as dimensoes do design grafico vernacular

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7 AS DIMENSÕES DO DESIGN GRÁFICO VERNACULAR uma introdução ao universo dos letreiros pintados à mão Fernanda de Abreu Cardoso Este artigo trata de um tipo de manifestação da cultura popular: a produção de letreiros pintados à mão, que represen- ta uma pequena amostra do universo do design gráfico vernacular. Nele traça-se um perfil dos letristas, profissionais responsáveis pela confecção artesanal de letreiros. Palavras-chave: CULTURA POPULAR. DESIGN GRÁFICO VERNACULAR, PINTOR DE LETRAS, LETRISTA. cer um panorama do processo de produ- ção deste campo. Para tanto, abordare- mos as principais características de seus produtores, os letristas. Design gráfico vernacular versus design gráfico erudito Considerando o design gráfico um produto cultural, ou seja, a resultante material que reflete os padrões e valores de um determinado grupo, podemos di- vidir esse campo de produção em dois Introdução Neste artigo contemplamos o respon- sável pela produção de letreiros pinta- dos à mão, uma das inúmeras expressões gráficas da cultura popular. A produção dessas peças gráficas representa uma pequena amostra do universo do design gráfico vernacular que foi tema de mi- nha dissertação de mestrado intitulada “Design gráfico vernacular: a arte dos letristas”. Pretende-se aqui reproduzir parte do resultado da pesquisa de campo deste trabalho, com o objetivo de forne- Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, vol.2. n. 2, 2005.

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Page 1: As Dimensoes Do Design Grafico Vernacular

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AS DIMENSÕESDO DESIGN GRÁFICO VERNACULARuma introdução ao universo dos letreirospintados à mão

Fernanda de Abreu Cardoso

Este artigo trata de um tipo de manifestação da culturapopular: a produção de letreiros pintados à mão, que represen-ta uma pequena amostra do universo do design gráficovernacular. Nele traça-se um perfil dos letristas, profissionaisresponsáveis pela confecção artesanal de letreiros.

Palavras-chave: CULTURA POPULAR. DESIGN GRÁFICO VERNACULAR, PINTOR DE LETRAS, LETRISTA.

cer um panorama do processo de produ-ção deste campo. Para tanto, abordare-mos as principais características de seusprodutores, os letristas.

Design gráfico vernacularversus design gráfico erudito

Considerando o design gráfico umproduto cultural, ou seja, a resultantematerial que reflete os padrões e valoresde um determinado grupo, podemos di-vidir esse campo de produção em dois

Introdução

Neste artigo contemplamos o respon-sável pela produção de letreiros pinta-dos à mão, uma das inúmeras expressõesgráficas da cultura popular. A produçãodessas peças gráficas representa umapequena amostra do universo do designgráfico vernacular que foi tema de mi-nha dissertação de mestrado intitulada“Design gráfico vernacular: a arte dosletristas”. Pretende-se aqui reproduzirparte do resultado da pesquisa de campodeste trabalho, com o objetivo de forne-

Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, vol.2. n. 2, 2005.

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tipos principais. Um deles, o design grá-fico vernacular, relaciona-se à produçãoda cultura popular, e o outro, o designgráfico culto ou erudito, é relacionado àprodução da cultura erudita. Esses doisgrupos culturais podem ser vinculados àsclasses economicamente dominadas edominantes de uma sociedade; assimpode-se definir a classe social1 dos pro-fissionais envolvidos na produção depeças gráficas como o principal distinti-vo que caracteriza um grupo de produ-tores.

Cada um desses grupos representacampos de produção distintos, cada qualcom suas próprias instituições e instân-cias de produção, reprodução elegitimação, que contribuem para a for-mação e manutenção desses sistemas.Ambos os campos de produção coexis-tem dentro de uma mesma sociedade,possuem linguagens visuais próprias e se

influenciam mutuamente, porém, sãovoltados para atender às necessidades degrupos sociais distintos.

Uma das produções mais marcantesdo design gráfico vernacular consiste nosletreiros pintados à mão. Essas peças desinalização ou propaganda podem ser fa-cilmente encontradas em diversos tiposde negócios e serviços, e apresentam umalinguagem visual característica. Essesletreiros podem ser vistos como conse-qüência de uma condição socioeconômi-ca específica, pois fazem parte de umcampo de produção que se formou paraatender às classes populares, caracteri-zando assim uma produção à margem daoficial. Nesse processo, um dos agentesmais importantes seria o letrista, o res-ponsável pela criação e confecção des-sas peças. Apresentamos em seguida umpanorama da atuação desses profissio-nais.

Figura 1 – Sr. Help

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O letrista

Mediante entrevistas realizadas comletristas e observação direta intensiva desuas atuações, buscamos formar um per-fil desse profissional analisando seu mé-todo de trabalho, a relação com o clien-te, o processo de criação e as técnicas deexecução. Todos os profissionais entre-vistados têm como principal fonte de ren-da a confecção de letreiros pintados àmão. Dessa forma, não foram considera-dos letristas os donos de estabelecimen-tos que fizeram suas próprias placas,mesmo que houvesse algum interessegráfico nas peças. A amostragem do gru-po estudado compôs-se de sete letristas,e as entrevistas foram realizadas no lo-cal de trabalho de cada um, onde pude-ram ser feitos observações e registro fo-tográfico. Os profissionais entrevistadose os bairros em que trabalham são: Sr.

Help (Centro); Neri (Centro); Edu (Ca-tumbi); Joilson (Madureira); Paulo(Madureira); Silvio Smarti (São João deMeriti) e Paulo Castro (Catete).

Os letristas formam um grupo bastan-te heterogêneo: alguns trabalham na rua,outros em casa ou em oficinas, possuemdiferentes níveis de habilidade manual,instrução e tempo de profissão. Entraramnesse meio profissional por vias diferen-tes: alguns aprenderam “sozinhos”, en-quanto outros foram aprendizes deletristas estabelecidos. Muitos deles sãobem-sucedidos na área, outros nem tan-to, tendo como característica comum ofato de exercerem a mesma profissão.

Sr. Help e Neri trabalham nas ruas doCentro da cidade e costumam ocuparsempre o mesmo espaço na calçada queescolheram para seu trabalho diário. Sr.Help (Figura 1), atuante na rua Mem deSá, tem um espaço reservado na calçada

Figura 2 – Maleta e bolsa de Sr. Help

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em frente a uma loja desativada, onde tra-balha diariamente das 8h às 17h. Oletrista na realidade chama-se Aristarco,mas, como considera seu nome muito di-fícil, escolheu esse apelido que, segun-do ele, fica melhor profissionalmente. Sr.Help mora em Belford Roxo, mas traba-lha no Centro da cidade, região onde já éconhecido de todos os comerciantes. Dosentrevistados, é o que tem mais tempo

de profissão: 30 anos. Suas tintas e pin-céis ficam guardados numa maleta coma inscrição “pintor de letras” e o númerode seu telefone (Figura 2); dessa forma,ao organizar seu material, também faz di-vulgação de seu trabalho. Além da male-ta, Sr. Help costuma carregar uma bolsade couro com o anúncio “faixas, placas,92478829”. Os materiais mais pesados,como, por exemplo, lona e madeira paraarmação, ficam guardados em um quar-tinho próximo a seu ponto de trabalho.

Neri (Figura 3), o único entrevistadoque pinta somente letras, ocupa um es-paço em frente a um muro na Rua FreiCaneca. Seu material fica guardado emum carrinho de supermercado, e sua pro-paganda é exposta sobre um grande ca-valete. Daí podemos observar que traba-lhar nas ruas é uma alternativa para osque não têm condições financeiras demanter um espaço de trabalho. Entre osvários inconvenientes, o maior é a im-possibilidade de trabalhar nos dias dechuva.

Salvo esses dois casos, a maioria dosletristas possui espaço próprio para rea-lizar seu trabalho. O ofício exige um es-paço físico razoável, já que alguns letrei-ros têm grandes dimensões, além de serconsiderável a quantidade de tintas, pin-céis, lonas e madeira para armação ne-cessária para reexecutar suas tarefas, quetambém demandam uma mesa. Edu temum ateliê no Catumbi, mas costuma tam-bém pintar no local em que lhe foi enco-mendado o serviço. Paulo de Madureiraestá instalado em um estacionamento(Figura 4), onde aluga uma pequena áreaem meio a alguns mecânicos, e possui

Figura 3 – Neri

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apenas uma mesa e algumas prateleiraspara guardar material. Curiosamente,Paulo Castro construiu um barracão quelhe serve de oficina, também em um es-tacionamento, porém localizado no bair-ro do Catete (Figura 5).

Silvio Smarti é o único entrevistadoque trabalha em sua própria casa, ondetem uma “oficina”. Joilson instalou-se emuma casa de vila em Madureira, cujoamplo espaço lhe permite armazenarmolduras para a confecção dos letreiros.Por vezes, mesmo os letristas que traba-lham em um espaço reservado para seuofício, precisam atuar nas ruas. Espora-dicamente surge uma pintura de muro,parede ou fachada de loja, e a tarefa temque ser feita no local. Também pode

acontecer de a encomenda ser muitogrande e difícil de ser transportada, sen-do necessário confeccioná-la no própriolocal.

Com as visitas aos espaços de traba-lho foi possível constatar que a ativida-de exige certa infra-estrutura, pois, pormais simples que possam parecer, são lo-cais construídos especificamente para arealização adequada da tarefa (Figura 6).Mesmo os que se estabelecem nas ruasconstroem seu ambiente: espalham as tin-tas na calçada, penduram seus trabalhosnas paredes, recebem clientes e fazem suapropaganda.

Com o intuito de verificar como osletristas se vêem como categoria profis-sional, a primeira questão colocada nas

Figura 4 – Entrada do estacionamento em que trabalha Paulo deMadureira

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entrevistas foi a respeito de como deno-minam o que fazem. A resposta mais co-mum foi “pintor de letras” e “letrista”.Outras mencionam: cartazista, propagan-dista, desenhista de propaganda, pintorde faixa, pintor, desenhista e artista. Curi-osamente, nenhum deles se consideradesigner, apesar de terem usado freqüen-temente o termo design para se referirao projeto dos letreiros. Neri, que se con-sidera “pintor de letras”, é o único quetrabalha exclusivamente com letras, nãoutilizando desenhos em seus letreiros.

Quanto ao nível de instrução dosletristas, apenas um concluiu o ensinomédio, três deles têm o ensino médio in-completo, dois completaram o ensinofundamental, e um estudou só até a quartasérie do ensino fundamental. Alguns bus-caram especializar-se como Silvio

Smarti, que fez vários cursos rápidos demarketing e fotografia profissional noSenai, e Paulo de Madureira, que fezcurso de desenho artístico e publicitáriono Senac. Apesar de não haver uma ins-tituição de ensino responsável pela for-mação específica de letrista, alguns bus-cam em áreas correlatas cursos que pos-sam trazer um diferencial para seu tra-balho. A maioria dos letristas relatou es-tar nessa profissão por ter um “dom”,uma vez que já desenhava desde crian-ça, assim descobrindo seu talento artísti-co. No entanto, so ofício de letrista, es-pecificamente a técnica de confeccionarletreiros foi aprendida com outrosletristas, em lojas de placas ou trabalhan-do como aprendizes de profissionais au-tônomos. Apenas Sr. Help e Neri, os doisque trabalham na rua, são autodidatas.

Figura 5 – Paulo Castro em frente a sua oficina

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A área de atuação dos letristas forma-se e se sustenta a partir da demanda cons-tante de tarefas desse gênero. O campode trabalho existe, e nele há profissio-nais qualificados. No entanto, a forma dedeterminar essa qualificação não se dáda mesma forma que na esfera erudita.As instâncias de legitimação do designgráfico popular, tanto as de reproduçãodo conhecimento quanto as de consagra-ção, são outras, diferentes das referentesao design gráfico erudito. No caso da es-fera popular, o profissional é consagra-do por instâncias que consomem seu tra-balho. Esse grupo é formado por donosde lojas, prestadores de serviços, came-lôs, enfim, pelas pessoas que encomen-dam esse tipo de letreiro.

Somado à demanda de trabalho, odomínio da técnica leva os letristas a tra-

balharem sozinhos e como autônomos.Geralmente, depois que aprendem a téc-nica de confeccionar letreiros, os profis-sionais buscam ter seu próprio negócio,que vem a ser mais lucrativo do que acondição de empregado ou ajudante deoutro letrista. De todos os entrevistados,o único que não trabalha por conta pró-pria é Joilson, empregado de uma lojade letreiros.

Outro entrevistado, Edu, tem um aju-dante responsável por montar os quadrosde madeira das placas, comprar materiale fazer contatos para futuros trabalhos.Silvio Smarti conta com a ajuda do filhopara entregar e instalar os letreiros, alémde comprar material. Nesses dois casos,os ajudantes não participam da criaçãodos letreiros, sendo a parte artística deresponsabilidade do letrista. Joilson le-

Figura 6 – Mesa de trabalho de Paulo Castro

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vantou ainda um ponto importante paraa contratação de auxiliares: a questão doestilo de pintura. No caso da loja em quetrabalha, o letrista deve seguir o padrãode pintura pelo qual o estabelecimento éconhecido. Joilson já desenha seguindoesse estilo, mas diz que é difícil treinarum letrista para pintar como ele. Como aclientela já conhece e procura a loja poresse determinado estilo de pintura, todosos letristas devem segui-lo. Fica entãoregistrado o caráter artístico e único dotrabalho do letrista, em que a qualidadedo desenho e da letra tem grande impor-tância.

Quanto à identificação da autoria dosletreiros, foi observado que a maioria dasplacas é assinada pelo artista e inclui otelefone para contato. No entanto, a pro-paganda não é a única função da assina-tura. Alguns letristas encaram seu traba-

lho como obra de arte, e sua assinaturaassume o valor da assinatura de um ar-tista. Paulo Castro declarou que, quandonão gosta do resultado, não assina seunome nem coloca o telefone.

Os únicos que declararam não usarseus nomes para identificar a autoria sãoos que trabalham na rua. Sr. Help, porexemplo, não usa seu nome, pois prefere“ficar anônimo, não gosto de aparecer”,e Neri costuma pintar apenas o númerode seu celular. Os profissionais que atu-am na rua talvez queiram preservar seusnomes, tanto pela forte exposição queessa condição lhes imputa quanto pelofato de seu trabalho não ser legalizado.Joilson, por não ser dono do negócio, éobrigado a usar o nome da loja que ocontrata, “Free Arte”, para identificar ostrabalhos. A assinatura nesse caso não as-sume o papel de identificação do artista,

Figura 7 – Cartão de visitas de Sr. Help

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mas adquire o caráter comercial de di-vulgar a loja.

Também é comum no lugar da assina-tura do letrista o uso de nomes criadospor eles para seu negócio. Paulo Castroinventou o nome “Criarte”, mas antes jáhavia usado “Criarte Letras”, “Arte Le-tras”, “Arte Paulo” e “Paulo Arte”. Oletrista desistiu das opções que tinhamseu nome, pois considera que, em certoscasos, ele deva ser preservado.

O letrista Edu também já havia tenta-do outras assinaturas, como “Arte Edu”e “Eduarte”, antes de assinar simples-mente “Edu”. Essa mudança de nomepode ser observada pela comparação deseus letreiros produzidos em diferentesépocas. Acompanhando o aprimoramen-to de seu desenho, estava a mudança deassinatura. A tentativa de criar créditosque não identifiquem a autoria do letristacomo um indivíduo talvez representeuma tentativa de dar ao negócio um ca-ráter mais formal. Assinaturas como“Criarte” e “Eduarte” sugerem que o le-treiro tenha sido produzido por uma em-presa e não por um indivíduo que traba-lha como autônomo. Outras assinaturasde letristas encontradas foram: “Art”,“Arte Fácil”, “Pintor”, “Art Carlos”,“Carlinhos Letras”, “Ronaldo Arts” e“Carlão Artes”. No entanto, no conjuntode letreiros analisados, o mais comum eraa assinatura do nome do próprio letrista.Também foram encontradas várias pla-cas que só apresentavam o telefone paracontato e outras sem nenhum tipo deidentificação.

A propaganda por meio da assinaturana própria placa mostra-se uma forma

eficiente de divulgar o trabalho doletrista, mas não constitui a única alter-nativa. A maior propaganda dos letristasé seu próprio trabalho, pois é comum queas pessoas interessadas peçam ao donodo negócio o contato do letrista. A maio-ria deles relatou já ser conhecida na re-gião de atuação, sendo freqüente a indi-cação de pessoas do comércio local. Sr.Help disse que a maleta com seu nome etelefone ajuda muito, pois a rua em quetrabalha tem grande movimento de car-ros, não sendo raro o fato de pessoas queparam no sinal pedir seu cartão (Figura7). Neri, que também trabalha na rua,

Figura 8 – Placa Neri

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possui um grande cavalete em que anun-cia “Faixas e Placas” e seu telefone paracontato (Figura 8). Por trabalharem emespaço aberto, ficam sempre em evidên-cia, e eles mesmos são sua maior propa-ganda.

Os outros letristas identificam seu lo-cal de trabalho com faixas ou cavaletespintados por eles próprios na entrada donegócio. No portão da vila em que tra-balha Joilson, encontramos uma placasinalizando o serviço (Figura 9). Na vi-sita seguinte, um ano depois, verificamossua substituição por outra de dimensões

maiores, da qual constavam a reprodu-ção de personagens infantis e a logomar-ca que ele criara para a loja (Figura 10).Paulo Castro pintou no muro do estacio-namento que abriga sua oficina uma enor-me propaganda (Figura 11), uma paisa-gem tipicamente carioca, com os Arcosda Lapa, o Pão de Açúcar, o Cristo Re-dentor e um aviãozinho passando ao fun-do que carrega uma bandeira com ologotipo criado por ele para a “Criarte”e seu telefone. Sua oficina também é todadecorada com seus desenhos. Orgulho-so, disse que o muro era sua maior pro-

Figura 10 – Placa “Free Arte”,registro em nov/2002

Figura 9 – Placa “Free Arte”,registro em nov/2001

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paganda e que várias pessoas paravamali por causa dele, como foi o caso daprópria pesquisadora. A grade na entra-da do estacionamento em que trabalhaPaulo de Madureira também é cobertapor faixas, como podemos ver na Figu-ra 4. Essa forma de anunciar o serviçocostuma trazer resultados. Também é co-mum a distribuição de panfletos e car-tões de visita.

Todos os entrevistados relataram terbastante encomenda, não havendo neces-sidade de fazer outro tipo de propagan-da para buscar mais clientes. Ainda as-sim, apesar da grande demanda por seusletreiros, Edu e seu assistente costumamfazer um trabalho de divulgação três ve-zes por semana. Para isso ele produziuum mostruário com fotos de seus letrei-ros. O letrista relatou que é comum aspessoas não acreditarem que foi ele quemfez os desenhos, pois acham que foi fo-tografado de algum letreiro já pronto eque não foi feito à mão. Além de Edu,Joilson e Paulo de Madureira tambémutilizam mostruário. Alguns donos decomércio declararam que com freqüên-

cia recebem propostas de letristas ofere-cendo seus serviços.

Os letristas costumam trabalhar paraos mais variados tipos de lojas comerci-ais e prestadores de serviços, não sendorotina a especialização em um tipo de ne-gócio. Os mais usuais são loja de mó-veis, sacolão, chaveiro, carrocinha deambulante, restaurante, bar, lanchonete,padaria, açougue, cabeleireiro, eventosem geral, camelô, mecânico, pedreiro,aviário, oficina, peixaria, costureira, la-vanderia, sapataria, creche e estaciona-mento. Enfim, todo tipo de negócio oupessoa que precise anunciar um produtoou serviço, afinal, segundo Paulo deMadureira, “todo mundo depende de pro-paganda”.

Apesar de ser comum encontrar pre-dominância de letreiros de determinadosletristas próximo à região em que traba-lham, todos disseram que recebem en-comendas de outros bairros que não osseus. De fato, os letreiros de Edu (Figu-ra 12), de traço bastante característico,foram encontrados em diversos pontosda cidade nos mais variados tipos de co-mércio.

Figura 11 – Muro pintado por Paulo Castro

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Uma área de atuação interessante, fre-qüentada pela maioria dos letristas, é aconfecção de painéis para festas infan-tis. Apesar de nesse caso a criação nãoser a qualidade principal do trabalho, esseé um segmento bastante valorizado pe-los letristas, pois nele podem mostrartodo seu talento para o desenho, ou seja,sua habilidade para reproduzir persona-gens já conhecidos. Também é recorren-te a reprodução de desenhos em murosde escolas infantis, creches e em bannersde propaganda de peças infantis (Figura13).

A reprodução de personagens comoMickey, Cinderela e Pato Donald é co-mum também em outros contextos quenão sejam relacionados ao universo in-fantil. Algumas vezes esses personagenssão usados em carrocinhas de ambulan-tes e até mesmo em placas de propagan-da dos próprios letristas. Carlinhos doRecreio dos Bandeirantes usa na entradade sua oficina uma placa com o persona-gem Mônica (Figura 14) que teria a fun-ção tanto de ilustrar sua habilidade dereproduzir desenhos quanto de chamar aatenção para seu negócio, em função daalta popularidade do personagem. SilvioSmarti fez questão de deixar claro quesó desenha personagens conhecidosquando é para uso restrito, “tipo um jar-dinzinho de infância”. No caso de lojasou para produção de camisetas, ele nãousa porque “obviamente tem um royalty,a patente registrada, e isso é crime”. To-dos os letristas entrevistados, com exce-ção de Neri, que não trabalha com dese-nhos, e do Sr. Help, afirmaram-se capa-zes de fazer qualquer personagem quelhes seja pedido.

Figura 12 – Letreiro de Edu

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Para tentar compreender um poucomelhor como os letristas lidam com umasituação básica constitutiva do designgráfico, foram feitas perguntas relacio-nadas ao projeto dos letreiros. Inicial-mente foi questionado se utilizavam al-gum tipo de modelo para as letras ou seeles próprios criavam as suas. Para osprojetos mais simples, os letristas costu-mam usar um tipo básico de letra, quepode ser alterado de acordo com o pro-jeto. Joilson tem um padrão de letra paraas faixas caso o cliente não tenha prefe-rência por um determinado estilo. Paulode Madureira, que em geral cria na horaa letra que vai usar, foi um dos poucosque admitiram já ter copiado as letras deum manual de tipografia, mas ressalva

que isso foi quando estava começando etinha pouca experiência. Com o tempofoi memorizando as famílias, as propor-ções e atualmente faz de cabeça. Outroletrista relatou que quando quer inspira-ção procura em revistas letras interessan-tes para copiar.

De maneira geral, cada profissionalcostuma desenvolver um estilo própriode letra que carrega seu traço pessoal.Mediante esse estilo básico, podemosidentificar o autor do projeto, uma vezque essa se torna a característica maismarcante em um letreiro. Esse padrão écriado para facilitar e agilizar o trabalhodo letrista. Em trabalhos mais simples,quando o cliente não especifica o quequer, o letrista costuma seguir o estilo

Figura 13 – Banners para peças de teatro infantil confeccionados porPaulo Castro

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básico. De acordo com as necessidadesdo projeto e o pedido do cliente, a letra éalterada e pode tornar-se mais elabora-da. Edu, que gosta de usar letras bem co-loridas e sombras, afirmou que procuracriar letras novas a cada projeto. Silvioexplica que cada caso é um caso, e

(...) cada tipo de letra é para cadasituação, tá entendendo? (...) porexemplo, vou fazer uma propa-ganda pra uma igreja, eu não vouescrever o nome de Jesus comuma letra daquela como tivesseexplodindo de alegria, nem nada,tá entendendo? Vou trabalhar com

a letra clássica, tá? Se eu vou tra-balhar pra um escritório de advo-cacia, também você não vai tra-balhar com letra manuscrita, vocêvai ter que botar letra romana (...).Então cada caso é um caso. Comovocê bota feliz aniversário, aívocê vai ter que enfeitar o pavão,botar aquele tipo de letra bemengraçada, bem alegre.

Os letristas procuram, então, adequaro tipo de letra ao projeto encomendado.

Buscamos também investigar a influ-ência do uso do computador no trabalhodos letristas, se de alguma forma eleseram influenciados pelas fontes disponí-veis ou se copiavam desenhos de clip-art. Verificamos que os entrevistados nãotêm acesso direto a computadores e quesua criação é toda feita utilizando papele lápis ou ainda diretamente sobre a pla-ca. No entanto, Paulo de Madureira afir-mou que, quando o cliente pede para vero projeto de um letreiro, um amigo faz olay-out no computador. Paulo então faza criação, o amigo desenha no computa-dor seguindo suas indicações, imprime,e ele apresenta para o cliente. Mas o pro-cesso de confecção do letreiro continuasendo artesanal. Paulo relatou fazer issosó quando tem tempo; geralmente faz umesboço na hora usando papel e lápis emostra para o cliente.

Uma das características mais marcan-tes desse modo de produção de letreirosé o fato de a peça ser executada toda àmão, desde a concepção até a execução.Salvo raras exceções, o computador nãocostuma ser utilizado pelo letrista em

Figura 14 – Placa de propaganda doletrista Carlinhos

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nenhuma etapa do processo de produçãode letreiros. O fato de todo o processoser manual influi no produto final, pois oletrista tem maior liberdade de criação,não está restrito a padrões de letras pre-determinados, e seus desenhos carregamseu traço pessoal. Dessa forma, a pintu-ra feita à mão e o não-envolvimento docomputador têm influência no processocriativo. Decerto, todos os letristas têmacesso a todo tipo de informação visualpresente nas ruas de qualquer cidade. Aspropagandas de out-doors, televisão,embalagens, revistas, jornais, etc. apre-sentam grande variedade de imagens queficam gravadas no inconsciente das pes-soas. Não há, portanto, no trabalho dosletristas, intenção de copiar letras ou de-senhos de peças idealizadas e produzi-das por computador, mas sim uma influ-ência natural. De qualquer maneira, comou sem inspiração do computador na eta-pa de criação, o resultado final de umletreiro pintado à mão é determinado pelatécnica artesanal, que lhe confere carac-terísticas particulares.

Freqüentemente, os letristas são soli-citados a criar logomarcas. Os que tra-balham na rua novamente constituem

uma exceção no grupo, pois declararamque os clientes não costumam pedir essetipo de serviço a eles. Neri afirmou que“quem tem as marcas são as lojas, eu sócoloco mesmo”, e Sr. Help informou queé difícil alguém encomendar marcas.

Edu costuma criar várias logomarcase declarou que “não acha difícil”. SilvioSmarti, que tem formação de cursos rá-pidos na área de marketing, revelou serfreqüente criar “(...) logotipo, logomar-ca, slogan, isso aí tudinho (...)”. Comoexemplo desse tipo de criação, podería-mos mostrar as logomarcas produzidaspara o próprio negócio por Paulo Castroe Joilson, que no caso também criou onome da loja. A marca passa então a fa-zer parte de um sistema de identidadevisual, uma vez que também é utilizadanos panfletos de divulgação e cartões devisitas.

Para o cartão de visitas, Joilson pediuque um amigo “escaneasse” seu desenhoe o refizesse no computador. No entan-to, podemos observar na Figura 15 algu-mas diferenças entre o desenho de Joilsone o digitalizado, bem como entre os pró-prios desenhos do letrista para letreirosdiferentes: a tipografia varia nas três re-

Figura 15 – Da esquerda para direita: logomarcas da loja “Free Arte”presentes no letreiro da entrada da vila, no banner da fachada da loja e no

cartão de visitas

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produções da logomarca, assim como seupreenchimento com o padrão das bandei-ras do Brasil e dos Estados Unidos. Naprimeira marca observamos a curva quese forma na base das letras, que não existenos outros desenhos, além da posição in-vertida dos pincéis na paleta. Nessa mar-ca também não existe a imagem da águia.No geral, os elementos que permitemidentificar o desenho como logomarca,o padrão das letras com as bandeiras e apaleta de tinta, foram mantidos. Não setrata, porém, de logomarca que siga pa-drões rígidos para sua reprodução.

A marca de Paulo Castro para a“Criarte” é utilizada na propaganda domuro de seu local de trabalho (Figura 11)e nos panfletos que distribui para os cli-entes. A reprodução e o uso de logomar-cas parecem, então, não ser tão rigoro-sos em letreiros populares. Pelo fato deser feito à mão, o próprio original não étão preciso quanto um original produzi-do em computador, e, ao serem reprodu-zidos, alguns elementos da logomarcapodem ser modificados.

Após a observação de algumas logo-

marcas criadas pelos letristas, pudemosverificar que eles trabalham com concei-tos relativamente simples. No caso dalogomarca para a lavanderia Arte de La-var, (Figura 16), criada por Paulo Cas-tro, algumas letras foram substituídas porpeças de roupas e o fundo é coberto porbolhas de sabão. Edu criou marcas paradiversas lanchonetes, como a Ponto Azul(Figura 17). Nesse caso, o nome do lo-cal é desenhado no rastro deixado porum ponto azul em movimento, marcan-do uma associação explícita entre textoe imagem. No primeiro caso, por maissimples que possa parecer, Paulo traba-lhou com o conceito do serviço ofereci-do por seu cliente. Edu, apesar de ter atécnica de pintura mais apurada, traba-lhou simplesmente com a associação en-tre texto e imagem. Dentro do grupo po-dem ser verificadas diferenças, tanto nonível de elaboração gráfica quanto no decapacidade criativa pelo desenvolvimen-to de logomarcas.

De qualquer maneira, a criação delogomarcas é trabalho com grau de com-plexidade maior do que o simples dese-nho de letras ou ilustrações. Transporconceitos que reflitam valores agregadosao nome de um produto, loja ou empresaexige do letrista uma dose de criativida-de. A capacidade de elaborar logomar-cas pode ser considerada mais um atri-buto do ofício do designer, que tambémfaz parte da qualificação profissional doletrista.

Outro ponto importante para o traba-lho do letrista é a habilidade para o de-senho. De certa forma, as letras tambémpoderiam ser consideradas desenhos; a

Figura 16 – Logomarca de PauloCastro

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habilidade do letrista para ilustração re-presenta, porém, uma circunstância de di-ferenciação importante em seu trabalho.A maior parte dos letreiros analisadoscontinha algum tipo de ilustração, e mes-mo os mais simples costumam apresen-tar desenhos para ilustrar o texto. De to-dos os entrevistados, só Paulo deMadureira fez curso de desenho; os ou-tros cinco letristas que trabalham comdesenhos relataram ter um dom e já de-senhar desde criança.

A maioria dos letristas relatou quecostuma desenhar “de cabeça”, sem co-piar de um original. Sr. Help disse que,quando o cliente pede um desenho maisdifícil, ele copia de algum lugar. Com otempo, da mesma forma que desenvol-vem uma letra básica para suas placas,os letristas formam também um repertó-rio de desenhos mais pedidos, que sãoexecutados facilmente.

Como os projetos são personalizados,buscamos saber se os letristas usam al-gum tipo de esboço para apresentar aocliente antes de começar a pintar. Nova-

mente, Sr. Help e Neri disseram que seusclientes não costumam pedir para ver ne-nhum projeto. Neri declarou que “(...) apessoa vem com o papel na mão e eu doua idéia de cabeça na hora”. Os outros pro-fissionais afirmaram que depende decada projeto, mas que só fornecem es-boço se o cliente pedir. Os letristas pos-suem também métodos diferenciados deapresentar a idéia ao cliente. Paulo Cas-tro oferece uma miniatura, em que só de-senha as letras, feita no próprio materialem que o letreiro vai ser confeccionado.

Edu, cujos clientes não costumam pe-dir para ver o trabalho, faz o desenho porele mesmo. Silvio Smarti declarou que ocliente que já o conhece tem “umaconfiabilidade”, mas, se pedir para fazerum esboço, ele faz. Outros letristas tam-bém mencionaram confiança e credibili-dade por parte do cliente, ou seja, suaconfiança na capacidade do letrista deelaborar um bom trabalho. Assim, não écomum a apresentação do esboço paraque o cliente veja se a idéia está de acor-do com o que ele pediu e verifique pos-

Figura 17 – Logomarca de Edu

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síveis erros. É usual que os clientes for-neçam o texto e deixem o resto por con-ta da criatividade do letrista, só vendo o

resultado na placa já pronta.Como o letrista cobra por seu traba-

lho? Mais uma vez, cada profissional temsua forma. Alguns cobram pelo tamanho,outros de acordo com o material utiliza-do, grau de dificuldade, instalação ou tipo

de cliente. De maneira geral, o preço doletreiro varia em função do tamanho, in-dependente de ter somente letras ou de-senho, mas pode variar de acordo com oprojeto.

Na loja em que trabalha Joilson, es-

tão fixadas na parede três placas de dife-rentes tamanhos com os preços corres-pondentes desenhados. A estrutura emmadeira para esse tipo de placa já é com-prada pronta. O letrista explicou que, nes-sas placas padrão, podem ser pintados

letras e desenhos pelo preço predetermi-nado. O cliente escolhe o que quer queseja feito naquele espaço. Em trabalhosde outros tamanhos ou materiais, o pre-ço varia de acordo com o projeto.Paulo de Madureira costuma cobrar por

metro linear, mas, se o desenho for mui-to trabalhado ou tiver que ser colocadoem escala, o preço aumenta.

Após a comparação dos preços quecada um dos letristas entrevistados co-braria para confeccionar um mesmo le-

treiro, observamos que existe grande va-riação entre eles, de até 150% entre ospreços fixados por Paulo de Madureirae Edu.

O material usado pelos letristas é que-

sito importante no cálculo de preço, poisexige um investimento de capital porparte do letrista antes de iniciar o traba-lho. Paulo Castro revelou estar usandouma tinta fluorescente que ganhou e,como é mais cara do que as outras quecostuma usar, só faz detalhes com ela ecobra um pouco mais do que quando usasuas tintas habituais. Os materiais mais

utilizados são lona, ráfia e tecido, vari-ando de acordo com as necessidades docliente. Edu e Paulo Madureira trabalhamem geral com tinta vinílica fosca, que nãosai com água. Como algumas placas cos-tumam ficar expostas nas ruas e preci-

sam ser limpas constantemente, é impor-tante que a tinta tenha boa fixação e du-rabilidade. Sr. Help costuma comprar omaterial para suas placas, embora possa,às vezes, aproveitar um pedaço de ma-deira que já tenha ou pedir ao cliente que

forneça o material. Há até quem peçapara pintar a placa sobre outra, antiga,reaproveitando, dessa forma, material.

A análise das declarações colhidas ementrevistas permite perceber que os

letristas não constituem uma categoriaprofissional homogênea. Podemos con-cluir, ainda, que os dois entrevistados quetrabalham na rua têm perfil bastante di-ferente daquele que caracteriza os quepossuem seus espaços de trabalho e, por

meio de observações, comprovamos asdiferenças existentes dentro da área deatuação. Sr. Help e Neri não usam seusnomes nas placas, talvez por sua situa-ção pública e irregular; são os que têm ograu de instrução mais baixo e aprende-

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ram o ofício sozinhos. Além disso, co-bram os preços mais baixos, e suas pla-

cas são mais simples em termos de ela-boração gráfica; não criam logotipos,sendo que Neri nunca trabalha com de-senhos.

Os demais letristas, que possuem es-paço de trabalho, poderiam ser conside-rados mais bem sucedidos e teriam seutrabalho mais valorizado na área de con-fecção de letreiros artesanais. De todosos entrevistados poderíamos dizer queEdu é o mais bem sucedido do grupo. Oletrista conta com a ajuda de uma pessoaencarregada da parte “não artística” dotrabalho, usa um sistema de divulgaçãointensiva de seus letreiros, trabalha emateliê próprio, cobra os preços mais al-tos e tem a técnica de pintura mais apu-rada. Por ser muito requisitado, seus le-treiros podem ser encontrados nos maisdiversos bairros da cidade. Percebemos,então, que na esfera informal existe tam-bém uma estratificação dos profissionais,que é marcada pela forma de legitimaçãotanto dos clientes quanto da qualificaçãodesses profissionais.

Silvio Smarti, que trabalha na área há25 anos, termina sua entrevista falandosobre o trabalho do letrista em nossa so-ciedade, onde tudo é informatizado epadronizado:

É isso aí, é o que eu estou te fa-lando. A minha época é outra, éuma época mais romântica da pro-paganda. A gente aprendia as coi-sas como elas devem ser. A inclu-são do computador é obvio queveio pra melhorar e agilizar mui-

tas coisas, mas também perdeuum pouco do romantismo das coi-sas, da alma, por exemplo, hojetem um corte eletrônico, né? Umcorte de adesivo, acabou um pou-co com o artista que trabalhaartesanalmente. (...)Às vezes osmeninos têm um dom bom, enten-deu, como eu tinha alunos ótimos,mas preferia procurar no compu-tador, pesquisar o tipo de letra queele tinha que botar na escala,quanto ele tinha que aumentar,ele não usava a criatividade dele.

NOTA

1 Denominamos classe social o grupo, ca-mada ou estrato social que em sociedadesestratificadas se organiza e cuja formaçãorecebe influência direta da divisão do tra-balho no modo de produção capitalista. Porextensão, entendemos classe popular eclasse alta como grupos distintos de pes-soas que se diferenciam dos integrantes dosoutros grupos por suas ocupações, costu-mes, opiniões, tendências e outros valoresculturais.

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Fernanda de Abreu Cardoso é doutorandae mestre em Design pela PUC-Rio e gradua-da em Desenho Industrial pela Esdi/Uerj(1998), além de professora do curso de ArtesVisuais da Faculdade Pestalozzi.