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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL

    Rua Curitiba, 832 - 9 andar - Centro - 30.170-120 - Belo Horizonte, MG - Brasil - Telefone: (031)3201-3253 - Fax(031)3201-3657

    1

    CEDEPLAR

    As Contradies do o: Globalizao,

    Nao, Regio, Metropolizao

    Francisco de Oliveira

    Novembro de 2004

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    CEDEPLAR

    As Contradies do o: Globalizao, Nao, Regio, Metropolizao.

    Francisco de Oliveira

    Pos e Pes, Questo de Opinies.

    Guimares Rosa.

    Direto ao ponto: a globalizao entendida aqui como o processo pelo qual

    o capital-dinheiro na forma da moeda hegemnica o dlar

    norteamericano - se coloca como pressuposto e resultado de todas as

    economias nacionais. Porisso, Chesnais a chama de mundializao do

    capital.1 E claro que esse colocar-se como pressuposto e resultado

    mais visvel nas economias sub-mundiais, que o nome novo das antigas

    periferias capitalistas. Pois todas so, agora, formas da diviso espacial do

    capital. Enquanto espaos como o da Unio Europia guarda, ainda, e

    provavelmente a ampliar, autonomia em relao moeda hegemnica,

    condio de que dispute com esta o estatuto de moeda mundial, ou pelo

    menos desempenhe o mesmo papel. Mas isto no verdade nem para o

    Japo, nem para a China, nem para a ndia, espaos-economias sub-

    mundiais. Parece paradoxal: mas o Japo aplica seus prprios excedentes

    monetrios nos ttulos da dvida norteamericana, pelo que se pode dizer que

    o dlar pressuposto e resultado tambm para a economia nipnica. Em

    relao China e ndia, os mastodontes emergentes que esto mudando a

    diviso mundial do trabalho, ento nem se pode pr em questo: ambos se

    alimentam do mercado de oferta de capitais para alavancar suas

    formidveis expanses, e o dlar volta como resultado na forma das

    exportaes chinesas de manufaturados e das exportaes indianas de

    servios. O que no quer dizer que suas prprias formas de capital-

    1 Franois Chesnais, A Mundializao do Capital.

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    dinheiro, no futuro, no possam libertar-se da forma dlar,mas quer dizer

    que tambm, nesta hiptese, funcionaro como moedas globais; comrcio

    apenas no transforma uma moeda nacional em mundial: requer-se que ela

    funcione como reserva de valor mundial, ou nos velhos termos leninistas,

    seja uma moeda imperialista.

    No se inclui entre os mastodontes a Rssia, embora seu tamanho pudesse

    ser um critrio que a juntasse China e ndia. Mas a economia russa no

    encontrou, ainda, seu nicho na expanso capitalista do novo ciclo

    mundializado. Fora a exportao de comodities como o petrleo, e sua

    fora em uns poucos setores, como a produo aeronutica, e o que lhe

    resta de fora militar, a Rssia permanece imersa num turbilho de

    acumulao primitiva a converso de uma economia que Kurz chamou de

    socialismo de caserna2 em economia capitalista por vias gangsters, um

    problema poltico irresoluto, que brevemente se estabilizar no patamar da

    dissoluo do antigo imprio tzarista-sovitico. Mesmo sua notvel faanha

    espacial no lhe d um lugar especial na mundializao, tendo em vista que

    bens espaciais no tm demanda mundial para convert-la em

    exportador. E a exportao de capitais da Rssia irrelevante.

    neste sentido que existe uma acumulao comandada pelo capital-

    financeiro, ou uma acumulao dominncia financeira , como quer

    Chesnais, mas nunca no sentido estrito de que a valorizao do capital

    deixa de passar pelo sistema produtivo.Ou dizendo de outra forma: a forma

    financeira descolou-se da forma capital-produtivo, e a diviso mundial do

    trabalho agora comandada pela oferta de capital-dinheiro, que escolhe as

    localizaes espaciais do capital-produtivo.

    2 Robert Kurz, O Retorno de Potemkin

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    O que quer dizer capital-dinheiro hegemnico como pressuposto e

    resultado dos produtos das economias sub-mundiais ? As dvidas

    externas das economias sub-mundiais respondem parcialmente questo:

    em antigas periferias como as latinoamericanas, e o Brasil um caso

    exemplar, a dvida externa uma espcie de adiantamento sobre o produto

    futuro, que o caso de todo crdito, necessria porque a moeda nacional

    no tem mais a qualidade de reserva de valor. Sobretudo porque o processo

    de acumulao do capital-produtivo foi lanado a uma carreira como

    reproduo ampliada para a qual o capital-dinheiro nacional no tem

    potncia, pois ele no compra o progresso tcnico Labini3 que

    imposto pela mundializao da diviso do trabalho.

    No caso das economias como a da China e a da ndia, a dvida externa no

    aparece como o cordo umbilical a lig-las mundializao, e parece no

    serem economias sub-mundiais- os seus tamanhos exercem uma espcie de

    efeito tico que distorce a real subordinao diviso espacial do capital-

    dinheiro . Isso acontece porque esto internalizando os prprios capitais-

    mundiais, como investimentos diretos, inclusive como joint-ventures, e

    assim se ligam diretamente ao capital-produtivo, enquanto as antigas

    periferias latinoamericanas o fazem atravs da dvida externa.H, ainda, um

    forte contrle poltico dessa internalizao da mundializao do capital,

    enquanto nas periferias latinoamericanas a devastao neoliberal

    apequenou os estados nacionais, que j so presas fceis dos

    constrangimentos externos, e j sofreram a desterritorializao da

    poltica.Ento a mundializao , de fato, a espacializao do capital-

    produtivo determinada pelo capital financeiro.

    3 Sylos Labini, Oligoplio e Progresso Tcnico.

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    A mundializao uma via de duas mos.Se as dvidas externas e as

    exportaes de mercadorias e servios so a mo que vai das antigas

    periferias e dos novos mastodontes para o centro, este emite, atravs da

    dvida externa dos USA, o capital-dinheiro que colocar em ao os

    capitais que operam aquelas economias sub-mundiais.A mundializao

    tornou insubstituvel, para os USA, sua dvida externa como exportao de

    capitais, que aparece invertida pois dvida , e as exportaes de

    mercadorias e servios e importao de capitais pelas economias sub-

    mundiais, mas no so exportaes de capitais. A taxa de lucro da

    economia norteamericana que regula o movimento da competitividade

    mundial, e porisso as antigas periferias vem-se devastadas por recorrentes

    crises fiscais, na forma dos supervits primrios, enquanto os novos

    mastodontes respondem na forma de excepcionais taxas de crescimento que

    encobrem uma formidvel taxa de explorao da fora de trabalho para

    lograr a perequao da taxa de lucro exigida pela sua prpria

    mundializao.Num caso, a mundializao opera como restrio ao

    crescimento, noutro ela o exponencia, sob graves restries polticas.Alis,

    o crescimento da taxa de explorao condio sine qua non para todos

    que correm atrs no processo acelerado e descartvel do progresso tcnico-

    cientfico que a forma tcnica da acumulao de capital. China e ndia

    beneficiam-se de sua extensssima fora de trabalho e criaram a miragem

    de formidveis aumentos da produtividade do trabalho, na verdade

    comandada pela combinao de progresso tcnico e execrveis

    salrios.Todo o resto da periferia corre atrs dessas miragens.Tal

    perseguio impe a destruio dos precrios direitos do trabalho,

    conquistados a duras penas nas periferias latinoamericanas, logrados, na

    verdade, ao preo das ditaduras modernizadoras, como as de Vargas e dos

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    militares do ciclo 1964-1984 no Brasil.Mesmo na Europa Ocidental, me

    do Estado do Bem-Estar, observa-se uma regresso, em forma ainda

    atenuada, do componente indireto dos salrios reais. Parece haver uma

    relao, ainda no compreendida teoricamente, entre a acumulao

    dominncia financeira e crescimento da taxa de explorao da fora de

    trabalho.

    Nao perifrica e mundializao

    O termo-conceito periferia , elaborado por Prebisch e sua Cepal4, descrevia

    e interpretava uma diviso internacional do trabalho que se sustentava na

    assimetria entre produtores de manufaturados e produtores primrios. De

    qualquer modo, a periferia se sustentava numa capacidade tnue, mas

    ainda assim efetiva, de realizar polticas autnomas, viabilizada pela no-

    conversibilidade de suas moedas e pelo papel determinante do capital-

    produtivo no cenrio internacional. O perodo de ouro de Bretton Woods de

    alguma maneira preservava essa autonomia relativa, no sistema chamado

    dlar-ouro, que supunha uma regra monetria reguladora, com flutuaes

    em torno do eixo principal de uma relao fixa ouro-dlar nos USA.5Um

    sistema que fornecia previsibilidade no mdio prazo. A periferia

    latinoamericana utilizou pro domo suo sua irrelevncia monetria mundial :

    atravs sobretudo de polticas fiscais e coero estatal, criou o novo lugar

    do Estado na economia, inaugurado pelo objetivo de polticas anti-cclicas

    que retirassem a economia da severa depresso dos anos Trinta, que na

    Amrica Latina deu lugar ao desenvolvimentismo.

    4 Ral Prebisch, e Octvio Rodriguez,5 Ver Robert Solomon, ; Fernando J.Cardim de Carvalho, A Influncia do FMI na Escolha dePolticas Macroeconmicas em uma Economia Emergente: O Caso do Brasil, in Joo Sics, Jos LuisOreiro e Luiz Fernando de Paula (orgs.) Agenda Brasil.Barueri, SP.Manole/Konrad Adenauer Stiftung,2003.; e Francisco de Oliveira, Os Sentidos do Capital ps-Bretton Woods.

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    O termo-conceito periferia j no tem capacidade heurstica para

    descrever e interpretar a mundializao, e usado agora para designar uma

    imagem apenas ideal de uma economia-mundo no dizer de Immanuel

    Wallerstein e Octvio Ianni6 de crculos concntricos, mas j no

    descreve a relao.Mastodontes como China, ndia, Brasil, Rssia,

    Indonsia, e Mxico e frica do Sul, em certa medida, ainda aparecem

    como economias sub-mundiais, mas a grande maioria comparece apenas

    como localizaes aleatrias do capital mundializado, o que embaralha a

    diviso mundial do trabalho. A Microsoft est em Costa Rica, em sua nica

    unidade fora dos USA: o pequeno pas da Amrica Central uma periferia

    dentro do centro ou o centro dentro da periferia ? E porqu ele foi

    escolhido para sediar esse objeto do desejo de toda a periferia ? No h

    nenhuma razo, ancorada na velha diviso internacional do trabalho, nem

    nas teorias locacionais de custos comparativos, nem de fontes de matrias-

    primas. Apenas a escolha da prpria empresa, e o uso do Estado como

    capital-financeiro: o novo estado latinoamericano uma plataforma

    financeira e os pases convertem-se em plataformas de exportaes. O

    conceito de periferia supunha o Estado-Nao.

    A desterritorializao operada pela mundializao escandiu o Estado-

    Nao perifrico.Resta o Estado e quase desaparece a Nao; onde esta

    persiste, fora da predominncia do Estado na velha juno dos termos:

    caso dos mastodontes.A iluso de tica elaborada pela doutrina neoliberal

    do Estado mnimo esconde, na verdade, um Estado mximo, que opera o

    contrle da fora de trabalho rebaixando o estatuto dos direitos e

    propiciando as condies institucionais para a elevao da taxa de

    explorao; e de outro lado uma forma de capital-financeiro para o capital

    6 Ver Imannuel Wallerstein, e Octvio Ianni, Enigmas da Modernidade-Mundo.

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    mundializado, atravs das isenes, subsdios e toda sorte de incentivos.

    A dvida interna esse capital-financeiro que sustenta a extravagncia da

    quase-conversibilidade monetria e a assuno, por parte do Estado, do

    risco cambial inerente a um regime de cmbio flutuante. Da a recorrente

    poltica fiscal restritiva, que na outra ponta restringe o crescimento

    autnomo.

    A desterritorializao uma desnacionalizao da poltica e uma

    despolitizao da economia; mais que um trocadilho sem graa, o primeiro

    termo se refere transferncia para o mbito das instituies financeiras

    mundiais das formulaes de poltica econmica, moeda,cmbio e fiscal,

    principalmente, mas no menos o estatuto da propriedade pblica e

    privada. Atravs das instituies da chamada governana mundial, FMI,

    BIRD e OMC, impem-se as condies de monitoramento, coadjuvadas

    por organizaes privadas, ligadas ao sistema financeiro-bancrio, que

    julgam o estado de risco das economias sub-mundiais.Bem observadas,

    tais instituies arbitram e estabelecem as condies da competio entre

    as diversas formas do capital mundial, produtivo e financeiro.

    A despolitizao da economia quase uma consequncia da primeira, pois

    os conflitos internos entre classes e setores, e em suas relaes com seus

    Estados nacionais esto submetidos s condicionalidades externas. Em

    outras palavras, tais condicionalidades delimitam o espao e os termos dos

    conflitos de classe e de intersses dos atores internos. O movimento da taxa

    de lucro, parametrizado pelo capital-dinheiro mundial seu principal

    determinante, para cima ou para baixo. No ta, qualquer movimento na

    taxa de juros determinada pelo FED pode desencadear, deter ou estimular,

    entradas e sadas de capitais especulativos nas economias sub-mundiais

    com conversibilidade total ou parcial; para os mastodontes suas quase

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    incomensurveis taxas de crescimento so as formas de atrao do capital

    produtivo mundial; assim mesmo, a China viu-se obrigada a entrar na

    OMC sob pena de ver suas chances de intercmbio comercial minguarem e

    com elas seu crescimento.Em outras palavras, a intensidade da taxa de

    explorao chinesa a condio para a atrao do capital-produtivo

    mundial, e a forma especial do Estado altamente centralizador uma

    espcie de Estado-caserna7 extremamente funcional para a acumulao de

    capital.

    A formao da Nao, como o espao de disputa do sentido poltico

    comum substituda por um consenso forado, fora do qual no se

    processa qualquer crescimento.Est-se num territrio de conflito para alm

    da hegemonia. quase uma ditadura, a poltica como administrao, nos

    termos de Adorno e Horkheimmer8.A proliferao de contrles, de ndices

    e indicadores, de polticas sociais focadas, que monitoram

    permanentemente a realizao e a performance das polticas, a reproduo

    da fora de trabalho e no extremo, a vida nua, a poltica como

    administrao. Que j no depende da relao de foras entre as classes,

    mas da medida que ajusta o comportamento das principais variveis ao

    movimento da taxa de lucro mundial, mediada pelas variveis de exclusivo

    contrle estatal. Assim, a Nao subsumida no Estado.

    Um projeto nacional no sentido j apontado de realizao de um projeto

    comum, torna-se, assim, uma quimera. Em seu lugar, como paradoxo do

    neoliberalismo e da mundializao, viabilizam-se apenas polticas de

    Estado.Vestidas de retricas nacionais, mas cujos objetivos so, em

    primeiro, segundo, terceiro lugares, a reificao do Estado como instncia

    7 A China o mais acabado exemplo ,hoje,do que Robert Kurz chamou de socialismo de caserna. Ver,O Retorno de Potemkin, op.cit.8 Theodor Adorno e Max Horkeimmer, A Dialtica do Esclarecimento.

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    de clculo da reproduo do capital interno e sua relao com o capital

    mundializado.

    Isto tudo no quer dizer que a mundializao operou uma homogeneizao

    das condies inter-nacionais; ao contrrio, trata-se de um sistema

    fortemente hierarquizado, com os USA como olho do furaco onde

    parece reinar a calma e a Europa dos 25 como sub-olho, enquanto os

    demais rodam freneticamente, a altas velocidades, impulsionadas pelo

    olho da acumulao de capital. No roteiro, podem acontecer desastres,

    como o da Argentina no perodo ps-Menem, em que a outrora grande

    nao latinoamericana, uma das cinco principais economias mundiais do

    prncipio do sculo XX, conheceu taxas de desemprego e regresso no

    Produto Interno Bruto que no havia experimentado nem na Grande

    Depresso dos anos trinta.

    Regio e Mundializao: O Caminho dos Balcs9

    No se pode falar em regio e diviso regional do trabalho no Brasil seno

    j no sculo XIX e no momento em que a expanso da economia j se d,

    ainda que parcialmente, mas j como seu carro-chefe, sob a forma de

    reproduo ampliada do capital. Traduzindo, quando a expanso do caf se

    torna o eixo da nova economia brasileira.Anteriormente, as diversas

    especializaes regionais ligavam diretamente cada parte do territrio da

    colnia metrpole portuguesa e a seu papel de apropriao-intermediao

    com o comrcio mundial, o conhecido exclusivo colonial. As relaes

    internas eram fracas e operavam sempre na acumulao primitiva, mas

    9 Desenvolvi este ponto originariamente em Francisco de Oliveira, Periferias regionais e globalizao: ocaminho para os Balcs, in Glauco Arbix et al.(orgs.) Brasil, Mxico,frica do Sul, ndia e China:dilogo entre os que chegaram depois. So Paulo. Unesp/Edusp. 2002

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    nunca na acumulao de capital propriamente dita. E foram mais presentes

    enquanto o breve ciclo do ouro predominou na economia da colnia, Minas

    servindo como uma espcie de ponte entre o Norte Agrrio ttulo de belo

    livro de Evaldo Cabral de Melo10 e as economias setentrionais.Tratava-se

    de uma economia de arquiplago.

    A diviso regional do trabalho que se forja segue, basicamente, as linhas de

    fora da prpria diviso internacional do trabalho em que se enquadra a

    nova nao e sua nova economia . Neste sentido, a regio do caf vai

    reorganizando as economias regionais como produtoras de matrias-primas

    para a locomotiva, guardando, ainda, fortes e diretos laos, pelas

    exportaes, com os mercados dos pases centrais.Durante um bom espao

    de tempo, os intersses oligrquicos regionais coincidiram com uma

    poltica econmica na verdade com sua ausncia cujo nico

    instrumento era a taxa de cmbio, visto que as exportaes eram o motor

    das vrias economias regionais11. Vai emergindo lentamente a questo

    regional na forma da disparidade crescente entre as vrias regies, agora

    propriamente chamadas, disparidade que poderia ser entendida pela

    analogia entre centro-periferia da formulao cepalina, exportao de

    manufaturas/importao de matrias-primas versus exportao de matrias-

    primas/importao de manufaturas. Furtado fundou sua tese sobre o

    Nordeste, que embasou sua concepo de superao do atraso do Nordeste

    pelo planejamento, nessa analogia e demonstrou, atravs do esquema da

    triangulao exportaes do Nordeste-uso das divisas nordestinas pelo

    Centro-Sul-exportaes do Centro-Sul para o Nordeste, como se dava a

    nova relao. Paradoxalmente, a regio pobre exportava capitais para a

    10 Evaldo Cabral de Melo, O Norte Agrrio e o Imprio.11 Ver Anibal Vilanova Vilella e Wilson Suzigan, Poltica de Governo e Crescimento da Economia, 1889-1930., e Francisco de Oliveira, A Emergncia do Modo de Produo de Mercadorias., in Boris Fausto,(org.) Histria da Civilizao Brasileira, O Brasil Republicano.

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    regio que se enriquecia, tanto na forma da triangulao j referida, quanto

    na criao de empresas-filiais das matrizes no Nordeste. O contrrio, isto ,

    a exportao de capitais do Centro-Sul como Furtado preferia chamar a

    regio cujo epicentro era So Paulo para o Nordeste era irrelevante. O

    mesmo se passava em relao ao Norte amaznico e ao Sul gacho.

    A Revoluo de 1930 e a centralizao promovida por Vargas, com o novo

    protagonismo da Unio federal e do Estado na acumulao de capital,

    exponenciaram a re-diviso regional do trabalho que a expanso do caf

    desenhava.Quebrou-se a autonomia dos Estados no captulo fiscal, criaram-

    se os novos impostos federais, surgindo, pela primeira vez, um mercado

    nacional, livre das barreiras internas que obstaculizavam a circulao de

    mercadorias.O sorriso irnico da deusa da Histria que tais reformas

    foram realizadas pela revoluo que nasceu nas periferias, e que justamente

    reclamavam maior autonomia para os Estados: Joo Pessa, o governador

    paraibano expoente dessa reivindicao, converte-se num dos lderes do

    movimento anti-So Paulo, e seu assassinato no Recife detona a revoluo

    vitoriosa que ele no viu, e que reforou em grau inusitado a concentrao

    do capital em So Paulo.A especificidade da longa via passiva brasileira

    mostrava-se de dificil decifrao pelos cdigos cannicos da interpretao

    da histria: uma revoluo liderada por foras enraizadas na sociedade

    agrria desenvolve uma revoluo industrial que no era desejada pelo

    centro dinmico da economia.

    Ento, o ciclo que foi chamado depois, um tanto inapropriadamente, de

    substituio de importaes orientou o processo de industrializao, que

    se concentrou em So Paulo, exatamente porque uma maior diviso social

    do trabalho patrocinada pelo caf havia criado o que se chama mercado

    interno, isto , relaes de renda monetizadas, ainda que o processo de

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    CEDEPLAR

    acumulao de capital na lavoura cafeeira tenha se utilizado, tambm, de

    procedimentos primitivos como o colonato.12 A poderosa interveno do

    Estado na economia apoiou e reforou o impulso vindo do setor privado, no

    ciclo que ficou conhecido como desenvolvimentista.13 Sucessivamente,

    Vargas e depois Kubistchek patrocinaram a ampla vaga da industrializao

    substitutiva que tomou a forma de acmulo de economias externas que s

    beneficiavam So Paulo e seu imediato entorno.

    Do ponto de vista da diviso regional do trabalho, a integrao do mercado

    nacional, tanto pela via fiscal quanto, depois, pela abertura das rodovias,

    funcionou como uma queda de barreiras que haviam protegido as

    indstrias regionais e locais, sobretudo no Nordeste.Viu-se, ento, uma

    sucesso de fechamento de fbricas, sobretudo das txteis, a velha

    agricultura de subsistncia perdendo terreno para as novas produes

    agrcolas do Centro-Sul, enquanto a atividade aucareira ainda sobrevivia

    no Nordeste Oriental, protegida pelo IAA e seus sistemas de quotas que,

    paradoxalmente, manteve altos os preos do aucar, balizados pela

    indstria marginal, menos eficiente, e assim propiciou superlucros

    indstria aucareira de So Paulo, com maior produtividade.

    Foi ento que veio a Sudene, no rastro de um conjunto de fatres que

    elevou a questo regional ao estatuto de uma questo nacional. Uma

    impiedosa sca, que exigiu a ajuda federal, mediada pelos coronis com

    seus velhos mtodos corruptos, uma derrota poltica do governo

    Kubistchek nos ento dois principais estados, Pernambuco e Bahia, o

    escndalo da corrupo que tocou fundo no Exrcito, juntaram-se para

    propr uma nova poltica para a regio Nordeste, em substituio velha

    12 Ver Warren Dean, A Industrializao de So Paulo e Wilson Suzigan, A Industrializao Brasileira, eainda Maria da Conceio Tavares , Da Substituio de Importaes Acumulao Financeira.13 Carlos Lessa, 15 Anos de Poltica Econmica., e Francisco de Oliveira, A Economia Brasileira: Crtica Razo Dualista.

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    14

    CEDEPLAR

    poltica hidrulica de combate s scas baseada em obras pblicas de

    duvidosa eficcia.Era tudo que Kubistchek queria, j que seu famoso

    programa de metas no tinha nada a oferecer ao Nordeste.14

    Furtado, com seu famoso diagnstico15, em que a j referida triangulao

    de divisas nordestinas que financiavam a acumulao de capital

    industrial no Centro-Sul colocava o dedo na ferida racionalizando as

    velhas queixas regionais, imaginou e props um programa de

    industrializao, uma modalidade inter-regional de substituio de

    importaes. Que estava funcionando no Brasil.Ento, de forma at certo

    ponto imprevista, foi a soluo do problema do financiamento da

    acumulao de capital industrial no Nordeste que se transformou na pedra

    de toque do relativo xito da Sudene.O famoso artigo 34 no estava no

    projeto de lei de criao da Sudene, elaborado por Furtado e sua equipe,

    enviado ao Congresso por Kubistchek. Foi uma emenda de um deputado

    conservador de Pernambuco que o introduziu16, inspirando-se nos

    mecanismos italianos para o desenvolvimento do Mezzogiorno.J na lei do

    Segundo Plano Diretor, constava o artigo 18, que formou par com o 34; seu

    objetivo foi incluir empresas estrangeiras como sujeitos do benefcio, o que

    era proibido pelo primeiro dispositivo.

    Pela primeira vez, o fluxo de capitais se inverteu: a partir do incentivo

    fiscal que ficou conhecido como o Sistema 34-18, nmeros dos artigos

    das leis que implementaram o programa de desenvolvimento, as empresas

    de todo o pas deduziam do Imposto de Renda os valores que aplicariam no

    Nordeste, inicialmente apenas na indstria, ampliado o campo de aplicao

    14 Ver Francisco de Oliveira, Elegia para uma Re(li)gio.Nordeste, Planejamento e Conflito de Classes.15 GTDN.16 Gileno de Carli era deputado federal pela Unio Democrtica Nacional, seco de Pernambuco, e haviasido superintendente do Instituto do Aucar e do Alcool, a autarquia criada por Vargas para regular aindstria aucareira. O IAA foi quase sempre dominado pela aucarocracia o termo de Evaldo Cabralde Melo pernambucana, qual De Carli era profundamente ligado.

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    15

    CEDEPLAR

    depois para os servios e o agronegcio. Em contrapartida, o Estado,

    atravs dos bancos oficiais, BNB e BNDE (ainda sem o S),

    complementavam o investimento privado. Outros incentivos, estaduais e

    municipais completavam o lote, e muitas empresas o utilizaram largamente.

    Na prtica, o investidor quase no aportava capital de sua propriedade, pois

    os prprios incentivos que seriam concedidos eram considerados contra-

    parte do investidor na conta final que fechava com recursos de emprstimos

    dos bancos oficiais. Posteriormente, o sistema evoluiu para o chamado

    FINOR, em que empresas que tinham Imposto de Renda a deduzir e at

    pessas fsicas tambm, mas estas raramente utilizaram o mecanismo

    compravam aes dos empreendimentos que se pretendia efetivar.

    O sistema deu lugar a transaes duvidosas, certamente com forte

    corrupo, a empreendimentos arriscados, em que o objetivo real era

    apossar-se de recursos pblicos, e suas ltimas avaliaes revelaram

    descalabro, pelo que FHC detonou-o, sem levar em considerao o real

    benefcio que havia tramitado por todos os anos.Diga-se de passagem que

    foi no setor do agronegcio que se registraram os maiores desvios e

    aplicaes de duvidosa rentabilidade, que fracassaram redondamente. Na

    Amaznia, para a qual se copiou o esquema Sudene com a criao da

    Sudam, de fato observou-se que os projetos, na sua grande maioria

    agropecurios, embutiam uma superestimao do valor da terra nos

    projetos, que funcionava como uma acumulao primitiva monetria,

    sem real correspondncia com os investimentos reais; e alm de tudo, eram

    movidas por trabalho quase escravo. Estvamos na realidade frente a um

    ciclo de redefinio da diviso regional do trabalho marcado pela

    homogeneizao monopolstica-oligopolstica do espao econmico

    nacional. Vale dizer, alm de uma miriade de empreendimentos, foram as

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    principais empresas do pas, algumas at multinacionais, que se utilizaram

    do sistema 34-18 depois FINOR, para ocupar previamente espaos na

    competio oligopolstica.Os diversos trabalhos de pesquisa a respeito, que

    comearam com a pioneira anlise de Albert Hirschmann, atestam que

    houve, de fato, uma transferncia de empresas, filiais ou sucursais, das

    mais importantes no Centro-Sul.17Se a Revoluo de 30 havia criado um

    espao econmico nacional unificado para a circulao de mercadorias, o

    Sistema 34-18 completou a integrao, criando um espao nacional

    unificado para a circulao dos capitais.

    Ancorando-se no 34-18/FINOR, de um lado, e de outro na Petrobrs

    poca do Consulado Geisel na empresa e depois na Presidncia da

    Repblica, o Estado da Bahia logrou formar um polo petroqumico, que

    ainda se mantm como o segundo ou terceiro, ao lado de Capuava e do Rio

    Grande do Sul, que atraiu a maior parte do investimento, tomando o lugar

    anteriormente ocupado pelo Estado de Pernambuco. inegvel que houve

    um perodo de intensa industrializao. As taxas de crescimento econmico

    do Nordeste, em alguns anos da dcada de setenta do sculo passado,

    chegaram mesmo a serem superiores s do Brasil do milagre econmico,

    o que revelou-se uma faanha insuspeitada. Para aqueles anos, conforme os

    estudos de Contas Nacionais disponveis para o Nordeste, o coeficiente de

    investimentos regionais sobre o produto bruto regional chegou a 50%, o

    que somente se torna compreensvel se se admite que houve, de fato,

    transferncia de capitais da regio mais desenvolvida para a menos

    desenvolvida, pois no se constatou regresso ou compresso do consumo,

    17 O trabalho pioneiro de Albert Hirschman, conhecido economista austraco naturalizadonorteamericano, com na Amrica Latina, foi publicado na Revista Brasileira de Economia. Seguiram-se aele meu prprio livro, Elegia . op.cit., e toda uma literatura, na qual se inclui Raimundo Moreira, TniaBacelar, Leonardo Guimares Neto, alm dos relatrios da SUDENE que forneciam as informaes sobreos projetos e as empresas instaladas.

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    mas ao contrrio, progresso simultnea do consumo e do investimento.

    Houve uma espcie de ciclo japons naquela dcada.

    O ciclo da nova diviso regional do trabalho foi comandado, pois, pelos

    incentivos fiscais do Estado, uma espcie de capital-financeiro-geral que

    financiou a transferncia de empresas para o Nordeste e tambm para a

    Amaznia nesta, sobretudo com a Zona Franca de Manaus e

    empreendimentos agropecurios e sua caracterstica mais notvel que

    se formou no bojo da homogeneizao monopolstica do espao econmico

    nacional. Os investimentos no se distribuiram equitativamente entre os

    vrios Estados que compunham o Nordeste. Concentraram-se sobretudo na

    Bahia, secundariamente em Pernambuco e numa ltima fase no Cear.Na

    Amaznia, concentraram-se na Zona Franca de Manaus, uma criao da

    ditadura militar que funciona na verdade como uma plataforma externa

    para a produo interna sobretudo de eletrnicos e eletro-domsticos;

    projetos agropecurios espalharam-se por toda a regio, com concentrao

    no Par e Mato Grosso.Neste ltimo, a expanso da soja transformou o

    Estado no principal produtor nacional, promovendo uma devastao

    ecolgica implacvel.

    O fim do longo ciclo desenvolvimentista nacional, que coincidiu com a

    crise da dvida no comeo dos anos oitenta, deteriorando gravemente a

    capacidade financeira do Estado condottiere, marcou tambm o

    completamento da diviso regional do trabalho comandada pela

    homogeneizao monopolstica do espao econmico nacional e financiada

    pelos incentivos fiscais. A partir da, instalou-se um movimento errtico,

    com o progressivo abandono, pelo Estado, de polticas regionais

    consistentes, at que FHC, j no perodo que convencionou-se chamar

    neoliberal- dcada de noventa - desativou as instituies regionais de

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    planejamento, detonou com o FINOR e o FINAM e retirou a maior parte

    dos incentivos fiscais. O pretexto foi a corrupo encontrada no

    agenciamento dos projetos de investimento, a fraude em projetos que nunca

    se instalaram, uma valorizao artificial das aes do FINOR-FINAM

    mediante a qual os donos dos projetos recompravam na bacia das almas

    as aes que estavam em mos de terceiros, porque evidentemente o

    mecanismo estava funcionando apenas como uma espcie de especulao

    financeira e os resultados reais dos projetos de investimento no

    remuneravam o capital investido diga-se, os incentivos a que a Unio

    renunciava.Na verdade, havia se encerrado o ciclo, de tal forma que mesmo

    indstrias e empresas j instaladas chegaram a retirar-se do Nordeste.O

    mais emblemtico foi o caso da empresa de cubanos exilados depois da

    Revoluo, que fizeram no Recife o famoso Ron Bacardi, e foi talvez o

    segundo ou terceiro empreendimento industrial a passar na Sudene ainda

    em 1960. A fbrica foi inteiramente desativada. Outro caso importante foi o

    da Coperbo, empreendimento do governo pernambucano, fabricao de

    borracha sinttica a partir do alcool de cana de aucar, que foi depois

    absorvida pela Petrobrs, que abandonou o processo do alcool e adotou o

    convencional a partir do petrleo.

    No Nordeste, apenas a Bahia logrou consolidar uma nova posio na

    acumulao dominncia financeira, com seu plo petroqumico e agora a

    fbrica da Ford em Camaari.Os Estados do chamado Nordeste Oriental,

    Cear, Rio Grande do Norte, Paraba, Pernambuco, Alagas e mais alm

    Sergipe, tiveram suas taxas de crescimento declinantes, e conhecem uma

    longa estagnao. Na regio Petrolina(Pe)-Juazeiro(Ba), o projeto pioneiro

    de irrigao da SUDENE fez surgir uma espcie de Califrnia, com uma

    rica produo de frutas para exportao.Apenas ali onde novas atividades

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    petrolferas comandadas pela Petrobrs esto surgindo, como no Rio

    Grande do Norte, esboa-se algum crescimento econmico. O Estado do

    Maranho parece em vias de assistir a uma vaga de industrializao

    siderrgica, pelos motivos j citados, a partir da estratgica posio do

    porto de exportao Itaqui - do minrio de ferro de Carajs, e um polo de

    soja surgiu na regio de Balsas, no sudeste do Estado.. A Amaznia como

    um todo estacionou numa diviso do trabalho que , na verdade, uma

    especializao ainda em suas matrias-primas , madeira, ferro e bauxita, e

    no agronegcio, sobretudo na soja, fortemente predadora.No houve

    grandes desdobramentos industriais a partir dessas bases.

    A regio uma resultante de uma longa formao histrica, uma fuso de

    caractersticas geogrfico-ecolgicas com um processo que pode ser

    chamado cultural, uma forma de reproduo da produo material e uma

    forma da dominao tradicional ou de classes.18Em casos mais radicais, a

    regio pode diferenciar-se at linguisticamente, de que as regies hoje

    autnomas da Espanha, Navarra, Pas Basco, Catalunha, La Corua, so

    os casos mais clssicos. Embora hoje outras regies autnomas

    componham o complexo mosaico da Espanha contempornea, como a

    prpria Andalucia e Valencia. No Brasil, essa longa formao decantou

    diferenas importantes, mas que no chegaram a criar dialetos regionais,

    embora as falas regionais se caracterizem em acentos que so variaes do

    idioma nacional, o portugus do Brasil, que por sua vez diferente do

    portugus de Portugal.Assim, no se pode falar de uma completa

    homogeneizao das regies brasileiras, com o processo de integrao

    experimentado sobretudo a partir da industrializao por substituio de

    importaes.Mas convm aceitar que a forma da produo e reproduo

    18 Este ponto est mais desenvolvido em Elegia para uma Re(li)gio, op.cit.

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    da base material, vale dizer o sistema capitalista em sua fase

    contempornea, hoje nacional e que, portanto, economicamente no h

    mais propriamente regio do ponto de vista de uma circularidade

    autosustentvel da produo e reproduo capitalistas. Igualmente, houve

    uma convergncia de formas da dominao de classe, embora anote-se

    ainda graus bastante diferenciados de salrios e rendas entre as vrias

    regies.

    Assim, a antiga base regional que constitua uma economia foi , no

    Nordeste e na Amaznia, grandemente desfeita, integrando-se numa

    economia nacional brasileira. A Amaznia resiste mais a essa integrao,

    devido gravitao que a forte presena dos contingentes tnicos indgenas

    tem na formao regional, e evidente, tais contingentes tnicos mantm

    uma forma especial de produo e reproduo da vida material. Mas eles

    no so centrais para caracterizar uma economia regional amaznica,

    porque no so predominantes em relao ao ncleo capitalista

    propriamente dito. Tambm certo que o tipo de explorao econmica

    fundamental na Amaznia, baseado em seus recursos naturais e em sua

    depredao ferro, bauxita, madeira, e agora o agronegcio, d a iluso de

    que se trata de uma economia regional19. De fato, trata-se de fonte de

    matrias-primas e comodities que compem a estrutura da economia

    brasileira, basicamente em seu setor de exportao, e sua reproduo

    somente se explica por essa ligao estrutural.

    A acumulao de capital dominncia financeira, caractertica da

    mundializao, reduziu a economia brasileira condio de uma economia

    sub-mundial, sem potncia prpria para autodirigir seu processo de

    acumulao de capital produtivo. Essa mudana redefine as relaes

    19 Ver Francisco de Oliveira, A Reconquista da Amaznia, in

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    internas das regies, vale dizer, a diviso regional do trabalho no interior da

    economia brasileira.Em termos mais radicais, j no h tal diviso seno

    ali onde o capital financeiro na verdade o Estado. Exemplifiquemos: na

    Bahia, que foi o caso mais bem sucedido, a Petrobrs articulou um

    conjunto de empreendimentos privados, dos quais ela mesma era scia,

    financiando os investimentos, parcialmente, que eram completados pelos

    recursos do FINOR.Com as privatizaes, o mpeto do trip Petrobrs-

    capital privado-incentivos fiscais diminuiu e a deciso locacional voltou-se,

    agora, fundamentalmente para as estratgias de cada empresa, orientao

    que prevalece tambm na prpria Petrobrs.

    Alm disso, inaugurou-se na dcada de noventa, com a intensa

    financeirizao e mundializao do capital produtivo, uma escolha

    locacional que determinada em primeira instncia pelos aportes de capital

    financeiro providos pelo Estado nacional e estaduais.O caso da indstria

    automobilstica tpico: existem montadoras hoje em So Paulo, Rio de

    Janeiro, Minas Gerais, Paran, Rio Grande do Sul e Bahia, com diferentes

    localizaes municipais.Em So Paulo, no velho ABC (Volks, Ford, GM,

    Scania-Saab, Mercedes), mas tambm em Eugenio de

    Mello(GM),Taubat(Volks), Sumar(Honda),So Carlos(Volks)e

    Indaiatuba (Toyota); no Rio em Resende (Volks) e Porto Real( Peugeot);

    em Minas, em Betim (Fiat) e Juiz de Fora (Mercedes); no Paran em So

    Jos dos Pinhais (Audi, Renault e Volvo); no Rio Grande do Sul, em

    Gravata (GM) e na Bahia, em Camaari (Ford). Esto presentes as antigas

    GM, Ford, Volkswagen, Mercedes, Scania-Saab, Volvo e Fiat, as novas

    Mercedes, Honda, Toyota, Renault, Audi e Peugeot.20 A maior parte

    20 Existem ainda as montadoras de nibus, de tratores e mquinas agrcolas pesadas, alm de veculospesados para obras civis, terraplanagem, etc, que dispensvel descrever, mas que se inscrevem nasnovas e mesmas lgicas das montadoras de automveis.

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    trabalha com taxas de ocupao baixas, algumas acentuadamente baixas . A

    GM recebeu do Governo do Rio Grande do Sul ganhou o termo 340

    milhes de dlares num investimento original total de 370 milhes, fora os

    crditos fiscais e incentivos de toda sorte, municipais. A Ford queria o

    mesmo do governo gacho, na poca comandado por Olvio Dutra, do PT,

    que sinalizou que iria aportar menos dinheiro e reduziria os incentivos que

    custavam renncias exageradas no montante e no tempo. A Ford , apoiada

    pelo governo FHC que buscava debilitar o principal governo estadual

    petista o outro era o do Acre - , optou (?) pela Bahia, para o que o

    BNDES lhe aportou 700 milhes de dlares.No h qualquer lgica

    locacional apoiada em paradigmas de especializao regional, cadeias

    produtivas posto que a mundializao do capital produtivo permite

    recolher de praticamente todas as partes do mundo, peas e componentes.

    H apenas uma sobredeterminao financeira, de capital financeiro estatal,

    que distribui no espao as localizaes produtivas.

    Restam com localizaes regionais ligadas especializao em matrias-

    primas, muitos poucos ramos industriais, sobretudo aqueles de baixo valor

    agregado e custos de transporte de matrias-primas muito altos, e uma

    articulao logstica privilegiada. o caso do Maranho, que ganhar

    siderrgicas baseadas no ferro de Carajs, excelncia do porto de Itaqui e a

    proximidade de jazimentos carbonferos na Venezuela, segundo notcias

    veiculadas nos jornais econmicos.E continua sendo o caso , j citado, das

    especializaes da Amaznia.

    Uma especializao do Nordeste que se intensificou nas duas ltimas

    dcadas, e hoje de maneira muito forte, o turismo de sete dias, os famosos

    pacotes oferecidos por empresas, nas frias escolares e em feriados

    prolongados. O Nordeste uma destinao excepcional nesses casos,

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    concorrendo a Bahia at com o Rio. Mas, bem reparado o turismo de

    negcios o que mais cresce, e seu destino So Paulo.Todos os vos que

    partem ou chegam no Nordeste no somam os do aeroporto de Congonhas,

    em So Paulo, cuja recente reforma o tornou o mais moderno aeroporto do

    pas, melhor mesmo que os internacionais de Guarulhos e do Rio.

    Observemos um pouco o turismo que vai para o Nordeste. Uns 80% do

    preo do pacote reparte-se entre a passagem de avio e a intermediao

    financeira das agncias que esto no circuito, escondidos em preos

    superavaliados, que ficam no Centro-Sul. O restante divide-se entre a rde

    hoteleira local e os poucos servios que so prestados nos locais de

    chegada, entre receptivos e pequenas compras locais. um turismo

    destinado s classes mdias sobretudo do Centro-Sul, com dispndios

    pouco expressivos nos locais de destino; um turismo de praias exticas e

    hoje de resorts sofisticados, de isolamento, em que o turista mal conhecer

    as cidades em que aporta.No extravagante caso da revista Caras, o turista

    aporta diretamente na ilha da felicidade, em Comandatuba, na

    Bahia.Criou muitos empregos nos ltimos anos, a grande maioria de baixo

    nvel de remunerao, na maior parte dos casos informal, isto , sem

    obedecer s regras das leis do trabalho. Tem pouca capacidade de

    estabelecer forward and backward linkages, da que seus resultados so

    pouco expressivos na melhoria do nivel e da distribuio da renda local.

    Essa competio determinada pela financeirizao baseada em fundos

    estatais uma aparente contradio com o predomnio do mercado nas

    decises empresariais combinada com as estratgias de mundializao

    das empresas provoca uma espcie de balcanizao das regies. No

    sentido de recortes no-integracionistas, levando a uma diviso reiterada

    dos espaos , numa progresso infinita que vai bater nos municpios, agora

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    endeusados como sedes do desenvolvimento local, que parece conter

    todas as virtudes do small is beautiful.Mesmo So Paulo est s voltas

    com uma fuga generalizada de empreendimentos industriais dos territrios

    da metrpole, por razes de custo, des-economias de aglomerao e

    sobretudo pelas vantagens financeiras na forma de isenes fiscais

    oferecidas por municpios concorrentes. Na ltima dcada, alguns milhares

    de empresas sairam da capital paulista e seus arredores, e o Estado resolveu

    entrar na chamada guerra fiscal para deter a sangria de perda das sedes de

    empresas. O tema voltou agora nas ltimas eleies municipais.

    Alm disso, esses processos vm combinados com a revoluo molecular-

    digital no campo da tecnologia, que torna obsoletas as antigas

    determinaes. No custa lembrar que a ndia a grande produtora mundial

    de software e o escritrio mundial da contabilidade de grandes empresas

    multinacionais; repetindo um exemplo j dado, Costa Rica sedia a nica

    unidade da Microsoft fora dos USA, e mesmo o Haiti de antes da grave

    crise porque passa, estava prestando servios banalizados de embalagem e

    de escritrio para multinacionais norteamericanas.O padro da revoluo

    molecular-digital ubquo, e sua localizao pode ser quase em qualquer

    parte do mundo. No cria cadeias produtivas propriamente, mas

    ambientes onde interagem pesquisa bsica e desenvolvimento

    tecnolgico, de que o Sillicon Valley na Califrnia o emblema por

    excelncia, mas tambm as tcnopoles da experincia francesa, alguns

    locais de aglomerao da interao antes referida.

    O paradoxo produzido pela combinao dos processos brevemente

    recapitulados anteriormente que a localizao e a consequente

    diviso regional do trabalho cada vez mais indeterminada, sendo

    seus elementos mais fortes a financeirizao que escolhe os locais

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    para o capital produtivo e, pasme-se, a deciso poltica, a orientao

    poltica dos Estados. Isto serve tanto para os exemplos positivos,

    quanto para os negativos no caso brasileiro, onde assistiu-se

    desativao do planejamento regional , substitudo pelas aes ad

    hoc, como o caso da Ford na Bahia deixou patente.Ento, no to

    paradoxalmente, a ao do Estado que passa a sobressair-se ,

    mesmo porque seu aporte financeiro fundamental, e por ele que

    as empresas competem. Isto recoloca o tema do planejamento

    regional em pauta, se se quiser escapar aleatoriedade imposta pelas

    novas combinaes de financeirizao e revoluo molecular-

    digital.Mesmo com todas as restries e constrangimentos impostos

    pelo estatuto de economia sub-mundial, o Brasil inscreve-se ao lado

    dos poucos mastodontes, com desvantagens evidentes frente China

    e ndia, mas podendo concorrer com Indonsia, Mxico e frica do

    Sul.Sobretudo se o processo do Mercosul avanar para o nivel de

    uma coordenao de polticas de crescimento, e no ficar apenas no

    patamar de uma unio aduaneira, para a qual tende, ultrapassando o

    estatuto de uma zona de livre comrcio.Por enquanto, o Mercosul

    apenas tem reforado as tendncias centrfugas da integrao

    nacional, em prejuzo das regies mais pobres.

    As metrpoles brasileiras na era global: o Estado de Exceo

    Uma literatura recente tem tratado das cidades-mundiais como o

    novo e mais importante elo locacional no capitalismo globalizado.

    Seria uma espcie de novas cidades-Estado da Era Renascentista,

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    Florena e Gnova, Amsterdam e as cidades hanseticas do Norte

    europeu.

    A nova cidade-mundial por excelncia Barcelona, na Espanha,

    que autopromoveu uma formidvel renovao urbana quando se

    preparou para receber as Olmpiadas e depois os festejos do Quinto

    Centenrio do Descobrimento da Amrica.Para quem visita a bela

    cidade catal, realmente de encher os olhos. Esquece-se

    frequentemente que a Catalunha, Navarra e o Pas Basco sempre

    foram as regies mais industrializadas da Espanha, contidas apenas

    em seu desenvolvimento pela longa era franquista, com seu

    protecionismo retr e seus mastodontes corporativos estatais e

    regulamentaes das atividades que mais lembravam as corporaes

    de ofcio medievais.

    Uma onda de revitalizao urbana corre, ento, por muitas capitais e

    grandes cidades. Renovao de centros velhos e decadentes, como as

    docklands em Londres, Puerto Madero em Buenos Aires, e em So

    Paulo a revitalizao do centro21 por ironia, num dilogo entre

    duas conhecidas urbanistas de So Paulo, falando-se sobre

    revitalizao a segunda perguntou primeira se o que ela estava

    vendo, do alto do mais velho edificio moderno de So Paulo, eram

    formigas, para que se pudesse falar em revitalizao, quer dizer

    colocar vida de novo na cidade, ou se no se tratava das multides

    que pululam o centro velho da cidade em frenticas atividades de

    comrcio de rua.No houve resposta.

    A industrializao produziu no Brasil uma acelerao da urbanizao

    com poucos paralelos na histria mundial; apenas o Japo e a ex-

    21 Ver Mariana Fix,

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    Unio Sovitica experimentaram to radical mudana de localizao

    da populao.Tem-se hoje um pas nitidamente urbano, com todas as

    capitais com mais de 500 mil habitantes, e muitas das principais

    cidades de So Paulo so maiores que a maior parte das capitais de

    estados.As recentes eleies municipais outra vez deram relevo a

    esse extraordinrio movimento de urbanizao.Construiu-se no

    Brasil um padro de urbanizao que est mais para o dos USA, e

    afasta-se decididamente do padro europeu ocidental, com sua

    estabilidade demogrfica mais que secular.

    A explicao para essa acelerada urbanizao est, em primeiro

    lugar, na industrializao, como j se referiu, em segundo lugar na

    des-ruralizao da produo com a expulso dos trabalhadores do

    interior dos estabelecimentos produtivos22, processo com poderosa

    inflexo para cima na dcada dos setenta do sculo passado, na

    fortssima concentrao de renda que provocou uma verdadeira

    corrida para as cidades com o trabalho informal" como processo

    perverso de aproveitamento da fora-de-trabalho disponvel, e na

    adoo de um padro de transportes baseado na rodovia. Finalmente,

    na concentrao de servios nas grandes cidades, sobretudo os de

    educao e sade.

    O crescimento do milagre brasileiro imps nova velocidade ao

    processo de urbanizao e seu derivativo, a metropolizao e mesmo

    a megapolizao. Vale lembrar que a msica patrioteira que

    celebrava a conquista da Copa do Mundo de 1970, com Garrastaz

    Medici na Presidncia e seu radinho de pilha ao ouvido, falava em

    90 milhes em ao/Pra frente Brasil/Salve a Seleo.Trinta anos

    22 O trabalho de Maria da Conceio DIncao, Bia Fria, Acumulao e Misria, tornou-se um clssicodesse processo. Ver tambm Vinicius Caldeira Brant,

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    depois o pas estava com 185 milhes de habitantes , So Paulo com

    10 milhes e sua rea metropolitana com 12 milhes.Isto , em trinta

    anos a populao dobrou, apesar de que a taxa de fecundidade tenha

    cado drasticamente desde os anos 60, o crescimento demogrfico

    continuou em taxas mdias de 2,3% ao ano, em virtude de que a

    queda da taxa de mortalidade foi mais vigorosa. A contradio que

    a queda da mortalidade no se deve substancialmente aos novos

    procedimentos mdicos, mas mudana do emprego da fora-de-

    trabalho, do uso direto e predatrio da forade-trabalho no rude

    trabalho rural de jornadas de 15 horas ao trabalho urbano mediado e

    potenciado pelas mquinas, de que resulta a melhoria no-

    medicalizada da sade.Porisso, o efeito da urbanizao tem

    incidncia direta no comportamento demogrfico.

    Uma explosiva combinao de crescimento econmico e

    concentrao da renda, que j vinha do longo perodo anterior, foi

    exponenciada nos anos setenta; seguiu-se a longa estagnao,

    errtica, com as taxas de crescimento caindo para a metade ou um

    tero do que foram nos anos setenta. Como a experincia histrica

    demonstra, a queda do crescimento no levou de volta ao campo os

    contingentes populacionais. Isto transformou as cidades brasileiras,

    suas capitais, suas metrpoles e sua megalpolis, em vastos

    acampamentos de miserveis.Quais clones de suas bcas, as cidades

    so como conjuntos de dentes cariados, e como no clssico do

    neorealismo italiano, feias, sujas e pobres. Abrigam, as que foram

    controladas pelo narcotrfico, tambm os malvados. No preciso

    insistir sobre a devastao da era neoliberal : desemprego de 18% na

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    megalpole23, 53% de informalizao da PEA. Perda lquida de 3

    milhes de empregos entre 1989 e 1999, dos quais 2 milhes de

    empregos industriais.24No ano de 2003 agregou-se ao contingente de

    desempregados um milho a mais, e em 2004 o crescimento

    econmico conseguiu criar tambm um milho de empregos, com o

    que voltou-se apenas mesma situao.

    Recente avaliao de alguns mutires no municipio de So Paulo,

    constatou 50% de desempregados e 80% de informalizao, razo da

    virtude do mutiro, que s se torna vivel porque metade est

    desempregada e, pois, a melhor ocupao construir em autoajuda

    sua prpria casa.Bairros como a Cidade Tiradentes, uma das zonas

    mais pobres da periferia pobre de So Paulo, continuam a crescer a

    taxas de 8% ao ano, num processo de decaimento dos estratos pobres

    que vo se tornando miserveis.No mais a migrao campo-cidade,

    mas cidade-cidade, da cidade pequena diretamente para as grandes,

    inclusive a megalpole.Dissertao que ainda vai ser defendida no

    Departamento de Sociologia da FFLCH-USP sobre moradores de

    rua constatava com base em pesquisas da SEBES-Secretaria do

    Bem-Estar Social da Prefeitura de So Paulo que tais moradores

    um ligeiro lapso semntico para designar quem no mora em canto

    nenhum passaram de 3.392 em 1991 para 4.549 em 1994,e

    somavam 5.334 em 1996. O primeiro censo de populao de rua,

    efetuado pela Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas da

    poderosa, e renomada, Faculdade de Economia e Administrao da

    23 Medido pela pesquisa SEADE/DIEESE para o ms de outubro de 2004. A taxa mdia apurada para opas de 9%, vinda de uns 2% no ano 1994, em que FHC ganha a eleio para a presidncia daRepblica. A enorme diferena entre a taxa apurada pela SEADE/DIEESE e o IBGE deve-se sdiferenas de metodologia, em que o desemprego oculto , redundantemente, grandemente ocultado peloIBGE.24 Dados de Marcio Pochman, A Dcada dos Mitos.

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    USP contou-os em 10.394, para o ano de 2003. Outras entidades

    experientes em trabalhos de rua avaliam na verdade que o nmero

    de 100 mil. uma desestruturao total dos laos com a

    sociedade.Dados recentes do IBGE indicam que a taxa de

    criminalidade por 100 mil habitantes foi de 19 para 26, entre 1991 e

    2001. Tal taxa inclui assassinatos, assaltos de todos os tipos, roubos e

    furtos.Isto vai revelando , pelos extremos, uma espcie de

    decantao social, um darwinismo social, onde somente

    sobrevivem os mais aptos, no por suas qualidades, mas pela

    capacidade de adaptar-se selva urbana brasileira.

    Ento a metrpole brasileira transformou-se num Estado de Exceo.

    Inclusive as mdias e pequenas cidades, mas no dramatizemos

    demais.

    Algumas tendncias mundiais adquirem na cidade perifrica

    dimenses trgicas. O informal a no-mercadoria do trabalho

    como exceo do emprego; o mutiro a no-mercadoria da moradia

    como exceo dela mesma e do desemprego; a bolsa-famlia o no-

    salrio como exceo da informalizao; as polticas focadas so a

    exceo da universalizao. Soberano aquele que decide sobre a

    exceo: o narcotrfico manda cessar todas as atividades em locais

    que controla, quando se v contrariado, quando algum dos chefes

    assassinado em confronto com a polcia ou em ajuste de contas,

    quando gangues invadem o territrio de outras. Como uma trgica

    ironia, o morro desceu para Copacabana, fechando todas as

    atividades do bairro-smbolo das iluses perdidas do Brasil moderno,

    no mesmo dia em que se finava, no Copacabana Palace, cercado da

    pompa e circunstncia em que viveu, o playboy smbolo do

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    capitalismo predatrio, Jorge Guinle, cuja (in)atividade contribuiu

    para a destruio da cidade dos sonhos de todos os brasileiros; o

    Crepsculo dos Deuses de Billy Wilder sequer aproximou-se desse

    realismo carioca. O Rio o emblema: o narcotrfico a exceo da

    polcia e da civilizao.

    Esse desastre urbano, em que falta cho para a universalidade,

    empurra o Estado para as polticas de exceo, as quais reforam a

    prpria exceo.De fato, olhando realisticamente, como fazer para

    dar conta do imenso dficit habitacional, com as favelas e bairros

    pobres que desafiam sua urbanizao, a colocao econmica de

    gua e esgoto. O mutiro torna-se de soluo da carncia em poltica

    oficial, a ser financiado at pela Caixa Econmica Federal: e como

    pagar depois, se a maior parte dos mutirantes desempregada e

    continuar sendo na roda do azar e da sorte - que em francs a

    mesma coisa. Funcionalizam a pobreza, tornando-a palatvel, menos

    que um desafio como o encaravam os socialistas, e mais como um

    estrvo, com o perdo de Chico Buarque. A exceo se caracteriza

    pelo rebaixamento do nvel das contradies, uma espcie de

    dialtica negativa: enquanto na histria do Estado do Bem-Estar dos

    pases ocidentais que hoje formam o pequeno peloto dos

    desenvolvidos, o trabalho foi transformado em custo para o capital,

    para cujo ultrapassamento fez-se necessrio um enorme aumento da

    produtividade, movida esta ltima pelo prprio bem-estar os pases

    mais produtivos, os nrdicos , so tambm os mais igualitrios na

    periferia sub-mundial o trabalho objeto de polticas

    assistencialistas, que no so custo para o capital. Ficam a cargo do

    Estado, o que pareceria transform-lo em custo, mas com as polticas

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    econmicas, sobretudo a fiscal, constrangidas pela financeirizao

    das economias sub-mundiais, ficam sujeitas aos cortes que a

    conjuntura econmica impe.

    A cidade no Brasil o paradigma da acumulao de capital da

    periferia globalizada: o contrato mercantil misturado com o no-

    contrato, no em superposies arqueolgicas mas em todas as

    combinaes, fornecendo uma mo-de-obra funcional para a

    revoluo molecular-digital dos meios de produo. Em praticamente

    todas as ruas mais pobres das cidades do Brasil topa-se com o

    anncio de cursos de informtica, por aqui passa seu futuro.

    Uma rede complexa, em que o trabalho formal fornece renda que

    desce at os pores do inferno do desemprego ocupado sim, disso

    que se trata criando as pequenas atividades, as viraes, tudo

    regado tambm pelo dinheiro das Ongs que pretendem aliviar a

    pobreza, mas de fato a funcionalizam. No se pode falar, aqui, de

    ausncia do Estado: ele est em todos os lugares , no h um s lugar

    nas periferias das grandes cidades, nas favelas mais pobres, onde a

    combinao de polticas pblicas, onguizao, trabalho informal e

    trabalho formal no forme essa rede de alta densidade da...

    pobreza. Uma contradio que a misria cresce quando a renda das

    classes mdias decrescem, porque no fundo o trabalho informal

    apenas redistribui os excedentes que provm das rendas das classes

    mdias. Estudos recentes vindos a pblico do professor Waldir

    Quadros, do Instituto de Economia da Unicamp, mostram que foram

    excluidos das classes mdias na ltima dcada cerca de 3 milhes de

    pessas, segundo uma estratificao por rendas.Isto incidiu

    diretamente sobre os salrios e rendas das camadas mais pobres, o

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    que parece contraditrio, pois alguns apregoam que a redistribuio

    da renda no Brasil deveria passar pela queda dos rendimentos das

    classes mdias. Isto se diz para no tocar no problema real, que a

    redistribuio dos ganhos do capital e a criao de empregos formais.

    Destruncando a evoluo truncada

    Antes de sua precoce e infausta morte, Fernando Fajnzylber, uma das

    ltimas floraes da notvel rvore genealgica da Cepal/Ilpes,

    denominou seu ltimo livro de La Industrializacin Trunca de

    Amrica Latina25. Ele foi, assim, quem reconheceu que a

    industrializao substitutiva de importaes havia entrado num beco

    sem sada, combinando a produo de mercadorias para um consumo

    sofisticado com uma pssima distribuio de renda. Furtado o havia

    precedido nas suas crticas ao consumismo de padro europeu e

    norteamericano pelas elites latinoamericanas, que provocaria

    necessariamente a concentrao da renda e baixos coeficientes de

    investimento. Mesmo que no se concorde inteiramente com

    Fajnzylber e Furtado, permanece verdadeiro o truncamento da

    estrutura produtiva que se instalou com a substituio de

    importaes e sua consequncia, uma formidvel concentrao de

    renda.

    Aqui convm recapitular um pouco a ltima participao do

    Nordeste na diviso regional do trabalho definida pelo padro da

    substituio de importaes. Na verdade, a SUDENE cometeu o

    equvoco de estimular uma industrializao que comeava pela

    produo de bens-salrios. Ora, numa economia pobre, caracterizada

    25 Fernando Fajnzylber, La Industrializacin Trunca de Amrica Latina., e Celso Furtado,Subdesenvolvimento e Estagnao.

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    exatamente pelos baixos salrios, tentar a industrializao regional

    dentro de um conjunto nacional que avanava tambm rapidamente

    baixando os custos e os preos dos bens-salrios, isto , aumentando

    a produtividade do trabalho, deveria dar num processo de flego

    curto, como de fato ocorreu. Apenas a Bahia, pela conjuno

    especial do guarda-chuva protetor da Petrobrs com os incentivos

    fiscais, dedicando-se produo de bens intermedirios, de fato

    logrou um certo avano, que no foi inteiramente varrido na fase

    neoliberal mundializada. No houve especializao do Nordeste em

    alguns fortes setores, como os dos bens de capital, por exemplo, ou

    de manufaturas de alta especializao, porque o Estado brasileiro no

    conseguiu imprimir este paradigma. Por exemplo, a Aeronutica, que

    comeou suas tentativas espaciais em Barreira do Inferno, perto de

    Natal, Rio Grande do Norte, poderia ter induzido uma parte da

    indstria aeronutica a fixar-se ali, tal como a Embraer se instalou

    em So Jos dos Campos, exatamente porque , como no Sillicon

    Valley, ali estava o Instituto Tecnolgico da Aerontica, e mais, no

    havia indstria concorrente no Brasil. Hoje, as vantagens de So Jos

    dos Campos j so insuperveis e uma nova unidade da Embraer se

    instala em Gavio Peixoto, tambm em So Paulo. Mas o exemplo

    serve para assinalar a impercia da prpria poltica estatal e regional

    da poca de ouro dos incentivos fiscais.

    Com sua condio de economia sub-mundial mastodntica, o Brasil

    tem ainda alguma chance de escapar, pela tangente, s determinaes

    e constrangimentos que a globalizao do capital impe. No

    absolutamente, mas na margem. Utilizar a vantagem de que a

    combinao de financeirizao com desenvolvimento tcnico-

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    cientfico digital-molecular de certa forma des-territorializou as

    localizaes produtivas; os novos mtodos de organizao do

    trabalho industrial tambm vo na mesma direo: just in time,

    kamban, organizao flexvel, que j no dependem de grandes

    estoques, nem requerem a proximidade fsica, em muitos casos. Em

    outras palavras, localizaes de atividades econmicas hoje

    dependem da combinao de polticas governamentais/estatais,

    estratgias das empresas e a formao de um ambiente especial de

    pesquisa bsica e desenvolvimento tecnolgico. E as empresas

    buscam exatamente obter do Estado e dos governos as condies

    para realizao de suas estratgias, como o caso das montadoras deve

    ensinar. Deixaremos de examinar aqui as condies que decorrem

    das polticas macroeconmicas no nivel federal, por fugir ao escpo

    deste trabalho, e considerando que a atual orientao do governo

    federal dificilmente acolher mudanas significativas. Desde logo,

    advirta-se, a poltica macroeconmica pode vir a ser um enorme

    obstculo concepo e implementao de polticas de

    desenvolvimento regional que devero ser a negao dos

    automatismos de mercado pressupostos na poltica econmica.Mas

    convm arriscar, mesmo porque no h outro caminho.

    A poltica tpica para o desenvolvimento regional deveria mirar-se

    em caso recente, em que um eminente pesquisador brasileiro em

    neurologia, com brilhante carreira nos USA, resolveu dar uma

    contribuio ao desenvolvimento de sua regio, o Estado do Rio

    Grande do Norte. E est arregimentando apoios e outros cientistas

    para criar no seu Estado um centro de pesquisas em neurologia de

    excelncia mundial. Quais so as condies de que dspe o RGN

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    para sediar um centro de pesquisa com a pretenso de formar na

    liderana mundial ? Nenhuma.Necessita apenas que cientistas

    queiram viver l. E que os meios estejam disponveis. Os recursos de

    permanente ligao com os grandes centros mundiais em parte j

    esto disponveis, para que os que se localizem no R.G.Norte no

    estejam isolados: a internet. Praticamente todos os grupos de

    cientistas hoje no mundo correspondem-se e realizam trabalhos pela

    internet.Bibliotecas virtuais, troca de opinies em tempo real,

    checagens de dispositivos, testes, exames, enfim, toda a bateria de

    procedimentos pode ser realizada hoje pela internet.

    Mudando um pouco os parmetros, isto pode ser estendido a dezenas

    ou talvez centenas de empreendimentos de alta tecnologia. E disso

    que o Nordeste carece. Caso qualquer programa de desenvolvimento

    regional queira se basear nos recursos naturais locais, nas chamadas

    vocaes regionais, estar fadado ao fracasso, ou a ver repetir as

    velhas especializaes: fbrica de rdes no Cear, aguardente em

    Pernambuco que nem tem a melhor aguardente do Brasil, que so,

    na verdade, artesanais , aproveitamento de mel no Piau, mulheres

    rendeiras por toda a regio, gastando seus olhos e suas vidas para

    enfeitar os outros, e a srie irnica poderia seguir, sem outro

    resultado que no seja um cnico e sarcstico rosrio de

    especializaes regionais, que no o objeto deste documento.

    Faz-se necessrio a combinao de uma poltica nacional baseada em

    investimentos em cincia bsica e alta tecnologia, a renovao e

    radical modernizao das universidades pblicas com a criao de

    institutos especializados, instrumentos financeiros altamente

    diferenciadores, o uso discriminatrio dos incentivos

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    governamentais, nos quais se incluem os recursos do BNDES e do

    BNB, a atrao de empresas de nova gerao, que sejam os novos

    ncleos de irradiao. Hoje recorre-se muito aos chamados arranjos

    produtivos locais, que parece esto na moda. um nome novo para

    velhas prticas, de pequeno porte, no-inovadoras, dentro das

    polticas de funcionalizao da pobreza. E parece que contam com

    apoio dos bancos oficiais, sobretudo do BNB. Isto botar gua em

    cesto. Os novos setores, definidos como prioritrios na poltica

    industrial do Governo, frmacos, semi-condutores, indstrias de

    software, so muito adequados para localizarem-se no Nordeste, no

    apenas porque no tm concorrentes no Brasil, como porque so de

    localizao ubqua. E com uma vantagem, que hoje altamente

    atrativa: a possibilidade de desfrutarem de um alto padro de vida

    com condies ecolgicas privilegiadas. O Nordeste, que para

    geraes inteiras teve uma natureza madrasta, agora pode utilizar em

    seu favor o clima, suas belezas naturais, uma vida menos agitada que

    nas grandes metrpoles, enfim uma qualidade de vida superior.A

    partir da, possvel estabelecer as rdes de pequenos negcios, que

    so capazes de criar os empregos necessrios, operando a re-

    distribuio da renda gerada pelos empreendimentos mais

    sofisticados.O procedimento contrrio, esperando que dos pequenos

    negcios se faam as reformas no emprego e renda de que o

    Nordeste urgentemente necessita, no se dar. Porque isso o pobre

    mercado autorizado pelo baixo nvel de renda e sua pssima

    distribuio j faz: podemos deliciar-nos com as delicadas rendas das

    rendeiras desde o Maranho at Sergipe, mas essa herdada e

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