeira Guerra Mundial assinalou o colapso da civilização ocidental do século XIX. Tratava-se de uma civilização capitalista na economia; liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemônica característica; exultante com o avanço da ciência, do conhecimento e da educação e também com o progresso material e moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa, berço das revoluções da ciência, das artes, da política e da indústria e cuja economia prevalecera na maior parte do mundo, que seus soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas populações (incluindo-se o vasto e crescente fluxo de emigrantes europeus e seus descendentes) haviam crescido até somar um terço da raça humana; e cujos maiores Estados constituíam o sistema da política mundial. Para essa sociedade, as décadas que vão da eclosão da Primeira Guerra Mundial aos resultados da Segunda foram uma Era de Catástrofe." (HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2008. p. 16).

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[11] ARENDT, Hannah. O que é Política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 88.

[12] Op. cit. p. 86.

[13] "O poder total só pode ser conseguido e conservado num mundo de reflexos condicionados, de marionetes sem o mais leve traço de espontaneidade. Exatamente porque os recursos do homem são tão grandes, só se pode dominá-lo inteiramente quando ele se torna um exemplar da espécie animal humana." (ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras. 1998. p 508.)

[14] "A Terra também grita. A lógica que explora as classes e submete os povos aos interesses de uns poucos países ricos e poderosos é a mesma que depreda a Terra e espolia suas riquezas, sem solidariedade para com o restante da humanidade e para com as gerações futuras. Esta lógica está quebrando o frágil equilíbrio do universo, construído com grande sabedoria ao longo de 15 bilhões de anos de trabalho da natureza. Rompeu com a aliança de fraternidade e de sororidade do ser humano para com a Terra e destruiu seu sentido de re-ligação com todas as coisas. O ser humano dos últimos quatro séculos sente-se só, num universo considerado inimigo a ser submetido e domesticado. Estas questões ganharam hoje uma gravidade nunca dantes havida na história da humanidade. O ser humano pode ser o satã da Terra, ele que foi chamado a ser seu anjo da guarda e cultivador zeloso. Ele mostrou que além de homicida e etnocida pode se transformar em biocida e geocida." (BOFF. Leonardo. Dignitas Terrae. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. 3ª. ed. São Paulo: Ática, 2000. p.11-12)

[15] "A cultura de massas revela o caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular. O princípio da individualidade estava cheio de contradições desde o início. Por um lado, a individuação jamais chegou a se realizar de fato. O caráter de classe da autoconservação fixava cada um no estágio do mero ser genérico. Todo personagem burguês exprimia, apesar de seu desvio e graças justamente a ele, a mesma coisa: a dureza da sociedade competitiva. O indivíduo, sobre o qual a sociedade se apoiava, trazia em si mesmo sua mácula; em sua aparente liberdade, ele era o produto de sua aparelhagem econômica e social. O poder recorria às relações de poder dominantes quando solicitava o juízo das pessoas a elas submetidas. Ao mesmo tempo, a sociedade burguesa também desenvolveu, em seu processo, o indivíduo. Contra a vontade de seus senhores, a técnica transformou os homens de crianças em pessoas. Mas cada um desses progressos da individuação se fez à custa da individualidade em cujo nome tinha lugar, e deles nada sobrou senão a decisão de perseguir apenas os fins privados. O burguês cuja vida se divide entre o negócio e a vida privada, cuja vida privada se divide entre a esfera da representação e a intimidade, cuja intimidade se divide entre a comunidade mal-humorada do casamento e o amargo consolo de estar completamente sozinho, rompido consigo e com todos, já é virtualmente o nazista que ao mesmo tempo se deixa entusiasmar e se põe a praguejar, ou o habitante das grandes cidades de hoje, que só pode conceber a amizade como social contact, como o contato social de pessoas que não se tocam intimamente." (ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. p. 145).

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[16] "A humanidade socializada é aquele estado social no qual impera somente um interesse, e o sujeito desse interesse são as classes ou a espécie humana, mas não o homem nem os homens. O importante é que, agora, até mesmo o último vestígio de ação que havia no que os homens faziam, a motivação implícita no interesse próprio, havia desaparecido. O que restava era uma "força natural", a força do próprio processo vital, ao qual todos os homens e todas as atividades humanas estavam igualmente sujeitos (o próprio processo de pensar é um processo natural) e cujo único objetivo, se é que tinha algum objetivo, era a sobrevivência da espécie animal humana. Nenhuma das capacidades superiores do homem era agora necessária para relacionar a vida individual à vida da espécie; a vida individual tornara-se parte do processo vital, e a única coisa necessária era "laborar", isto é, garantir a continuidade da vida de cada um e de sua família."(HELLER, Agnes e FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1998. p. 334-335).

[17] GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia? São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 263.

[18] Ver ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 8ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

[19] HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-metafísico. 2ª. ed. Rio de Janeiro: 2002. p. 15-16.

[20] HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 33-34

[21] HABERMAS, Jürgen. Era das Transições. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 28-29.

[22] GADAMAR Hans-Georg. Verdade e Método I - Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 6ª. ed. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis RJ: Editora Vozes, 2004. p. 291.

[23] "A situação tornou-se desesperadora quando se mostrou que as velhas questões metafísicas eram desprovidas de sentido; isto é, quando o homem moderno começou a despertar para o fato de ter chegado a viver em um mundo no qual sua mentalidade e sua tradição de pensamento não eram sequer capazes de formular questões adequadas e significativas, e, menos ainda, dar respostas às suas perplexidades." (ARENDT. Hannah. Entre o Passado e o Futuro. p. 34-35).

[24] "Historicamente falando, o que de fato se partiu foi a trindade romana que por milhares de anos uniu religião, autoridade e tradição. A perda dessa trindade não destrói o passado, e o processo de desmontagem, em si mesmo, não é destrutivo; ele apenas tira conclusões a respeito de uma perda que é um fato e, como tal, não mais pertence à história das idéias, mas à nossa história política, à história do nosso mundo. O que se perdeu foi a continuidade do passado, tal como ela parecia passar de geração em geração, desenvolvendo-se no processo de sua própria consistência." (ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito. p. 159)

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[25] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 8ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 52.

[26] Lévinas (1906-1995) propõe a libertação do "ser" de seu laço idissincrático, rompendo o círculo egoísta de uma filosofia que se espraia de Parmênides a Heiddeger, assegurando que somos responsáveis para além de nossas intenções, pois a comédia começa com o mais simples de nossos gestos, que sempre acarretam conseqüências alheias à nossa vontade. Ser-no-mundo significa estar engajado na pluralidade humana, quando a existência concreta é interpretada em função de sua entrada no "aberto" do ser em geral. (LÉVINAS, Emmanuel. Entre Nós. Trad. Pergentino Sefano Pivatto et alli. Petrópolis: Ed. Vozes, 2005).

[27] KANT, Immanuel. Para a Paz Perpétua. Um esboço filosófico. J. Guinsburg (Org.) São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 40.

[28] ROMANO, Roberto. Ensaio para um Posfácio. In: A Paz Perpétua. Um projeto para Hoje. J. Guinsburg (Org.) São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 104.

[29] KANT, Immanuel. Para a Paz Perpétua. Um esboço filosófico. J. Guinsburg (Org.) São Paulo: Perspectiva, 2004.

[30] A nível mundial urge reformar as Nações Unidas e impedir que o Conselho de Segurança, formado pelos membros permanentes Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha, China e Rússia, possam ditar a política do mundo, vetando proposições de interesse de determinado país, mas que desagrada a outro. Exemplo recente foi a moção de cessar fogo de Israel contra a Faixa de Gaza Palestina e que os Estados Unidos vetou. O genocídio no Sudão prossegue porque a China é a fornecedora de armas ao ditador Omar Al-Bashir e veta qualquer iniciativa das Nações Unidas para ir em socorro das vítimas do genocídio. Em julho de 2009 o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional indiciou o ditador por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra em Darfur.

[31] "Num universo que deixou de ser um universo de certezas, restabelecemos também a noção de valor. Que poderia significar, com efeito, a noção de valor num mundo determinista? Os gregos antigos legaram-nos dois ideais: o da inteligibilidade da natureza ou, como escreveu Whitehead, o de 'formar um sistema de idéias gerais que seja necessário, lógico, coerente e em função do qual todos os elementos da nossa experiência possam ser interpretados'; e o da democracia, baseado no pressuposto da liberdade humana, da criatividade e da responsabilidade. É certo que estamos muito longe de realizarmos estes dois ideais mas, pelo menos, podemos agora concluir que não são contraditórios. A natureza é mais rica, mais inesperada, mais complexa do que aquilo que tínhamos imaginado no início deste século. Sem dúvida que, no decorrer do século que começa, vamos ver uma nova noção de racionalidade em que a razão deixará de estar associada à certeza e a probabilidade à ignorância. É nesse quadro que a criatividade da natureza e do homem encontrar o lugar que lhes cabe." (PRIGOGINE ILYA. Flecha do Tempo e Fim das Certezas.In: UNESCO. Autores vários. As chaves do século XXI. Lisboa: Instituto Piaget, 2002. p. 29).

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