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Trombose venosa e arterial Dr. Nelcivone S Melo. Médico Hematologista e patologista clínco Diretor Técnico do Laboratório Atalaia Introdução Os trombos são massas sólidas formados no interior dos vasos por constituintes do sangue. O significado clínico dos trombos depende da isquemia resultante da obstrução vascular local ou da embolização e obstrução à distância. A trombose tem papel dominante na patogênese do infarto do miocárdio, doenças cerebrovasculares, doenças arteriais periféricas e oclusões venosas. A doença tromboembólica é enfermidade comum e importante causa de morte em todo o mundo. Nos EUA ocorrem de 5 a 6 milhões de novos casos a cada ano e provocam cerca de 300.000 a 500.000 mortes. A patogênese dos trombos formados em diversas partes da circulação é semelhante, mas, existem diferenças estruturais entre trombos arteriais e trombos venosos. Nas artérias, os trombos desenvolvem-se de acordo com a seguinte sequência de eventos: lesão da parede vascular, exposição do colágeno subendotelial, adesão e agregação plaquetária. Na veias a formação de trombos geralmente inicia-se com a geração de trombina em áreas com fluxo sanguíneo lento. O coágulo sanguíneo é o elemento predominante nestes casos. Múltiplos trombos na microcirculação resulta em coagulação intravascular disseminada (CIVD). A trombose torna-se mais comum à medida que a idade avança e está frequentemente associada a fatores de risco. Em algumas ocasiões não se consegue evidenciar um fator de risco subjacente. O termo trombofilia descreve distúrbios familiares ou adquiridos da hemostasia que predispõem à

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Page 1: Artigos Tecnicos Trombose Venosa Arterial

Trombose venosa e arterial

Dr. Nelcivone S Melo.Médico Hematologista e patologista clíncoDiretor Técnico do Laboratório Atalaia

Introdução

Os trombos são massas sólidas formados no interior dos vasos por constituintes do sangue. O significado clínico dos trombos depende da isquemia resultante da obstrução vascular local ou da embolização e obstrução à distância. A trombose tem papel dominante na patogênese do infarto do miocárdio, doenças cerebrovasculares, doenças arteriais periféricas e oclusões venosas.

A doença tromboembólica é enfermidade comum e importante causa de morte em todo o mundo. Nos EUA ocorrem de 5 a 6 milhões de novos casos a cada ano e provocam cerca de 300.000 a 500.000 mortes.

A patogênese dos trombos formados em diversas partes da circulação é semelhante, mas, existem diferenças estruturais entre trombos arteriais e trombos venosos. Nas artérias, os trombos desenvolvem-se de acordo com a seguinte sequência de eventos: lesão da parede vascular, exposição do colágeno subendotelial, adesão e agregação plaquetária. Na veias a formação de trombos geralmente inicia-se com a geração de trombina em áreas com fluxo sanguíneo lento. O coágulo sanguíneo é o elemento predominante nestes casos. Múltiplos trombos na microcirculação resulta em coagulação intravascular disseminada (CIVD).

A trombose torna-se mais comum à medida que a idade avança e está frequentemente associada a fatores de risco. Em algumas ocasiões não se consegue evidenciar um fator de risco subjacente.

O termo trombofilia descreve distúrbios familiares ou adquiridos da hemostasia que predispõem à trombose.

TROMBOSE ARTERIALPatogênese

1. Aterosclerose da parede arterial, rotura da placa de ateroma e lesão endotelial expõe o colágeno subendotelial ao sangue e libera fatores tissulares. As plaquetas aderem ao colágeno exposto e são ativadas, sintetisam prostraglandinas e produzem tromboxane A2 que causa agregação plaquetária. A agregação é ampliada pela liberação de ADP pelas plaquetas lesadas e pela parede vascular. A quantidade de prostaciclina produzida pela parede vascular é crítica na prevenção e propagação do trombo inicial.

2. O agregado de plaquetas é ancorado em sua superfície externa por fibrina formada após a exposição de fatores tissulares na parede

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vascular e liberação de atividade coagulante das plaquetas.

3. Fluxo sanguíneo reduzido e turbulência devido a estenose da parede arterial são fatores importantes na trombose das coronárias e de outras artérias de calibre médio.

4. Pequenos êmbolos de plaquetas e fibrina podem ser produzidos pela fragmentação do trombo primário e provocar oclusão de pequenas artérias distais.

5. A deposição de plaquetas e formação de trombos são importantes na patogênse na aterosclerose. O fator de crescimento derivado da plaqueta (PDFG) estimula a migração e proliferação de células de músculo liso e fibroblastos na íntima arterial. O crescimento do endotélio e o reparo no local da lesão arterial resulta em adelgaçamento da parede vascular.

Fatores de risco

Os fatores de risco para trombose arterial são aqueles relacionados ao desenvolvimento da aterosclerose e estão listado na Tabela 1.

Tabela 1. Fatores de risco para trombose arterial

História familiar positiva

Sexo masculino

Hiperlipidemia

Hipertensão arterial

Diabetes mellitus

Gota

Policitemia

Hábito de fumar

Anormalidades no ECG

Fator VII elevado

Fibrinogênio elevado

A identificação dos pacientes de risco depende de uma boa avaliação clínica.

TROMBOSE VENOSAPatogênese

1. O aumento da coagulabilidade sanguínea desempenha papel predominante. Trombose venosa profunda per e pós-operatória é consequência da ativação da coagulação sanguínea por fatores tissulares procoagulantes liberados durante a cirurgia. Em muitos pacientes existe excessiva produção local de trombina na veias das pernas imóveis. Trombose venosa de repetição ocorre em vários

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distúrbios hereditários e adquiridos associados com hipercoagulabilidade.

2. Estase venosa é também de grande importância. Ela contribui no processo de coagulação sanguínea com a formação de fibrina no sítio onde iniciou-se o trombo. Isto geralmente ocorre nas válvulas ou em dilatações venosas nos membros inferiores de pacientes imobilizados.

3. Lesão da parede vascular não é obrigatória na patogênese da trombose venosa mas, pode ser importante naqueles pacientes com sepsis ou catéter de demora.

4. Adesão e agregação plaquetária são de importância secundária. A estrutura do trombo venoso é primariamente de coágulo de fibrina. Entretanto, a formação de trombina resulta em agregação plaquetária e acumulação. As plaquetas contribuem para a expansão e propagação do trombo fornecendo fosfolípides para a formação de complexos enzimáticos da coagulação sanguínea e altas concentrações de fator V derivado dos grânulos plaquetários.

5. A propagação do trombo é aumentada pela estagnação do sangue e fluxo turbulento. O aumento da viscosidade sanguínea devido a policitemia ou aumento do fibrinogênio plasmático ou gamaglobulinas também promove o crescimento do trombo.

A propagação do trombo é inibida pelo fluxo sanguíneo rápido que remove o ninho inicial de fibrina e plaquetas, causa a dispersão da trombina e de fatores ativados da coagulação e leva a uma efetiva neutralização dos inibidores fisiológicos, tais como antitrombina III e proteina C. Outro mecanismo protetor importante é a atividade fibrinolítica natural do sangue e da parede vascular.

Fatores de risco

Os principais fatores de risco para trombose venosa são aqueles relacionados a fluxo sanguíneo lento e hipercoagulabilidade. Alterações na parede vascular desempenham papel menos importante do que na trombose arterial. Na Tabela 2 estão relacionados os principais fatores de risco para a trombose venosa.

Tabela 2. Fatores de risco para trombose venosa.

a. Defeitos hereditários da hemostasia

Hemogloobinúria paroxística noturna

Deficiência de Proteína C

Deficiência de Proteína S

Fator V de Leiden

Mutação genética da Protrombina (G20210A)

Fibrinogênio anormal

Plasminogênio anormal

b. Distúrbios hereditários ou adquiridos da hemostasia

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Deficiência de Antitrombina III

Deficiência de Proteina C

Deficiência de Poteina S

Deficiência de Antitrombina III

Fator VII elevado

Fibrinogênio elevado

c. Fatores relacionados a estase

Insuficiência cardíaca

Imobilizações prolongadas

Obstrução pélvica

Síndrome nefrótica

Desidratação

Hiperviscosidade

Policitemia

Varizes

d. Outros

Idade > 45 anos

Anticoagulante lúpico

Terapia com estrógenos

Gravidez e puerpério

Cirurgia abdominal

Cirurgia do quadril

Traumatismos e fraturas

Neoplasias

Infarto do miocárdio

Trombocitoses

Obesidade

Sépsis

LaboratórioMuitas das condições associados ao aumento do risco trombótico são evidentes após uma avaliação clínica. Uma avaliação hematológica está indicada nos seguintes casos:  1. Trombose venosa profunda recorrente.  2. Embolia pulmonar especialmente se ela ocorre durante o uso de anticoagulantes.  3. História familiar de tendência a trombose.

Testes para diagnóstico  1. Hemograma: para detectar elevação no hematócrito, leucocitoses, plaquetoses, aumento no fibrinogênio e globulinas.  2. VHS: elevações das concentrações fibrinogênio e globulinas aceleram a VHS.  3. Tempo de protrombina: Avalia as vias extrínseca e comum da coagulação.  4. Tempo de tromboplastina parcial ativado: Avalia as vias intrínseca e comum da coagulação. Um TTPA encurtado é

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geralmente encontrado nos estados trombóticos e indica a presença de fatores da coagulação ativados no plasma. Um TTPA prolongado, que não é corrigido pela adição de plasma normal, sugere a presença de anticoagulante lúpico.  5. Tempo de trombina: Um TP prolongado sugere a presença de fibrinogênio anormal.  6. Fibrinogênio.  7. Antitrombina III - identificação de deficiência de AT-III hereditária ou adquirida.  8. Proteína C - identificação de deficiência de Proteína S hereditária ou adquirida.  9. Proteína S (total e livre) - identificação de deficiência hereditária ou adquirida de Proteína S.  10. Fator V de Leiden - Identificação da mutação genética para a resistência a Proteína C ativada. Esta é considerada atualmente a principal causa hereditária de trombose (cerca de 20% dos casos).  11. Mutação Genética da Protrombina (G20210A).  12. FAN.  13. Anticardiolipina G.  14. Anticardiolipina M.  15. Anticoagulante Lúpico.  16. Homocisteina, dosagem.  17. Homocisteina, mutação genética.  18. Fatores de coagulação VIII, IX, XI.

Um diagnóstico hematológico positivo é encontrado em apenas um terço dos pacientes investigados. Na maioria dos casos, mesmo após reiteradas pesquisas, não se consegue realizar o diagnóstico etiológico e o tratamento com anticoagulantes é iniciado de maneira empírica.

Testes para monitoragem terapêutica de anticoagulantes  1. Heparina EV  TTPA: deve ser mantido entre 1,5 a 2,0 vezes em relação ao plasma normal.

  2. Heparina subcutâneaNão altera o TTPA. Deve ser monitorada pela dosagem do Fator Xa.

  3. Anticoagulantes oraisTP com RNI. A RNI (Relação Normalizada Internacional) é relação de tempos entre o plasma do paciente e o plasma normal (P/N) corrigida pela sensibilidade da tromboplastina utilizada (ISI). A sensibilidade varia em cada lote de tromboplastina e vem impressa no frasco do reagente. Quanto mais sensível for a tromboplastina mais o ISI se aproxima de 1,0. Se o ISI for igual a 1,0 a relação P/N é igual ao RNI. A Tabela 3 lista as faixas terapêuticas de anticoagulação para algumas situações clínicas de acordo com a Sociedade Britânica de Hematologia.

Tabela 3. Faixas terapêuticas para controle de anticoagulantes orais

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RNI Situação clínica

2,0 - 2,5Profilaxia da TVP, incluindo cirurgia de alto risco.

2,0 - 3,0

Cirurgia do quadril, fratura do fêmur.Tratamento da TVP, embolia pulmonar, embolia sistêmica, prevenção de tromboembolismo venoso após infarto do miocárdio, estenose mitral com embolismo, fibrilação atrial e ataque isquêmico transitório.

3,0 - 4,5 TVP recorrente, embolia pulmonar, doença arterial incluindo infarto do miocárdio, enxertos arteriais, válvulas prostéticas e enxertos.