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Currículo sem Fronteiras, v. 15, n. 1, p. 195-230, jan./abr. 2015 ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 195 OS OBJETOS-CONDIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE UMA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE José Angelo Gariglio Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional UFMG, Brasil Resumo Este artigo relata os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo central analisar os objetos de trabalho de professores de Educação Física de uma escola profissionalizante e o seu impacto no processo de constituição de seus saberes profissionais. Mais especificamente, buscou analisar o peso da cultura da escola no processo de edificação das práticas e saberes pedagógicos desses docentes. Com esse estudo intentamos construir respostas ao seguinte questionamento: até que ponto o processo de conhecimento na ação tem suas raízes no contexto social e institucional estruturado do qual compartilha uma comunidade de profissionais? Para isso, realizamos uma pesquisa que envolveu três docentes dessa disciplina (dois homens e uma mulher), diretores, especialistas (pedagogas, psicólogas, assistente social, médico) e alunos de ensino médio profissionalizante e fez-se uso de várias técnicas de coleta de dados: observação do cotidiano escolar, entrevistas e análise documental. A pesquisa aponta alguns dos objetos-condições de trabalho dos professores de Educação Física, bem como, saberes profissionais edificados frutos das interações que esses docentes estabelecem com o seu contexto situado de trabalho e a instituição como totalidade. Palavras-Chave: Formação de Professores; Saberes Docentes; Educação Física. Abstract This article reports the results of a study that aimed to examine the central objects of study of physical education teachers in a vocational school and its impact on the process of achieving their professional knowledge. More specifically, we sought to analyze the burden of school culture in the process of building practices and pedagogical knowledge of these teachers. With this study intend to construct answers to the following question: to what extent the process of knowledge in action is rooted in the social and institutional context which shares a structured community of professionals? To this end, we conducted a survey of three teachers of this discipline (two men and one woman), directors, specialists (pedagogues, psychologists, social worker, physician) and vocational high school students and made use of various techniques of collecting data: observation of everyday school life, interviews and document analysis. The research shows some of the objects of work-conditions of teachers of Physical Education, as well as fruits built professional knowledge of the interactions that these teachers have with your set work context and the institution as whole. Keywords: Teacher; Teacher knowledge; Physical Education.

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Currículo sem Fronteiras, v. 15, n. 1, p. 195-230, jan./abr. 2015

ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 195

OS OBJETOS-CONDIÇÕES

DO TRABALHO DOCENTE DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE UMA ESCOLA

PROFISSIONALIZANTE

José Angelo Gariglio

Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional – UFMG, Brasil

Resumo

Este artigo relata os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo central analisar os objetos

de trabalho de professores de Educação Física de uma escola profissionalizante e o seu impacto no

processo de constituição de seus saberes profissionais. Mais especificamente, buscou analisar o

peso da cultura da escola no processo de edificação das práticas e saberes pedagógicos desses

docentes. Com esse estudo intentamos construir respostas ao seguinte questionamento: até que

ponto o processo de conhecimento na ação tem suas raízes no contexto social e institucional

estruturado do qual compartilha uma comunidade de profissionais? Para isso, realizamos uma

pesquisa que envolveu três docentes dessa disciplina (dois homens e uma mulher), diretores,

especialistas (pedagogas, psicólogas, assistente social, médico) e alunos de ensino médio

profissionalizante e fez-se uso de várias técnicas de coleta de dados: observação do cotidiano

escolar, entrevistas e análise documental. A pesquisa aponta alguns dos objetos-condições de

trabalho dos professores de Educação Física, bem como, saberes profissionais edificados frutos

das interações que esses docentes estabelecem com o seu contexto situado de trabalho e a

instituição como totalidade.

Palavras-Chave: Formação de Professores; Saberes Docentes; Educação Física.

Abstract

This article reports the results of a study that aimed to examine the central objects of study of

physical education teachers in a vocational school and its impact on the process of achieving their

professional knowledge. More specifically, we sought to analyze the burden of school culture in

the process of building practices and pedagogical knowledge of these teachers. With this study

intend to construct answers to the following question: to what extent the process of knowledge in

action is rooted in the social and institutional context which shares a structured community of

professionals? To this end, we conducted a survey of three teachers of this discipline (two men and

one woman), directors, specialists (pedagogues, psychologists, social worker, physician) and

vocational high school students and made use of various techniques of collecting data: observation

of everyday school life, interviews and document analysis. The research shows some of the objects

of work-conditions of teachers of Physical Education, as well as fruits built professional

knowledge of the interactions that these teachers have with your set work context and the

institution as whole.

Keywords: Teacher; Teacher knowledge; Physical Education.

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

196

Introdução

O tema referente aos processos de constituição dos saberes da base profissional dos

professores é alvo crescente de estudos no âmbito das ciências da educação. Esses estudos

têm como uma de suas preocupações investigar as práticas de ensino dos docentes em seus

diferentes e singulares locais de trabalho, identificando nessas a singularidade dos

conhecimentos e habilidades profissionais que demarcariam a especificidade do ofício

docente.

Essas pesquisas, em linhas gerais, nutrem-se de questões como: o que sabem os

professores? Quais os saberes que estão na base da profissão docente? Quais os saberes

necessários para ensinar? O que esses saberes têm de original? Há diferença entre eles e os

conhecimentos provenientes da formação inicial, das ciências da educação, dos

conhecimentos curriculares? Caso haja, em que ponto eles são diferentes? Como esses

saberes são construídos? Qual a relação entre a edificação desses saberes com a experiência

profissional? Trata-se de habitus, rotinas, posturas, intuição, dom, bom-senso e/ou de

conhecimentos de tipo sui generis e competências? Qual a relação entre os saberes

profissionais e os saberes acadêmicos e disciplinares?

Essas são questões que orientaram a nossa investigação e constituem o pano de fundo

no qual tem origem o nosso objeto de estudo.1 Tendo como referência o foco investigativo

desses estudos, a pesquisa por nós realizada buscou investigar os tipos de modelos de ação

profissional edificados por professores de Educação Física (EF) de uma escola

profissionalizante a partir de análises que buscam alcançar as relações que estes

estabelecem com cultura institucional da escola. Estamos chamando aqui de modelos de

ação as representações elaboradas e veiculadas pelos professores de EF a respeito da

natureza de sua prática, representações essas que servem para defini-la, estruturá-la e

orientá-la em situações de ação (Tardif et al., 1999).

Tínhamos como objetivo compreender de que forma os saberes da ação profissional

dos professores são construídos em função não somente dos processos de ensino que se

desenvolvem dentro do universo circunscrito às salas de aula, mas também, por meio das

interações que estes sujeitos estabelecem com as demandas oriundas da totalidade da

organização escolar. Apostamos na compreensão de que os saberes da experiência

profissional são produções oriundas de uma socialização profissional que incorpora outras

práticas e rotinas institucionalizadas, inscritas no cotidiano escolar. Esta perspectiva nutre-

se de enfoques propostos pelo campo da sociologia dos atores e da sociologia da ação:

interacionismo simbólico, etnometodologia, estudo da linguagem comum ou cotidiana,

pesquisa sobre as competências sociais dos atores. Nela, a subjetividade dos professores

não se reduziria à cognição ou à vivência pessoal, mas remete às categorias, regras e

linguagens sociais que estruturam a experiência dos atores nos processos de comunicação e

de interação cotidiana. O pensamento, as competências e os saberes edificados pelos

sujeitos não são vistos como realidades estritamente subjetivas, porque são socialmente

construídos e partilhados. Nesta direção, dizer que um professor sabe ensinar não é somente

avaliar uma perícia subjetiva fundada em competências profissionais, mas é, ao mesmo

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

197

tempo, emitir um juízo social e normativo em relação a regras e normas, a jogos de

linguagem que definem a natureza social da competência dos professores dentro da escola e

da sociedade (Tardif, 2000; Gauthier et al., 1998).

Segundo essa orientação sociológica, pensar o saber docente como uma produção

social dos professores pressupõe algumas premissas fundamentais: primeiro, seus

conhecimentos são construídos dentro de um quadro de constrangimentos que orientam e

demarcam as possibilidades e os limites de atuação profissional dos docentes. Ela guarda

assim forte teor estatutário e codificado, no qual os aspectos de normatização e

institucionalização do trabalho apresentam-se como ativos organizadores da atividade

docente. Segundo, os saberes dos professores são construções adquiridas por meio de

práticas interativas e partilhadas. Elas colocam em presença, ombro a ombro, os diversos

agentes escolares (alunos, professores, pais), exigindo que os docentes construam suas

habilidades pedagógicas em franca interação com esses atores, negociando papéis mútuos,

de acordo com perspectivas mútuas. Terceiro, o saber docente é social porque é adquirido,

principalmente, no contexto de uma socialização profissional, em que é incorporado,

modificado, adaptado em função dos momentos e das fases de uma carreira, ao longo de

uma história profissional na qual o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho

(Tardif, 2000).

Sobre essa questão, Tardif (1991, p.56), ao tratar das características dos saberes

experienciais, aponta que estes saberes fornecem aos professores certezas relativas ao seu

contexto de trabalho na escola, de modo a facilitar sua integração. Esses saberes possuem

três “objetos”:

(...) a) as relações e interações que os professores estabelecem e desenvolvem

com os demais atores do campo de sua prática; b) as diversas obrigações e

normas as quais seu trabalho deve submeter-se: c) a instituição como meio

organizado e composto de funções diversificadas. Estes objetos não são objetos

de conhecimento, mas objetos que constituem a própria prática docente que só

revelam através dela. Em outras palavras, estes “objetos” não são nada mais do

que as condições da profissão docente.

Motivados por esse debate sobre as características dos sabres experienciais, pareceu-

nos profícuo investigar de que modo o trabalho na escola como totalidade2 influencia o

processo de edificação das práticas e saberes pedagógicos de professores de EF. Assim,

buscamos construir repostas às seguintes questões: em que medida a vivência profissional

nas escolas constitui para os professores de EF o complexo e cotidiano exercício de

combinar as diversas lógicas de ação que estruturam o mundo escolar? Até que ponto o

processo de conhecimento na ação tem suas raízes no contexto social e institucional

estruturado do qual compartilha uma comunidade de profissionais? Qual relação entre as

lógicas que regem a ação pedagógica dos professores e o contexto institucional no qual

esses mesmos professores se vêm obrigados a compreender seus meios, linguagens,

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

198

tradições, como também, responder com conhecimentos e práticas que comuniquem algum

sentido ao conjunto da comunidade escolar?

Trajetória Metodológica

No intuito de descrever e analisar quais seriam os “objetos condições” de trabalho que

contribuem para conformar os modelos de ação profissional de professores de EF,

realizamos uma pesquisa com três professores de Educação Física de uma escola

profissionalizante.3

A escolha desses docentes não se deu de forma aleatória. Com o

objetivo de manter uma relação fina entre o objeto de estudo e a metodologia de pesquisa

definimos um tipo de perfil para esses professores: ter formação superior, ter mais de dez

anos de experiência profissional na área da EF, ter mais de cinco anos de experiência

profissional na instituição a qual eles trabalham, estar submetido ao regime contratual de

dedicação exclusiva e pertencer ao quadro efetivo da escola, ou seja, deter estabilidade no

emprego. Seguem abaixo algumas de suas características particulares:

O professor 1, de 34 anos, além do curso de magistério em Educação Física, é

também graduado nesse curso pela Universidade Federal de Viçosa há 12 anos, com

especialização em Educação Física escolar; sua experiência com o ensino dessa

disciplina é de aproximadamente 16 anos, dentre os quais como professor da CET-MG4

(Escola Técnica Federal de Minas Gerais) há mais de 7 anos. Atuou profissionalmente

em escolas públicas estaduais de ensino fundamental na Região de Ouro Preto/MG e em

uma Unidade Descentralizada do CEFET-MG.

O professor 2, de 42 anos, é graduado em Educação Física pela Faculdade de

Educação Física de Volta Redonda, com especialização em Ciência do Futebol; tem 22

anos de experiência com o ensino dessa disciplina e trabalha na CET-MG há mais de 12.

Ministrou aulas de EF em escolas de ensino fundamental e médio no Estado de

Rondônia, além de ter tido experiência na Diretoria de Esportes e Lazer da Secretaria

Municipal de Educação de Ariquemes nesse mesmo Estado.

A professora 3, de 34 anos, é graduada em Educação Física, há 12 anos, e ainda

possui especialização em Educação Física escolar e um curso de Mestrado em Educação

pela FAE/UFMG; conta com 13 anos de experiência profissional com o ensino dessa

disciplina e trabalha na CET-MG há aproximadamente 10 anos. Militou

profissionalmente como professora de EF em escolas públicas estaduais de ensino

fundamental na Região de Ouro Preto/MG.5

Como podemos notar, os professores possuem significativa trajetória profissional, não

somente no ensino da Educação Física, mas também no ensino dessa disciplina dentro do

CET-MG. São, portanto, interlocutores qualificados, detentores de significativo

conhecimento sobre a área, sobre a escola e seu métier profissional situado.

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

199

Na busca de descrever as relações existentes entre os modelos de ação profissional que

servem de guia ao fazer pedagógico desses professores, as interações os demais atores da

escola e o conjunto de regras e normas da vida institucional, fez-se necessário realizar uma

descrição densa da realidade a fim estabelecer conexões entre o trabalho na sala de aula e

vida institucional. Para isso, lançamos mão de várias fontes de informação, observação e

análise da realidade. Assim, associadas às técnicas de observação, foram utilizadas, ainda, a

entrevista e a análise documental. Com tais estratégias, buscamos comparar discursos

distintos, confrontar posições de diferentes sujeitos sobre o mesmo tema e verificar

contradições entre práticas e discursos.

A observação direta da realidade se apresentou como instrumento fundamental de

análise dos significados que os professores atribuem à realidade que os cercam e às suas

próprias ações. Tardif et al. (1999) ratificam a importância da observação nos estudos

acerca dos saberes dos professores, quando nos lembram que a relação entre o

conhecimento sobre o trabalho e o trabalho não apresenta transparência perfeita e controle

completo: o trabalho constitui sempre um momento de alteridade ante a consciência do

professor. O professor possui saberes, regras, rotinas e recursos incorporados ao seu

trabalho, sem que ele tenha conhecimento explícito sobre a sua posse. Diante do exposto,

esses autores defendem que uma teoria consistente sobre os saberes dos professores não se

pode repousar exclusivamente sobre os discursos deles.

Com a observação direta, buscamos analisar três dimensões do trabalho dos

professores e suas relações: o trabalho de ensino da disciplina; as interações estabelecidas

com os alunos, e as contingências institucionais que influenciavam a tomada de decisão de

como conduzir o ensino e a relação com os alunos.

Paralelamente, foram observados o cotidiano da escola e alguns eventos acadêmicos e

festivos. Dentre esses eventos, foram registrados o primeiro dia de aula (a aula inaugural);

uma reunião com os alunos do ensino médio para tratar da organização e dos objetivos das

disciplinas eletivas e três reuniões dos professores de EF com a coordenação da área.

Nessas observações, tentou-se elencar o que a escola elege como suas prioridades, ou seja,

um quadro hierárquico de comportamentos, de saberes, de valores, de normas de conduta,

dentre outros.

A entrevista apresentou-se como ferramenta metodológica fundamental para a nossa

investigação. Além de ajudar a esclarecer e a enriquecer a análise dos dados coletados na

observação direta e na análise documental, a entrevista, por si só, possibilita revelar a

complexidade singular das ações e reações dos sujeitos em contextos sociais.

Por entendermos que numa entrevista se produz um ambiente no qual o pesquisador

tem acesso a importantes informações da vida privada do pesquisado, decidimos fazer as

entrevistas com todos os sujeitos da pesquisa ao final de nossa trajetória investigativa.

Pudemos, com isso, aprofundar, ainda mais, o sentimento de confiança mútua, operando a

entrevista quando o sentimento de estranheza ou constrangimento, diante de nossa presença

na escola, já havia diminuído significativamente.

Outro motivo que nos levou a fazer as entrevistas mais ao final do percurso

investigativo foi a possibilidade de construir o roteiro levando-se em conta diversos

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

200

elementos que foram registrados no diário de campo e que necessitavam ser melhor

explicados pelos professores de EF. As observações de campo se constituíram, dessa forma,

em importante referência para a definição de muitas das questões colocadas nas entrevistas.

Além de entrevistas com os três professores, houve outras com alunos, diretores e

especialistas que trabalham na escola. Em relação aos alunos, foram feitas cinco entrevistas

coletivas com grupos de quatro, sendo dois meninos e duas meninas. No total, foram 20

alunos entrevistados – três turmas do 3º ano, uma do 2º ano e uma do 1º ano do ensino

médio. Priorizamos as turmas de 3º ano por entendermos que esses alunos, por ter uma

trajetória mais longa dentro da instituição, teriam melhores condições de avaliar o papel da

Educação Física na escola e o trabalho dos professores dessa disciplina. Das cinco turmas

escolhidas, quatro eram de classes sobre as quais haviam sido feitas observações de aulas

durante o ano. Portanto, o entrevistador não era pessoa estranha a eles. Essa decisão se

mostrou acertada, já que se criou clima extremamente favorável ao bom andamento das

entrevistas. Os alunos foram escolhidos aleatoriamente.

No que diz respeito às entrevistas com os diretores e os especialistas da escola, a

escolha inicial dos nomes deu-se por meio do organograma da escola, no qual pudemos os

principais cargos de diretoria. Com esses cargos discriminados, pudemos encontrar os

entrevistados. Além dos diretores, foram escolhidos alguns profissionais especializados da

escola, a saber: as pedagogas, o médico e a assistente social. Todavia, com o andamento da

pesquisa, outros nomes foram sendo indicados pelos professores de Educação Física e pelos

próprios diretores e especialistas. Ao final do processo de investigação, conseguimos

entrevistar no total de 12 pessoas, entre diretores e funcionários especializados.

Com essas entrevistas, pudemos compor melhor a trama social na qual os professores

de EF estão inseridos e encontrar nela os elementos centrais que informam e orientam o

processo de construção e lapidação de suas habilidades pedagógicas. Como aponta Fonseca

(1999), a reconstrução da tessitura social torna-se mais rica quando efetuamos um intenso

movimento entre o particular e o geral.

O uso da análise documental nesta pesquisa objetivou ampliar e enriquecer, ainda mais,

a descrição da cena social em questão. O estudo de documentos escritos ajudou a qualificar

a leitura dos jogos sociais impressos na experiência docente no interior da vida social do

CET. Graças aos documentos, pode-se efetuar um corte longitudinal que favorece a

observação e a contextualização, os processos de maturação e evolução dos indivíduos, de

grupos, de conceitos, de conhecimentos, de comportamentos, de mentalidades e práticas. A

análise documental pode, assim, diminuir em muito o grau de influência exercido pela

presença do pesquisador sobre o pesquisado e reduzir possíveis constrangimentos das

observações de acontecimentos e comportamentos a estudar, eliminando a possibilidade de

reação dos sujeitos pesquisados sobre a operação da coleta de dados.

Em nossa pesquisa, foram analisadas duas categorias de documentos: textos

produzidos pelos professores de Educação Física e documentos elaborados pela instituição.

Na primeira categoria, foram investigados dois tipos de documento: as produções coletivas

e as produções pessoais. No que diz respeito às produções coletivas, foram analisados o

planejamento anual, projetos de atividades extracurriculares e projetos de eventos

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

201

acadêmicos organizados pela coordenação de área. Em relação aos documentos pessoais

produzidos pelos professores de EF, pudemos analisar planos de aula, textos, planejamento

de ensino, diários pessoais, avaliações, projeto de disciplina eletiva, entre outros

documentos privados. Foram analisados, também, alguns documentos oriundos da

organização escolar. Entre eles, citam-se o regimento do CET, o seu projeto político-

pedagógico, o CD-ROM utilizado por seu diretor-geral em palestras e que contém

informações sobre as características da escola, e, ainda, jornais e um documento elaborado

pelo Setor de Serviço Social da escola sobre o perfil do aluno do CET.

Assim, como nas entrevistas com os alunos, diretores e especialistas que trabalham na

escola, buscou-se com a análise documental colocar em evidência o quadro hierárquico das

demandas e dos interesses educacionais eleitos pela instituição, que contribuem de forma

significativa para informar os professores não somente do papel da EF no currículo, mas

também expressar um conjunto de referência no qual os professores de EF se orientam, a

fim de construir e lapidar seus saberes, suas práticas e suas rotinas profissionais.

Educação Física: uma disciplina com funções educativas diferentes das

demais

No sentido de compreender e caracterizar os “objetos de condições de trabalho” que

serviriam de referência à integração e estruturação de modelos de ação profissional dos

professores de EF na escola pesquisada, perguntamos aos diretores, alunos e especialistas

qual seria o papel que caberia à EF dentro do projeto pedagógico da instituição. As

respostas foram recorrentes no sentido de apontar que a função específica dessa disciplina

na escola estaria mais voltada a intervir nos processos de socialização, de formação de

valores e de formatação de comportamentos. Foram raros os momentos em que a EF foi

lembrada como disciplina dotada de conteúdos de ensino necessários à formação cultural

dos alunos ou colocada na mesma categoria de conhecimento às demais disciplinas da

escola. Seguem abaixo alguns relatos de diretores e de especialistas sobre esse

apontamento:

Eu acho que toda atividade de Educação Física é uma forma de você educar o

aluno de maneira mais aberta, onde você consegue passar disciplina, e, por

exemplo, coisas que eu não vejo na escola. (Espec. 1)

É, na Educação Física, você tem a oportunidade de trabalhar em grupo, de

treinar (não sei se a gente treina), mas o relacionamento interpessoal é o

momento da comunicação, é o momento de você se expressar e ouvir também,

de você despertar no aluno a questão da liderança e da participação, da

autoconfiança, da auto-estima. (Diretor 1)

É recorrente nos discursos dos diretores e dos especialistas a representação de que as

práticas educativas próprias da EF são valorizadas mais pela vivência humana

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

202

experimentada dentro do seu espaço educativo do que pelo reconhecimento da legitimidade

cultural de seus conteúdos de ensino. Mais do que isso, surge em dois relatos acima a

compreensão de que as outras disciplinas pouco fazem ou não seriam talhadas para operar

com aprendizagens que interfiram nos processos de socialização e de formação humana

mais ampla dos discentes. É como se a educação para a disciplina não estivesse a cargo das

demais matérias de ensino.

Esse reconhecimento de uma função da EF faz emergir, primeiramente, a forma de

organização da hierarquia dos saberes escolares presente na escola. De um lado, alojam-se

as disciplinas dotadas de conteúdos mais abstratos e “teóricos”, que têm como destino

irrefutável a vocação para a formação do pensar. À EF caberia a função de formar os alunos

na perspectiva do saber-ser. Não caberia, portanto, à EF o papel de instruir e, sim, o de

educar. Podemos intuir dessa constatação que a legitimidade da EF e da profissionalidade

de seus professores não está centralmente relacionada à via do reconhecimento do valor de

seus conteúdos de ensino ou pelo domínio que esses professores teriam sobre esses mesmos

conteúdos. Não obstante a EF ser reconhecida na escola como um componente curricular

obrigatório, a mesma mostra-se valorizada mais pelo potencial que tem em oferecer

experiências formativas advindas de vivências de socialização estabelecidas entre

alunos/alunos e professores/alunos durante as práticas pedagógicas experimentadas nesse

espaço disciplinar.

No discurso dos alunos, essa visão se repete quando eles são questionados sobre as

disciplinas de que mais gostam e acham importantes no currículo escolar. Nas respostas,

são raros os momentos em que eles citam a EF. Quando isso acontece, a EF vem sempre

relacionada ao quesito de disciplinas que eles mais se afeiçoam. Tal fato pode ser explicado

em parte porque os alunos, por estar cursando o ensino médio, demonstram ter grande

preocupação com a continuidade de seus estudos numa universidade após esse período de

formação. Nesse sentido, uma disciplina como a EF aparece como pouco significava para a

concretização desse projeto de vida.

É também interessante percebermos que talvez os alunos não reconheçam a EF como

uma disciplina escolar ou como matéria enquadrada nos mesmos moldes do que seria o

perfil hegemônico de uma disciplina escolar (com provas, avaliação quantitativa,

predominância de registros escritos, formalização da relação professor-aluno). Nestes

relatos, podemos ver os alunos explicitando mais claramente sua visão sobre a EF:

Naquele momento que você está fazendo Educação Física, você quer se distrair,

esquecer de que tem prova no último horário; se você tem Educação Física no

primeiro, você estudou a noite toda, você vai lá, dá uma descansada para você

não ficar com aquela pressão em cima. (Aluno)

É pra relaxar um pouco, uma hora que a gente pára e esquece muitas vezes que

tem que fazer uma prova importante ou que está mal ou que está alguma coisa,

uma hora que você para ali pra fazer aquilo ali. (Aluno)

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

203

Saber conversar com a pessoa. O individualismo todo mundo tem e na Educação

Física você aprende que depende da pessoa, que ela não pode viver sozinha e

isolada. (Aluno)

Assim como nos relatos dos diretores e dos especialistas, os alunos veem a EF como

espaço e tempo para aprendizagens relacionais e para vivências de momentos de catarse, de

relaxamento e esquecimento do que se apresenta como rotina na vida escolar.

Ainda no que tange à relação mais íntima e direta da EF com as dimensões da

socialização e da formação humana, nos relatos desses informantes fica claro que a EF não

pertenceria ao plano das disciplinas tidas como acadêmicas. Ela se situaria no campo de

atividades escolares mais relacionadas ao que o estabelecimento escolar em questão

denomina de unidades de apoio ao ensino.

Numa das edições do informativo semestrais da escola, há uma menção bastante

interessante acerca do papel a ser cumprido pela EF nesse estabelecimento. A disciplina é

colocada ao lado das unidades de assistência médica e odontológica, assistência social,

alojamento, restaurante, lanchonete e grêmio estudantil. Essas unidades complementariam,

como citado textualmente nesse número do informativo, “o cenário de uma boa recepção à

aprendizagem”.

Tal citação pode ser explicada, em parte, porque nessa escola existe uma rede de

suporte às atividades de ensino propriamente dito: psicóloga, assistentes sociais, médicos,

dentistas, analista químico, nutricionista, pedagogas, dentre outros profissionais tidos como

especialistas.6 Tal estrutura de apoio ao estudante apresenta-se como fundamental, segundo

os diretores e os especialistas dessa instituição, porque uma grande porcentagem de seus

discentes é oriunda de cidades situadas fora das fronteiras do município de Ouro Preto onde

a escola se situa (mais de 60%). Caberia, portanto, à essa instituição a operacionalização de

uma rede de proteção social capaz de possibilitar não somente a permanência dos

estudantes, mas também ser facilitadora de sua performance escolar.7

Além disso, a vinculação da EF como área de suporte às atividades de ensino pode ser

explicada, também, pela presença no CET de uma organização temporal singular, em

relação a grande maioria das escolas públicas do país. Essa instituição se caracterizou por

ser uma escola de tempo integral, com uma jornada escolar média de 38 horas semanais.

Nesse contexto, via-se como fundamental uma organização institucional que pudesse criar

mecanismos de controle da vida escolar, dando condições para uma convivência social

minimamente harmônica.

Sobre a especificidade da temporalidade de uma escola técnica como o CET vale

lembrar que a jornada escolar de tempo integral tem íntima relação com a história do ensino

profissionalizante. Para o Estado, que financia e gere uma escola como essa, é sempre

importante racionar e concentrar o tempo de formação segundo a lógica verificada no

processo de trabalho. Diferentemente do ensino médio tido como regular, o ensino técnico

público de nível médio construído no Brasil se pautou na sua maioria por uma organização

temporal tida como densa. Partia-se do pressuposto de que, para as classes menos abastadas

ou destinadas ao trabalho manual, era fundamental que houvesse maior controle do

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

204

processo de formação dos alunos e de sua aprendizagem. Longe de postular a ajuda da

escola ou aprendizagens mais autônomas e uma relação pessoal e crítica com o saber, a

densidade temporal do ensino profissional busca atingir a quase totalidade das

aprendizagens na escola, em grupo, no face a face com os professores (Tanguy, 1983).

Nessa lógica, a EF e os seus professores ganham importância pela sua capacidade de

poder contribuir não somente com a formação para o mundo do trabalho, mas também por

ostentar especificidades que ajudariam a escola, ainda no tempo e no espaço imediato da

vida institucional, a fazer com que o empreendimento educativo próprio de uma escola de

tempo integral tivesse seu curso sem maiores sobressaltos.

Sobre essa questão, Hutmacher (1992, p. 50) chama a nossa atenção para a importância

dos mecanismos, explícitos e tácitos, de controle da ordem institucional. Segundo o autor,

(...) por vezes nos espantamos de como as coisas se passam de maneira

relativamente ordenada nesses grandes sistemas de massa que são as atuais

escolas. A normalidade dos acontecimentos, das ações e das interações exige

sempre mecanismos reguladores, ou, melhor dizendo, regularizadores, na

medida em que a ordem social não existe de per si. Se as escolas não vivem

cotidianamente num caos explosivo, é porque forças importantes estão

implicadas na manutenção da ordem.

Nessa direção, compreendemos que o ensino da EF e os seus professores encontram,

no ideário institucional de uma escola como o CET, maior espaço de projeção e

valorização. Por ser uma escola profissionalizante, a formação de atitudes, de

comportamento, da disciplina, enfim, dos valores, ganha posição de maior destaque porque

essas dimensões formativas são tão importantes para a inserção “equilibrada” no mundo do

trabalho quanto os conhecimentos de cunho científico e tecnológico. Sobre esse fato,

Bracht (1999, p. 54) nos lembra que,

(...) o nascimento da EF se deu, por um lado, para cumprir a função de colaborar

na construção de um corpo saudável e dócil, ou melhor, como educação estética

(sensibilidade) que permitisse uma adequada adaptação ao processo produtivo.

Isso porque a educação da vontade e do caráter pode ser conseguida de forma

mais eficiente com base em uma ação sobre o corpóreo do que com base no

intelecto; lá, onde o controle do comportamento pela consciência pode falhar, é

preciso intervir no e pelo corpóreo. Normas e valores são literalmente

“incorporados” pela vivência corporal concreta.

Paralelamente, ao analisarmos documentos sobre sua vida escolar, percebermos que a

escola8 ostenta diversas atividades extracurriculares ligadas a projetos culturais e de lazer.

9

Nesse contexto institucional em que as atividades tidas como “não-acadêmicas”

parecem possuir grau de maior destaque, a EF consta como valorizada pela capacidade de

oferecer aos alunos atividades nas quais eles podem usufruir vivências próximas daquelas

que se experimenta nos momentos de lazer: vivências de gratuidade, de prazer, de

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

205

liberdade, de intensidade dos relacionamentos intersubjetivos e de compensação do

desgaste sofrido em atividades consideradas como “sérias”. Nos relatos de alunos, de

diretores e de especialistas, essa vinculação fica clara:

Primeiro é quando você deixa a sala para fazer alguma atividade, seja fazer um

relax, já que a impressão que se tem é que hoje se vive numa tensão muito

grande. Dependendo da aula anterior, a aula de EF pode-nos relaxar. (Aluno)

Eu entendo que a Educação Física tem um papel muito importante não só no

desenvolvimento físico do aluno, que está com o corpo em formação, está num

período de desenvolvimento, mas como forma de aliviar as tensões das outras

disciplinas, aquela apreensão se aprendeu, se não aprendeu, se vai ser avaliado,

como vai ser. Acho que a EF proporciona que o aluno a tenha quase como lazer

aqui dentro da escola. (Espec. 2)

Eu vejo esta questão muito pela seguinte lógica, porque dentro do espaço da

escola, muitas vezes as pessoas têm uma mentalidade que a escola seria mais

voltada ao trabalho, vamos dizer assim, trabalho no sentido pedagógico. A

escola tem que ter espaço para trabalho, para lazer, para uma série de vertentes,

porque aí está tudo presente. Acho que daí a Educação Física pode mostrar ao

mesmo tempo essa questão, ou seja, do lazer aliado à disciplina, ao

comportamento, à postura, a uma série de coisas nesse sentido. (Diretor 5)

É interessante percebermos que esses relatos pouco têm a ver com os papéis atribuídos

à EF especificamente no que diz respeito à sua contribuição para a formação para o mundo

do trabalho. Não há aqui, por exemplo, nenhuma menção à formação de um corpo dócil,

disciplinado e saudável necessário ao aumento da produção. Busca-se colocar a EF ao lado

de atividades de cunho mais estético. A EF vem atrelada a momentos de gratuidade, de

relaxamento e de lazer.

Junta-se a essas representações pedagógicas relativas ao papel da EF na escola aquela

que aponta que seria intrínseca ao trabalho dessa disciplina: a realização de práticas de

ensino que proporcionariam vivências educativas dotadas de maior potencial para integrar

os alunos, promover interações coletivas e exercitar o trabalho grupal. A EF, por meio de

suas atividades mais integradoras, possibilitaria algo que as demais disciplinas da escola

não dariam conta: a melhoria da relação intersubjetiva dos alunos. Os relatos seguintes

manifestam essa relação direta entre a EF e a sua capacidade de intervir nas competências

relacionais dos alunos:

Eu acho que tem o trabalho em equipe. Você aprende a precisar de uma outra

pessoa pra fazer algo. Você sempre vai precisar de alguém, você nunca vai estar

solto no mundo. (Aluno)

Acho muito bom a gente viver em sociedade, por que o que a gente mais faz

aqui é esporte coletivo, no futebol, no handebol, no voleibol eu preciso da Geisa,

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

206

preciso da Natália, preciso do Narciso, preciso do Marcos, do sicrano, preciso do

outro, preciso de todo o mundo; assim como numa firma, eu preciso de todo o

mundo para produção. Porque numa matéria normal você pode estudar sozinho,

fazer a sua avaliação sozinho. (Aluno)

O que transparece nesses relatos é que nas disciplinas “teóricas” talvez sejam poucos

os momentos em que os alunos se encontrem envolvidos em atividades grupais e que

possibilitem a experiência da solidariedade, do companheirismo e de conhecimento mais

profundo de seus colegas. Parece que esses agentes escolares, ao alojar a EF no campo das

atividades culturais, demonstram que os outros espaços de ensino na escola pouco

possibilitam a experiência de uma educação estética. Sobre este ponto, lembramos o que

nos aponta Chervell (1990) acerca das características das disciplinas escolares. Ele nos

mostra que a invenção da forma escolar se realiza na produção de disciplinas escolares. A

disciplina escolar é tomada por ele como sinônimo de ginástica intelectual, tendo como um

dos seus objetivos disciplinares a inteligência das crianças, não tendo rompido, assim, o

contato com o verbo disciplinar. O valor forte do termo “disciplinar” está sempre

disponível. Uma disciplina é igualmente, para nós, em qualquer campo que se encontre, um

modo de disciplinar o espírito, quer dizer, de lhe dar os métodos e as regras para abordar os

diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte. No sentido proposto por

esse autor, todas as disciplinas escolares estão a serviço da educação, da formação dos

valores e da formação de comportamentos. No entanto, os relatos de alunos, de

especialistas e de diretores da escola por nós coletados demonstram que a EF parece estar

associada mais diretamente à dimensão axiológica inerente a todas as disciplinas escolares.

Existe, assim, uma expectativa muito grande por parte dos discentes de que, nas aulas

de EF, esse tipo de vivência seja possibilitada, não somente em função das características

peculiares dos conteúdos da EF10

, mas também em função de um tipo de ensino marcado

fortemente por mecanismos de avaliação individuais presentes em parte significativa das

demais disciplinas da escola. O que aparenta ser algo natural ou intrínseco a essa disciplina

apresenta-se, na realidade, como o resultado da soma de questões relacionadas não somente

ao contexto específico de trabalho dos professores de EF (o ensino na sala de aula), mas ao

contexto mais amplo da vida escolar na qual essa prática de ensino se estabelece.

Paralelamente, os diretores e os especialistas dessa instituição comungam das mesmas

expectativas relatadas pelos discentes, mas com contornos um pouco diferenciados. Nos

discursos desses atores escolares, está presente a preocupação, como no caso dos alunos,

com a melhoria da relação intersubjetiva:

Eu acho que primeiro é um dom, as relações humanas, é o relacionamento, é a

interação, que eu acredito que na Educação Física ele tem mais oportunidade de

estar exercitando do que na sala de aula com outro conteúdo, onde muitas vezes

ele tem que ficar só ouvindo o professor transmitindo. Por mais que se muda

isso, essa coisa ainda está meio impregnada, o professor tem o conhecimento e o

aluno recebe esse conhecimento. E na EF há mais possibilidades de ele estar

recebendo, mas estar interagindo, passando para dentro e botando na ação de

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

207

imediato o que ele recebe. Então é a convivência social, acho que é fundamental

essa interação com as relações humanas. (Diretor 6)

Então eu vejo o professor de Educação Física como um elemento muito

importante na integração dos alunos entre si, dos alunos com a escola, dos

alunos com os professores e até a integração dele consigo mesmo, dado o

ambiente diferente em que a aula ocorre, dada a proximidade maior que há entre

professor e alunos de EF e também quando ele proporciona momentos de

integração dos alunos e até de autoconhecimento. (Espec. 3)

Ainda dentro dessa visão que credita à EF a função de melhorar a relação intersubjetiva

dos alunos, podemos verificar que esses atores escolares, quando se referem à centralidade

da função socializadora da EF, fazem-no lembrando outras duas facetas importantes da

intervenção pedagógica que caberia a esse componente curricular na escola. Para eles, a EF

atuaria, primeiramente, intervindo na diminuição das distâncias entre os atores escolares

(professores, diretores, especialistas, funcionários), promovendo integração institucional

mais profunda. Em segundo lugar, a EF seria capaz de agregar à formação dos alunos

importantes conteúdos formativos destinados à atuação profissional, quando esses

estivessem inseridos no mercado de trabalho.

No que tange ao primeiro tópico citado no parágrafo anterior, é recorrente nos relatos

dos diretores e dos especialistas que uma das características mais marcantes do CET seria a

fragmentação de sua estrutura organizativa. Essa estrutura teria o poder de provocar o

distanciamento entre os setores da vida institucional e, consequentemente, entre os seus

atores.11

Tal distanciamento seria pernicioso para a instituição porque dificultaria a

operacionalização de ações comuns, de práticas colegiadas e solidárias por parte de

professores e funcionários.

Ainda sobre esse distanciamento, eles lembram que a disposição espacial dos prédios

agudiza na instituição a cultura balcanizada (Fullan et al., 2000, p.82).12

Estes autores

apontam que na escola as relações são muitas vezes regidas pela lógica da balcanização.

Segundo eles,

(...) a cultura balcanizada é composta por grupos separados e, por vezes,

competitivos, que lutam por posições e por supremacia, tal como estados

independentes, com poucas conexões. Nesse tipo de cultura, os professores

agregam sua lealdade e sua identidade a determinados grupos de colega, o que

pode gerar disputas e conflitos quanto ao espaço, ao tempo, aos recursos. A

balcanização, por fim, conduz a uma comunicação ineficiente, a indiferença ou a

grupos que seguem caminhos distintos na escola.

O relato de um dos especialistas ajuda-nos a explicitar melhor essa constatação:

Primeiro, a caracterização, em nível de organização institucional e da própria

instituição é o organograma, a organização dela, o espaço físico que vem

contribuir para um certo distanciamento das pessoas, o que dificulta muito as

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

208

relações e as interações com aluno, direção, funcionário. E às vezes professor e

aluno têm mais um contato sistemático, óbvio, mais fácil com o professor, que é

aquele que está dentro da sala de aula, mas o professor entre si, entre seus pares,

pela própria estrutura, que já vem definida do MEC. É muita divisão,

departamentalização, isso faz com que as pessoas se distanciem, e até se ter uma

visão, um direcionamento, às vezes dificulta muito o trabalho, a interação do

dia-a-dia no interior da escola. Como o próprio espaço físico da escola também é

um bem determinado, determinante dessa separação, desse distanciamento entre

as pessoas, entre os setores da escola. (Espec. 3)

Além da dificuldade de comunicação entre os atores escolares e, consequentemente, de

uma ação mais colegiada por parte dos professores, a cultura balcanizada materializada no

CET, pela força da disposição de seus ambientes de ensino, produz conflitos concorrenciais

não apenas entre as disciplinas escolares, mas entre grupamentos profissionais. Pudemos

constatar em entrevistas e conversas informais com alguns especialistas da escola

(psicóloga, médico, analista químico, enfermeiro, pedagogas) um sutil conflito entre os

profissionais mais vinculados à área pedagógica e os vinculados à parte de apoio ao ensino.

Esse conflito advém em parte porque a presença no CET de uma gama de profissionais

especialistas, não-docentes, responsáveis em apoiar as atividades de ensino, parece retirar

dos professores em geral um dos pilares do projeto de escolarização moderna na qual ser

educado e ser instruído deveria ser visto como a mesma coisa (Petitat, 1994). Assim, aos

professores foi delegado o papel de intervir e atuar nessas duas frentes de trabalho. No

entanto, o contexto específico do CET, em face da coexistência entre essas duas categorias

de profissionais com funções diferenciadas, acaba por delimitar campos de atuação

marcados por certa polarização: aos professores caberia mais diretamente a função de

instruir, sendo delegada aos especialistas a função de educar. Nessa lógica, a educação

ficaria sob a responsabilidade dos psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, professores de

EF, dentre outros.

Nesse jogo conflituoso, os professores de EF parecem conseguir mais reconhecimento

e visibilidade quando alocados entre os profissionais vinculados ao que a escola denomina

de setor de suporte aos estudantes.

Nesse contexto institucional em que a cultura da balcanização se apresenta de maneira

tão marcante, um dos papéis destinados à EF seria o de proporcionar atividades

integradoras capazes de envolver toda a comunidade, diminuindo os distanciamentos

existentes entre os diversos setores da escola e, consequentemente, os seus atores. As

atividades integradoras – eventos esportivos, gincanas, rústicas, festivais, atividades de

recepção dos calouros, dentre outras do gênero – são capazes de promover um sentimento

de “corpo”, de organicidade institucional num ambiente escolar no qual a lógica do

individualismo pedagógico e da fragmentação das ações parece imperar. Os relatos abaixo

revelam um pouco a valorização da EF pela via do seu potencial integrador:

Movimentava a escola, até congresso aqui na escola já promoveram. E isso era

muito bom, a Educação Física buscava a parte de integração, já que ela não

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

209

move só a sala de aula, envolve a escola inteira. Houve um tempo em que existia

a aeróbica, que envolvia todo mundo. Havia corrida rústica que também

envolvia todo mundo; sinto às vezes falta deles. Eles tinham uma participação,

eles promoviam eventos, eventos que eram próprios da EF e que arrebanhavam

pessoas. (Espec. 5)

Entendo que é importante que haja algum evento que venha a dar mais vida à

instituição, e venha contemplar um desejo, um sentimento que os alunos de

maneira geral, na sua totalidade, têm. Congraçamento como um todo da

comunidade, nós estamos extremamente carentes nesse tipo de evento aqui e já

faz alguns anos. Acho que esse tipo de atividade também nos faz muita falta.

(Diretor-Geral)

Aqui dentro da escola vai também proporcionar aos alunos os contatos com os

colegas, porque, por incrível que pareça se não acontece esse tipo de atividade

muitos alunos não conhecem alunos de outros cursos. Porque a escola é ampla

fisicamente, e não vai integrar como deveria, eu acho que peca nesse sentido

também, porque se desenvolvesse internamente, ia proporcionar aos alunos a

convivência entre eles, entre cursos, e isso aí é saudável. Eu acho que está

pecando nisso também, de trabalhar mais. (Diretor 3)

Evidencia-se aqui, mais uma vez, que a EF parece estar alocada em setores da vida

escolar que seriam responsáveis por produzir condições educativas mais favoráveis “a um

cenário de uma boa recepção para a aprendizagem”. Novamente a sua legitimidade

institucional advém não pelo reconhecimento mais direto dos seus conteúdos de ensino,

mas pelo seu potencial educativo capaz de promover tanto a melhoria da relação

intersubjetiva dos alunos quanto a relação interinstitucional. Os relatos parecem demonstrar

que os eventos proporcionados pela EF seriam promotores de experiências pedagógicas

capazes de produzir um ambiente escolar mais satisfatório para o desenvolvimento das

atividades de ensino. Os diretores e os especialistas dão-nos a ideia de que a produção de

momentos em que os atores se mostram imersos em atividades mais integradas e solidárias

seria capaz de criar um clima institucional facilitador do trabalho escolar. Os estudos que

investigam a eficácia do estabelecimento de ensino sobre o rendimento escolar dos alunos

alertam para a necessidade de se captar quais seriam os fatores endógenos que

caracterizariam o efeito do estabelecimento. Nessa perspectiva, almeja-se verificar de que

forma as escolas fazem a diferença. Tem-se como premissa nessas investigações que cada

escola constituiu-se uma unidade social, um construído social ou subsistemas sociais, onde

se tomam importantes decisões educativas, curriculares e pedagógicas. Os estabelecimentos

de ensino são definidos, nessa lógica, como uma organização onde se processam estilos

particulares, modos de regulação sociais específicos e uma capacidade de seus atores de

mobilizar recursos próprios. No entanto, esse conglomerado de recursos pode revestir-se de

sentidos diversos e dar lugar a diferentes configurações, nele residindo interesses diversos,

uma rede de relações contraditórias, aleatórias, imprevisíveis e com conexões inesperadas.

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

210

Nesse todo complexo da escola é que se pode verificar a sua ação comum, isto é, o

conjunto dos processos que fazem com que as escolas, apesar de tudo, funcionem (Cousin,

1993). A EF participaria na escola de ações comuns, com vistas à melhoria da eficácia

escolar, por meio da conjunção de pactos divergentes.

Ainda no que diz respeito ao reconhecimento dos atores escolares quanto à capacidade

intrínseca que a EF teria de desenvolver nos alunos a sociabilidade, alguns relatos de

diretores e especialistas operam essa associação muito em função do ideário pedagógico da

escola. Essa instituição, desde a sua fundação (1942), constitui-se em uma escola de

educação profissional. Dessa forma, as questões relacionadas à Educação para o Trabalho

são centrais para a definição de suas práticas pedagógicas, a organização de sua estrutura

organizativa e a definição de suas prioridades institucionais.

Sendo assim, a preocupação com a sociabilidade ganha destaque porque a competência

para o trabalho em grupo seria demandada dentro do universo produtivo cada vez mais

flexível e polivalente. Para Azevedo (1991, p. 122), a redução da hierarquia na organização

gerencial nos espaços de trabalho e o conseqüente desenvolvimento da autonomia das

equipes de produção aumentaram a demanda por competências ligadas ao saber-comunicar,

saber interpretar a informação disponível e assegurar o enquadramento e a coordenação das

tarefas. Esse autor, ao analisar os estudos na área da educação e trabalho, elenca as

principais competências a ser adquiridas pelos trabalhadores na escola, objetivando

tornarem-se mais completos nos novos contextos de trabalho. É interessante perceber que a

maioria delas está ligada direta ou indiretamente à ação comunicativa. O autor enumera 13

competências, a saber:

(...) 1) iniciativa, dinamismo e criatividade; 2) cooperação e interação

construtiva com outrem; 3) trabalho em grupo; 4) formação mútua (conselhos e

formação mútua entre iguais; 5) avaliação; 6) comunicação; 7) raciocínio; 8)

resolução de problemas; 9) tomada de decisão; 10) obtenção e utilização da

informação; 11) planificação; 12) saber aprender; 13) abertura ao

multiculturalismo (saber trabalhar com pessoas de outras culturas)”.

Vejamos o que os diretores e os especialistas nos relatam:

Desenvolvendo a responsabilidade nas pessoas, essa própria atividade em grupo

que a gente precisa, eu acho importante que estaria preparando para o mercado

hoje, o mercado de trabalho, só de você saber trabalhar em grupo, você saber

participar das coisas, saber se relacionar com as outras pessoas. Eu acho que a

Educação Física contribui muito aí nesse relacionamento, respeito, solidariedade

um com o outro. (Diretor 1)

A transformação do jovem, na questão da área do conhecimento também. Não é

só força, não é só físico, não é só você trabalhar, por exemplo, vai formar uma

equipe, um time, e o que é a equipe? O que é o time? Se não houver

entrosamento, você consegue fazer o time funcionar? Tanto é que a gente fala o

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

211

time em inglês, o time, a equipe tem que ter entrosamento, tem que ser flexível,

ter criatividade, tem que saber trabalhar em conjunto, ter diversidade de

tratamento, e a Educação Física trabalha tudo isso. (Espec. 4)

Esses relatos vêm reforçar nossa tese sobre as representações criadas pela escola ao

redor da disciplina EF. Numa escola na qual a formação para o trabalho ganha destaque e

constitui foco central em sua missão educacional, coloca-se em relevo o cuidado com a

formação de valores, da disciplina, das competências relacionais, das atitudes e do

comportamento. Nesse contexto, a EF e seus professores destacam-se pela sua capacidade

de municiar os alunos de determinados saberes e práticas atitudinais tão necessários a uma

inserção mais qualificada no mundo do trabalho quanto aos conhecimentos científicos e

tecnológicos. Nessa lógica, a sociabilidade seria uma competência profissional vivida e

apreendida nas práticas de ensino da EF.

Neste ponto gostaríamos de salientar que as representações construídas em torno da EF

nessa escola não podem ser abstraídas do seu conhecimento específico, fato que à vezes

parece passar despercebido no discurso dos atores escolares. São seus conteúdos (jogos,

esporte, ginástica, dança) que têm a capacidade de deslocar essa disciplina e seus

professores para o campo das aprendizagens educativas.

Paralelamente ao conjunto de expectativas criadas em volta da EF e de seus múltiplos

papéis pedagógicos a ser cumpridos na escola, descritos anteriormente, essa disciplina é

considerada importante, mas em intensidade inferior, e também teria seus méritos

formativos no que tange ao seu potencial instrutivo.

Quando os atores escolares lembram da EF como componente curricular dotada de

conteúdos válidos pela sua constância e incontestabilidade conquistada no seio da nossa

cultura, essas lembranças estão sempre ligadas às questões da saúde, da descoberta do

corpo, da educação para a qualidade de vida. Vejamos os relatos de alunos e de diretores:

Acho que, do mesmo jeito que a Matemática, a Química, a História preparam e

fazem a gente ter uma formação, uma formação mais cultural, intelectual, a

Educação Física é importante, mais por uma questão de saúde, para a gente ter

consciência de que precisa fazer esporte pra ter uma vida mais saudável. (Aluno)

A área de Educação Física, por exemplo, desenvolve vários trabalhos de

conscientização que eu acho que têm a ver com essa disciplina, assim como

podem estar relacionados com a saúde. Com a saúde ocupacional, por exemplo,

com a segurança, então eu acho que dá para fazer esse tipo de trabalho

perfeitamente. (Diretor 1)

Da saúde, do lazer, porque hoje a gente observa que quem não teve uma

Educação Física na escola nunca foi alertado pra isso tão importante; o que

acontece é que hoje você tem que estar cuidando da sua qualidade de vida, em

outras instâncias, e ainda corrigindo coisas que não foram bem cuidadas, porque

você não tinha uma consciência de que isso era necessário. Então eu vejo que a

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

212

Educação Física pode contribuir muito nesse sentido. (Espec. 2)

Os diretores e os alunos, ao associar o potencial instrutivo da EF a sua capacidade de

tratar temas relacionados à saúde, reproduzem e reforçam o discurso de senso comum de

que a EF é uma área de conhecimento quase que exclusivamente vinculada acadêmica e

institucionalmente à área médica. Sobre esse ponto, vale lembrar que no desenvolvimento

do conteúdo da Educação Física escolar, o médico, e mais especificamente o médico

higienista, teve na história inicial dessa área um papel destacado. Esse profissional passa a

ser um personagem quase indispensável, porque exerce “autoridade” acadêmica perante um

conhecimento de ordem biológica. Tal conhecimento vai orientar a função a ser

desempenhada pela Educação Física na escola: desenvolver a aptidão física dos indivíduos

(Castellani et al, 2009).

Essa compreensão coletiva de que a EF se legitimaria dentro da escola pela vinculação

com a área médica, ou melhor, pela capacidade de intervir na melhoria das aptidões físicas

dos alunos, são retraduzidas e reforçadas por um contexto institucional em que as questões

afetas à saúde possuem destaque maior do que em escolas de ensino médio regular. No

relatório sobre o perfil socioeconômico do aluno, existe um dado que reforça essa tese da

vinculação da EF com a dimensão da saúde. Nele a EF é confundida com o termo atividade

física. Também, quando os alunos são questionados sobre quais são os seus objetivos ao

fazer EF, a maioria responde que ela se constitui como um “meio de manter a forma”.

Esse destaque pode ser traduzido no interior da escola pela presença de estrutura

organizativa possuidora de uma coordenação de serviço de saúde, composta de cinco

setores de atendimento aos alunos: serviço ambulatorial, serviço odontológico, assistência

social, assistência psicológica e análises clínicas.13

Nesses setores, trabalham assistentes

sociais, médicos, dentistas, analista clínico, psicólogo e enfermeiros. Toda essa estrutura

deve-se muito a peculiaridades dessa escola, que, durante décadas, se caracterizou por

receber alunos das classes populares, vindos de diversas partes do País e que tinham e têm,

nessa rede de proteção social construída por esse estabelecimento de ensino, um dos únicos

suportes institucionais voltados para uma permanência qualificada dentro da vida escolar.

Atrelados ao papel de colocar em prática ações compensatórias que pudessem apoiar os

alunos no transcorrer de sua trajetória escolar, chamamos a atenção para o fato da

singularidade de uma escola profissionalizante. Esse dado parece ser também central para

explicar o maior destaque das questões afetas à saúde.14

A educação do trabalhador sempre

foi atravessada pela preocupação com a educação do corpo, com os cuidados com a

higiene, com a formação de hábitos alimentares “saudáveis” e rotinas para manutenção de

um corpo forte e sadio. A EF ganha legitimidade escolar pela sua capacidade de interferir

na educação corporal dos novos trabalhadores. Como afirma Bracht (2000, p. 65),

(...) a inserção da Educação Física como componente curricular remonta aos

próprios primórdios da escola moderna, como nós a conhecemos hoje, portanto a

escola da sociedade burguesa. Sua inserção no currículo escolar se deveu à

conjunção de uma série de fatores, todos eles condicionados pela emergência de

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

213

uma nova ordem social nos séculos XVIII e XIX. Movimentos no plano da

Medicina, que, por sua vez, estão ligados ao desenvolvimento do Estado

Nacional, ao surgimento do Estado Nacional, e também da própria educação, são

determinantes e determinados aqui. A Medicina dos séculos XVIII e XIX,

portanto dos anos 1750 em diante, identifica importância cada vez maior no

movimento, como forma de promover e manter a saúde. Se observarmos o

discurso dos médicos do século XVIII, vamos encontrar uma mudança do

entendimento do corpo, quer dizer, o advento da ciência moderna faz com que a

Medicina trabalhe com outra visão de corpo, o que faz crescer, também, o

entendimento da importância do movimento como forma de manter e promover

a saúde; portanto, isso é uma característica do século XVIII. A importância da

aptidão física para a produtividade no trabalho, quer dizer, a Educação Física era

vista também como forma de garantir a produtividade do trabalhador, da

população como um todo, produtividade do Estado Nacional, da comunidade,

com vistas a aumentar o bem comum, o bem-estar comum. Para tanto, era

fundamental uma população sadia, e, como o trabalho exigia muito esforço

físico, a Educação Física poderia ser uma preparação para esse trabalho.

Pudemos perceber também que o ensino da EF no CET recebe influências de um

contexto escolar no qual repercutem as preocupações com a educação mais acadêmica e

intelectual.15

Não nos podemos esquecer de que os alunos que faziam aula de EF na escola

estavam, na sua maioria, matriculados no curso de ensino médio.16

Nesse nível escolar em

que a formação disciplinar e a aprendizagem verbo-intelectual tornam-se dimensões

balizadoras da intervenção profissional dos docentes, em contraste com a educação mais

afetiva do contexto educativo do ensino fundamental, pudemos constatar que pesava sobre

os ombros dos professores de EF a necessidade de veicular entre a comunidade a sensação

de que a EF também detinha características de uma disciplina de cunho mais acadêmico.

O peso das questões acadêmicas acaba compondo a cena do ambiente profissional no

qual nossos professores laboram seus saberes e suas práticas. Tal constatação pôde ser

percebida na forma como os nossos docentes de EF formulavam algumas de suas práticas

de ensino. Em muitas delas, eles lançavam mão de textos para leitura, relatórios, avaliações,

produção de textos escritos pelos próprios professores, retroprojetor, fitas de vídeo e

pequena biblioteca com periódicos da área da EF.

Em nossas observações sobre a sala da coordenação da EF, pudemos constatar grande

quantidade de papéis em prateleiras, em um arquivo de ferro e nas mesas de cada um dos

professores. Nesses locais, os professores guardavam material diverso: atas de reuniões,

registros de eventos esportivos feitos pela coordenação, planejamentos, avaliações,

relatórios, recortes de jornais com texto sobre atividade física e saúde, lazer e esporte,

legislação esportiva, legislação educacional, projetos de seminários, projetos de ensino,

dentre outros documentos. Além disso, a escola ainda oferecia à coordenação um

computador ligado à internet 24 horas por dia.

Essa grande quantidade de material pedagógico e acadêmico na forma de registro

escrito, a nosso ver, consubstanciar-se-ia como prova concreta e visível do trabalho

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

214

desenvolvido pelos professores e pela coordenação de EF, capaz de ser veiculada,

valorizada e decodificada pela totalidade dos atores escolares. Isso porque o registro escrito

é a maneira mais importante de legitimar o conhecimento escolar.

Vincent (2001), ao teorizar sobre a existência de uma forma escolar, revela que a

escola e a pedagogização das relações sociais de aprendizagem estão ligadas à constituição

de saberes escriturais formalizados, saberes objetivados, delimitados, codificados,

concernentes tanto ao que é ensinado quanto à maneira de ensinar, tanto às práticas dos

alunos quanto à prática dos mestres. A pedagogia (no sentido restrito da palavra) se articula

a um modelo explícito, objetivado e fixo do saber a transmitir. Historicamente, a

pedagogização, ou seja, a escolarização das relações sociais de aprendizagem é

indissociável de uma escrituralização-codificação de saberes e das práticas. O modelo de

socialização escolar é, portanto, indissociável da natureza escritural dos saberes a

transmitir.

Em uma escola onde os professores de EF não usam livros didáticos e utilizam muito

pouco a linguagem escrita para transmitir os seus conteúdos e, ainda, é mais independente

de manuais ou programas escolares, os registros escritos arquivados pelos nossos docentes

são, a nosso ver, um mecanismo de legitimação curricular da EF num contexto educacional,

em que a sustentabilidade pelas vias acadêmicas surge como fundamental.

Nesta parte do texto tentamos descrever e analisar alguns dos objetos/condições de

trabalho que tem forte relação com a disciplina EF e os seus professores. Estes

objetos/condições de trabalho expressam de certa forma uma faceta da instituição como

meio organizado. Ficam as perguntas: em que medida eles se apresentam como norteadores

à integração desses docentes à vida institucional e acadêmica da escola? Estes

objetos/condições de trabalho são balizadores para a percepção dos professores da sua

própria capacidade de ensinar? Na próxima parte do texto dialogaremos com os professores

de Educação Física buscando analisar as formas de integração profissional a essas

dinâmicas de trabalho geradas pela escola em questão, no sentido de compreender como

tais dinâmicas afetam a subjetividade e a reflexibilidade profissional destes docentes.

Dialogando com os professores de EF

Nesta parte do texto vamos tentar identificar, por meio do discurso dos professores,

como eles situam as especificidades educacionais que seriam definidoras do papel

pedagógico da EF dentro da escola. Tentaremos levantar, com isso, quais são os conteúdos

da docência que cabem a quem ensina essa disciplina escolar. Com isso, buscamos

identificar as hierarquias de saberes profissionais internas construídas por esses docentes, a

fim de melhor localizar quais os objetos-condições que constituem a sua prática pedagógica

específica dentro do estabelecimento escolar. A identificação dessas hierarquias pode

ajudar a revelar, em última instância, o reconhecimento de suas competências e de seus

saberes pedagógicos, em função das especificidades advindas de uma prática docente

situada.

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

215

Ao dialogarmos com os professores de EF, quando estes falam de funções e atribuições

pedagógicas da EF, pode-se verificar o peso ou o status de uma intervenção pedagógica na

escola que deveria estar voltada mais diretamente às dimensões da socialização.

Invariavelmente relacionam a sua disciplina ao potencial que ela teria de poder intervir na

formação de valores e comportamentos, ou seja, na formação geral dos alunos. Estes relatos

mostram um pouco essa tendência:

Por exemplo, se a turma tem um problema de relacionamento, vou usar o que eu

tenho para lidar com isso, porque é um espaço com o qual a Educação Física tem

o privilégio de trabalhar. Não é geral, mas existem professores que têm essa

preocupação fora do seu campo, da disciplina específica, mas a maioria está ali

muito enfocada na sua própria disciplina. E acho que grande parte, não todos, lá

na área dá conta desse olhar mais amplo. (Profª. 3)

De que a vida, o dia-a-dia da gente é feito numa questão de limites, de respeito,

de saber ouvir e abstrair. A questão do relacionamento, a questão da afetividade

é bem aberta, a proximidade das relações; eu não abro mão disso, de jeito

nenhum. (Prof. 2)

Vemos que os nossos professores se esforçam em dizer que as práticas de ensino que

definem a especificidade de intervenção pedagógica da EF não se limitam à transmissão de

seus conteúdos. A Profa 3, ao operar uma comparação entre a prática pedagógica dos

professores de EF e os docentes das demais disciplinas, salienta que os outros professores

ficam restritos e enfocados na sua própria disciplina, enquanto os de EF dariam conta de

um olhar mais amplo.

A nosso ver essa amplitude de olhar do qual nos fala a Profa 3 parece relacionar-se com

certo potencial ou sensibilidade pedagógica para saber como intervir na formação dos

estudantes para além da sua dimensão epistêmica. Em função do território de atuação que

caberia à EF na escola, ou seja, o de intervir na formação do saber-ser, os professores

entendem que eles seriam mais atentos, por exemplo, às formas de construção das relações

coletivas operadas pelos alunos. Paralelamente, essa necessidade de ter um olhar mais

amplo parece estar relacionada à capacidade de saber ver os alunos para além dos

resultados escolares. Seria preciso desenvolver canais de verificação e comunicação com a

ordem subjetiva dos alunos, isto é, com suas emoções, seu comportamento e sua forma de

significação do mundo.

Também, ao relator uma experiência construída por um professor de Matemática

dentro da escola, quando ele se lança a uma experiência de ensino fora da sala de aula

tradicional, ou seja, no interior do pátio da escola, ela busca mostrar e demarcar quais

seriam as diferenças entre o papel da EF e o de seus professores diante das outras

disciplinas:

Marcos, um professor de Matemática, uma vez pediu uma quadra, eu fui até

assistir a atividade dele; ele estava ensinando figuras geométricas. Foi muito

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

216

interessante, mas em nenhum momento ele estava preocupado com o

relacionamento dos alunos, e sim em ensinar as figuras geométricas e a relação

entre base, altura, não sei o quê e espaço, essas coisas. (Prof. 3).

Na mesma perspectiva, o Prof. 1 nos mostra que a EF não se enquadraria no campo das

disciplinas tidas como acadêmicas. A sua definição de disciplinas acadêmicas parece estar

atrelada a aprendizagens mais racionais, intelectualizadas por meio do contato com

conhecimentos mais abstratos e distantes das relações humanas mais concretas:

Porque eu tenho a clareza de que é uma disciplina que no contexto acadêmico

ajuda na formação geral desse aluno. Quebra um pouco a formação acadêmica e

traz uma outra vertente que é tão ou mais importante que a outra. Acho que esse

papel é nosso, falei sobre isso antes, da construção das relações entre eles em

função do limite, da expressão corporal, da abertura para xingar, para falar

palavrão, e depois você falar porque você está lidando com aquilo, então esse é

um papel. Ela estará contribuindo para sair do contexto informal. A formal eu

estou falando, Português, Matemática, que é a formação acadêmica, e a outra é a

educação para a vida, de ser educado, de ter o seu limite, de respeitar o colega,

de se relacionar bem com ele. Porque ela ajuda nessas disciplinas da sala de

aula. (Prof. 1).

Nesses relatos, fica novamente evidente que o que demarcaria a especificidade e o

papel pedagógico da EF e da ação docente nessa disciplina seria aquele de oferecer aos

discentes práticas de ensino, vivências educativas e a transmissão de conteúdos capazes de

ir além da formação tida como “acadêmica”. Seria própria da EF a intensificação de

processos formativos que alcançassem os conteúdos da formação humana necessários à

vida em comum Vale, no entanto, questionar se as outras disciplinas da escola também não

cumpririam esse papel. Entendemos que isso não é privilégio da EF. Em contrapartida, o

que os professores parecem tentar nos dizer é que, em função do conhecimento que

ensinam e do lugar pedagógico ocupado pela EF na escola, eles encontrariam maior

comodidade para o tratamento de questões que envolvem mais diretamente temas como a

sociabilidade e a educação estética.

Mais do que isso, o relato do Prof. 1 parece ir ao encontro do que já havíamos

analisado, ao refletirmos sobre os discursos de diretores e de especialistas do CET, quando

esses discorriam sobre as funções pedagógicas da EF. Ou seja, o Prof. 1 parece informar-

nos que a EF se situaria dentro do universo de atividades mais ligadas aos setores de apoio

ao ensino, ou, como também aponta o jornal do CET, uma disciplina construtora do

“cenário de uma boa recepção à aprendizagem”. A EF, na visão desse professor, ofereceria

aos alunos experiências educativas que seriam significativas para que eles pudessem ter

melhor conduta dentro da sala de aula. Poder propiciar aos alunos momentos de formação

cunhados em situações mais “informais” produziria uma quebra da rotina da escola, o que

seria benéfico para a conduta dos alunos na ocasião em que o ensino se faz mais “formal”.

A perspectiva apontada pelos professores 1 e 2 parece ser complementada pela docente

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

217

3, quando ela, a todo o momento, ressalta que o que caracterizaria o tipo de relação

pedagógica dentro do universo de ensino específico da EF seria uma relação mais informal,

afetiva e aberta com os alunos, a produção de um espaço pedagógico em que existiria a

possibilidade do diálogo, das discussões e de uma intimidade maior nas relações

intersubjetivas de alunos/alunos e professores/alunos. No relato seguinte, a Profª. 3 mostra

que esse tipo de conduta e abertura do professor seria uma pré-condição para que as

práticas de ensino em EF tivessem o efeito esperado:

É a relação mesmo, a coisa mais aberta, mais fraterna, o toque. De uma maneira

mais livre, mais ampla, aberta a discussões, à construção coletiva, o espaço mais

aberto para negociações. É justamente desse detalhe de relação, de construir

junto, de cooperar, de que ninguém faz nada sozinho, que, por menor que seja a

contribuição de um elemento para o coletivo, para o grupo, ela tem que ser

ouvida, saber ouvir. A questão do relacionamento, a questão da afetividade é

bem aberta, a proximidade das relações; e eu não abro mão disso, de jeito

nenhum. (Prof. 3)

Esse relato também nos pode revelar que, para os professores de EF, a presença da

dimensão afetiva tornar-se-ia um dos elementos diferenciadores não somente da prática

educativa em EF, mas da sua própria capacidade de ensinar. Essa constatação diverge das

conclusões dos estudos efetuados por Lessard et al. (2003) sobre a constituição de culturas

docentes diferenciadas de professores que militam no ensino médio e no ensino

fundamental. Apesar de estarmos lidando com professores de EF que atuam no nível

médio, esses não se encaixam na descrição da cultura docente própria dos professores desse

nível escolar. A dimensão afetiva e maternal que seria própria da cultura docente de

professores do ensino fundamental mostra-se presente e fundante para a prática pedagógica

dos professores de EF aqui pesquisados.

Essa visão é reforçada pelos professores 1 e 3, quando esses definem como vêem os

seus alunos:

É quase como se fossem meus filhos. Eu não consigo estar lidando com eles

como pessoas por ser minha obrigação como profissional, eu não consigo lidar

com eles dessa forma e esquecê-los. Hoje eu fiz aquilo e deixei para lá. Não é

paternalismo, mas é de responsabilidade, tanto quanto teria o pai nesse processo,

por conta da minha visão de mundo, da minha expectativa de vida, de uma

percepção social, violência e uma série de outras coisas, o interesse, o quanto me

faz bem do ponto de vista pessoal a minha relação com a escola, o meu trabalho,

o quanto eles podem se dar bem também com isso de tratar os outros com

respeito, com carinho, com educação, de ser gentis, saber agradecer, saber pedir

licença, abrir uma porta. Não estou dizendo que os pais não façam isso, quem

sou eu para dizer isso. Mas é isso que eu acho que a gente pode estar ajudando.

Nesse contexto todo, só consigo concebê-los como filhos mesmo, com essa

responsabilidade nessa construção. (Prof. 1)

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

218

Eu tenho mais acesso aos alunos. Muito mais. Então, por exemplo, igual à Thaís,

ali agora. A Thaís já foi minha aluna no 1o ano, então foi uma coisa que ela teve

muita empatia por mim. Era uma aluna que vinha conversar comigo, então

acompanhei uma série de problemas dela, crise de depressão, que na

adolescência é hiper comum. (Prof. 3).

É interessante percebermos que os dois professores, apesar de ser do sexo masculino e

ministrar aulas no nível médio, não hesitam em manifestar como centrais no seu trabalho

determinadas dimensões presentes na prática docente que são pouco valorizadas em meios

profissionais onde os homens são a maioria e o profissionalismo mostra-se incompatível

com o envolvimento afetivo. Há no discurso dos nossos professores o que Carvalho (1998,

p. 63) denomina de cultura do cuidado. Essa cultura do cuidado foi muitas vezes tomada

como reiteração dos papéis e características consideradas adequadas à feminilidade ou

vistas como intrínsecas a uma docência considerada adequada às séries iniciais.

O que os professores nos tentam mostrar é que a presença da afetividade ou da cultura

do cuidado não se encontra represada no universo da docência feminina ou mesmo no

ensino fundamental. Muito mais do que um dom natural percebido como parte inerente à

feminilidade é a própria prática docente que pode ser capaz de torná-los mais sensíveis,

mais cuidadosos e mais afetuosos. No que diz respeito especificamente aos nossos

professores de EF, é fundamental que a relação afetiva seja intensa. Saber-ensinar na

presença da afetividade representa o auto-reconhecimento de parte de sua competência

profissional.

Atrelado à função socializadora que seria específica da disciplina EF e que nos vai

sendo revelada como central para o reconhecimento da legitimidade pedagógica não

somente da EF, mas das competências e habilidades pedagógicas de seus professores,

aparece também, de forma recorrente nos discursos desses professores, que essa disciplina

seria dotada de determinadas características que a habilitariam para o desenvolvimento da

sociabilidade dos alunos. Vejamos estes relatos:

Eu acredito que a disciplina Educação Física no contexto escolar seja uma das

disciplinas que mais podem e mais colaboram com esse tipo de atividade. O

perfil que o mercado de trabalho exige hoje das pessoas está muito envolvido

com o trabalho em grupo. Acho que esse é o momento de construção, de ajuda

nesse sentido. Outro, do estreitamento das relações deles mesmos, de conviver

com o diferente, de conviver com ideia diferente, de respeitar essa ideia

diferente, que querer ser compreendido porque a gente sempre quer, mas de

compreender as ações e de respeitar essas ações, o trabalho em grupo dá muito

essa possibilidade, que eu acho riquíssima nessa parte. (Prof. 1)

Por exemplo, se a turma tem um problema de relacionamento, vou usar o que eu

tenho para lidar com isso, porque é um espaço com o qual a Educação Física tem

o privilégio de trabalhar. (Profª. 3)

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

219

Os professores, ao relatar que a EF propiciaria um espaço para o exercício concreto de

vivências relacionais, fazem-no se referenciando no que eles ouvem, vêem e sentem em

relação ao que se apresenta como corrente e rotineiro na forma escolar. Melhor dizendo,

eles parecem colocar a EF como contraponto a um ensino pautado por preocupações

conteudistas, do ensino verbo-intelectual e de relações pedagógicas marcadas por vivência

formais, frias, silenciosas. Borges (2002), em seu estudo com docentes dos diferentes

campos disciplinares de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental, mostra que os conhecimentos

que os professores de EF apontam como relevantes ao seu trabalho foi o domínio de

conhecimentos relativos às relações interpessoais. Nessa linha, eles colocam em destaque

os conhecimentos adquiridos no campo da psicologia, seja no tempo da formação inicial,

seja em estudos ou cursos realizados durante o percurso da formação continuada.

Há que se ressaltar que essas representações construídas em volta da EF têm relação

íntima com a especificidade do ambiente de ensino dessa disciplina. A visão de que a EF

teria maiores chances para intervir mais diretamente no processo de formação geral dos

alunos não pode ser descolada da materialidade de suas práticas de ensino. São

representações construídas em função de suas condições ambientais próprias, do tipo de

conhecimento transmitido e em função da relação desse espaço de ensino com a totalidade

da vida escolar.

Parece-nos importante lembrar que o entendimento dos professores de EF, assim como

dos demais agentes escolares acerca dos papéis a ser cumpridos por essa disciplina, traz

consigo elementos da socialização profissional da EF. Isso porque a modelação de uma

carreira situa-se na confluência entre a ação dos indivíduos e as normas e papéis que

decorrem da institucionalização das ocupações, papéis esses que os indivíduos devem

interiorizar e dominar para fazer parte de tais ocupações (Tardif, 1999). Sendo assim,

intuímos que o entendimento que os professores de EF têm acerca do papel a ser cumprido,

ou seja, o de educar, vincula-se ao papel historicamente cumprido por ela no projeto da

educação escolar moderna.

Para levantarmos as razões dessa leitura operada pelos nossos depoentes, entendemos

ser importante fazer uma digressão. Ante os desafios colocados por uma nova ordem

civilizatória, organizada segundo os princípios dos modos de produção capitalista, era

preciso que o corpo sofresse ações e intervenções com a finalidade de se adaptar às

exigências das formas sociais de organização da produção e da reprodução da vida. O corpo

é alvo, assim, das necessidades produtivas (corpo produtivo), das necessidades sanitárias

(corpo saudável), das necessidades morais (corpo deserotizado), das necessidades de

adaptação e controle social (corpo dócil). Ele precisa ser objeto da educação (escolar),

mesmo porque a educação corporal é a educação do comportamento, que, por sua vez, não

é corporal, e sim, humana. Para Grignon (1971), a EF se constituiu numa das bases da

educação profissional porque foi e é uma das bases da educação moral; a imposição de um

conjunto de regras relativas ao bom uso e à boa conservação do corpo, e as práticas a ela

ligadas permitem, com efeito, conservar a vitalidade moral e física dos aprendizes.

Os nossos depoentes, ao demarcar como foco de sua ação na escola a intervenção nos

processos de educação comportamental dos discentes, parecem ter como pano de fundo do

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

220

seu discurso o entendimento de que seria atribuição exclusiva da EF o papel da educação

corporal e, consequentemente, o da educação dos valores e do comportamento. Talvez

sejam normas e papéis interiorizados em função dos valores que nortearam o aparecimento

e o desenvolvimento da Educação Física na sociedade moderna. Mais do que isso, essas

representações são fruto de transações contínuas entre as interações dos indivíduos e as

suas ocupações situadas dentro do espaço escolar.

É central a ideia de que à EF é atribuída uma tarefa que envolve as atividades de

movimento que só pode ser corporal, uma vez que é humana. No entanto, a educação do

comportamento corporal, porque humano, acontece também em outras instâncias e em

outras disciplinas escolares.

Mais do que o potencial da EF de interferir na melhoria das relações intersubjetivas dos

alunos, preparando-os para a vida coletiva e para o trabalho grupal, pudemos constatar nos

relatos outro desdobramento desta sua função socializadora. Nos seus discursos, os

professores apontam que uma das facetas mais importantes da intervenção pedagógica da

EF na escola seria aquela de poder oferecer uma série de eventos e atividades

extracurriculares – torneios esportivos, gincanas, rústicas, jogos interescolares:

O processo educativo da Educação Física não resume só na questão da aula. Os

espaços extracurriculares, e são procurados fora da aula, dão um cabedal de

possibilidades imensas. Os jogos dos calouros que era a recepção dos alunos

novatos, a questão da integração que efetivamente acontecia. A oportunidade

que os alunos tinham de sair da instituição e de conhecer uma praia. Por

exemplo, Os Jogos escolares entre os cefets chegavam a emocionar a gente, eu

pelo menos, os alunos de voleibol quando eu viajava com eles e com elas em um

dado momento é algo que emociona. Acho que isso é muito amplo e essa

atuação da área hoje em função desses problemas está privando os nossos alunos

disso. (Prof. 1)

Sim, todos aqueles projetos que nós deixamos perder. Ficaram para trás, às

vezes até por questão política da área, de posicionamento de área, outros,

digamos, desleixo da área. Então está passando da hora de a gente pegar tudo,

retomar e mostrar aonde a gente pode chegar. Na Educação Física, no esporte,

era um grande lance de confraternização. Dos calouros, só participava calouro, a

gente bolou, nas quatro modalidades vôlei, basquete, handbol, futebol de salão.

E os alunos gostavam, os veteranos, porque era uma vitrine para eles, ali eles já

ficavam de olho nos calouros, isso é a coisa da exclusão, mas isso é coisa do

aluno, já ficavam de olho em quem eles iam chamar para os jogos intercursos,

ou melhor, depois tinha o interclasses e o intercursos, excluía um pouquinho

aqui, excluía, funil. Então esse tipo de atividade está voltando, o aluno sente

falta. (Prof. 2)

Fica evidente que essas atividades extracurriculares são colocadas em destaque em

função não somente do envolvimento prazeroso e coletivo que proporcionam, mas também

porque possibilitam à EF obter maior visibilidade institucional para seus produtos

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

221

pedagógicos. Os eventos parecem ser assim elemento fundamental para reconhecimento

institucional da EF dentro da escola. Em nossas observações da sala da coordenação da EF,

pudemos visualizar prateleiras recheadas de troféus e placas conquistados em eventos

esportivos escolares promovidos por essa área. Entre eles, destacam-se troféus adquiridos

por meio da participação do CET nos JIFETs (Jogos interescolares). Eles são os símbolos

materiais de parte importante do trabalho desenvolvido pela coordenação de EF.

Além disso, podemos inferir que, ao colocarem em destaque a organização dos

eventos, esses professores conseguem veicular de maneira mais ampla não somente as

potencialidades socializadoras da EF, mas suas próprias competências. Eles seriam assim

reconhecidos como professores dotados de habilidades pedagógicas capazes de mobilizar

grupos, de envolver sujeitos coletivos, de promover o congraçamento e a participação mais

ampla e solidária das pessoas.

Os discursos dos professores de certa forma naturalizam certo senso comum

(veiculados pela mídia e as políticas de estado) que atribui à prática esportiva um potencial

formativo quase sempre positivo e desprovido de contradições. Os enunciados dos

professores relacionam de forma linear a prática esportiva ao congraçamento, a vivência

lúdica, a socialização, a produção da saúde, dentre outros. Não aparecem em seus discursos

algumas das criticas construídas pelo movimento renovador da EF (em especial das teorias

criticas da EF) sobre as relações do esporte com a indústria cultural, a sua perspectiva

restrita de corpo (maquina, biológico) e as intersecções sociais (principalmente políticas)

desse fenômeno social.17 Tal leitura ainda que pouco crítica do fenômeno esportivo é

carregada, por outro lado, de uma forte convicção que orienta e conduz a sua prática

docente na escola e que é geradora de certezas relativas sobre a sua própria capacidade de

ensinar.

É interessante percebermos que, nos seus relatos, os professores de EF utilizam o verbo

sempre no passado. Por causa de muitos problemas internos na coordenação da EF e na

própria vida institucional, esse tipo de atividade foi abandonado, o que produziu certo vazio

profissional. Os relatos sobre esses eventos são carregados de saudosismo de um tempo

quando eles exploravam ao máximo essas possibilidades de trabalho e de como se sentiam

felizes ao produzir e participar dessas atividades. O próximo relato mostra-nos que a não

realização desses fez com a EF perdesse espaço e reconhecimento dentro da escola:

E para nós é aquela questão da respeitabilidade mesmo. Hoje se a gente der

bobeira... Se pudessem tiravam Educação Física. Porque se você fizer só o

acadêmico. Se eu movimento a escola, é diferente, o peso é outro. Os jogos

interclasses e intercursos, a própria corrida rústica. (Prof. 2)

Além de mostrarmos que essas atividades produzem dividendos importantes no sentido

do reconhecimento acadêmico dentro do currículo para a EF, os professores nos explicam

que elas têm o poder de fazer com que os alunos possam participar mais intensamente da

vida da escola:

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

222

Para a escola a importância é que o aluno vive mais a escola. Integração, isso aí

é importante. E para nós é aquela questão da respeitabilidade mesmo. (Prof. 2)

Eu acho que pela liberdade a gente consegue fazer com que os nossos alunos

sejam mais ativos, ativos no ambiente escolar. Eu não estou falando ativos de

fazer atividades, não, ativos no ambiente escolar. Agora, menos do que antes,

porque antes como a gente fazia competições, fazia outras atividades, os alunos

se envolviam muito mais, e levavam isso para fora da aula de Educação Física,

levavam isso para as outras disciplinas, eles se tornavam mais ativos mesmo.

Até o grêmio estudantil funcionava de forma muito mais eficaz quando nós

também trabalhávamos mais na EF. Dá para fazer uma relação temporal perfeita,

entre a atuação do grêmio na escola, as atividades que a gente desenvolvia, e

hoje como é a atividade do grêmio e atividades que a gente não desenvolve, e

como o grêmio ficou. Porque antes a gente movimentava, colocávamos o grêmio

junto conosco e os alunos se envolviam. (Prof. 3)

Nesses dois relatos, podemos verificar que a fala dos nossos professores se aproxima

da dos diretores e dos especialistas da escola quando estes atribuem à EF a tarefa de tentar

aproximar os atores escolares e os seus múltiplos setores funcionais. Nesse sentido,

podemos inferir que os professores de EF colocam sua disciplina como elemento facilitador

da “recepção de uma boa aprendizagem”. Fazer com que os alunos tornem-se mais ativos

no ambiente escolar, levando o que eles aprendem nesses eventos para as outras

disciplinas, faria com que eles tivessem inserção mais rica e produtiva no interior da vida

escolar.

Os professores 1e 3, quando falam da positividade dos alunos de viver mais

intensamente a escola e os professores, parecem remeter-se novamente ao potencial

socializador da EF. Mostram que as vivências relacionais são objetos centrais de sua

intervenção pedagógica na escola, ocupando, com isso, lugar de destaque na hierarquia dos

conteúdos de sua docência.

Ademais, ao lembrarem da positividade do exercício da vivência coletiva e grupal no

interior da escola, esses professores mostram-se atentos à totalidade da vida escolar. Além

de reafirmar que a sua intervenção pedagógica não se limita ao ensino de conteúdos, eles

nos parecem revelar que a sua prática pedagógica é pensada em função da sua repercussão

dentro da vida escolar. As aprendizagens vividas na EF têm valor cultural medido em

função da possibilidade de sua utilização, por parte dos alunos, ainda no próprio universo

da escola. As aprendizagens ali vividas devem ser consumidas não somente no futuro

distante, que ocorrerá fora da escola, mas também no imediato da vida escolar na qual

brotam experiências ricas de relações humanas, de sentimentos, de modos de ver e de sentir

o mundo. O pensamento e as ações de nossos professores de EF talvez estejam

referenciados no âmbito do estabelecimento de ensino, predominantemente.

Tal questão pode ser interpretada nos relatos dos professores, quando são indagados

sobre as especificidades da prática pedagógica da EF. Suas respostas demonstram que um

dos papéis de tal disciplina seria aquele de oferecer vivências e atividades de ensino que

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

223

pudessem produzir a sensação de “esquecimento” do que seria corrente dentro das salas de

aula, operando uma compensação do desgaste provocado pelas atividades tidas como mais

“sérias” ou “acadêmicas”. Vejamos o que eles nos dizem:

A gente falou um pouquinho antes dessa quebra com relação à sala de aula,

então da recreação em si como lazer, do momento de recreação desse aluno,

acho que a direção é muito voltada para isso especificamente, um dos grandes

motivos. Na minha concepção de Educação Física, da forma como eu lido com o

esporte no contexto, e acho que isso é um papel da EF por causa disso, na

formação, na construção dessa formação informal. As vertentes com as quais ela

lida com a pessoa, de estar possibilitando a ela situações de lazer, de satisfação,

de desejo, de alegria, talvez seja a disciplina que menos cause frustração, essa

possibilidade que ela tem. (Prof. 1)

É um espaço livre para expressar corporalmente. Justamente, dentro da

formalidade escolar ela é mais informal. Então ali seria até o contraponto, nós

identificamos, lá em baixo lazer, em cima trabalho. (Prof. 2)

É essa liberdade que a gente pode dar ao aluno que os outros professores ainda

não descobriram que eles também podem. A nossa liberdade ao aluno é mais

explícita. Muitos professores também poderiam fazer isso, mas acho que eles

não descobriram ainda. Não sei se eu no lugar deles teria descoberto, e para nós

isso já veio pronto, o que é um privilégio. (Prof. 3)

Há um sentimento por parte deles de que caberia à EF a função de oferecer aos alunos

vivências muito parecidas ao que se atribui aos momentos de lazer em nossa vida cotidiana.

Primeiro, a EF seria vista como espaço produtor de experiências de caráter compensatório,

na medida em que colaboraria para compensar o desgaste provocado pelo trabalho

intelectual na sala de aula. A EF teria assim caráter utilitarista porque uma de suas funções

seria a de recuperar e a de preparar os alunos para o trabalho, ou melhor, para as atividades

de ensino vistas como mais formais e sérias.

Atrelada a essa primeira função, aparece aquela na qual o universo do lazer seria o

local mais propício para experiências de gratuidade, de fruição e de produção cultural.

Experiências que, segundo os relatos desses docentes, não parecem ser muito próprias das

disciplinas consideradas mais “acadêmicas”. Parece existir o reconhecimento de que tais

disciplinas seriam marcadas pela formalidade das relações, pela estandardização do

comportamento, pela tensão das cobranças por performance escolar e pela inibição das

experiências de cunho mais estético.

Nesta linha, a EF é deslocada do rol das disciplinas acadêmicas para um campo de

atividades que seriam destinadas à “recepção de uma boa aprendizagem”. Quando os

professores nos relatam que a EF teria como uma de suas funções a de se constituir num

espaço de lazer, eles talvez queiram dizer que as experiências educativas proporcionadas

por ela se apresentam como suporte ou apoio para as atividades de ensino tipicamente

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

224

“acadêmicas”. Neste relato, o Prof. 1 nos esclarece melhor:

Os tempos acadêmicos da sala de aula exigem um tempo de concentração

imenso do aluno, a necessidade de atenção muito grande e isso inibe, o inibe

muito de falar, de conversar de se expressar, e a nossa organização acadêmica é

nesse sentido, então acho que a Educação Física quebra completamente isso, a

nossa sala de aula não tem carteira, pode ter, mas não tem na sua essência,

quebra completamente isso, e acho que isso para o contexto acadêmico é

fundamental. Entendo a EF como um grande suporte, de ajuda, não que esteja à

parte, ele está contextualizado, está junto, mas para que o aluno tenha êxito na

sua parte acadêmica também. (Prof. 1)

Não obstante reconhecermos que tal compreensão pode aprofundar o problema crônico

de déficit de legitimidade da EF no currículo escolar, nos parece interessante percebermos

que, ao construírem argumentos que expliquem os caminhos pelos quais a EF se legitima

na escola, os professores o fazem por meio de argumentos de caráter não-acadêmico.

Seguram-se nas possibilidades que essa disciplina teria de oferecer aos alunos experiências

de ensino contrárias ou diferentes do que seria corrente na vida escolar. Inferimos de tal

conclusão que a EF e, consequentemente, seus professores, conseguiriam reconhecimento

profissional dentro da escola, por meio de práticas de ensino que valorizam os saberes

específicos da EF e a singularidade de sua ação pedagógica18

. A legitimidade pedagógica

da EF e dos saberes profissionais de seus docentes dá-se mediante o desenvolvimento de

práticas comuns por meio de acordos dissonantes. Com isso, os professores alcançam

visibilidade institucional e, em alguma medida, reconhecimento acadêmico.

Considerações Finais

No que concerne à edificação dos saberes profissionais dos professores construídos no

exercício da profissão na escola, fica claro que não somente o trabalho na sala de aula é

fonte de produção de suas habilidades pedagógicas. Verificamos que, ao redor das

atividades de ensino propriamente ditas, existem obrigações e limitações institucionais que

condicionam e atravessam o trabalho dos professores dentro da sala de aula. No caso dos

professores de EF, fica latente que a posição inferior dessa disciplina na hierarquia dos

saberes escolares é geradora de certezas particulares quanto a sua própria capacidade de

ensinar. Os professores de EF, por trabalhar com uma disciplina escolar que lida com

conhecimentos pouco valorizados no interior da lógica curricular, veem-se envoltos a

contingências institucionais que os informam cotidianamente que a sua função seria aquela

de interferir mais diretamente no processo de socialização dos alunos. Sua função na escola

destina-se mais a educar do que a instruir.

Como vimos nos relatos dos professores de EF, eles se reconhecem e são reconhecidos

como competentes na arte de poder interferir na formação dos valores e no comportamento

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

225

dos alunos. Como mesmo disse um dos diretores da escola, a EF lidaria com o saber-ser e

com o saber-conviver.

Mais do que estar “destinada” à função de educar, caberia também à EF e aos seus

professores oferecer aos alunos atividades que lhes possibilitassem integrar-se na dinâmica

da vida da escola, que os ajudassem a relaxar diante das pressões e tensões advindas das

exigências por performance nas atividades escolares e que promovessem a integração da

escola mediante a aproximação dos diversos agentes institucionais (alunos, técnicos

administrativos e professores). Para atingir todos esses objetivos, os professores de EF

precisariam de conhecimentos e habilidades necessárias a atividades que extrapolassem as

aulas curriculares. É fundamental para o seu reconhecimento acadêmico na escola o

desenvolvimento de ações que colocassem em jogo grande número de pessoas, de funções

variadas (alunos, professores, diretores, técnicos administrativos) em eventos, como

torneios esportivos, semana da calourada, rústicas, jogos interescolares, olimpíadas

internas, dentre outros.

Essas demandas acabam por informar os professores sobre qual o destino de sua

conduta profissional na escola. Eles devem saber trabalhar com pequenos e grandes grupos,

devem saber ensinar mediante a promoção constante de experiência de prazer e gratuidade,

devem ser hábeis para interferir na formação geral dos estudantes, devem ter conhecimento

sobre organização de eventos, devem ter a sensibilidade de operar ligação entre a trama

temporal do seu planejamento de ensino e a trama temporal da escola como um todo,

devem ser competentes para melhorar as relações interpessoais entre os discentes e, por

fim, devem desenvolver práticas e saberes que visem colocar a sua disciplina escolar como

uma espécie de suporte às atividades tomadas como de ensino.

Fruto do exercício cotidiano de colocar em prática esses saberes, pudemos perceber

que os nossos depoentes demonstram possuir outra importante habilidade pedagógica: a de

pensar e agir em termos do estabelecimento de ensino (Derouet, 1996). Pensar e agir no

nível da escola demonstra saber agir em razão do seu contexto imediato, equacionando a

tradicional dicotomia entre o fenômeno de socialização e escolarização, valorizando a

escola como “meio de vida social”. Ao pensarem e agirem assim, nossos informantes

relativizam a importância da “forma escolar”, evidenciando a existência de efeitos

educativos importantes, que não decorrem de uma intencionalidade educativa e que estão

associados ao funcionamento global da organização.

Diferentemente do que apontam alguns estudos sobre a especificidade da cultura

docente dos professores do ensino médio, ao imputarem a esses profissionais o desinteresse

pelas questões extramuros da sala de aula e do campo disciplinar ao qual pertencem, nossa

pesquisa vêm mostrar o contrário. Os nossos professores de EF, em que pese a eles

trabalhar numa escola de nível médio, buscam outras referências para organizar sua

intervenção pedagógica. Entre elas, podemos citar a trama temporal da vida escolar, o que

eles entendem ser as demandas imediatas dos alunos no cotidiano da instituição e o apoio

às atividades de ensino. Buscam promover aprendizagens não formalizadas no currículo

real: a integração entre os alunos, a cooperação, a contribuição para a melhoria da

qualidade de vida dentro da escola, a produção de um sentimento de “corpo institucional”

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

226

via diminuição das distâncias entre os diversos setores e seus atores.

Há que fazer importante ressalva: muitas dessas dimensões tomadas como importantes

para a atuação dos professores de EF e para a edificação de seus saberes profissionais

fazem sentido por causa das demandas e dos interesses produzidos por determinado

estabelecimento de ensino. O CET possui uma série de características que o definem como

instituição sui generis. Entre elas, destacam-se: ser uma escola que, desde sua gênese,

formou estudantes para o mundo do trabalho; ser uma escola de tempo integral; ser uma

instituição possuidora de inúmeros setores responsáveis pela proteção social dos alunos e

pelo apoio às atividades de ensino; ser altamente fragmentada, tanto no que diz respeito ao

seu organograma quanto à disposição dos prédios escolares; ser uma escola cujas

dimensões físicas são avantajadas; ser uma escola com um número expressivo de alunos e,

finalmente, ser uma escola de ensino médio, na qual a pulverização dos campos

disciplinares se faz presente.

Nesse contexto, caberia aos seus professores desenvolver competências pedagógicas

capazes de dar conta de um ensino que possibilitasse aos alunos a melhoria das relações

interpessoais tanto para a vida dentro da escola como para uma inserção mais qualificada

no mundo do trabalho; que relacionasse conhecimento e vida em razão da necessidade de

educar para o mundo do trabalho; que possibilitasse a efetivação de estratégias de

integração dos diversos atores sociais por causa da enorme fragmentação do currículo em

diversos campos disciplinares e da compartimentalização dos seus prédios escolares que

agudizava ainda mais o distanciamento entre os atores escolares; que fosse um ensino

possuidor de experiências ricas de gratuidade e prazer capaz de compensar o desgaste dos

alunos e de apoiar as atividades de ensino propriamente ditas, contribuindo, assim, para a

manutenção da “paz social” dentro da escola e, enfim, que fosse um ensino que tivesse

como prioridade a constituição de valores e a socialização, tão importantes para a formação

do trabalhador. Não há, portanto, como separar o processo de construção dos saberes da

base profissional dos nossos professores de EF da escola como totalidade.

Pensar a formação de professores na escola ao nível do estabelecimento de ensino

equaciona a tradicional dicotomia entre o fenômeno de socialização e o de escolarização.

Permite outra “visibilidade” da dimensão formativa dos contextos educacionais e das

situações de trabalho, abrindo caminho à reconsideração e ao enriquecimento dos estudos

sobre a formação “centrada na escola”, encarando o funcionamento organizacional como

um jogo conflituoso entre atores sociais que participam, de forma permanente, de um

processo coletivo de aprendizagem. Como aponta Canário (1996, p. 71),

(..) ao tomarmos o estabelecimento de ensino como um contexto “globalmente

formativo” para o conjunto dos seus habitantes, poderíamos abrir caminho, por

meio de estudos empíricos, para superar teoricamente a dissociação tendencial

entre a educação de crianças e jovens e a educação de adultos. O processo de

formação de adultos (professores) e jovens (alunos) aparece assim referido a um

mesmo espaço organizacional, a um mesmo tempo e aos mesmos princípios.

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

227

Reforçamos a ideia de que o saber escolar remete-nos geralmente a uma “referência”

exterior a ele; essa referência não se situa sempre ao lado dos saberes eruditos, dos saberes

científicos e teóricos. Existe uma multiplicidade de práticas sociais que podem servir de

referência aos saberes escolares e às aprendizagens escolares: “práticas profissionais,

práticas de comunicação e de sociabilidade’ (Forquin, 1996, p.81). Acreditamos que a EF

escolar e seus professores buscam agir mais em razão das “práticas sociais de referência”

do que em relação aos saberes eruditos e científicos. Os temas da cultura corporal de

movimento, que são objeto de ensino da EF, mostram-se mais diretamente relacionados ao

mundo cotidiano, ao mundo da cultura, ou seja, ao mundo da ação. Sobre essa questão,

concordamos com Perrenoud (2000, p. 92), quando ele afirma que “a noção de práticas

sociais de referência permite às disciplinas, como a EF, a educação artística e a educação

das línguas, denominar que aquilo a que elas se referem não é redutível aos savoir savants.’

Para o referido autor, “todas as disciplinas podem contribuir para a formação geral dos

estudantes, mas algumas são orientadas explicitamente para esse objetivo”.

Concluímos afirmando a necessidade de avançarmos ainda mais em pesquisas que

visem dar visibilidade à pluralidade dos conhecimentos profissionais próprios da

diversidade de culturas profissionais que coexistem no sistema educativo. Os professores de

Educação Física pesquisados demonstraram possuir saberes docentes que trazem as marcas

do seu trabalho. Em seu “quintal”, buscam dar sentido ao seu agir profissional, valendo-se

de um lugar muito bem situado dentro da escola. Enfim, cabe aos professores de EF e à

escola partilhar seus saberes profissionais, tirando-os do seu gueto, a fim de que possam

contribuir mais efetivamente na melhoria das ações educativas no meio escolar.

Notas

1 Esta pesquisa trata-se de uma síntese de minha tese de doutorado, concluída no ano de 2004, dentro do

Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio.

2 Segundo Canário (1996), encarar o estabelecimento de ensino como uma totalidade é diferente de estudar

a totalidade da escola. Para ele, é impossível abarcar, num estudo sociológico, a totalidade da escola.

3 Atribuímos um nome fictício a essa instituição. Vamos denominá-la no texto de CET – Centro de

Educação Tecnológica.

4 Essa denominação dada à instituição onde ocorreu a pesquisa é fictícia.

5 Os nomes Mauro, Leandro e Márcia não correspondem aos nomes verdadeiros dos professores

pesquisados. Essa denominação é também fictícia, pois visa garantir um mínimo de privacidade aos

nossos sujeitos de pesquisa.

6 Para se ter uma ideia da estrutura montada na escola para a produção de um ambiente de ensino que dê

verdadeiramente apoio aos alunos e às práticas desenvolvidas na escola, a escola à época da pesquisa

possuía um contingente de técnicos administrativos, superior ao de docentes. São 166 técnicos contra 131

docentes (ano de 2003).

7 Segundo os dados do relatório produzido pela gerência de apoio ao ensino da escola, sobre o perfil

socioeconômico do aluno dessa instituição, são disponibilizados aos alunos o restaurante, atendimento

JOSÉ ANGELO GARIGLIO

228

ambulatorial, odontológico, psicoterápico, assistência social, biblioteca, alojamento, bolsa-trabalho e

bolsa-alimentação.

8 Outro dado interessante que alimenta e reforça nossa análise diz respeito a como a EF é citada no relatório

socioeconômico produzido pelo setor de assistência social da escola. Nesse relatório, o único componente

curricular citado é a EF. No tópico “assistência ao estudante”, existe um relatório sobre a EF ao lado de

planilhas sobre o funcionamento do restaurante, da biblioteca, das atividades culturais extraclasse, da

atenção médica e dos cuidados dentários. No que tange ao tópico destinado à EF, o documento busca

quantificar as atividades preferenciais dos alunos, a sua frequência e os seus objetivos ao fazerem essa

atividade. No que diz respeito a esses objetivos, a maioria das respostas enfatiza que essas práticas estão

relacionadas às atividades de lazer e a um meio de manter a forma.

9 Além de divulgar com destaque no informativo da escola notas que veiculam as atividades culturais

promovidas pela vida institucional, essa instituição oferece aos seus alunos um leque ampliado de oficinas

extraclasse. São disponibilizadas oficinas de capoeira, coral, teatro, música, cerâmica, jogo de dama e

xadrez, apreciação musical e oficina de plantas medicinais. A escola ainda possui uma galeria de arte onde

diversos artistas da cidade onde está situada o CET alunos, professores e técnicos podem expor seus

trabalhos artísticos.

10 É importante lembramos que, em nossas observações de aula, pudemos perceber que os professores

lançam mão de conteúdos de ensino que se caracterizam por oferecer mais oportunidades para o trabalho

coletivo. Entre esses conteúdos, constatamos que o esporte e os jogos e as brincadeiras têm posição de

destaque. Mais do que isso, os esportes selecionados são na sua totalidade modalidades esportivas de trato

coletivo: handbol, basquetebol, futebol e voleibol.

11 Ao termos acesso ao organograma da instituição, pudemos verificar que essa cultura balcanizada

realmente é presente na sua estrutura organizativa. Constatamos uma divisão administrativa extremamente

complexa com quatro diretorias, subdivididas em múltiplas coordenadorias de área, gerências

educacionais e de planejamento, setores de apoio ao ensino, setores administrativos, conselhos

deliberativos e consultivos, dentre outros.

12 O espaço físico da escola possui peculiaridades que explicam as argumentações dos diretores e dos

especialistas quanto às dificuldades de se ter uma atuação mais integrada por parte dos atores escolares.

Primeiro, a instituição é muito grande, já que possui área total de mais de 326 mil m2 e área construída de

aproximadamente 25 mil m2. Além disso, seu prédio escolar apresenta uma característica peculiar. Não

existe um prédio único onde se concentram todos os setores da escola; ela é subdividida em vários

pavilhões de um andar. Cada pavilhão é destinado a determinado curso (Mineração, Metalurgia,

Edificações), ou a determinado campo disciplinar, laboratórios, biblioteca e a setores administrativos e de

apoio ao ensino. Existem aproximadamente 25 pavilhões espalhados pelo seu terreno em cujas ruas

asfaltadas circulam carros, motos, bicicletas e pessoas. Em nossas observações, pudemos constatar que a

disposição espacial dessa escola torna-se elemento dificultador para a aproximação de seus atores e,

conseqüentemente, para o desenvolvimento de trabalhos pedagógicos mais colegiados.

13 Em nossas observações, pudemos constatar que o CET é a única escola da Rede Federal de Educação

Tecnológica a possuir um laboratório de análises clínicas e um profissional habilitado nessa área. Nesse

laboratório, realizam-se exames de urina, sangue e fezes. Sua presença na escola foi-nos explicada pelo

analista clínico da escola como indispensável em função da necessidade de se cuidar de alunos que

vinham de diversas partes do País. Muitos deles em situações precárias de saúde. Caberia, portanto, a esse

estabelecimento de ensino responsabilizar-se pela constatação das patologias e pelo tratamento médico

desses alunos.

14 Sobre a peso do discurso médico-higienista na constituição do campo pedagógico da EF, ver Paiva (2004).

15 Esse contexto também marcado por uma lógica mais acadêmica pode ser constatado quando nos

deparamos com o quadro de qualificação acadêmica do corpo docente do CET. Dos 152 docentes, três são

Os objetos-condições do trabalho docente de professores de Educação Física (...)

229

doutores, 51 são mestres, 68 são especialistas (Lato sensu), 30 são graduados no ensino superior e apenas

11 possuem o ensino médio completo.

16 O ideário educacional que geraria a prática educativa no ambiente da educação média é norteado pela

cultura humanista, racional, individualista e conteudista, guardando a imagem mais intelectualizada

baseada na importância da formação disciplinar e na aprendizagem verbo-intelectual.

17 Sobre as análises desenvolvidas pelas teorias críticas da EF acerca do fenômeno esportivo, ver Kunz

(1996).

18 A fim de melhor identificar as diferenciações entre a Educação Física e as demais disciplinas, Bracht

(1999) vai argumentar que os saberes transmitidos pela escola provêm, na sua maioria, de disciplinas

científicas ou, então, de forma mais geral, de saberes de caráter teórico-conceitual. O autor entende que,

diferentemente do saber conceitual, o saber de que trata a EF encerra uma ambigüidade ou duplo caráter:

a) ser um saber que se traduz num saber-fazer, num realizar “corporal” pedagógico; b) ser um saber sobre

esse realizar corporal. Betti (1995) participa desse debate concordando com a caracterização proclamada

por Bracht e vai ratificá-la apontando que a ação pedagógica a que se propõe a EF estará sempre

impregnada da corporeidade do sentir e do relacionar -se.

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Correspondência

José Angelo Gariglio: Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional – UFMG

E-mail: [email protected]

Texto publicado em Currículo sem Fronteiras com autorização do autor.