Árvores na cidade

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Reportagem sobre as árvores no espaço urbano, publicada na Notícias Magazine a 30/4/2006.

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54»noticiasmagazine 30.ABR.2006

também se abatem

Os plátan

REPORTAGEM

Vivemos num país que não gosta de árvores? En-quanto os incêndios florestais são quase uma ins-tituição nacional,nas cidades,outras ameaçascercam o património arbóreo.¬ Colaborarcom uma associação ambientalista ou escrevernum blog são duas maneiras possíveis de defen-der as nossas árvores.¬Para começar,podemostratá-las pelo nome próprio.TEXTO Carla Maia de Almeida¬ FOTOGRAFIA Luciana Cristovam (Lisboa) Cláudio Capone (Porto)

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nos

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E ste Verão vão faltarsombras no jardimcentral de Pinhal No-vo. Uma fúria serra-

dora abateu-se sobre os plátanos, deixando--os irreconhecíveis, uns troncos com meiadúzia de ramos em forma de garra, ou me-nos do que isso. Talvez ficassem bem nos ce-nários assombrados de Tim Burton, mas avida é outra coisa, quem sabe. As poucas pes-soas que, num domingo à tarde, gozam o solainda cerimonioso da Primavera, procuramos cantos mais abrigados por arbustos, alen-tando conversas espaçadas, enquanto osbancos de pedra permanecem vazios, inós-pitos, como tudo o resto.

O pinheiro manso, símbolo da vila, é ago-ra a árvore que governa o recinto, onde ca-bem também a igreja, o coreto, o parque in-fantil e, cruzada a rua, a estação de caminho--de-ferro. É uma das saídas possíveis. EsteVerão, quando o jardim se transformar nu-ma eira de calor, vão ser muitos os desertoresdo Pinhal Novo, sôfregos por um vento depraia ou pelo fresco artificial dos centros co-merciais, agora pomposamente chamadosde fóruns. Visto da estrada, o anúncio, quasecomovedor, diz que é no Fórum Montijo que«o avô Júlio vai passar as tardes de domingocom a neta». Os jardins estão fora de moda,não há dúvida. A avaliar pelo estacionamen-

to ao ar livre, gigantesco, a abarrotar de auto-móveis, é nestes parques de cimento que amaioria dos «avôs Júlios» e família preferepassar uma tarde soalheira de Primavera.

Porque, bem vistas as coisas, para que ser-ve uma árvore? Para ocupar lugares de esta-cionamento, para perder ramos que danifi-cam os carros, para levantar passeios com asraízes, para produzir folhas que entopem ascaleiras das casas, para criar hostilidades en-tre vizinhos, para tirar a vista para a rua, pa-ra provocar alergias várias, para abrigar pás-saros que largam dejectos incómodos na ca-beça dos desprevenidos… e ficamos poraqui. No que respeita às árvores, é grande orol das contrariedades apontadas pelo ho-nesto cidadão, quantas vezes eleito em de-mocracia. Como diria Ana Júlia Francisco,parece que «as árvores só são boas quandonão estão à nossa porta».

Presidente da direcção da Sociedade Por-tuguesa de Arboricultura (SPA), associaçãofundada no Porto e vocacionada para a pro-tecção do património arbóreo das zonas ur-banas, Ana Júlia Francisco acha que, emPortugal, «há aqueles que querem muito asárvores e aqueles que não as querem de to-do». Os segundos são, em regra, responsá-veis pelas chamadas «pressões de particula-res», esse saco azul de reclamações onde ca-be quase tudo. Muitas vezes, estão na

origem do abate de árvores no espaço públi-co. Se não o abate, outras medidas drásticas,como sucedeu no Pinhal Novo [ver caixa napágina 57].

Para a dirigente da SPA, a ideia não é criaraqui uma outra espécie de vaca sagrada: «Seuma árvore incomoda, é preciso ver se oproblema é real ou se não são as tais “pres-sões de particulares”. Se é real, então é me-lhor perceber o que se passa e fazer qualquercoisa; por exemplo, substituí-la por outra. A verdade é que se planta muito mal, pornorma. Plantam-se árvores desadequadasao lugar que vão ocupar, ou mal formadasdesde o início, ou usando técnicas erradas.»

Essas malditas rolagensO cargo de técnica da Divisão de Jardins daCâmara Municipal de Lisboa permite aAna Júlia Francisco lidar de perto com arealidade, mas, porque o emprego é absor-vente, o tempo que sobra para as iniciati-vas da SPA é pouco. O caso das rolagens nojardim do Pinhal Novo foi apenas um dosque lhe escaparam das mãos, até porque,«quando soube, já era um facto consuma-do». As rolagens, essas podas radicais quedeixam as árvores enfraquecidas e comple-tamente descaracterizadas, não são umproblema de agora. «Vem da tradição depodar as árvores de fruto, uma prática co-

À direita, em cima: cipreste

centenário noJardim do

Principe Real. Em baixo: plátano

com trintametros de altura

no HospitalPulido Valente,

ao Lumiar. Napágina seguinte,em grande plano,

cedro-do-hima-laia no Campo

de Santana(Lisboa).

À esquerda,salgueiro-chorãono Campo deSantana.

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mum. Mas parece-me que nestes últimosanos as situações são cada vez mais graves,mesmo chocantes», acusa.

Um livro que permanece como referên-cia na questão de pensar a função da árvore,também na sua relação com aspectos cultu-rais, ecológicos e paisagísticos, é A Árvore emPortugal, de Gonçalo Ribeiro Telles e Fran-cisco Caldeira Cabral. Reeditado pela Assí-rio & Alvim em 1993, foi publicado pela pri-meira vez em 1960, e já então contestava aprática das rolagens. Leia-se, na página 163:«O maior elogio que se pode fazer a um po-dador de árvores ornamentais é que não seperceba que a árvore foi podada. A forma na-tural da árvore é perfeita e portanto não énecessário corrigi-la no sentido estéticonem fisiológico.»

A noção de que uma árvore possa ser umaentidade viva e perfeita é algo difícil de en-tender, quando na balança pesam argumen-tos medidos noutra escala de valores. É ver-dade que árvores e jardins ajudam a venderapartamentos, mesmo se os prometidos «es-paços verdes» acabam por ficar só pelo car-taz publicitário… Mas, paradoxalmente, e aavaliar pelo cinzentismo crescente dos nos-sos aglomerados urbanos (o que não é o mes-mo que dizer «cidades» e «vilas»), plantar ár-vores e cuidar bem delas não compensa o in-vestimento. É mais fácil cortar a direito.

A princípio, alguém sugeriuque tinha sido por causa dagripe das aves (sem ramos,não há ninhos…). Mas não. A vereação do Ambiente eInfra-Estruturas da Câmarade Palmela fez saber à nm,através dos seus serviçosde comunicação, que asrolagens no jardim de PinhalNovo foram uma respostaàs reclamações da popula-ção, desagradada com«problemas de alergias»alegadamente provocadospelos plátanos. Acreditamque estas nãoreaparecerão nos próximosdois anos, «dado que secontrolou a causa».Manifestando «plena cons-ciência e conhecimentotécnico sobre aagressividade dasrolagens», consideram queos plátanos não ficam porisso ameaçados, «dada asua dimensão e conhecida

resistência»,acrescentando que umaintervenção idêntica tinhasido feita há três anos.Opinião diferente tem AnaJúlia Francisco, presidenteda direcção da SociedadePortuguesa deArboricultura, para quem asrolagens «são uma espéciede morte lenta». Explica:«Inicialmente, a árvore vaiter um grande

desenvolvimento, emitindomuitos ramos, o que é feito à custa da perda das suasreservas. Mas já estácompletamente descarac-terizada. Ainda por cima,são ramos perigosos,porque são desestrutu-rados e partem-sefacilmente. Não é verdadeque rolar as árvores astorna mais fortes, pelocontrário.»

Cortar árvores melhora o ambiente?

AUGUSTO FERREIRA

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Política e palpitesAna Júlia Francisco diz que «um dos proble-mas dos municípios mais pequenos é não te-rem pessoal com conhecimentos técnicosadequados para tratar do arvoredo». Outrasvezes, são os «interesses políticos maiores»que se sobrepõem. A afirmação é secundadapor Maria Domingas Araújo, engenheiraagrónoma e vice-presidente da SociedadePortuguesa de Arboricultura [NR: cessou omandato recentemente, sendo substituídapor Isabel Lufinha e Rui Afonso]: «Nestemomento já há muitos técnicos que têm es-ses conhecimentos, mas as suas opiniõesnão são tidas como importantes. E as deci-sões sobre as árvores são políticas, quandonão deviam ser.»

A meio do percurso pedestre pelo ParqueBiológico de Gaia, onde a SPA tem a sua sedee apoio logístico, Maria Domingas lamentaque, em relação às árvores, desde o jardineiroao vereador, «toda a gente dê palpites, o que épéssimo». Admitindo que há «uma persegui-ção ao elemento árvore», contesta o conceitoprevalecente, herdado da agricultura: «Umaárvore de fruto dura pouco tempo e nessetempo quer-se que ela produza muito. Ora, nacidade, a árvore tem um papel completamen-te diferente! Queremos é que ela dure muitosanos e com muita qualidade, e para isso temosde lhe dar condições.» Por exemplo, «nãopondo plátanos em passeios de dois metros»,condenando-os a um encarceramento ingló-rio; ou acabando de vez com a prática desne-cessária das podas, radicais ou não. «As árvo-

res na cidade não precisam de ser podadas.Precisam, às vezes, de ser conduzidas. Nóstambém não andamos sempre a cortar o ca-belo…» Definitivamente, acha que «a falta deconhecimento» é o maior problema do nossopatrimónio arbóreo. «É importante as pes-soas perceberem o que se passa à volta delaspara respeitarem o que têm», conclui.

Árvores na blogosfera«Há, decerto, pessoas felizes que sabem onome das árvores», diz um verso de CecíliaMeireles. Desatentos, apressados, ocupados,referimo-nos às árvores como «árvores», damesma forma que dizemos «estrelas» por-

que não sabemos os nomes das constelações.Nas cidades, a vida corre demasiado rápidapara que cultivemos o luxo de distinguir umplátano de uma tília, ou um cedro de um pi-nheiro – e, de resto, as constelações já quasenão se percebem, num céu baço de tanta luzartificial. Haverá sempre quem diga isto ehaverá sempre quem faça o contrário disto,talvez por acreditar que «as coisas, quandonão são anónimas, suscitam outro interessee, sobretudo, outro carinho».

Maria Carvalho, professora de Matemáti-ca na Faculdade de Ciências da Universida-de do Porto, é uma das dinamizadoras doDias com Árvores (http://dias-com-arvo-

O que são árvores de inte-resse público?São árvores classificadasque se distinguem pelo por-te, estrutura, idade ou rari-dade, bem como pela rele-vância histórica e/ou cultu-ral. Podem ser árvoresisoladas, maciços, bosque-tes ou alamedas.Como estão protegidas?Pelo Decreto-Lei n.º 28468,de 15 de Fevereiro de 1938,que condiciona qualquerintervenção (incluindocorte ou poda) num raio de

cinquenta metros, sob penade multa. Têm um estatutode protecção idêntico ao dopatrimónio construído.Quem pode propor aclassificação?Qualquer cidadão ou entida-de pode apresentar umaproposta fundamentada àDirecção-Geral dos Recur-sos Florestais (DGRF) ou àrespectiva delegação regio-nal, sem custos associados.Como decorre o processo?Após a recepção do pedido, aDGRF tem trinta dias para

responder. É feita uma ava-liação e, se os critérios fo-rem preenchidos, a(s) árvo-re(s) passa(m) a integrar aclassificação de interessepúblico. A decisão é publica-da no Diário da República.Quantas árvores classifi-cadas há em Portugal?Cerca de 360. Entre estas, aárvore mais alta da Europa,um eucalipto centenário queatinge 75 metros de altura.Encontra-se na Mata de Valede Canas, freguesia deTorres do Mondego, Coimbra.

Árvores ao abrigo da lei

À esquerda, tulipeiro na Praça

Pedro Nunes. À direita,

Jardim doPasseio Alegre;

araucária e alinhamento

de plátanos no Jardim da

Cordoaria(Porto).

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res.blogspot.com), um blog para quem se in-teressa afectivamente por árvores, flores,jardins e essas coisas que o «avô Júlio» se temesquecido de mostrar à neta. Os outros doiselementos são Paulo Araújo, também mate-mático, e Manuela Ramos, professora dePortuguês do ensino básico, que teve a ideiade criar o blog, em Julho de 2004. Uniu-os aautoria do livro À Sombra de Árvores com His-tória (edição da associação ambientalistaCampo Aberto) e, é claro, as afinidades electi-vaspróprias de uma amizade. Não por acaso,começaram o blog com os metrosíderos dafoz do Douro, árvores da Nova Zelândia que,por cá, escolhem essa altura do ano para re-velarem as esplêndidas flores vermelhas.

Desde então, o blog tem sido uma espéciede noticiário para os amantes das árvores.Porque não há só esses «seres bizarros deapartamentos» de que fala Maria Carvalho,vivendo «entre a casa, a garagem e o traba-lho», desconfiados do que se passa lá fora.Comentários, fotografias, conselhos de jar-dinagem, excertos de textos, citações e ver-sos como os de Cecília Meireles aparecem noblog a um ritmo diário, sem falta de assunto,movidos pelo suceder das estações. O Inver-no lembra que o Porto é a cidade das camé-lias, o Verão regressa com os jacarandás emflor. Os posts têm títulos como «Gota de chu-va em ramo de lódão», «A magnólia do dia»,«Impressões de um passeio», «A palmeiraque canta» ou «As mirtáceas acordaram». A provar-se a possibilidade de um telejornalfeliz, talvez as notícias começassem assim.

A bela e o monstroA realidade nem sempre é a cores e, ao fim dealgum tempo, sentiram a necessidade de pôrem linkum irmão gémeo do blog, tão descon-solado como o nome que lhe deram: Dias semÁrvores. «É um arquivo de coisas tristes», ex-plica Paulo Araújo, o mais cáustico dos três:«Para que o álbum de horrores não contami-nasse o nosso blog, separámo-lo e pusemo-lonum compartimento à parte. Há limites paraa campanha cívica. A partir de um certo pon-to, quando se constata que a influência dosblogs e até de livros de pessoas autorizadas épraticamente nula, é melhor largar o tema ouentão arrumá-lo num canto.» Sentada do la-do da janela, Manuela Ramos desvia o olhardas árvores de Serralves, onde a conversa de-corre, e lembra o caso recente da Avenida daBoavista, onde as tílias foram sacrificadas pa-ra que o Desfile de Carros Antigos, promovi-do pela Câmara Municipal do Porto, possa de-correr em todo o seu esplendor, uma vez porano. Apenas um exemplo entre muitos.

Os leitores indignam-se e contribuem pa-ra alimentar o monstro. Chegam ao blog si-tuações mais distantes, como a dos majesto-sos plátanos de São Martinho do Porto, con-celho de Alcobaça, abatidos para dar lugar aum jardim (por enquanto em obras…); ou doscarvalhos centenários sumariamente poda-dos em Beijós, distrito de Viseu. E fala-setambém das «requalificações» que não têmpoupado partes emblemáticas da cidade. De-pois do Jardim da Cordoaria, Leões e ParadaLeitão, endurecidos por febre granítica des-

«As árvores são boas porque nos dão oxigénio», aprende-se cedo naescola. Mas a função de uma árvore nacidade ultrapassa essa verdade óbvia.Além da redução da poluição atmosfé-rica, as árvores influenciam aqualidade da água e do solo; por exemplo, interceptando a precipitaçãoe regulando o seu escoamento. Além disso, diminuem os níveis deruído, reduzem a velocidade do vento e suavizam as temperaturas – que nas cidades tendem a ser mais ele-vadas –, filtrando a radiação solar e di-minuindo os reflexos à superfície. Qua-se instintivamente, tendemos a procu-rar jardins e ruas com árvores, talvez porque, além do valor estético, é em lugares arborizados que percebe-mos o que significa isso da «qualidade de vida».

Muito mais do que o oxigénio«Na cidade, a árvore comporta-se de maneira diferente do que na floresta.»

ANA JÚLIA FRANCISCO(SOCIEDADEPORTUGUESA DEARBORICULTURA)

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de as obras do Porto 2001, é o Jardim do Mar-quês que desaparece sob os avanços do me-tro. Quais serão os próximos? Arca d’Água?São Lázaro? A aterosclerose da pedra polidaprogrediu para o coração da cidade, com aAvenida dos Aliados/Praça da Liberdadeirreversivelmente modificadas, apesar decontestação pública, e o caso merece um linkà parte no blog .

Presentes envenenadosLembrando que a escola dos jardins român-ticos do Porto vem do século XIX, PauloAraújo lamenta que haja «uma gestão preci-pitada e uma ênfase na cosmética urbana,em lugar da valorização dos espaços e damanutenção daquilo que já existe.» Opiniãosemelhante ser-nos-ia dada pela presidenteda SPA, Ana Júlia Francisco: «A moda destesúltimos anos tem sido as requalificações, oque muitas vezes significa alterar completa-mente um jardim, a sua história e o seu pas-sado, causando danos no arvoredo existen-te ou mesmo eliminando-o. E para quê? Àsvezes, para se fazer outro jardim!»

Maria Domingas não é contra as requalifi-cações nem contra o essencial do famosoPOLIS (Programa de Requalificação Urba-na e Valorização Ambiental das Cidades).Mas afirma que este é «um presente envene-nado», por causa das intervenções à volta dasárvores : «Uma árvore que esteve trinta anossem ser regada e depois passa a sê-lo, porque

frentam outro tipo de agressões e têm poucosdireitos. Além da classificação de interessepúblico [ver caixa na página 58],a legislação ac-tual protege apenas algumas espécies, comoo sobreiro, a azinheira e o azevinho. «Era pre-ciso uma regulamentação a nível nacional,que definisse regras básicas em termos deprotecção e plantação das árvores», advoga apresidente da SPA: «Depois, seria ajustada anível local, já que cada município tem as suascaracterísticas – geográficas, climáticas, cul-turais, etc.» E conclui: «Faria sentido que a Di-recção-Geral dos Recursos Florestais tivesseuma área dedicada à arboricultura urbana.»

Mas não tem. Ainda. Por enquanto, a maiorsalvaguarda das árvores é a lei que as classifi-ca como sendo de interesse público, apesar dedatada de 1938. António Campos Andrada,responsável pela Divisão de Protecção e Con-servação Florestal da DGRF, reconhece que alei é «omissa e confusa», adiantando à nm quese está a trabalhar no sentido de «criar legis-lação mais completa», em conjunto com di-versas associações ambientalistas. E será pa-ra quando? «Ainda não sabemos.»

Entretanto, as árvores hão-de manter oseu estado interessante, e certas ruas e certoslugares hão-de surgir, como sempre, incon-fundíveis. O jacarandá do Largo do Viriato,no Porto, que faz parar o trânsito quando seveste de lilás. O velho cipreste do Jardim doPríncipe Real, em Lisboa, com mais de vintemetros de diâmetro de copa. A oliveira deSão Tiago, no concelho de Tavira, nascidaantes de Cristo. A alameda de plátanos dePonte de Lima, a melhor sombra junto ao rio.O cedro colossal do Hotel Grão Vasco, em Vi-seu… Árvores com história, à espera de quemse interesse por saber.

«As árvores do Porto precisam que as pes-soas mudem de perspectiva», diz Maria Car-valho. «E de Portugal!», acrescenta ManuelaRamos: «É preciso que as pessoas apreciemo que têm, para que se torne inevitável fazermais parques e jardins.» Para já, vão conti-nuar a fazer crescer o Dias com Árvores, nãocom espírito de Cruzadas, mas, simplesmen-te, com espírito e curiosidade. «Não sabemosassim tanto de árvores, mas vamos apren-dendo. Só nos faz bem estudarmos as coisas»,dizem. O investimento é pessoal e afectivo,não estão preocupados em aumentar as au-diências; e talvez por isso não quiseram serfotografados para esta reportagem.

Desde há cerca de um ano, os metrosíde-ros do Passeio Alegre e da Avenida Montevi-deu, com que inauguraram o blog, ganharamo estatuto de interesse público. A propostafoi deles. Uma das muitas que levaram à Di-recção-Geral dos Recursos Florestais. NoPorto, durante décadas, contaram-se pelosdedos de uma mão as árvores classificadas.Em 2005, passaram de quatro para 242. Sim,leu bem: de quatro para 242. Mérito de trêsbloggers que preferem dar todo o protago-nismo às árvores.«

agora se semeou ali um relvado muito boni-to, vai cair, mais tarde ou mais cedo.» Em vezda obsessão com os relvados, «que requeremmuita mão-de-obra, muita água e muitostratamentos», defende o conceito de «jar-dins sustentáveis», a começar «pela escolhade espécies adequadas, geograficamente eem termos de localização urbana». Mausexemplos não lhe faltam, desde os novos plá-tanos da Avenida da Boavista até às malogra-das oliveiras que há algum tempo vegetaramna rotunda do Castelo do Queijo, até sucum-birem aos rigores do clima atlântico.

O mal está generalizado: muita urbaniza-ção, poucas árvores. Não só na Grande Lis-boa e no Grande Porto, onde as áreas subur-banas parecem concorrer com a aridez daLua… Cidades de dimensão média, comoBraga, Portalegre ou Caldas da Rainha, vê-em o seu espaço de construção aumentarsem que um número proporcional de árvo-res sejam plantadas e mais parques ou jar-dins sejam criados. Não há «municípios ver-des»; e os poucos em que o património arbó-reo tem sido cuidado (seriam citados porvárias vozes os casos de Guimarães e Pontede Lima) não são suficientes para fazer es-quecer a cinzenta maioria.

Um estado interessanteLonge dos incêndios que têm devastado vas-tas zonas florestais, mas demasiado expostasà negligência humana, as árvores urbanas en-

A primeira edição, de 2004, esgotou em pouco tempo, mas umasegunda versão, revista e acrescentada, está a aguardarimpressão. Autores: Paulo V. Araújo, Maria P. de Carvalho eManuela D. L. Ramos, a equipa do blog Dias Com Árvores. Muitasfotografias, textos bem fundamentados e fichas de apresenta-ção; as mesmas que estiveram na origem da proposta de clas-sificação de «árvores de interesse público». Lá estão asmagnólias do Jardim de São Lázaro, as araucárias do Palácio deCristal, os plátanos da Cordoaria, o tulipeiro da Casa Tait emuitas outras que fazem os dias dos portuenses e não só.

As árvores do Porto