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ISSN 2176-1396

AS AULAS DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA NA ESCOLA DO CAMPO:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Rafaela Gonçalves de Oliveira1 - UTFPR

Antonio Carlos Frasson2 - UTFPR

Grupo de Trabalho – Educação do Campo

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo é um relato da minha experiência com um trabalho desenvolvido nas aulas de

ciências e biologia, numa Escola do campo localizada no interior do Paraná. O objetivo do

trabalho foi a descrição de algumas diferenças, em relação às escolas do meio urbano, que

encontrei ao me deparar com as escolas do meio rural, as quais muitas vezes não foram nem

mencionadas em minha formação acadêmica. Foram relatadas as principais experiências

vivenciadas ao chegar a esta escola e quais foram minhas atitudes no enfrentamento dessa

realidade até então desconhecida. Discorro a respeito da minha inquietude ao modificar

algumas práticas pedagógicas engessadas, sem nenhuma contextualização com o meio e com os

conhecimentos que pertencem aos alunos, frutos de sua vivência. Com base nos documentos

norteadores sobre uma Escola do Campo, explico como estamos longe da escola desejada pelos

povos do campo e como a prática pedagógica de nós professores está diretamente ligada a esta

almejada escola, adequada a esses educandos. Além disso, opino sobre a importância de se

articular a educação com o contexto em que vivem esses sujeitos, sem deixar de ser competente

na produção do conhecimento. Concluo que a experiência de trabalhar em uma Escola do

Campo é rica, um mosaico de cultura e aprendizado. Conhecer as peculiaridades desses sujeitos

proporciona uma formação humana complexa e faz com que contextualizemos nosso

conhecimento em todas aulas, tornando-o complemento do conhecimento empírico e inerente à

vida cotidiana desses alunos, o que desafia a sempre buscar novas práticas.

Palavras-chave: Escola do Campo. Práticas Pedagógicas. Aluas de Ciências e Biologia.

1 Aluna do Mestrado em Ensino de Ciências e Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná,

campus Ponta Grossa. E-mail: [email protected].

2 Doutor em Educação: UNIMEP-SP. Docente do Programa de Pós – Graduação em Ensino de Ciências e

Tecnologia. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPQ). “Educação Inclusiva”: contextos e formação e práticas

pedagógicas para o Ensino de Ciência e Tecnologia. E-mail: [email protected].

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Introdução

Ao nos depararmos com as Escolas do Campo temos imediatamente um choque

cultural. Nesse momento, cabe a nós, educadores que estão ingressando neste cenário, uma

mente aberta para compreender o contexto e principalmente as decisões que permeiam este

meio. O cenário que nos é apresentado se difere das escolas que imaginamos ao sair da

universidade ou, ainda, das escolas que são apresentadas nos bancos, no período da nossa

formação.

O cenário que apresento é de uma Escola do Campo, localizada no município de Tibagi,

onde iniciei minha carreira profissional e atuo, até a presente data, como professora de ciências

e biologia para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Nesta escola, me deparei com

situações que não me foram apresentadas quando era acadêmica e nem sequer mencionadas.

Portanto, no decorrer do meu trabalho me senti desafiada. Contudo, sabia que teria que me

superar inúmeras vezes, já que aquele era o contexto que iria trabalhar e tinha em mente que

trabalharia da melhor maneira possível.

No decorrer da minha jornada de trabalho tive vários conflitos comigo mesma e com o

sistema, pois não conhecia o contexto de uma escola do campo e não tinha nenhum

conhecimento sobre como estas escolas ainda sofriam com situações que me pareciam já

superadas no sistema de ensino. A inquietação e o estudo me levaram a compreender que o

ensino ofertado aos povos do campo se constituiu em meio às contradições e, embora tenham

ocorrido avanços socioeconômicos e educacionais nas últimas décadas, a realidade nos aponta

diferenças educacionais gritantes na comparação com áreas urbanas.

Nessa perspectiva, acredito que se faz necessária a contextualização entre saberes

científicos com âmbito da escola em que estamos inseridos favorecendo a possibilidade de

conhecer o que ali ocorre como interagir, no cotidiano da escola. Trata-se de compreender,

neste caso, as relações que se expressam, mas atentando para o fato de que não há espaço para

questionamentos ou moralidade discriminando o que é certo ou errado.

O contexto apresentado permite aos professores que atuam nas escolas do campo, ou

que irão atuar, refletir sobre suas práticas. Isso significa não apenas apontar problemas e/ou

incoerências, que tem como objetivo um padrão de escola e principalmente de alunos e práticas

pedagógicas que ainda persistem e tornam as salas de aula e as escolas engessadas em um

modelo. Defendo que a concepção aqui abordada problematiza o ensino dos povos do campo,

pois a reprodução de conceitos homogeneizantes dificulta o pertencimento do aluno em relação

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ao conteúdo que o professor aborda, bem como dificulta a relação professor-aluno, uma vez

que este docente não conhece o meio e não permite incluir o ponto de vista desses sujeitos na

produção de conhecimento.

Neste relato vou discorrer sobre as inquietações e atitudes que ainda me confrontam no

séc. XXI, no meu dia-dia escolar, que, muitas vezes, se transformam em divisores de águas

para muitos de meus alunos, principalmente aqueles que almejam uma formação além do

ensino médio, o que, infelizmente, não se traduz, ainda, em elevação do patamar educacional

e/ou em melhoria da infraestrutura do sistema público de ensino.

Os enfrentamentos em uma Escola do Campo.

Baseado no contexto apresentado, minha experiência decorre da carreira profissional

que obtive até o dia de hoje. Atuo em uma Escola do Campo localizada no município de Tibagi

desde o ano de 2010, lecionando no Ensino Fundamental II e Médio, ministrando as disciplinas

de Ciências e Biologia e, em alguns anos, a disciplina de Química. A escola possui 645 alunos

divididos em 25 turmas e compartilha a estrutura física com a escola Municipal David

Ferdemam há muitos anos, portanto o espaço é limitado. Aguarda-se uma escola independente

aproximadamente há 10 anos, porém os trâmites legais para a construção encontram–se parados

até o momento. Existem dias em que 1000 alunos dividem o mesmo espaço, sendo alunos do

colégio estadual e municipal realizando as atividades escolares.

Por se tratar de interior há várias particularidades. O transporte, por exemplo, é um

quesito essencial para o andamento das atividades, por isso, em algumas ocasiões, nossas

práticas dependem da disponibilidade deste transporte, que também é dividido com os alunos

da Escola Municipal e seu calendário é preferencial. Em dias de chuva, ressalto, que

dificilmente todos os alunos conseguirão estar presentes nas aulas. Muitas vezes a Prefeitura

Municipal decide interromper o transporte escolar e alegam vários motivos para isso, já que

obedecem um calendário diferente do calendário estadual.

Como reflexo dos programas de transporte escolar ou de modelos de nucleação

inadequados, observa-se que, em 2005, foram transportados para escolas localizadas

em áreas urbanas 42,6% dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental,

residentes na zona rural e atendidos pelo transporte escolar público, o mesmo

acontecendo com 62,4% dos matriculados nas séries finais (SECAD/MEC 2007, p.

22).

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Este texto da SECAD foi organizado com a finalidade de demonstrar as desigualdades e

a exclusão no contexto da educação do campo e vai ao encontro das inúmeras barreiras com as

quais me deparei ao chegar à escola no início da minha carreira.

Os recursos são distribuídos igualmente entre as escolas estaduais, sejam elas Escolas

do campo ou urbanas, porém uma das situações iniciais, que me chocou ao desenvolver meu

trabalho, foi que os alunos ainda realizavam suas avalições em folhas de caderno e as copiavam

do quadro-negro, passavam mais de uma aula apenas copiando a avaliação proposta pelo

professor. Achava errado o aluno copiar suas avaliações, por se tratar de um momento

importante em que o estudante demonstra se apreendeu o conhecimento e o professor avalia sua

prática conforme os resultados, uma vez que este é o modelo exigido pela escola como um dos

critérios de avaliação.

Contudo, depois de um tempo, obtive a informação que foi providenciada uma cota de

cópias e uma impressora matricial a disposição dos professores, para que elaborassem suas

atividades e avaliações ganhando tempo na elaboração de atividades diferenciadas e com maior

interação. Neste processo, o que mais me deixou motivada a buscar uma mudança foi o que

ouvia de meus alunos na faixa etária de 13 a 14 anos, que me diziam frases semelhantes a

essas: “nunca tivemos nada pronto professora, só copiamos do quadrou ou do livro” ou “só

copiamos e respondemos, pergunta e resposta”. Esta situação me deixava inquieta: ver que os

alunos passavam o tempo todo na escola realizando o mesmo tipo de atividade, sem que suas

necessidades de ensino-aprendizagem e o contexto social em que se inserem fossem levados

em conta. Nesta perspectiva:

Cada (...) país mostra uma forma diferente de expansão de seu sistema público de

escola, a qual se liga ao caráter das lutas sociais, a projetos políticos identificáveis, ao

tipo de ‘modernização’ que cada Estado propôs para o sistema educacional dentro de

precisas conjunturas históricas. As diferenças regionais, as organizações sociais e

sindicais, os professores e suas reivindicações, as diferenças étnicas e o peso relativo

da Igreja marcam a origem e a vida de cada escola. A partir daí, dessa expressão local, tomam forma internamente as correlações de forças, as formas de relação

predominantes, as prioridades administrativas, as condições trabalhistas, as tradições

docentes, que constituem a trama real em que se realiza a educação. É uma trama em

permanente construção que articula histórias locais – pessoais e coletivas [...]

(EZPELETA e ROCKWELL, 1989, p.11).

Entendo, portanto, que o papel do professor é se comprometer com o processo de ensino

e aprendizagem, proporcionando ao seu educando uma visão de mundo, sendo, portanto,

mediador da informação e trabalhando em conjunto na elaboração de um conhecimento

pertinente, que tenha valor no dia a dia deste aluno.

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Cabe destacar que de acordo com as Diretrizes Operacionais (Brasil, 2003), o diálogo

nas salas de aula das escolas do campo, que se almeja na Educação Básica nas Escolas, deve

levar em conta que “[...] a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às

questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade, nos saberes próprios dos

estudantes e na memória coletiva”.

Trabalhando em uma Escola do Campo, percebo que esta linha é muito tênue, já que

nosso sujeito possui um conhecimento rico em assuntos ligados à natureza, uma vez que faz

parte da sua vivência o contato direto com o campo e seus ensinamentos. Entretanto, ao que me

parece, muitos professores não relacionam os conteúdos abordados ao contexto histórico e

social dos estudantes e, além disso, não visam a progressão nos estudos, pois tem dificuldade

em visualizar estes educandos seguindo para além do Ensino Fundamental ou Ensino Médio.

Dessa maneira, se pautam em formas simplistas de abordagem dos conteúdos, resultando em

um ensino que não proporciona a esses alunos aprofundamentos e contextualizações dos

conhecimentos.

Outra situação que gostaria de relatar se refere à proposta de exercícios diferenciados

aos meus alunos. Como ministro as disciplinas de Ciências e Biologia, tenho a oportunidade de

contextualizar a maioria dos meus conteúdos, já que estas disciplinas possuem um estreito laço

com o cotidiano desses educandos. Sendo assim, procurei nas minhas aulas interagir com eles,

oportunizando espaço para que demostrassem o conhecimento empírico, trazido de suas

famílias e passado até sua geração. Foi uma tarefa árdua já que a maioria não conseguia

contextualizar ou associar os conhecimentos científicos ao seu dia a dia. Acredito que um dos

principais motivos para isso se relaciona ao constante exercício de cópia ao qual os alunos

estavam submetidos, em que, em muitos casos, apenas reproduziam o que estava descrito nos

livros para seu caderno, sem reflexão crítica.

Deparei-me com um exercício diário para aprimorar, com outros modelos de atividades,

a percepção e o pertencimento deste aluno no tema que estava sendo trabalhado. Esta mudança,

com certeza, foi árdua e difícil para eles, já que há muitos anos eram avaliados apenas pelo

processo de cópia e resposta. Em um primeiro momento, tinha as turmas de 9º ano, portanto,

foram alguns anos até que alguém propusesse algo diferente. As notas, de princípio, foram

baixas, alguns alunos não respondiam nada. Diante dessa realidade, comecei a trabalhar ao lado

deste educando, para que superasse essa nova barreira e entendesse que no momento que há

uma contextualização, as coisas se simplificam para nosso melhor entendimento.

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Dessa forma, compreendo que os colegas que almejam ou estão em uma escola de

campo devem repensar a ideia que permeia salas multisseriadas, em que os estudantes desejam

apenas concluir aquela etapa e voltar aos seus afazeres no campo, sem um olhar crítico para sua

própria realidade. Trabalhamos com uma geração que visa um formação mais ampla, que

deseja obter conhecimentos para evoluir nas práticas do campo e/ou para ir em busca de

formação humana e profissional.

Tem-se, portanto, aqui, uma mudança do ponto de vista da formação docente, que não corresponde mais à situação historicamente posta de que os professores, sobretudo

aqueles que lecionavam em escolas rurais (multisseriadas) possuíam, muitas vezes,

apenas um grau a mais de formação do que seus alunos. Apesar de ser uma realidade

ainda presente em algumas regiões do país, mostrou-se transformada no caso do

Estado do Paraná que se mostra comprometido com a busca da igualdade social e o

reconhecimento e valorização das diferenças, sua essência manifestava e manifesta

mecanismos excludentes, (re) produzindo desigualdades sociais nos vários segmentos

sociais (MENDES E GARCIA, 2010, p.8).

Sendo uma educação “diferenciada”, o contexto da Educação do Campo é um projeto

curricular onde há especificidades, que contêm em seus elementos principais questões ligadas à

relação da educação com a vivência do aluno. Cabe ao educador não descartar estes

conhecimentos, mas ter a consciência de trazê-los para a sala de aula no intuito de aprofundá-

los e de promover a valorização do meio em que este aluno está inserido, com vistas a combater

a descriminação que sofrem, uma vez que, em muitos casos, são tratados como alunos das

“escolinhas do campo”, em contraste aos estudantes da cidade e não cabe a nós, professores,

tratá-los com este peso.

A vinculação a um projeto popular de educação e desenvolvimento específicos para essas populações, por meio de conteúdos, metodologias e práticas pedagógicas

diferenciadas, segundo os interesses, as expectativas e a realidade de cada uma delas,

mas sem esquecer o conhecimento universal, que também precisa ser considerado. Por

isso, pensar a educação do campo implica situá-la em um movimento cuja gênese se

faz sentir pela ação organizada de sujeitos coletivos dos diversos segmentos da

sociedade envolvidos com as questões agrárias. São movimentos sociais, organizações

e instituições que se juntam aos educadores do campo e às populações campesinas em

busca do direito de cidadania. De sua gênese para cá, a força do movimento tem

produzido resultados significativos, embora ainda exista um quadro de precariedade

que se configura em “desumanização” da condição humana (FREIRE, 1989), de

exploração e desigualdade (LANDIM, 2007, p. 1087).

Para além dessa situação ainda iniciei com meus alunos aulas com matérias de

laboratório, pois até aquele momento a professora que lecionou nas minhas turmas não gostava

de ministrar aulas práticas, portanto não levava os alunos para o laboratório de ciências, este se

encontrava cheio de livros e “desativado” já que nenhum professor o utilizava. Temos um

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laboratório bem equipado, pois as escolas receberam entre os anos de 2009 e 2010 vários

materiais para que estas aulas ocorressem de maneira efetiva nas escolas, porém a maioria dos

equipamentos estavam desativados e guardados nas caixas.

De fato, nas escolas rurais, assim como na maioria das escolas brasileiras, os livros

didáticos têm sido utilizados como os principais recursos para o ensino. Tais livros, no contexto do ensino de ciências, pouco ou nada trazem de possibilidade para

abordagens contextuais a respeito da própria ciência, no sentido do seu

desenvolvimento social e histórico, ou da própria realidade na qual os ambientes

escolares e seus alunos estão inseridos. Daí que muitos professores terminem por

tentar estabelecer relações com as suas realidades e convicções pedagógicas, o que

implica no risco de estabelecimento de incoerências com relação, principalmente, a

natureza do conhecimento científico (NETO e FRACALANZA, 2003).

Ao iniciar as aulas práticas muitos de meus alunos ficaram apreensivos e até

intimidados para usar o equipamento que estava a sua frente, pois nunca tiveram contato com

aquele tipo de material. Foi um processo lento até o entendimento, por parte dos meus

educandos, da importância daquele conhecimento de mundo microscópio da Biologia ou até

podemos dizer da vida. Eles relacionaram várias situações que ocorreram em suas casas ou

lavouras, enfim, em seus afazeres, com os temas abordados e exemplificados em nossas aulas,

portanto evoluímos mais um pouco na busca da construção do conhecimento coerente e

contextualizado, independente de onde queiram estudar.

Considerações Finais

A verdadeira educação para os povos do campo, a nossa almejada Educação do Campo,

passa pela prática docente. Acredito que para uma professora novata ou não nesta profissão, sua

prática docente deve ser coerente para esses educandos, esse é o grande passo que deve ser

dado. Não adianta existirem documentos, diretrizes e papéis que norteiem as propostas para

essa educação, se os educadores não pautarem suas práticas em metodologias construtivas e

significativas para o aluno. Somos nós professores, em sala de aula, que trabalhamos dia a dia

com estes estudantes. Nosso papel é demonstrar e proporcionar que no processo de ensino-

aprendizagem, os alunos se tornem detentores do conhecimento e que isso seja relevante para a

formação deles.

Torna-se cada vez mais poderosa a discussão sobre a democratização da escola do

campo e a observação do seu contexto, a exploração de seus saberes, atitudes e valores que são

reconhecidos como diferentes, ainda que tais saberes sejam inerentes aos saberes teóricos que a

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escola continua abordando em seu projeto político-pedagógico. Neste âmbito, o espaço da

Educação do Campo faz parte de uma realidade com objetivos precisos e com formas

específicas de olhar para um mundo que se torna cada vez mais contextualizado.

Cabe a nós educadores, portanto, começar a mudar a realidade das Escolas do Campo,

reconhecendo que as características que as diferem de outra Escola são o lugar em que estão

inseridas e, consequentemente, o público, já que nosso sujeito vem de uma realidade diferente.

Ainda assim, este aluno almeja o que qualquer jovem de qualquer escola almejaria: estudar, se

formar, adquirir conhecimento, crescer em uma careira profissional ao mesmo tempo em que

evolui na sua formação humana, em seu contexto, seja ele qual for. Temos que repensar a ideia

de que nossos educandos não sairão do campo, afinal cabe à escola oferecer uma educação de

qualidade e que garante ao discente sua continuidade nos estudos até o grau que almeja.

O que se pretende não é a construção de uma nova escola, mas que haja na prática

docente a busca pela formação humana segundo a perspectiva emancipatória, com a

valorização dos sujeitos, dos conhecimentos que eles trazem para a sala de aula e

principalmente valorizar na abordagem dos temas as relações entre as experiências locais e os

conhecimentos universais.

REFRÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais Para a Educação no Campo.

Arquivo disponível na Internet no endereço eletrônico:

<http://www.mec.gov.br/cne/pdf/EducCampo01.pdf>, acessado em 20.07. 2015.

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da Saúde, 2003.

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SECAD 2.81f. Brasília, 2007.

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construção. In: Pesquisa Participante. Trad. Francisco Barbosa. SP: Cortez: Autores Associados, 1989, p. 9-30.

GARCIA, L. A cultura nas organizações escolares: proposições, construções e limites. In A. C.

Neto, A. M. Castro, M. França & M. A. Queiroz (Org.), Pontos e contrapontos da política

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LANDIM, T. Currículo: um espaço de promoção da cidadania do campo. In C. 2007, p. 1087.

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MARCOCCIA, P. C. de P.. Escolas públicas do campo: indagação sobre a educação especial

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Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2011. <http://www.scielo.br/ >. Acesso em: 08 jul.

2015.

NETO, J. M. e FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e soluções. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, 2003, p.147-157.

SOUZA, Maria Antônia de. A pesquisa sobre educação e o Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST) nos Programas de Pós-Graduação em Educação. Revista Brasileira

de Educação v. 12, n. 36, Set/Dez, 2007.