as conjurações mineira, carioca e baiana

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História do Brasil História do Brasil Prof. Lamarão Iniciamos o módulo retoman- do o debate feito no módulo anterior. Importante notar que este conjunto de revoltas aqui debadas apresentarão uma diferença fundamental com rela- ção as estudadas na unidade anterior: a de que elas declaravam a sua intenção de separar o Brasil dos laços coloniais, ou seja, havia um projeto mais ou me- nos claro de sociedade que se diferenci- ava do que estava posto. Esta nova con- juntura só foi possível, contudo, devido a uma série de fatores. O primeiro deles é o cresci- mento do tensionamento entre os inte- resses metropolitanos, representados na colônia pelos reinóis (portugueses com altos cargos radicados no Brasil) mais os ligados ao comércio monopolis- ta e, por outro lado, os colonos que viam, cada vez mais claramente, os pre- juízos causados a colônia devido ao mo- nopólio. Na virada do século VII para o XVIII, já eram aproximadamente três milhões os habitantes da colônia. A elite percebia que o comércio livre poderia ser muito mais vantajoso a seu comér- cio na medida em que isto poderia levar a elevação do preço de suas mercadori- as. Já para as classes populares, o mo- nopólio fazia encarecer os víveres que só podiam ser comprados de portugue- ses que, com isso, espulavam preços exorbitantes. Além disso, a crise do an- go regime provocava um maior arrocho a colônia, desagradando ainda mais os colonos que precisavam conviver com a crise do ouro na região mineira e com a crise do açúcar no nordeste. Outro ponto importante foi a difusão do ideário iluminista pela Euro- pa. A defesa de ideias que eram contrá- rias ao poder absolusta, a falta de li- berdade e o pensamento religioso an- ge também parte da elite brasileira. Ideias como o contrato social, a igualda- de civil, o constucionalismo, a liberda- de políca, religiosa, de expressão, de opinião e de comércio, entre tantas outras ideias, começaram a se espraiar pela sociedade colonial. Como se não bastasse, estas mesmas ideias haviam sidos fundamen- tais para a Independência dos EUA da maior potência militar da época, a Ingla- terra. Ora, se a Inglaterra, forte e alva, fora derrotada, porque não seria possí- vel derrotar Portugal? Foi a pergunta que passou na cabeça de muitos dos insurgentes. Ainda no cenário internaci- onal, a Revolução Francesa também será outro episódio que terá influência políca importante neste momento da colônia, dando exemplos de parcipa- ção popular em processos revolucioná- rios. Outra consequência direta da Re- volução Francesa para a Independência do Brasil se relaciona com a vinda da família Real, tema do próximo módulo. Estas ideias e episódios se propagavam no interi- or da sociedade brasilei- ra, e em especial sua elite, através de bibliote- cas parculares que co- meçavam a ser forjadas na colônia ou por conta dos estudos na Europa na Universidade de Coimbra que teria possi- bilitado a aproximação intelectual de diversos membros da elite brasileira. Com relação à Inglaterra, já é sabido da connua subordinação dos portugueses aos ingleses e como que isto se reflea no Brasil, onde grande soma de seu ouro acabava migrando para a Inglaterra, promovendo, inclusi- ve, a Revolução Industrial. Com isto, esmulava-se outro fator, que era o interesse inglês em ter acesso aos dis- ntos portos brasileiros sem restrição. Para isto, o monopólio comercial deve- ria ser abolido e, assim, os ingleses eram simpácos aos ideais emancipató- rios. É neste contexto e sob estes termos que ocorram as chamadas Con- jurações, aqui teremos contato com três destes episódios: a Inconfidência Minei- ra, a Inconfidência Carioca e a Conjura- ção Baiana. A inconfidência Mi- neira (1789). A população que vivia na regi- ão das Minas, na década de 1770, totali- zava algo em torno, esma-se de tre- zentos mil habitantes, destes, cerca de 50% eram formados por negros ou ca- vos ou libertos. Contudo, ali havia uma elite letrada que nha buscado a con- nuidade de seus estudos nas Universi- dades metropolitanas (Lisboa e Coim- bra) e que produzia uma literatura que dialogava com os ideais iluministas. É o caso das cartas chilenas, poesia de auto- ria indeterminada, mas que apareceu à época e representava os clamores por liberdade a colônia. Lá, nas universida- des, forjaram ideias emancipacionistas, tendo um grupo inclusive, pactuado lutar com suas próprias vidas em defe- sa da independência. No caso mineiro, embora tenha acontecido no mesmo ano do início da Revolução Francesa, foi

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Page 1: As conjurações Mineira, Carioca e Baiana

História do BrasilHistória do Brasil Prof. Lamarão

Iniciamos o módulo retoman-

do o debate feito no módulo anterior.

Importante notar que este conjunto de

revoltas aqui debatidas apresentarão

uma diferença fundamental com rela-

ção as estudadas na unidade anterior: a

de que elas declaravam a sua intenção

de separar o Brasil dos laços coloniais,

ou seja, havia um projeto mais ou me-

nos claro de sociedade que se diferenci-

ava do que estava posto. Esta nova con-

juntura só foi possível, contudo, devido

a uma série de fatores.

O primeiro deles é o cresci-

mento do tensionamento entre os inte-

resses metropolitanos, representados

na colônia pelos reinóis (portugueses

com altos cargos radicados no Brasil)

mais os ligados ao comércio monopolis-

ta e, por outro lado, os colonos que

viam, cada vez mais claramente, os pre-

juízos causados a colônia devido ao mo-

nopólio. Na virada do século VII para o

XVIII, já eram aproximadamente três

milhões os habitantes da colônia. A elite

percebia que o comércio livre poderia

ser muito mais vantajoso a seu comér-

cio na medida em que isto poderia levar

a elevação do preço de suas mercadori-

as. Já para as classes populares, o mo-

nopólio fazia encarecer os víveres que

só podiam ser comprados de portugue-

ses que, com isso, estipulavam preços

exorbitantes. Além disso, a crise do anti-

go regime provocava um maior arrocho

a colônia, desagradando ainda mais os

colonos que precisavam conviver com a

crise do ouro na região mineira e com a

crise do açúcar no nordeste.

Outro ponto importante foi a

difusão do ideário iluminista pela Euro-

pa. A defesa de ideias que eram contrá-

rias ao poder absolutista, a falta de li-

berdade e o pensamento religioso atin-

ge também parte da elite brasileira.

Ideias como o contrato social, a igualda-

de civil, o constitucionalismo, a liberda-

de política, religiosa, de expressão, de

opinião e de comércio, entre tantas

outras ideias, começaram a se espraiar

pela sociedade colonial.

Como se não bastasse, estas

mesmas ideias haviam sidos fundamen-

tais para a Independência dos EUA da

maior potência militar da época, a Ingla-

terra. Ora, se a Inglaterra, forte e altiva,

fora derrotada, porque não seria possí-

vel derrotar Portugal? Foi a pergunta

que passou na cabeça de muitos dos

insurgentes. Ainda no cenário internaci-

onal, a Revolução Francesa também

será outro episódio que terá influência

política importante neste momento da

colônia, dando exemplos de participa-

ção popular em processos revolucioná-

rios. Outra consequência direta da Re-

volução Francesa para a Independência

do Brasil se relaciona com a vinda da

família Real, tema do próximo módulo.

Estas ideias e episódios

se propagavam no interi-

or da sociedade brasilei-

ra, e em especial sua

elite, através de bibliote-

cas particulares que co-

meçavam a ser forjadas

na colônia ou por conta

dos estudos na Europa

na Universidade de

Coimbra que teria possi-

bilitado a aproximação

intelectual de diversos membros da

elite brasileira.

Com relação à Inglaterra, já é

sabido da contínua subordinação dos

portugueses aos ingleses e como que

isto se refletia no Brasil, onde grande

soma de seu ouro acabava migrando

para a Inglaterra, promovendo, inclusi-

ve, a Revolução Industrial. Com isto,

estimulava-se outro fator, que era o

interesse inglês em ter acesso aos dis-

tintos portos brasileiros sem restrição.

Para isto, o monopólio comercial deve-

ria ser abolido e, assim, os ingleses

eram simpáticos aos ideais emancipató-

rios.

É neste contexto e sob estes

termos que ocorram as chamadas Con-

jurações, aqui teremos contato com três

destes episódios: a Inconfidência Minei-

ra, a Inconfidência Carioca e a Conjura-

ção Baiana.

A inconfidência Mi-

neira (1789). A população que vivia na regi-

ão das Minas, na década de 1770, totali-

zava algo em torno, estima-se de tre-

zentos mil habitantes, destes, cerca de

50% eram formados por negros ou cati-

vos ou libertos. Contudo, ali havia uma

elite letrada que tinha buscado a conti-

nuidade de seus estudos nas Universi-

dades metropolitanas (Lisboa e Coim-

bra) e que produzia uma literatura que

dialogava com os ideais iluministas. É o

caso das cartas chilenas, poesia de auto-

ria indeterminada, mas que apareceu à

época e representava os clamores por

liberdade a colônia. Lá, nas universida-

des, forjaram ideias emancipacionistas,

tendo um grupo inclusive, pactuado

lutar com suas próprias vidas em defe-

sa da independência. No caso mineiro,

embora tenha acontecido no mesmo

ano do início da Revolução Francesa, foi

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História do BrasilHistória do Brasil Prof. Lamarão

a Independência dos EUA a principal

referência para estes insurgentes. Ten-

taram, inclusive, apoio diplomático dos

EUA para a sua tentativa de emancipa-

ção. Os livros proibidos eram, ou copia-

dos manuscritamente e distribuídos, ou

adquiridos no exterior, ou comprados

nos navios que chegavam. Ainda não

havia uma imprensa no Brasil, daí que

esta circulação de livros- muitas vezes

em outras línguas- se dava basicamente

por empréstimos de bibliotecas particu-

lares aos demais. Outra forma de disse-

minação das ideias iluministas era a

oralidade, através de conversas infor-

mais ou formais, publicas e secretas.

Importa notar que em Minas, devido a

sua opulência, se encontra o maior nú-

mero de letrados na época mas, funda-

mentalmente, a maioria da população

era analfabeta.

A inquietação desta elite au-

mento quando a Coroa teria noticiado

que iriam lançar mão da derrama. As-

sim, imaginavam os conspiradores que

o dia da derrama seria o dia ideal para o

estopim emancipacionista. Havia certo

acordo dentre eles que o novo país seria

uma monarquia constitucional ou uma

república federativa ao modelo ameri-

cano, seria mantida a escravidão, adota-

da a liberdade econômica, o estímulo à

fábricas necessárias ao desenvolvimen-

to, a nova capital seria São João Del Rei

e, de imediato, se criaria universidades

no país e a confecção de uma bandeira

branca com um triangulo vermelho no

meio adornado pela frase libertas quae

sera tamem, em latim, cujo significado

seria “liberdade, ainda que tardia”. Con-

tudo, providencias básicas para o suces-

so dos insurgentes não foram tomadas

como a militarização de parte da popu-

lação, o contato com outras capitanias e

mecanismos para angariar a adesão dos

setores populares. Contudo, antes mes-

mo de deflagrarem sua ação, foram

denunciados ao Visconde de Barbacena,

por Joaquim Silvério dos Reis, dentre

outros.

A caminho do Rio de Janeiro,

José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi

preso e, logo após, outros integrantes,

estes de mais alta estirpe. Devido a seu

caráter popular e ao fato de não ter

delatado nenhum de seus companhei-

ros em inquérito, foi atribuída a Tira-

dentes a liderança do movimento. A ele

foi imputada a pena mais dura, embora

todos os envolvidos tenham sido encar-

cerados no Rio de Janeiro e tenham sido

alvos de duras punições. Degredo e pri-

sões marcaram os “autos da devassa”

mas também muitos envolvidos obtive-

ram melhor sorte por lançarem mão de

um expediente muito comum na socie-

dade brasileira, ontem e hoje: a corrup-

ção.

À Tiradentes coube o seu

enforcamento em praça pública e, pos-

teriormente, seu esquartejamento, sen-

do partes do seu corpo espalhados em

distintas praças, no Rio e em Minas.

Contudo, dois pontos nos cabem para a

reflexão: A imagem de Tiradentes con-

forme a conhecemos não corresponde a

realidade e cumpre uma

espécie de cristianização de

Tiradentes, ao assemelhar

o seu visual, de grande bar-

ba e cabelos grandes, a

Cristo. Isto tem a ver com o

outro ponto: a hipervalori-

zação da inconfidência mi-

neira pela história oficial

tem muita relação com o elitismo deste

movimento, querendo transformar a

elite nacional como a verdadeira porta-

dora de projetos de mudança e progres-

so a este país, nada mais inverídico.

A Conjuração Cario-

ca- (1790-97)

Existem duas correntes inter-

pretativas que debatem a profundidade

e o papel da Conjuração Carioca. De um

lado, estão aqueles que acreditam que a

Conjuração nada mais era do que um

círculo de leituras de textos proibidos

do iluminismo que se reunia sobre ou-

tros pretextos mas ao fim, debatiam os

acontecimentos e ideias que se desen-

rolavam na Europa e América do Norte.

Neste sentido, a Conjuração carioca

teria sido bastante inofensiva e, ainda

menos do que as demais, não passou de

um breve ensaio.

Outra corrente credita aos

cariocas conjurados o papel de “frente

carioca” da inconfidência mineira, ou

seja, afirmam que poderia haver uma

coordenação entre as ações que se de-

senrolavam em Minas e no Rio. Um des-

tes indícios seriam as constantes via-

gens de Tiradentes à capital colonial.

Todavia, é certo que cariocas

que se reuniam em torno da Sociedade

Literária do Rio de Janeiro, sociedade

que tinha objetivo de organizar os deba-

tes e avanços científicos que se davam

na Europa. Contudo, na investigação foi

encontrada na casa de um de seus líde-

res um Estatuto Secreto onde um dos

itens seria a manutenção do segredo

dos debates e outro que informa que

toda extensão da filosofia seria debati-

da. Todavia, a descoberta da Inconfi-

dencia mineira levou ao fechamento

pelas autoridades da sociedade literária

e seus integrantes passaram a ser inves-

tigados, pelos mesmos investigadores

Page 3: As conjurações Mineira, Carioca e Baiana

História do BrasilHistória do Brasil Prof. Lamarão

que participaram do episódio mineiro.

Prisões e anistia se alternaram com al-

guns dos líderes sendo condenado ao

degredo. A demora no desenrole (7

anos), contudo, levou o Conde de Re-

zende a conceder a anistia aos envolvi-

dos, tendo contribuído para isto, a influ-

encia da maçonaria.

Conjuração Baiana

(1798)

A conjuração baiana guarda

elementos bastantes distintos das de-

mais conjurações. Seja pelas classes que

participaram da luta pela liberdade,

onde se tem maior participação das

classes populares, seja o projeto de país

almejado por estes insurretos, onde se

tem propostas mais radicais, como a

organização de uma república democrá-

tica e a abolição da escravatura. Influen-

ciados pelo ocorrido na fase jacobina da

Revolução Francesa, onde as reformas

defendidas alcançavam setores sociais

mais amplos, os baianos tiveram notí-

cias de um levante de escravo na Inde-

pendência do Haiti, que culminou na

libertação local e na expulsão dos ho-

mens brancos de lá. Dentre os lutadores

na conjuração estavam, portanto, ne-

gros e mulatos, que misturavam o so-

nho da liberdade colonial com o da li-

berdade individual. Por seu caráter po-

pular, o episódio também é conhecido

na história como Revolta dos Alfaiates,

Conspiração dos Alfaiates, entre outros.

Isto não significa que a elite não se fez

presente neste movimento, ao contrá-

rio, coube a ela um papel proeminente.

Através da loja maçônica Cavaleiros da

Luz mantinham contato a elite e setores

populares.

Em 12 de agosto de 1798,

papeis manuscritos apareceram afixa-

dos na porta de importantes edifícios e

instigavam a população a acabarem

com a Tirania da Metrópole. Dentre as

principais ideias dos revoltosos esta-

vam: ter a França como modelo, o fim

da escravidão, a separação entre Igreja

e Estado, o fim do monopólio colonial, a

igualdade de direitos, melhores salários

para os soldados, etc. As ideias eram

propagadas através de bilhetes escritos,

cópias de livros, poemas e a oralidade.

As autoridades passam a

prender figuras que tenham a letra pa-

recida a que aparece nos manifestos.

Contudo, estes continuam a surgir, até

que um soldado, partícipe do movimen-

to, foi detido. Com medo de que a partir

do fio desnovelado as autoridades che-

gassem a todos os envolvidos, os insur-

gentes resolveram precipitar o movi-

mento. Contudo, novamente, foram

entregues por meio de denúncia e são

detidos antes mesmo de se por em

ação. Dos condenados pela devassa,

quanto mais pobre e negra fosse a pes-

soa, maior a chance dela sofrer uma

punição exemplar. Seis negros tiveram a

pena máxima: enforcamento seguido de

esquartejamento em praça pública. Ou-

tros sofreram degredo para regiões da

África. Quanto aos participantes que

integravam as elites, as penas foram