as 14 pérolas da Índia

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Para as minhas trs prolas: Tali, Lis e ris. I.B. Aos meus amigos queridos, que trazem sempre novas cores minha vida. A Mariana.

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A Serpente e o Vaga-Lume 7 A Esperteza da Morte 11 A Sabedoria de Buda 15 O Mestre, o Aluno e o Elefante 19 Buda e os Estrangeiros 23 O Palcio e a Pousada 27 O Espelho Humano 31 O Mendigo e o Banquete Real 34 O Velho, a Criana e o Burro 38 O Buscador da Verdade 42 A Chuva Sagrada 46 A R do Poo 49 Mara, o Deus da Mentira 53 O Caminho da Felicidade 56

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uma antiga floresta indiana, um vaga-lume voava feliz e livre

entre baixos arbustos. O pequeno inseto estava to distrado com a paisagem que no percebeu que estava sendo seguido por uma serpente venenosa. De repente, o vaga-lume se deu conta do perigo, tentou fugir, mas a serpente o encurralou. O inseto reluzente ento parou de se movimentar, deu meia-volta, encarou a serpente e perguntou:

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Voc vai me comer? A serpente se aproximou um pouco mais e respondeu: Vou! Mas isso no faz sentido! Serpente comer vaga-lume!? Tem certeza de que vai me comer? perguntou novamente o vaga-lume. A serpente deslizou lentamente em direo ao inseto e respondeu: Tenho certeza absoluta!

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Ento, antes de morrer, posso lhe fazer trs perguntas? solicitou o vaga-lume. Pode. Vai morrer mesmo... respondeu a serpente agitando o chocalho na extremidade da cauda. Primeira pergunta: eu fao parte da sua cadeia alimentar? A serpente levantou o corpo at a altura do vaga-lume e respondeu: No! Segunda pergunta: eu lhe fiz algum mal? A serpente se inclinou at quase tocar as antenas do inseto e respondeu: No! Terceira e ltima pergunta: ento por que voc quer me comer?

E a serpente, j sentindo o corpo do vaga-lume na lngua, respondeu: Porque no suporto o seu brilho! E o devorou.

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a cidade de Pratishthana vivia um famoso ancio que por dcadas estudou e praticou as mais diversas meditaes espirituais. Tanto

esforo foi recompensado com uma sade de ferro e com poderes sobrenaturais. Muitos o chamavam de mestre; ele tinha discpulos, dava conselhos, fazia curas atravs de mantras e dizia a todos que quando chegasse a sua hora de partir para o outro mundo, ele enganaria a morte. Ao completar cem anos, o ancio intuiu que Yama, o deus da morte, estava convocando um emissrio para lev-lo do mundo terreno. Rapidamente, e usando todos os seus poderes, o velho conseguiu criar doze cpias perfeitas de si mesmo. Quando o emissrio de Yama entrou na sala do ancio, ficou completamente confuso. Na sua frente estavam treze velhos idnticos! Qual seria o verdadeiro? O emissrio olhou atentamente para eles, mas no havia nada que os

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diferenciasse, portanto, a misso de lev-lo havia falhado. Quando chegou casa de Yama de mos abanando, o deus da morte lhe perguntou: Cad a encomenda que mandei buscar? O emissrio, com ar desolado, contou o que havia ocorrido. Yama, em vez de ficar bravo, deu uma gargalhada to forte que chacoalhou Kailas, a montanha onde Shiva reside. No est bravo comigo? perguntou o emissrio. No. Estou surpreso com a esperteza daquele velho. Venha c,

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emissrio, aproxime-se. Quero lhe dizer ao p do ouvido o que voc deve fazer com aquele ancio. Ningum mais esperto que a morte! sentenciou Yama. O emissrio se aproximou, sentiu um ar gelado percorrer sua espinha e ouviu o sussurro da morte. Quando Yama terminou de falar, o emissrio estava com um sorriso estampado no rosto. J volto com a sua encomenda! gritou o emissrio, preparando-se para descer terra novamente. Em Pratishthana, o ancio novamente pressentiu a chegada da morte, e como no se havia passado muito tempo desde a ltima visita, l estavam suas doze cpias perfiladas uma ao lado da outra. Ele se encaixou entre elas e aguardou... Dali a pouco, l estava o emissrio pela segunda vez na frente de treze velhos idnticos. Ele passou os olhos em todas as cpias e disse: Muito bem, o senhor inteligente mesmo! S um grande homem, com uma sabedoria mpar e um esprito especial, poderia realizar tal faanha. Porm disse o emissrio em tom grave , vejo um grande defeito no seu trabalho! Qual?!!! gritou o verdadeiro ancio. O emissrio riu e respondeu: A vaidade, sempre a vaidade. Yama tinha razo. Depois de mais algum tempo, Yama recebeu sua encomenda.

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prncipe Sidharta,

nascido na riqueza, transformou-se no Buda, o

Ser desperto e iluminado. Ele abandonou o palcio de seu pai quando descobriu a existncia do sofrimento e da tristeza no mundo. Muitas e muitas histrias so contadas a respeito da vida e dos ensinamentos de Buda. Aqui est uma delas: Buda caminhava calmamente por uma densa floresta quando resolveu se sentar embaixo de uma linda rvore frutfera. Assim que ele cerrou os olhos, uma luz clara comeou a emanar do seu corpo, um cheiro de frutas misturado com flores comeou a se espalhar em torno do Mestre. A floresta inteira parecia paralisada, enfeitiada com a presena do Ser desperto. Prximo floresta, um dos primos de Buda, Devadatta, sentindo a presena do Mestre, decidiu ir observ-lo. Devadatta era um homem perverso, invejoso e ciumento, que passava boa parte do tempo falando mal de Buda. A raiva e a inveja de Devadatta eram tamanhas que at matar o primo passava pelo seu pensamento. Quando Devadatta viu Buda sentado e meditando embaixo da rvore frutfera, foi tomado de um dio mortal. Esperou o primo se levantar e o seguiu. Buda saiu da floresta e comeou a andar numa14

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estreita estrada; acima dele havia um pequeno penhasco. O maldoso Devadatta correu penhasco acima, olhou para baixo e decidiu que jogaria uma enorme pedra na cabea de Buda. Quando o Mestre passou bem acima de onde estava seu primo, este empurrou a enorme pedra. Quando Devadatta olhou para baixo, viu que a pedra tinha cado ao lado de Buda, que continuava com um ar sereno no rosto. Por dois segundos, os primos cruzaram o olhar, e Devadatta, envergonhado e raivoso, saiu correndo e desapareceu. Algumas semanas depois, numa cidade chamada Dandakaranya, Devadatta cruzou com seu primo Buda numa ruela perto do mercado principal. Bom dia, Devadatta disse Buda, com um sorriso no rosto. O primo perverso no entendeu por que Buda o estava cumprimentado, ainda por cima com um sorriso no rosto. Mestre, no est bravo comigo? balbuciou Devadatta. No, por que deveria estar? perguntou Buda, com uma serenidade indescritvel. Devadatta estava confuso, e por poucos segundos encarou o olhar amvel de seu primo iluminado. Mestre, no se recorda da pedra e do penhasco? Buda deu trs passos em direo ao primo, tomou-lhe a mo e respondeu: Hoje voc no mais aquele que atirou a pedra em mim, e nem eu sou mais aquele que sentiu a pedra cair ao seu lado. Devadatta sem saber o que dizer, abaixou a cabea, afastou-se de Buda e desapareceu.

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um famoso ashram, lugar onde os mestres ensinavam seus alunos, um discpulo muito curioso e atrapalhado perguntou ao professor:

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Onde Deus mora? O mestre respirou fundo e respondeu: Tudo o que existe Deus. O aluno terminou de ouvir os ensinamentos do professor, levantouse do cho, abriu a porta da sala e foi-se embora. No caminho para casa, ele foi pensando na frase: "Tudo o que existe Deus".

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Com a frase ainda ricocheteando em seu crebro, o aluno viu ao longe um elefante que se aproximava em alta velocidade e comeou a falar: Bom, se o mestre tem razo, eu sou Deus, o elefante tambm Deus, portanto no posso temer a mim mesmo. Ele ento decidiu que no sairia da trajetria do elefante. O condutor do animal, vendo o aluno parado como um poste no meio do caminho, comeou a gritar: Saia da! Voc vai ser atropelado. Saia! O jovem aluno, de olhos arregalados, vendo aquele animal de algumas toneladas se aproximando cada vez mais, repetia baixinho: "Eu sou Deus, ele Deus, nada vai me acontecer..." O condutor ainda gritou o mais alto que pde, mas no adiantou. O elefante pegou o aluno com a tromba e o jogou para longe. J em casa, recuperando-se das vrias fraturas provocadas pelo acidente com o elefante, o aluno recebeu a visita do seu mestre. Mestre, ainda bem que veio. Isso tudo aconteceu por sua causa. No me disse que Deus est em tudo o que existe? Sim, isso verdade respondeu o mestre. Ento, se eu sou Deus e o elefante era Deus, por que Deus fez isso consigo mesmo? perguntou o aluno. O mestre se aproximou da cama do aluno e respondeu: Sim, voc Deus, o elefante era Deus e o condutor que estava em cima dele tambm era Deus. Por que voc no obedeceu a Deus, que gritou tantas vezes para voc sair da frente do elefante?

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a cidade de Anuradhapura, Buda estava sombra da rvore sagrada Bo, a mesma rvore que tempos atrs havia presenciado o despertar, a iluminao do Mestre. Agora ele estava com vrios discpulos, todos em posio de ltus, meditando de olhos fechados. Era uma manh fria de inverno, quando um estrangeiro interrompeu a meditao do Mestre e de seus discpulos: Venervel Buda, responda a uma questo angustiante para a minha alma.

Buda e todos os seus seguidores abriram os olhos. O Mestre apenas assentiu com a cabea. O estrangeiro perguntou: Deus existe? No respondeu Buda. O estrangeiro foi embora e todos voltaram a cerrar os olhos. Na parte da tarde, com um sol que esquentava deliciosamente o ar, outro estrangeiro se aproximou da rvore Bo. Querido Buda, desperte para responder a uma questo que aflige minha alma. Buda e todos os seus seguidores novamente abriram os olhos, e novamente o Mestre assentiu com a cabea. O segundo estrangeiro perguntou:

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Deus existe? Sim respondeu Buda. O segundo estrangeiro tambm foi embora e todos voltaram a cerrar os olhos. Ao anoitecer, com um vento gelado que penetrava nas entranhas da floresta, um terceiro estrangeiro se aproximou da rvore Bo. Amado Buda, acorde para me ajudar. Pela terceira vez todos interromperam a meditao. Buda deu um sorriso em direo ao estrangeiro e aguardou a pergunta. Deus existe? Talvez respondeu Buda. O ltimo estrangeiro se afastou ao ouvir a resposta, e antes de todos voltarem meditao, um discpulo que estava ao lado do Mestre tomou coragem e disse: No entendi suas palavras, Mestre. Os trs estrangeiros vieram at aqui e lhe fizeram a mesma pergunta, e o Mestre respondeu de trs formas diferentes. Por qu? Buda respirou fundo, cerrou os olhos e disse: Meu jovem buscador da verdade, oua e aprenda. Os homens podem chegar at Deus por trs vias: pela negao, pela afirmao e pela dvida. Buda respirou novamente e mergulhou nas profundezas de sua alma.

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a cidade de Agra, local que sculos mais tarde abrigaria o Taj Mahal palcio construdo pelo imperador Chah Jahan para lembrar a beleza de sua amada esposa , Mumtz Mahal, um asceta, homem simples, frugal, dedicado busca da verdade, bateu na porta de um suntuoso palcio. Dois soldados abriram a porta, olharam o asceta e perguntaram: O que voc quer? Digam ao rei que quero pernoitar na sua pousada respondeu o asceta, que mais parecia um mendigo faminto. Os soldados comearam a rir e tentaram expulsar aquele homem da frente do palcio. O asceta ficou imvel, repetindo o tempo todo que queria dormir na pousada do rei. Dali a pouco o chefe dos soldados se aproximou e perguntou o que estava havendo. Ao ouvir a resposta, decidiu comunicar o ocorrido ao rei.

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O soberano, querendo talvez uma distrao, foi pessoalmente falar com o asceta. Quem o homem que tem a coragem de chamar meu belssimo palcio de pousada!? bradou o rei diante do asceta. Muito sereno, o asceta perguntou: De quem era este lugar antes de ser seu, majestade? De meu pai respondeu o rei. E antes de seu pai, de quem era? prosseguiu o asceta. Do meu av. E antes dele, de quem era? Do meu bisav. E onde se encontram todos esses de que Sua Majestade falou? O rei, parecendo murchar, respondeu: Esto todos mortos. Portanto, a construo que estou vendo um local de passagem. Esse tipo de lugar ns chamamos de pousada. O rei percebeu o grande sbio que se escondia atrs daquela aparncia miservel e, humildemente, convidou o asceta para pernoitar na sua pousada.

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Um buscador da verdade, homem velho e sbio, andava por uma estrada da cidade de Madras, no sul da ndia. Ao ver uma linda rvore frutfera, decidiu se sentar sua sombra e meditar. O homem, depois de um tempo, entrou em profundo xtase espiritual, e tudo ao seu redor passou a no significar mais nada, pois a realidade suprema estava dentro do seu ser. Algumas horas depois, um ladro passou ao lado do buscador da verdade, observou-o e disse: Este velho deve ser um ladro; ele roubou a noite inteira e agora est cochilando. melhor eu me afastar daqui, porque bem provvel que a polcia chegue e me leve preso junto com este homem.

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Depois que o ladro saiu correndo, um bbado cambaleante aproximou-se do velho, parou, observou-o e disse: Esse a est pior do que eu, deve ter bebido tanto que caiu no cho c adormeceu. Logo que o bbado foi embora, passou um jovem buscador da verdade, que, com o corao aberto, procurava o sentido da vida. Ao ver o velho sbio meditando, imediatamente parou, ajoelhou-se e beijou os ps do outro buscador da verdade.

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as antigas histrias de sabedoria indiana, os sbios muitas vezes so confundidos com simples mendigos. Assim acontece nesta histria: Na cidade de Bangalore, um exuberante banquete estava sendo preparado no suntuoso palcio do rei. O primeiro-ministro deixou tudo pronto e organizado; todas as cadeiras estavam devidamente reservadas de acordo com a importncia de cada membro da corte. Assim que a porta principal da sala real foi aberta, um homem com sujeira no rosto, trajando roupas de mendigo, entrou e sentou-se na cadeira reservada ao rei. Toda a corte ficou paralisada ao ver aquilo. O prprio rei sentiu-se desconfortvel com a situao, mas, no querendo demonstrar sua mesquinhez, cutucou o primeiro-ministro e pediu que ele fizesse algo. O primeiro-ministro se aproximou do estranho e perguntou: Por acaso voc um nobre de alguma cidade vizinha? Todos os presentes deram risadinhas maldosas ao ouvir a pergunta do primeiro-ministro. No, meu posto mais alto do que o de qualquer nobre respondeu o homem. Ningum esperava uma resposta como essa, e o clima da sala mudou; todos ficaram em silncio, inclusive o rei, esperando pela prxima pergunta do primeiro-ministro.

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Por acaso seu posto mais alto do que o de um primeiro-ministro? Meu posto mais alto do que o de um primeiro-ministro respondeu o estranho. O primeiro-ministro comeou a ficar com as bochechas vermelhas, e uma gosma branca comeava a sair pelos seus lbios. Por acaso seu posto mais alto do que o de um rei? o primeiro-ministro perguntou, olhando para Sua Majestade. Meu posto maior do que o de um rei. Todos na sala viraram-se no mesmo instante e cravaram os olhos no rosto do rei. O soberano pensou alguns instantes, balanou a cabea e com o dedo indicador ordenou que o primeiro-ministro continuasse. Por acaso o seu posto mais alto do que o do prprio Deus? Um silncio brutal invadiu a sala; a respirao de cada convidado denunciava curiosidade e aflio. Meu posto mais alto do que o de Deus. O primeiro-ministro no suportou ouvir aquilo e gritou: NADA SUPERIOR A DEUS!!! O estrangeiro, com ares de mendigo, levantou-se, andou em direo ao primeiro-ministro e disse: Voc acabou de desvendar meu posto: esse NADA sou eu.

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prxima histria circulou por vrias culturas; a ndia foi provavelmente o seu bero. Na cidade de Ahmedabad vivia um menino com seu av. Certa manh, ambos decidiram levar o nico animal, de sua pequena fazenda para um mercado do outro lado da cidade. A venda do burro ajudaria a comprar sementes para a prxima estao. Os dois comeram e beberam, vestiram-se com roupas limpas e escovaram o burro. Depois de todas as tarefas domsticas realizadas, cada um se posicionou de um lado do animal, e comearam a andar. No meio da cidade, um grupo de jovens, gargalhando, gritou em direo aos dois: Que imbecis! Eles tm um burro e no o usam! Pelo menos o velho podia mont-lo! Ao ouvir os jovens, o velho decidiu montar o animal. Agora o neto puxava o burro pelas rdeas. Alguns instantes depois, um grupo de mulheres indignadas gritou em direo aos dois: Que falta de vergonha na cara! Um senhor de idade montado no lombo do burro e uma pobre criana andando a p! Ao ouvir as mulheres, o av decidiu trocar de lugar com o neto. Agora era ele que puxava as rdeas do animal. Minutos depois, um grupo de trabalhadores gritou em direo aos dois: O mundo acabou! Que absurdo! Os mais novos no respeitam mais os velhos! Onde j se viu tal cena, um menino deixar um ancio andando a p!

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Ao ouvir os homens, os dois decidiram compartilhar o lombo do burro. Quando eles estavam quase chegando ao mercado, alguns comerciantes vociferaram: Vocs no tm corao! Coitado do pobre animal! O peso dos dois vai acabar quebrando o lombo do burro!

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Ao ouvir os comerciantes, os dois saltaram do lombo do burro, entreolharam-se e resolveram carregar o animal nos prprios ombros. Assim que entraram no mercado, todos os que l estavam comearam a rir daquela cena inusitada. Alguns gritaram: Que idiotas! Tm um burro e, em vez de mont-lo, carregam-no nas costas! Ao ouvir tais comentrios, o av e o neto ficaram sem saber o que fazer e, sem perceber uma pedra no meio do caminho, tropearam e deixaram o burro cair no cho. Os dois se agacharam e viram que o animal estava morto. O mestre indiano que contou essa histria disse ao seu final, No fique o tempo todo ouvindo a opinio dos outros, pois voc poder acabar morrendo como o burro. Oua, em primeiro lugar, a voz do seu corao.

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m jovem buscador da verdade decidiu deslocar-se at a cidade de Jaipur para falar com um grande mestre. Depois de meses de caminhada, finalmente o jovem se aproximou do mestre e perguntou: O que devo fazer para encontrar a verdade? O mestre lanou um olhar penetrante ao jovem, respirando fundo e lentamente. A resposta sairia a qualquer instante: Meu caro jovem, percebo que seu corao puro e sua busca sincera. O que posso lhe dizer c que o Ser Supremo se manifesta em todas as coisas do universo. O jovem ouviu e aguardou por mais ensinamentos. O silncio se manteve, o mestre cerrou os olhos. Mestre, andei meses at aqui, no tem mais nada a dizer? perguntou o jovem, com ar de desolao. No, no tenho nada mais a acrescentar respondeu o mestre serenamente. O jovem, decepcionado, esperava que o mestre lhe passasse informaes valiosas, mantras poderosos, tcnicas de meditao ocultas, porm, nada disso aconteceu. O buscador da verdade decidiu ir embora; encontraria outro mestre em outra cidade. Depois de mais de um ano de andanas, o jovem encontrou na cidade de Madras um outro mestre de grande prestgio. O buscador da verdade fez a mesma pergunta para o segundo mestre: O que devo fazer para encontrar a verdade?

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O mestre, rodeado por vrios alunos, olhou para o jovem que fizera a pergunta e disse: Eu vou lhe dar a resposta que voc quer, porm, antes quero que voc trabalhe para mim durante treze anos no meu ashram. O jovem sentiu um calor dentro do corao; aquelas palavras ressoavam como o incio de um caminho sem volta. Concordo, mestre. E o que vou fazer no seu ashram} - Voc ser o responsvel por limpar o esterco das nossas vacas sagradas. O buscador da verdade acatou o pedido sem nenhuma reclamao, e por treze anos trabalhou com dedicao na tarefa de limpar o esterco das vacas. Passados os treze anos, o jovem, que no era mais jovem, aproximou-se do mestre e disse: Estou preparado para ouvi-lo.

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Os treze anos combinados se passaram, agora quero saber o que devo fazer para encontrar a verdade. O mestre se aproximou do aluno, pousou a mo na cabea dele e, envolto em um cheiro de esterco de vaca, disse: O que posso lhe dizer que o Ser Supremo se manifesta em todas as coisas do universo. Ao ouvir tais palavras, o aluno cerrou os olhos, respirou fundo e pela primeira vez na vida sentiu a emoo daqueles que se iluminam. Ao voltar ao seu estado normal, perguntou ao mestre: Curioso, h muitos anos fiz a mesma pergunta a outro mestre, e ele me deu a mesma resposta, mas naquela poca nada aconteceu comigo. Por qu? O mestre juntou as mos s do aluno e respondeu: A verdade no mudou nesses anos todos, quem se transformou foi voc.

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s grandes mestres espirituais indianos tambm usavam do humor para passar seus ensinamentos. Ris um exemplo: Na cidade de Bhopal existia um ashram muito famoso. Num dia chuvoso, o mestre de tal comunidade espiritual avistou pela janela um dos seus alunos correndo para escapar da chuva e gritou: Ingrato! Por que voc corre para escapar da chuva!? No sabe que foi Deus que mandou essa bno para seus filhos? A gua do cu sagrada, aproveite-a! O aluno, envergonhado, parou de correr e, encharcado, chegou em sua casa. No deu outra, um resfriado fortssimo abateu o discpulo do mestre. Passado alguns dias, o aluno, j recuperado, estava na janela do seu quarto. Uma chuva forte caa do cu quando, de repente, avistou o mestre correndo para escapar da chuva. Ele no agentou e gritou: Mestre, por que corre? No sabe que a gua do cu sagrada? O mestre localizou a voz, reconheceu o aluno e o fuzilou com olhos, dizendo: Seu insolente, voc no percebe que estou correndo exatamente para no profanar essa gua sagrada com os meus ps sujos?!

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ai histria encontrada em diversas compilaes de contos indianos, e alguns relatam que o grande mestre Ramakrishna a contou a seus discpulos: No perodo das mones, com as fortes e persistentes chuvas, uma cidade prxima ao sagrado rio Ganges foi toda alagada: as ruas, os mercados e as casas. Quando a chuva cessou e as guas comearam a baixar, um pequeno girino foi parar no poo de um pequeno casebre. O girino cresceu c viveu por toda a vida em tal poo. Ao tornar-se uma r, no se lembrava mais de onde tinha vindo; sua realidade agora era aquele lugar seguro e acolhedor. Certa manh, uma r estrangeira ouviu um som vindo do poo e resolveu averiguar: Ol, tem algum a? perguntou a r estrangeira. A r do poo tirou rapidamente a cabea de dentro da gua e gritou: Sim, estou aqui! Quem voc? Sou uma r, assim como voc respondeu a estrangeira. Curiosa, a r do poo perguntou: E de onde voc vem? Venho de Calcut.

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E essa tal Calcut grande? A r estrangeira esboou um sorriso e respondeu: Imensa, gigantesca, colossal! A r do poo no gostou de ouvir aquilo e perguntou: Ela maior do que isto?! e se esticou o mais que podia. A estrangeira no agentou e gargalhou: Minha irm, muito maior do que isso! A r do poo comeou a ficar furiosa e perguntou: Calcut maior do que o meu poo? A estrangeira, que agora no parava de rir, respondeu: Infinitamente maior do que o seu poo! A r do poo, tomada pela fria, respondeu: Nada pode ser maior do que o meu poo, sua mentirosa! V embora, no a quero mais por perto! A estrangeira se afastou e a r do poo continuou a viver no seu amado c tranqilo lar at a morte. O sbio que relatou esta histria disse, ao seu final: ASSIM SO OS HOMENS: PENSAM QUE AQUILO QUE NO VEM NO EXISTE.

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ara, o deus da mentira, caminhava com seus seguidores pelas estradas de Pune, quando de repente se depararam com um homem em posio de ltus, embaixo de uma grande rvore frutfera. O homem estava em xtase, e de seu corpo emanava uma intensa luz branca. Os seguidores de Mara no estavam entendendo o que aquilo significava e perguntaram: Mara, o que est acontecendo com esse homem? Vocs no percebem disse Mara. Ele encontrou a verdade. Os seguidores se entreolharam. Um deles tomou coragem e perguntou: E voc Mara, que o deus da mentira, no vai fazer nada a respeito disso? Mara se afastou do homem com seus discpulos e disse: No se preocupem com aquele homem. Quando encontram a verdade, eles so todos iguais, no passa muito tempo e a transformam em uma iluso. Os seguidores de Mara compreenderam e sorriram. Ele ento concluiu: Eu sempre veno, no final.

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deus criador Brahma estava sozinho no universo quando teve a idia de modelar alguns seres para lhe fazer companhia. Assim que ficaram prontos, os homens encontraram a chave da felicidade e com ela voltaram a fundir-se ao corpo do criador. Novamente Brahma estava sozinho. O Ser Supremo resolveu tentar mais uma vez: modelou mais homens, mas dessa vez, antes de lhes dar vida, refletiu sobre a chave da felicidade. melhor eu esconder a chave que os traz at mim, porque seno ficarei novamente sozinho. Brahma comeou a pensar no local em que esconderia a chave da felicidade: J sei, jogarei a chave nas profundezas do oceano Indico. Depois de um tempo, refletiu melhor e disse: No, no futuro, com certeza os homens chegaro s profundezas de todos os oceanos. J sei, eu a esconderei nas cavernas do Himalaia. Mas tambm no uma boa idia, pois no futuro os homens exploraro todas as cavernas do mundo e a encontraro. Depois de refletir mais um pouco, Brahma disse: Sim, este lugar excelente pensou Brahma. Esconderei a chave da felicidade num dos planetas do nosso universo. Depois de um tempo, o entusiasmo do Deus Supremo esvaiu-se. No futuro os homens viajaro por todas as galxias, e com certeza encontraro a chave da felicidade.

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Brahma ficou semanas diante de suas criaes de barro. Ele no lhes daria vida at descobrir um lugar apropriado para ocultar a chave. Numa manh crepuscular, o Deus Supremo olhou para a fileira de homens de barro e finalmente descobriu o local apropriado para esconder a chave da felicidade. isso! gritou Brahma. Os homens nunca vo pensar em procurar a chave da felicidade no lugar em que estou pensando em escond-la. Brahma aproximou-se das suas criaturas, pegou milhares, milhes, bilhes de partculas da chave da felicidade e as escondeu no melhor lugar do mundo: DENTRO DO PRPRIO HOMEM. Disse o sbio: Aquele que mergulha para dentro encontra o caminho que leva ao Ser Supremo.

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ILAN BRENMAN doutorando da faculdade de Educao da USP, psiclogo formado pela PUC de So Paulo c autor de treze livros infantis e juvenis. H mais de dezesseis anos ele conta histrias e ministra palestras e cursos pelo Brasil afora. Mais informaes: www.ilan.com.br. A ndia um dos beros culturais da humanidade. Conhecer e contar suas histrias como retroceder ao incio de tudo. lONlT ZlLBERMAN nasceu na cidade de Tel Aviv,

em 1972. Aos 6 anos de idade mudou-se com seus pais para So Paulo, onde mais tarde cursou a Faculdade de Artes Plsticas da Fundao Armando lvares Penteado. Atualmente, tem se dedicado quase exclusivamente a ilustrar livros infantis. Este seu segundo livro publicado pela editora Brinque-Book. Para dar ao livro um tempero indiano, pesquisei imagens que traduzissem o clima que imagino haver nessas terras longnquas, que tanto quero conhecer.

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