artmann, planejamento situacional

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O PLANEJAMENTO ESTRATGICO SITUACIONAL NO NVEL LOCAL: um instrumento a favor da viso multissetorial Elizabeth Artmann1

Resumo O objetivo deste artigo fundamentar a necessidade de se utilizar um enfoque estratgico de planejamento que permita apreender a complexidade dos processos sociais e que, ao mesmo tempo, fornea ferramentas operacionais para a construo de projetos e planos de ao para o enfrentamento de problemas estratgicos que resultem num impacto positivo na qualidade de vida da populao. Estes planos de ao devem estar apoiados numa anlise ampla, multissetorial e interdisciplinar que articule as distintas dimenses da realidade e devem envolver os diferentes atores, desde os nveis governamentais at a comunidade organizada em torno de propostas concretas na busca de solues criativas. Apresentamos o Planejamento Estratgico Situacional - PES - como um enfoque a partir de problemas, capaz de proporcionar, atravs do conceito de explicao situacional, um olhar abrangente, de carter totalizante e rigoroso que fundamenta a ao do ator, considerando a viso e a capacidade de ao de outros atores relevantes, que devem, sempre que possvel, ser envolvidos no enfrentamento dos problemas. Destacam-se no enfoque PES questes como: a anlise e construo de viabilidade do plano, a flexibilidade do plano frente a mudanas do cenrio e a noo de planejamento como estreitamente vinculada ao, aos resultados e impactos reais. Consideramos o PES um enfoque complexo mas adaptvel para o nvel local, capaz de apoiar iniciativas como os Projetos Multissetoriais Integrados, do BNDS e proporcionar ferramentas adequadas de anlise e interveno na realidade concreta.

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Pesquisadora do Departamento de Administrao e Planejamento em Sade da ENSP/FIOCRUZ Doutoranda em Sade Coletiva no Departamento de Medicina Preventiva da UNICAMP

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Introduo Entre as vertentes do planejamento estratgico que surgem a Amrica Latina a partir dos anos 70, destaca-se o Planejamento Estratgico Situacional, de Carlos Matus. O Planejamento Estratgico Situacional - PES foi idealizado por Matus, autor chileno, a partir de sua vivncia como ministro da Economia do governo Allende, no perodo de 1970-73, e da anlise de outras experincias de planejamento normativo ou tradicional na Amrica Latina cujos fracassos e limites instigaram um profundo questionamento sobre os enfoques e mtodos utilizados. O enfoque do Planejamento Estratgico Situacional PES (Matus, 1993, 1994a, 1994b) surge, ento, no mbito mais geral do planejamento econmico-social e vem sendo crescentemente adaptado e utilizado em reas como sade, educao e planejamento urbano, por exemplo. Este enfoque parte do reconhecimento da complexidade, da fragmentao e da incerteza que caracterizam os processos sociais, que se assemelham a um sistema de final aberto e probabilstico, onde os problemas se apresentam, em sua maioria, no estruturados e o poder se encontra compartido, ou seja, nenhum ator detm o controle total das variveis que esto envolvidas na situao. Embora o mtodo tenha sido desenhado para ser utilizado no nvel central, global, seu formato flexvel possibilita a aplicao nos nveis regionais/locais ou mesmo setoriais, sem, contudo, deixar de situar os problemas num contexto global mais amplo, o que permite manter a qualidade da explicao situacional e a riqueza da anlise de viabilidade e de possibilidades de interveno na realidade. Para tanto, Matus desenvolve os conceitos de espao do problema e espao de governabilidade do ator, bem como prope o desenho de um plano de interveno em dois nveis: o plano de ao que abrange as causas dos problemas situadas dentro do espao de governabilidade do ator e o plano de demandas que aborda as variveis sob o controle de outros atores. Estes conceitos sero melhor abordados adiante. Buscando ainda, enfrentar a questo da operacionalizao de um mtodo complexo e sofisiticado no nvel local, Matus prope a trilogia PES, ZOPP (sigla em alemo de Zielorientierte Projektplanung - Planejamento por Projetos Orientado por Objetivos) e MAPP (Mtodo Altadir de Planejamento Popular), desenhados, respectivamente, para os nveis central, intermedirio e local/popular. O autor sugere a combinao destes mtodos, segundo a hierarquia e a complexidade dos problemas abordados, destacando a coerncia e identidade de concepo metodolgica entre eles. O PES, segundo Matus, um mtodo de alta complexidade e alta potncia, apropriado2

para o nvel diretivo de instituies de grande porte e com pessoal especializado. O ZOPP um mtodo de complexidade intermediria, com limitaes para fazer anlise estratgica e abordar determinados problemas que definem uma situao global (macroproblemas). adequado para trabalhar em nvel operacional especfico e sofreu algumas modificaes do original alemo para integrar o sistema PES. O MAPP constitui-se, para o autor, num bom mtodo por problemas a ser operacioanlizado no nvel popular, associaes de moradores e instituies de pequeno porte mas possui tambm limitaes (ver crtica da trilogia de Matus em Artmann, 1993 e S & Artmann, 1994). Concordamos com Matus que, muitas vezes, possa ser til a combinao destes mtodos. Chamamos a ateno, contudo, para o fato de que, nos nveis locais e intermedirios tambm se apresentam problemas estratgicos, havendo necessidade, portanto, de uma anlise de viabilidade mais aprofundada. Ao contrrio do ZOPP que abandona as alternativas no viveis na situao inicial, o PES prope a construo de viabilidade para o plano. Sendo o ZOPP e o MAPP bastante limitados neste aspecto, propomos a operacionalizao do PES mesmo no nvel local, com as adaptaes necessrias, tendo-se o cuidado de no simplific-lo a ponto de perda de potncia na abordagem global e estratgica dos problemas. Optamos, portanto, para fins de elaborao deste texto, por apresentar os principais fundamentos terico-metodolgicos do PES com adaptaes propostas, sendo algumas j adotadas e testadas em experincias de planejamento no nvel local. (Artmann, 1993; Rivera & Artmann, 1993; Artmann, Azevedo & S, 1997). O PES um mtodo de planejamento por problemas e trata, principalmente, dos problemas mal estruturados e complexos, para os quais no existe soluo normativa ou previamente conhecida como no caso daqueles bem estrutrados. importante destacar que, embora se possa partir de um campo ou setor especfico, os problemas so sempre abordados em suas mltiplas dimenses - poltica, econmica, social, cultural, etc. e em sua multissetorialidade, pois suas causas no se limitam ao interior de um setor ou rea especficos e sua soluo depende, muitas vezes, de recursos extra-setoriais e da interao dos diversos atores envolvidos na situao.

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OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO PES O conceito de planejamento Um primeiro conceito a ser destacado a prpria noo de planejamento, como um clculo que precede e preside a ao. Este alargamento do planejamento para alm do clculo representa um avano, na medida em que incorpora aspectos de gerncia, aspectos organizacionais e a nfase no momento ttico-operacional, ou seja, no planejamento da conjuntura e na avaliao e atualizao constante do plano. O planejamento passa a estar intrinsecamente vinculado ao e aos resultados/impactos e no somente ao clculo que antecede a ao. O ator e o problema Para Matus, um problema no pode ser apenas um mal-estar ou uma necessidade sentida pela populao. Um problema suscita ao: uma realidade insatisfatria supervel que permite um intercmbio favorvel com outra realidade. Este um ponto muito importante na abordagem matusiana que significa que um problema nunca solucionado definitivamente, mas uma interveno eficaz na realidade deve produzir um intercmbio positivo de problemas. Outro ponto fundamental a necessidade de que seja definido e declarado como problema por um ator, disposto e capaz de enfrent-lo. O ator, para Matus (1994b) deve preencher trs critrios: Ter base organizativa Ter um projeto definido Controlar variveis importantes para a situao. O ator pode estar representado pela direo de um sindicato, de um partido poltico ou de uma associao de moradores, considerando-se vrios subatores (por exemplo, o presidente do sindicato pode ter uma posio e outro membro importante outra) ou pode ser uma pessoa: o prefeito, o secretrio de sade ou de educao. Algum deve sempre responder pelo plano, portanto no correto nem til dizer que a secretaria de sade ou a prefeitura so os atores. Neste caso, o prefeito e o secretrio de sade seriam os atores. Matus (1994b) chama a ateno para o fato de que um assessor no ator, podendo ser chamado de autor do plano. Portanto, um grupo responsabilizado pela elaborao de um projeto no pode ser considerado um ator; a autoridade que o instituiu que representa o ator. importante ter claro o ator que assina o plano. Este sempre controla pelo menos algumas variveis relevantes na situao e, alm do ator-eixo ou ator principal, os outros atores que controlem recursos ou variveis importantes devem ser considerados.

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Com base em Ian Mitroff, Matus (1987) formula uma primeira classificao dos problemas em: bem estruturados, quase-estruturados ou mal-estruturados. Os primeiros referem-se a problemas que respondem a leis ou regras claras, invariveis e/ou comportamentos previamente conhecidos e cujas solues podem ser normatizadas. Podem ser tratados, portanto, segundo modelos determinsticos de anlise, pois se conhecem todas as variveis intervenientes e suas formas de articulao. J os ltimos dizem respeito a situaes problemticas de incerteza nas quais no se pode enumerar todas as variveis envolvidas e que s podem ser tratados a partir de modelos probabilsticos e de intervenes criativas. Matus (1987) enuncia as seguintes caractersticas para os problemas semi ou quase-estruturados: fazem parte de problemticas que mobilizam vrios atores, leituras e propostas de interveno s vezes divergentes ou simplesmente diferentes, configurando uma rea no necessariamente consensual a priori; ainda que tenham uma dimenso tcnica, destaca-se o mbito scio-poltico, no sendo possvel uma abordagem objetiva, o que no significa abandonar o rigor; no so facilmente isolveis, pois dependem na sua gerao e no seu enfrentamento de outros problemas, com os quais se entrelaam; as fronteiras entre eles so, muitas vezes, difusas e a soluo de um problema pode criar dificuldades soluo de outros; dependem do contexto maior onde se inserem, do cenrio constitudo por uma srie de circunstncias no controladas que nele interferem, possuindo, portanto algum grau de incerteza; supem um enfoque de enfrentamento caracterizado pelo julgamento estratgico, reflexivo; seu enfrentamento depende de uma abordagem multissetorial. Se tomarmos o mbito da sade da populao, em seu conceito amplo, temos um exemplo de problemtica semiestruturada ou inestruturada, pois ela articula-se com mbitos diversificados como saneamento bsico, habitao, condies de urbanizao e de trnsito, hbitos de vida das pessoas, nvel de renda e educao, entre outros. Os problemas podem ser ainda classificados em finais ou intermedirios, e em atuais e potenciais. Os problemas finais referem-se misso institucional ou seja, queles vividos pela clientela, pela populao que justifica a existncia da organizao. Os intermedirios so aqueles problemas-meio que no se relacionam diretamente ao produto final mas seu enfrentamento necessrio para viabilizar a misso das organizaes e dele depende tambm a qualidade dos produtos finais. Por exemplo, a misso de um posto de sade ou de um hospital est relacionada prestao de servios de sade populao, ainda que5

em diferentes nveis de complexidade. Para tanto necessrio enfrentar problemas intermedirios como organizar a lavanderia do hospital ou contratar servios terceirizados, resolver o problema de gerncia do ambulatrio, etc. Uma Associao de Moradores tem como misso defender os interesses de seus moradores e buscar solues para problemas como segurana, gua, entre outros, mas precisa enfrentar questes intermedirias como a necessidade de uma secretaria, a definio de um local para reunies, etc. Uma escola deve prestar ensino de qualidade crianas de determinada faixa etria. Todos os problemas relacionados a esta misso, como alto ndice de repetncia e evaso escolar so finais. Os intermedirios seriam os baixos salrios dos professores ou rede fsica inadequada por exemplo, cujo enfrentamento se justifica na medida em que corrobora no alcance dos produtos finais. Oss problemas atuais so aqueles que se manisfestam hoje, no presente. Os potenciais referem-se a processos tendenciais que levariam expresso de problemas no futuro e para os quais necessria uma atuao preventiva. Muitas vezes a identificao de problemas potenciais torna-se extremamente estratgica no sentido de evitar situaes graves e tambm de economizar custos, sejam econmicos ou polticos. O conceito de situao Com este conceito Matus (1987) questiona, a partir de autores como Gadamer (1975) e Ortega y Gasset (1936), a possibilidade de uma explicao objetiva e nica da realidade por um sujeito que a olha como objeto desde fora. Na explicao situacional o ator analisa a realidade, os problemas, desde dentro da situao. A situao, enquanto um recorte problemtico feito em funo de um projeto de ao, est constituda pelo ator-eixo da explicao situacional, por outros atores, pelas suas aes e pelas estruturas econmicas, polticas, ideolgicas e culturais que condicionam os atores e suas aes. A explicao situacional sempre multidimensional e totalizante, ou seja, refere-se s mltiplas dimenses da realidade: poltica, econmica, ideolgica, cultural, ecolgica, etc. Exige uma viso interdisciplinar e multissetorial e deve adaptar-se ao plano setorial sem abandonar as outras dimenses e espaos de explicao. dinmica, articulando passado, presente e futuro, atravs do desvendamento dos processos causais, da expresso atual e da anlise das tendncias futuras. ativa, pois cada ator busca com a explicao fundamentar sua ao. A situao est sempre referida a um ator, sua prpria explicao da realidade, mas inclui a explicao, o ponto de vista dos outros atores envolvidos. , portanto, alm de autorreferencial, tambm policntrica. Deve ser rigorosa no sentido de buscar apreender as determinaes essenciais, para alm dos fenmenos aparentes e das causas imediatas e, para isso, no pode prescindir de um modelo terico de leitura da realidade. Matus (1982) prope como modelo de anlise da realidade a Teoria da Produo Social.6

A apreciao situacional, ao contrrio do diagnstico tradicional, um dilogo entre um ator e outros atores cujo relato assumido por um dos atores de maneira inteiramente consciente do texto e contexto situacional que o faz participante de uma realidade conflitiva que admite outros relatos.

A Teoria da Produo Social A Teoria da Produo Social refere-se a um mtodo de leitura da realidade que a explica para alm dos fatos mais aparentes, atravs de trs nveis: o nvel dos fatos propriamente ditos ou fenoproduo (fatos de qualquer natureza), o nvel das acumulaes ou fenoestruturas (capacidades de produo de novos fatos) e o nvel das regras ou leis bsicas que regulam uma formao social. Os diferentes processos e fenmenos da realidade articulam-se dinamicamente, tanto no interior de cada um desses nveis, como entre eles, havendo uma maior determinao do ltimo - as regras - sobre os demais. A aplicao concreta desta teoria se d no momento da explicao de um problema, atravs da montagem do Fluxograma Situacional, quando localizam-se as causas nesses trs nveis, estabelecendo-se uma rede de relaes causais, o que contribui para uma viso mais ampla do problema explicado e, consequentemente, para uma atuao mais efetiva. Matus utiliza a metfora do jogo para elucidar a ao e a produo humana em geral: as jogadas seriam os fatos, produzidos pelos jogadores (atores) a partir de determinadas acumulaes que estariam ancoradas em capacidades individuais, intelectuais, no conhecimento do jogo e suas regras e nas prprias acumulaes geradas no processo de jogar. Uma diferena fundamental entre os tipos comuns de jogos e o Jogo Social estaria representada pelas regras, que, se na maioria dos jogos esto predefinidas e so imutveis (xadrez, monoplio,etc.), neste ltimo, so construdas pelos homens e no so imutveis. Matus chama a ateno, contudo, para o fato de que preciso muito poder ou uma grande acumulao para se mudar as regras sociais que so desiguais, favorecendo mais a alguns atores em detrimento de outros.

A Teoria da Ao A Teoria da Ao distingue entre uma forma de ao no interativa, instrumental ou comportamental - prpria do planejamento normativo e uma forma de ao interativa, referida ao espao social e poltico, que fundamenta a necessidade do clculo interativo ou raciocnio estratgico. Os diferentes tipos de ao so aplicveis a distintos problemas: para aqueles bem estruturados aplica-se a ao normatizada; para os quase-estruturados7

faz-se necessria a ao interativa e criativa, que considera a ao dos outros atores. Para Matus, os problemas bem estruturados so sempre parte de uma problemtica quase ou mal estruturada. A PROPOSTA METODOLGICA: os quatro momentos do pes O conceito de momento, formulado para superar a idia de etapas, muito rgida, implica numa viso dinmica do processo de planejamento, que se caracteriza pela permanente interao de suas fases ou momentos e pela constante retomada dos mesmos. O Mtodo PES prev quatro momentos (Matus, 1993, 1994) para o processamento tcnico-poltico dos problemas: os momentos explicativo, normativo, estratgico e ttico-operacional. Cada um desses momentos possui suas ferramentas metodolgicas especficas, que podem, no entanto, ser retomadas nos demais. O momento explicativo: selecionando e compreendendo o problema Este o momento da seleo e anlise dos problemas considerados relevantes para o ator social e sobre os quais este pretende intervir. Se a seleo feita por um grupo de pessoas, o uso de tcnicas como tempestade de idias utilizada pelo ZOPP, por exemplo, pode ser til para a construo de uma primeira listagem de problemas que, depois de agrupados por afinidade podero passar por um protocolo simples de seleo que servir para refletir sobre a relevncia dos mesmos antes da seleo definitiva. Mesmo quando o ator tem claro quais os problemas que devem ser enfrentados, o protocolo til para confirmar (ou no) sua importncia estratgica. O protocolo inclui alguns critrios como: valor do problema para o ator principal, para outros atores e para a populao; custo econmico das solues; custo poltico do enfrentamento ou postergao do problema; eficcia da interveno, entre outros que podem acrescentados dependendo do mbito dos problemas. Por exemplo, para problemas de sade pode-se acrescentar o critrio impacto na qualidade de sade da comunidade ou populao. Selecionados os problemas, passa-se descrio dos mesmos atravs de indicadores ou descritores que o definam com clareza. Os descritores quantitativos ou qualitativos devem ser necessrios e suficientes para expressar o problema sem confund-lo com outros ou com suas prprias causas e consequncias. A verificao deste critrio de suficincia pode ser feita a partir da resposta afirmativa pergunta: "eliminadas as cargas negativas expressas pelos descritores, fica eliminado o problema?" Caso contrrio, necessrio rever os descritores. importante assinalar a fonte de verificao do descritor ou seja, a procedncia da informao. A descrio, quando bem feita resultar nos indicadores que8

sero utilizados para avaliar os impactos do plano. Nem sempre possvel usar somente descritores quantitativos. s vezes preciso contar apenas com descritores qualitativos. importante lembrar que o descritor no explica o problema, mas o caracteriza, o expressa atravs de sintomas que o definem. Vejamos, a seguir, um exemplo de um problema processado pelos alunos do Curso de Gesto Hospitalar de 1991 na Escola Nacional de Sade Pblica da FIOCRUZ/MS, e posteriormente enfrentado com sucesso pela gesto municipal de Angra dos Reis. PROBLEMA: BAIXA QUALIDADE DA ASSISTNCIA HOSPITALAR EM ANGRA DOS REIS DESCRITORES FONTE DE VERIFICAOdl 30% DAS INTERNAES DESNECESSRIAS AVALIADAS COMO SUPERVISO HOSPITALAR

d2 45% DOS PRONTURIOS NO ATUALIZAM OU SUPERVISO HOSPITALAR NO CUMPREM PRESCRIES d3 TAXA DE INFECO ACIMA DE 20% HOSPITALAR ESTIMADA VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA SUPERVISO HOSPITALAR NEONATAL VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA SUPERVISO HOSPITALAR

D4 60% DOS CASOS DE OCORRERAM NA SANTA CASA

TTANO

D5 2 CASOS DE SEPTCEMIA POR INTERRUPO DA VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA SUPERVISO HOSPITALAR MEDICAO

Aps a descrio, os problemas devem ser analisados atravs da construo de uma rede de causalidade simplificada. Aqui optamos por no considerar a Teoria da Produo Social e a complexidade do fluxograma situacional do PES explicitamente, embora, a organizao dos processos causais do problema possam obedecer implicitamente a um esquema de hierarquizao semelhante. Ao invs de ordenar as causas em colunas de fatos, acumulaes e regras, pode-se hieraquiz-las segundo causas mais imediatas, causas intermedirias e causas de fundo. importante considerar a noo de espao de governabilidade o que significa que as causas devem ser corretamente colocadas dentro ou fora do espao de governabilidade do ator. No espao de governabilidade do ator esto situadas aquelas causas que esto sob o seu controle. Isto d uma primeira idia sobre o grau de governabilidade ou controle sobre o problema, o que pode ser considerado inclusive como um critrio ou filtro de seleo. Mais adiante, no momento estratgico, esta questo poder ser verificada com mais profundidade apontando-se os atores que

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controlam as variveis crticas (ou ns crticos) do problema e os recursos importantes para a interveno. Modelo de Fluxograma SituacionalRegras ou Causas de Fundo E1 N1 N3 N6 d2= N4 N2 d3= d1=

Causas Intermedirias

Causas imediatas

Descritores

E2

N7

N5

E3

E1: espao de governabilidade E2: espao-fronteira N1 Nn : Ns explicativos (Causas)

E3: espao de fora do problema

importante chamar a ateno para a necessidade de se conhecer bem o problema para identificar corretamente os processos de causalidade. O mtodo apenas ajuda a sistematizao mas no substitui o conhecimento da realidade. Matus(1987) alerta para o risco da cegueira situacional que pode surgir de um olhar parcial. Para romper a cegueira situacional preciso exercitar vrios olhares, e buscar um conhecimento profundo do problema atravs de consultas a especialistas, de estudos existentes e, se necessrio, da realizao de pesquisas especficas, quando o problema pouco conhecido. Com o fluxograma situacional bem realizado possvel identificar: as relaes de determinao entre as causas e entre as causas e o problema tal como descrito sob a forma de indicadores (descritores); as causas de maior poder de determinao; o grau de governabilidade sobre as causas, correspondendo aquelas situadas no espao de governabilidade s causas controladas pelo ator do plano; as causas localizadas no espaofronteira que se referem s causas diretamente relacionadas com o problema, controladas por outros atores, e as causas situadas no espao fora do problema as quais se relacionam a causas que condicionam o problema mas no fazem parte dele diretamente, sendo causas tambm de outros problemas.

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Para Matus, os problemas estratgicos esto sempre entrelaados com outros problemas, podendo-se identificar causas que so comuns a vrios problemas que se manifestam inclusive em diferentes setores. Por isso, fundamental explicao interssetorial. As causas que dependem de outros setores (atores) estariam localizadas no espao-fronteira e, s vezes, no espao fora do problema. Dentre as vrias causas do problema esto aquelas que sero os pontos de enfrentamento do mesmo, os ns crticos, sobre as quais sero elaboradas as propostas de ao. Na seleo dos ns crticos, observam-se trs critrios representados pelas seguintes perguntas que devem ser aplicadas a cada causa do problema: a) A interveno sobre esta causa trar um impacto representativo sobre os descritores do problema, no sentido de modific-los positivamente ? b) A causa constitui-se num centro prtico de ao, ou seja, h possibilidade de interveno direta sobre este n causal (mesmo que no seja pelo ator que explica) ? c) oportuno politicamente intervir ? Quando todas as trs questes so respondidas afirmativamente, o n deve ser selecionado como crtico, ou seja, como ponto de enfrentamento. A partir de ento, os ns crticos que representem ainda problemas muito gerais, que dificultem a viso clara de uma interveno, devem passar por um processo de descrio e anlise nos mesmos moldes do problema principal. Os descritores e indicadores dos ns crticos serviro como norteadores da avaliao dos resultados. Devem ser indicados os atores que controlam as variveis dos ns crticos o que ajudar a verificar o grau de governabilidade, da qual depende o plano de ao do ator-eixo e o plano de demandas. Imaginemos o seguinte exemplo: O chefe de um posto de sade (A1) de um bairro, com sua equipe processa o problema: Alta mortalidade por diarria infantil e, ao explic-lo, encontra vrios ns crticos (NC1, NC2...) sendo que alguns se encontram dentro de seu espao de governabilidade e outros fora. Ns crticos Atores que o controlam

NC1 A populao mal informada quanto a noes A1, profissionais de sade, diretora da escola, de higiene professores, secretrio de sade NC2 Falta material de consumo bsico no posto A1, Secretrio Municipal de Sade como soro fisiolgico, etc. NC3 No existe um sistema de gua potvel no Prefeito, Secretrio de Obras bairro11

NC4 Subnutrio

Sec. de Sade, Sec. de Bem Estar, Sec. de Educao, Prefeito, Governador

Podemos considerar os dois primeiros dentro, ou parcialmente dentro do espao de governabilidade de A1 (chefe do Posto de Sade), o terceiro e o quarto ns situam-se no espao fora do problema, pois fazem parte da cadeia causal de vrios problemas. O ltimo, inclusive, um problema bem complexo que envolve em sua explicao processos scioeconmicos mais amplos, como baixo nvel de renda, desemprego, polticas sociais excludentes, etc. Enfrent-lo apenas no espao singular do nvel local pode significar a princpio aes paliativas. necessrio envolver o maior nmero de atores possvel buscando uma interveno mais integrada com outros mbitos e setores e demandar dos nveis governamentais polticas especficas em diferentes reas. Cabe destacar que quando o n crtico selecionado est dentro do espao de governabilidade do ator, mais fcil enfrent-lo, pois este controla os principais recursos dos quais dependem sua soluo. Mas pode ocorrer que uma causa seja um n crtico, isto , de seu enfrentamento depende a modificao dos descritores do problema, mas a interveno direta no est ao alcance do ator-eixo. Alguns autores que adaptam o PES para o nvel local optam por selecionar somente os ns crticos dentro do espao de governabilidade do ator, na linha mais simplificada de mtodos como o ZOPP, por exemplo. Contudo, consideramos que um ponto altamente positivo na proposta do PES a busca e construo de solues criativas que envolvem a negociao com outros atores que controlem variveis importantes na situao problemtica. Portanto, se a causa tem um alto impacto sobre o problema, se existe oportunidade poltica de atuao e possvel intervir sobre ela, mesmo que esteja fora do espao de governabilidade do ator, vale a pena selecion-la. A interveno sobre este n poder situar-se em um plano de demandas e depender da capacidade de negociao, da criatividade do ator(es) interessado(s). O momento normativo: as propostas de ao em diferentes cenrios Este o momento de desenhar o plano de interveno, ou seja, de definir a situao objetivo ou situao futura desejada e as operaes/aes concretas que visam resultados, tomando como referncia os ns crticos selecionados. A situao-objetivo portanto a nova situao a ser atingida (com os problemas modificados positivamente) atravs do Plano por Operaes. Pode ser desenhada transformando-se os descritores do problema em novos indicadores desejados, os indicadores de resultado. Cada descritor dever ser transformado num resultado esperado, como decorrncia das provveis intervenes sobre o problema. Assim teremos um VDR (vetor de descrio de resultados) correspondente aos resultados finais a serem atingidos pelo plano como um todo e os resultados intermedirios ao vetor de descrio dos ns-

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crticos modificados a serem alcanados atravs de cada operao/aes. s vezes, necessrio complement-la com um texto. Vejamos a situao-objetivo no caso de Angra dos Reis: SITUAO OBJETIVOVDP VDR

D1 30% DAS INTERNAES AVALIADAS COMO DESNECESSRIAS D245% DOS PRONTURIOS NO ATUALIZAM OU NO CUMPREM PRESCRIES D3- TAXA DE INFECO HOSPITALAR ESTIMADA ACIMA DE 20% D4- 60% DOS CASOS DE TTANO NEONATAL DO ESTADO OCORRERAM NA SANTA CASA D5CASOS DE SEPTICEMIA POR INTERRUPO DE MEDICAO

R1- 10% DAS INTERNAES AVALIADAS COMO DESNECESSRIAS R2- 100% DOS PRONTURIOS COM PRESCRIO ATUALIZADA E CUMPRIDA R3- TAXA DE INFECO HOSPITALAR < 5% R4- AUSNCIA DE CASOS DE TTANO NEONATAL R5- AUSNCIA DE CASOS DE SEPTICEMIA POR INTERRUPO DE MEDICAO

VDP=Vetor de Descrio do Problema VDR=Vetor de Definio de Resultados

D=Descritor R=Resultado

As operaes constituem meios de interveno ou conjuntos de aes que empregam vrios tipos de recursos: organizativos, polticos, econmicos, cognitivos, etc., que geram produtos e resultados. Os produtos podem referir-se a bens e servios produzidos, a fatos polticos, a conhecimentos gerados ou transferidos, a normas, leis ou regulaes criadas, a organizaes, sistemas, obras realizadas, etc. Geralmente, em cada operao predomina um tipo de produto. Os resultados correspondem ao impacto produzido sobre os descritores do problema. Por exemplo, o produto de uma operao "campanha de vacinao contra o sarampo" deve ser x crianas vacinadas e deve gerar o resultado: "aumento da imunidade" medido atravs da diminuio do nmero de casos da doena. importante buscar indicadores (quantitativos e/ou qualitativos) como forma de medir os resultados para que no se fique em hipteses ou divagaes. As operaes constituem-se em compromissos de ao. Para cada n-crtico devero ser elaboradas uma ou mais operaes que correspondem s propostas de interveno sobre o mesmo. A operaes devero ser enunciadas de forma sinttica e devero expressar uma proposta de interveno, atravs de verbos que expressem aes concretas. Por exemplo, sensibilizar no indica uma ao concreta mas o

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resultado de uma ao anterior como realizar campanha educativa. Cada operao ser ento desagregada (detalhada) em aes, que expressem com maior preciso o seu contedo. Para elaborar as aes o grupo dever tomar como referncia os descritores do n-critico. Cada operao desagregada em aes, deve ter seus produtos e resultados determinados, os responsveis pelas aes, os recursos predominantes empregados e o tempo de realizao definidos, o que pode ser feito j considerando-se o contexto ou cenrio do plano, pois importante observar que a situao desejada no se configura somente a partir das aes do ator em pauta mas de inmeras condies que podem ser consideradas atravs de uma anlise de tendncias e a partir da ao de outros atores. Por isso, decidimos conservar em nossa proposta para o nvel local, a anlise de cenrios, ainda que de maneira simplificada. Os cenrios correspondem s possibilidades futuras de conformao do contexto que envolve o Plano. Para a construo dos cenrios deve-se: 1- Enumerar as variveis simples importantes para o problema em pauta, isto , aquelas cujo comportamento poder interferir negativa ou positivamente na realizao das operaes e aes do plano. Estas variveis encontram-se fora do controle do ator principal e podem ser de carter econmico, poltico, cultural, etc., de acordo com os diferentes aspectos da realidade a que se refiram. 2- Explorar o comportamento futuro de cada varivel enumerada, considerando as trs possibilidades: otimista, central e pessimista. Por exemplo, para um projeto que necessite aprovao da prefeitura para habitaes populares: Varivel simples: eleies municipais Qual a possibilidade mais otimista que pode ser esperada para a varivel poltica acima? eleito o candidato do Partido X, que apia projetos deste tipo. Qual o pior cenrio a ser esperado? Elege-se o candidato cujo interesse em projetos sociais mnimo. Qual a possibilidade central a ser esperada? Elege-se um candidato que possa tornar-se sensvel a determinadas demandas. importante lembrar que uma nica varivel no conforma um cenrio, mas a combinao de diversas variveis relevantes que se influenciam mutuamente. Por,

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exemplo, no caso acima um cenrio determinado por uma varivel econmica, de maior ou menor recesso com certeza ter influncia sobre os resultados do plano de habitao popular. 3- Combinar as diferentes possibilidades de comportamento das variveis e construir trs cenrios possveis que podero constituir o contexto do plano. 4 - Identificar o cenrio mais provvel de realizao do plano A situao objetivo deve ser repensada luz do cenrio mais provvel para o plano. Cada descritor dever ser transformado num resultado esperado, como decorrncia das provveis intervenes sobre o problema. Por fim, deve-se analisar as possibilidades de realizao das operaes/aes e redefinir a Situao Objetivo (somente o VDR) para os demais cenrios. Tomando como referncia o cenrio mais provvel, necessrio definir os recursos, produtos e resultados esperados para as aes elaboradas anteriormente. Deve-se ainda identificar os responsveis pelas operaes/aes e o tempo necessrio sua realizao. Os recursos devero ser definidos de forma bem especfica., por exemplo: recursos polticos: deciso sobre realizao de convnio de cooperao tcnica; recursos econmicos: 3 microcomputadores 486 com valor monetrio estimado; recursos cognitivos: conhecimento sobre montagem e manuteno de sistemas em rede. Os produtos, como j afirmado, correspondem aos efeitos imediatos esperados para cada operao e ao. Expressam bens e servios produzidos devendo ser bem precisos e de preferncia quantificados. Os resultados correspondem aos efeitos finalsticos das aes (impacto) na situao analisada, esperados como consequncia dos produtos alcanados. Uma observao se faz necessria: os produtos e resultados so categorias relativas, isto , so definidas em uma determinada situao, com base na anlise de um determinado problema e na perspectiva de um dado ator. Espera-se que os resultados das aes sejam relacionados com os descritores do problema. Devido complexidade e o tempo que se leva na aplicao da tcnica de "cenrios alternativos" pode-se optar pela seleo de variantes simples e pela combinao das mesmas na caracterizao de um nico cenrio - o mais provvel - para o qual sero pensadas opes dentro do plano de ao.

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Contudo, necessria a contnua reviso destas variantes no sentido de confrontar o comportamento previsto com o real para que quando houver desajustes se possa refazer o cenrio e remodelar o plano. Este procedimento se faz necessrio concretamente no momento da implementao do plano, ou seja, no momento ttico-operacional. Sugerimos que este seja o procedimento normal, a no ser em casos especficos, onde seja impossvel ou muito difcil imaginar o cenrio mais provvel, havendo necessidade de preparar um plano com antecedncia para duas ou mais possibilidades de cenrio. Neste caso deve-se estabelecer: a) a dependncia das operaes em relao s principais variantes simples que constituem o contexto do plano; aquelas operaes menos sensveis aos cenrios no precisam ser redesenhadas; b) o comportamento mais provvel das variante crticas; c) o programa direcional ou plano de ao para este cenrio Podem ainda ser consideradas as surpresas ou eventos que teriam baixa probabilidade de acontecer, porm com um forte impacto sobre o plano. Com relao s surpresas de alta probabilidade (numa escala deslocada, claro) e alto impacto deve-se analisar a possibilidade de construir planos de contingncia, levando-se em conta custos e oportunidades. Finalmente, quando o plano exigente em recursos financeiros s vezes, devido s exigncias com relao apresentao da proposta oramentria, necessrio (principalmente num plano de demandas) contempl-la em separado, destacando aquelas aes que dependem destes recursos. As intervenes sobre os problemas que esto sob a governabilidade do ator principal fazem parte do plano de interveno direta, o plano de ao. As operaes sobre problemas que fogem ao controle do ator e esto fora do seu espao de governabilidade devem constituir um plano de demandas. O momento estratgico: construindo a viabilidade do plano Neste momento realizada a anlise de viabilidade do plano nas suas vrias dimenses: poltica, econmica, cognitiva, organizativa. No momento anterior j feita uma pranlise de viabilidade mas agora necessrio um clculo mais profundo atravs da simulao. Cabe lembrar a importncia de uma anlise de vialibilidade bem feita em situaes que o ator no controla todos os recursos necessrios para a realizao do plano. Caso a anlise de viabilidade resulte negativa, indicando operaes no viveis 16

necessrio pensar na construo de estratgias que possam torn-las viveis. A estratgia necessria tanto para as operaes que exigem cooperao com outros atores como para as de oposio e confronto e a escolha da melhor estratgia depende do tipo das operaes e da relao de foras, ou seja, dos recursos que cada ator pode mobilizar a seu favor. A anlise de viabilidade parte de dois nveis: a) da anlise da motivao dos atores frente s operaes do plano, o que significa registrar o interesse que os atores tm em relao quelas e o valor que lhe atribuem. O interesse marcado com os sinais: a favor (+); contra (-) e indiferente (0) e o valor pode ser Alto (A), Mdio (M) ou Baixo (B). importante registrar o valor porque um ator contrrio a um projeto, cujo valor para ele alto, estar muito mais disposto a mobilizar recursos para que o mesmo no se realize do que se o valorizasse pouco. Assim tambm, com relao ao apoio de atores aliados, o valor tambm pode indicar o quanto esto dispostos a investir, a cooperar. b) da anlise do grau de controle dos recursos necessrios implementao das operaes e aes por parte do conjunto de atores que os apoiam e do bloco que os rejeita. Esta anlise aplicada s operaes de conflito, identificadas atravs do sinal (-). Basta que haja um nico sinal negativo, ou seja, um nico ator contrrio, mas que controle algum recurso crtico, para que a operao seja considerada de conflito. As operaes de consenso podem mais facilmente ser viabilizadas. Em relao s operaes de conflito, a definio de sua viabilidade fica em suspenso e vai depender da anlise da relao de foras, ou seja, da fora poltica de quem as apoia versus a fora de quem se coloca contrrio sua realizao e das estratgias desenvolvidas. O estudo da correlao de foras pode ser feito a partir do modelo do PES que prope comparar o grau de controle dos recursos de poder envolvidos especificamente em cada uma das operaes, fazendo a distino entre recursos de deciso e recursos de materializao. importante esta diferenciao porque o nvel de deciso de uma operao exige determinados tipos e recursos, ao passo que o nvel de operacionalizao ou funcionamento da proposta pode exigir recursos diversos. No nvel de deciso, geralmente o recurso envolvido o poltico, a capacidade de deciso para aprovao de um projeto. importante observar que, para Matus, o poder no um conceito abstrato. um recurso multidimensional, pois refere-se a capaciades de ao em geral e situacional. Um mesmo ator pode ter poder numa situao ou com relao a uma operao especificamente e no ter nenhum ou pouco em outras. dinmico e portanto, a anlise de poder no pode cristalizar-se pois os atores acumulam ou desacumulam poder e necessrio acompanhar as mudanas. Matus chama esta fase de anlise do Vetor Peso. Nesta fase necessrio distinguir os recursos relevantes para cada operao (somente estes17

recursos entraro na anlise) e distribu-los proporcionalmente entre o conjunto dos atores que apoiam e os que rejeitam as operaes numa escala de 0 a 100%. Os recursos podem ser os mais diversos e recebem um cdigo como por exemplo x1, x2, x3, etc., sendo que x1 pode significar o controle dos recursos financeiros de uma secretaria municipal de sade, x2 pode ser o controle dos votos da maioria na cmara de vereadores dos quais depende a deciso poltica sobre alguma operao, x3 o controle da capacidade instalada para atendimento em sade (leitos, enfermarias, etc). O resultado desta anlise permite distinguir as operaes de conflito viveis das no viveis. Com relao s no viveis necessria a construo de estratgias especialmente se tais operaes tm um papel fundamental na viabilizao do plano como um todo. Vejamos quais seriam os possveis meios estratgicos. O PES nos aponta cinco possibilidades. 1) A utilizao de estratgias especficas que podem ser classificadas, segundo Matus (1994b), em: a) Imposio corresponde ao uso da autoridade em relao ao outro ator; pode ser utilizada quando o ator eixo encontra-se em situao hierrquica superior ao ator contrrio. b) Persuaso compreende uma ao de convencimento, de seduo em relao ao outro ator na busca de seu apoio e adeso, sem que para isto o ator eixo tenha que fazer qualquer concesso em relao ao seu projeto. c) Negociao cooperativa implica na negociao onde existem interesses distintos, quando ambos os lados devero estar predispostos a fazer concesses, sendo que o resultado dever trazer ganhos positivos para os participantes d) Negociao conflitiva implica na negociao onde existem interesses opostos e o resultado sempre trar perda para um ator e ganho para outro. e) Confrontao corresponde a medio de fora entre os atores envolvidos (votao, por ex.). 2) A utilizao das operaes de consenso como "coringas", em qualquer momento da trajetria do plano, de forma inteligente, visando acumulao de foras. 3) A construo de operaes ttico-processuais (K) que no fazem parte do plano propriamente dito mas cumprem o objetivo de construir a viabilidade das operaes principais. Podem ser de vrios tipos dependendo do efeito que produzem, como por exemplo, surpresa, distrao, esclarecimento, intimidao e mobilizao. 4) A elaborao da operaes em forma de mdulos que se adaptem s mudanas do plano18

e do cenrio, modificando-se determinados aspectos para atingir os objetivos previstos. 5) A trajetria ou ordenao temporal das operaes. A melhor trajetria a que respeita a precedncia de determinadas operaes e permite uma acumulao progressiva de poder que ajude na viabilizao do plano. As estratgias devem ser voltadas para os atores contrrios ao ou para aqueles indiferentes, visando a busca de apoio. Pode ser empregado mais de um tipo de estratgia, como por exemplo, a de autoridade conjugada com uma estratgia de persuaso. Sempre que possvel, segundo Matus, prefervel evitar a confrontao direta e o conflito aberto pelo alto desgaste que pode significar. Melhor investir em estratgias de negociao e cooperao na busca de maior apoio e legitimao para os projetos. A construo de um encadeamento lgico e estratgico das aes corresponde montagem da trajetria estratgica, o que permite ao ator eixo acumular poder ou evitar o desgaste poltico, facilitando o desenvolvimento de cada ao do plano. De forma prtica, a trajetria busca combinar da melhor maneira possvel, num dado horizonte temporal, operaes consensuais e operaes conflitivas de modo que as operaes consensuais possam abrir caminho para as outras. necessrio definir um perodo de tempo para a realizao do plano. A trajetria poder ser elaborada graficamente, utilizando-se apenas os smbolos que representam as operaes interligadas por setas, onde T significa um perodo de tempo, no caso, de seis meses; OP=operao 1, 2, etc. e a refere-se s aes.

T1 6m OP1a7 OP3a2-5

T2 6m OP1a1 OP1a7

T3 6m OP1a3 OP4a1

T4 6m OP2a3 OP1a5

As estratgias utilizadas em relao aos atores podem mudar ao longo do tempo, o que deve ser observado, atualizando-se a informao. Da mesma forma, a trajetria pode ser alterada. O momento ttico-operacional: a gesto o plano Elaborado o plano (flexvel e adaptvel conjuntura), feita a anlise de viabilidade, chegase ao momento da ao, da implementao do plano. Lembremos que, na viso do PES,19

planejamento e gesto so inseparveis, o plano no o desenho no papel, mas um compromisso de ao que visa resultados, impacto nos problemas selecionados, que se traduzem em novas situaes mais favorveis do que a situao inicial. Para acompanhar a realizao do plano de maneira a produzir impactos reais, so necessrias formas adequadas de gerenciamento e monitoramento. Consideramos que os trs principais sistemas que Matus apresenta ao discutir a Teoria das Macroorganizaes e que conformam o tringulo de ferro so tambm fundamentais para o nvel local (Artmann, 1993). 1) A Agenda do Dirigente: em nvel local o "dirigente" pode ser uma equipe de trabalho responsvel pelo plano. Ela deve se preocupar com os problemas e questes importantes e delegar os demais. No devemos esquecer que estamos tratando de planejamento estratgico, portanto o plano seletivo, trata das questes estratgicas, sendo que todas as demais devem fazer parte da programao de atividades que extensiva. As questes estratgicas e as questes de rotina, devem ser tratadas de forma diferenciada. Se todos se preocupam com tudo com a mesma intensidade, no mnimo, no se alcanam solues criativas. Esta questo fundamental, pois muito comum os dirigentes gastarem praticamente todo o tempo com urgncias/emergncias e negligenciarem o que importante e estratgico. As questes urgentes sempre parecem importantes pela premncia do tempo, mas, sem a concentrao da ateno e do tempo nos problemas estratgicos, no possvel alcanar a situao objetivo. 2) Sistema de Petio de Prestao de Contas: em cada instituio local, em cada departamento, at no nvel mais descentralizado deve imperar o hbito - como rotina formal - de pedir e prestar contas sobre cada atividade. Deve-se prestar contas regularmente do andamento das operaes que compem o plano. Para que a prestao de contas se efetive realmente, deve haver algum que tenha a funo de solicitar e pessoas concretamente responsveis pelas operaes e cada uma das aes do plano. Por isso a nfase no momento normativo do desenho das operaes na responsabilizao pessoal pelas atividades. 3) Sistema de Gerncia por Operaes: deve constituir-se em um sistema recursivo, at os nveis mais operacionais (aes, subaes) guiado pelo critrio de eficcia, ou seja, como as operaes e aes realizadas afetam o VDP dos problemas. Sem esta responsabilizao, torna-se impossvel a avaliao do grau de realizao do plano e das necessidades de adpatao ou possvel reviso mediante mudanas na situao. Ao lado destes, fundamental o Sistema de Monitoramento ou Acompanhamento e Avaliao do Plano, o qual vai suprir as demandas de informao dos outros sistemas20

acima e permitir avaliar o desenvolvimento do plano tanto em relao aos seus resultados finais quanto aos seus processos intermedirios. Vale ressaltar que a informao, apoiada nos diversos sistemas de informaes disponveis no importante apenas no momento ttico-operacional mas em todo o processo de planejamento. A partir do momento explicativo a informao apia a seleo dos problemas estratgicos; no momento normativo fornece os parmetros e normas para questes de sade, por exemplo e no estratgico informa sobre a viabilidade econmica, organizativa, cognitiva, etc. Pode funcionar como um recurso de conhecimento a ser utilizado estrategicamente. Um princpio muito importante defendido por Matus e que deve necessariamente ser observado o da reduo da variedade de informaes, ou seja, a necessidade de trabalhar com informao seletiva de forma inteligente para que o ator no se perca em milhares de dados inteis. Isto vale tanto para sistemas informatizados que j se baseiam neste princpio - como para a informao trabalhada a nvel "manual". As variveis a serem monitoradas, segundo o PES, so: - os descritores do problema; - os descritores dos ns-crticos; - a implementao das operaes considerando recursos e produtos e o tempo; - os processos relacionados aprovao e implementao das operaes como aprovao de aes, alocaes de recursos, designao de responsabilidades, etc; - o comportamento das variantes (cenrios) e a possibilidade de surpresas; - a evoluo estratgica do plano atravs de verificao dos resultados das estratgias implementas e a necessidade de modificaes. Apresentamos uma matriz como exemplo de monitoramento geral de um plano mas recomendamos que quando necessrio, sejam desenhados formatos especficos para acompanhamento de variveis estratgicas e para a prestao de contas.

Matriz Indicadores de acompanhamento do planonome do indicador clculo valor encontrado meta data/ perodo de avaliao fonte de verificao Relatrios de superviso da Vig. em Sade21

% de notificaes n de compulsrias incorretas not.incorretas

Tempo entre o diagnstico e a notificao % de profissionais capacitados

n total de not. tempo real versus tempo ideal n de egressos capacitados nde egr.planej

Obs: os indicadores s podem servir para avaliar o plano quando considerados num contexto concreto e dentro de um horizonte temporal definido. A matriz Srie Comparada exige uma anlise especfica de cada descritor a partir da prestao de contas sistemtica que permita a construo de uma srie comparada. Esta lgica deve ser aplicada anlise do desenvolvimento das operaes.

SRIE COMPARADATendncia Fonte de informao Data Prestao Indicador (Situao do Descritor) =

x x x Piora = Igual Melhora

Nem sempre possvel trabalhar com sistemas informatizados e sofisticados. Devido ao alto custo na produo, distribuio e utilizao de informaes, muitas localidades do pas ainda esto muito longe do acesso a este tipo de sistemas. Contudo, sempre necessrio trabalhar com informaes e a melhoria da qualidade destas informaes deve ser vista de forma prioritria em qualquer realidade. Na ausncia do acesso a tecnologias mais avanadas, deve-se trabalhar a informao atravs de processos mais artesanais e buscar a produo principalmente daquelas necessrias ao acompanhamento do plano.

Consideraes Finais Numa realidade fragmentada e permeada por questes complexas, onde os problemas22

sociais se multiplicam, exigindo o posicionamento dos diferentes atores, inclusive da comunidade organizada no exerccio de sua cidadania na busca de solues mais integrais, torna-se necessrio um enfoque de planejamento abrangente e participativo que possa dar conta desta complexidade e que favorea a articulao dos distintos setores no enfrentamento dos problemas. Iniciativas como os Projetos Multissetoriais Integrados, do BNDS, entre outras, que ampliam a perspectiva com relao abordagem das questes sociais representam um desafio e precisam ser apoiadas com metodologias e tcnicas adequadas. Procuramos ao longo do texto argumentar a favor de uma viso ampla e descentralizada da realidade problemtica. Consideramos o PES como um enfoque capaz de proporcionar os instrumentos de anlise dos problemas bem como ferramentas operacionais para o enfrentamento dos mesmos.e destacamos as questes, a seguir. A explicao situacional proporciona uma metodologia de anlise da realidade que equivale a um enfoque multidisciplinar e que aponta para a necessidade de captar a problemtica social como resultante de um entrelaamento de setores e que no pode ser reduzida a um processo de departamentalizao analtica. A tcnica de anlise de cenrios e o desenho modular e flexvel do plano favorece uma adaptao frente a mudanas conjunturais. A anlise e construo de viabilidade proposta pelo enfoque permite a identificao de recursos crticos e dos atores potencialmente envolvidos no plano de ao, os quais no se restringem necessariamente a rgos governamentais, ampliando-se o foco de interveno. Diante da baixa governabilidade do ator principal, o PES no prope o abandono do plano. Uma das possibilidades de ampliao da governabilidade sobre o plano a busca de adeses, considerando tanto atores vinculados a rgos de governo, como atores da sociedade civil, desde que relevantes para a situao problemtica em pauta. Portanto, em situaes onde onde o controle das variveis relevantes est distribudo entre vrios atores, a capacidade de negociao e a ampliao dos processos comunicativos torna-se essencial. Articulada questo acima est a necessidade, portanto, de transitar entre a linguagem especializada e a linguagem comum, traduzir categorias e conceitos tericos de maneira acessvel, bem como tratar e interpretar com um certo rigor as questes trazidas pelos diferentes grupos/atores que participam do processo de planejamento. Observamos, ainda, que o PES, sendo um enfoque flexvel, permite a utilizao de outras tcnicas ou enfoques que complementem anlise dos problemas bem como facilitem a construo de propostas participativas e a busca de adeso ao plano de ao.

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Outra questo importante relaciona-se dinamicidade da realidade e a consequente necessidade de no cristalizar a anlise e as propostas de ao. A permanente avaliao dos impactos atravs de indicadores desenhados especificamente para acompanhar e monitorar o do plano possibilita a sua atualizao e correo para que no se desvie da situao objetivo. Por ltimo, reafirmamos que o maior ou menor sucesso do plano depende, alm de variveis no controlveis do cenrio, da definio clara de responsabilidades, de mecanismos e dispositivos de prestao regular e sistemtica de contas, da competncia comunicativa e da flexibilidade frente s mudanas.

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