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AS CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS CULTURAIS NOS ESTUDOS SURDOS E AS IMPLICAÇÕES PARA SE REPENSAR A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS Vanuza Aparecida de Souza 1 ; Vanilda Aparecida de Souza 2 ; Vilma Aparecida de Souza 3 INTRODUÇÃO Apesar da forte recorrência de discursos que reconhecem a especificidade linguística das pessoas surdas, ao valorizarem o uso da Língua de Sinais, na prática escolar ainda predominam as manifestações culturais dos ouvintes, distante de uma perspectiva intercultural capaz de superar alguns desafios e paradoxos da educação inclusiva para esse grupo. Partindo desse pressuposto, a pesquisa teve como objetivo discutir sobre as relações entre surdos/ e ouvintes numa escola inclusiva, pautando-se nas contribuições teóricas dos Estudos Culturais e dos Estudos Surdos. Metodologia Em relação aos procedimentos metodológicos, foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca da temática. No primeiro momento, discute-se as contribuições dos Estudos Culturais nos Estudos Surdos e as implicações para se repensar a educação das pessoas surdas. Em seguida, dedica-se a discussão acerca dos limites da prática pedagógica na educação de surdos, tratando da questão do fracasso das práticas pedagógicas no processo de escolarização de pessoas surdas. Por fim, são apresentadas algumas considerações sobre a contribuição dos estudos surdos para o redimensionamento da prática pedagógica inclusiva. Resultados e Discussão 1 Diretora Escolar da E. M. Professor Oswaldo Vieira Gonçalves - Rede Municipal de Ensino de Uberlândia-MG e tutora do tutora do Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial (CEPAE). Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia- FACIP - Faculdade de Ciências Integradas do Pontal. Professora formadora do Curso de Aperfeiçoamento Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado. Membro do Grupo de Pesquisa GEPEPES - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Professora do Atendimento Educacional Especializado da E. M. Professor Oswaldo Vieira Gonçalves -Rede Municipal de Ensino de Uberlândia-MG. 3 Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia- FACIP - Faculdade de Ciências Integradas do Pontal. Professora formadora do Curso de Aperfeiçoamento Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado. Membro do Grupo de Pesquisa GEPEPES - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia

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AS CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS CULTURAIS NOS ESTUDOS

SURDOS E AS IMPLICAÇÕES PARA SE REPENSAR A EDUCAÇÃO

DAS PESSOAS SURDAS

Vanuza Aparecida de Souza

1 ; Vanilda Aparecida de Souza

2; Vilma Aparecida de

Souza3

INTRODUÇÃO

Apesar da forte recorrência de discursos que reconhecem a especificidade linguística das

pessoas surdas, ao valorizarem o uso da Língua de Sinais, na prática escolar ainda

predominam as manifestações culturais dos ouvintes, distante de uma perspectiva intercultural

capaz de superar alguns desafios e paradoxos da educação inclusiva para esse grupo. Partindo

desse pressuposto, a pesquisa teve como objetivo discutir sobre as relações entre surdos/ e

ouvintes numa escola inclusiva, pautando-se nas contribuições teóricas dos Estudos Culturais

e dos Estudos Surdos.

Metodologia

Em relação aos procedimentos metodológicos, foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca

da temática. No primeiro momento, discute-se as contribuições dos Estudos Culturais nos

Estudos Surdos e as implicações para se repensar a educação das pessoas surdas. Em seguida,

dedica-se a discussão acerca dos limites da prática pedagógica na educação de surdos,

tratando da questão do fracasso das práticas pedagógicas no processo de escolarização de

pessoas surdas. Por fim, são apresentadas algumas considerações sobre a contribuição dos

estudos surdos para o redimensionamento da prática pedagógica inclusiva.

Resultados e Discussão

1 Diretora Escolar da E. M. Professor Oswaldo Vieira Gonçalves - Rede Municipal de Ensino de Uberlândia-MG e

tutora do tutora do Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial (CEPAE). Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia- FACIP - Faculdade de Ciências Integradas do Pontal. Professora formadora do Curso de Aperfeiçoamento Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado. Membro do Grupo de Pesquisa GEPEPES - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Professora

do Atendimento Educacional Especializado da E. M. Professor Oswaldo Vieira Gonçalves -Rede Municipal de Ensino de Uberlândia-MG. 3 Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia- FACIP - Faculdade de Ciências

Integradas do Pontal. Professora formadora do Curso de Aperfeiçoamento Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado. Membro do Grupo de Pesquisa GEPEPES - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia

A partir do mapeamento discursivo realizado neste trabalho, os resultados apontam que os

Estudos Culturais emergem em meio às movimentações de grupos sociais inspirados num

sentimento que rompe com o fluxo das assim chamadas alta cultura para a baixa cultura,

contestando aqueles que se interpõem, ao longo dos séculos, às possibilidades de uma cultura

pautada por oportunidades democráticas, assentada na educação de livre acesso (COSTA,

2000). Nessa direção, os Estudos Culturais, no rompimento da concepção elitista de cultura,

que admite um único ponto central de referência para os estudos da cultura. Nessa

perspectiva, os Estudos Culturais tem como questão central desfazer os binarismos tão

fortemente sedimentados nas epistemologias tradicionais (COSTA, 2000, p. 14), por meio de

um projeto político de oposição, e suas movimentações “sempre foram acompanhadas de

transtorno, discussão, ansiedades instáveis e um silêncio inquietante” (HALL apud COSTA;

SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 39). Uma das fortes marcas dos Estudos Culturais é a sua

identidade cambiante e fluida, tentado com isso não reduzir-se aos limites de uma disciplina

acadêmica no sentido tradicional. Ao contrário, uma peculiaridade dos Estudos Culturais diz

respeito a sua dispersão teórica e metodológica (COSTA, 2000). Os Estudos Culturais

apresentam um conjunto de abordagens, e reflexões situadas na confluência de vários campos

já estabelecidos, servindo de inspiração para diferentes teorias que tem como intuito romper

com as lógicas cristalizadas e concepções consagradas (COSTA; SILVEIRA; SOMMER,

2003, p. 40). Os Estudos Culturais encontraram campo fértil nas artes, nas humanidades e nas

ciências sociais, a partir das contribuições iniciais de importantes pensadores sociais dos

meados do século XX, como Louis Althusser e Antonio Gramsci, juntamente com as análises

culturais de Raymond Williams, Richard Hoggart, Edward P. Thompson e Stuart Hall,

vinculados às iniciativas da Nova Esquerda, que constituíram a primeira linhagem de análises

culturais contemporâneas identificadas como Cultural Studies (COSTA; SILVEIRA;

SOMMER, 2003). O campo de discussões dos Estudos Culturais não é passível de uma

delimitação especifica, considerando seu caráter cambiante e flexível. Nesse campo

investigativo cambiante e diversificado, os Estudos Culturais fundamentados a partir da

vertente pós-estruturalista, destacam-se vários estudos marcados pela constante inquietude e

militância, por uma preocupação em não apenas compreender o mundo, mas principalmente

em modificá-lo. Trata-se de uma crítica que Alfredo Veiga-Neto costuma denominar de

hipercrítica (VEIGA-NETO, 2000). A partir dessas contribuições, a matriz teórica dos

Estudos Culturais serviu de referencial para os Estudos Surdos, que toma como pressuposto o

conceito sócio-antropológico de surdez, que reconhece que o sujeito surdo como alguém

diferente, com identidade e cultura próprias e distintas. A perspectiva dos Estudos Culturais,

que redimensionaram o significado de cultura, representa um espaço em que possibilita uma

nova concepção de surdez, uma concepção que deve ser reconhecer a identidade e a diferença

da pessoa surda numa dimensão cultural e socialmente produzida e, como tal, deve ser

questionada e problematizada, no sentido pensar e experimentar novos arranjos e novas

práticas sociais que podem melhorar as condições dessa pessoa surda de estar no mundo

(VEIGA-NETO, 2000). A partir dessas considerações, a discussão da educação de surdos

encontra terreno fértil nos pressupostos dos Estudos Culturais, possibilitando o

reconhecimento do surdo, de sua cultura e de sua língua próprias. Uma cultura que apresenta,

assim como qualquer outra, um modo de vida que demanda uma educação bilíngüe e

multicultural (SÁ, 2002). Os Estudos Surdos surgiram nos movimentos surdos organizados,

reconhecidos como um dos diferentes territórios de investigação na esteira dos Estudos

Culturais, como uma de suas ramificações, uma vez que enfatizam as questões das culturas,

das práticas discursivas, das diferenças e das lutas por poderes e saberes (SÁ, 2002). Sua

produção vem contribuindo com pesquisas na área da educação de surdos, tendo como foco

de investigação as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte, as

comunidades e as culturas surdas, compreendidas a partir da diferença e do seu

reconhecimento político (SÁ, 2002). Em relação à concepção de surdez, os Estudos Surdos

contrapõem-se à interpretação da surdez definida como deficiência, que concebe a pessoa

surda a partir da ótica da deficiência, da limitação. De acordo com os Estudos Surdos, a

comunidade surda, enquanto grupo organizado culturalmente não se define como

“deficiente”, mas reconhecem-se como pessoas com identidades e culturas próprias. Os

Estudos Surdos procuram enfatizar a diferença, e não a “deficiência”. Para essa concepção de

surdez, o que define a comunidade surda não é apenas a deficiência da audição. Outros

aspectos como a questão cultural e linguística devem ser considerados. Sá (2002) ressalta que

a definição da surdez pelos surdos passa muito mais por sua identidade grupal do que pela

característica física que pretensamente é utilizada para considerá-los “menos” capazes do que

os indivíduos ouvintes, reforçando o velho binarismo tão contestado pelos Estudos Culturais.

Além disso, os Estudos Surdos em educação buscam problematizar questões que sempre

foram silenciadas. Uma das questões centrais para os Estudos Surdos as representações

hegemônicas e “ouvintistas” sobre as identidades surdas. Segundo Skliar (1998),

“ouvintismo” refere-se ao um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o

surdo passa a apropriar-se como se fossem suas, o que denuncia uma relação de poder

desigual entre dois ou mais grupos, baseando na idéia de “colonialismo”, na qual um não só

controla e domina o outro como ainda tenta impor sua ordem cultural ao grupo dominado

(SÁ, 2002). Retomando Hall (2009, p. 88-89), “as pessoas carregam traços das culturas, das

tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas”. Partindo

desse pressuposto, a educação das pessoas surdas merece ser alvo de reflexões e debate, no

sentido de desvelar seus limites para que novas possibilidades possam melhorar suas

condições de estarem no mundo. As políticas de inclusão prevêem que os surdos devem ser

inseridos em escolas regulares, passando a conviver em turmas de alunos ouvintes. No

entanto, tais políticas não prevêem ações no sentido de assegurar as condições necessárias de

reconhecimento da cultura surda. Além dos aspectos da inclusão escolar, torna-se igualmente,

ou mais, importante discutir a efetiva inclusão social da pessoa surda, por meio de ações de

reconhecimento e divulgação da LIBRAS, o investimento do poder público na formação de

intérpretes e de professores. Uma análise da realidade brasileira permite observar que a

maioria das escolas de surdos não tem ensino de LIBRAS. Outras escolas permanecem

adotando a filosofia do Oralismo. E algumas “aceitam” a Língua de Sinais, mas na prática

não a utilizam e não a reconhecem como a língua do aluno surdo (SILVEIRA, 2006). Estudos

no campo dos Estudos Surdos e também no campo mais amplo dos Estudos Culturais

evidenciam que a LIBRAS, por ser a língua do aluno surdo, deve ser ensinada nas escolas

para os surdos, por constituir um elemento importante no processo de construção das

identidades surdas. Diante disso, nos Estudos Surdos, o bilínguismo-bicultural apresenta-se

como uma possibilidade na formação dos sujeitos surdos, uma vez que reconhece a Libras

como a língua própria deles. Tal tendência vem dando um novo redimensionamento na

educação dos surdos. A proposta bilíngue considera a Língua de Sinais como a primeira

língua do surdo e o português, ou a língua do país a que pertence como a segunda língua

(PEDREIRA, 2007). Apesar dos avanços em pesquisas, vale destacar que ainda é preciso

romper com concepções de surdez, cristalizadas ao longo da história da educação, que tendem

a subestimar a capacidade das pessoas surdas. Ou seja, muitos aspectos na educação dos

sujeitos surdos ainda precisam ser analisados, apesar dos avanços conseguidos através da

proposta bilingue-bicultural. Enfim, na maioria das escolas regulares que se dizem

“inclusivas” presencia-se uma situação onde o surdo se “silencia”. Não basta a promulgação

de leis que assegurem o direito do surdo de ser incluído em uma sala de aula regular, é preciso

mais que isso. Por fim, torna-se importante reconhecer que a educação de surdos mantém-se

em uma arena de lutas. Muitas questões continuam indefinidas e não se pode perder de vista

que a história dos surdos deve ser mais produto de resistência que de acomodação. Para isso, é

imprescindível o reconhecimento do surdo enquanto autor de uma cultura e de uma língua

distinta, que deve ser reconhecida, assim como qualquer outra.

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