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Carta Aberta ao Ministro Palocci Já escrevi 4 artigos na Veja sobre a política de juros nominalista que a sua equipe convenceu V. Exa. a perseguir, esperando uma contra-argumentação para que os leitores da Veja pudessem avaliar, mas amigos me dizem que V.Exa. somente contra-argumenta “working papersacadêmicos. Por isto estou enviando um “working paper” para 10.000 pessoas amigas minhas, torcendo para que entre elas haja um primo ou parente que incentive V. EXa. a dar alguma atenção às argumentações de pessoas que querem, como eu, reduzir os juros, permitir que o país reduza a volatilidade, e possibilitar o governo alongar a sua dívida, seus problemas atuais. Argumento Número 1. Faça esta simples pergunta: Qual é hoje a taxa de juros neste país para que eu e o resto da população possamos comprar títulos do governo, sabendo pelo menos quanto iremos receber no final do período? Nestes 18,25%, quanto é juro e quanto é inflação estimada? Ninguém sabe, demora um ano para saber. Seu problema é de precificação do produto, neste caso a precificação dos juros, ninguém compra nada com preço incerto. O Sr. daria uma injeção de glicose mais codeína a um paciente sem saber a proporção exata desta composição? Mas é exatamente isto que o seu governo está fazendo. Ninguém sabe a proporção exata de juros e inflação embutida neste seu juro nominal. Alguns economistas “acham” que o juro real será de 10%, outros “acham” que será 8%. Diante deste achismo, o investidor se protege escolhendo a pior estimativa para o governo. E o juro nominal portanto sobe. No início de 2004, estes mesmos economistas “achavam” que o juro real seria de 8% a 10%, e com a publicação do IGP de 2004, agora sabemos a verdade. O juro real foi de somente 4%. E agora os bancos, e investidores enganados que foram, porque descontado o Imposto de Renda, a rentabilidade foi quase zero, querem reaver o prejuízo e não aceitam renovar os seus títulos.

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Page 1: ARTIGOS KANITZ

Carta Aberta ao Ministro Palocci

Já escrevi 4 artigos na Veja sobre a política de juros nominalista que a sua equipe convenceu V. Exa. a perseguir, esperando uma contra-argumentação para que os leitores da Veja pudessem avaliar, mas amigos me dizem que V.Exa. somente contra-argumenta “working papers” acadêmicos. 

Por isto estou enviando um “working paper” para 10.000 pessoas amigas minhas, torcendo para que entre elas haja um primo ou parente que incentive V. EXa. a dar alguma atenção às argumentações de pessoas que querem, como eu, reduzir os juros, permitir que o país reduza a volatilidade, e possibilitar o governo alongar a sua dívida, seus problemas atuais. 

Argumento Número 1.

Faça esta simples pergunta: Qual é hoje a taxa de juros neste país para que eu e o resto da população possamos comprar títulos do governo, sabendo pelo menos quanto iremos receber no final do período? 

Nestes 18,25%, quanto é juro e quanto é inflação estimada? Ninguém sabe, demora um ano para saber. Seu problema é de precificação do produto, neste caso a precificação dos juros, ninguém compra nada com preço incerto.

O Sr. daria uma injeção de glicose mais codeína a um paciente sem saber a proporção exata desta composição? 

Mas é exatamente isto que o seu governo está fazendo. Ninguém sabe a proporção exata de juros e inflação embutida neste seu juro nominal. 

Alguns economistas “acham” que o juro real será de 10%, outros “acham” que será 8%. Diante deste achismo, o investidor se protege escolhendo a pior estimativa para o governo. E o juro nominal portanto sobe.

No início de 2004, estes mesmos economistas “achavam” que o juro real seria de 8% a 10%, e com a publicação do IGP de 2004, agora sabemos a verdade. O juro real foi de somente 4%. E agora os bancos, e investidores enganados que foram, porque descontado o Imposto de Renda, a rentabilidade foi quase zero, querem reaver o prejuízo e não aceitam renovar os seus títulos.

O Sr. faria o mesmo.

Graças ao nominalismo econômico, comprar títulos do governo, que deveria ser a opção menos arriscada para o investidor, é a mais arriscada. É mais arriscado do que comprar ações em Bolsa. Petrobrás dá dividendos de 6% e só distribui 1/3 do seu lucro. Entre receber 4% e 18%, que opção o Sr. prefere , se o risco é o mesmo?

A solução da escola realista, como eu e dezenas de advogados, contadores e administradores financeiros e até alguns economistas temos proposto, é de simplesmente oferecer um título com um juro real pré-estabelecido, como vocês timidamente fazem com as NTN-Cs, que

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rendem uma taxa real pré-determinada de 6%.

A impressão é de que o governo esconde estes títulos, cuja existência a maioria desconhece. 

Por que, por exemplo, não se coloca no site do Tesouro direto, uma frase como: 

"Srs. investidores, fiquem tranqüilos, estamos oferecendo títulos NTN-Cs que garantirão um juro real de 6% ao ano, sem incerteza, nem susto, sem depender de previsões de economistas, nem do cumprimento de nosso “inflation targeting”, portanto uma taxa sem nenhum risco de ser menor do que este valor que estamos pré-determinando.

Os juros reais das NTN-Cs não variam depois de emitidas, como ocorre com as LFTs.

Se o Sr. não é especulador, o título adequado para a sua tranqüilidade financeira é a NTN-C.” 

Num dos meus artigos na Veja “Como Reduzir os Juros para 5%”, sugeri exatamente isto, a substituição de todas as LFTs por títulos como a NTN-C, e fiquei feliz com recente declaração do Secretário da Fazenda Joaquim Vieira: “É melhor ganhar 5% de juro real por três anos, do que apostar em juros nominais incertos”. 

Mas ficou por isto. Nada do que vou expor abaixo foi feito para tornar esta frase uma realidade. Tanto é que o Sr. está com um sério problema para alongar a dívida.

E é fácil descobrir o motivo. Entre na internet e pesquise as previsões de inflação dos nossos mais importantes economistas para 2006, 2007 e 2008. Não existe previsão além de 2005. Por isto, a maioria dos investidores só compra título de um ano.

Argumento Número 2. Alongamento da Dívida.

Por que o Banco Central sempre vive neste sufoco de ter de recolocar 50% de sua dívida todo ano, e então fica à mercê de crises internacionais, escândalos governamentais e outros fatores que aumentam os juros?

Por quê ninguém compra título Nominal de 3 ou 4 anos no Brasil?

A solução neoclássica sempre foi oferecer 1 ou 2% a mais de juros para títulos de 4, 5 e 6 anos. Oferecer, por exemplo, taxa de 20% para quem ficar com o título 6 anos.

Acontece que no nominalismo isto não funciona. Os 2% a mais de juros são anulados pelos 2% negativos a mais de risco, o risco de não corresponderem estas estimativas de inflação de 4 anos.

Quanto mais largo o horizonte maior o risco. Portanto não adianta oferecer juros maiores a longo prazo, como reza a teoria neoclássica.

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Se as estimativas de inflação de um ano não são confiáveis, imagine as estimativas de 6 anos. Nenhum economista se arrisca a fazer uma estimativa de inflação de 2 anos, muito menos de 6. Por que então um investidor de LFTs se arriscaria?

O prêmio adicional do alongamento não compensa o risco adicional da incerteza da estimativa de inflação que aumenta a cada ano adicional, fruto do nominalismo.

Agora se em vez de 6% real, o Sr. oferecesse 8% de juro real para suas NTCs, os prazos seriam maiores, sem dúvida.

Mas não é preciso fazer isto Sr. Ministro.

As NTN-Bs e as NTN-Cs que oferecem juros reais pré-determinados de 6% ao ano, conseguiram ser colocadas com prazos de 10 anos, a NTN 010131 tem prazo até 2031. Quase 25 anos. O cupom de mercado hoje é de 8%, por um outro erro nominalista, que discutirei mais adiante.

Portanto, se quiserem colocar títulos de 4 anos, um juro real de 4% será suficiente e estará resolvido um problema de que irei tratar.

Dar juros maiores para prazos maiores é outro erro da teoria neoclássica. Títulos com juros reais têm um yield-curve ao contrário, quanto mais longo o título menor é a taxa de juros. O Governo cometeu um enorme erro em precificar as NTN-Cs em 6% e depois em 12% para as de maior prazo.

Mas só um realista percebe isto, um nominalista não percebe que títulos com juros reais pré-determinados reduzem risco, quanto maior o prazo menor o risco, daí ser menor a taxa.

Apesar de títulos como as NTN-Cs, defendidos pela escola realista de economia, representarem somente 10% dos títulos do governo, são elas que aumentam o prazo médio dos títulos do governo para 36 meses.

Enquanto os títulos com juro real têm prazo de 180 meses, 90% dos títulos do governo com juro nominal - as LFTs têm somente 18 meses. Esta é a razão do sufoco. O Nominalismo implantado neste país em 1994, herança maldita do governo FHC, de que ninguém se deu conta. 

Argumento Número 3. O Antimarketing.

Nominalistas são contra juros reais e pré-determinados, tanto que dificultam a colocação de NTN-Cs. A começar pelo título NTN-C, que é o antimarketing por definição, ninguém tem a menor idéia do que significa.

NTN-Cs são os títulos mais adequados para órfãos e viúvas no mundo e investidores pequenos, que é o caso do tesouro direto. São os títulos para os antiespeculadores por excelência. São para quem se encheu de perder dinheiro porque um economista orientou incorretamente quanto à inflação futura.

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São para aqueles que não acreditam mais no Inflation Targeting. É muita gente, simples e não sofisticada, para destrinchar a NTN-C. 

O governo gasta tempo tentando tornar as LFTs mais atraentes com bobagens como “Inflation Targets” e Metas Inflacionárias, que nada mais são do que uma tentativa de tornar os juros reais ex-ante iguais ao juro real ex-post .

“Inflation Targeting” é uma solução nominalista a este problema de incerteza com relação à inflação futura, mas está provado que não funciona. Há formas mais inteligentes de garantir que o juro real prometido (ex-ante) será igual ao juro real ocorrido depois de conhecermos a inflação (ex-post).

O juro real ex-ante no Brasil é sempre maior do que o juro real ex-post, com um ágio de 5 pontos percentuais, como os dados do próprio Banco Central demonstram.

Um título realista em que o juro real ex-ante é igual ao real ex-post teria com ágio de risco zero .Nos NTN-Cs e nos TIPS o juro real ex-ante é igual o juro real ex-post por definição. O risco é zero, a variação do Value At Risk é zero! 

Quando propus este título há 20 anos para reduzir os juros da nossa dívida externa, os batizei de “Inflation Proof Bonds”.

O governo americano acabou lançando estes títulos, e os batizaram de Treasury Inflation Protected Securities, TIPS.

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Não é necessário ser banqueiro para saber o que estes títulos oferecem nem a sua vantagem. Eles são o seu marketing. 

Fica claro portanto que um nominalista que chama um título de NTN-C, obviamente não tem o menor interesse que seja um título conhecido e difundido.

Argumento Número 4. Por que nominalistas são contra títulos com juros reais conhecidos?

A principal razão é acharem que a correção monetária indexada gera inflação. Este é o maior entrave intelectual.

Aliás, muitos brasileiros também foram levados a acreditar nesta mentira. A grande maioria de economistas, jornalistas econômicos e a população acreditam nesta frase de tanto ouvi-la.

Mas é pura falta de conhecimentos de contabilidade e de nunca ter feito uma planilha Excel. Vou tentar provar neste pequeno espaço que tenho. 

Nominalistas esquecem que juros nominais também são uma forma de indexação. Só que no nominalismo se coloca a inflação nos juros. Não eliminaram a inflação dos contratos financeiros, como alegam se referindo ao “fim da correção monetária”.

A velha amiga “correção monetária” colocava a mesmíssima inflação não nos juros mas sim no principal. Agora responda: O que é mais inflacionário, colocar a inflação nos juros pagos todo ano, ou colocá-la na dívida que é paga somente no final do contrato, que no caso das NTN-Cs chega a superar 10 anos?

Pagar este ano o que poderíamos pagar somente em 10 anos não piora o déficit público? Não seria antiinflacionário só pagar a inflação daqui a 10 anos, e não imediatamente em 2005?

Por isto ficou tão difícil alongar a dívida. Embutindo a inflação nos juros, o Banco Central está pagando boa parte da dívida no final do ano, o que deveria ser pago no 10º ano, ou em 2031 como na NTN-C.

Vocês passaram a antecipar o pagamento da dívida, em vez de alongá-la. A correção monetária, a velha amiga, “postergava” a inflação para o final, dando

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enorme alívio ao Banco Central.

Coloquei entre aspas “postergava”, porque não é uma postergação, o nominalismo é que é uma antecipação, o realismo somente devolve arealidade da operação.

Ao contrário do que os nominalistas alardearam a partir de 1994, de que “acabaram com a correção”, economistas jamais poderão acabar com a correção monetária.

As opções que o Ministro da Fazenda de um país dispõe são (1) lançar títulos que corrigem os juros ou (2) lançar títulos que corrigem o principal.

Não há outra opção no mercado financeiro. Um título que não inclua a inflação de maneira alguma, não encontrará comprador. O Sr. compraria um título que rendesse um juro de 10%, sem embutir ua estimativa da inflação sobre os juros, nem incluir a inflação ocorrida de fato no principal?

Repito, corrigir os juros é mais inflacionário do que corrigir o principal, via correção monetária.

Por isto o Brasil tem tanta dificuldade de debelar a inflação apesar do Plano Real. Eu previ isto no meu livro O Novo Ciclo de Crescimento, escrito em 1995. É o último capítulo “Porque a Inflação Voltará apesar do Plano Real”. Leia, por favor. Está no site http://www.kanitz.com.br/, com mais uma dezena de críticas ao nominalismo na questão de mensuração da inflação, taxação, volatilidade, crise de 1929.

Como Ministro da Fazenda, o que o Sr. Prefere: Pagar 18% de juros todo ano, nas LFTs, ou só pagar 5% de juros ao ano nas NTN-Cs, vencendo em 2031?

E ao contrário dos que lhe venderam a mentira de que correção monetária é inflacionária, em 2031 o Sr. terá de devolver exatamente o que o Sr. tomou emprestado, em termos reais.

A arrecadação será maior em 2031 do que agora? Óbvio que sim, então por que embutir a inflação nos juros, pagando-os já em 2005, criando este sufoco tributário?

O Sr. não estaria sendo acusado de reduzir as despesas sociais como está sendo, e teria estes 12% de inflação a mais para gastar. No ano seguinte seriam somente 11%, mas esta é uma outra questão que não vou discutir aqui.

O Sr. é Médico. O Sr. sabe que as empresas que estão pagando estes juros e fornecem aos hospitais irão embutir estes 18% de juros nos seus preços, em vez de 5%. Isto não é inflacionário?

O que é mais inflacionário, anunciar todo ano “metas de inflação” de 7%, ou não fazer nenhuma promessa além de que o juro real será aquele prometido. Alguém acredita que a meta é a inflação máxima, ou é o mínimo de inflação que poderemos esperar?

Os nominalistas venderam o mito do “fim da correção monetária” como solução, mas na realidade é o problema.

Argumento Número 5. Nominalismo Inflacionário.

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O que muito investidor desavisado, acreditando que estes juros não são “correção monetária”, irá fazer com estes juros estratosféricos que o Sr. está pagando?

Irão gastar os 18% de juros achando que é renda disponível. Mas isto é de fato renda disponível? Ou é parte do capital que o investidor estará gastando sem saber? Quanto maior a inflação, maior o juro e maior serão estes gastos. Isto Sr. Ministro, é extremamente inflacionário.

Quando existia correção monetária, o poupador sabia que só podia gastar os juros, e não a correção do principal. O próprio Imposto de Renda deixava claro que só os juros reais deveriam ser taxados como “renda”. Agora não.

Hoje os nominalistas enganam a população dizendo que os 18% é renda, que é taxado em 20% de Imposto de Renda.

Foi este nominalismo que levou os consumidores a saírem gastando depois dos planos de estabilização. Pergunte a qualquer economista nominalista o que ocorreu na época e pergunte o que fizeram.

Eles aumentaram os juros para conter o consumo, piorando ainda mais a situação, como o Sr. está fazendo agora.

Mas o consumo é elevado justamente porque os juros são nominais. O cachorro correndo atrás do seu próprio rabo. Não é óbvio este absurdo?

Em 1987 eu demonstrei ao Persio Arida que seu plano Cruzado fracassaria porque economistas calculam a inflação pelos preços nominais e não pelos preços reais.

Eu era assessor do Ministro do Planejamento, e mostrei numa planilha Lotus123 que como os preços de atacado são nominais, o correto seria trazer os preços a prazo ao seu valor presente ou real, antes de incluir no índice.

Estamos colocando o preço de amanhã na inflação de hoje, um erro que posso explicar usando semântica, nem preciso da planilha que terei o prazer de enviar-lhe. O Sr. poderá consultar aquele artigo, “Porque a Inflação Voltará apesar do Plano Real”, onde apresento todas as simulações possíveis.

Só que este erro perdura até hoje Sr. Ministro. Por isto os juros precisam ser tão elevados em termos reais e novamente em termos nominais.

Por isto o IGP sempre é maior do que o IPC. O IGP tem um componente de preços de atacado e a prazo muito maior. Eu já sabia que o IGP de 2004 seria de 12% e não de 7% há muito tempo. Só os nominalistas não sabiam.

Por isto o seu governo não consegue debelar a inflação, por isto, desde 1994, a inflação tendendo a se aproximar de 20% ao ano, os prazos dos títulos públicos se mantêm curtos e os juros, elevados.

Se o Sr. consultasse economistas realistas, eles estariam fazendo de tudo para incentivar o mercado a aceitar 90% dos títulos com juros reais pré-determinados e não somente 10% que temos agora.

Ou seja os juros são altos não por causa do “mercado financeiro”, dos bancos e dos especuladores inescrupulosos. Os juros são altos devido à ação do Estado, devido a falhas do Banco Central e da Fazenda:

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•  Criando incertezas desnecessárias quanto ao juro real oferecido. O que gera um ágio a ser pago pelo governo.

•  Criando incertezas quanto à tributação efetiva, o que gera outro ágio.

•  Criando índices de inflação dispersos porque parte de seus componentes são equivocadamente calculados. O que gera um juro real maior do que necessário.

São todas falhas de Governo, não falhas de mercado.

Argumento Número 6. Filosofia Financeira.

Para a escola realista, títulos pré-fixados ou nominais nem existem.

Para a escola realista um título pré-fixado nada mais é do que um título real com a cobertura de um contrato futuro de inflação. 

O default é sempre um título com juro real pré-determinado. Quem quiser uma “LFT”, que venda um contrato de inflação futura em cima.

Ou seja, as LFTs serão sempre um derivativo, não um título financeiro. É a opção do especulador, nunca deveria ser a opção do governo.

Governos deveriam ter 100% de seus títulos com juros reais pré-determinados, é o espírito do orçamento da União. Sua sorte é que a maioria dos Deputados não sabe o que está sendo feito.

Seus assessores deverão argumentar contra esta minha proposta, dizendo que o mercado não quer títulos reais, ele quer LFTs, porque são banqueiros e especuladores que compram nossos títulos.

Acabei de lhe mostrar como agradar a todos ao mesmo tempo.

O governo lançaria somente títulos com juros reais pré-determinados, e se o mercado quiser especular, que venda na BMF contratos de inflação futura.

As LFTs e NTN-Fs são na escola realista simples derivativos, o título mestre e primordial são as NTN-Bs e NTN-Cs.

Esta é uma das conclusões mais revolucionárias da escola realista, o juro nominal é um derivativo estabelecido pelo mercado, e por isto jamais poderá ser um instrumento do Estado.

Argumento Número 7. Incerteza tributária. 

Médicos são tributados em 15% sobre a renda de suas consultas médicas, o Sr. sabe disto. 

Se um dos seus assessores nominalistas propusesse aumentar esta taxação para um valor incerto entre 20% até 120% o Sr. concordaria?

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E se este economista lhe explicasse que esta taxação é incerta porque depende da inflação futura? Se não houver inflação a taxação seria 20%. Se a inflação for elevada a taxação passaria para 50, 80 até 120%. O Sr. aceitaria?

Quem comprou LFTs em 2004, teve um juro real de 4%, e pagou 3,2% de imposto de renda, uma taxação de 80%. Repito 80%, e nenhum economista alertou V. Exa. do fato, pelo menos não publicamente.

O Sr. acha que os bancos vão aceitar estes dois desaforos? Primeiro compraram LFTs em 2004 achando que receberiam no mínimo 8%, e pagariam 20% de IR. Descobrem agora que receberam um juro real de somente 4% e que o imposto de renda será de 80%.

Eles vão deixar por menos ou o Sr. acha que irão querer buscar este prejuízo? Como?

Oferecendo dinheiro ao governo somente a 19% e 20% em 2005. Para compensar o prejuízo de 2004 que foi generalizado.

Por isto os juros hoje não refletem a boa situação financeira do país, não reflete o que os economistas corretamente acham que deveria ser o juro neste momento. Mas devido ao nominalismo, estamos em 2005, tendo que compensar os Bancos pelos prejuízos de 2004.

Nós administradores financeiros, contadores e advogados travamos no passado esta batalha contra o nominalismo, e acabamos vencendo graças ao bom senso de nossos juízes que perceberam que correção monetária não é renda.

Correção monetária é a compensação de uma perda inflacionária, portanto não é renda nem passível de imposto.

Mas os nominalistas em 1994 conseguiram voltar atrás e impuseram um enorme retrocesso ao setor financeiro. Hoje a taxação não é previsível, como era antigamente. 

Ou seja nem as NTN-Bs e as NTN-Cs rendem um juro real pré-determinado como deveriam, dependendo novamente da inflação futura para se conhecer a taxa.

Por isto a NTN-C e as NTN-Bs são vendidas com deságio, a um custo de 8% em vez dos 6% do cupom, para compensar o risco e a taxação incerta imposta pelos nominalistas. 

Na escola realista, que prevaleceu até 1994, o imposto de renda sobre juros era calculado sobre o juro real efetivo. Não havia esta incerteza nominalista, que somente aumenta os juros de mercado. 

Argumento Número 8. Volatilidade. 

Compare a volatilidade das LFTs nestes últimos 10 anos e a volatilidade das NTN-Cs e outros títulos com juros reais.

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Fonte: José Luís Oreiro**, Luiz Fernando de Paula*** e Guilherme Jonas C. da Silva****

O juro real NUNCA se manteve do mesmo nível que os investidores achavam. Investidores sempre foram enganados, normalmente para menos.

No realismo econômico não há enganação, o juro prometido é o juro pago. Por isto, o juro aceito é menor.

As LFTs variam entre 16% e 40%, as NTN-Cs de 7% a 12%. 

Preciso continuar a tecer as vantagens do realismo sobre o nominalismo? O Sr. quer um Banco Central que gere estabilidade ou volatilidade? 

Pergunte ao seu assessor Delfim Netto. Ele percebeu rapidamente a vantagem dos títulos com juros reais pré-determinados. Ele lhe dirá que estes são os primeiros títulos no mundo a terem variância zero. 

Se este “paper” não convenceu V. Exa. a adotar o realismo que já foi adotado no passado, peço que pelo menos o Sr. adote algumas regras do Procon e exija que todo investidor de títulos públicos assine um documento semelhante àquele que o Sr. e a CVM exigem de quem compra opções.

"Eu, investidor de títulos públicos, estou plenamente consciente de que títulos públicos com juros nominalistas são investimentos de elevado risco. Estou ciente de que eu não saberei quanto receberei de juros no final do período, porque esta certeza depende da inflação futura.

Estou consciente também de que, se a inflação for superior ao que os economistas que me assessoram previram, eu poderei perder parte do meu investimento e

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receber absolutamente nada de juros.

Declaro de antemão, que eu tenho condições de perder parte da minha poupança em investimentos arriscados, senão eu estaria investindo na Bolsa que é muito mais seguro do que em títulos do governo. Ações de empresas são corrigidas pela inflação, na medida que os preços dos produtos destas empresas o são. Títulos públicos não são corrigidos pela inflação desde 1994.

Declaro também que os gestores do fundo onde aplico meu dinheiro me informaram que não há como saber de antemão a taxação efetiva que incidirá sobre meu rendimento. Poderá ser de 20% ou 80% como foi em 2004. Isto é um fator de risco de que estou plenamente consciente.

Estou plenamente consciente de que este “inflation target” estabelecido pelo Banco Central é meramente indicativo, e que não tem nenhum valor legal, nem poderei alegar prejuízos se a indicação se provar incorreta.

Estou ciente que este ”inflation-target” nunca indicou corretamente a inflação futura neste país, foi criado para justamente resolver esta incerteza quanto ao juro real futuro. Só que é uma solução que visivelmente não funciona.

Estou consciente que os índices de inflação no Brasil são calculados pelos colegas dos mesmos economistas que pretendem combatê-lo, e que não são contabilizados por contadores independentes, especializados em contabilidade nacional.

Declaro também que estou consciente que os índices de inflação não são auditados por auditores independentes, e portanto nunca saberei por certo o juro real que recebi do governo brasileiro.

Declaro também que diante de todas estas incertezas eu ainda estou disposto a investir nestes títulos públicos e que acrescentei o devido fator de risco que considerei apropriado para compensar todos estes riscos.

Assinado

Investidor Cauteloso

Avisar os riscos, Sr. Ministro sempre foi a visão do médico, tanto é que toda bula apresenta todos os riscos inerentes ao remédio comprado.

Vamos pelo menos deixar bem claro ao investidor as conseqüências deste nominalismo.

Como cidadão e defensor dos direitos do consumidor e investidor, acho que estes alertas são necessários.

Espero que o Sr. receba esta carta e não se ofenda com o meu desespero.

Estou há 20 anos batendo na mesma tecla, e todas as previsões que tenho feito nesta área têm sido acertadas, o que só confirma a minha convicção do que estou lhe escrevendo e aumenta o meu desespero.

A inflação continua elevada, os índices de inflação continuam superestimados, os

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juros continuam altos, o alongamento da dívida continua sendo impossível, os especuladores continuam adorando esta incerteza, os juros continuam imprevisíveis.

Stephen Kanitz [email protected]

Em Defesa da Classe Média

Existem centenas de teorias políticas escritas pelos mais variados cientistas políticos que têm defendido a tomada do poder por um grupo de pessoas inteligentes, éticas e compromissadascom o bem comum.

A lista de teorias é longa, desde o filósofo Rei de Platão, até os Socialistas Fabianos, os Sociais Democratas com

sua elite de tecnocratas, até os escritos de Gramsci e seus intelectuais orgânicos e engajados. Serra no seu primeiro discurso de campanha em 2002 disse que havia escolhido as 100 melhores cabeças do país para montar um programa de governo, perdeu meu voto e de mais 2 milhões de eleitores da classe média que também acham que sabem pensar.

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No mundo moderno de hoje, felizmente ou infelizmente, precisamos de muito mais do que uma elite de 100 ou 1.000 pessoas para mudar um país. Hoje, para um país dar certo é necessária a participação de milhões de cidadãos atuantes, que se distinguem dos demais pela suas pequenas lideranças, pelas suas pequenas iniciativas, nas suas pequenas comunidades e pequenas empresas.

São normalmente aqueles que mostram o caminho não pelas suas idéias, mas pelos seus exemplos. Exemplos de sucesso, disciplina, persistência e determinação. São aqueles que chamamos de classe média, os gerentes, os supervisores, os administradores, os pequenos e médios empresários, os juízes, os advogados, os médicos, os funcionários públicos, os profissionais liberais e os professores universitários.

É a classe média que gera emprego, que cria valor, razão pela qual é sempre mais tributada pela classe dominante. Normalmente, a classe média representa 10% da população, e se incentivarmos cada membro da classe média a criar 10 empregos, teremos pela primeira vez no Brasil o pleno emprego.

Poderia a classe média gerar empresas e nove por cada membro? Na realidade é o que já fazem, a maioria das pequenas e médias empresas, são abertas por pessoas da classe média, ou por ex-funcionários que aprenderam com alguém da classe média. Em Bento Gonçalves uma das melhores cidades para se viver no Brasil, existe uma empresa para cada 10 habitantes da cidade.

Se um incentivar cada empresa média a contratar 12 funcionários em vez de 10, sabem o que iria acontecer? Os salários não parariam de subir, porque não daria para contratar 120% da população. Cada pequeno empresário teria de tentar roubar o funcionário do outro, oferecendo um salário maior. Que beleza!

Não são os intelectuais e os professores nas faculdades que ensinam os segredos do sucesso na vida. Quem ensina é a classe média, aos seus 10 a 50 funcionários, muitos dos quais acabam montando negócios concorrentes. Pobre não aprende de rico nem de intelectual. Pobre emula a classe mais próxima, a classe média, aquela que ainda lembra como era ser pobre, e conseguiu sair dela criando valor.

Só que no Brasil ninguém defende a classe média, muito menos seus valores e sua postura política. Os ricos são naturalmente de direita, são conservadores, querem manter o status quo. A classe média não é de direita nem de esquerda. É de centro e liberal. São os profissionais liberais por excelência, que acreditam na autonomia, na responsabilidade pessoal e social, na poupança para a velhice, nos valores familiares, no imposto sobre herança. Mas o liberalismo é a ideologia mais atacada no Brasil, pela direita e pela esquerda. A direita vê na classe média uma ameaça, a esquerda vê nela a burguesia a ser destruída.

Que eu saiba, nenhum jornal brasileiro defende a ideologia da classe média, justamente seus leitores. Não há um jornal liberal, que defenda os valores típicos da classe média. Por isto, a classe média está deixando de renovar suas assinaturas de jornais e revistas, onde o editorial normalmente defende os valores da direita, o resto do jornal defende os valores da esquerda.

A circulação de jornais e revistas tem caído quase 20% nestes últimos anos, justamente porque a classe média cansou de comprar jornais que não defendem os seus pontos de vista, somente os daqueles que querem a sua destruição. 

O primeiro jornal diário a ser criado por pessoas de classe média, que defendam os valores da classe média, terá todos os anúncios e circulação que desejar, sem precisar de anúncios do governo, empréstimos do BNDES, nem viver na corda bamba, fazendo editoriais para não criticar demais o governo.

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Stephen Kanitz

Mulheres são ParalelasHomens gostam de se gabar que possuem 23 bilhões de neurônios enquanto a mulher possui "somente" 19 bilhões, 4 bilhões a menos. Consideram este fato, comprovado cientificamente, um sinal de superioridade. As mulheres respondem imediatamente, que não faz a menor diferença, no que elas estão absolutamente corretas.

Do ponto de vista da seleção natural, não há como a natureza selecionar mulheres "burras" e homens "inteligentes". Ambos os sexos tinham que ser igualmente espertos para fugirem dos predadores nos primórdios, na África.

Mulheres compensam esta diferença processando a informação de forma diferente. Homens pensam seqüencialmente, etapa por etapa, logicamente trilhando o caminho da racionalidade, comparando fatos com regras pré-estabelecidas. Suas conclusões dão do tipo “sim-não”, “certo-errado”. 

Mulheres raciocinam em paralelo, avaliam dezenas de variáveis simultaneamente, suas conclusões são do tipo “melhor-pior” ou uma simples sensação visceral de certeza da conclusão. Por isto, dizem que as mulheres são “intuitivas”. Elas processam informação mais rapidamente, são mais abrangentes, mais holísticas. Ou seja, mulheres são paralelas, homens são seriais.

Recentemente, um estudo descobriu que as mulheres possuem 13% mais sinapses do que homens, o que compensa a diferença e muda a forma de pensar. Homens têm mais neurônios, mulheres têm mais sinapses.

Talvez seja por isto, que as mulheres conseguem cuidar de 20 coisas ao mesmo tempo. São excelentes enfermeiras, mães de 5 filhos, administradoras de equipes, administradoras de escolas, hospitais e associações, onde ninguém fica quieto um minuto. Homens adoram gerenciar planos, números e orçamentos que precisam ser obedecidos. Por serem seriais e lógicos tendem a ser arrogantes e donos da verdade, mesmo estando errados. Mulheres, por serem paralelas, sempre sofrem a incerteza da dúvida, mesmo estando certas. São inseguras sem razão. Suas conclusões são corretas, mas não seguem a lógica masculina serial. 

Homens tendem a ver tudo preto ou branco, esquerda ou direita. Mulheres tendem a ver o cinza, são muito menos dogmáticas e mais conciliatórias.Homens arriscam um tudo ou nada com enorme facilidade, mulheres tendem a procurar a opção mais segura. Numa briga de casal, homens discutem causa e efeito. Mulheres discutem sentimentos e emoções, ambos de acordo como seus cérebros processam informações.

Um dos problemas desta teoria é que não sabemos exatamente como funciona o cérebro paralelo. A maioria dos estudos neurológicos tem sido feita em cérebros de soldados mortos em combate, não em cérebros de mulheres.

Page 15: ARTIGOS KANITZ

Na realidade, ambos os sexos são seriais e paralelos e o que estamos sugerindo, para uma reflexão mais aprimorada por cientistas, é que talvez os homens tendem a ser mais seriais, as mulheres tendem a ser mais paralelas. Estas características, às vezes, são descritas erroneamente como cérebro direito e cérebro esquerdo. O lado do cérebro não tem nada a ver com estas diferenças. 

A verdadeira explicação não é o lado, mas sim se está sendo processado pela parte do cérebro que é paralela, ou a parte que é serial. 

Se esta teoria for correta, e está longe de ser aceita, explicaria porque é tão difícil a comunicação entre os sexos. Homens ficam num canto falando de dinheiro, mulheres do outro falando de emoções. Para diminuir esta distância, mulheres teriam de tentar explicar suas conclusões de forma mais serial. Homens deveriam escutar mais os sentimentos (paralelos) das mulheres e falar com analogias e cenários e não com deduções lógicas. 

Na medida que o mundo se torna cada vez mais complexo, exigindo o processamento de centenas de variáveis ao mesmo tempo, aumentam as vantagens competitivas das mulheres sobre os homens. Já se falava que este milênio seria das mulheres, e hoje mais mulheres se formam em administração de empresas do que homens. Seu próximo chefe tem muita chance de ser uma mulher. Quase tivemos uma presidenta em 2002, esperem para ver 2006.

Portanto, não são as mulheres que possuem 4 bilhões de neurônios a menos, são os homens que precisam de 4 bilhões de neurônios a mais, para processarem as mesmas informações.

Lilian e Stephen Kanitz

Page 16: ARTIGOS KANITZ

O FMIFico impressionado com o número de jovens que acredita que o FMI "manda" no Brasil, quando a verdade é um pouco diferente. Vou tranqüilizar também aqueles que temem que um eventual rompimento com o FMI elevaria o dólar para R$ 3,50 e geraria o caos para a nossa economia.Nada disto deverá acontecer, pelas razões queirei apresentar.

Quem manda no FMI não são os acionistas da General Foods, nem George Soros e seus asseclas. O FMI é um organismo governamental, regido por funcionários públicos, de mais de 112 governos diferentes. Portanto, de privado ele não tem absolutamente nada. Consulte você mesmo o www.imf.org.Os recursos do FMI são controlados por 112 governos, os Estados Unidos têm 18% dos votos, 10% a mais do que deveriam se o critério fosse população, e 20% a menos se o critério fosse produção.

O melhor hamburguer que comi na minha vida foi na cantina do FMI feito de filet mignon argentino, e custou somente US$ 0,30. No McDonald´s ao lado, um hamburger custava US$ 3,50. O pessoal do FMI sabe se cuidar com o dinheiro dos contribuintes de seus países.

O FMI foi criado, entre outros, por John Maynard Keynes, um economista intervencionista, hoje considerado centro-esquerda. Segundo o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, seus piores alunos terminavam trabalhando no FMI, os melhores em Wall Street. Se o FMI fosse maquiavélico contrataria os melhores economistas para implantarem suas políticas diabólicas, nunca os piores. Para que serve então o FMI?

Banqueiros privados cometem erros de tempos em tempos e por isto cada país possui um Banco Central para socorrê-los, com PROER e redescontos. Presidentes de Bancos Centrais e governos também cometem erros de tempos em tempos, só que em escala 100 vezes maior. A principal função do FMI é ser o Banco Central dos Bancos Centrais, e socorrê-los quando os erros que cometem são irremediáveis.

Quando pedem socorro, o FMI manda uma equipe de economistas da Áustria até a Zâmbia, para analisarem juntos os problemas e propor soluções. Numa destas visitas eles conversaram com os empresários da FIESP, e o economista chefe do FMI deixou Horácio Lafer Piva boquiaberto quando perguntou o que era uma "duplicata". "O senhor sequer sabe o que é uma duplicata?", foi a resposta.

Caro estudante e leitor, vamos ser honestos e pensar objetivamente: economistas de terceira categoria, que não conseguiram emprego melhor, vindos da Zâmbia, Peru e Bolívia, que nem sabem o que é uma duplicata, saberiam como corrigir nossos problemas e propor soluções? Seja sincero. É óbvio que não!

Aí é que entra a verdadeira função do FMI. Quem realmente prescreve as amargas receitas são os próprios economistas do governo. São eles que conhecem o país

Page 17: ARTIGOS KANITZ

melhor do que ninguém, bem como os erros que cometeram. Eles sugerem medidas drásticas e impopulares, mas quem leva a fama e o ódio da população é o FMI.

"Esta medida foi uma imposição do FMI, não tínhamos como dizer não", é a desculpa do Ministro da Economia, e que toda a população acredita. Nem o Presidente da República, muito menos o Congresso, ficam sabendo destes bastidores, é tudo uma enorme encenação. Os brados "Fora FMI!" é para criar um inimigo externo e manter-se no poder, como sabiamente recomendava Maquiavel.

A verdadeira função do FMI é manter a governabilidade de governos incompetentes, até a próxima eleição. Não vou exagerar e dizer que nenhuma medida é imposta pelo FMI. A cartilha é a mesma que aprendemos no pré-primário: colocar tudo em ordem, devolver o que tomamos emprestado, não bater no país vizinho. Por isto se chama cartilha.

Mas nestas imposições, o FMI só quer seu dinheiro de volta para poder comer hamburger de primeira. Por isto, o FMI se recusa a "dominar" a Argentina neste momento. Sabem que nunca receberão o dinheiro de volta. Toda esta encenação é feita em comum acordo entre os 112 países membros, pois todo governo sabe que um dia poderá ser a sua vez.

Um rompimento com o FMI significa somente que os governos terão que admitir publicamente que erraram, e pedir demissão. E aí, o próximo governo proporá as medidas corretivas, dolorosas e necessárias.

O esquema de manter-se no poder culpando os outros, cai por terra para sempre. Governos incompetentes poderão até ser destituídos pelo povo, e não mais preservados pelo esquema FMI.

Que o FMI é um organismo nefasto, maquiavélico e que deve ser desmantelado, não há a menor dúvida, mas totalmente por outras razões.

Stephen Kanitz

Page 18: ARTIGOS KANITZ

1. Antes de implantar um projeto social pergunte para umas vinte entidades do Terceiro Setor para saber o que elas realmente precisam.

A maioria das empresas começa seu projeto social procurando uma "boa idéia" internamente.

Contrariando os preceitos da administração que exige pesquisar primeiro o mercado antes de sair criando novos, na área social estes princípios são jogados fora. A maioria dos projetos começa nos departamentos de marketing das empresas sem consultar as entidades que são do ramo.

O espírito do Terceiro Setor é "servir o outro", e isto significa perguntar primeiro: "O que vocês precisam?".

Parte deste trabalho já foi feito, e você poderá encontrá-lo no www.filantropia.org onde anualmente perguntamos para as 400 maiores entidades o que elas mais precisam.

2. O que as entidades precisam normalmente não é o que sua empresa faz, nem o que a sua empresa quer fazer.

O conceito de "sinergia" é muito atraente e poderoso para a maioria dos executivos, mas lembra um pouco aquele escoteiro que atravessa um cego para o outro lado da rua sem perguntar se é isso que o cego queria.

Dar aula de inglês para moradores de favelas só porque você é uma cadeia de escolas de inglês, não é resolver o problema do Terceiro Setor. Pode ser uma forma de resolver o seu problema na área social, com o menor esforço. Se toda empresa pensar assim, quem vai resolver o problema da prostituição infantil, abuso sexual, violência, dos órfãos? Ninguém.

Por isto, muitas entidades estão começando a ver este movimento de empresas "socialmente responsáveis" com maus olhos. "Onde estavam estas empresas nestes últimos 400 anos, quando fizemos tudo sozinhos?", é a primeira pergunta que fazem.

"Por que muitas estão iniciando projetos iguais ao que fazemos, ao invés de nos ajudar?"

Se um concorrente entrasse na sua atividade, qual seria a sua reação? É exatamente o que pensam nossas entidades.

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Os 11 Mandamentos da Responsabilidade

Social

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Page 19: ARTIGOS KANITZ

A idéia certa é unir esforços com os que já fazem o que você pretende fazer.

3. Toda empresa que assumir uma responsabilidade será mais dia menos dia responsabilizada.

Da mesma forma que sua empresa será responsabilizada pelos péssimos produtos que venha a produzir, seu insucesso em reduzir a pobreza ou uma criança que for maltratada no seu projeto social, também será responsabilidade da sua empresa.

Já existem Ongs que avaliam a "responsabilidade social" de cada empresa do mundo atribuindo um Selo Social, baseado nos critérios que elas previamente definiram.

Já existem 167 sites que divulgam as empresas socialmente irresponsáveis. Um dia você poderá estar na lista. Muitos ativistas descobriram que podem colocar uma empresa de joelhos se atacarem a sua marca (vide Nike).

Por isto, seu projeto terá de ter um duplo controle de qualidade e dedicação ao que você normalmente devota para sua empresa.

4. Assumir uma responsabilidade social é coisa séria. Creches não mandam embora órfãos porque a diretoria mudou de idéia.

Muitas empresas "socialmente responsáveis" não estão assumindo responsabilidades sociais propriamente ditas.

Nenhuma empresa está disposta a adotar um órfão, um compromisso de 18 anos. A maioria das empresas "socialmente responsável" está no máximo disposta a bancar um projeto por um único ano.

E não poderia ser o contrário. Empresas não podem assumir este tipo de responsabilidade, não foram constituídas para tal. As entidades foram instituídas para exatamente prestar serviços sociais, e é triste ver que estão perdendo espaço.

Se o projeto não ganhar um destes prêmios de Responsabilidade Social, troca-se de projeto. Hoje a tendência das empresas é trocar de projeto a cada dois anos se ela não for premiada, por outro que tenha mais chance de vencer no ano seguinte.

Compare esta atitude com a internacional Associação dos Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de Malta, que existe desde 1798, uma das mais antigas instituições humanitárias em atividade no mundo, com a missão "obsequium pauperium", servir os pobres. Os verdadeiros socialmente responsáveis têm sido as entidades, as empresas não chegam nem perto de merecer esta designação.

Na minha opinião, a postura socialmente responsável é apoiar as entidades socialmente responsáveis de fato, com doações e ponto final. Você pode fazer isto hoje, através do doações on line no site www.filantropia.org.

5. Todo o dinheiro gasto em anúncios tipo "Minha Empresa É Mais Responsável do que o Concorrente", poderia ser gasto duplicando as doações de sua empresa.

Os líderes sociais do país, que cuidam de 28 milhões de pessoas carentes, e não têm recursos para comprar anúncios caríssimos na imprensa. Depois desta onda de

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responsabilidade social das empresas com os anúncios que as empresas estão publicando, o "Share of Mind" do Terceiro Setor tem caído de 100% para 15%. Cinco anos atrás, o recall espontâneo de instituições responsáveis na mente do público em geral, eram a AACD, as APAES e a Abrinq. Hoje, os nomes mais citados são de empresas. Bom para as empresas e seus produtos, péssimo para a AACD e seus deficientes.

Pior, nestes últimos cinco anos as empresas diminuíram em 30% seus donativos para as entidades, para poderem criar os seus institutos próprios.

Ainda pior, as empresas em vez de treinarem gestores sociais estão contratando a preços de ouro, gestores sociais destas entidades já treinados, desestruturando o setor, e insuflando os salários, tanto é que as entidades tiveram um aumento de custos de 35% nestes últimos anos.

Se sua empresa desejar inverter esta triste situação pague um anúncio de uma Ong, como sendo apoio da sua empresa. Será muito mais elegante do que publicar um anúncio dizendo "Minha Empresa é Responsável".

Lembre-se também, que todas as religiões, sem exceção, recomendam não alardear os atos de responsabilidade social, que deveriam ser discretos e anônimos. Quem alardear sua bondade sofrerá a ira do povo, uma sabedoria milenar em todas as crenças do mundo. Algo para se pensar.

6. Entidades têm no social seu "core business", dedicam 100% do seu tempo, 100% do seu orçamento para o social. Sua empresa pretende ter o mesmo nível de dedicação?

Irmã Lina é a nossa Madre Tereza de Calcutá. Ela veio da Itália cuidar de 300 portadores de hanseníase confinados em Guarulhos, e sabia com certeza que iria morrer da doença, o que não a impediu de cumprir a sua missão.

Sua empresa estaria disposta a morrer pela sua causa social? A maioria das empresas ao primeiro sinal de recessão corta 30% da propaganda, 50% do treinamento e 90% dos projetos sociais. Justamente quando os problemas sociais tendem a aumentar.

As empresas brasileiras estão dedicando em média 1% do lucro ao social, o que corresponde a 0,1% das receitas. As entidades sociais dedicam 100% de suas receitas e 100% do seu tempo.

Se sua empresa socialmente responsável acredita que poderá competir com as "Irmãs Linas" do país, e que terá coragem de subir num palco e receber um Prêmio de Cidadania Corporativa é acreditar que nossos consumidores são um bando de idiotas.

Se você é um executivo de marketing, por acaso você esteve presente quando a Irmã Lina recebeu o seu Prêmio Bem Eficiente? Mas ela notou a sua ausência, e viu o anúncio de sua empresa dizendo como ela se preocupa com o social.

7. O consumidor não é bobo.

O consumidor sabe que o projeto social alardeado pela empresa está embutido no preço do produto. Ninguém dá nada de graça. Isto, todo consumidor sabe de cor. E quem disse que o consumidor comunga com a mesma causa que sua empresa apadrinhou?

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Sua empresa pode ser "Amiga das Crianças", mas seu consumidor pode sentir que os velhos são os verdadeiros excluídos.

Afirmar que o projeto social é custeado pelo lucro da empresa, e não entra como despesa, não convence ninguém. O lucro pertence aos acionistas não aos executivos da empresa. Na maioria dos países, filantropia é feita na pessoa física não na jurídica. Não existe Fundação Microsoft, e sim Fundação Bill Gates. Da Microsoft queremos bons softwares, não bons projetos sociais.

8. Antes de querer criar um Instituto com o nome da sua empresa ou da sua marca favorita, lembre-se que a maioria dos problemas sociais é impalatável.

Empresas que criaram institutos com a marca da empresa fogem de problemas sociais complicados como o diabo foge da cruz.

Nenhuma delas quer ajudar a resolver problemas como hanseníase, abuso sexual, prostituição infantil, deficiência mental, autismo, Aids, discriminação racial, velhice e alzheimer, doenças terminais, alcoolismo, dependência química, drogados, mães solteiras, pais abusivos, pois são projetos que não se adequam bem à imagem que você quer imprimir para a sua marca.

Marcas são penosamente construídas e não dá para discordar desta relutância em apoiar projetos "mercadologicamente incorretos." Você terá que decidir o que vem em primeiro lugar, se sua marca ou a sua responsabilidade social, decisão ética de primeira importância.

Empresas que criaram institutos ou fundações com a marca da empresa, preferem projetos como educação, adolescentes, esportes ou ecologia.

9. Irresponsável é a empresa que faz produtos caros sem qualidade, destruindo o meio ambiente, sendo incorreta com seus inúmeros parceiros e sonegando impostos.

Se você não definir o que é uma empresa socialmente irresponsável, as Ongs definirão por você. Hoje a forma de se atacar empresas não é através de sindicatos, passeatas ou ideologia. Ativistas descobriram que empresários ficam de joelhos se você atacar a marca. Leiam NO LOGO, bíblia do ativismo social.

Quem paga 48% de impostos para o governo já está sendo mais do que responsável. E, não será o 1% a mais que resolverá o problema, razão pela qual acredito que todas as empresas fracassarão neste novo papel que querem assumir.

Socialmente Responsáveis são as empresas que fazem produtos baratos com qualidade, sem destruir o meio ambiente, sendo corretos com seus inúmeros parceiros e pagando todos os impostos. Se todas as empresas fizessem isto, e o governo fizesse sua parte, o consumidor e o contribuinte se dariam por satisfeitos.

Curiosamente, nenhuma destas Ongs que denunciam e avaliam empresas socialmente responsáveis mencionam nem avaliam a enorme irresponsabilidade governamental que não devolve os impostos pagos em benefícios sociais.

10. Evite usar critérios empresariais ao escolher seus projetos sociais, como "retorno sobre investimento" ou "ensinar a pescar". Esta área é regida por critérios humanitários, não científicos ou econômicos.

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Empresários tendem a usar critérios empresariais para definir quais projetos apoiar, embora este seja um setor de critérios humanitários.

Um dos "mantras" das empresas socialmente responsáveis é que elas ensinam a pescar em vez de fazer "mero assistencialismo".

Só que, quando as entidades fazem "mero assistencialismo", deficiente visual sai com óculos, crianças com câncer saem curadas, órfãos são cuidados, paraplégicos saem com cadeiras de rodas.

Nos projetos que "ensinam a pescar", 90% dos recursos acabam nas mãos dos professores, e 10% ao consultor social idealizador do projeto.

Outro "mantra" das empresas socialmente responsáveis é somente apoiar projetos que tenham "retorno sobre investimento", um importante ponto de referência dos executivos.Nesta visão, os velhos, portadores de mal de Hansen, doentes terminais e aidéticos, não são mais considerados interessantes.

O que dá retorno é criança, adolescente, projetos educacionais que hoje compõem 76% dos projetos liderados por empresas "socialmente responsáveis".

11. A responsabilidade social é no final das contas, sempre do indivíduo, do voluntário, do funcionário, do dono, do acionista, do cliente, porque requer amor, afeto e compaixão.

Na literatura encontramos duas posições bem claras. Uma que a responsabilidade social é do governo, por isto estamos pagando quase 50% da nossa renda em impostos. Sem muito resultado. A segunda posição é que a responsabilidade social é do indivíduo, da comunidade, da congregação, das Ongs organizadas para tal.

No Brasil, surgiu uma terceira visão dentro da onda neoliberal que tomou conta do país. Que a responsabilidade social é das empresas e dos empresários, que a agenda social deve ser estabelecida por executivos e empresários, sob critérios empresariais de retorno de investimento, ensinando a pescar.

Empresas, como o governo, são impessoais. E, ainda corremos o perigo dos poucos indivíduos que achavam que a responsabilidade é do indivíduo acabem lavando as mãos achando que a responsabilidade é do governo e das empresas. Por que então se envolver?

E agora, o que fazer ?

Portanto, não existe espaço para as empresas nesta área?

Não é o que defendemos. O que tem que ser lembrado é que a área social é um campo minado para quem não entende profundamente do assunto.

Existem enormes armadilhas. Nem todas as entidades vêem com bons olhos uma concorrência das empresas, que elas vêem com razão, como sendo predatórias.

As empresas deveriam ajudar aqueles que realmente entendem do assunto em vez de fazer concorrência.

As empresas deveriam ouvir primeiro, antes de oferecer milhões para as entidades

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tocarem projetos concebidos pelo seu departamento de marketing. Poucas entidades resistem a tentação de uma parceria, mesmo quando invariavelmente signifique que tenham de mudar de rumo.

Nem por sermos empresários e administradores significa que nossa expertise seja a mesma que as entidades necessitam. Se a sua empresa também adotar estes mandamentos, tenho certeza que a longo prazo estará contribuindo de uma forma muito mais responsável do quem vem ocorrendo até agora.

Nossa missão não é criar projetos, e sim alavancar, potencializar, tornar as entidades que já existem mais eficientes, maiores, com mais recursos e escala de operação.

Não precisamos reinventar a roda, só precisamos acelerar o passo.

Stephen Kanitz

Os 11 Mandamentos da Responsabilidade Social

1. Antes de implantar um projeto social pergunte para umas vinte entidades do Terceiro Setor para saber o que elas realmente precisam.

A maioria das empresas começa seu projeto social procurando uma "boa idéia" internamente.

Contrariando os preceitos da administração que exige pesquisar primeiro o mercado antes de sair criando novos, na área social estes princípios são jogados fora. A maioria dos projetos começa nos departamentos de marketing das empresas sem consultar as entidades que são do ramo.

O espírito do Terceiro Setor é "servir o outro", e isto significa perguntar primeiro: "O que vocês precisam?".

Parte deste trabalho já foi feito, e você poderá encontrá-lo no www.filantropia.org onde anualmente perguntamos para as 400 maiores entidades o que elas mais precisam.

2. O que as entidades precisam normalmente não é o que sua empresa faz, nem o que a sua empresa quer fazer.

O conceito de "sinergia" é muito atraente e poderoso para a maioria dos executivos, mas lembra um pouco aquele escoteiro que atravessa um cego para o outro lado da rua sem perguntar se é isso que o cego queria.

Dar aula de inglês para moradores de favelas só porque você é uma cadeia de escolas de inglês, não é resolver o problema do Terceiro Setor. Pode ser uma forma de resolver o seu problema na área social, com o menor esforço. Se toda empresa pensar assim, quem vai resolver o problema da prostituição infantil, abuso sexual, violência, dos órfãos? Ninguém.

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Por isto, muitas entidades estão começando a ver este movimento de empresas "socialmente responsáveis" com maus olhos. "Onde estavam estas empresas nestes últimos 400 anos, quando fizemos tudo sozinhos?", é a primeira pergunta que fazem.

"Por que muitas estão iniciando projetos iguais ao que fazemos, ao invés de nos ajudar?"

Se um concorrente entrasse na sua atividade, qual seria a sua reação? É exatamente o que pensam nossas entidades. A idéia certa é unir esforços com os que já fazem o que você pretende fazer.

3. Toda empresa que assumir uma responsabilidade será mais dia menos dia responsabilizada.

Da mesma forma que sua empresa será responsabilizada pelos péssimos produtos que venha a produzir, seu insucesso em reduzir a pobreza ou uma criança que for maltratada no seu projeto social, também será responsabilidade da sua empresa.

Já existem Ongs que avaliam a "responsabilidade social" de cada empresa do mundo atribuindo um Selo Social, baseado nos critérios que elas previamente definiram.

Já existem 167 sites que divulgam as empresas socialmente irresponsáveis. Um dia você poderá estar na lista. Muitos ativistas descobriram que podem colocar uma empresa de joelhos se atacarem a sua marca (vide Nike).

Por isto, seu projeto terá de ter um duplo controle de qualidade e dedicação ao que você normalmente devota para sua empresa.

4. Assumir uma responsabilidade social é coisa séria. Creches não mandam embora órfãos porque a diretoria mudou de idéia.

Muitas empresas "socialmente responsáveis" não estão assumindo responsabilidades sociais propriamente ditas.

Nenhuma empresa está disposta a adotar um órfão, um compromisso de 18 anos. A maioria das empresas "socialmente responsável" está no máximo disposta a bancar um projeto por um único ano.

E não poderia ser o contrário. Empresas não podem assumir este tipo de responsabilidade, não foram constituídas para tal. As entidades foram instituídas para exatamente prestar serviços sociais, e é triste ver que estão perdendo espaço.

Se o projeto não ganhar um destes prêmios de Responsabilidade Social, troca-se de projeto. Hoje a tendência das empresas é trocar de projeto a cada dois anos se ela não for premiada, por outro que tenha mais chance de vencer no ano seguinte.

Compare esta atitude com a internacional Associação dos Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de Malta, que existe desde 1798, uma das mais antigas instituições humanitárias em atividade no mundo, com a missão "obsequium pauperium", servir os pobres. Os verdadeiros socialmente responsáveis têm sido as entidades, as empresas não chegam nem perto de merecer esta designação.

Na minha opinião, a postura socialmente responsável é apoiar as entidades

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socialmente responsáveis de fato, com doações e ponto final. Você pode fazer isto hoje, através do doações on line no site www.filantropia.org.

5. Todo o dinheiro gasto em anúncios tipo "Minha Empresa É Mais Responsável do que o Concorrente", poderia ser gasto duplicando as doações de sua empresa.

Os líderes sociais do país, que cuidam de 28 milhões de pessoas carentes, e não têm recursos para comprar anúncios caríssimos na imprensa. Depois desta onda de responsabilidade social das empresas com os anúncios que as empresas estão publicando, o "Share of Mind" do Terceiro Setor tem caído de 100% para 15%. Cinco anos atrás, o recall espontâneo de instituições responsáveis na mente do público em geral, eram a AACD, as APAES e a Abrinq. Hoje, os nomes mais citados são de empresas. Bom para as empresas e seus produtos, péssimo para a AACD e seus deficientes.

Pior, nestes últimos cinco anos as empresas diminuíram em 30% seus donativos para as entidades, para poderem criar os seus institutos próprios.

Ainda pior, as empresas em vez de treinarem gestores sociais estão contratando a preços de ouro, gestores sociais destas entidades já treinados, desestruturando o setor, e insuflando os salários, tanto é que as entidades tiveram um aumento de custos de 35% nestes últimos anos.

Se sua empresa desejar inverter esta triste situação pague um anúncio de uma Ong, como sendo apoio da sua empresa. Será muito mais elegante do que publicar um anúncio dizendo "Minha Empresa é Responsável".

Lembre-se também, que todas as religiões, sem exceção, recomendam não alardear os atos de responsabilidade social, que deveriam ser discretos e anônimos. Quem alardear sua bondade sofrerá a ira do povo, uma sabedoria milenar em todas as crenças do mundo. Algo para se pensar.

6. Entidades têm no social seu "core business", dedicam 100% do seu tempo, 100% do seu orçamento para o social. Sua empresa pretende ter o mesmo nível de dedicação?

Irmã Lina é a nossa Madre Tereza de Calcutá. Ela veio da Itália cuidar de 300 portadores de hanseníase confinados em Guarulhos, e sabia com certeza que iria morrer da doença, o que não a impediu de cumprir a sua missão.

Sua empresa estaria disposta a morrer pela sua causa social? A maioria das empresas ao primeiro sinal de recessão corta 30% da propaganda, 50% do treinamento e 90% dos projetos sociais. Justamente quando os problemas sociais tendem a aumentar.

As empresas brasileiras estão dedicando em média 1% do lucro ao social, o que corresponde a 0,1% das receitas. As entidades sociais dedicam 100% de suas receitas e 100% do seu tempo.

Se sua empresa socialmente responsável acredita que poderá competir com as "Irmãs Linas" do país, e que terá coragem de subir num palco e receber um Prêmio de Cidadania Corporativa é acreditar que nossos consumidores são um bando de idiotas.

Se você é um executivo de marketing, por acaso você esteve presente quando a

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Irmã Lina recebeu o seu Prêmio Bem Eficiente? Mas ela notou a sua ausência, e viu o anúncio de sua empresa dizendo como ela se preocupa com o social.

7. O consumidor não é bobo.

O consumidor sabe que o projeto social alardeado pela empresa está embutido no preço do produto. Ninguém dá nada de graça. Isto, todo consumidor sabe de cor. E quem disse que o consumidor comunga com a mesma causa que sua empresa apadrinhou?

Sua empresa pode ser "Amiga das Crianças", mas seu consumidor pode sentir que os velhos são os verdadeiros excluídos.

Afirmar que o projeto social é custeado pelo lucro da empresa, e não entra como despesa, não convence ninguém. O lucro pertence aos acionistas não aos executivos da empresa. Na maioria dos países, filantropia é feita na pessoa física não na jurídica. Não existe Fundação Microsoft, e sim Fundação Bill Gates. Da Microsoft queremos bons softwares, não bons projetos sociais.

8. Antes de querer criar um Instituto com o nome da sua empresa ou da sua marca favorita, lembre-se que a maioria dos problemas sociais é impalatável.

Empresas que criaram institutos com a marca da empresa fogem de problemas sociais complicados como o diabo foge da cruz.

Nenhuma delas quer ajudar a resolver problemas como hanseníase, abuso sexual, prostituição infantil, deficiência mental, autismo, Aids, discriminação racial, velhice e alzheimer, doenças terminais, alcoolismo, dependência química, drogados, mães solteiras, pais abusivos, pois são projetos que não se adequam bem à imagem que você quer imprimir para a sua marca.

Marcas são penosamente construídas e não dá para discordar desta relutância em apoiar projetos "mercadologicamente incorretos." Você terá que decidir o que vem em primeiro lugar, se sua marca ou a sua responsabilidade social, decisão ética de primeira importância.

Empresas que criaram institutos ou fundações com a marca da empresa, preferem projetos como educação, adolescentes, esportes ou ecologia.

9. Irresponsável é a empresa que faz produtos caros sem qualidade, destruindo o meio ambiente, sendo incorreta com seus inúmeros parceiros e sonegando impostos.

Se você não definir o que é uma empresa socialmente irresponsável, as Ongs definirão por você. Hoje a forma de se atacar empresas não é através de sindicatos, passeatas ou ideologia. Ativistas descobriram que empresários ficam de joelhos se você atacar a marca. Leiam NO LOGO, bíblia do ativismo social.

Quem paga 48% de impostos para o governo já está sendo mais do que responsável. E, não será o 1% a mais que resolverá o problema, razão pela qual acredito que todas as empresas fracassarão neste novo papel que querem assumir.

Socialmente Responsáveis são as empresas que fazem produtos baratos com qualidade, sem destruir o meio ambiente, sendo corretos com seus inúmeros parceiros e pagando todos os impostos. Se todas as empresas fizessem isto, e o

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governo fizesse sua parte, o consumidor e o contribuinte se dariam por satisfeitos.

Curiosamente, nenhuma destas Ongs que denunciam e avaliam empresas socialmente responsáveis mencionam nem avaliam a enorme irresponsabilidade governamental que não devolve os impostos pagos em benefícios sociais.

10. Evite usar critérios empresariais ao escolher seus projetos sociais, como "retorno sobre investimento" ou "ensinar a pescar". Esta área é regida por critérios humanitários, não científicos ou econômicos.

Empresários tendem a usar critérios empresariais para definir quais projetos apoiar, embora este seja um setor de critérios humanitários.

Um dos "mantras" das empresas socialmente responsáveis é que elas ensinam a pescar em vez de fazer "mero assistencialismo".

Só que, quando as entidades fazem "mero assistencialismo", deficiente visual sai com óculos, crianças com câncer saem curadas, órfãos são cuidados, paraplégicos saem com cadeiras de rodas.

Nos projetos que "ensinam a pescar", 90% dos recursos acabam nas mãos dos professores, e 10% ao consultor social idealizador do projeto.

Outro "mantra" das empresas socialmente responsáveis é somente apoiar projetos que tenham "retorno sobre investimento", um importante ponto de referência dos executivos.Nesta visão, os velhos, portadores de mal de Hansen, doentes terminais e aidéticos, não são mais considerados interessantes.

O que dá retorno é criança, adolescente, projetos educacionais que hoje compõem 76% dos projetos liderados por empresas "socialmente responsáveis".

11. A responsabilidade social é no final das contas, sempre do indivíduo, do voluntário, do funcionário, do dono, do acionista, do cliente, porque requer amor, afeto e compaixão.

Na literatura encontramos duas posições bem claras. Uma que a responsabilidade social é do governo, por isto estamos pagando quase 50% da nossa renda em impostos. Sem muito resultado. A segunda posição é que a responsabilidade social é do indivíduo, da comunidade, da congregação, das Ongs organizadas para tal.

No Brasil, surgiu uma terceira visão dentro da onda neoliberal que tomou conta do país. Que a responsabilidade social é das empresas e dos empresários, que a agenda social deve ser estabelecida por executivos e empresários, sob critérios empresariais de retorno de investimento, ensinando a pescar.

Empresas, como o governo, são impessoais. E, ainda corremos o perigo dos poucos indivíduos que achavam que a responsabilidade é do indivíduo acabem lavando as mãos achando que a responsabilidade é do governo e das empresas. Por que então se envolver?

E agora, o que fazer ?

Portanto, não existe espaço para as empresas nesta área?

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Não é o que defendemos. O que tem que ser lembrado é que a área social é um campo minado para quem não entende profundamente do assunto.

Existem enormes armadilhas. Nem todas as entidades vêem com bons olhos uma concorrência das empresas, que elas vêem com razão, como sendo predatórias.

As empresas deveriam ajudar aqueles que realmente entendem do assunto em vez de fazer concorrência.

As empresas deveriam ouvir primeiro, antes de oferecer milhões para as entidades tocarem projetos concebidos pelo seu departamento de marketing. Poucas entidades resistem a tentação de uma parceria, mesmo quando invariavelmente signifique que tenham de mudar de rumo.

Nem por sermos empresários e administradores significa que nossa expertise seja a mesma que as entidades necessitam. Se a sua empresa também adotar estes mandamentos, tenho certeza que a longo prazo estará contribuindo de uma forma muito mais responsável do quem vem ocorrendo até agora.

Nossa missão não é criar projetos, e sim alavancar, potencializar, tornar as entidades que já existem mais eficientes, maiores, com mais recursos e escala de operação.

Não precisamos reinventar a roda, só precisamos acelerar o passo.

Stephen Kanitz

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Capitalismo Beneficente

Para o bem ou para o mal, tudo indica que o capitalismo está lentamente vencendo a sua longa luta contra o comunismo e o socialismo. Não que o capitalismo seja superior, mas parece que seus defeitos são menores. Antes que se pule de alegria é bom lembrar que não se venceu a luta contra a miséria e as injustiças sociais, os grandes objetivos do socialismo. Muito pelo contrário. As 500 maiores empresas brasileiras gastam anualmente 2,8 bilhões de dólares em segurança patrimonial e 18 milhões de dólares por mês em filantropia. Algo está muito errado nesta proporção, e salta aos olhos que se as 500 maiores aumentassem o seu envolvimento social, conseguiriam reduzir os seus custos de segurança.

Precisamos achar meios para aprimorar o capitalismo em vez de passarmos por uma revolução para substituí-lo. Mas como? De que forma? O capitalismo se provou muito competente para produzir bens e serviços que os consumidores querem. Se houver um desejo insatisfeito no mercado, algum empreendedor irá se mexer para provê-lo. O que o capitalismo não sabe fazer ainda é produzir bens e serviços de que as pessoas precisam. Não há segredo em vender frangos barato entupindo-os de hormônios ou morangos saborosos, com agrotóxicos. A indústria automobilística colocou airbags nos carros por determinação do governo americano, porque há dez anos atrás o consumidor não queria.As TVs e os anunciantes se digladiam para mostrar o grotesco e o pornográfico, assuntos que o povo quer mas de que não necessariamente precisa.

Alguns empresários, porém,  estão lentamente mudando esta situação. Estão gastando tempo, recursos organizacionais e dinheiro em atividades beneficentes e filantrópicas simplesmente porque acreditam que as empresas precisam produzir também bens que a sociedade requer. Surge uma nova geração de empresários brasileiros como Guilherme Leal, Ricardo Young, Sérgio Amoroso, Norberto Pascoal, entre outros, que estão gastando mais do que 5% do seu tempo, lucro e recursos

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organizacionais para oferecer o que eles acreditam que a sociedade precisa. Fazem parte de uma nova geração de empresários que está transformando um capitalismo de resultados em um capitalismo de benefícios.

Um outro grupo de empreendimento vai além, devota 100% de suas energias, dinheiro e organização para produzir o que a sociedade precisa. São entidades beneficentes, que ao longo destes anos adquiriram competência e técnicas organizacionais que seriam de muita valia para as empresas.

Quão mais fácil seria, por exemplo, para os Alcoólatras Anônimos vender pinga a seus associados, do que a abstinência ? Quão mais fácil seria colocar um outdoor vendendo bebida com mulheres sensuais do que angariar fundos filantrópicos ? Quão mais fácil seria para a Igreja Católica ceder às pressões de mudança, oferecendo o que os fiéis querem, do que se manter leal aos seus dogmas e insistir em oferecer o que ela acha que os fiéis precisam, custe o que custar ?

Conseguirão os empresários obter lucro ofertando o que o consumidor precisa ? Conseguirão obter lucro vendendo frangos sem hormônios, sorvetes sem aditivos químicos e morangos sem agrotóxicos ? Várias experiências mostram que sim. A Superbom, empresa dirigida pela Igreja Adventista consegue ser rentável apesar de produzir sucos dentro de processos naturalistas.

Tornar o capitalismo mais responsável já não parece uma tarefa impossível e existem vários grupos agindo neste sentido sem ter que passar pelo traumático processo de derrubar o sistema vigente.

Em 26 de maio de 1998, 50 entidades beneficentes receberam, merecidamente, o Prêmio Bem Eficiente de 1998 pela sua competência, liderança e exemplo, provando que existem soluções para os problemas sociais. Essas e as demais entidades são a semente para um novo tipo de capitalismo voltado para suprir a sociedade com o que ela precisa e não necessariamente com o que ela quer.

Publicado na Revista Veja edição 1548  de 27 de maio de 1998

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Cargos de Desconfiança

Daqui a três meses os governadores eleitos terão de enfrentar um dos maiores pesadelos de um político. Como preencher as centenas de cargos de confiança que compõem um governo.

O número exato de cargos varia de Estado para Estado. Para o governo federal eu já ouvi estimativas que variavam de 2.000 a 20.000 cargos a ser preenchidos.

A problema é que a maioria dos políticos não conhece um número suficiente de pessoas em quem realmente possa confiar. Ao contrário dos grandes executivos e profissionais que desenvolvem listas de colaboradores ao longo de suas carreiras, os políticos normalmente acumulam listas de pessoas em quem não se deve confiar, pelo menos politicamente. Poucos convivem, no dia a dia da batalha por votos, com administradores profissionais, orçamentistas empresariais, gerentes de RH e planejadores, profissionais necessários para um bom governo.

Por isso, as primeiras pessoas convidadas são normalmente amigos e parentes de irrestrita confiança. O desespero é tal que até genros, normalmente vistos com certa suspeita na escala familiar, são convidados para participar da equipe de governo. Não que amigos e parentes não possam ser pessoas competentes, mas a base de escolha é muito pequena para que a média seja qualificada. Imaginem criar uma seleção de futebol dessa maneira. Você apostaria no seu sucesso ? O mesmo ocorre com nossas equipes de governo. Você apostaria no sucesso de um governo assim constitúido ?

A primeira decepção de cada novo governo e a primeira crítica que a imprensa lhe faz ocorrem por ocasião do anúncio da equipe e dos parentes contratados. Insinua-se em alguns relatos, que parentes foram contratados para que todos se tornem ricos, o que pelos salários atuais do setor público é praticamente impossível.

O erro que a maioria dos políticos eleitos comete é desconhecer uma das leis básicas da administração: Todo cargo, seja público, seja privado, é de total e irrestrita desconfiança. Infelizmente, todo colaborador, por mais amigo que seja, precisa ser tratado com certa dose de desconfiança.

Os maiores desfalques em empresas familiares são cometidos por parentes, em que

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não escapa nem filhos, muito menos genros. Bons amigos então, nem se fala. De onde surgiu este mito de que amigo do peito e parente não roubam ?

Essa prática não é exclusiva de nossos políticos. A maioria de nossas empresas contrata diretores da mesma maneira, tanto que são chamadas de empresas ‘familiares’.

A saída para esse dilema é outra. Em vez de contratar um amigo do peito, selecione o melhor e mais qualificado profissional possível para o cargo, independente de conhecê-lo ou não. Em seguida, cerque o contratado de controles gerenciais, fiscalização interna , auditoria externa, o que for necessário para manter o pessoal na linha.

As multinacionais não trazem mais um presidente de confiança do exterior como faziam antigamente. Contratam brasileiros, sejam eles amigos dos acionistas ou não. Dois brasileiros, Alain Belda Fernandez e Henrique de Campos Meirelles, são presidentes da matriz americana das multinacionais em que trabalham, o equivalente a contratar um americano para cuidar de nossa dívida externa. No Brasil, o melhor administrador financeiro do país tem poucas chances de ser Ministro da Fazenda, se já não for amigo do presidente bem antes de sua eleição.

Cargo de confiança é simplesmente um conceito anacrônico, algo do passado pré-gerencial. Num mundo competitivo, todos os cargos, incluindo os do governo, precisam ser de total e irrestrita competência, e não de confiança.

A rigor, num mundo globalizado, onde temos de dominar alguns segmentos da economia mundial deveríamos estar contratando os melhores do mundo. Pelo menos algum dia vamos começar timidamente desde o início, contratando os melhores brasileiros.

PS – Se você, amigo ou parente de político, for convidado para um cargo de confiança nos próximos três meses sem ter pelo menos vinte anos de experiência na área, a nação encarecidamente implora : recuse delicadamente.

Publicado na edição 1560 de 19 de agosto de 1998

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O Contrato de Casamento

Na semana passada comemorei trinta anos de casamento. Recebemos dezenas de congratulações de nossos amigos, alguns com o seguinte adendo assustador: "Coisa rara hoje em dia". De fato, 40% de meus amigos de infância já se separaram, e o filme ainda nem terminou. Pelo jeito, estamos nos esquecendo da essência do contrato de casamento, que é a promessa de amar o outro para sempre. Muitos casais no altar acreditam que estão prometendo amar um ao outro enquanto o casamento durar. Mas isso não é um contrato.

Recentemente, vi um filme em que o mocinho terminava o namoro dizendo "vou sempre amar você", como se fosse um prêmio de consolação. Banalizamos a frase mais importante do casamento. Hoje, promete-se amar o cônjuge até o dia em que alguém mais interessante apareça. "Eu amarei você para sempre" deixou de ser uma promessa social e passou a ser simplesmente uma frase dita para enganar o outro.

Contratos, inclusive os de casamento, são realizados justamente porque o futuro é incerto e imprevisível. Antigamente, os casamentos eram feitos aos 20 anos de idade, depois de uns três anos de namoro. A chance de você encontrar sua alma gêmea nesse curto período de pesquisa era de somente 10%, enquanto 90% das mulheres e homens de sua vida você iria conhecer provavelmente já depois de casado. Estatisticamente, o homem ou a mulher "ideal" para você aparecerá somente, de fato, depois do casamento, não antes. Isso significa que provavelmente seu "verdadeiro amor" estará no grupo que você ainda não conhece, e não no grupinho de cerca de noventa amigos da adolescência, do qual saiu seu par. E aí, o que fazer? Pedir divórcio, separar-se também dos filhos, só porque deu azar? O contrato de casamento foi feito para resolver justamente esse problema. Nunca temos na vida todas as informações necessárias para tomar as decisões corretas.

As promessas e os contratos preenchem essa lacuna, preenchem essa incerteza, sem a qual ficaríamos todos paralisados à espera de mais informação. Quando você promete amar alguém para sempre, está prometendo o seguinte: "Eu sei que nós dois somos jovens e que vamos viver até os 80 anos de idade. Sei que fatalmente encontrarei dezenas de mulheres mais bonitas e mais inteligentes que você ao longo de minha vida e que você encontrará dezenas de homens mais bonitos e mais inteligentes que eu. É justamente por isso que prometo amar você para sempre e abrir mão desde já dessas dezenas de oportunidades conjugais que surgirão em meu futuro. Não quero ficar morrendo de ciúme cada vez que você conversar com um homem sensual nem ficar preocupado com o futuro de nosso relacionamento. Nem você vai querer ficar preocupada cada vez que eu conversar com uma mulher provocante. Prometo amar você para sempre, para que possamos nos casar e viver em harmonia". Homens e mulheres que conheceram alguém

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"melhor" e acham agora que cometeram enorme erro quando se casaram com o atual cônjuge esqueceram a premissa básica e o espírito do contrato de casamento.

O objetivo do casamento não é escolher o melhor par possível mundo afora, mas construir o melhor relacionamento possível com quem você prometeu amar para sempre. Um dia vocês terão filhos e ao colocá-los na cama dirão a mesma frase: que irão amá-los para sempre. Não conheço pais que pensam em trocar os filhos pelos filhos mais comportados do vizinho. Não conheço filho que aceite, de início, a separação dos pais e, quando estes se separam, não sonhe com a reconciliação da família. Nem conheço filho que queira trocar os pais por outros "melhores". Eles aprendem a conviver com os pais que têm.

Casamento é o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgas do dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais não aprendem, e alguns nem tentam aprender. Obviamente, se sua esposa se transformou numa megera ou seu marido num monstro, ou se fizeram propaganda enganosa, a situação muda, e num próximo artigo falarei sobre esse assunto. Para aqueles que querem ter vantagem em tudo na vida, talvez a saída seja postergar o casamento até os 80 anos. Aí, você terá certeza de tudo.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Editora Abril, Revista Veja, edição 1873, ano 37, nº 39, 29 de setembro de 2004, página 22

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Democracia Brasileira

República de banana, uma ova. Se você tem um amigo, vizinho ou chefe americano, que tal dar uma cutucada de leve, sem ofender, e oferecer-lhe um pouco de know how eleitoral,made in Brazil?

Por não terem aprimorado o processo eleitoral nos últimos 200 anos, como fizeram nossos legisladores e nosso Tribunal Eleitoral, os americanos terão um presidente com sabor de ilegitimidade — o pior que pode acontecer com o líder de um país e, especialmente, de uma democracia.

Se as eleições americanas tivessem seguido regras brasileiras, nada disso teria acontecido. Nosso processo eleitoral é superior ao americano em pelo menos cinco aspectos: 

            1. Segundo Turno: os democratas alegam que Gore é a “vontade da maioria do povo”, apesar de ter obtido somente 48% dos votos. No Brasil, Gore e Bush iriam para o segundo turno. Além disso, Ralph Nader e Buchanan não poderiam ter sido excluídos do debate público do primeiro turno, como aconteceu.

Em um segundo turno, então sem Ralph Nader, Gore provavelmente teria obtido 52% contra 48% de Bush, já que Nader é na realidade um dissidente democrata. Agora sim, a maioria do povo.

            2. Voto obrigatório: nem Gore nem Bush obtiveram 48% da vontade do povo, como dizem. Ambos conseguiram somente 24%, uma vez que metade dos americanos simplesmente não votou. Essa eleição dos Estados Unidos me leva a ficar a favor da obrigatoriedade do voto, para que não haja o risco das acusações de ilegitimidade que irão marcar o próximo governo americano. Votar em todas as eleições, mesmo que em branco, significa renovar seu contrato social com a democracia do Brasil, algo que não acontece naquele país.

            3. Maioria popular: nosso presidente não é eleito por “maioria estadual ponderada pelo número de habitantes do Estado”. O colégio eleitoral poderia fazer sentido quando o problema era achar um “representante” para treze Estados independentes que haviam decidido se juntar tempos atrás. Em um mundo globalizado, porém, o presidente da República representa a nação como um todo, não um grupo de Estados.

            4. Confirmação do voto: depois de digitado o número do candidato, nossas urnas eletrônicas perguntam: “é esse o nome e a foto de seu candidato?” Isso é auditoria no ato. Nos Estados Unidos, milhares de americanos não sabem com certeza em quem votaram. Tecnicamente, nós votamos quando digitamos o número do candidato e, ao apertarmos a tecla verde, estamos simplesmente confirmando nosso voto, já dado anteriormente.

            5. Erros graves de arredondamento: esse erro aparece quando se tenta encaixar a população americana nas somente 538 vagas do colégio eleitoral. Imaginem 100 milhões de habitantes divididos em dois Estados e um colégio eleitoral com 100 vagas.  O Estado “Nova Flórida” tem 49 444 444 moradores, e a “Velha York” tem 50 555 556. Como não é possível cortar a cabeça de nenhum delegado de colégio eleitoral, “Nova Flórida” manda 49 delegados,

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e não 49,44, e “Velha York” terá 51 delegados, em vez de 50,56. Nesse caso, 444 444 votos foram simplesmente transferidos para outro Estado. A situação se complica quando o número de estados aumenta para cinqüenta e então os erros ficam ainda mais graves. Ninguém comenta esse assunto, mas ser eleito por “erros de arredondamento” é algo muito sério. No Brasil, cada voto vale um voto e não cometemos esse tipo de erro, inadmissível no mundo moderno.

Nosso sistema eleitoral só perde em marketing. Li diversos comentaristas estrangeiros dizendo que, apesar de tudo, os americanos deram um show de democracia. Discordo. Nosso sistema eleitoral evoluiu com o passar dos anos. O deles parou no tempo.  

Publicado na Revista Veja edição 1677 ano 33  no 48 de 29 de novembro de 2000

Dólares na Suíça, Filhos no Brasil

Existe uma enorme contradição na frase acima.Ganhar dinheiro no Brasil e manter parte dele investido fora parece ser uma atitude inteligente. Mas feito por dezenas de milhares de brasileiros, priva a nação dos recursos já disponíveis para o nosso crescimento.

O total de depósitos de brasileiros no exterior segundo pessoas que operam nesta área gira entre 45 e 140 bilhões de dólares. A estimativa mais freqüente é de 95 bilhões. Nunca saberemos o valor verdadeiro, mas, qualquer que seja, suspeita-se que esse valor tenha aumentado em 20 bilhões nos últimos seis meses. O que, no fundo, desencadeou a recente crise. É dinheiro suficiente para gerar de 1 a 6 milhões de empregos, reduzindo, além do desemprego, a violência urbana e a criminalidade.

Por alguma razão, evita-se discutir esse assunto em público, mas acho que é preciso abordá-lo neste momento. Primeiramente, alguns fatos: o grosso desse dinheiro não foi depositado por bilionários nem por empresários com caixa dois, mas sim por pessoas de classe média que receberam salários e honorários honestamente e que, por uma razão ou outra, entraram em pânico. Dá para entender por que as pessoas depositam seu dinheiro em países onde a regra do jogo não muda. Provavelmente, abriram essas contas para proteger suas famílias de uma hiperinflação que quase ocorreu, ou após um seqüestro de cruzados que de fato aconteceu. Portanto, antes de julgá-los com falso moralismo, é importante concordar que os tempos não foram fáceis.

Mas existe outra questão que esses poucos brasileiros precisam entender: parte da crise reside justamente no costume e na rapidez com que se transfere dinheiro para fora, ao primeiro sinal de problema. O Brasil tem investido no exterior quase tanto quanto as multinacionais têm investido no Brasil, um contra-senso monumental. Poupança para o crescimento o Brasil já tem, o problema é que ela está no lugar errado.

Se você é um desses, mais dia menos dia você terá de resolver a seguinte questão: ou coloca seus filhos também na Suíça, ou então aplica no país em que eles irão viver e trabalhar, investindo na geração de seus empregos. Foi assim que os alemães reconstruíram a Alemanha e os japoneses, o Japão, depois da II Grande Guerra.

Quem investe em CDBs, fundos de renda fixa, cadernetas de poupança e especialmente ações brasileiras está indiretamente ajudando a gerar os empregos necessários para os próprios filhos. Além do mais, quem acha que seu dinheiro está seguro numa pequena ilha do Caribe, deveria primeiro visitá-la. Noventa e cinco bilhões de dólares é muito dinheiro para investir numa ilha. Quem garante que seu

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dinheiro não está reinvestido na Rússia, no Japão ou em Hong Kong? Os 3% de juros ao ano que se recebe não compensam esse risco.

Com o câmbio livre e unificado, a função do doleiro caminhará um dia para a extinção, como ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, e daqui a dez anos você provavelmente não terá como trazer seu dinheiro de volta, nem ilegalmente. Ter de gastar o dinheiro comendo lagosta caribenha poderá matá-lo do coração. Um dia as leis financeiras serão mundiais, conseqüência inexorável da globalização. Aí não haverá porto seguro no mundo, vide o que aconteceu com Pinochet.

Está na hora de perdoar os pacotes do passado e começar a reconstruir este país. Está na hora de trazer pelo menos uma parte neste ano, e o resto, devagarinho. Os preços dos imóveis estão ridiculamente baixos; as ações, nem se fala. Os juros cairão e o dólar também. O risco Brasil só serve para os estrangeiros. Para quem vive aqui, ele não existe.

Vamos ter de fazer uma campanha corpo a corpo para convencer os brasileiros a investir de novo no país. Mas se, apesar de tudo, seu pai, seu tio, seu melhor amigo ou você mesmo ainda acreditam que aplicar dinheiro lá fora é mais seguro, pergunte ao seu gerente se não dá para depositar também seu filho ou sua filha. Afinal, seu verdadeiro investimento são eles. 

Publicado na Revista Veja, edição 1592, ano 32, nº 14, de 7 de abril de 1999, página 21

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Editora Abril, Revista Veja, edição 1881, ano 37, nº 47, 24 de novembro de 2004, página 22

Ensinando a Pescar Uma das frases mais divulgadas por empresas socialmente responsáveis é "Nós não damos o peixe, nós ensinamos a pescar". Um dos conceitos mais valorizados por intelectuais, e especialmente por professores, é que ensinar a pescar é importante, dar o peixe não é. São pessoas que se colocam contra o assistencialismo, a caridade e a filantropia. Acham que o assistencialismo é nocivo, que cria dependência e reduz a auto-estima.

Existe atualmente enorme preconceito contra entidades que dão assistência, como aquelas que cuidam de moças solteiras grávidas e as inúmeras entidades que servem sopão aos famintos. De uns anos para cá, doadores estão deixando de ajudar entidades assistencialistas – hoje as empresas não querem patrocinar entidades que oferecem teto a moradores de rua, olham feio para o Fome Zero. A maioria das empresas socialmente responsáveis está sendo induzida a patrocinar prioritariamente projetos que "ensinam a pescar". E aceita sem pestanejar porque são projetos que proporcionam elevado retorno sobre o investimento.

Eu vou defender as entidades que prestam assistencialismo à moda antiga e tentar ajudá-las a reverter a onda que estão sofrendo, e à qual muitas não estão resistindo.

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O ser humano tropeça muitas vezes na vida. Já vi o desespero de mulheres abusadas, já vi pessoas humildes entrar em pânico porque os filhos contraíram câncer. Essas pessoas não precisam aprender a pescar. Elas precisam de assistência, carinho e compaixão. Alcoólatras precisam de ajuda, um ouvido amigo, e não de cursos sobre os efeitos do álcool. Dependentes químicos não precisam de cursos de "geração de renda", eles precisam de compaixão, colo e um ombro carinhoso para poder readquirir forças para se reerguer SOZINHOS. Órfãos, paraplégicos, portadores de hanseníase ou síndrome de Down, além de um curso de três semanas, precisam de atenção dedicada anos a fio.

Todo ano analiso mais de 400 ONGs e descobri algo muito constrangedor. Nas organizações que fazem "mero assistencialismo", 80% dos recursos doados são revertidos em uma cadeira de rodas, em óculos para um deficiente visual ou em um prato de comida. Ou seja, o dinheiro vai para quem precisa, enquanto nas ONGs que "ensinam a pescar" 85% das doações terminam no bolso dos professores, não no bolso dos alunos carentes. Por que professores não podem ser voluntários sem receber nada, como os outros? Alguns, felizmente poucos, cobram fortunas dessas entidades para dar aulas de gestão do terceiro setor e nem ficam vermelhos quando em sala de aula enaltecem o trabalho voluntário.

Hoje as empresas socialmente responsáveis estão usando critérios capitalistas para escolher projetos sociais, querem "investir", querem "retorno", querem "alavancar". Por isso, adoram projetos que ensinam a pescar, porque o "retorno sobre o investimento" é elevado. Com esses critérios tipicamente neoliberais, nenhuma empresa investe mais no velho, no tetraplégico, no cego, porque "não compensa". Empresário só "investe" em crianças, danem-se os doentes terminais. É o neoliberalismo social sobrepujando o humanismo cristão.

Não sou contra ensinar a pescar, quero deixar isso bem claro. Fui professor por trinta anos, precisamos de ambas as posturas sem dúvida alguma. Só que a maioria das entidades que fazem "mero assistencialismo" também ensina a pescar como parte da recuperação, mas isso os intelectuais nunca divulgam. O que me preocupa é a enorme ênfase atual na primeira atitude em detrimento da segunda. Precisamos reverter esse preconceito, precisamos dar valor àquelas entidades que prestam assistência a órfãos, paraplégicos, portadores de hanseníase, síndrome de Down, cegos, doentes mentais, velhos, vítimas de estupro e abuso sexual. Lamento dizer que boa parte de nossos problemas sociais não é resolvida em sala de aula, por isso temos de manter o equilíbrio.

Se sua empresa é uma dessas que fazem questão de não dar o peixe e somente ensinam a pescar, repense sua posição. Muita gente necessitada vai preferir o apoio e a mão amiga de sua equipe a umas brilhantes aulas.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1869, ano 37, nº 35, 1º de setembro de 2004, página 20

Todo Escolhendo uma profissão ar pelo menos duas grandes importantes decisões na vida. A escolha da profissão e a do cônjuge. A maioria estuda e namora o futuro cônjuge nos mínimos detalhes, mas escolhe e descarta dezenas de profissões com uma única frase. Muitos passarão mais tempo no emprego do que com o marido, a esposa e a família. Quando chegarem em casa, todos já estarão dormindo.

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Como melhorar a escolha da profissão com a mesma dedicação com que se escolhe um cônjuge?

1. Namore também sua profissão. Se seus pais possuem um conhecido que exerça uma profissão, peça permissão para acompanhá-lo por algumas semanas para sentir como é seu dia-a-dia. Mesmo que tenha de ficar nos corredores, você verá o ambiente, sentirá um pouco a rotina diária. Assista a uma semana de aulas em sua futura faculdade. Comece a explorar as variantes da profissão, descubra as linhas de pensamento, os estilos. Quem são as "feras" dessa área e como são os estilos de vida. Combinam com o seu?

2. Não se apresse. Se você estiver na dúvida quanto à escolha da profissão, tire um ano mochilando pelo mundo afora. É preferível "perder" um ano a perder toda uma vida profissional. A escolha da profissão precisa ser cuidadosa, porque hoje em dia é mais fácil trocar de cônjuge que de profissão. Aos 32 anos você não terá mais disposição para prestar um novo vestibular. Essa pressão da sociedade e dos pais para uma escolha imediata vem do tempo em que a expectativa de vida de um adulto era de somente quarenta anos. Hoje a expectativa média de vida é de 82 anos. Um ano ou dois não farão a mínima diferença.

3. O não por exclusão. Nossa tendência é sempre achar algum defeito numa idéia nova. "Engenheiros sujam as mãos", "contabilidade é para tímidos", "advocacia é para quem fala bem", "finanças e economia são para especuladores". Toda profissão tem seus defeitos. Se você andou escolhendo algumas profissões por exclusão, volte atrás e pense de novo.

4. Explore o cinza. Justamente porque o estereótipo do advogado é aquele que fala bem, existe enorme falta de advogados que sejam bons em matemática. Por isso, advogados tributaristas, os que mexem com números, são muito bem pagos no Brasil.

5. Não confunda interesse com proposta de vida. Todos nós deveríamos ter interesse em história e filosofia. Espero que nos fins de semana vocês leiam esses temas, e não mais um livro técnico. Todo mundo deveria estudar um pouco de economia, psicologia e direito, mas nem todos irão querer estudar essas matérias a vida inteira. O simples interesse não é suficiente para fazer de você um profissional dedicado e totalmente comprometido para o resto da vida. Uma fã do pianista Arthur Moreira Lima disse que daria a vida para tocar como ele. "Pois eu dei a minha vida", respondeu Moreira Lima. Se você está disposto a dar sua vida por história ou filosofia, aí não é um mero interesse, é sem dúvida uma vocação. Portanto, vá em frente. Se você escolher uma profissão no par-ou-ímpar, lembre-se de que poderá estar tirando a vaga de alguém que tem vocação, a vaga de um futuro Moreira Lima.

Faça um favor à sociedade e àqueles que adorariam estar em seu lugar: não tome a vaga de quem realmente precisa. A sociedade, os excluídos e seus futuros professores agradecerão efusivamente. Portanto, vá com calma. Estude a vida inteira e escolha sua profissão de uma forma profissional. Boa sorte e meus votos de sucesso.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1781, ano 35, nº 49, 11 de dezembro de 2002.

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Estimulando a curiosidade

Durante a estada de Richard Feynman no Brasil –um dos poucos ganhadores do Prêmio Nobel que o Brasil pôde conhecer de perto –, os alunos pediram a ele que desse uma aula sobre nossos métodos de ensino na área da física. Feynman pegou cinco ou seis livros de física adotados pelo MEC naquela época e um mês depois disse que só daria aquela aula no último dia de sua permanência no país.

No dia fatídico, dezenas de professores de física se reuniram para ouvir sua palestra. Essa história é contada por ele no livro Deve Ser Brincadeira, Sr. Feynman.

Começou assim a palestra: "Triboluminescência, diz no livro de vocês, é a propriedade que certas substâncias possuem de emitir luz sob atrito". E mostrou como nossos livros apresentavam a matéria pronta, incentivavam a decoreba, eram essencialmente chatos e confusos. Isso foi escrito há trinta anos, mas, pelas queixas dos alunos, nossos livros de física não melhoraram tanto quanto deveriam.

Segundo Feynman, um livro americano abordaria a questão de forma um pouco diferente. "Pegue um torrão de açúcar e coloque-o no congelador. Acorde às 3 da manhã, vá até a cozinha e abra o congelador. Amasse o torrão de açúcar com um alicate e você verá um clarão azul. Isso se chama triboluminescência."

Não sei se ficou clara a diferença que Feynman tentava demonstrar, nem sei se os livros didáticos americanos continuam os mesmos, mas basicamente nossos métodos de ensino apresentam muita informação e teoria em vez de despertar a curiosidade.

Criamos alunos tão bem informados que no Brasil inteligência virou sinônimo de erudição. Inteligente é quem sabe muito, quem repete as teorias e conclusões dos outros. Um dia ele poderá até ter opinião própria, mas será difícil se ninguém estimular sua curiosidade.

Sem dúvida, toda sociedade precisa de pessoas eruditas, aquelas que sabem os caminhos que já foram percorridos. Erudição não mostra necessariamente inteligência, mas demonstra que a pessoa tem boa memória.

No mundo moderno, em constante mutação, inteligência quer dizer outra coisa. Significa enxergar o que os outros (ainda) não vêem. Isso é próprio de pessoas criativas, pesquisadoras, curiosas, exploradoras, que encontram soluções para os novos problemas que temos de enfrentar.

O método de ensino eficaz, segundo Feynman, deveria formar indivíduos curiosos. O objetivo final de uma aula teria de ser formar futuros pesquisadores, e não decoradores da matéria. O que mais o espantou é que nosso ensino de física e química é muito superior ao americano, algo que todo brasileiro já sabe. Mesmo assim, notou Feynman, o Brasil produz menos físicos e químicos que os Estados Unidos.

A hipótese que ele levanta é o método de ensino. Damos muita teoria e informação, mas ensinamos pouco como usar as informações aprendidas. Por sua vez, os americanos sabem e aprendem muito menos teoria, mas devotam mais tempo aprendendo como usar a informação apresentada, sob todos os ângulos.

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Suspeito que essa seja a razão de nosso péssimo desempenho nos testes internacionais administrados pelo Programa Internacional de Avaliação Estudantil (Pisa), em que o Brasil aparece nas últimas colocações, inclusive em física. Os testes do Pisa enfatizam mais o uso da informação do que a lembrança da informação em si, algo em que o aluno brasileiro se destaca.

O certo seria, talvez, escrever livros "didáticos" menos didáticos e mais motivadores, que estimulassem a curiosidade e fossem mais relacionados com a vida futura de nossos alunos. Alguns dos livros que avaliei mal estimulam o aluno a virar a página para o próximo tópico, muito menos poderiam seduzi-lo a se dedicar ao assunto o resto da vida.

Vamos fazer um simples teste entre 1 000 alunos e descobrir quantos jogaram fora seus livros didáticos após a formatura e quantos os guardaram como o primeiro volume de uma grande biblioteca sobre o assunto. Isso nos diria quais os livros didáticos que de fato estimularam nossa curiosidade, o objetivo principal do ensino moderno.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1826, ano 36, nº 43 de 29 de outubro de 2003, página 20

Fazendo a Diferença

Ser rico, famoso ou poderoso tem sido o objetivo da maioria das pessoas, mas sempre falta algo. Recentemente, ouvi sobre uma nova postura ética de sucesso, que vale a pena resumir aqui, porque na época ninguém noticiou.

Numa reunião no World Economic Forum, em Davos, o local onde o mundo empresarial se reúne uma vez por ano em janeiro, um empresário que acabava de fazer um tremendo negócio foi convidado numa das várias sessões a expor suas idéias.

Primeiro perguntaram como ele se sentia, subitamente um bilionário. Sem pestanejar um único minuto, ele afirmou que o dinheiro não lhe pertencia, e que doaria toda sua fortuna a instituições beneficentes.

"Sou simplesmente fruto do acaso, tenho os genes certos e estou no momento certo, no setor certo. É difícil falar em 'mérito' numa situação dessas."

"Se eu, o Bill Gates aqui presente, ou então o Warren Buffett, tivéssemos nascido 2.000 anos atrás, nenhum de nós teria tido o porte atlético necessário para se tornar um general do Império Romano, posição de destaque equivalente à nossa, na época. Teríamos sido trucidados na primeira batalha."

Alguns seres humanos sempre estarão momentaneamente mais adequados ao ambiente que os outros e receberão, portanto, melhores salários, apesar do esforço dos demais.

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A idéia da meritocracia, tão decantada pela direita conservadora como justificativa para a sua riqueza, cai por terra se levarmos em consideração a nova teoria de que somos todos frutos do acaso genético das interpolações do DNA de nossos pais.

Se nossos genes são mero acaso da variação genética, falar em QI, mérito, proeza atlética e se achar merecedor de 100% dos ganhos que esses atributos nos proporcionam não faz mais muito sentido. O que há de meritocrático em ter os genes certos?

Ninguém está sugerindo o outro extremo de salários iguais para todos, porque toda sociedade precisa incentivar os que se esforçam mais, os que trabalham melhor e especialmente os que assumem riscos e têm a coragem de inovar.

O que essa nova postura sugere delicadamente é uma maior humildade e generosidade daqueles que ganham fortunas por ter uma inteligência superior, um porte atlético avantajado ou um talento excepcional. Por trás de toda "fortuna" existe um elemento de sorte, muito maior do que os "afortunados" gostariam de admitir.

Mas a frase que mais tocou a platéia estarrecida foi esta: "Mesmo doando toda a minha fortuna", disse o empresário, "continuará a existir uma enorme injustiça social no mundo. Eu terei tido um privilégio que muitos não terão. O privilégio de ter feito uma diferença com o meu trabalho e minha vida."

Segundo essa visão, o mundo é dividido entre aqueles que fizeram ou não uma diferença com sua vida, o dinheiro não é o objetivo final. E existem inúmeras maneiras de fazer uma diferença, desde inventar coisas, gerar empregos, criar produtos, até ajudar os outros com o dinheiro obtido.

Aproximadamente 55% dos empresários americanos não pretendem legar sua fortuna aos filhos. Acham que estariam estragando sua vida gerando playboys e um bando de infelizes. Percebem que o divertido na vida é chegar lá, não estar lá. Ser filho de empresário e receber de mão beijada uma BMW, um Rolex e uma supermesada não é o caminho mais curto para a felicidade. Muito pelo contrário, é uma roubada.

Por isso, os ricos de lá criaram instituições como a Fundação Rockfeller, a Fundação Ford, a Fundação Kellogg, a Fundação Hewlett. No Brasil, estamos muito longe de convencer os empresários a fazer o mesmo, razão pela qual sua fortuna provavelmente virará mais um imposto. O imposto sobre herança.

O segredo da felicidade, portanto, não é ganhar dinheiro, que a maioria acabará perdendo de uma forma ou de outra. O segredo é ter feito uma diferença.

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Revista Veja, Editora Abril, edição 1838, ano 37, nº 4, 28 de janeiro de 2004

Isto é um teste de personalidade que poderá alterara sua vida. Portanto, preste muita atenção.

Iniciativa e Acabativa

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Iniciativa é a capacidade que todos nós temos de criar, iniciar projetos e conceber novas idéias. Algumas pessoas têm muita iniciativa e outras têm pouca.

Acabativa, é um neologismo que significa a capacidade que algumas pessoas possuem de terminar aquilo que iniciaram ou concluir o que outros começaram. É a capacidade de colocar em prática uma idéia e levá-la até o fim.

Os seres humanos podem ser divididos em três grupos, dependendo do grau deiniciativa e acabativa de cada um: os empreendedores, os iniciativos e osacabativos - sem contar os burocratas.

* Empreendedores são aqueles que têm iniciativa e acabativa. Um seleto grupo que não se contenta em ficar na idéia e vai a campo implantá-la.

* Iniciativos são criativos, têm mil idéias, mas abominam a rotina necessária para colocá-las em prática. São filósofos, cientistas, professores, intelectuais e a maioria dos economistas. São famosas as histórias de economistas que nunca assinaram uma promissória. Acabativa é o ponto fraco desse grupo.

* Acabativos são aqueles que gostam de implantar projetos. Sua atenção vai mais para o detalhe do que para a teoria. Não se preocupam com o imenso tédio da repetição do dia-a-dia e não desanimam com as inúmeras frustrações da implantação. Nesse grupo está a maioria dos executivos, empresários, administradores e engenheiros.

Essa singela classificação explica muitas das contradições do mundo moderno.

Empresários descobrem rapidamente que ficar implantando suas próprias idéias é coisa de empreendedor egoísta. Limita o crescimento. Existem mais pessoas com excelentes idéias do que pessoas capazes de implantá-las. É por isso que empresários ficam ricos e intelectuais, professores - entre os quais me incluo -  morrem pobres.

Se Bill Gates tivesse se restringido a implantar  suas próprias idéias teria parado no Visual Basic. Ele fez fortuna porque foi hábil em implantar as idéias dos outros - dizem as más línguas que até copiou algumas.

Essa classificação explica porque intelectual normalmente odeia empresário, e vice-versa. Há uma enorme injustiça na medida em que os lucros fluem para quem implantou uma idéia, e não para quem a teve. Uma idéia somente no papel é letra morta, inútil para a sociedade como um todo.

Um dos problemas do Brasil é justamente a eterna predominância, em cargos de ministérios, de professores brilhantes e com iniciativa, mas com pouca ou nenhuma acabativa. Para o Brasil começar a dar certo, precisamos procurar valorizar mais os brasileiros com a capacidade de implantar nossas idéias. Tendemos a encarar o acabativo, o administrador, o executivo, o empresário como sendo parte do problema, quando na realidade eles são parte da solução.

Iniciativo almeja ser famoso, acabativo quer ser útil.

Mas a verdade é que a maioria dos intelectuais e iniciativos não tem o estômago para devotar uma vida inteira para fazer dia após dia, digamos bicicletas. Oiniciativo vive mudando, testando, procurando coisas novas, e acaba tendo uma vida muito mais rica, mesmo que seja menos rentável.

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Por isso, a esquerda intelectual e a direita neoliberal  conviverão as turras, quando deveriam unir-se.

Se você tem iniciativa mas não tem acabativa, faça correndo um curso de administração ou tenha como  sócio um acabativo. Há um ditado chinês, "Quem sabe e não faz, no fundo, não sabe" - muito apropriado para os dias de hoje.

Se você tem acabativa mas não tem iniciativa, faça um curso de criatividade, estude um pouco de teoria. Empresário que se vangloria de nunca ter estudado não serve de modelo. No fundo, a esquerda precisa da acabativa da direita, e a direita precisa das iniciativas da esquerda. Finalmente, se você não teminiciativa nem tampouco acabativa, só podemos lhe dizer uma coisa: meus pêsames.

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Editora Abril, Revista Veja, edição 1572, ano 31, nº 45, 11 de novembro de 1998, página 22

Não Seja Imprevidente

Militantes antiglobalização carregam celulares da Nokia, usam o Internet Explorer para navegar na rede mundial de computadores e copiam seus protestos numa impressora HP. Até eles são a favor do intercâmbio comercial entre os povos, embora não admitam. O que eles abominam são as movimentações financeiras entre países, uma conseqüência inevitável do comércio.

Hoje, americanos e europeus podem investir os reais que recebem de suas exportações em dívidas do governo brasileiro ou na bolsa, em vez de remetê-los imediatamente de volta ao seu país. Isso reduz os nossos juros porque aumenta a demanda por títulos do governo, juros que seriam ainda maiores se não existisse esse influxo internacional.

O lado ruim é que qualquer notícia ou frase infeliz de um governante ou análise equivocada de um jornalista estrangeiro pode gerar certo pânico e uma movimentação financeira no sentido inverso. É como se o leitor colocasse sua mão numa toca à procura de ouro num país desconhecido. Qualquer raspão na pele, sua mão sai da toca a 100 quilômetros por hora.

O problema é o curto prazo. Ter de agüentar a insegurança inicial desses investidores estrangeiros novatos, que vivem com o dedo no gatilho. Com o tempo, aprenderão as nossas idiossincrasias, descobrirão quem são nossos bons jornalistas e economistas, e as fugas de capital no futuro serão bem mais brandas.

Infelizmente, a maioria de nossos intelectuais é contra movimentações financeiras; eles querem criar uma sociedade estável a todo custo, com juros altos, com controle de câmbio, CPMF internacional, quarentenas financeiras do influxo de dinheiro e intervenções governamentais, sempre ditados por eles. Esquecem que sempre existirão pessoas que se assustam com o novo, por isso intervenções só pioram a situação.

Volatilidade faz parte da vida, a solução correta é aprender a conviver com ela, e não impedi-la. O mundo não é regido por leis econômicas, mas por leis biológicas, típicas de grandes populações de seres vivos. Hoje, até o noticiário econômico demonstra que percebeu isso quando usa expressões como contágio, ataques

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especulativos, mecanismos de defesa, vocabulário que vem da biologia, e não da economia.

Palocci foi criticado por muitos economistas brasileiros por ser médico, mas justamente por isso ele está muito mais adequado ao cargo do que se pensa. Um dos "mecanismos de defesa" que os nossos economistas governamentais nunca construíram no passado, porque não faz parte do receituário heterodoxo, foi a criação de reservas financeiras adequadas à volatilidade. Reservas financeiras compram tempo e tranqüilidade. Tempo para pensar numa melhor solução para a crise.

No Brasil, nossas poucas reservas sempre terminaram muito antes de a crise passar, obrigando-nos a nos endividar com todo o mundo, especialmente com o FMI.

TODAS as crises mundiais foram nefastas para o Brasil porque criar reservas nunca foi considerado uma política econômica importante, e sim um desperdício de dinheiro. Tanto é que em 2002 o governo Lula herdou reservas internacionais ínfimas, de somente 17 bilhões de dólares, o equivalente a dez dias da nossa produção interna. A China vive uma fase de segurança e prosperidade porque tem mais de 600 bilhões de dólares em reservas.

A visão do administrador para gerar estabilidade econômica contra a volatilidade da globalização é a de promover políticas públicas que estimulem cada empresa, cada governo estadual e municipal, cada família a criar reservas financeiras suficientes para enfrentar as crises do futuro. A decisão de Antonio Palocci e Henrique Meirelles de aumentar nossas reservas para 60 bilhões de dólares, em vez de investir no social, trará muito mais tranqüilidade social do que seus críticos imaginam.

Portanto, se você é contra a globalização, proteja sua família da volatilidade humana criando um fundo de reserva financeira. Se você vive perigosamente, contraindo dívidas com juros flutuantes ou nunca se aprimorando no trabalho, aumente a quantia que você "reserva" todo mês.

Até o termo "reservar" nos parece estranho. Não acredite nas previsões seguras publicadas por aí. Acredite somente que teremos crises de tempos em tempos e que, se você tiver zero de reservas, a crise o afetará 100%. Quanto mais reservas você tiver, menos a crise o afetará.

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Editora Abril, Revista Veja, edição 1906, ano 38, nº 21, 25 de maio de 2005, página 22

O problema da globalização é que o tempo está a

O ano de quatro meses

celerando cada vez mais. A globalização sempre existiu, desde o Império Romano, mas o que acelerou não foi a globalização, e sim a rapidez das mudanças. O ano, que era de doze meses, é hoje na prática de somente quatro. Por isso todo mundo anda sem tempo para respirar. Graças ao telefone, celular, internet, e-mails, conseguimos decidir, analisar, coordenar e

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implementar tudo muito mais rápido. Em 1973 levei seis meses para fazer a pesquisa bibliográfica inicial da minha tese de doutorado. Hoje eu faria a mesma pesquisa em doze horas, na internet. Na época, os livros que encomendei demoraram quatro meses para chegar do exterior. Hoje chegam em uma semana. Os Estados Unidos, uma economia já madura, voltaram a crescer 7% ao ano, deixando muitos analistas perplexos. Não há nada verdadeiramente de inusitado. Os americanos continuam a crescer seus modestos 2,1% ao ano de sempre, só que implantam seus novos investimentos em somente quatro meses, e não mais em doze, como antigamente. Nós, infelizmente, ainda levamos quatro anos para fazer o que deveríamos fazer em um. Nossas leis precisam de demoradas reformas constitucionais para mudar. Não é por coincidência que os maiores críticos da globalização são professores que continuam dando as mesmíssimas matérias nos mesmos doze meses de sempre. Reduzir um curso de quatro anos para três, cortando matérias desnecessárias, ensinar melhor e mais rápido sem encher as aulas com lengalenga, nem pensar. Os grandes opositores da globalização são os conservadores que, como sempre, preferem que o tempo pare, a seu favor. Ilustração Ale Setti

No fim do ano que vem estaremos figurativamente em 2007, não em 2004. Só que ainda estamos discutindo as reformas de 2003. Ninguém leu corretamente Darwin, que nunca falou da sobrevivência do mais forte. O que ele mostra é a sobrevivência do mais ágil, aquele que se adapta às mudanças inevitáveis do mundo com maior rapidez. São os lerdos que são comidos pelos tigres. Normalmente as vítimas são animais fortes que se tornaram velhos e lentos. Na selva capitalista não sobrevive o mais forte, como todo mundo acredita, e sim o mais rápido, que enxerga e responde com dinamismo. Não são aqueles que têm os melhores genes que sobrevivem, apesar de a maioria dos livros dizer justamente o contrário. São aqueles que se adaptam mais rapidamente, que mesmo com adaptações imperfeitas enfrentam o problema. Temos centenas de partes do corpo que são meros quebra-galhos, e não as melhores adaptações possíveis. Se você tem constantes dores nas costas, lembre-se de que a coluna não foi feita para que ficássemos em pé, e sim para andarmos de quatro. Uma das saídas dessa sinuca, no nível pessoal, não é necessariamente fazer mais em menos tempo, mas sim largar tarefas menos essenciais e se concentrar naquilo que realmente é importante. Isso significa largar funções que você continua a carregar por tradição, para manter poder ou por vaidade. Sem querer generalizar, todo ser humano tende a procurar mais poder do que consegue administrar. Delegar tarefas, funções e trabalho é visto como derrota, uma perda de poder, fatal para qualquer político, executivo ou chefe de departamento. Em vez de encarar a delegação como diminuição de status, encare-a como uma forma de se concentrar naquele nicho em que você realmente é mais competente, o que no fundo lhe trará muito mais poder. O segredo é fazer menos e melhor, algo que ainda não aprendemos. Eu também gostaria de que o tempo andasse mais lentamente, ou que o Primeiro Mundo tirasse nove meses de férias em vez de continuar trabalhando como louco, tirando nossos empregos.Por outro lado, essa aceleração do tempo significa que poderíamos estar resolvendo mais rapidamente inúmeros problemas brasileiros, em especial nossos problemas sociais. O fato de que o tempo acelerou pode ser parte da solução, não somente parte do problema. Portanto mexa-se, e feliz 2007 para todos.

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Revista Veja, Editora Abril, edição 1833, ano 36, nº 50 de 17 de dezembro de 2003

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A

Fazer o que se Gosta

escolha de uma profissão é o primeiro calvário de todo a dolescente. Muitos tios, pais e orientadores vocacionais acabam recomendando "fazer o que se gosta", um conselho confuso e equivocado.

Empresas pagam a profissionais para fazer o que a comunidade acha importante ser feito, não aquilo que os funcionários gostariam de fazer, que normalmente é jogar futebol, ler um livro ou tomar chope na praia.

Seria um mundo perfeito se as coisas que queremos fazer coincidissem exatamente com o que a sociedade acha importante ser feito. Mas, aí, quem tiraria o lixo, algo necessário, mas que ninguém quer fazer?

Muitos jovens sonham trabalhar no terceiro setor porque é o que gostariam de fazer. Toda semana recebo jovens que querem trabalhar em minha consultoria num projeto social. "Quero ajudar os outros, não quero participar desse capitalismo selvagem." Nesses casos, peço que deixem comigo os sapatos e as meias e voltem para conversar em uma semana.

É uma arrogância intelectual que se ensina nas universidades brasileiras e um insulto aos sapateiros e aos trabalhadores dizer que eles não ajudam os outros. A maioria das pessoas que ajudam os outros o faz de graça.

As coisas que realmente gosto de fazer, como jogar tênis, velejar e organizar o Prêmio Bem Eficiente, eu faço de graça. O "ócio criativo", o sonho brasileiro de receber um salário para "fazer o que se gosta", somente é alcançado por alguns professores felizardos de filosofia que podem ler o que gostam em tempo integral.

O que seria de nós se ninguém produzisse sapatos e meias, só porque alguns membros da sociedade só querem "fazer o que gostam"? Pediatras e obstetras atendem às 2 da manhã. Médicos e enfermeiras atendem aos sábados e domingos não porque gostam, mas porque isso tem de ser feito.

Empresas, hospitais, entidades beneficentes estão aí para fazer o que é preciso ser feito, aos sábados, domingos e feriados. Eu respeito muito mais os altruístas que fazem aquilo que tem de ser feito do que os egoístas que só querem "fazer o que gostam".

Então teremos de trabalhar em algo que odiamos, condenados a uma vida profissional chata e opressiva? Existe um final feliz. A saída para esse dilema é aprender a gostar do que você faz. E isso é mais fácil do que se pensa. Basta fazer seu trabalho com esmero, bem feito. Curta o prazer da excelência, o prazer estético da qualidade e da perfeição.

Aliás, isso não é um conselho simplesmente profissional, é um conselho de vida. Se algo vale a pena ser feito na vida, vale a pena ser bem feito. Viva com esse objetivo. Você poderá não ficar rico, mas será feliz. Provavelmente, nada lhe faltará, porque se paga melhor àqueles que fazem o trabalho bem feito do que àqueles que fazem o mínimo necessário.

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Se quiser procurar algo, descubra suas habilidades naturais, que permitirão que realize seu trabalho com distinção e o colocarão à frente dos demais. Muitos profissionais odeiam o que fazem porque não se prepararam adequadamente, não estudaram o suficiente, não sabem fazer aquilo que gostam, e aí odeiam o que fazem mal feito.

Sempre fui um perfeccionista. Fiz muitas coisas chatas na vida, mas sempre fiz questão de fazê-las bem feitas. Sou até criticado por isso, porque demoro demais, vivo brigando com quem é incompetente, reescrevo estes artigos umas quarenta vezes para o desespero de meus editores, sou superexigente comigo e com os outros.

Hoje, percebo que foi esse perfeccionismo que me permitiu sobreviver à chatice da vida, que me fez gostar das coisas chatas que tenho de fazer.

Se você não gosta de seu trabalho, tente fazê-lo bem feito. Seja o melhor em sua área, destaque-se pela precisão. Você será aplaudido, valorizado, procurado, e outras portas se abrirão. Começará a ser até criativo, inventando coisa nova, e isso é um raro prazer.

Faça seu trabalho mal feito e você odiará o que faz, odiando a sua empresa, seu patrão, seus colegas, seu país e a si mesmo.

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Editora Abril, Revista Veja, edição 1881, ano 37, nº 47, 24 de novembro de 2004, página 22

 

A melhor proposta para reduzir juros, de todos os candidatos que estão aí, é a de Feliciano Brasileiro, um candidato virtual. Feliciano promete baixar os juros para 5% ao ano sem queda-de-braço com os bancos, sem alongar a dívida para doze anos, sem aumentar o câmbio para 3,2 reais o dólar e sem decretar moratória da

dívida interna.

Juros em 5% ao ano

Como a inflação corrói nossas aplicações, todo investidor quer receber um juro acima da inflação. Por isso, essa taxa básica de 18,5% não são juros, apesar de economistas jurarem o contrário. "São a soma de juros mais inflação, só que ninguém fica sabendo quanto é juro e quanto é inflação." Ambos vêm somados, e por isso Feliciano chama essa taxa de "PerasComMaçãs". "No Brasil ninguém sabe ao certo qual a taxa de juros que o governo irá pagar. Você compraria títulos sem saber os juros que irá receber?" Claro que não, afirma Feliciano, o que somente aumenta a taxa de risco do aplicador.

Para saber a taxa de juros, o aplicador precisa contratar um economista de renome para fazer uma estimativa da inflação, para então deduzi-la da taxa "PerasComMaçãs". "Quando seu economista contratado estimar a inflação entre 5%

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e 7%, qual das duas estimativas você escolhe?", pergunta Feliciano. Essa incerteza de imediato aumenta os juros em 2 pontos porcentuais.

E, se você é um daqueles que não acreditam nas estimativas de nossos melhores economistas, provavelmente você embutirá 3 ou até 4 pontos porcentuais para compensar o risco de erro de estimativa. "Por que pagar por essa incerteza desnecessária?"

A proposta de Feliciano é emitir títulos públicos que estabeleçam os juros reais antecipadamente, de forma clara, sem previsões nem surpresas, como era a caderneta de poupança antigamente. Se o juro de mercado for de 6%, este será o juro que os títulos irão pagar. Ninguém terá de contratar economistas para estimar a inflação futura e saber o juro que irá receber.

Pequenos investidores que não têm economistas a sua disposição precisam acreditar nas "metas inflacionárias" do governo, que nem sempre são cumpridas. A política de metas inflacionárias não diminui as incertezas, diz Feliciano, pelo contrário, as aumenta. "O governo tem de garantir os juros, não a meta de inflação", afirma o candidato virtual.

A constatação mais surpreendente de Feliciano é que o governo não acabou com a correção e a indexação, o que é considerado o grande feito deste governo. "A indexação continua", diz Feliciano, "só que agora corrige os juros embutindo a inflação, antes se corrigia somente o valor da aplicação. Indexaram os juros, e deixam a inflação corroer sua aplicação, o que não faz o menor sentido."

Segundo Feliciano a "correção monetária" não foi eliminada, simplesmente trocaram a base da inclusão da inflação, e para pior. Indexar os juros aumenta-os em níveis estratosféricos, enquanto indexar a dívida, como era feito antigamente, mantém o juro baixo e garante que o investidor receba exatamente o que aplicou.

A segunda medida de Feliciano será eliminar o imposto de renda de 20% que incide sobre os juros pagos. "Só isso reduziria os juros em mais de 20% e o maior beneficiado seria o próprio governo federal, que é quem mais deve por aí."

Feliciano está introduzindo o conceito do "Municipal Bond" americano, que já existe em outros países. "Municipal Bonds" são títulos emitidos por cidades americanas, isentos de imposto de renda e que, portanto, pagam juros bem menores. Prefeitos americanos que não são arrecadadores do imposto de renda não precisam implorar benesses ao governo federal e depender politicamente, como ocorre no Brasil. Seria a salvação de prefeituras endividadas.

Eliminado o risco de incerteza da inflação e de não saber o juro real a ser auferido, colocando-se a inflação no lugar certo e sem imposto, os juros de fato poderão cair para 5%, como propõe Feliciano. Só falta um candidato de carne e osso para transformar essa idéia virtual em realidade.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br) 

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1760, ano 35, nº 28, 17 de julho de 2002.

Nossos filhos terão emprego?

A grande maioria das mães de adolescentes e pré-adolescentes se preocupam, com razão, com as perspectivas de emprego dos seus filhos e filhas.As notícias sobre o fim do emprego, terceirização,

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globalização, níveis de desemprego são alarmantes para quem pretende iniciar uma carreira daqui há alguns poucos anos.

Quais são os fatos concretos?

1. As 500 maiores empresas brasileiras não acrescentaram um único emprego novo nos últimos 10 anos. Pelo contrário, retiraram do mercado 400.000 postos de trabalho, passando a empregar somente 1.600.000 funcionários, o que representa um insignificante 2,3% dos trabalhadores brasileiros.

2. A globalização está dizimando não somente empresas brasileiras, mas setores inteiros.

3. O crescimento das importações não gera apenas um problemático déficit comercial, mas cria empregos no exterior em detrimento do emprego interno.

Existem algumas considerações que amenizam este quadro, sem querer dar uma impressão de um mar de rosas. Dificuldades os jovens terão, mas os argumentos abaixo serão úteis quando o pânico empregatício surgir novamente.

1. O crescimento das importações não durará para sempre neste nível, e nunca chegará a 90% do PIB, desempregando todo mundo, como uma simples extrapolação poderia sugerir. Provavelmente estabilizaremos em torno de 15% as importações, como na Índia e EUA. Oitenta e cinco porcento do PIB será feito por brasileiros para brasileiros.

2. O grande gerador de emprego, no mundo inteiro não é a grande empresa, e sim a pequena e média. Quem emprega 97,3% da força de trabalho hoje em dia é a pequena e média empresa, bastante esquecidas ultimamente nas prioridades econômicas do governo.

O governo FHC tem priorizado as grandes empresas, seja nas grandes privatizações, na busca de grandes investidores internacionais e nas grandes reformas. A pequena e média empresa mal figuram no discurso presidencial, uma importante razão desse aumento do desemprego. Mais dia menos dia, alguém irá alertar FHC que não é simplesmente abaixando os juros que irá fomentar os empregos que precisamos.

3. Mas o principal argumento para acalmar mães aflitas é que o povo brasileiro ainda não consome seu primeiro e segundo televisor, como ocorre no primeiro mundo, nem seu quinto par de sapatos ou sua viagem a Fortaleza. Enquanto estes desejos existirem, nossos filhos terão oportunidades incríveis para produzir os itens necessários para satisfazê-los.

O mercado brasileiro é incrível em termos de potencial, e nosso problema hoje é exclusivamente de produção, não de mercado nem econômico.

Preocupadas deveriam estar as mães alemãs, suíças e francesas, porque nesses países eles já têm 5 pares de sapatos , três televisores em cada casa, um mercado saturado. Nenhum europeu vai querer dois televisores em cada quarto, nem 10 pares de sapato, pois não são a Imelda Marcos. Na Europa não há mais emprego porque o consumismo europeu está chegando à saturação.

4. Se seu filho e sua filha souberem adquirir competência e conhecimentos práticos que sejam demandados por este novo mercado emergente, não terão dificuldades.

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Quem não estiver minimamente preocupado com seu futuro profissional, ou freqüentando uma escola mais preocupada em ensinar o que era importante no passado do que o que será importante no futuro, vai ficar sem o que fazer.

Não querendo deixar a impressão de que tudo será fácil, nem de que estamos no caminho certo, quem decifrar o seguinte enigma não terá de se preocupar: no futuro faltarão empregos, mas não faltará trabalho.

Publicado na Revista Veja edição 1539  de 25 de março de 1998

O Fim da Incompetência Casar com a filha do dono da empresa, arrumar emprego público, ter padrinho político ou obedecer piamente às ordens do chefe eram, em linhas gerais, os caminhos para o sucesso no Brasil. QI era sinônimo de "quem indica".

Ter mestrado no exterior, falar cinco idiomas, desenvolver nova tecnologia, caminhos certos para o sucesso no Primeiro Mundo, em nada adiantavam. As empresas brasileiras mamando nas tetas do governo, com créditos subsidiados, numa economia protegida, eram obviamente super-rentáveis, mesmo sem muita sofisticação administrativa. Até um perfeito imbecil tocava uma empresa brasileira naquelas condições, fato que irritava sobremaneira a esquerda e os acadêmicos, que na época dirigiam a economia. Está aí uma das razões menos percebidas da onda de estatização a que assistimos no Brasil.

Contratar pessoas competentes, além de não ser necessário, era desperdício de dinheiro. Num país em que se vendiam carroças a preço de carro importado, engenheiros especializados em airbags morriam de fome. Competência num ambiente daqueles não tinha razão para ser valorizada. Os jovens naquela época não viam necessidade de adquirir conhecimentos, só precisavam passar de ano. Alunos desmotivados geraram professores desmotivados, instalando um perverso círculo vicioso que tomou conta das nossas escolas.

Tudo isso, felizmente, já está mudando. Empresários incompetentes estão quebrando ou vendendo o que sobrou de suas empresas para multinacionais. Por muitos anos, quem no Brasil tivesse um olho era rei. Daqui para a frente, serão necessários dois olhos, e bem abertos. Sai o sábio e erudito sobre o passado e entra o perspicaz previsor do futuro. Sai o improvisador e o esperto, entra o conhecedor do assunto. 

A regra básica daqui para a frente é a competência. Competênciaprofissional, experiência prática e não teórica, habilidades de todos os tipos. De agora em diante, seu sucesso será garantido não por quem o conhece, mas por quem confia em você. Estamos entrando numa nova era no Brasil, a era da meritocracia. Aqueles bônus milionários que um famoso banco de São Paulo vive distribuindo não são para os filhos do dono, mas para os funcionários que demonstraram mérito. 

Felizmente, para os jovens que querem subir na vida, o mérito será remunerado, e não desprezado. Já se foi a época em que o melhor aluno da classe era

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ridicularizado e chamado de CDF. Se seu filho de classe média não está levando o 1º e o 2º grau a sério, ele será rudemente surpreendido pelos filhos de classes mais pobres, que estão estudando como nunca. As classes de baixa renda foram as primeiras a perceber que a era do status quo acabou. Hoje, até filho de rico precisa estudar, e muito.

Vinte anos atrás, eram poucas as empresas brasileiras que tinham programas de recrutamento nas faculdades. Hoje, as empresas possuem ativos programas de recrutamento nas faculdades, não somente aqui, mas também no exterior. Os 200 brasileiros que estão atualmente cursando mestrado em administração lá fora estão sendo disputados a peso de ouro.

Infelizmente, os milhares de jovens competentes de gerações passadas acabaram não desenvolvendo e tiveram seu talento tolhido pelas circunstâncias. Talvez eles não tenham mais pique para desfrutar essa nova era, e na minha opinião essa é a razão da profunda insatisfação atual da velha classe média. Mas, os jovens de hoje, especialmente aqueles que desenvolveram um talento, os estudiosos e competentes, poderão finalmente dormir tranqüilos. Não terão mais de casar com a filha do dono, arrumar um padrinho, aceitar desaforo de um patrão imbecil.

O talento voltou a ser valorizado e remunerado no Brasil como é mundo afora. Talvez ainda mais assustador é reconhecer que o Brasil não será mais dividido entre ricos e pobres, mas sim entre competentes e incompetentes. Os incompetentes que se cuidem.

Publicado na Revista Veja edição 1536 ano 31 nº 9 de 4 de março de 1998

O Fim das Pequenas Empresas

Hoje em dia as grandes empresas desempregam mais do que contratam. São as pequenas e médias que geram emprego, aqui e mundo afora. Mas, em vez de fortalecer a pequena empresa, quase todos os governos do Brasil a ignoram ou a enfraquecem.

As pequenas e médias empresas são tipicamente dirigidas pela classe média alta, em torno de 10% da população brasileira. Se cada membro da classe média empregasse dez funcionários, não teríamos desemprego neste país. Teríamos 100% da população empregada, por definição. Hoje, com os inúmeros cursos disponíveis de administração, gerenciar uma empresa com dez pessoas não é coisa do outro mundo. O difícil é abrir e manter uma pequena ou média empresa no Brasil. A maioria das leis, voltadas para conter a grande empresa, acaba contendo a pequena e a média.

Entre no Google e pesquise os assuntos mais tratados pelos nossos economistas e governantes - os temas mais freqüentes são juros, inflação e câmbio. "Pequenas e médias empresas" raramente fazem parte do temário de discussão. Ajudar a pequena e a média empresa a crescer, nem pensar.

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Estamos assistindo a uma sistemática destruição desse setor no Brasil, de roldão, de nossa classe média. Os ricos com suas grandes empresas já não criam mais empregos e os pobres não têm como gerá-los. Denegrir e dizimar a classe média por seus "valores pequeno-burgueses" pode ser uma grande vitória política, mas será um enorme suicídio econômico.

De vinte anos para cá, além de aumentarem os impostos, reduziram os prazos de pagamento desses impostos de 120 para quinze dias. Hoje, as empresas precisam pagar 40% de sua receita ao governo antes de receber de seus clientes. O capital de giro dessas empresas sumiu; em vez de financiar a produção, financia o governo.

Não é a economia informal que está crescendo, é a economia formal e a classe média que vêm sendo destruídas, e rapidamente. Estudo realizado pelo Sebrae, e apresentado por Alencar Burti, estima que 31% das pequenas empresas quebrarão até 2005. Ou seja, não somente não irão empregar ninguém como vão desempregar aqueles que já têm emprego.

Não é exatamente uma previsão fora de propósito, porque a grande maioria dessas empresas não obtém lucro há mais de três anos, e 90% delas não possuem mais capital, muito menos capital de giro. Se levarmos em conta os encargos fiscais em atraso, os Refis, os processos trabalhistas a pagar, a maioria está com patrimônio negativo, ou seja, encontra-se literalmente quebrada. Muitas não fecham imediatamente porque não podem pagar os elevados custos da demissão dos funcionários. Vão levando, na esperança de que as coisas melhorem. A maioria dos pequenos e médios empresários nem pensa mais em crescer, mas em vender suas empresas assim que a economia melhorar.

Até recentemente, as empresas médias sobreviviam sonegando um ou outro dos 46 impostos a pagar. Sonegavam o suficiente para se manter vivas. Hoje não dá mais para sonegar. Ou se sonega tudo, devido ao excelente controle e amarrações entre os órgãos arrecadadores, ou não se sonega nada. Como sonegar todos os impostos dá cadeia, e não sonegar nenhum significa falência em alguns anos, a saída é fechar a empresa assim que for possível.

Ainda segundo estimativas de Burti, 59% das pequenas e médias empresas fecharão as portas em 2009. Essas estatísticas não são exageradas. O número de insolvências nesse segmento sempre foi elevado, só que antigamente cinco novas empresas eram criadas para cada quatro que quebravam.

Hoje não. Não vejo mais aquela vontade de ser empresário e empreendedor no Brasil, muito pelo contrário. Entre abrir uma pequena empresa e arrumar um emprego público, os filhos da classe média estão preferindo a opção mais segura. E eles têm razão.

Quando baixarem os juros dos empréstimos, nossos intelectuais vão descobrir que não haverá mais classe média para tomá-los, não haverá administrador de empresas querendo administrá-los, não haverá engenheiro querendo empregá-los.

Em sua opinião, quem tem mais condições de gerar os empregos de que este país necessita? Nossos intelectuais, nossos economistas, nosso governo ou nossa classe média? É uma interessante questão para ser discutida ao longo desta semana.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1845, ano 37, nº 11, 17 de março de 2004

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O fim dos paraísos fiscais

Achar um terrorista fugitivo é como encontrar uma agulha no palheiro, e inútil. Osama bin Laden venceu, conseguiu a fama que queria. Teve mais espaço na imprensa do que Pelé em toda sua vida. A verdadeira guerra será agora contra os paraísos fiscais, que abrigam as fontes de financiamento de muito futuro terrorista.

O grande perigo do futuro são os militantes e suas organizações não governamentais piratas. Piratas não têm países, tecnologia nem armas sofisticadas. Os terroristas de Nova York não tinham nem mísseis, somente pilotos suicidas, que piratearam aviões americanos. 

Achar uma leva de malucos que pode estar neste momento morando em Boston, no Rio Grande do Sul, no Paraguai ou na casa ao lado, é um problema novo.

O próximo ataque poderá ser em uma usina nuclear de Nova York ou Paris, e aí os mortos serão milhões. Um terrorista bacteriológico poderá matar 80 milhões e acabar com o Brasil, por engano. Prevenir essa ameaça não é somente um problema americano, como alguns têm afirmado. É também um problema brasileiro.

Paraísos fiscais não têm leis rigorosas nem fiscalização internacional, e dão guarida a traficantes, terroristas, políticos corruptos e dinheiro frio. Não me surpreenderia se nos próximos quatro anos, quarenta "países" desaparecessem. "Países" como Jersey, Bahamas, Ilhas virgens Britânicas, Cayman, Nauru e alguns até maiores. Muitos virarão estados de seu país de origem.

O cerco já vinha sendo feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que criou o Financial Action Task Force, da qual participa o Brasil (veja o site www.oecd.org/fatf/). O Ministério da Fazenda está cooperando intensamente através do Controle de Atividades Financeiras (COAF), www.fazenda.gov.br/coaf/. Vão dizer que estou exagerando. Por isso verifique por si mesmo. Os Estados Unidos que se colocavam contra esta iniciativa brasileira porque no fundo recebiam boa parte do dinheiro destes paraísos, rapidamente mudaram de idéia.

Ironicamente, a luta de Laden contra o "Grande Satã" trará o início da maior das globalizações, a globalização das leis, começando com as leis e a fiscalização financeira. Nem precisamos ir muito longe: as normas contábeis já são globais.

Perderemos algumas liberdades individuais, como o sigilo nas ligações internacionais e o sigilo bancário internacional. Haverá pressão para todos adotarem leis comuns, provavelmente acordadas pelo G-7.

Acabou a brincadeira de os pequenos países terem leis próprias. Se seu dinheiro estiver numa dessas ilhas, prepare-se para pagar imposto de renda da Inglaterra ou Holanda e ter uma cópia enviada para o Everardo Maciel. A multa para dinheiro frio é de 100%.

No artigo "Dólares na Suíça, filhos aqui", em VEJA de 7 de abril de 1999, eu alertava os brasileiros a trazer seu dinheiro frio de volta nos dez anos seguintes. Há quem diga que esse prazo encurtou para um ano. Ninguém mais terá coragem de comprar dólares frios vindos de paraísos fiscais. Quem os tiver terá de vendê-los para um traficante, em praça pública. Banqueiros que operam nessa área me informam que grandes aplicadores já estão trazendo e legalizando o dinheiro correndo, a ponto de o dólar no mercado paralelo estar próximo do oficial, em plena

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crise mundial. Dinheiro lá fora só em país industrial, de preferência o seu, pagando os impostos e legalizado na declaração de bens.

Os 300.000 brasileiros que têm dinheiro frio lá fora temem o risco Brasil, mas não sabem o risco que estão correndo agora. Nem o preço que pagam, receber 0,5% de juro real por ano, em vez de 10%, ou 20% dependendo da aplicação. Basta que 20 dos 80 bilhões voltem para que essa bolsa, em dólares, triplique. Risco por risco, o Brasil é agora o lugar mais seguro.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1720, ano 34, nº39, 3 de Outubro de 2001.

O Partido e o Candidato

Às vésperas das eleições para a prefeitura, a maioria dos brasileiros ainda está na dúvida em quem votar. No mais honesto ou naquele que fala melhor? No melhor administrador, com melhor formação em administração, ou naquele que nem jogar SimCity - o jogo eletrônico que simula a administração de uma cidade - sabe?

A maioria das cartilhas da Internet que ensinam a votar dá ênfase ao candidato, e não ao partido: "Analise seu passado", "avalie suas propostas". Por isso nossos partidos são fracos e nossos políticos infiéis.

Escolher um partido requer outros critérios de escolha. No mínimo alguns conhecimentos de teoria política, que resumidamente irei simplificar, abordando uma única questão. Uma questão básica, que todo cidadão precisa resolver. Uma questão para a qual, adianto, não existe resposta feita, nem comprovação científica clara, e por isso acaba sendo uma pergunta ideológica, de fé.

A pergunta crucial é esta: quem, na sua opinião, decide melhor, o Estado ou o indivíduo? Quem escolhe melhor nossos médicos, os professores de nossos filhos, as ações a comprar com nosso FGTS, quem aplica melhor o nosso INSS para a aposentadoria?

Se você acha que o Estado decide melhor, então eleja um partido com gente competente, inteligente e honesta que irá decidir e gastar seu dinheiro por você. Pague seus impostos e não reclame. E quando um idiota tomar o poder, algo que às vezes acontece, espere quatro anos e tente novamente.

Se você acha que o indivíduo decide melhor, então escolha um partido que luta por Estados pequenos, por programas de governo enxutos, que decidam cada vez menos, permitindo ao indivíduo decidir cada vez mais.

Com exceção dos anarquistas, todos os partidos políticos acreditam que em algumas questões o Estado decide melhor. Até neoliberal convicto acredita que Justiça e segurança ficam melhor na mão do Estado. Na maioria dos países os partidos acabaram convergindo para somente dois: o que acredita mais no Estado e o que acredita mais nos indivíduos.

Somos um país onde se acredita mais no Estado em inúmeras áreas de atuação, como saúde, educação, previdência, bancos estatais, petróleo e crédito imobiliário. Recentemente, o Estado decidiu que poderíamos, excepcionalmente, comprar

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ações com nosso FGTS, mas somente as da Petrobrás, e muitos compraram a R$40,00 o que poderiam ter comprado no ano passado por R$16,00.

Por que o leitor de Veja não pode aplicar os 32% de seu salário que são depositados no INSS todo mês para sua própria aposentadoria? Porque quase todos os partidos políticos acreditam, nesta questão particular, que o Estado decide melhor como aplicar nosso dinheiro. Não somente todo este dinheiro sumiu como o rombo anual equivale a mais 32% de nossos salários, ou seja, total de 64%.

Um dos grandes problemas da democracia é que as pessoas que se candidatam a um cargo eletivo tendem a ser justamente as que acreditam que o Estado decide melhor. Quem não acredita nisto simplesmente não se candidata: vai fazer o quê num governo que acha que quem deve decidir são os indivíduos?

Este fato da sociologia política gera inexoravelmente um Estado cada vez maior, com impostos cada vez maiores e promessas eleitoreiras cada vez mais espetaculares.

Portanto, simplifique a sua escolha de candidatos elegendo primeiro o partido que mais se aproxima de suas convicções sobre como devemos ser governados, seja fiel a elas e exija que o candidato também o seja.

Publicado na Revista VEJA edição 1668 Ano 33 nº39 de 27 de setembro de 2000

O Perigo dos "7 Sigma"

Sempre haverá pessoas malucas no mundo. E para cada 1.000 pessoas malucas haverá uma pessoa supermaluca, um "6 Sigma"*. E entre cada 1.000 dessas haverá uma mais maluca ainda, gente a quem vou chamar de "7 Sigma". Pessoas inteligentíssimas e competentes, mas que estão longe do padrão normal.

Na Idade Média, um desses malucos, de mal com a vida e o mundo, poderia sair matando uns vinte inocentes no mercado principal, até que os cavaleiros do rei lhe cortassem a cabeça. Nos anos 80, um terrorista matava 200 com uma bomba numa estação de trem.

Hoje, graças ao avanço da tecnologia, um maluco pode seqüestrar um avião e matar 2.000 pessoas. Daqui a alguns anos, correremos o enorme risco de um "7 Sigma" modificar um vírus da gripe e misturá-lo com o vírus da Aids, e então veremos 80% da população mundial e brasileira ser dizimada, se não percebermos esse novo problema que nos assola. A luta contra esse terror não é exclusivamente americana, como muitos estão comodamente achando. Um vírus aéreo da Aids lançado em Nova York em dois meses estaria sendo respirado em Brasília.

Como identificar um "7 Sigma" antes que ele faça um estrago grave é um problema sério que o mundo poderá enfrentar nos próximos cinqüenta anos. É um problema policial-sociológico-jurídico-político absolutamente novo e exigirá soluções muito impopulares.

Por exemplo, como identificar essa gente maluca com nossos valores de privacidade, sigilo e liberdade? Como identificar os "7 Sigma" sem impor um Estado

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policial, numa cultura que abomina o "dedo-duro"? Como prendê-los sem muitas provas de suas malucas futuras intenções? Como condená-los à prisão se ainda não cometeram o monstruoso crime?

Depois do 11 de setembro, esse perigo ficou mais claro para o mundo, mas o governo americano mudou de enfoque e demarcou países como o Iraque e a Coréia como perigosos, e não os futuros "7 Sigma" espalhados por aí. Em minha modesta opinião, isso é um erro. Saddam e seus filhos queriam poder e dinheiro. Quem quer dinheiro e poder avalia seus limites. Bin Laden e seus suicidas queriam vingança, e isso sim é um perigo assustador. Vingança a qualquer preço, para si e para os outros, e quem está disposto ao suicídio já ultrapassou qualquer limite de razoabilidade.

Como também queria vingança o criador do vírus Sobig.F, que chegou a contaminar um em cada dezesseis e-mails, e preparava um enorme ataque ao site da Microsoft, destruindo e-mails de médicos a seus pacientes, pedidos de remédios e chats de apoio psicológico, entre outras coisas.

Um segundo erro da doutrina Bush é que ela quer implantar democracias liberais no resto do mundo como solução. Mas democracias liberais são justamente aquelas que não acreditam em um Estado que controle a população, e sim numa população que controle um Estado. Justamente o contrário do que precisamos para proteger a nação de um "7 Sigma".

Os Estados Unidos já implantaram redes neurais que supervisionam movimentos de pessoas, de cheques e sinais estranhos na população. Mas quem vai supervisionar o mundo? Os americanos, a ONU, cada país por si ou a polícia montada canadense? É uma bela encrenca a ser resolvida.

No fundo, o que ocorre é que o mundo está avançando em termos de tecnologia muito mais rapidamente do que em termos de psicologia, sociologia e política. Um único indivíduo instruído com um bom laboratório nos fins de semana tem acesso a tecnologia de destruição capaz de dizimar o mundo. Talvez o risco dos "7 Sigma" não seja tão grande quanto estou supondo, e vão me criticar por alarmismo. Eu também prefiro achar que não vai acontecer nada, mas e se der zebra e não estivermos preparados?

Vão dizer que o ser humano no fundo é bonzinho e não faria mal a ninguém. Esquecem que todo dia hospitais, indústrias de remédios, médicos e dentistas perdem arquivos valiosos por causa de 7.000 vírus que andam rodando por aí, plantados no sistema por alguém, sem alvo definido, sem medir conseqüências. Eu sinceramente preferiria discutir um pouco mais essa questão em vez de ignorá-la como estamos fazendo.

* Sigma é uma medida estatística de desvio da normalidade. Quanto mais Sigma, mais anormal. Estima-se que existam mais de 650.000 pessoas "6 Sigma" no mundo e 1.650 pessoas "7 Sigma". O drama é que não se sabe quem são.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1820, ano 36, nº 37 de 17 de setembro de 2003, página 22

O Professor de Bill Gates

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Esta estória é meio lenda meio fato, mas merece ser contada como se fosse real.

Quando Bill Gates estudava em Harvard, ele tinha um professor de matemática fantástico e muito exigente. Tanto isso é verdade que Bill Gates se classificou em 18º lugar num teste nacional de matemática. Esse professor dava uma prova final dificílima e poucos alunos conseguiam acertar todas as questões.

"Se alguém conseguir acertar completamente esta prova, eu renunciarei ao meu cargo de Professor de matemática e trabalharei para ele", dizia o professor no início da prova, com total seriedade.

Em inglês esta frase soa bem mais forte, tipo "eu serei seu subordinado para sempre", uma forma simpática de dizer que se aceita a derrota e que finalmente se encontrou alguém superior.

Bill Gates foi o aluno que mais próximo chegou de encontrar todas as soluções, tendo errado uma questão, somente no finalzinho da dedução.

Passados vinte anos, se alguém for para Boston poderá encontrar o tal professor batendo a cabeça na parede de Harvard Square, balbuciando : "Por que eu fui tão rígido? Por que que eu fui tão rígido?’’

Tivesse sido menos rigoroso, o agora anônimo professor seria hoje, provavelmente, o segundo homem mais rico do mundo.

O interessante dessa estória é o fato de que alunos de Harvard ouvem de seus professores o seguinte conselho: "Se um dia você encontrar alguém, um colega ou um subordinado, mais competente que você, faça dele o seu chefe, e suba na vida com ele".

No Brasil, um colega de trabalho que comece a despontar é imediatamente tachado de picareta, enganador e puxa-saco. Em vez de fazê-lo chefe, começa um lento e certeiro boicote ao talento. Nossa mania de boicotar chefes lembra a mentalidade do "Se hay gobierno soy contra". Nestas condições, equipes dificilmente conseguem ser formadas no Brasil, e temos um excesso de prima-donas, donos da verdade sem nenhuma equipe para colocar as idéias em prática.

Se não aprendermos a escolher os nossos chefes imediatos, como iremos escolher deputados, governadores e presidentes da República ?

Milhares de jovens acreditam ingenuamente que, apesar de ter cabulado a maioria das aulas, quando adultos contratarão pessoas inteligentes que suprirão o que não aprenderem. Ledo engano, pessoas inteligentes são as primeiras a procurar parceiros competentes para trabalhar.

Melhor do que procurar as melhores empresas para trabalhar é procurar os melhores chefes e trocar de emprego quantas vezes seu chefe trocar o dele. Como fizeram as dezenas de programadores que decidiram trabalhar para a Microsoft, na época em que ela era dirigida por um fedelho de 19 anos e totalmente desconhecido.

Achar um bom chefe não é fácil. Temos muito mais informações sobre empresas do que sobre pessoas com capacidade de liderança.

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Mas, na próxima vez que encontrar um amigo para saber se o emprego dele paga bem, pergunte quem são os bons chefes e líderes da empresa em que ele trabalha,

É muito melhor promover um subordinado a seu chefe se ele for claramente mais competente do que você, do que ficar atravancando a carreira dele e a sua.

Subordinar-se a um chefe competente não é sinal de submissão nem de servilismo, mas uma das melhores coisas que você poderá fazer para sua carreira. Embora ser o número 1 de uma organização seja o sonho de muitos jovens, a realidade é que 95% de sua carreira será desenrolada como o número 2 de algum cargo.

A pior decisão na vida do professor de Bill Gates foi a de não seguir o seu próprio conselho. Portanto fique de olho nos seus colegas de trabalho e faculdade que parecem ser brilhantes e tente trabalhar com eles no futuro. Eles poderão ser o caminho para o seu sucesso.

Publicado na Revista Veja de 24 de junho de 1998

Observar e Pensar

O primeiro passo para aprender a pensar, curiosamente, é aprender a observar. Só que isso, infelizmente, não é ensinado. Hoje nossos alunos são proibidos de observar o mundo, trancafiados que ficam numa sala de aula, estrategicamente colocada bem longe do dia-a-dia e da realidade. Nossas escolas nos obrigam a estudar mais os livros de antigamente do que a realidade que nos cerca. Observar, para muitos professores, significa ler o que os grandes intelectuais do passado observaram – gente como Rousseau, Platão ou Keynes. Só que esses grandes pensadores seriam os primeiros a dizer "esqueçam tudo o que escrevi", se estivessem vivos. Na época não existia internet nem computadores, o mundo era totalmente diferente. Eles ficariam chocados se soubessem que nossos alunos são impedidos de observar o mundo que os cerca e obrigados a ler teoria escrita 200 ou 2.000 anos atrás – o que leva os jovens de hoje a se sentir alienados, confusos e sem respostas coerentes para explicar a realidade.

Não que eu seja contra livros, muito pelo contrário. Sou a favor de observar primeiro, ler depois. Os livros, se forem bons, confirmarão o que você já suspeitava. Ou porão tudo em ordem, de forma esclarecedora. Existem livros antigos maravilhosos, com fatos que não podem ser esquecidos, mas precisam ser dosados com o aprendizado da observação.

Ensinar a observar deveria ser a tarefa número 1 da educação. Quase metade das grandes descobertas científicas surgiu não da lógica, do raciocínio ou do uso de teoria, mas da simples observação, auxiliada talvez por novos instrumentos, como o telescópio, o microscópio, o tomógrafo, ou pelo uso de novos algoritmos matemáticos. Se você tem dificuldade de raciocínio, talvez seja porque não aprendeu a observar direito, e seu problema nada tem a ver com sua cabeça.

Ensinar a observar não é fácil. Primeiro você precisa eliminar os preconceitos, ou pré-conceitos, que são a carga de atitudes e visões incorretas que alguns nos ensinam e nos impedem de enxergar o verdadeiro mundo. Há tanta coisa que é

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escrita hoje simplesmente para defender os interesses do autor ou grupo que dissemina essa idéia, o que é assustador. Se você quer ter uma visão independente, aprenda correndo a observar você mesmo. 

Sou formado em contabilidade e administração. A contabilidade me ensinou a observar primeiro e opinar (muito) depois. Ensinou-me o rigor da observação, da necessidade de dados corretamente contabilizados, e também a medir resultados, a recusar achismos e opiniões pessoais. Aprendi ainda estatística e probabilidade, o método científico de chegar a conclusões, e finalmente que nunca teremos certeza de nada. Mas aprendi muito tarde, tudo isso me deveria ter sido ensinado bem antes da faculdade. 

Se eu fosse ministro da Educação, criaria um curso obrigatório de técnicas de observação, quanto mais cedo na escala educacional, melhor. Incentivaria os alunos a estudar menos e a observar mais, e de forma correta. Um curso que apresentasse várias técnicas e treinasse os alunos a observar o mundo de diversas formas. O curso teria diariamente exercícios de observação, como: 

1. Pegue uma cadeira de rodas, vá à escola com ela por uma semana e sinta como é a vida de um deficiente físico no Brasil.

2. Coloque uma venda nos olhos e vivencie o mundo como os cegos o vivenciam.

3. Escolha um vereador qualquer e observe o que ele faz ao longo de uma semana de trabalho. Observe quanto ele ganha por tudo o que faz ou não faz. 

Quantas vezes não participamos de uma reunião e alguém diz "vamos parar de discutir", no sentido de pensar e tentar "ver" o problema de outro ângulo? Quantas vezes a gente simplesmente não "enxerga" a questão? Se você realmente quiser ter idéias novas, ser criativo, ser inovador e ter uma opinião independente, aprimore primeiro os seus sentidos. Você estará no caminho certo para começar a pensar. 

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1865, ano 37, nº 31, 4 de agosto de 2004, página 18

Os grandes fundos de pensão

Em novembro de 2001, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o economista Guido Mantega se reuniram com alguns administradores financeiros e executivos para discutir o futuro. Algumas de nossas preocupações eram as declarações de Lula nas eleições de 1994 e 1998, o plebiscito da dívida externa, o "Fora o FMI", as bandeiras vermelhas, e que, numa iminente vitória, o risco Brasil, o dólar e os juros iriam às nuvens, gerando ainda mais desemprego. O que de fato aconteceu.

Apesar do discurso mais ameno, havia entre os bancos estrangeiros e brasileiros a lembrança da moratória de 1987. O ministro da Fazenda da época se esquecera de uma das leis mais elementares de administração financeira: banqueiros não são os donos do dinheiro, são meros intermediários.

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Por isso, nunca aceitaram soluções como a de Mário Henrique Simonsen que limitava o pagamento dos juros a 30% do valor de nossas exportações.

Pergunte a Mrs. Jones, a velhinha de Nova York que aplica 50.000 dólares no Citibank, se ela está disposta a receber juros proporcionais a 30% das exportações brasileiras. Propostas ingênuas e administrativamente inviáveis.

Por isso, moratórias devem ser sempre feitas em surdina, para não assustar as velhinhas. Mas, contrariando o bom senso, o Brasil decretou moratória em praça pública, todas as velhinhas do mundo ficaram sabendo e começaram a sacar seu dinheiro aplicado nos bancos que haviam acreditado no Brasil. Bancos americanos até criaram anúncios na época que diziam: "Não temos um centavo investido em países como o Brasil", para acalmar os correntistas preocupados. Mas, antes de publicarem esses anúncios, venderam correndo nossos títulos com enorme deságio, para não perder a clientela, deságio que perdura até hoje e nos custa caro.

Em 1987, trabalhávamos no governo, adotando uma política de não confrontar os bancos como fizeram, mas buscando recursos nos fundos de pensão dos funcionários de empresas como GM e IBM, que tinham subsidiárias no Brasil.

Nossa pequena equipe oferecia um título inovador que garantia um juro real predeterminado de 3,5% ao ano e protegia da inflação americana, algo que queriam mas não tinham quem lhes oferecesse. Fundos como o da IBM e mais de 1.000 outros identificados pela Towers Perrin, a maior consultoria de fundos de pensão dos Estados Unidos, adoraram a idéia, mas a moratória acabou com todo o nosso esforço. Nunca mais trabalho para o governo.

Nossa idéia acabou sendo adotada não pelo Brasil, mas, para minha grande tristeza, pelo governo americano, que percebeu seu potencial. O "nosso" título é vendido em mais de 300 sites nos Estados Unidos. Vide os TIPS – Inflation Protected Securities.

Dinheiro barato e de longo prazo está nos fundos de pensão e não precisamos de banqueiros para nos intermediar com a IBM, talvez com a Mrs. Jones. Nossa equipe tinha trânsito livre nessas empresas, devido aos enormes interesses que elas possuíam no Brasil.

Propusemos levar Lula e sua equipe a dois fundos de pensão americanos: o Teachers Union, de Nova York, e o Fundo de Pensão dos Funcionários Públicos da Califórnia. Os dois são multibilionários e administrados por pessoas que "tinham um pouco de PT". Poderia estar redondamente enganado, mas achava que uma conversa de sindicalista com sindicalista seria melhor do que com banqueiros.

Uma viagem dessas deixaria Wall Street furiosa, porque mostraria que, finalmente, o Brasil descobrira o caminho das pedras sem usar banqueiros como intermediários. Por outro lado, deixaria óbvio que Lula não iria romper com o FMI, Washington e o capital internacional, depois que descobrisse que hoje os donos do dinheiro são os sindicatos e os fundos dos trabalhadores das grandes empresas. Lula nem era candidato nem imaginava a necessidade de cuidar do futuro

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período de transição, e a viagem não saiu. Viajar, agora, nem pensar! Sindicatos são mais exigentes e chatos que o FMI, porque o dinheiro lá é suado, e não arrecadado. Talvez daqui a alguns anos, quando o governo mostrar resultados. Lula terá portas abertas, todo sindicalista do mundo quer saber como Lula se tornou presidente. Se negociar bem, trará de volta bilhões a juros baratos.

Mas, até lá, alguém precisa mostrar ao futuro governo, e especialmente à ala mais radical do PT, que os bancos internacionais e o FMI não são mais os donos do capital e do dinheiro. Eles pertencem aos grandes fundos de pensão, há mais de vinte anos.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1778, ano 35, nº 46, 20 de novembro de 2002.

 Os Impostos vão Aumentar

Fico triste quando vejo líderes empresariais lutar por redução de impostos. Mal sabem que essa é uma batalha perdida, um esforço desperdiçado. O governo simplesmente não tem como reduzir suas despesas. Por exemplo, nos próximos trinta anos o número de aposentados irá dobrar, aumentando em 100% o que já é nossa maior despesa pública (vide texto Ipea nº 690). Tem mais: com o aumento da longevidade humana, o gasto com saúde pública poderá triplicar, como nos Estados Unidos, e assim por diante. Quem acha que os atuais 36% do PIB são o limite máximo de impostos está redondamente enganado. Minha estimativa é a de que nos próximos vinte anos os impostos subirão inexoravelmente para 48% do PIB, e há estimativas muito piores do que a minha por aí. E não é apenas no Brasil, isto é um fenômeno mundial.

A luta fiscal deveria ser outra. Tem muito país pagando muito mais impostos do que nós, vide a Suécia com 48%, mas o que ocorre no Brasil é que eles são cobrados de forma sufocante.

Durante a época de inflação alta, o governo começou a reduzir o prazo de pagamento dos impostos. De 120 dias para pagar o IPI, reduziu-se para dez dias. Pagamos imposto de renda sobre lucro presumido onze meses antes de saber qual foi de fato o lucro da empresa. Hoje, o INSS é pago no segundo dia do mês, antes mesmo de os funcionários receberem seus salários. O imposto sobre vendas, o IVC, se transformou no ICMS – basta a mercadoria "circular" para ter imposto devido. Em vez de antecipar impostos para que não fossem corroídos pela inflação, o correto teria sido manter os prazos e corrigir os impostos por um índice de inflação apropriado.

Infelizmente, muitos impostos no Brasil são idealizados por acadêmicos que nunca trabalharam numa empresa e não têm nenhum senso prático. Antecipar impostos de cinco a quinze dias, numa economia em que o ciclo de produção do minério até o carro pronto chega a superar seis meses, em que as empresas vendem em média com prazo de sessenta a noventa dias, é antiprodutivo e antieconômico. É um tiro no pé do próprio governo. Hoje, as

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empresas e a população pagam imposto antecipadamente. Empresas pagam imposto muito antes de ter um produto final, pagam imposto muito antes de receber a grana do cliente. Varejo que financia em seis meses sem juros paga imposto no mês seguinte, mesmo antes de receber. Pagamos até mais do que o devido e aí torcemos para ser restituídos um ano e meio depois.

Pagar imposto adiantado significa que as empresas têm de se endividar para poder pagá-lo, ou perder precioso capital de giro, o que é um desastre. Além de ser inconstitucional, porque fere o princípio da capacidade contributiva, abrigado no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Em vez de as empresas estarem financiando a produção ou a cadeia produtiva, elas estão financiando o governo. O capital de giro das empresas antecipado é inúmeras vezes superior ao que o BNDES devolve em termos de empréstimos, um contra-senso. No Brasil acontece o contrário do que ocorre em outros países, que têm impostos somente sobre o consumo final e dão 360 dias ou mais de prazo, gerando caixa para as empresas e reduzindo sua necessidade de financiamento, o que aumenta sua saúde financeira.

Sem capital de giro suficiente, as empresas no Brasil são vulneráveis a qualquer crise internacional, não conseguem financiar a clientela, e assim por diante. Por sinal, esse foi mais um erro dos autores do Plano Real: acabaram com a inflação, mas se esqueceram de devolver o capital de giro tomado pelo governo durante o período inflacionário, estendendo os prazos dos impostos para seus valores originais. Essa, sim, seria uma luta possível de ser ganha. Teríamos menos falências de empresas, mais crescimento, mais arrecadação, mais pagamentos em dia, mais estabilidade, enfim, tudo o que queremos. Nossos líderes empresariais estariam simplesmente pedindo o óbvio, que as empresas paguem seus impostos depois de o produto final ser produzido e de o dinheiro ser recebido.

Com o superávit do ministro Palocci, temos uma janela de oportunidade. O governo tem agora reservas para financiar esse aumento de prazo sem atrasar o pagamento de funcionários públicos. Aumentar prazos seria impossível anos atrás, porque não haveria como o governo ficar um mês sem receber impostos.

Mesmo com este superávit, teríamos que estender prazos de forma comedida. Minha proposta seria estender os prazos começando primeiro pelos estados mais pobres do Nordeste. Primeiro, digamos no Piauí, no segundo mês Maranhão, e ao longo de 22 meses estaríamos paulatinamente estendendo os prazos para os estados mais ricos.

No segundo ano, poderíamos estender os prazos de um mês para dois meses, repetindo o mesmo procedimento, incentivando algo que nunca foi feito. Devolver a competitividade justamente aos bons pagadores. Empresas que pagam impostos estão em dupla desvantagem. Além de pagar impostos, precisam financiar o governo e não a sua produção, e tem de pagar antecipadamente.

Precisamos ter uma visão mais administrativa e menos jurídica na hora de cobrar impostos, precisamos lutar para compatibilizar

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imposto com o "fluxo de caixa", e não com o "fato gerador".

"Circulação de Mercadoria" é um fato gerador anacrônico feito por quem não tem conhecimento de como as empresas operam no mundo todo. "Recebimento da Venda pelo Cliente", seria um enorme avanço jurídico-administrativo na forma de se criar impostos.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Editora Abril, Revista Veja, edição 1894, ano 38, nº 9, 2 de março de 2005, página 19É assustador quão poucos

Os Mesmos Erros do Passado jornalistas econômicos e economistas criticaram o recente lançamento pelo governo de 750 milhões de dólares de dívida, com juros nominais "flutuantes". Dois que olharam feio foram o site www.jubileubrasil.org.br e o jornalista Ney Hayashi da Cruz, da Folha de S.Paulo.

A pegadinha está na palavra juro "flutuante". Todo economista sabe que juros flutuam até o dia da assinatura do contrato. Esse empréstimo é diferente. Ele reza que os juros irão flutuar APÓS a assinatura do contrato. A cláusula de juros não contém um número predeterminado, como 3% ou 16%. A cláusula de juros reza que o Brasil pagará a taxa LIBOR, QUALQUER QUE VENHA A SER ESSA TAXA NO FUTURO.Você assinaria um contrato desses?

Dezenas de ministros e secretários da Fazenda desde 1964 assinaram sem pestanejar. Assinaram contratos indeterminados com relação ao preço dos juros, com cláusula contratual incerta. Seus críticos consideraram essa cláusula um verdadeiro cheque em branco. Segundo Delfim Netto, na época não havia alternativa, era pegar ou largar.

Sabemos o fim daquela história, a libor "flutuou" para 16% em 1981, e todos os contratos efetuados quando os juros eram de somente 4%, 5%, 6% e 7% foram imediatamente repactuados para 16%. Passamos a pagar 16% sobre toda a nossa dívida, passada e futura. Conclusão: quebramos, dando início a duas décadas perdidas, quando perdemos a corrida contra a Índia e a China.

Perguntei ao melhor economista que tivemos, Mario Henrique

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Simonsen, por que ele assinara esses contratos flutuantes: "A ciência econômica não tinha meios de prever esse aumento excepcional dos juros". Concordo plenamente, mas essa é justamente a razão para não assinar esse tipo de contrato. A prudência financeira nesse caso exigiria, no mínimo, negociar um teto máximo de juros como precaução, digamos não mais que 12%, ou negociar um hedge de juros na Bolsa de Chicago. Nada disso foi feito.

O resto da administração pública tem de se preocupar com o Orçamento da União, a Lei de Licitação, o Tribunal de Contas, de pagar preço fixo em tudo, enquanto um ministério tem carta branca para assinar preço incerto? Em 1986 fui trabalhar para o Ministério do Planejamento, a pedido do ministro João Sayad, para tentar cancelar esses contratos com juros flutuantes e negociar contratos com juros reais fixos pela duração do contrato, ou seja, criar uma alternativa.

A revista Euromoney ficou sabendo do plano e, para minha grande surpresa, o endossou com o editorial intitulado "Entra em cena o Alquimista". Os "alquimistas" éramos nós, do Ministério do Planejamento, que, na opinião da publicação, estávamos transformando lixo em ouro, apresentando um plano ganha-ganha – além de reduzir os juros para 3% reais, fixos e imutáveis, e eliminar o risco da flutuação desestabilizadora. O editorial completo está em meu site, www.kanitz.com.br. Enquanto isso, o Ministério da Fazenda preparava a moratória, uma estratégia perde-perde que nos custou muito caro.

Lançar novamente títulos com juros nominais "flutuantes" é um retrocesso, é retomar o erro que causou duas décadas perdidas. Não se assegura "estabilidade" monetária assinando contratos com juros "flutuantes".

Em 2000, economistas da escola nominalista de FHC pioraram a situação lançando o Global Bond 40, com juros nominais fixos de 13% ao ano por quarenta anos, meses antes de a taxa libor começar a cair para o atual patamar de 1,8%.

Agora voltamos a lançar títulos com juros "flutuantes", justamente quando todo mundo espera que os juros americanos subam acentuadamente.

Que lógica é essa? Não seria melhor lançar títulos com juros reais fixos, como incentivou a Euromoney vinte anos atrás, medida posteriormente adotada pelo governo americano, o que lhe permitiu lançar títulos com juros reais de 3%, os famosos TIPS?

E se os juros subirem para 16%, como subiram em 1981? Daquela vez foi uma surpresa, era o cisne negro, o evento improvável, mas hoje nenhum economista pode dizer que é impossível ocorrer de novo um juro desses.

Onde estão os protestos de todo mundo que viveu flutuando nas duas décadas perdidas? Onde está o bom senso financeiro? Vamos começar tudo de novo?

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Revista Veja, Editora Abril, edição 1861, ano 37, nº 27, 7 de julho de 2004, página 22

Para quanto vai o dólar?

Passamos em julho por mais uma temporada depânico, com previsões de escalada do dólar e caos na economia. Economistas que em janeiro previam um dólar de 1,90 para o fim do ano agora prevêem uma cotação de 2,40, 2,50 e 2,60, sem mostrar o menor rubor no rosto ao ser entrevistados.Muita gente pergunta qual é minha estimativa do dólar para o fim do ano, esquecendo que sou administrador e não economista. Minha resposta é que teremos um dólar entre 2,10 e 2,90, uma previsão que me dizem não servir para nada.Os administradores possuem uma visão de mundo diferente da dos economistas: nós não acreditamos que o mundo atual seja previsível, pois ele está cada vez mais complexo, sofrendo mudanças cada vez mais rápidas e com pessoas cada vez mais livres para tomar decisões cada vez mais imprevisíveis.Embora nossas previsões possam parecer inúteis, elas exigem posturas e comportamentos diferentes daqueles a que estamos acostumados. Por exemplo, por essa visão de mundo, a especulação é duramente combatida, bem como previsões confiantes, que no fundo induzem empresas e banqueiros à especulação pela falsa ilusão que fornecem de ganho rápido e certeiro.Escolher um bom economista é o primeiro passo para todo especulador; já escolher um bom administrador não faz a menor diferença, porque nossas previsões são sempre inúteis. Como especular com uma previsão "entre 2,10 e 2,90"?Na medida do possível, sempre recomendamos às empresas uma auto-sustentação cambial. Se você exporta, contrate uma dívida externa no valor das suas exportações. Se você é uma multinacional, com dividendos a enviar regularmente para a matriz, exporte produtos no mesmo valor dos dividendos.Aí, sua empresa não dependerá de previsões nem mesmo da cotação do dólar, porque as taxas de câmbio das exportações e as despesas financeiras se anulam. Numa queda do dólar, o que você perde nas exportações ganhará na remessa dos juros. Numa alta do dólar, o que você perde na remessa de dividendos recuperará nas exportações.Num mundo cada vez mais imprevisível, é temerário achar que os bancos centrais conseguirão controlar taxas de câmbio dentro de "limites razoáveis", e mais absurdo ainda é estabilizar o câmbio elevando os juros, como se fez agora, a ponto de desestabilizar a própria economia. Tampouco faz sentido confiar nas "blindagens financeiras" do FMI, hoje pequena demais para defender esse mundo globalizado. Mais seguro é implantar uma blindagem operacional na própria companhia.

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As empresas que fizeram isso estão tranqüilas, qualquer que venha a ser a taxa de câmbio, qualquer que venha a ser o futuro presidente da República. Elas não estão desesperadas comprando dólares.Num mundo moderno já não é mais factível e aceitável que governos supram com dólares fartos e baratos as multinacionais e os banqueiros internacionais. As empresas que providenciem suas próprias rotas de saída gerando as exportações necessárias para as remessas de divisas.Setores como os de energia e telefonia, que não exportam, jamais deveriam ter sido vendidos a multinacionais, pelo menos não neste estágio ainda frágil da nossa economia. Sugam divisas para dividendos sem gerar as devidas exportações.Especuladores e investidores, dentro do espírito neoliberal, que tratem de providenciar suas próprias rotas de saída, em vez de apostar em intervenções econômicas pontuais do Estado para corrigir as "distorções" de mercado.Não é a Argentina nem a candidatura de Lula ou a de Ciro Gomes que estão desestabilizando a taxa de câmbio, como afirmam alguns especialistas. São as empresas que apostam em previsões equivocadas e agora correm em pânico em busca de proteção.

Stephen Kanitz

Artigo publicado na Revista Veja, edição 1711, ano 34, nº 30, 1º de agosto de 2001

Paz de Espírito

A maioria das entidades beneficentes, aquelas que ajudam os outros, vive intranqüila. A cada recessão e a cada aumento na taxa de juros elas também são afetadas, como todas as empresas, embora não almejem lucro. Para piorar a situação, em épocas de recessão as doações das empresas "socialmente responsáveis" caem pela metade, e, ao contrário das empresas, as entidades não mandam ninguém embora.

Um orfanato não coloca a metade dos órfãos na rua só porque os juros subiram. Há oito anos organizo o Prêmio Bem Eficiente, com o apoio de cinco generosos patrocinadores. É um dos poucos prêmios dedicados aos que devotam 100% de suas energias e receitas ao social: as entidades beneficentes. Elas são o contrário das empresas, que gastam em média 0,1% de suas receitas no social e acham que merecem prêmios por isso.

Das 380 entidades que analisamos anualmente, de 80% a 90% têm dinheiro em caixa para suprir despesas por no máximo uma semana. Vivem do prato para a boca, constantemente em stress, preocupadas se sobreviverão até o fim do mês.

Essa falta de reservas líquidas ou de colchão de segurança financeira deixa todos os nossos líderes sociais intranqüilos e complica o esforço de arrecadação. Nenhum doador quer doar para cobrir salários atrasados. Quer doar para construir um prédio novo ou ampliar o serviço prestado.

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Para tentar mudar esse paradigma, há quatro anos decidimos premiar uma das cinqüenta entidades vencedoras com 200.000 reais. Escolheríamos uma eficiente mas que estivesse nesse sufoco financeiro, resolvendo de vez seu problema.

Sugerimos às entidades que colocassem a doação num fundo de investimento, e só a utilizassem em última necessidade. Era um pedido que fazíamos, sabendo que talvez não fosse cumprido.

No ano passado, uma das duas entidades recebedoras dessa doação nos procurou para prestar contas. Construiu uma nova sede, que batizou de Prédio Bem Eficiente, que deve ter custado uns 600.000 reais. Perguntei como conseguiram a diferença, e para minha surpresa me mostraram que a entidade não havia gasto um tostão dos 200.000 da doação, que continuava toda aplicada em fundos financeiros, conforme havíamos pedido. Fiquei mais confuso ainda. "Aquilo foi muito mais do que uma doação, aquele dinheiro nos deu a paz de espírito de que precisávamos", disse o diretor.

Paz de espírito para não entrar em desespero em cada recessão, com as constantes mudanças na política econômica. Puderam ser mais agressivos, procurar recursos adicionais sem desespero, mostrando planos futuros, e não despesas passadas. A arrecadação explodiu.

O que me deixa perplexo nessa história toda, e por isso a estou relatando, é que do ponto de vista financeiro não fizemos absolutamente nada. O dinheiro não foi usado, e pelo jeito nunca será. Ainda bem.

Hoje, a maioria das empresas ditas socialmente responsáveis está cancelando seus donativos para as entidades que já existem, preferindo criar institutos e fundações com a marca de suas empresas, reinventando a roda, tirando muito mais do que a tranqüilidade e a paz de espírito de muita gente boa nesse setor e que acaba desistindo.

Por essa razão, sempre tenha um dinheirinho de reserva. Um dia sua empresa também o despedirá, ou achará que seu trabalho não é mais interessante. Prepare-se para esse dia, que fatalmente virá. Tenha seis meses ou um ano de gastos pessoais em caixa. Eu sei que é difícil, você terá de fazer sacrifícios, como não comprar uma televisão ou não trocar de carro.

Mas ter um dinheiro guardado para os anos de vacas magras não fará mal a ninguém. Dinheiro pode não trazer felicidade, mas ter uma certa quantia poupada pode lhe trazer muita paz de espírito nos momentos difíceis.

Sua primeira compra na vida nunca deveria ser um televisor financiado pelo cartão de crédito. Sua primeira compra deveria ser sua paz de espírito, que não custa tanto, pode crer. 

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1841, ano 37, nº 7, 18 de fevereiro de 2004

Perdoem o meu desabafo

Eu já não entendo mais nada. Há mais de vinte anos estou escrevendo artigos sobre um erro monumental que tem aumentado a percepção do risco Brasil à toa,

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elevando os nossos juros à toa, e a impressão que tenho é que ninguém lê. Ou então estou escrevendo bobagens nesses anos todos e ninguém tem a coragem de me dizer.

O governo e a imprensa acabam de divulgar que o "custo dos juros no governo Lula foi de nada menos que 150 bilhões de reais em 2003, quase 10% do PIB". Mais uma vez repetem o erro da escola nominalista de economia, com sérias conseqüências econômicas, um erro para mim tão óbvio e banal, daí minha aflição.

A inflação embutida nos juros não é um custo, como afirmam os nominalistas, e sim uma receita! Todo mundo sabe que inflação beneficia o devedor. A mesma inflação que aumenta os juros, um custo, também corrói a dívida, portanto uma receita que anula esse "custo" alardeada aos quatro cantos do planeta.

Críticos foram rápidos em apontar que Lula aumentou os juros para combater a inflação, mas ninguém saiu a público para lembrar que essa mesma inflação "corroeu" a dívida nos mesmos 9% da inflação, uma receita para o governo de aproximadamente 70 bilhões de reais. Ou seja, o "custo" dos juros cai pela metade, algo que todo realista está cansado de saber.

Essa dívida, na verdade, nem foi "corroída" como acabo de afirmar. Na realidade, Lula pagou efetivamente 9% da dívida interna, com esses 150 bilhões chamados erroneamente de "custo". Por isso, esses 150 bilhões estão tão elevados: eles incluem uma parcela de amortização ou redução da dívida. Só que reduzir dívida não é custo, é somente uma devolução.

Vocês que estão com medo de um calote ou espalhando por aí que o calote é inevitável esquecem que o governo Lula pagou nada menos que 9% da dívida interna em 2003. Nesse ritmo, em dez anos a dívida acaba, mas isso não vira notícia.

A dívida interna não cai como porcentagem do PIB porque os investidores sabem que esses 9% não são renda, e eles não são bobos em gastar o que é simples "ilusão monetária" nominalista. Por isso, recompram títulos do governo em vez de torrar sua poupança em consumo e divertimento.

Em 1981 escrevi mais de cinqüenta artigos mostrando este mesmíssimo erro, naquela época referente à dívida externa. A inflação americana subira para 12%, elevando os juros para 16,5% ao ano, os mesmos juros de hoje no Brasil e pela mesma razão.

Infelizmente, um dos mais importantes economistas de então, Celso Furtado saiu alardeando que a dívida externa era impagável e pregou a moratória. Só que estávamos pagando a dívida via inflação embutida nos juros. E os juros reais em 1981 nunca ultrapassaram 4% ao ano, algo que todos sonham em ver aqui de novo. Ou seja, estávamos pagando uma dívida que alguns diziam impagável.

O problema era mais contábil que financeiro, só que ao alardear uma informação errada e assustadora aumentaram o risco Brasil. Minha proposta na época era simplesmente indexar a dívida externa, e assim a inflação americana embutida nos juros deixaria de ser devida no ato, aliviando nossa balança de pagamentos. Uma medida realista e não nominalista. Mesmo o governo americano adota hoje essa idéia com seus inflation protected securities, mas o governo brasileiro não se convenceu disso até hoje.

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Mas existe outro custo que não é custo. Todo mundo sabe que dos 16,5% dos juros é deduzido no ato o imposto de renda na fonte e que no fundo o governo paga 13,2% de juros, e não os 16,5% publicado nos jornais.

Ou seja, dos 150 bilhões apresentados ao Senado pelo próprio governo como "pagamento de juros", nada menos que 30 bilhões são retidos imediatamente como imposto de renda na fonte. Ou seja, o custo líquido para o governo é bem menor.

Deduzindo o imposto na fonte e a amortização inflacionária, o custo da dívida é de somente 40 a 50 bilhões. A conta é bem mais complicada que essa simplificação didática, mas chega a 3% do PIB, e não aos 10% noticiados por aí.

Continua um valor elevado, mas agora sabemos por quê. O que me aflige é pensar que durante todos esses anos eu não me expliquei direito. Então, que alguém me explique, porque eu já não entendo mais nada.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1836, ano 37, nº 2, 14 de janeiro de 2004

Por que falta energia?

Há mais de quinze anos centenas de engenheiros vêm avisando que faltaria energia elétrica se o Brasil voltasse a crescer. Mas será que o Brasil voltaria de fato a crescer? Foi a resposta a essa questão que tomou todos de surpresa.

Em 1993, quando a inflação batia 30% ao mês, corri o Brasil dando palestras que previam o fim da inflação e dez anos de crescimento econômico. Os economistas na platéia caíam em gargalhadas, cumprimentavam-me no final pela excelente piada.

Em 1994, publiquei essa previsão em VEJA e no livro O Brasil que Dá Certo. À época, nove em dez economistas deste país pintavam o pânico. Da esquerda à direita diziam que o Real era um plano eleitoreiro e que a inflação voltaria. Rudiger Dornbusch correu o mundo prevendo um efeito tequila. Roberto Macedo escrevia A Crise Está Aí. Investir em hidrelétricas num clima desses?

Muitos jornalistas, infelizmente, acabaram dando mais espaço aos que aconselhavam investir em dólares que aos poucos engenheiros e administradores que alertavam para a necessidade de investir em usinas elétricas. Com a redução pela metade do preço das geladeiras e dos televisores para vender o dobro, aumentamos o consumo de energia sem aumentar o PIB.

Fomos pegos de surpresa pelos nossos economistas, pelo nosso Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, pelo nosso Ministério de Minas e Energia, pelo Ministério da Integração Nacional, pela Aneel, pela Eletrobrás, cinco órgãos de planejamento e integração social. Estamos vendo, lamentavelmente, desorganização, burocracia e manutenção de interesses políticos.

Aqueles que querem manter esse modelo de planejamento centralizado, achando que o Estado decide e planeja melhor que uma sociedade civil organizada,

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precisarão antes responder à questão: como é possível tantos órgãos de planejamento serem pegos de surpresa? Convocaram Pedro Parente para criar um Conselho de Planejamento para planejar os vários órgãos de planejamento.

Antes de publicar meu livro, tomei o cuidado de analisar a matriz energética deste país. As respostas que obtive eram tranqüilizadoras. Com um mercado de capitais forte e regras claras para a construção de termelétricas, que requerem somente dois anos para ser construídas, não haveria tantos problemas.

Infelizmente, o governo minou nosso mercado de capitais ao implantar a CPMF e a Lei Kandir, e agora dependemos de capital externo e indexadores em dólar.

Muita gente tem responsabilidade por essa falta de energia, os economistas são os menos importantes. Previsões nunca são precisas, claras nem contundentes. Por isso, países que dão certo criam regras claras, e não planejamento claro. O grande culpado na realidade é nossa eterna visão de que o Estado planeja melhor que a sociedade civil organizada. Por que não falta mais telefone neste país? Por que ninguém precisa mais esperar dois anos por uma linha telefônica, como antigamente?

Se você ainda acredita que o Estado decide melhor e estava disposto a esperar dois anos por uma linha telefônica, então, por coerência ideológica, não tem do que reclamar nestes dois anos que ficaremos sem luz elétrica.

Muitos candidatos à eleição de 2002 culparão a privatização das empresas de energia pelos apagões, esquecendo que 80% da geração está na mão do Estado. Argumentarão que teriam decidido melhor, planejado melhor que a sociedade civil organizada. A escolha é sua.

Só que agora teremos de ficar esperando as turbinas da Califórnia serem entregues, para só então entrar com nossas encomendas, tudo graças ao nosso modelo de planejamento centralizado.

Publicado na Revista Veja edição 1702 ano 34  n° 21 de 30 de maio de 2001

Preparadas para Servir

Quem quiser viver da indústria e do comércio terá de se conscientizar de que as coisas mudaram. Ninguém mais opera exclusivamente nos setores do comércio e da indústria. Na realidade, esses dois setores dependem dos serviços que prestam, não dos produtos que entregam. O mundo empresarial de hojeé o mundo dos serviços.

A grande maioria das empresas ainda não percebeu esse fato ou ainda não está preparada para essa nova era. Poucas estão organizadas e treinadas para servir o outro, nesse caso o cliente. As companhias de sucesso serão as empresas que eu chamaria de "preparadas para servir".

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Transformar empresas para servir é um grande desafio, e, por razões históricas, administradores profissionais terão de promover uma mudança cultural de enormes proporções. Herdamos da cultura portuguesa a visão de que servir tem a ver com servidão, um fardo, uma obrigação a ser evitada. Servir o outro era visto nessa cultura como uma penalidade, algo a ser evitado a todo custo.

Essa mentalidade tem muito a ver com os quase 400 anos de tradição escravocrata, em que se importavam escravos justamente porque servir era impensável. Tanto assim que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão.

Por essas razões históricas, o Brasil ainda vive a resistência a servir os outros. Servir o outro está associado a servilismo, a serviçal, a subserviência, termos absolutamente negativos. Muito distante do ideal cristão de servir como finalidade maior da existência humana.

Em culturas em que não houve a escravidão, servir o outro é um prazer, é algo feito de bom grado, incentivado e remunerado. Um comportamento altruístico que gera o círculo virtuoso da reciprocidade.

Como mudar esse pensamento dominante e hegemônico no Brasil? A maioria dos brasileiros, inclusive muitos intelectuais, quer ser servida, e não servir. Quer todos os seus direitos, sem pensar nas obrigações.

Que ações uma empresa ou uma repartição pública poderá efetivar para se transformar numa organização preparada para servir os outros? Uma das saídas que recomendo é contratar funcionários que tenham sido voluntários em entidades beneficentes. Isso porque não há seminário, palestra motivacional ou treinamento que induza alguém a mudar de postura. É uma característica pessoal e cultural. Funcionários que tenham sido voluntários mostram predisposição para servir, coisa rara neste país.

Existem no Brasil mais de 2.000 entidades sem fins lucrativos que precisam de trabalho esporádico e eventual. São 2.000 entidades que sabem muito bem como servir o outro e mostram claramente que isso pode ser um trabalho digno e muito estimulante. Incentivar seus funcionários a ser voluntários é um primeiro passo para aperfeiçoá-los na atuação no mundo dos serviços.

Ser voluntário abre uma oportunidade para funcionários que normalmente estão bem distantes do foco da empresa, como os auditores internos, se envolverem nas questões mais humanas e sociais. O que um auditor interno tem para contar de interessante aos filhos na conversa depois do jantar? Que descobriu cinco notas fiscais frias ou mais um desfalque no almoxarifado?

"Sexta-feira, dia que reservo para o trabalho voluntário, é uma ocasião em que fico de bem com a vida e comigo. É minha terapia", disse-me um auditor interno após a introdução do trabalho voluntário em sua empresa. O trabalho voluntário não ultrapassa a média de três horas por semana, mas muda significativamente a vida dos funcionários.

Há oito anos criei um site que aproxima entidades e potenciais voluntários, www.voluntarios.com.br. Naquela época, ninguém sabia o que era uma ponto com, muito menos uma ponto org, razão de nosso sufixo comercial. É um belo lugar para começar.

Se ensinarmos as pessoas que servir o outro não é degradante, mas, pelo contrário, um raro prazer, construiremos uma sociedade sólida e uma plataforma de exportação de serviços. Criaremos uma nação de cidadãos compromissados com o

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cliente e com o social. Vamos começar hoje a aprender a servir o outro em vez de somente nos servir.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1850, ano 37, nº 16, 21 de abril de 2004, página 20

Procuro um Avalista

De vez em quando um amigo que mal me cumprimenta, ou um colega de trabalho que nunca me ajudou, me pede que seja seu avalista. Provavelmente, ele raciocina que perguntar não ofende, só depende da cara-de-pau de cada um. Por que os bancos insistem em obter um aval de um amigo do cliente? No fundo, o que os bancos querem é reduzir o risco da operação de crédito, arrolando também os bens pessoais do avalista como garantia.

Mas que interesse tem o avalista em colocar seus bens em risco sem nada receber em troca? O avalista entra gratuitamente nesse contrato como um voluntário, um altruísta, sem receber uma remuneração pelo serviço que presta ao banco. O avalista só entra com obrigações e não tem nenhum benefício, só chateação. O banco ficará obviamente feliz com o empréstimo que você viabilizou.

Uma técnica que eu uso nessas ocasiões, e que aprendi com um verdadeiro amigo, é ficar indignado com os juros exorbitantes cobrados pelo banco e oferecer o mesmo empréstimo, sem cobrar juros.

Seu amigo ou parente vai pular de alegria, e você coloca uma única e singela imposição: que o gerente ou o presidente do banco avalize a operação. Não é um pedido exorbitante, e nenhum gerente de banco poderá recusar, porque é exatamente o mesmo pedido que eles estão fazendo. Seria hipocrisia recusar.

Ninguém nunca voltou com meu contrato assinado, não sei por quê. Mas existe um efeito socialmente muito negativo nessa prática do aval, para o qual infelizmente sociólogos e antropólogos nunca atentaram. Ao pedir um aval de um parente ou amigo, o sistema financeiro usa para seu próprio conforto creditício os laços familiares e de amizade longamente costurados pela sociedade brasileira.

Que tio pode recusar um aval a um sobrinho? Que irmão pode recusar dar um aval a outro irmão necessitado? É uma saia-justa complicada. Se você negar o pedido, deixará o parente magoado e a família ressentida. Ninguém obviamente avalia corretamente os riscos que você está correndo, só o banco.

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Os laços de amizade e confiança que o próprio banco nunca sedimentou com seus clientes são substituídos pelos laços de amizade e confiança que seus familiares e amigos criaram com você. Aliás, se não tem o dinheiro para cobrir o aval, você nunca deveria tê-lo dado. Caso contrário o banco poderá vender seus bens oferecidos em garantia. Dar um aval ou emprestar o mesmo montante é financeiramente a mesma coisa, porque um aval significa dar o dinheiro ao banco se seu amigo ou parente virar caloteiro.

Já vi mais de vinte famílias ser desestruturadas pelo simples fato de um parente não ter pago um empréstimo e o avalista ter sido processado, prejudicando duplamente a família. Há pessoas hoje pobres e destituídas que cometeram o pequeno erro de dar um único aval. Muitos eram diretores e empregados de empresas, obrigados a dar um aval a um banco que financiava a empresa, senão perderiam o emprego.

Nenhum país dará certo se não puder criar um clima de confiança mútua entre seus cidadãos. Nossa inflação e as constantes mudanças das regras e dos planos econômicos dilapidaram, e muito, nossos laços de confiança. Colocaram-se várias vezes empregados contra patrões, fornecedores versus clientes, inquilinos versus senhorios, alunos versus professores, por causa de planos econômicos mal estruturados, que aumentaram a desconfiança entre nós, por nenhuma culpa das partes.

Para piorar ainda mais, o novo Código Civil exige que a esposa assine também o aval, criando discórdia entre marido e mulher, e nem toda esposa tem como recusar. Mais sensatas que os homens, elas jamais aceitariam dar um aval a um amigo do marido.

O novo Código Civil, em vez de aumentar os laços de confiança da sociedade, aumentou os pontos de atrito entre marido e mulher. O correto seria restringir o uso do aval, e não tornar a esposa co-solidária da operação financeira que em nada a beneficia. Mulheres, portanto, prestem muita atenção. Lembrem-se de que, caso o amigo do seu marido se torne inadimplente, você perderá seus bens e os de seus filhos. E você, que pretende ser avalista, lembre-se de que poderá perder seu amigo, seus bens e também sua esposa. Dito isso, alguém poderia me dar um aval?

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Revista Veja, Editora Abril, edição 1853, ano 37, nº 19, 12 de maio de 2004, página 23

Qual é o Problema?

Um dos maiores choques de minha vida foi na noite anterior ao meu primeiro dia de pós-graduação em administração. Havia sido um dos quatro brasileiros escolhidos naquele ano, e todos nós acreditávamos, ingenuamente, que o difícil fora ter entrado em Harvard, e que o mestrado em si seria sopa. Ledo engano.

Tínhamos de resolver naquela noite três estudos de caso de oitenta páginas cada um. O estudo de caso era uma novidade para mim. Lá não há aulas de inauguração, na qual o professor diz quem ele é e o que ensinará durante o ano, matando assim o primeiro dia de aula. Essas informações podem ser

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dadas antes. Aliás, a carta em que me avisaram que fora aceito como aluno veio acompanhada de dois livros para ser lidos antes do início das aulas.

O primeiro caso a ser resolvido naquela noite era de marketing, em que a empresa gastava boas somas em propaganda, mas as vendas caíam ano após ano. Havia comentários detalhados de cada diretor da companhia, um culpando o outro, e o caso terminava com uma análise do presidente sobre a situação.

O caso terminava ali, e ponto final. Foi quando percebi que estava faltando algo. Algo que nunca tinha me ocorrido nos dezoito anos de estudos no Brasil. Não havia nenhuma pergunta do professor a responder. O que nós teríamos de fazer com aquele amontoado de palavras? Eu, como meus outros colegas brasileiros, esperava perguntas do tipo "Deve o presidente mudar de agência de propaganda ou demitir seu diretor de marketing?". Afinal, estávamos todos acostumados com testes de vestibular e perguntas do tipo "Quem descobriu o Brasil?".

Harvard queria justamente o contrário. Queria que nós descobríssemos as perguntas que precisam ser respondidas ao longo da vida.

Uma reviravolta e tanto. Eu estava acostumado a professores que insistiam em que decorássemos as perguntas que provavelmente iriam cair no vestibular.

Adorei esse novo método de ensino, e quando voltei para dar aulas na Universidade de São Paulo, trinta anos atrás, acabei implantando o método de estudo de casos em minhas aulas. Para minha surpresa, a reação da classe foi a pior possível.

"Professor, qual é a pergunta?", perguntavam-me. E, quando eu respondia que essa era justamente a primeira pergunta a que teriam de responder, a revolta era geral: "Como vamos resolver uma questão que não foi sequer formulada?".

Temos um ensino no Brasil voltado para perguntas prontas e definidas, por uma razão muito simples: é mais fácil para o aluno e também para o professor. O professor é visto como um sábio, um intelectual, alguém que tem solução para tudo. E os alunos, por comodismo, querem ter as perguntas feitas, como no vestibular.

Nossos alunos estão sendo levados a uma falsa consciência, o mito de que todas as questões do mundo já foram formuladas e solucionadas. O objetivo das aulas passa a ser apresentá-las, e a obrigação dos alunos é repeti-las na prova final.

Em seu primeiro dia de trabalho você vai descobrir que seu patrão não lhe perguntará quem descobriu o Brasil e não lhe pagará um salário por isso no fim do mês. Nem vai lhe pedir para resolver "4/2 = ?". Em toda a minha vida profissional nunca encontrei um quadrado perfeito, muito menos uma divisão perfeita, os números da vida sempre terminam com longas casas decimais.

Seu patrão vai querer saber de você quais são os problemas que precisam ser resolvidos em sua área. Bons administradores são aqueles que fazem as melhores perguntas, e não os que repetem suas melhores aulas.

Uma famosa professora de filosofia me disse recentemente que não existem mais perguntas a ser feitas, depois de Aristóteles e Platão. Talvez por isso não encontramos solução para os inúmeros problemas brasileiros de hoje. O maior erro que se pode cometer na vida é procurar soluções certas para os problemas errados.

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Em minha experiência e na da maioria das pessoas que trabalham no dia-a-dia, uma vez definido qual é o verdadeiro problema, o que não é fácil, a solução não demora muito a ser encontrada.

Se você pretende ser útil na vida, aprenda a fazer boas perguntas mais do que sair arrogantemente ditando respostas. Se você ainda é um estudante, lembre-se de que não são as respostas que são importantes na vida, são as perguntas.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Editora Abril, Revista Veja, edição 1898, ano 38, nº 13, 30 de março de 2005, página 18

 

Quero ser Índio

Antes da descoberta do Brasil, um índio que quisesse fazer uma canoa, derrubava uma árvore e em um mês de trabalho teria sua canoa novinha em folha. Um contribuinte brasileiro que quiser fazer o mesmo descobrirá, assustado, as razões de nossa estagnação e má distribuição da renda. Para facilitar o raciocínio, vou supor que o contribuinte esteja empregado numa indústria de canoas e que após um mês de trabalho, talhando a mesma árvore, receba 1.000 reais de salário. Descontados 15% de imposto de renda e 8% de contribuição social, o salário se reduz para 770 reais. No final do ano você sai da fábrica e entra na loja disposto a comprar a canoa que fabricou e negocia com seu patrão:

"Sendo da casa, não vou cobrar o custo da matéria prima, só sua mão-de-obra. Seu salário foi de 1.000 reais, que, acrescido de 50% de encargos sociais, soma 1.500. Tem mais 11% de IPI, 22% de ICMS, tem PIS, COFINS e mais 58 taxas e tributos, um total de 2.200 reais. Tem ainda 5% do meu lucro, igual à média brasileira, e o barco é seu pela bagatela de 2.310 reais”. Você olha seu salário de 770 reais e percebe que não comprará sua canoa nunca, porque ela custa três vezes seu salário por causa dos impostos.

O Brasil está numa canoa furada não pela ganância do capital, mas pela carga tributária do governo, que praticamente consome 65% do custo do produto. Isso explica por que nossa indústria está acabando e desempregando. Só sobrevivem a área de serviços e a economia informal. Por isso o governo nem pode combater a sonegação a ferro e fogo, porque todo mundo quebraria. Karl Marx deve estar revirando na cova ao constatar que no Brasil quem explora o trabalhador não são os 5% do capitalista e sim os 65% do Estado.

Não é a reforma tributária que precisamos estar discutindo neste momento, e sim o tamanho e as verdadeiras funções de um Estado moderno. Esse exemplo, embora simplificado, permite também explicar as verdadeiras razões da má distribuição da renda no país. Nossa produção só pode ser vendida se existirem consumidores que ganhem três vezes mais do que aqueles que produzem. Quem ganha 770 reais não consegue comprar o produto de seu trabalho. Sua canoa depende de alguém que ganhe 2.310 reais para que seja vendida e seu salário efetivamente pago. Você só consegue comprar os produtos elaborados por quem ganha 260 reais.

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Se as diferenças entre salários diminuíssem, ocorreria uma pequena melhoria na distribuição de renda, mas a produção não escoaria, porque não haveria renda suficiente para comprá-la. Tudo por causa da enorme carga dos impostos. Isso explica por que cada vez que se tentou melhorar a distribuição da renda do país, combatendo a inflação, gerou-se estagnação. Esse foi o grande erro do Real, acreditar que o fim da inflação traria o crescimento sem uma imediata reforma tributária. Algo que a população e administradores vêm reclamando desde o início.

Por outro lado, cada vez que piorava a distribuição da renda do país, como em épocas de inflação, o país milagrosamente crescia, deixando economistas do mundo inteiro perplexos e muitos brasileiros com saudades da inflação. Se a reforma tributária não reduzir drasticamente os impostos, de preferência pela metade, continuaremos com a pior distribuição de renda do mundo, desemprego, exclusão social e violência. Nenhuma das propostas de reforma começou com a questão fundamental: discutir as funções do Estado moderno, para depois discutir quais os impostos necessários para pagar a conta.

Algo me diz que a reforma tributária aumentará ainda mais nossa carga tributária e não propiciará uma redução, como se imagina. Se esse também for seu medo, reclame já para seu deputado ou senador, ou então pague para sempre seus impostos. A opção é sua. Não é à toa que, de todos os grupos residentes no Brasil, os que têm de longe a melhor distribuição da renda são justamente os índios.

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Editora Abril, Revista Veja, edição 1604, ano 32, nº 26, 30 de junho de 1999, página 21

Salvem as florestas temperadas!

No filme A Bruxa de Blair, sucesso de bilheteria do cinema alternativo americano, há uma cena que fez meu sangue de ecologista amador brasileiro e defensor do crescimento sustentável literalmente borbulhar.

Os três estudantes do longa estão totalmente perdidos numa floresta da Nova Inglaterra e a garota começa a entrar em pânico achando que nunca mais sairia daquela selva. Seu colega então diz algo parecido com: "Não seja idiota, nós destruímos todas as nossas florestas temperadas. É só andarmos meia hora em linha reta que logo sairemos daqui".

Ecologistas do mundo todo vivem fazendo protestos para preservar a floresta tropical brasileira, mas raramente param para refletir sobre essa corajosa crítica contida nesse filme, que fez tanto sucesso.

Se alguém se perder na Floresta Amazônica, poderá ter de andar por noventa dias até achar uma saída, tal o nível de preservação de nossa Amazônia, comparada com as demais florestas.

Então, não seria correto também discutir a reconstituição das florestas temperadas, há muito tempo dizimadas? Na Europa e nos Estados Unidos, 98% a 99% das

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florestas foram destruídas. O "Crescente Fértil" descrito na Bíblia é hoje o Iraque da "Desert Storm". Em contrapartida, 86% da Floresta Amazônica continua intacta.

No famoso Museu Smithsonian de Washington, vi um painel que orgulhosamente mostrava um pioneiro derrubando uma árvore para criar uma área arável e poder "suprir nossos antepassados com a comida necessária".

Destruíram tantas florestas temperadas para plantar comida que hoje eles têm muito mais agricultores do que o necessário, a maioria economicamente inviável. Com a produtividade atual da agricultura, bastaria cultivar as planícies naturais que todos os países já possuem.

A destruição das florestas temperadas é uma das razões dos maciços subsídios que a Europa e os Estados Unidos dão à agricultura, razão de nossos protestos junto à OMC.

Quando negociadores do governo brasileiro reclamam desses subsídios, a resposta é que eles são necessários para manter a população no campo. Caso contrário, os países teriam enormes espaços e terras vazias, com todo mundo vivendo nas cidades.

O erro dessa lógica política está na frase "espaços e terras vazias", uma vez que essas terras não eram "vazias" antes de as florestas temperadas serem dizimadas. Há muito deveríamos ter colocado na agenda mundial a necessidade da reconstituição das florestas temperadas ao lado da preservação da Floresta Amazônica – o que exigiria dos países desenvolvidos a lenta substituição dos agricultores subsidiados por guardas e bombeiros florestais em constante vigilância. Pelo menos os agricultores passariam a ser úteis, em vez de receber subsídios para nada plantarem. Os espaços não ficariam vazios, como temem os políticos desses países. Voltariam ao equilíbrio original.

Isso teria importantes conseqüências econômicas para o Terceiro Mundo. Acabaria com os enormes subsídios agrícolas e equilibraria a balança comercial de muito país em desenvolvimento.

Bjorn Lomborg, autor do The Skeptical Environmentalist, escreve na página 117 uma frase de muita coragem política: "Que base nós (Primeiro Mundo) temos para nos indignarmos com o desmatamento das florestas tropicais, considerando o nosso desmatamento na Europa e Estados Unidos? É uma hipocrisia aceitar que nós nos beneficiamos imensamente da destruição de enormes áreas de nossas próprias florestas mas não vamos permitir que países em desenvolvimento se beneficiem como nós o fizemos. Se não quisermos que eles usem seus recursos naturais do jeito que nós usamos os nossos, devemos compensá-los de acordo". Obviamente, ele foi massacrado por seus colegas.

Da próxima vez que um amigo, um jornalista ou um diplomata estrangeiro lhe indagar sobre o que estamos fazendo com nossa Floresta Amazônica, antes de responder, pergunte-lhe o que ele está fazendo para reconstituir 85% de suas florestas temperadas.

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Revista Veja, Editora Abril, edição 1823, ano 36, nº 40 de 8 de outubro de 2003, página 22

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Todo Dia Falta Algo

Um avião da Embraer precisa de 1,5 milhão de peças para ser construído. Cem aviões necessitam de 150 milhões de peças, componentes e matérias-primas, inclusive energia, todos essenciais para o funcionamento e a segurança do avião. Se faltar uma única peça, nenhum avião poderá ser entregue.

Somando-se todos os produtos, peças e matérias-primas produzidos no Brasil, chegamos a um número não menor que 10.000 trilhões de itens por ano. Só os tubos de pasta de dentes são 1 bilhão.

O que ninguém fica sabendo é que todo dia uma pequena parte desse mundaréu de peças, digamos 0,002%, está faltando. Ou seja, hoje 200 milhões de peças e matérias-primas estão em falta em algum lugar do Brasil, só que ninguém é pego de surpresa.

Cada fabricante tem executivos e funcionários que começam a antever a escassez e aumentam os preços, algo que o setor de energia não fez. Esse reajuste sinaliza duas importantes informações para a sociedade:

1. "Pessoal, está começando a faltar esta peça. Vamos tentar usá-la menos, ou somente quando for indispensável."

Aqueles que podem substituir a peça por outra, ou que não precisam desesperadamente dela, a consomem menos. Assim, os que precisam desesperadamente da peça continuarão a recebê-la. Tudo feito de forma espontânea e voluntária, ao contrário do racionamento e da ameaça de corte de energia impostos pela intervenção do Estado. Hoje, se um amigo seu numa UTI quiser mais energia, ele terá de fazer um requerimento ao governo, que talvez abra uma exceção. Não se permite doar energia nem ele poderá compensar a energia de sua casa vazia, algo que o sistema de preços permitiria.

O segundo aviso que um aumento de preços dá é mais importante ainda:

2. "Pessoal, a margem de lucro da peça número 1 432 aumentou.Vamos expandir rapidamente a produção comprando máquinas e contratando mais trabalhadores."

O lucro adicional gerado pelo aumento do preço canaliza os recursos financeiros necessários justamente àqueles mais capacitados para ampliar a produção no momento. Tudo o que falta é corrigido sem os economistas nem os governos ficarem sabendo. Imaginem o Pedro Parente cuidando de 199 milhões de câmaras de emergência.

Se as empresas de geração de energia fossem privadas, seus executivos já teriam aumentado os preços em 10% em 1998, reduzindo o consumo, e estariam obtendo recursos e investindo bilhões de reais em energia, apesar do déficit do governo federal e da preocupação do FMI.

Os que pagam mais por um produto sem o qual não podem ficar acabam permitindo àqueles que abriram mão dele tê-lo novamente com o reinvestimento do lucro adicional que terão de pagar, algo que não ocorre num racionamento. Os que recebem salário mínimo não são prejudicados, porque governos democráticos e que não têm déficit previdenciário reajustam o salário mínimo para compensar o

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aumento da tarifa, para que todos continuem a receber o mínimo necessário de energia.

O governo poderia ter elevado os preços da energia, mas empresas estatais são geridas por outros critérios, como não aumentar a inflação num ano em que se busca a reeleição, isto, sim, um egoísmo que favorece poucos e prejudica a todos. Os que pedem a volta da capacidade de planejamento governamental do setor esquecem que houve um "planejamento", um tanto maquiavélico, e com outros propósitos.

Congelamentos desorganizam a economia. Setores que estão crescendo 20%, como o de peças para geradores e celulares, precisam reduzir em vez de aumentar sua produção. Setores que estão em decadência e caindo 20% não precisam fazer nada. O mesmo não acontece com 199 milhões de produtos que neste momento estão em falta, sem ninguém, presidente, ministro ou intelectual que odeia as imperfeições de mercado, ficar sabendo.

Stephen Kanitz

Artigo publicado na Revista Veja, edição 1708, ano 34, nº27, 11 de julho de 2001

Turistificando o Brasil i

Em qualquer cidadezinha americana, um turista eventual encontrará uma pletora de atrações turísticas a sua disposição. Ele chega e depara com cartazes os mais ridículos possíveis, como: “Aqui George Washington dormiu por uma noite”, “Abraham Lincoln cuspiu neste chão”, “Foi aqui que Judas perdeu as botas”, e assim por diante. Mas, por mais ridícula que seja, cada cidadezinha tem umas sete ou oito atrações turísticas bem documentadas em um panfleto disponível em toda pousada e todo hotel.

Já visitei museus de caixa de fósforos e selos comemorativos. Já vi como se fazem queijos franceses, relógios suíços e como se plantam tulipas holandesas. A variedade das coisas que pessoas comuns colecionam ou produzem é infinita, e talvez mais interessante do que as pirotecnias da Universal Studios.

Com recursos naturais, sol 320 dias por ano, um povo super-hospitaleiro, praias maravilhosas, restaurantes de primeira, o Brasil deveria ter de 10 a 15% do seu PIB comandado pelo turismo. O primeiro passo, portanto, para que possamos aumentar a indústria do turismo, é “turistificar” nossas cidades. Das 5.000 cidades brasileiras, somente 1.300 se cadastraram na Embratur como cidades potenciais para o turismo. Talvez tenham esquecido que toda cidade tem sua história, sua capacidade de criar um museu ou uma atração turística - nem precisa ser uma beleza natural. Quem não caminharia léguas por causa do melhor chope do Brasil?

Se sua cidade não tem uma linda cachoeira do tipo Véu da Noiva ou uma vista espetacular, não significa que ela esteja excluída do roteiro turístico. Nova York é a prova concreta dessa afirmação.

Nosso erro tem sido colocar sempre a carroça na frente dos bois. Por vários anos, o governo financiou caríssimos hotéis, a juros subsidiados, que depois de prontos ficaram vazios porque as cidades não se “turistificaram”, não atraindo os turistas.

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Esquecemos de criar museus, de colocar placas de sinalização em espanhol e inglês - muitos de nossos museus não têm sequer cartazes de explicação em português, muito menos no idioma de nossos turistas - e de criar panfletos turísticos de qualidade internacional.

Se você é prefeito de uma cidade, digite o nome da sua cidade.com na internet e veja o que aparece em termos de atrações turísticas. A net divulga tudo para todo o mundo. São raras as cidades que possuem, pelo menos, o próprio site.

Não vamos atrair turistas se continuarmos agindo assim. Nem mesmo turistas brasileiros, quanto mais do resto do mundo. “Turistificar” uma cidade não é complicado, contanto que isso seja feito por pessoas especializadas, que consigam escapar das pressões políticas da cidade e se concentrem nos desejos de um turista.

Nossos economistas ficaram quatro anos pedindo mais câmbio. Agora estão explicando por que as exportações não cresceram tanto quanto prometeram que cresceriam. Na realidade, esqueceram o que nossos administradores vêm dizendo há muito tempo. Exportar não é só uma questão de câmbio.

Exportar depende de canais de distribuição próprios, que não temos, qualidade e constância de fornecimento, entregas just in time a 10.000 quilômetros de distância. Sem falar de marca mundial, construída por anos de propaganda, como o famoso personagem Juan Valdez, que faz a propaganda do café colombiano.

Foi-se o tempo em que uma nação poderia crescer por sua agricultura e indústria. Cinqüenta por cento do PIB brasileiro já é dominado pelo setor de serviços. Como se exporta turismo? Por meio do turismo receptivo, que faz parte hoje em dia de toda nação bem-sucedida do mundo.

Parece que nos concentramos no turismo expulsivo, com o objetivo de levar todo brasileiro para a Disney, para desespero de Armínio Fraga, que tem de fechar as contas. Nossa balança comercial poderá ficar positiva como queriam os economistas, mas a conta de serviços vai continuar por muito tempo negativa. Podemos colocar o câmbio a 2, 3 ou 4 reais que não atrairemos turistas se primeiro não "turistificarmos" o Brasil.

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Editora Abril, Revista Veja, edição 1632, ano 33, nº 3, 19 de janeiro de 2000, página 20

Uma Definição de Felicidade

Todas as profissões têm sua visão do que é felicidade. Já li um economista defini-la como ganhar 20.000 dólares por ano, nem mais nem menos. Para os monges budistas, felicidade é a busca do desapego. Autores de livros de auto-ajuda definem felicidade como "estar bem consigo mesmo", "fazer o que se gosta" ou "ter coragem de sonhar alto". O conceito de felicidade que uso em meu dia-a-dia é difícil de explicar num artigo curto. Eu o aprendi nos livros de Edward De Bono, Mihaly Csikszentmihalyi e de outros nessa linha. A idéia é mais ou menos esta: todos nós temos desejos, ambições e desafios que podem ser definidos como o mundo que você quer abraçar. Ser rico, ser

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famoso, acabar com a miséria do mundo, casar-se com um príncipe encantado, jogar futebol, e assim por diante. Até aí, tudo bem. Imagine seus desejos como um balão inflável e que você está dentro dele. Você sempre poderá ser mais ou menos ambicioso inflando ou desinflando esse balão enorme que será seu mundo possível. É o mundo que você ainda não sabe dominar. Agora imagine um outro balão inflável dentro do seu mundo possível, e portanto bem menor, que representa a sua base. É o mundo que você já domina, que maneja de olhos fechados, graças aos seus conhecimentos, seu QI emocional e sua experiência. Felicidade nessa analogia seria a distância entre esses dois balões – o balão que você pretende dominar e o que você domina. Se a distância entre os dois for excessiva, você ficará frustrado, ansioso, mal-humorado e estressado. Se a distância for mínima, você ficará tranqüilo, calmo, mas logo entediado e sem espaço para crescer. Ser feliz é achar a distância certa entre o que se tem e o que se quer ter.

O primeiro passo é definir corretamente o tamanho de seu sonho, o tamanho de sua ambição. Essa história de que tudo é possível se você somente almejar alto é pura balela. Todos nós temos limitações e devemos sonhar de acordo com elas. Querer ser presidente da República é um sonho que você pode almejar quando virar governador ou senador, mas não no início de carreira. O segundo passo é saber exatamente seu nível de competências, sem arrogância nem enganos, tão comuns entre os intelectuais. O terceiro é encontrar o ponto de equilíbrio entre esses dois mundos. Saber administrar a distância entre seus desejos e suas competências é o grande segredo da vida. Escolha uma distância nem exagerada demais nem tacanha demais. Se sua ambição não for acompanhada da devida competência, você se frustrará. Esse é o erro de todos os jovens idealistas que querem mudar o mundo com o que aprenderam no primeiro ano de faculdade. Curiosamente, à medida que a distância entre seus sonhos e suas competências diminui pelo seu próprio sucesso, surge frustração, e não felicidade.

Quantos gerentes depois de promovidos sofrem da famosa "fossa do bem-sucedido", tão conhecida por administradores de recursos humanos? Quantos executivos bem-sucedidos são infelizes justamente porque "chegaram lá"? Pessoas pouco ambiciosas que procuram um emprego garantido logo ficam entediadas, estacionadas, frustradas e não terão a prometida felicidade. Essa definição explica por que a felicidade é tão efêmera. Ela é um processo, e não um lugar onde finalmente se faz nada. Fazer nada no paraíso não traz felicidade, apesar de ser o sonho de tantos brasileiros. Felicidade é uma desconfortável tensão entre suas ambições e competências. Se você estiver estressado, tente primeiro esvaziar seu balão de ambições para algo mais realista. Delegue, abra mão de algumas atribuições, diga não. Ou então encha mais seu balão de competências estudando, observando e aprendendo com os outros, todos os dias. Os velhos acham que é um fracasso abrir mão do espaço conquistado. Por isso, recusam ceder poder ou atribuições e acabam infelizes. Reduzir suas ambições à medida que você envelhece não é nenhuma derrota pessoal. Felicidade não é um estado alcançável, um nirvana, mas uma dinâmica contínua. É chegar lá, e não estar lá como muitos erroneamente pensam. Seja ambicioso dentro dos limites, estude e observe sempre, amplie seus sonhos quando puder, reduza suas ambições quando as circunstâncias exigirem. Mantenha sempre uma meta a lcançar em todas as etapas da vida e você será muito feliz.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Editora Abril, Revista Veja, edição 1910, ano 38, nº 25, 22 de junho de 2005, página 24

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Viver de aluguéis

O sonho de muitos brasileiros é construir duas ou três casinhas e viver de aluguel na velhice. Nos últimos cinqüenta anos a população brasileira cresceu de 50 para 176 milhões de habitantes, gerando enorme valorização dos preços de imóveis e terrenos para a construção. Por isso, os imóveis eram sempre nossa primeira opção de investimentos.

Só que nos próximos cinqüenta anos nossa população não vai mais crescer 300%, mas somente 30%. E ainda bem. Isso significa que a necessidade primária de novos imóveis ficará em menos que 0,5% ao ano. Será que os imóveis se valorizarão como no passado?

Dez anos atrás vendi um apartamento de um dormitório que me rendia um aluguel e coloquei os 60.000 reais em ações de seis empresas, cotadas em bolsa. Minha primeira alegria foi descobrir que a corretagem em ações não chegava a 0,5% por transação, enquanto em imóveis o valor da corretagem chega a 6%, mais Imposto sobre Aquisição de Imóveis (Sisa), mais CPMF, mais o custo do cartório e do advogado independente, que hoje é imprescindível, o que pode elevar a brincadeira toda para 8%.

A segunda alegria foi perceber que, enquanto meu inquilino me considerava seu algoz, as empresas me chamavam de sócio e de parceiro. Meu inquilino considerava meu aluguel uma despesa a ser reduzida de tempos a tempos, já que o prédio envelhecia ano após ano. Por outro lado, as ações valorizavam-se com o tempo.

Enquanto meu apartamento ficava de três a quatro meses vazio entre um inquilino e outro, nas empresas meu dinheiro não ficava parado um minuto. Enquanto meu apartamento se desvalorizava 1% ao ano por obsolescência e depreciação, as ações se valorizavam no mínimo 4% ao ano, porque boa parte dos lucros é reinvestida na empresa, o que muita gente não percebe. Normalmente, só 25% a 50% dos lucros são distribuídos em dividendos.

Hoje, tenho pessoas como Maurício Botelho, da Embraer, eleito um dos 25 melhores executivos do mundo, trabalhando para mim. Ao contrário de meu ex-inquilino, que vivia desempregado e atrasando o pagamento.

Por isso, metade das famílias americanas possui ações em vez de imóveis de aluguel, enquanto no Brasil menos que 3% investem em ações de forma significativa. Lá, os trabalhadores podem comprar seu imóvel, porque todos investem em ações que geram duplamente empregos, nas empresas e no setor de construção. Aqui, porque preferimos investir em imóveis sem risco, em vez de ações que rendem mais por terem maiores riscos, só geramos empregos no setor

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de construção, mantendo os salários baixos e condenando o trabalhador brasileiro a alugar um imóvel para sempre.

A precaução que recomendo é nunca comprar ações justamente no meio de uma alta, como agora, e sempre escolher com cuidado a ação a comprar, os mesmos cuidados que deve seguir quem compra um imóvel.

Culturalmente o brasileiro acredita em imóveis por causa do medo da inflação, além do fato de que "imóvel ninguém rouba". Mas empresas em bolsa são também imóveis, e elas se protegem muito bem da inflação, e também ninguém as rouba. As ações ficam custodiadas na própria bolsa.

Do rendimento anual do aluguel você precisa descontar o custo do corretor do imóvel, do cartório, do administrador imobiliário, do corretor do inquilino, do pintor, do advogado independente, dos atrasos, da inadimplência, dos aborrecimentos, da depreciação do imóvel, da manutenção obrigatória, do aumento do IPTU. Quem fizer os cálculos vai descobrir que no fim sobra bem menos do que se imaginava.

Há inúmeras ações que dão 5% a 9% só de dividendos, além da valorização. Óbvio que existem algumas que perdem 50% do valor, mas tem imóvel que também vale a metade depois de descontar a inflação ou a valorização do dólar quinze anos depois. Mas o risco de seis ações caírem pela metade é muito menor, por isso nunca coloque todos os seu ovos em um único imóvel, com exceção do seu. Ter o próprio imóvel é uma paz de espírito que recomendo a todos.

Tente vencer essa nossa barreira cultural começando ao poucos, aplicando 5.000 reais numa ação que dê bons dividendos, apenas para se acostumar com a bolsa e com a idéia de que não só de aluguel vive um aposentado.

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Revista Veja, Editora Abril, edição 1830, ano 36, nº 47 de 26 de novembro de 2003, página 30

Você está despedido!

Você é diretor de uma indústria de geladeiras. O mercado vai de vento em popa e a diretoria decidiu duplicar o tamanho da fábrica. No meio da construção, os economistas americanos prevêem uma recessão, com grande alarde na imprensa. A diretoria da empresa, já com um fluxo de caixa apertado, decide, pelo sim, pelo não, economizar 20 milhões de dólares. Sua missão é determinar onde e como realizar esse corte nas despesas.Esse é o resumo de um dos muitos estudos de caso que tive para resolver no mestrado de administração, que me marcou e merece ser relatado. O professor chamou um colega ao lado para começar a discussão. O primeiro tem sempre a obrigação de trazer à tona as questões mais relevantes, apontar as variáveis

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críticas, separar o joio do trigo e apresentar um início de solução."Antes de mais nada, eu mandaria embora 620 funcionários não essenciais, economizando 12 200 000 dólares. Postergaria, por seis meses os gastos com propaganda, porque nossa marca é muito forte. Cancelaria nossos programas de treinamento por um ano, já que estaremos em compasso de espera. Finalmente, cortaria 95% de nossos projetos sociais, afinal nossa sobrevivência vem em primeiro lugar". É exatamente isso que as empresas brasileiras estão fazendo neste momento, muitas até premiadas por sua "responsabilidade social".Terminada a exposição, o professor se dirigiu ao meu colega e disse:-Levante-se e saia da sala.-Desculpe, professor, eu não entendi - disse John, meio aflito.-Eu disse para sair desta sala e nunca mais voltar. Eu disse: PARA FORA! Nunca mais ponha os pés aqui em Harvard.Ficamos todos boquiabertos e com os cabelos em pé.Nem um suspiro. Meu colega começou a soluçar e, cabisbaixo, se preparou para deixar a sala. O silêncio era sepulcral.Quando estava prestes a sair, o professor fez seu último comentário:-Agora vocês sabem o que é ser despedido. Ser despedido sem mostrar nenhuma deficiência ou incompetência, mas simplesmente porque um bando de prima-donas em Washington meteu medo em todo mundo. Nunca mais na vida despeçam funcionários como primeira opção. Despedir gente é sempre a última alternativa.Aquela aula foi uma lição e tanto. É fácil despedir 620 funcionários como se fossem simples linhas de uma planilha eletrônica, sem ter de olhar cara a cara para as pessoas demitidas. É fácil sair nos jornais prevendo o fim da economia ou aumentar as taxas de juros para 25% quando não é você quem tem de despedir milhares de funcionários nem pagar pelas conseqüências. Economistas, pelo jeito, nunca chegam a estudar casos como esse nos cursos de política monetária.Se você decidiu reduzir seus gastos familiares "só para se garantir", também estará despedindo pessoas e gerando uma recessão. Se todas as empresas e famílias cortarem seus gastos a cada previsão de crise, criaremos crises de fato, com mais desemprego e mais recessão. A solução para crises é reservas e poupança, poupança previamente acumulada.O correto é poupar e fazer reservas públicas e privadas, nos anos de vacas gordas para não ter de despedir pessoas nem reduzir gastos nos anos de vacas magras, conselho milenar. Poupar e fazer caixa no meio da crise é dar um tiro no pé. Demitir funcionários contratados a dedo, talentos do presente e do futuro, é suicídio.Se todos constituíssem reservas, inclusive o governo, ninguém precisaria ficar apavorado, e manteríamos o padrão de vida, sem cortar despesas. Se a crise for maior que as reservas, aí não terá jeito, a não ser apertar o cinto, sem esquecer aquela memorável lição: na hora de reduzir custos, os seres humanos vêm em último lugar.

Stephen Kanitz

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1726, ano 34, nº45, 14 de Novembro de 2001

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Volta às Aulas

Jamais esquecerei o meu primeiro dia de aula na Harvard Business School. No dia anterior recebemos 90 páginas descrevendo três problemas administrativos que haviam ocorrido anos atrás em empresas verdadeiras. Tínhamos 24 horas para tomar uma série de decisões, utilizando as mesmas informações disponíveis da diretoria da época. Era um problema por matéria, 3 matérias por dia.

O primeiro caso do dia tratava-se de uma empresa controlada por dois irmãos, bem sucedida por trinta anos, até o dia em que um deles se desquitou e casou com uma moça vinte anos mais jovem. Esse pequeno fato desencadeou uma série de problemas que afetava o desempenho da empresa. Nós éramos os consultores que teriam de sugerir uma saída.

No primeiro dia, na primeira aula, o professor entrou na sala e simplesmente disse:- Sr. Kanitz, qual é a sua recomendação para esse caso ? - Por que eu ?

As aulas a que eu estava acostumado em toda a minha vida de estudante consistiam num bando de alunos ouvindo pacientemente um professor que dominava as nossas atenções pelo resto do dia. Simplesmente, naquele fatídico dia, eu não estava preparado quando todos viraram suas atenções para mim - e, pelo jeito, eu é que teria de dar a aula.

Esse sistema é conhecido por ensino centrado no aluno e não no professor. Tanto é que, minha grande frustração foi ter os melhores professores de administração do mundo, mas que ficavam na maioria das aulas, simplesmente calados. Curiosamente, falar em aula era uma obrigação, e não o que em geral acontece em muitas escolas secundárias brasileiras, em que essa atitude é passível de punição.

Outra descoberta chocante foi constatar, que a maioria dos famosos livros de administração de nada serviam para resolver aquele caso. Nenhum capítulo de Michael Porter trata especificamente de 'problemas de desquites em empresas familiares', um fato mais comum nas empresas do que se imagina.

A maioria das decisões na vida é de problemas que ninguém teve que enfrentar antes, e sem literatura pré-estabelecida. Estamos sozinhos no mundo com nossos problemas pessoais e empresariais. Quão mais fácil foi a minha vida de estudante no Brasil, quando a obrigação acadêmica era decorar as teorias do passado de Keynes, Adam Smith e Peter Drucker, como se fossem livros de auto-ajuda para os problemas do futuro.

Durante dois anos, estudamos mais de 1.000 casos ou problemas dos mais variados tipos: desde desquites, brigas entre o departamento de marketing e o financeiro, greves, governos incompetentes, fusões, cisões, falências e até crises na Ásia. Isto nos obrigava a observar, destilar as informações relevantes, ignorar as irrelevantes, ponderar as contradições, trabalhar com vinte variáveis ao mesmo tempo, testar alternativas, formar uma decisão e expô-la de forma clara e coerente.

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Estavam ensinando por meio de uma metodologia inédita na época (1972), o que poucas escolas e faculdades fazem até hoje: ensinar a pensar.

Em nada adianta ficar ensinando como outros grandes cérebros do passado pensavam. Em nada adianta copiar soluções do passado e achar que elas se aplicam ao presente.

Num mundo cada vez mais mutável, onde as inter-relações nunca são as mesmas, ensinar fatos e teorias será de pouca utilidade para o administrador ou economista de hoje.

Ensinar a pensar também não é tão fácil assim. Não é um curso de lógica, nem uma questão de formar uma visão critica do mundo achando que isto resolve a questão. Sair criticando o mundo, contestando as teorias do passado forma uma geração de contestadores que nada constrói, que nada sugere.

Minha recomendação ao jovem de hoje é para que se concentre em uma das competências mais importantes para o mundo moderno: aprender a pensar e a tomar decisões.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Editora Abril, Revista Veja, edição 1636, ano 33, nº 07, 16 de fevereiro de 2000, página 21

Marketing, marketing, marketing

Diariamente, um brasileiro médio é bombardeado com nada menos do que 1.500 apelos de venda pelo rádio, tv, imprensa, outdoors e folhetos promocionais. São 1.500 apelos de como gastar o rico dinheirinho, apelos bem elaborados por gênios da propaganda e do marketing. Apelos fortes com promessas de satisfação imediata, direta e pessoal.

As entidades sem fins lucrativos concorrem por este mesmo rico dinheirinho e com uma grande desvantagem. Quem receberá o benefício será uma pessoa carente e não o próprio doador. Por isso, não é à toa que, no Brasil, as entidades sem fins lucrativos têm tanta dificuldade em levantar recursos financeiros.

Para ilustrar melhor essa dificuldade, basta compararmos o total de recursos doados a entidades sem fins lucrativos no Brasil e nos Estados Unidos. As 400 maiores entidades norte-americanas são contempladas com o equivalente a R$ 94 bilhões de donativos anualmente, enquanto as 400 maiores instituições sem fins lucrativos brasileiras recebem o equivalente a R$ 1,7 bilhões, o que representa uma fatia de apenas 1/55 do total movimentado nos Estados Unidos. Vide http://www.filantropia.org/.

Respeitando-se as devidas diferenças entre os dois países, o descompasso é enorme. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, por exemplo, equivale a 1/10 do norte-americano. Há, portanto, muito campo para avançar no terreno da filantropia no Brasil.

E como proceder para apoiar o crescimento desse segmento? Não há dúvida que o crescente sentimento de cidadania que a sociedade brasileira está resgatando é uma contribuição de inestimável valor para a disseminação de projetos e ações voltadas à comunidade. Falta, entretanto, um trabalho mais consistente e de maior fôlego na divulgação de tais ações.

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O Prêmio Bem Eficiente é, nesse sentido, a primeira iniciativa de envergadura que procura expor, de forma organizada e sistemática, as atividades e empreendimentos de entidades sem fins lucrativos.

Em seu oitavo ano de existência, o Prêmio Bem Eficiente procura divulgar o trabalho das entidades filantrópicas com a maior sinergia possível, evitando a concorrência, mesmo que involuntária, entre as entidades, ao atestar, com a premiação, o trabalho de cinquenta instituições no curso de um ano. Assim, o Prêmio Bem Eficiente acaba por fazer um trabalho de marketing conjunto, aumentando a projeção individual das entidades e do próprio setor.

Ao apresentar à sociedade exemplos de excelência na área beneficente, esperamos estar contribuindo para o aumento do número de cidadãos, em geral, e de empresários, em particular, empenhados em abraçar e apoiar causas que promovam o bem-estar da coletividade.

Esse esforço, entretanto, pode ser consideravelmente reforçado pela ação de parceiros na mídia, com sua reconhecida criatividade e precioso espaço e pelo empenho de voluntários, que divulguem o trabalho das empresas vencedoras no Brasil e no exterior.

Contamos com o apoio de todos. Afinal, uma causa justa como essa não apenas merece a sua atenção. Mais do que isso, ela precisa do seu empenho.

Stephen Kanitz e Leila Lorenzi

Ponto de Observação - O Mapa do Brasil

"Vamos virar nossos mapas para cima, para o Cruzeiro do Sul. Vamos criar nossos referenciais para o nosso mapa, nosso jeito de ver o mundo. Essa é a única forma de criar uma nação".

Poderá parecer curioso o que vou escrever às vésperas dos 500 anos do Descobrimento: nós ainda não descobrimos o Brasil! Os portugueses talvez, mas nós ainda não. Sílvio Romero, já em 1880, identificava como o grande problema brasileiro a "imitação do estrangeiro na vida intelectual". Manoel Bomfim, anos depois, apontava nossa "falta de observação". Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala nos definia pela "aptidão para imitar". Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil sentenciava que somos "desterrados em nossa terra" por trazermos de outros países nossas formas de vida.

Copiamos coisas prontas, traduzimos tudo, preferimos citar a pensar, ridicularizamos inclusive os observadores genuinamente brasileiros.

Preferimos acreditar em Marx, Gramsci, Anthony Giddens, Keynes ou em idéias como "Inflation Targeting". Inteligentes no Brasil são os eruditos da cultura alheia. Vejam, por exemplo, o mapa do Brasil. Nenhum observador genuinamente brasileiro teria feito nosso mapa como todo leitor está acostumado a ver. O mapa de antigamente apontavam para o Oriente, onde nasce o Sol. As caravanas acordavam, apontavam o mapa na direção do Sol, e traçava-se o caminho. Expressões como "orientar-se", "desorientado" vieram dessa época. Quando os portugueses começaram a navegar de noite, perceberam rapidamente que o Sol não era um ponto de orientação útil, e o mapa começou a usar a estrela Polar do Norte como ponto de referência.

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O mapa europeu é inútil no Hemisfério Sul, pois não é possível localizar daqui a estrela Polar. Nosso ponto de referência é o Cruzeiro do Sul. A partir dessa premissa, elaborei um mapa segundo nossa epistemologia. Ele aparece no miolo deste artigo e está disponível em tamanho maior no meu site. Não é um mapa simplesmente diferente, é um mapa coerente com a realidade brasileira. Parece estar de cabeça para baixo, mas na realidade são os mapas atuais que estão de ponta-cabeça. Se o leitor ainda está achando o mapa estranho, é porque está usando padrões cartográficos europeus para enxergar o próprio país.

O que pode parecer um detalhe cartográfico é, na realidade, o começo do enorme erro destes 500 anos. Ainda não criamos nossos próprios pontos de referência, nossas balizas, nossos pontos de apoio. Por isso, não temos ainda o conceito de nação, de cidadania, justamente pelo fato de ainda não observarmos o Brasil com nossos próprios olhos. 

Nossa auto-estima é baixa, somos inseguros, sentimo-nos confusos, perdidos no mundo globalizado. Estamos literalmente "desnorteados". Colocar o Brasil no centro do mapa tampouco é um ato de ufanismo da minha parte ou uma crença de que o Brasil está no centro do universo. Qualquer indivíduo que olhe 360 graus em sua volta fatalmente construirá um mapa com sua cidade, ou ponto de observação, no centro, algo que nunca fizemos. 

O conhecimento humano nada mais é do que mapas simplificados que criamos para auxiliar nosso caminho. O sucesso recai justamente naqueles que fazem os melhores mapas. Damos pouco valor aos pesquisadores brasileiros, temos frases do tipo "santo de casa não faz milagres", "ninguém é profeta em sua terra". 

Vamos começar uma vida nova, de início virando nosso mapa para cima, para o Cruzeiro do Sul. Vamos criar nossos referenciais, nossos pontos de apoio, nossas formas de ver o mundo. Essa é a única forma de criar uma nação. Vamos finalmente descobrir o Brasil, mas desta vez com nossos próprios olhos. 

 

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)

Artigo veiculado na Revista VEJA do dia 9 de abril de 2000

Como escrever um bom artigo

Escrever um bom artigo é bem mais fácil do que a maioria das pessoas pensa. No meu caso, português foi sempre a minha pior matéria. Meu professor de português, o velho Sales, deve estar se revirando na cova.

Ele que dizia que eu jamais seria lido por alguém. Portanto, se você sente que nunca poderá escrever, não desanime, eu sentia a mesma coisa na sua idade.

Escrever bem pode ser um dom para poetas e literatos, mas a maioria de nós está apta para escrever um simples artigo, um

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resumo, uma redação tosca das próprias idéias, sem mexer com literatura nem com grandes emoções humanas. 

O segredo de um bom artigo não é talento, mas dedicação, persistência e manter-se ligado a algumas regras simples. Cada colunista tem os seus padrões. Eu vou detalhar alguns dos meus e espero que sejam úteis para você também.

1. Eu sempre escrevo tendo uma nítida imagem da pessoa para quem eu estou escrevendo. Na maioria dos meus artigos para a Veja, por exemplo, eu normalmente imagino alguém com 16 anos de idade ou um pai de família. 

Alguns escritores e jornalistas escrevem pensando nos seus chefes, outros escrevem pensando num outro colunista que querem superar, alguns escrevem sem pensar em alguém especificamente. 

A maioria escreve pensando em todo mundo, querendo explicar tudo a todos ao mesmo tempo, algo na minha opinião meio impossível. Ter uma imagem do leitor ajuda a lembrar que não dá para escrever para todos no mesmo artigo. Você vai ter que escolher o seu público alvo de cada vez, e escrever quantos artigos forem necessários para convencer todos os grupos.

O mundo está emburrecendo porque a TV em massa e os grandes jornais não conseguem mais explicar quase nada, justamente porque escrevem para todo mundo ao mesmo tempo. E aí, nenhum das centenas de grupos que compõem a sociedade brasileira entende direito o que está acontecendo no país, ou o que está sendo proposto pelo articulista. Os poucos que entendem não saem plenamente ou suficientemente convencidos para mudar alguma coisa.

2. Há muitos escritores que escrevem para afagar os seus próprios egos e mostrar para o público quão inteligentes são. Se você for jovem, você é presa fácil para este estilo, porque todo jovem quer se incluir na sociedade. 

Mas não o faça pela erudição, que é sempre conhecimento de segunda mão. Escreva as suas experiências únicas, as suas pesquisas bem sucedidas, ou os erros que já cometeu.

Querer se mostrar é sempre uma tentação, nem eu consigo resistir de vez em quando de citar um Rousseau ou Karl Marx. Mas, tendo uma nítida imagem para quem você está escrevendo, ajuda a manter o bom senso e a humildade. Querer se exibir nem fica bem. 

Resumindo, não caia nessa tentação, leitores odeiam ser chamados de burros. Leitores querem sair da leitura mais inteligentes do que antes, querem entender o que você quis dizer. Seu objetivo será deixar o seu leitor, no final da leitura, tão informado quanto você, pelo menos na questão apresentada.

Portanto, o objetivo de um artigo é convencer alguém de uma

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nova idéia, não convencer alguém da sua inteligência. Isto, o leitor irá decidir por si, dependendo de quão convincente você for.

3. Reescrevo cada artigo, em média, 40 vezes. Releio 40 vezes, seria a frase mais correta porque na maioria das vezes só mudo uma ou outra palavra, troco a ordem de um parágrafo ou elimino uma frase, processo que leva praticamente um mês. 

Ninguém tem coragem de cortar tudo o que tem de ser cortado numa única passada. Parece tudo tão perfeito, tudo tão essencial. Por isto, os cortes são feitos aos poucos. 

Depois tem a leitura para cuidar das vírgulas, do estilo, da concordância, das palavras repetidas e assim por diante. Para nós, pobres mortais, não dá para fazer tudo de uma vez só, como os literatos. 

Melhor partir para a especialização, fazendo uma tarefa BEM FEITA por vez. 

Pensando bem, meus artigos são mais esculpidos do que escritos. Quarenta vezes talvez seja desnecessário para quem for escrever numa revista menos abrangente. Vinte das minhas releituras são devido a Veja, com seu público heterogêneo onde não posso ofender ninguém. 

Por exemplo, escrevi um artigo "Em terra de cego quem tem um olho é rei". É uma análise sociológica do Brasil e tive de me preocupar com quem poderia se sentir ofendido com cada frase. 

O Presidente Lula, apesar do artigo não ter nada a ver com ele, poderia achar que é uma crítica pessoal? Ou um leitor achar que é uma indireta contra este governo? Devo então mudar o título ou quem lê o artigo inteiro percebe que o recado é totalmente outro? 

Este é o tipo de problema que eu tenho, e espero que um dia você tenha também.

O meu primeiro rascunho é escrito quando tenho uma inspiração, que ocorre a qualquer momento lendo uma idéia num livro, uma frase boba no jornal ou uma declaração infeliz de um ministro. Às vezes, eu tenho um bom título e nada mais para começar. Inspiração significa que você tem um bom início, o meio e dois bons argumentos. O fechamento vem depois. 

Uma vez escrito o rascunho, ele fica de molho por algum tempo, uma semana, até um mês. O artigo tem de ficar de molho por algum tempo. Isso é muito importante. 

Escrever de véspera é escrever lixo na certa. Por isto, nossa imprensa vem piorando cada vez mais, e com a internet nem de véspera se escreve mais. Internet de conteúdo é uma ficção. A não ser que tenha sido escrito pelo próprio

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protagonista da notícia, não um intermediário.

A segunda leitura só vem uma semana ou um mês depois e é sempre uma surpresa. Tem frases que nem você mais entende, tem parágrafos ridículos, mas que pelo jeito foi você mesmo que escreveu. Tem frases ditas com ódio, que soam exageradas e infantis, coisa de adolescente frustrado com o mundo. A única solução é sair apagando.

O artigo vai melhorando aos poucos com cada releitura, com o acréscimo de novas idéias, ou melhores maneiras de descrever uma idéia já escrita.

Estas soluções e melhorias vão aparecendo no carro, no cinema ou na casa de um amigo. Por isto, os artigos andam comigo no meu Palm Top, para estarem sempre à disposição.

Normalmente, nas primeiras releituras tiro excessos de emoção. Para que taxar alguém de neoliberal, só para denegri-lo? Por que dar uma alfinetada extra? É abuso do seu poder, embora muitos colunistas fazem destas alfinetadas a sua razão de escrever.

Vão existir neoliberais moderados entre os seus leitores e por que torná-los inimigos à toa? Vá com calma com suas afirmações preconceituosas, seu espaço não é uma tribuna de difamação.

4. Isto leva à regra mais importante de todas: você normalmente quer convencer alguém que tem uma convicção contrária à sua. Se você quer mudar o mundo você terá que começar convencendo os conservadores a mudar.

Dezenas de jornalistas e colunistas desperdiçam as suas vidas e a de milhares de árvores, ao serem tão sectários e ideológicos que acabam sendo lidos somente pelos já convertidos. Não vão acabar nem mudando o bairro, somente semeando ódio e cizânia.

Quando detecto a ideologia de um jornalista eu deixo de ler a sua coluna de imediato. Afinal, quero alguém imparcial noticiando os fatos, não o militante de um partido. Se for para ler ideologia, prefiro ir direto na fonte, seja Karl Marx ou Milton Friedman. Pelo menos, eles sabiam o que estavam escrevendo.

É muito mais fácil escrever para a sua galera cativa, sabendo que você vai receber aplausos a cada "Fora Governo" e "Fora FMI". Mas resista à tentação, o mercado já está lotado deste tipo de escritor e jornalista. Economizaríamos milhares de árvores e tempo se graças a um artigo seu, o Governo ou o FMI mudassem de idéia. 5. Cada idéia tem de ser repetida duas ou mais vezes. Na primeira vez você explica de um jeito, na segunda você explica de outro. Muitas vezes, eu tento encaixar ainda uma terceira versão.

Nem todo mundo entende na primeira investida, a maioria

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fica confusa. A segunda explicação é uma nova tentativa e serve de reforço e validação para quem já entendeu da primeira vez.

Informação é redundância. Você tem que dar mais informação do que o estritamente necessário. Eu odeio aqueles mapas de sítio de amigo que se você errar uma indicação você estará perdido para sempre. Imagine uma instrução tipo: "se você passar o posto de gasolina, volte, porque você ultrapassou o nosso sítio". 

Ou seja, repeti acima uma idéia mais ou menos quatro vezes, e mesmo assim muita gente ainda não vai saber o que quer dizer "redundância" e muitos nunca vão seguir este conselho.

Neste mesmo exemplo acima também misturei teoria e dois exemplos práticos. Teoria é que informação para ser transmitida precisa de alguma redundância, o posto de gasolina foi um exemplo. 

Não sei porque tanto intelectual teórico não consegue dar a nós, pobres mortais, um único exemplo do que ele está expondo. Eu me recuso a ler intelectual que só fica na teoria, suspeito sempre que ele vive numa redoma de vidro. 

6. Se você quer convencer alguém de alguma coisa, o melhor é deixá-lo chegar à conclusão sozinho, em vez de você impor a sua. Se ele chegar à mesma conclusão, você terá um aliado. Se você apresentar a sua conclusão, terá um desconfiado.

Então, o segredo é colocar os dados, formular a pergunta que o leitor deve responder, dar alguns argumentos importantes, e parar por aí. Se o leitor for esperto, ele fará o passo seguinte, chegará à terrível conclusão por si só, e se sentirá um gênio.

Se você fizer todo o trabalho sozinho, o gênio será você, mas você não mudará o mundo, e perderá os aliados que quer ter.

Num artigo sobre erros graves de um famoso Ministro, fiquei na dúvida se deveria sugerir que ele fosse preso e nos pagar pelo prejuízo de 20 bilhões que causou, uma acusação que poderia até gerar um processo na justiça por difamação. 

Por isto, deixei a última frase de fora. Mostrei o artigo a um amigo economista antes de publicá-lo, e qual não foi a minha surpresa quando ele disse indignado: "um ministro desses deveria ser preso". A última frase nem foi necessária.

Portanto, não menospreze o seu leitor. Você não estará escrevendo para perfeitos idiotas e seus leitores vão achar seus artigos estimulantes. Vão achar que você os fez pensar.

7. O sétimo truque não é meu, aprendi num curso de redação. O professor exigia que escrevêssemos um texto de quatro páginas. Feita a tarefa, pedia que tudo fosse reescrito em duas páginas sem perder conteúdo. Parecia impossível, mas normalmente conseguíamos. Têm

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frases mais curtas, têm formas mais econômicas, tem muita lingüiça para retirar.

Em dois meses aprendemos a ser mais concisos, diretos, e achar soluções mais curtas. Depois, éramos obrigados a reescrever tudo aquilo novamente em uma única página, agora sim perdendo parte do conteúdo. Protesto geral, toda frase era preciosa, não dava para tirar absolutamente nada. Mas isto nos obrigava a determinar o que de fato era essencial ao argumento, e o que não era.

Graças a esse treino, a maioria das pessoas me acha extremamente inteligente, o que lamentavelmente não sou, fui um aluno médio a vida inteira. O que o pessoal se impressiona é com a quantidade de informação relevante que consigo colocar numa única página de artigo, e isto minha gente não é inteligência, é treino. 

Portanto, mãos à obra. Boa sorte e mudem o mundo com suas pesquisas e observações fundamentadas, não com seus preconceitos.

Stephen Kanitz

Como Escolher Um Bom PalestranteUm bom palestrante pode ser a diferença entre um evento bem sucedido ou não. Nos Estados Unidos, o palestrante chave é chamado de key note speaker, o que significa que ele dará o tom para todo o resto do evento.

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Vale a pena escolher meticulosamente o palestrante que dará o tom inicial ao seu evento porque ele pode criar um clima de aceitação favorável aos palestrantes seguintes e às mensagens que se deseja transmitir.

Um palestrante inicial amador e inexperiente pode jogar por terra toda a programação do dia.

Histórico de comprometimento e pontualidade

Este é um critério que poucos pensam em verificar, um famoso palestrante que chega atrasado de nada serve.

Trinta por cento dos palestrantes que aceitam palestras sem remuneração, acabam cancelando. A porcentagem para políticos e ministros é sensivelmente maior.

Um publicitário pode achar interessante fazer uma palestra promocional. Porém, se na véspera seu principal cliente o convocar, adeus compromissos com clientes em potencial. 

A regra de bolso nesta área é contratar alguém que costuma realizar pelo menos 30 palestras ao ano. Estes têm um nome a zelar.

Palestras para grandes públicos requerem preparação contínua e prática constante. Como um bom cirurgião. Cirurgiões eventuais só mesmo para os corajosos.

Autenticidade

Bons palestrantes falam do coração. Eles próprios pesquisaram o assunto no mercado, não em livros acadêmicos. Reengenharia descrita pelo seu inventor é uma palestra fantástica, bem diferente da de quem simplesmente aprendeu o assunto ou copiou.

Organização

Boas palestras são cuidadosamente preparadas. Não é uma ofensa pedir com um mês de antecedência o esboço ou a cópia das transparências. Palestras de improviso são sempre mais arriscadas, às vezes são brilhantes, outras vezes um desastre.

Avalie a organização do seu palestrante desde o seu primeiro contato com ele, pois esta será uma boa indicação do que poderá ocorrer no dia do evento.

Senso de humor

A platéia não é de ferro. Bons palestrantes sabem como ninguém intercalar um assunto sério com alguma frase espirituosa, sempre no contexto, dando à palestra uma sequência agradável.

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Talento

Fazer uma boa palestra requer talento, treinamento e muita prática, como em qualquer profissão. Muitos talentos agraciados com o Prêmio Nobel são péssimos palestrantes. Por isso, bons palestrantes são difíceis de se achar.

Henry Kissinger cobra US$ 80.000 por palestra , Peter Drucker US$ 60.000 e Tom Peters US$ 50.000. Eles são capazes de salvar um evento mal organizado - comida sofrível, atraso nas bagagens e noites mal dormidas. O contrário infelizmente não ocorre : o melhor hotel, a melhor organização não salva uma palestra mal dada.

Finalmente, peça uma avaliação de um evento anterior do palestrante a ser contratado. Bons conferencistas recebem esses relatórios rotineiramente, e terão prazer em lhe ceder uma cópia.